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ÍNDICE Clique em um assunto, se quiser ir direto para a página.

1. Palavras que descrevem o pecado (parte 01) ........................03 6. Pecado no Novo Testamento............................................19

2. Palavras que descrevem o pecado (parte 02) ........................07 7. Teorias sobre o pecado original.......................................22

3. O entendimento do pecado na 8. Os efeitos do pecado.........................................................24


história da Igreja............................................................10
9. Pecado e o livre arbítrio...................................................27
4. A origem do pecado​.......................................................14
10. A magnitude do pecado..................................................29
5. Pecado no Antigo Testamento.........................................16

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1 - PALAVRAS QUE DESCREVEM O PECADO
(PARTE 01)

H
amartiologia é a doutrina que estuda o pecado, sua origem, propagação e manifestação. Seu nome deriva da palavra
grega [αμαρτια – hamartia, traduzida para pecado]. Essa doutrina tem profunda relação com antropologia, cristologia e
sotereologia, pois, na medida em que concebemos uma, as outras são diretamente afetadas. No islamismo, por exemplo,

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a natureza humana não é pecadora, ou seja, o homem não para traduzir as palavras shaga (‫ )הָגָש‬e shagag (‫ )גָגָש‬que
nasce em pecado, mas aprende a pecar. Por causa disso, significam basicamente “errar”.
a salvação muçulmana é essencialmente meritória e não
há necessidade de um messias redentor dos pecados da Algumas ações tomadas em ignorância eram toleradas por
humanidade, mas de profetas que apontem o caminho Deus (At 17.30). Ela também é usada no caso de ignorância
para as obras da verdade. No naturalismo, não existe o inocente (Rm 1.13; 2 Co 6.9; Gl 1.22). Porém, também há
conceito de pecado, já que o homem tem sua origem na contextos em que atos de ignorância geram culpa (Ef 4.18
natureza exclusivamente, por meio da evolução e seleção e Hb 9.7). O pecado surge como um desconhecimento da
natural. Nessa linha de raciocínio, conceitos morais e verdade de Deus.
éticos são convenções, não regras superiores ao homem
que configuram pecado se forem quebradas. O modo como • Erro
pensamos sobre o pecado afeta como pensamos sobre
santificação, relacionamento com Deus, salvação e a obra de Evidencia a tendência humana de se desviar ou cometer
Cristo Jesus na cruz. erros. No AT, as palavras usadas são shaga (‫ )הָגָש‬e shagag
(‫)גָגָש‬. O uso literal de ‫ הָגָש‬diz respeito às ovelhas que se
A Bíblia usa várias terminologias para se referir ao pecado. perdem do rebanho (Ez 34.6) ou a bêbados cambaleantes
Essas terminologias enfatizam pelo menos três aspectos (Is 28.7). Há situações em que a pessoa erra por acidente
específicos. O primeiro grupo se refere às causas do pecado; (Gn 43.12) e outras na quais o erro é visto como falha moral
o segundo grupo, à natureza do pecado e o terceiro grupo, às (1 Sm 26.21). Pode se referir à fraqueza humana e à sua
consequências do pecado. tendência ao erro (Gn 6.3). Pode se referir a erros passíveis
de culpa (Sl 119.67; Ec 10.5; Jó 12.16). Pode se referir a um
Fatores que enfatizam as causas do pecado: erro em um aspecto ritual que se relaciona com a descoberta
de que uma lei do Senhor foi violada sem querer por causa de
• Ignorância (ἀγνοια - agnóia) ignorância (Lv 4.2, 3, 22-24, 27, 28; Nm 15.22-29).

É a combinação do verbo conhecer (γινώσκω - gnosko) Outro termo comum que designa “andar errante ou
com o alfa que indica negação. A LXX usa essa palavra perambular” é (‫)הָעָת‬, que ocorre por volta de 50 vezes no AT.

