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PSICOLOGIA

APLICADA AO
CUIDADO

Sabine Heumann
O ciclo da vida e as teorias
de desenvolvimento
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Explicar as principais etapas do desenvolvimento psicossexual.


„„ Reconhecer o desenvolvimento psicossocial ao longo do ciclo da vida.
„„ Mapear os desenvolvimentos motor e cognitivo da infância à velhice.

Introdução
O estudo do desenvolvimento humano está em constante evolução.
Descrever, explicar e prever o que é esperado em cada momento do de-
senvolvimento são alguns dos objetivos dessa área de estudo, que, desde
o início, vem sendo construída de maneira interdisciplinar (abrangendo
psicologia, biologia, medicina, antropologia, genética, etc.).
As explicações sobre como os processos de desenvolvimento humano
se dão estão sendo cada vez mais aprimoradas, e diversos autores já
elaboraram teorias para explicá-los. Entre eles, destacam-se, no escopo
deste capítulo, as contribuições de Freud, Erikson e Piaget.
Neste capítulo, você estudará sobre a compreensão do ciclo vital
à luz das teorias de desenvolvimento mais importantes. Além disso,
conhecerá as principais etapas do desenvolvimento psicossexual.
Por fim, estudará o desenvolvimento psicossocial ao longo de todo o ciclo
vital, a fim de mapear os desenvolvimentos motor e cognitivo desde a
infância até a velhice.
2 O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento

1 A visão freudiana: a teoria psicossexual do


desenvolvimento humano
De acordo com a visão freudiana, o mapa da subjetividade humana é traçado
na infância — o que evidencia a importância dada a esse momento do ciclo
vital. Em 1905, por meio da publicação Três ensaios para uma teoria sexual,
Freud apresentou suas compreensões acerca do desenvolvimento da sexualidade
na infância. Segundo essa concepção, compreende-se que a sexualidade e a
existência de um sujeito sexualmente desejante se iniciem nesse período do
desenvolvimento (CORSO, 1998).

Para saber mais sobre a teoria freudiana da sexualidade, leia o artigo A teoria freudiana
da sexualidade 100 anos depois (1905-2005), disponível no link a seguir, que celebra o
centenário da publicação Três ensaios para uma teoria sexual por meio da discussão
dos principais conceitos e de como a teoria é vista hoje em relação a como era vista
ao longo do tempo (JORGE, 2007).

https://qrgo.page.link/MLGLL

Conforme Zornig (2008), a discussão quanto à sexualidade infantil chocou


a sociedade quando foi proposta, e mesmo hoje ainda gera desconforto, por se
distanciar daquela ideia de pureza comumente atribuída à infância. Entretanto,
a visão da sexualidade proposta pela psicanálise é ampliada em relação à
entendida em geral. Para Freud, a sexualidade infantil está relacionada à busca
por prazer, que pode envolver qualquer área ou órgão do corpo. Para ficar
mais claro, pode-se citar o exemplo da mamada, que, além de oportunizar a
satisfação orgânica (necessidade de nutrição), também satisfaz uma necessidade
afetiva, ligada, de acordo com essa concepção, à sexualidade na infância.
A partir do estudo da fase oral, essa compreensão ficará mais clara.
O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento 3

Segundo Couto (2017), a visão da sexualidade infantil é denominada por


Freud como perverso-polimorfa. A denominação perversa está relacionada
ao entendimento de que a sexualidade na infância não tem relação com a
reprodução, apenas com a satisfação. Já a denominação polimorfa representa
a compreensão de que o objeto sexual (desejante) da criança assume diferentes
formas. Ou seja, a satisfação sexual da criança pode ocorrer em diferentes
áreas do corpo, sendo a obtenção de prazer encontrada no próprio corpo do
bebê (autoerótica), e não em um objeto externo.
A partir dessa compreensão, Freud (1905) organiza o desenvolvimento
infantil a partir de quatro fases psicossexuais: oral, sádica, anal-fálica e genital,
descritas a seguir.

