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Guia do Episódio de Cuidado

Abortamento

1. INTRODUÇÃO
Definição: Expulsão de produto da concepção antes da 20ª semana de gestação ou peso fetal inferior a 500 g.
Incidência geral do aborto espontâneo: 15 a 20% de todas as gestações.
• 80% das perdas antes de 12 semanas de gestação;
• Em perdas precoces: 50% associadas a aneuploidias.
Classificações:
• Precoce: até 12 semanas; ou tardio: de 13 a 20 semanas;
• Espontâneo ou provocado;
• Evitável ou inevitável.

2. CLASSIFICAÇÃO

Ameaça de aborto Sangramento genital, com ou sem dor abdominal, em pacientes com amenorreia e
gonadotrofina coriônica sérica positiva, sangramento vaginal coletado em exame
especular e colo uterino impérvio ao toque. Ultrassom evidencia embrião/feto com
vitalidade presente.

Presença de sangramento vaginal, dor pélvica intensa ou amniorrexe, dilatação


Abortamento inevitável
cervical antes da viabilidade fetal, sem a expulsão dos produtos da concepção.

Eliminação parcial dos produtos da concepção. Ao exame especular podem ser


Abortamento incompleto evidenciados restos ovulares exteriorizando-se pelo orifício externo do colo uterino. O
colo uterino pode estar pérvio ou impérvio.

Caracteriza-se pela expulsão completa dos produtos da concepção. A dor cessa ou


alivia, o sangramento reduz, o útero involui e o colo uterino encontra-se impérvio ao
Abortamento completo
toque vaginal. A ultrassonografia demonstra útero vazio no seguimento de uma
gestação que se apresentava tópica.

Parada da evolução fisiológica da gestação, associada à inatividade uterina para a


expulsão do feto. O diagnóstico é realizado pelo ultrassom e as pacientes podem não
apresentar nenhum sintoma ou apenas pequena quantidade de sangramento escuro
Aborto retido
via vaginal. Ultrassonografia na qual não se evidenciam batimentos cardíacos em
embrião/feto que havia apresentado batimentos cardíacos em exame anterior indica
aborto retido.

Abortamento associado a infecção ovular. A infecção geralmente é polimicrobiana e


está mais comumente associada com manipulação inadequada do colo uterino. Há dor
Aborto infectado
abdominal intensa, febre (> 37,8º C), conteúdo vaginal com odor e sangramento
moderado. Nos casos mais graves, o quadro da paciente pode evoluir para sepse.
3. DIAGNÓSTICO
Quadro Clínico – Anamnese para avaliar volume e duração do sangramento, presença de dor pélvica ou morbidades associadas.
Realizar exame especular e toque vaginal em todos os casos suspeitos, no intuito de identificar a origem e quantidade do sangramento,
perviedade do colo uterino, tamanho do útero, dor à mobilização do colo ou sinais sugestivos de infecção.

Laboratorial – Dosagem seriada da gonadotrofina coriônica sérica é útil nos casos em que a ultrassonografia transvaginal não está
disponível, ou em casos onde há dúvidas quanto ao diagnóstico de gravidez. Queda dos valores da gonadotrofina em 48h é sinal de mau
prognóstico; ao passo em que, se o valor dobrar nesse período, é sinal de gestação evolutiva.
Valores de gonadotrofina coriônica acima de 2.000 – 3.000mUI/ml e ultrassonografia demonstrando gestação de localização
desconhecida sugerem quadro de gestação ectópica ou gestação não viável, e, portanto, deve ser realizado seguimento de
gonadotrofina coriônica e ultrassonografia transvaginal em 48 horas, caso a paciente esteja estável hemodinamicamente.

Imagem – Ultrassonografia transvaginal é o exame mais importante e deve ser recomendada em todos os casos, podendo ser realizada
ambulatorialmente. Em casos de suspeita de gestação ectópica, abortamento em curso ou aborto infectado, a ultrassonografia
transvaginal deve ser realizada em caráter de urgência.

Embrião com CCN ≥ 7mm e batimentos cardíacos ausentes;


Critérios ecográficos que
Presença do diâmetro médio do saco gestacional ≥ 25mm, sem embrião no seu interior;
definem o diagnóstico de
Ausência de embrião com batimentos após 14 dias de ecografia que demonstrava saco
gestação inviável
gestacional tópico.

Os parâmetros que mais se associaram à presença de restos ovulares na cavidade uterina foram a presença de foco ecogênico, massas
sólidas e Doppler com fluxo de baixa resistência. Quanto à medida da espessura endometrial, a literatura não demonstrou correlação
com a presença de restos ovulares na cavidade uterina, independentemente do valor de referência utilizado; sugere-se que este
parâmetro não seja utilizado para intervenção cirúrgica, mas acompanhado com avaliação seriada.
No entanto, em serviços de atendimento de saúde pública cujo acompanhamento seriado possa ser prejudicado, em vigência de
espessura endometrial acima de 15mm, será considerado diagnóstico de abortamento incompleto, optando-se pela conduta ativa.

4. CONDUTA

Condicionada à idade gestacional e ao tipo do abortamento.