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Ele também é usado para descrever alguém embriagado (Is Termos que enfatizam a natureza do pecado:
28.7) e também pode ser usado para indicar perplexidade (Is
21.4) e apontar para aqueles de “espírito errante” (Is 29.24), • Errar o alvo
que se refere a um vagar intencional.
É o conceito mais comum ligado a pecado. Essa ideia está
No NT, o termo para designar o pecado como erro é presente no verbo hebraico (‫ )אָטָח‬e no grego (αμαρτάνω -
(πλανωμαι - planomai), o qual enfatiza o engano como a hamartánô). Juízes 20.16 e Provérbios 19.2 apresentam o
causa do desvio. Tal desvio, entretanto, pode ser evitado sentido literal da palavra.
muitas vezes (Mc 13.5, 6; 1 Co 6.9; Gl 6.7; 2 Ts 2.9-12; 1 Jo
3.7; 2 Jo 7). Além disso, espíritos maus podem ser a origem A expressão “errar o alvo” geralmente significa um erro não
do desvio (1 Tm 4.1; 1 Jo 4.6; Ap 12.9; 20.3) ou outros seres intencional, mas, na Bíblia, o que se subentende é um erro
humanos (Ef 4.14; 2 Tm 3.13) ou a própria pessoa (1 Jo 1.8). deliberado, uma falha voluntária em relação a outras pessoas
ou a Deus. No AT, quando está associado com o verbo
• Desatenção (‫ הָגָגָׁש‬- shagagah), o erro é tomado como não intencional,
geralmente em passagens que tratam de aspectos rituais.
No grego clássico, desatenção é descrito pela palavra Essa combinação de conceitos traz a ideia de que o pecado é
(παρακοή - parakoe), que tem o sentido de “ouvir mal ou um fardo a ser carregado.
incorretamente”. Em algumas situações o termo se refere a
uma desobediência que é fruto de desatenção (Rm 5.19; 2 Co No NT, αμαρτάνω (hamartánô) é o uso mais próximo do
10.6). equivalente hebraico e significa “errar, errar o alvo, perder,
estar enganado” O substantivo αμαρτια (hamartia) denota o
Semelhantemente, o verbo παρακούω (parakouo) significa ato em si, quando o objetivo não é alcançado, e hamartima
“recusar-se a ouvir” (Mt 18.17) ou “não se importar” (Mc (αμαρτημα) refere-se à consequência desse ato. Tanto na
5.36). Dessa forma, o pecado designado pela palavra envolve LXX quanto no NT, o uso do termo designa um erro de alvo
o ato de deixar de ouvir quando Deus fala. porque se aponta em outra direção.

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• Impiedade

O pecado é designado também pelo do verbo ασεβέω


(asebeo), por sua forma substantiva ασέβεια (asébeia) e sua
forma adjetiva ασεβής (asébês). Esse termo é o oposto de
σέβω (sébô), que significa “adorar” ou “reverenciar”.
As palavras αδικέω (adikéo), αδικία (adikía) e αδικος
(adikós) exprimem a ideia de impiedade ou ausência de
justiça. Elas são utilizadas para traduzir uma variedade
de palavras hebraicas na LXX, o próprio verbo αδικέω
traduz cerca de 25 palavras. A palavra αδικία exprime a
ideia de uma conduta que não satisfaz o padrão de justiça
estabelecido.

Dentro desse domínio semântico, também está o substantivo


ανομία (anomía) junto com o adjetivo ανομος e o advérbio
ανόμως (anómôs). Esses não são termos comuns no NT. Eles
designam a negação a uma lei. Paulo utiliza esse termo para
falar dos gentios, por não serem regidos pela lei judaica, mas
de forma mais frequente àqueles que infringem a lei. O termo
se refere não somente à quebra da lei judaica, mas à lei de
Deus de forma geral.

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2 - PALAVRAS QUE DESCREVEM O PECADO
(PARTE 02)

• Transgressão

A palavra hebraica Avar (‫ )רַבָע‬ocorre cerca de 600 vezes no


AT. Em quase todas as vezes, as ocorrências têm o sentido
literal de “atravessar” ou “passar por”. Porém, em algumas
passagens, o termo envolve o sentido de ir além de um limite
estabelecido de um mandamento. O termo grego que mais se
aproxima do termo hebraico é o verbo παραβαίνω (Mt 15.23)
e o substantivo παράβασις.

• Iniquidade ou falta de integridade

A palavra hebraica que expressa a ideia é Aval (‫ )לַוָע‬e seus


derivados. Seu conceito é o de desviar do caminho certo.
Essa ideia é bem expressa em Lv 19.15.