As etapas do desenvolvimento psicossexual


Cada etapa evidencia um conflito interno pelo qual a criança passa. Essas
etapas desenvolvem a libido do sujeito, por meio da preponderância de uma
zona erógena. O desfecho desse processo constitui a vida sexual do adulto
e sua personalidade, em que a busca pelo prazer está a serviço da função
reprodutora (FREUD, 1905).
Segundo Freud (1905), existem duas fases pré-genitais, descritas a seguir.

A libido, na visão psicanalítica, diz respeito a uma energia direcionada ao objeto


desejante (energia sexual). Essa energia surge nas zonas erógenas e é um componente
da vida psíquica humana. Ou seja, entendendo a compreensão sexual de maneira
ampliada, conforme a visão psicanalítica, a libido também é vista e compreendida de
forma mais ampla. Na infância, a libido está disposta de maneira desorganizada no
corpo da criança e, mais tarde, se organizará de forma a orientar a busca pela satisfação
sexual do sujeito (FURTADO; VIEIRA, 2014).
4 O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento

Fase oral (do nascimento aos 12–18 meses, aproximadamente)

Nessa primeira fase do processo psicossexual, também chamada de fase


canibalesca, a atividade sexual do bebê não está separada da atividade de
nutrição. Assim, é por meio da amamentação que o bebê obtém suas primeiras
satisfações. Nessa fase, observa-se que a boca é utilizada pelo bebê como
destino para tudo que ele tem contato (COUTO, 2017; FREUD, 1905).
Conforme Couto (2017), na fase oral, existe um grande prazer relacionado
à mucosa dos lábios (cavidade bucal), de onde vêm as excitações dessa fase,
sendo o objeto desejante o seio materno, e o objetivo, a introjeção desse objeto.
No entanto, como nem sempre a mãe está disponível, ocorrem as primeiras
frustrações da criança, e, a partir daí, ela pode substituir o seio por outros
objetos, como o dedo e a chupeta, por exemplo (FURTADO; VEIRA, 2014).

Fase sádico-anal (dos 12–18 meses aos 3 anos, aproximadamente)

Nessa fase, a mucosa dos lábios, que atuava como fonte de prazer, dá espaço à
mucosa do intestino. Essa fase pode ser observada por meio dos distúrbios intes-
tinas frequentes na primeira infância. Assim, o objeto que caracteriza essa fase
são as fezes, entendidas de maneira simbólica pela criança como um “presente”
para quem cuida dela. As fezes são como uma extensão da própria criança, por
isso a ideia de presentear a cuidadora com essa “produção” (COUTO, 2017).
Conforme Couto (2017), além das fases denominadas pré-genitais, existem
as fases fálica e genital, descritas a seguir.

Fase fálica (dos 3 aos 6 anos, aproximadamente)

Nessa fase, a criança passa a identificar o órgão genital masculino (falo). Con-
tudo, de acordo com a teoria, nesse momento, a criança ainda não diferencia as
polaridades masculino/feminino. Há apenas a identificação da masculinidade,
que é evidenciada através do falo (COUTO, 2017).
Assim, conforme Couto (2017), o conflito dessa fase diz respeito à antítese
entre ter um órgão genital (falo) ou ser castrado. Dessa forma, o menino conclui
que a menina tinha um pênis, mas o perdeu (castração), como uma forma de
punição. Já as meninas observam que os meninos têm um órgão maior e mais
representativo do que o delas, o que gera a inveja do pênis, de acordo com
o que propõe a teoria freudiana. Entretanto, vale destacar que essa inveja é
simbólica, ou seja, tem como objeto a potência que o órgão representa, por
isso, a nomenclatura que se utiliza é falo (não pênis, propriamente dito).
O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento 5