Se antecedentes de doenças crônicas como diabetes mellitus, hipertensão arterial, cardiopatias, asma ou eventos tromboembólicos —
preferência por conduta ativa, visando minimizar o risco de descompensação da doença de base.
Todas as pacientes com idade gestacional acima de 7 semanas devem realizar tipagem sanguínea; e para pacientes RH negativas, quando a
tipagem do genitor for conhecida e RH positivo, deve ser prescrita imunoglobulina anti-D.

Ameaça de aborto Aborto completo

• Acompanhamento ambulatorial;
• Prescrever analgésico e orientar abstinência sexual;
• Acompanhamento ambulatorial;
• Solicitar ultrassonografia, que pode ser realizada em
caráter eletivo caso o sangramento seja em pequena • Prescrever analgésicos;
quantidade; • Orientar anticoncepção, se desejável.
• Orientar retorno ao pronto-socorro em caso de piora
dos sintomas;
• Não há evidência de que o uso da progesterona
modifique a evolução do quadro clínico.
ABORTAMENTO INEVITÁVEL, INCOMPLETO OU RETIDO

Orientações quanto às opções de conduta e preferência da paciente. Em caso de instabilidade hemodinâmica, sangramento vaginal
abundante ou suspeita de infecção, a conduta deve ser cirúrgica.

• Conduta expectante: seguimento ambulatorial se paciente estável e se esta assim optar. Orientar retorno se houver
sangramento vaginal de moderada quantidade, que corresponde à necessidade de troca de dois absorventes em duas horas. Deverá
retornar em, no máximo, 30 dias para nova avaliação, caso não ocorra eliminação dos produtos da concepção.

• Conduta cirúrgica: internação para esvaziamento uterino (curetagem uterina) com cureta fenestrada ou aspiração manual
intrauterina (AMIU).
Nos casos com colo impérvio, a FIGO sugere:
• Para gestações acima de 13 semanas com feto intrauterino, utilizar misoprostol 200mcg via vaginal, a cada 6h, (máximo de
1.000 mcg), para expulsão fetal, seguido de esvaziamento uterino.
• Preparo do colo uterino antes da curetagem, na ausência de feto intrauterino ou gestação < 13 semanas, utilizar misoprostol
400mcg via vaginal, 3h antes do procedimento.

ABORTO INFECTADO

• Internação;
• Estabilização hemodinâmica;
• Abrir protocolo institucional de sepse;
• Ultrassonografia para avaliação da cavidade endometrial;
• Antibioticoterapia de largo espectro:
• 1º esquema: Ampicilina 3g EV 6/6h + Gentamicina 5mg/kg/dia EV a cada 24h e Metronidazol 500mg EV 8/8h;
• 2º esquema: Clindamicina 600mg EV de 6/6h + Gentamicina 5mg/kg/dia EV a cada 24h;
• Esvaziamento uterino 1 hora após início da antibioticoterapia, utilizando preferencialmente AMIU;
• Nas gestações acima de 13 semanas, associado a antibioticoterapia, iniciar uso de misoprostol via vaginal – 200mcg a cada 6h para a
expulsão fetal;
• Nos casos graves, com instabilidade hemodinâmica materna não corrigível e/ou sepse não controlada, pode-se optar pela
histerectomia.

Em todos os casos:

• Encaminhar todo o material obtido para anatomia patológica, e orientar a paciente a verificar o resultado em 30 dias;
• Orientar sobre planejamento familiar na alta hospitalar e prescrever anticoncepcional, se a paciente desejar;
• Recomendar abstinência sexual por 15 dias;
• Recomendar não utilizar absorventes internos.

Complicações da curetagem uterina:

Perfuração uterina: se suspeita de perfuração, interromper o esvaziamento uterino, utilizar uterotônicos e observar clinicamente a
paciente durante 24h. Se os sinais vitais permanecerem estáveis e for necessário completar o esvaziamento uterino, realizar
procedimento guiado por ultrassonografia.
Lesão de órgão adjacente: diante da suspeita de lesão de órgão adjacente, deve-se interromper o procedimento imediatamente e
solicitar avaliação da equipe de cirurgia para diagnóstico e tratamento adequado (lesão vesical ou lesão intestinal).
REFERÊNCIAS:
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2013
2. FEBRASGO. Manual de Orientação. Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério. 2010
3. Barnhart KT. Clinical practice. Ectopic pregnancy. N Engl J Med. 2009; 361:379-87.
4. Shaunik A, Kulp J, Appleby DH, Sammel MD, Barnhart KT. Utility of dilation and curettage in the diagnosis of pregnancy of unknown
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8. Sawyer E, Ofuasia E, Ofili-Yebovi D, Helmy S, Gonzalez J and Jurdok D. The value of measuring endometrial thickness and volume on
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12. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Técnica: Atenção humanizada ao abortamento. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011.
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13. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins—Gynecology. ACOG Practice Bulletin No.
200: Early Pregnancy Loss. Obstet Gynecol. 2018 Nov;132(5):e197-e207.

Código Elaborador: Revisor: Aprovador: Data de Data de


Documento: Andréa Novaes; Mauro Dirlando C. Haggeas da Silveira Elaboração: Aprovação:
CPTW244.1 Adolfo Liao; de Oliveira Fernandes 25/03/2021 25/03/2021
Romulo Negrini;
Mariana Granado

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