• Rebeldia

Um dos termos mais comuns para expressar essa ideia é


Pasah (‫ )עַׁשָפ‬e o substantivo Paseh (‫)עַׁשֶפ‬. Seu significado
raiz é “rebelar-se”. O termo pode designar uma rebeldia
contra um rei humano, mas, na maioria das ocorrências,

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designa uma rebeldia contra Deus (Is 1.2). • Perversão

Geralmente traduzida como “rebelar-se” ou “obstinação” é a A palavra arah (‫ )הָוָע‬tem o significado básico de “curvar,
palavra marah (‫( )הַרָמ‬Is 1.20). A palavra sarar (‫ )רַרָס‬transmite torcer” (Is.21.3; 24.1; Pv 12.8). Os substantivos que derivam
uma ideia de teimosia ou rebeldia (Dt 21.18; Sl 78.8). dessa palavra falam da destruição de cidades (Sl 79.1; Is
17.1; Jr 26.18; Mq 1.6; 3.12). Como metáfora, está presente
O NT usa as palavras apeitheia (απειθεια), apeitheo em (4.13), indicando uma ideia de punição pelo pecado.
(απειθέω) e apeithes (απειθής) para descrever rebeldia Em Osésias 5.5, surge como uma alteração no caráter do
ou desobediência. Ao todo elas ocorrem 29 vezes. Em dois pecador.
casos referem-se à desobediência aos pais (Rm 1.30; 2 Tm
3.2), mas, no restante, referem-se a uma desobediência a • Abominação
Deus. Os incrédulos são descritos como desobedientes (Jo
3.36; At 14.2; 19.9; 1 Pe 2.8; 3.1; 4.17). Isso se refere à reação de Deus diante do pecado. A palavra
hebraica que traduz abominação é siqutz (‫ )ץוקִש‬e to’ebah
Em grego, os termos αφίστημι e αποστασία também (‫)הָבֵעֹות‬, que descrevem atos reprováveis por Deus (Lv 18.22;
descrevem rebeldia. O primeiro em 1 Tm 4.1 e Hb 3.12. O 20.13; Dt 7.25-26;18.9-12; 22.5).
segundo em 2 Ts 2.3 e At 21.21.
Na LXX, uma das palavras que traduz ma’al (‫ )לַעָמ‬é
• Traição παραπίπτω (parapíptô) e παράπτωμα (paraptoma), ambas
significando “cair”. No NT, a única ocorrência de παραπίπτω
Esse conceito de traição está profundamente relacionado está em Hb 6.6. Já παράπτωμα ocorre 21 vezes.
com o conceito de desobediência. A palavra hebraica mais
comum é ma’al (‫)לַעָמ‬, a qual, na maioria das vezes, denota Termos que enfatizam as consequências do pecado:
traição contra Deus (e.g., Lv 26.40). Outra palavra é bagal
(‫)דַגָב‬, que é ocasionalmente usada como uma referência a • Agitação ou inquietação
uma traição a Deus (Sl 78.57; Jr 3.10; Ml 2.11).
Acredita-se que a palavra resah (‫)עַשֶר‬, que é traduzida

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por perversidade, subentende originalmente o conceito de pecador está sujeito à punição de Deus.
agitação ou inquietação. Em seu sentido literal, aparece em
Jó 3.17 e Isaías 57.20, 21. A sua raiz pode significar “ser • Sofrimento
desconjuntado, mal regulado, anormal, perverso”.
No hebraico, a palavra aren (‫ )ןֶוָא‬quer dizer literalmente
• Mal ou ruindade “sofrimento”, quase sempre com sentido moral. A ideia
que ela traz é a de que pecado traz sofrimento (Os 4.15;
A palavra rah (‫ )עַר‬descreve um mal geral, ou seja, qualquer 10.8; Jó 31.3; 34.8, 22; Pv 10.29; 21.15; Is 31.2; Os 6.8).
coisa maligna ou ruim. Pode também descrever aflição ou Nesses casos, ela pode significar a ideia de miséria, tristeza,
adversidade. Em Amós 6.3, o “dia da calamidade” atrela o ato sofrimento ou cansaço.
pecaminoso e suas consequências. Em Deuteronômio 30.15,
Deus coloca o caminho da vida e da morte diante do povo.
Escolhendo o que era mau, o povo seria destruído.