Nessa fase, em meio a essas questões, ocorre o que é chamado de complexo


de Édipo. Para os meninos, o complexo de Édipo ocorre a partir do momento
em que o menino percebe que ele tem o falo, e sua mãe, não. Assim, tendo
como objeto desejante a mãe, ele estabelece uma relação de rivalidade com seu
pai, que é, ao mesmo tempo, odiado, temido e amado. Como o menino percebe
que a libido da mãe é direcionada ao pai, logo, em meio a essa rivalidade, há
também uma identificação com o pai. Ou seja, há uma ambivalência de sen-
timentos em relação ao pai e o desejo pela mãe (FURTADO; VIEIRA, 2014).
Já para as meninas, o complexo, também chamado de complexo de Elec-
tra, se inicia de forma semelhante — a partir da identificação de que a mãe
(objeto de desejo inicial) não possui o falo. Contudo, o desfecho do complexo
é diferente, já que, quando a menina percebe que a mãe não possui o falo
(i.e., assim como ela, a mãe também é castrada), isso gera uma frustração,
o que a faz atribuir à mãe a culpa pela sua própria castração. A partir daí, a
menina direcionará a sua libido para o pai. Ou seja, no caso das meninas, o
complexo resulta em uma rivalidade com a mãe e em uma aproximação com
o pai (FURTADO; VIEIRA, 2014).

Entre as fases fálica e genital, ocorre o período de latência. De acordo com Couto
(2017), o período de latência não é considerado uma fase psicossexual, pois não há uma
nova zona erógena, e sim uma transição entre a sexualidade infantil e a adulta. Nesse
período, o desejo sexual se desloca para outras finalidades, como o desenvolvimento
social e intelectual, por exemplo.

Fase genital (da puberdade à idade adulta)

Nessa fase, ocorre a consolidação da vida sexual adulta. Anteriormente, como


visto nas fases pré-genitais, a libido se originava em diferentes partes e órgãos
do corpo. Contudo, nessa fase, ela se origina essencialmente na área genital.
Além disso, na fase genital, os desejos sexuais se direcionam para objetos
externos, não sendo mais autoerótica. Na puberdade, a libido é colocada na
função reprodutora, e há o rompimento com os pais, de modo que a energia
sexual não é mais destinada a eles, e os desejos libidinais passam a ser dire-
cionados ao mundo externo (COUTO, 2017).
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Para estudar sobre as fases psicossexuais de uma maneira diferente, ouça o podcast
do canal Psicoativo, disponível no link a seguir, para acompanhar a discussão acerca
dos estágios do desenvolvimento psicossexual.

https://qrgo.page.link/1Uo1z

Portanto, de acordo com a teoria freudiana, o desenvolvimento do sujeito


se dá por meio processo que ocorre nas etapas psicossexuais. Desse modo, a
subjetividade do sujeito advém da forma como ele vivencia cada uma dessas
etapas (COUTO, 2017). Entretanto, essa é apenas uma das formas de se entender
o processo de desenvolvimento entre tantas teorias. A seguir, será apresentada
a teoria do desenvolvimento psicossocial de Erikson.

2 A teoria psicossocial do desenvolvimento


humano de Erikson
Em meados do século XX, Erik Erikson começou a construir a teoria psicos-
social do desenvolvimento da personalidade humana, a partir das discussões
que sucederam por meio da compreensão freudiana do desenvolvimento.
Erikson, também psicanalista, evidencia o ser humano como um ser social,
ou seja, um ser que vive em grupo e sofre pressões em decorrência disso.
No entanto, embora tenha uma base psicanalítica, Erikson entende o desen-
volvimento humano a partir de enfoques diferentes, principalmente porque
evidencia as relações sociais, e não a energia sexual, como precursora desse
desenvolvimento (RABELLO; PASSOS, 2008).
Assim como outros autores do desenvolvimento, Erikson também organiza
esse processo em etapas, porém, ao contrário da teoria psicossexual, os estágios
ou etapas do desenvolvimento propostos por ele englobam outros momentos
do ciclo vital, além da infância. Erikson entende que o que é construído na
infância quanto à personalidade não é totalmente imutável (como a visão
freudiana), podendo ser modificado no decorrer do ciclo vital a partir de outras
experiências (PAPALIA; FELDMAN; 2013; RABELLO; PASSOS, 2008).
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Embora as teorias de Freud e de Erikson tenham como base a psicanálise, elas diferem
bastante.
Na teoria psicossexual de Freud, o desenvolvimento é balizado por impulsos sexuais.
Já na teoria psicossocial de Erikson, o desenvolvimento é balizado pela interação com
a sociedade e é desenvolvido a partir da vivência de uma série de crises (PAPALIA;
FELDMAN; 2013).

As etapas do desenvolvimento psicossocial


A teoria psicossocial de Erik Erikson envolve oito estágios do ciclo vital,
sendo que cada estágio corresponde a uma crise ou conflito da personalidade,
conforme descrito a seguir.

Fase sensorial (do nascimento aos 18 meses, aproximadamente)

A primeira crise ou conflito que surge no desenvolvimento humano diz respeito


à relação entre confiança e desconfiança. Nesse estágio, o bebê está percebendo
se o mundo é um lugar seguro ou não. Por exemplo, quando a mãe está ausente
e depois retorna, a criança entende esse processo e passa a ter confiança. Essa
fase, quando bem-sucedida, tem como resultado o surgimento do sentimento
de esperança (PAPALIA; FELDMAN, 2013; VERISSIMO, 2002).

Fase muscular (dos 18 meses aos 3 anos, aproximadamente


— primeira infância)

Nessa fase, a criança vive a crise em relação a autonomia versus vergonha e


dúvida. Ela desenvolve o equilíbrio e a autossuficiência, a partir do controle
dos seus movimentos musculares, e consegue desenvolver atividades explo-
ratórias. Contudo, ao mesmo tempo que a criança está apta a fazer algumas
coisas (p. ex., manipular objetos), há vergonha e dúvida de se ela pode e como
fazer isso. Nessa fase, são desenvolvidos o autocontrole, a força de vontade
e a autoconfiança (PAPALIA; FELDMAN, 2013; VERISSIMO, 2002).
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Fase do controle locomotor (dos 3 aos 5 anos,


aproximadamente — segunda infância)

Caracterizada pela crise entre iniciativa e culpa, nessa fase, a criança já tem
a confiança e a autonomia, resultantes das fases anteriores, e, por meio da
associação dessas duas virtudes, desenvolve a iniciativa. A culpa vem quando
a criança não consegue realizar as atividades para as quais teve iniciativa.
Nessa fase, a virtude desenvolvida é a orientação para resultados (PAPALIA;
FELDMAN, 2013; VERISSIMO, 2002).

Período de latência (dos 5 aos 13 anos, aproximadamente


— puberdade)

O período de latência é caracterizado pela crise entre produtividade e infe-


rioridade. Nessa fase, a criança desenvolve o controle de atividades físicas e
intelectuais, muito relacionadas ao contexto escolar, em que a criança aprende
o que é valorizado na sociedade. A virtude associada a essa fase, quando
bem-sucedida, é a habilidade (PAPALIA; FELDMAN, 2013; RABELLO;
PASSOS, 2008; VERISSIMO, 2002).

Fase da moratória psicossocial (dos 13 aos 21 anos


— puberdade e adolescência)

Erikson atribui especial importância a essa fase, sendo uma das mais explo-
radas nos seus estudos. De acordo com sua teoria, é nessa fase que ocorre
a crise da identidade versus confusão de identidade. Nesse momento, o
adolescente busca identificar seu senso de identidade, e a virtude associada
como resultado dessa fase é a fidelidade. O adolescente se diferencia de seus
pais, a partir dos questionamentos que se faz quanto à sua própria identidade,
e busca se encaixar em algum papel social. É nessa fase que costuma ocorrer a
escolha profissional, do parceiro, entre outras (PAPALIA; FELDMAN, 2013;
RABELLO; PASSOS, 2008; VERISSIMO, 2002).
O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento 9

Fase da maioridade jovem (dos 21 aos 40 anos,


aproximadamente)

Nessa fase, o sujeito já tem sua identidade desenvolvida e irá, a partir dela,
unir-se a outras pessoas. Nesse momento, o conflito se dá na relação entre
intimidade e isolamento. Quando a identidade está bem firmada, abre-se a
possibilidade de intimidade, ao passo que, quando o ego não está suficien-
temente seguro, há a busca pelo isolamento. Como resultado favorável, há o
surgimento da virtude do amor (PAPALIA; FELDMAN, 2013; RABELLO;
PASSOS, 2008; VERISSIMO, 2002).