• Culpa

O termo sam’ah (‫ )ָאםַש‬torna explícito a ideia de culpa.


Quando se refere ao ato pecaminoso, o termo significa “fazer
o que é errado, cometer uma ofensa ou infligir dano”. Ele
traz a ideia de um erro que tem que ser punido. Em Números
5.8, ele significa “restituição da culpa”. O ato pecaminoso
demanda uma restituição.

A LXX traduz o termo (‫ )ָאםַש‬para a palavra πλημέλια


(plemelia), que não ocorre no NT. Mas o NT usa a palavra
ενοχος (enochos), a qual aparece apenas dez vezes (e.g., Mt
5.21,22; 1 Co11.27). O padrão de justiça é o padrão divino e o

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3 – O ENTENDIMENTO DO PECADO NA
HISTÓRIA DA IGREJA

C
omo a doutrina do pecado tem sido interpretada
ao longo da história da Igreja? Se voltarmos aos
primórdios, até Irineu, saberemos que ele concebe
o que seria chamado de “retidão original”. A graça divina
deveria causar uma reação no homem que o impulsionaria
à vontade de Deus. Isto é, por causa de seu livre-arbítrio,
Adão deveria avançar rumo a um progresso de semelhança
com Deus. Adão teria uma solidariedade com a raça humana,
ou seja, uma identificação. Assim, o que ele perdeu, todos
perderam. Se Adão pecou, todos pecaram com ele. Toda a
humanidade estava potencialmente em Adão. Para Irineu,
a morte serve para restringir o pecado. Ou seja, para que o
homem não continuasse pecando para sempre, sem cura,
Deus teve compaixão e fez o homem mortal.

Tertuliano rejeitou as teorias da pré-existência e do


criacionismo da alma, identificando-se como traducionista.
Para essa linha de pensamento, cada alma advém de Adão
e, portanto, herdou o seu pecado. Vemos então como a
antropologia de Tertuliano embasa a sua hamartiologia. O

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pecado original é uma herança que passa de pai para filho, A Igreja Católica acabou adotando a ideia do donum
por causa da alma, juntamente com o corpo. superadditum – aquela necessidade que os homens têm
de que um dom sobrenatural seja acrescentado à natureza
Pelágio cria que Adão fora criado mortal e que o seu pecado humana para torná-los capazes de ir a Deus. Nessa mesma
só afetou a ele próprio. As crianças recém-nascidas estão no época, surgiu uma doutrina do pecado que diferenciava
mesmo estado de Adão antes da queda; toda raça humana pecados veniais de pecados mortais. Os primeiros dizem
não morre por causa de Adão, nem é ressuscitada por causa respeito àqueles pecados que não fazem o fiel perder a
de Cristo e houve homens sem pecado antes de Cristo. Para graça de Deus, enquanto o pecado mortal o faz por causa
Pelágio, o homem poderia exercer seu livre-arbítrio para da sua gravidade de deliberação para cometê-lo. O pecado
não pecar e ser salvo. O pelagianismo foi condenado como mortal destrói a caridade no coração do homem devido a
heresia em 418 no Concílio de Cartago e em 431, no Concílio uma infração grave da lei de Deus e o pecado venial produz
de Éfeso. pecados ou vícios. Os conhecidos pecados capitais são
pecados veniais. O primeiro a escrever sobre pecados
Um forte opositor às ideias de Pelágio, senão o principal, capitais foi Evrágio do Ponto por volta do séc IV e, depois
foi Agostinho. Para Agostinho, Adão tinha a capacidade dele, Tomás de Aquino. Não obstante, a ICAR acabou
de pecar (posse peccare) e a capacidade para não pecar defendendo a ideia do livre-arbítrio em um sentido libertário.
(posse non peccare). Porém, a partir da queda, Adão se
tornou totalmente depravado. Isso significa que todas as Erasmo de Roterdã publicou, em 1524, De libero arbítrio
áreas da vida humana foram corrompidas. Na criação, Adão diatribe sive collatio, no qual defendeu o livre arbítrio. Ele
também tinha a capacidade para morrer (posse mori) e para entendia que o livre-arbítrio era essencial para preservar a
não morrer (posse non mori). Por causa do pecado de Adão responsabilidade moral do homem. O livre-arbítrio deveria
a humanidade passou a ser escrava do pecado e sujeita à depender da graça de Deus, mas foi incapacitado por causa
morte. O homem caído agora é incapaz de não morrer (non dos efeitos do pecado.
posse non mori), a humanidade tem livre-arbítrio, mas não
liberdade. Sendo assim, o homem é incapaz de buscar a No fim do séc XVI, o Concílio de Trento condenou o
Deus sem a atuação da graça especial. pelagianismo, mas não o semipelagianismo. Eles se
afastaram da posição de Agostinho sobre liberdade e livre-