Fase da meia-idade (dos 40 aos 60 anos, aproximadamente)

O conflito existente nessa fase diz respeito à questão da generatividade


versus estagnação. O sujeito passa a se preocupar com o que pode ser gerado
(p. ex., filhos, ideias, produtos) e se dedica ao cuidado do que gerou. Nesse
sentido, a virtude resultante dessa fase é o cuidado, como uma forma de se
fazer sobreviver. Quando isso não ocorre ou não é possível, o indivíduo se
sente estagnado (PAPALIA; FELDMAN, 2013; RABELLO; PASSOS, 2008;
VERISSIMO, 2002).

Fase da maturidade (a partir dos 60 anos, aproximadamente)

A última das fases descritas por Erikson representa a fase em que o ser humano
refletirá sobre a vida e suas realizações. O conflito desse momento está entre
a integridade e o desespero. Quando a pessoa tem o sentimento de dever
cumprido e sente satisfação com a sua história, ocorre a integridade, já quando
a pessoa sente que o tempo está acabando e que há coisas a serem realizadas,
vem o sentimento de desespero. Se bem-sucedida, essa fase resulta na virtude
da sabedoria (PAPALIA; FELDMAN, 2013; RABELLO; PASSOS, 2008;
VERISSIMO, 2002).
Ao analisar as diferentes fases propostas por Erikson, pode-se identificar
o especial foco nas crises ou conflitos ao longo de todo o ciclo vital. Essas
crises vão surgindo a partir de um cronograma de maturação do indivíduo
(seguindo uma ordem cronológica relativamente estável) e devem ser resolvidas
de maneira satisfatória para que delas emerjam as virtudes necessárias para
o desenvolvimento de uma personalidade saudável (PAPALIA; FELDMAN,
2013).
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A seguir, serão apresentados os desenvolvimentos motor e cognitivo, a


partir da teoria de Piaget.

3 Os desenvolvimentos cognitivo e motor


Antes de iniciar a discussão sobre os desenvolvimentos cognitivo e motor,
faz-se necessário compreender de uma forma mais ampla a relação desses
aspectos com o que foi discutido anteriormente. Pode-se dizer que o desen-
volvimento, como um todo, ocorre no interlace entre os domínios físico (que
engloba o desenvolvimento motor, as capacidades sensoriais e o crescimento
do corpo e do cérebro), cognitivo (que envolve aprendizagem, atenção, me-
mória, linguagem e raciocínio) e psicossocial (relacionado à personalidade
e às relações sociais). Todos esses domínios estão interligados, afetando uns
aos outros (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Sabe-se que o desenvolvimento físico, do qual o aspecto motor faz parte,
se inicia antes mesmo do nascimento, na gestação (com a formação dos órgãos
e a estrutura do corpo). Entretanto, é na primeira infância (do nascimento
aos 3 anos) que ocorre um acelerado desenvolvimento dos aspectos motores.
Na segunda infância (dos 3 aos 6 anos), há o aprimoramento dessas habilidades,
surgindo a preferência pela utilização de um dos lados (canhoto ou destro),
as habilidades motoras finas (com maior capacidade para detalhes) e a força
física (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O desenvolvimento motor está relacionado a uma mudança progressiva no com-


portamento motor ao longo do ciclo de vida. Esse aspecto do desenvolvimento está
ligado aos movimentos aprendidos em decorrência da interação entre os aspectos
biológicos, cognitivos e do ambiente em que o indivíduo se encontra (GALLAHUE;
OZMUN; GOODWAY, 2013).
O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento 11

Como visto anteriormente, os desenvolvimentos motor, cognitivo e psicosso-


cial estão inter-relacionados. Para que um ocorra da forma mais plena possível,
os demais precisam o acompanhar. Quando se trata do aspecto cognitivo,
um dos principais autores a explicar os fenômenos, responsável, inclusive,
pela forma como a sociedade em geral entende como as crianças pensam, é
Jean Piaget. De acordo com Piaget, o desenvolvimento cognitivo inicia-se a par-
tir de uma capacidade inata da criança de se adaptar ao ambiente, envolvendo:
organização, adaptação e equilibração (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Organização
O processo de organização permite criar categorias mentais (também chamadas
de esquemas) para agrupar informações semelhantes. À medida que a criança
cresce, seus esquemas vão se tornando cada vez mais sofisticados.

Quando a criança conhece alguns animais, ela vai agrupando essas informações
(que têm semelhança) na categoria “animais” — esse é o processo de organização.
À medida que ela se desenvolve, essas categorias vão ficando mais complexas, e ela
passa a identificar, por exemplo, animais mamíferos, aves, entre outras categorias. Ou
seja, a criança passa a criar esquemas mais específicos, mais sofisticados.

Adaptação
A adaptação diz respeito ao processo de absorção de novas informações a
partir da relação com as informações já conhecidas. Ela contempla o processo
de assimilação (absorção e incorporação de novos conhecimentos) e acomo-
dação (mudanças na estrutura, ou esquemas, para que as novas informações
sejam incluídas).
12 O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento

Equilibração
Esse processo diz respeito a um esforço constante da criança para manter o
equilíbrio ou homeostasia. À medida que a criança conhece novas coisas, os
seus esquemas vão se desiquilibrando, e, para voltar ao equilíbrio, ela precisa
reconfigurá-los (para que acomodem aquelas novas informações).

Quando a criança estabelece a categoria “pássaros”, identificando-os como animais


voadores, por exemplo, ela vai agrupando novas informações que se assemelham a
essa mesma categoria. No entanto, em um dado momento, a criança vê um avião.
Quando isso acontece, ocorre um desequilíbrio na sua estrutura, pois o avião tem
semelhanças com a categoria “pássaros”, porém tem várias diferenças. Buscando a
volta ao equilíbrio, a criança, então, desenvolve o processo de adaptação, em que
ela assimila aquela nova informação (absorve e incorpora) e a acomoda (muda suas
estruturas e cria categorias, para que aquela informação faça sentido). Quando forma
novas estruturas (acomoda) que sejam coerentes com as novas informações que foram
assimiladas, ela retorna ao equilíbrio.

Para a teoria piagetiana, a busca pelo equilíbrio, que envolve organização


e adaptação, é a força motriz do desenvolvimento humano, com ênfase no
crescimento cognitivo. Para organizar esse processo ao longo do ciclo vital,
Piaget descreveu quatro estágios de desenvolvimento, que emergem a partir
de momentos de desequilíbrio, descritos a seguir.

Os estágios cognitivos de Piaget


Piaget organizou o desenvolvimento cognitivo em quatro estágios subsequentes,
são eles: sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e operatório-
-formal. Esses estágios vão transcorrendo de maneira contínua, porém as
idades podem variar de criança para criança (SCHFFER, 2002).
O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento 13

Estágio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos,


aproximadamente)

É o estágio mais primitivo do desenvolvimento, em que o bebê vai desen-


volvendo suas primeiras manifestações de inteligência por meio das per-
cepções sensoriais e do desenvolvimento motor (movimentos). Inicialmente,
sua atividade motora é essencialmente reflexa, ou seja, sem comportamentos
intencionais (até o primeiro mês). A partir do segundo mês, o bebê começa a
desenvolver atividades motoras coordenadas (p. ex., colocar a mão na boca).
Aos poucos, o bebê vai se familiarizando com o próprio corpo e passa a dar
atenção ao ambiente onde está, aos objetos e às pessoas com as quais tem
contato. Entre o 4º e o 8º mês, o bebê começa a compreender que objetos
que ele não vê podem estar presentes (passa a procurar objetos parcialmente
escondidos). No fim desse processo, já é possível observar a ocorrência de
organização, assimilação, acomodação e equilibração, ou seja, o bebê vai
evoluindo de um ser essencialmente biológico (com movimentos apenas re-
flexos) para um ser social, relacionando-se com o ambiente (ABREU et al.,
2010; PAPALIA; FELDMAN, 2013; SCHFFER, 2002).