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arbítrio. Eles acabaram aderindo ao semipelagianismo. A vontade cativa.
Igreja Católica se afasta dos ideais agostinianos e assume O debate de Lutero com Erasmo girava em torno do confronto
uma ideia muito mais pelagiana. do agostinianismo com o semipelagianismo. Se o homem
precisa de graça ou se é somente a graça.
O Novo Catecismo da Igreja Católica afirma que
Os reformadores rejeitaram o ensino católico, porque
A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade de agir entenderam que ele solapava o ensino da justificação pela
ou não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos graça somente.
deliberados. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe sobre si
mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento Para Calvino, o livre-arbítrio significa que o homem “é dotado
e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade de livre-arbítrio; não porque tenha livre escolha do bem e
alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, do mal, igualmente; ao contrário, porque age mal age por
nossa bem-aventurança. vontade, não por efeito de coação[...] de sorte que a vontade
Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem lhe é mantida amarrada pelas peias do pecado”. Ou seja, o
último, que é Deus, a liberdade comporta a possibilidade homem é escravo do pecado e somente o Espírito Santo pode
de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em reverter essa situação.
perfeição ou definhar e pecar. Ela caracteriza os atos
propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou A raça humana é pecadora devido ao pecado de Adão, porque
repreensão, de mérito ou demérito. ele foi o cabeça da humanidade escolhido por Deus (Rm
5.12-21). Não obstante, quem peca ainda é responsável pelo
Para reformados e luteranos, esse tipo de luteranismo não seu pecado. Os pecadores produzem as chamadas “obras
existe. Lutero, inclusive, foi um grande opositor de Erasmo. da carne” (Gl 5.19). A culpa de Adão é imputada sobre a raça
Porém, Lutero nunca negou que o livre-arbítrio não esteja humana, mas os homens pecam por sua responsabilidade,
ligado a assuntos não-relacionados à salvação. A vontade por seus atos pecaminosos individuais. O arminianismo
escravizada tem algum poder de escolha, mas é escrava do também rejeita o pelagianismo e Armínio afirma que “o
pecado, não podendo escolher a Deus. O homem escolhe o homem natural, estando morto no pecado, existe em um
mal que deseja. Em resposta a Erasmo, Lutero escreveu Da estado de inabilidade moral ou impotência”. A solução

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para a raça humana é a ação do Espírito Santo, por meio da
graça preveniente, a qual pode ser resistida. A graça seria
necessária para a salvação, mas não suficiente.

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4. A ORIGEM DO PECADO

"
De onde vem o pecado?" Certamente essa é uma das
perguntas mais difíceis da teologia cristã. É muito
complicado ter uma resposta clara para dizer de onde o
pecado veio, como ele surgiu, em que ele se baseia e qual sua
origem no coração do homem. Deus criou tudo bom e isso
está intimamente relacionado com a questão do problema
do mal. Se o mal entrou no mundo, veio por meio do quê?
Deus criou o mal? Deus é o autor do pecado? Existem pelo
menos três visões essenciais acerca do pecado: (1) Deus é o
autor do pecado, (2) pecado angélico e (3) pecado humano.
Nós temos que lidar com pelo menos três fatores envolvendo
o pecado em pelo menos três níveis: O pecado em nível
humano o pecado em nível angélico e o pecado em nível
divino.