Estágio pré-operatório (dos 2 aos 7 anos, aproximadamente)

Nesse estágio, a criança começa a utilizar símbolos para representar pessoas,


lugares ou eventos, por exemplo. Sendo assim, um importante aspecto desse
estágio é o desenvolvimento da linguagem (representação simbólica) e do jogo
imaginativo que ela propicia. Ainda assim, nesse momento, o pensamento da
criança não é lógico, como o dos adultos (ABREU et al., 2010; PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

Estágio operatório-concreto (dos 7 aos 11 anos,


aproximadamente)

Nesse estágio, já há desenvolvimento lógico, e a criança consegue resolver


problemas, quando estes se apresentam de maneira concreta (real). Ou seja, a
criança ainda está limitada ao aqui e agora, mas consegue entender conceitos
espaciais, causais, compreender números, categorizar e deduzir (ABREU
et al., 2010; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
14 O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento

Estágio operatório-formal (a partir dos 11 anos, durando toda a


vida adulta)

De acordo com Piaget, esse estágio representa o nível mais alto do desenvolvi-
mento cognitivo. A partir de então, o adolescente consegue pensar em níveis
abstratos (ultrapassando o concreto, a necessidade de pensar o aqui e agora, do
estágio anterior). Esse desenvolvimento cognitivo permite que o adolescente
compreenda lições de álgebra, metáforas, imagine possibilidades e pense em
hipóteses, por exemplo. Portanto, o estágio operatório-formal constitui-se
no nível mais sofisticado do desenvolvimento, possibilitando o raciocínio
hipotético-dedutivo, que consiste na capacidade de desenvolver, considerar e
testar hipóteses abstratas (ABREU et al., 2010; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Vale destacar que, de acordo com a teoria piagetiana, o desenvolvimento
cognitivo ocorre a partir da combinação entre a maturação cerebral e as
oportunidades ambientais. Ou seja, esse desenvolvimento envolve aspectos
neurológicos e estimulação apropriada, incluindo escolarização, cultura, entre
outros (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Como visto, o desenvolvimento humano pode ser compreendido e anali-
sado sob diferentes óticas. É importante que você conheça essas diferentes
contribuições, para que entenda o desenvolvimento das teorias e o ciclo da
vida de uma maneira mais ampliada. Lembre-se de que esse campo de estudo
está em constante evolução, de modo que novas perspectivas podem surgir,
fazendo as antigas serem revisadas.

ABREU, L. C. et al. A Epistemologia Genética de Piaget e o Construtivismo. Revista Brasi-


leira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 361–366, 2010.
CORSO, D. M. L. A invenção da criança da psicanálise: de Sigmund Freud a Melanie
Klein. Estilos da Clínica, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 104–114, 1998.
COUTO, D. P. Freud, Klein, Lacan e a constituição do sujeito. Psicologia em Pesquisa, Juiz
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FREUD, S. Fragmento da análise de um caso de histeria. In: FREUD, S. Três ensaios sobre
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FURTADO, L. A. R.; VIEIRA, C. A. L. A psicanálise e as fases de organização da libido.
Scientia, [s. l.], v. 2, n. 4, p. 93–107, 2014.
O ciclo da vida e as teorias de desenvolvimento 15

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C.; GOODWAY, J. D. Compreendendo o desenvolvimento


motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
JORGE, M. A. C. A teoria freudiana da sexualidade 100 anos depois (1905-2005). Psychê,
São Paulo, v. 11, n. 20, p. 29–46, 2007.
PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH,
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RABELLO, E.; PASSOS, J. S. Erikson e a teoria psicossocial do desenvolvimento. [S. l.: s.
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SCHFFER, C. C. R. Fundamentos da teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo.
Paidéia, Belo Horizonte, ano 1, v. 1, n. 1, p. 16–37, 2002.
VERISSIMO, R. Desenvolvimento psicossocial (Erik Erikson). Porto: Faculdade do Porto, 2002.
ZORNIG, S. M. A-J. Las teorías sexuales infantiles en la actualidad: algunas reflexiones.
Psicologia em Estudo, v. 13, n. 1, p. 73–77, 2008.

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