1. Pecado na raça humana

Ela se deu quando Adão transgrediu a ordem de Deus no


paraíso. Ele se rendeu à tentação e comeu do fruto proibido.
Por meio dele foi que o pecado entrou na raça humana
(Rm 5.12, 18, 19). O ser humano é o criador do pecado.
O pecado existe na Terra como uma subcriação do ser

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humano. Homens criam carros, casas, tecnologia e homens um homem com livre-arbítrio. Ele podia pecar e podia não
criam pecado. Isso não seria algo formado por Deus em seu pecar. Talvez essa fosse a realidade dos anjos que podiam
aspecto criacional primitivo, mas foi algo desenvolvido pelo pecar ou não pecar. Satanás, como um anjo que poderia
homem dentro da criação. Em primeiro momento, temos pecar ou não, escolheu pecar, assim como 1/3 dos anjos, os
que concordar que o homem o criou e desenvolveu dentro quais foram punidos por Deus e se tornaram demônios.
da coisa criada. O homem trouxe isso. Não foi Deus em um
exercício direto como nos 6 dias da criação. 3. Pecado no nível divino

2. Pecado no mundo angélico Tudo isso aconteceu debaixo do comando de Deus. Então
Deus criou o pecado? Podemos concordar num primeiro
Sabemos que Satanás era um ser angelical que caiu por momento que não. Deus não é o criador do pecado, porque
causa do pecado. Tradicionalmente, entende-se que o o pecado é uma criação do ser humano e de Satanás. Eles
pecado, antes de se manifestar na terra, manifestou-se no exerceram sua vontade e então geraram o pecado. Isso
mundo celestial. Tanto que Adão e Eva pecaram porque a não significa que Deus não é soberano sobre o pecado.
serpente estava no Éden tentando-os. A origem do pecado Segundo Berkhof (2007, p. 204), “o decreto eterno de Deus
deu-se no mundo angélico. Antes de o homem pecar, evidentemente deu a certeza da entrada do pecado no
Satanás já havia pecado. Entretanto, a ocasião exata não é mundo, mas não se pode interpretar isso de modo que faça
relatada. O diabo é descrito como assassino desde o início Deus a causa do pecado no sentido de ser ele o seu autor
(Jo 8.44) e como alguém que peca desde o princípio (1 Jo responsável”. Deus é santo (Is 6.3), não há perversidade nele
3.8). Ele é alguém que, antes do homem, já estava no pecado. (Jó 34.10), ele odeia o pecado (Dt 25.16; Sl 5.4; 11.5; Zc 8.17;
Várias interpretações em textos proféticos do AT falam Lc 16.15), ele não tenta ninguém (Tg 1.13). Não podemos
acerca dessa queda de Satanás. Há também falas de Jesus considerar Deus o autor do pecado, porque ele não é o
e do Apocalipse que descrevem Satanás como alguém caído responsável moral pelo pecado.
com 1/3 dos anjos por conta de um pecado pessoal. A ideia
é que houve um pecado no mundo angélico antes do mundo
humano. Como Satanás – um ser que foi criado bom – peca?
Podemos julgar isso nos mesmos moldes de Adão. Ele era

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5. PECADO NO ANTIGO TESTAMENTO

T
udo começa em Gn 2.8-3.7, no registro do encontro de Satanás com Adão e Eva. Adão e Eva foram criados no jardim
do Éden, um local que era bom e justo. Eles deveriam exercer a vontade de Deus e gerir o mundo de acordo com os
interesses do Senhor. Acontece que eles falharam nisso. Deus dá para eles todas as árvores do jardim para que delas
comessem, mas decide que uma árvore não poderia ser comida. Aquela árvore era a cláusula de saída. Era o jeito que Adão e
Eva dizerem que estavam naquele relacionamento com Deus por vontade. Você pode não se sentir muito amada, se você é a

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última mulher do mundo e alguém permanece casado com Deus amaldiçoou o homem, a mulher e a serpente. Agora o
você, é porque existem outras possibilidades que o fato de trabalho para o homem seria doloroso. Agora, ter filhos seria
você ser escolhido realmente importa. Deus dá tudo para doloroso para a mulher. A serpente seria, então, pisoteada na
Adão e Eva, mas deixa uma árvore que talvez nem fosse a cabeça por alguém que viria do ventre da mulher. É, portanto,
mais suculenta de todas ou a melhor possível. Eles poderiam profetizado o Evangelho de Cristo Jesus.
comer de tudo. Porém, havia uma árvore que era a cláusula
de saída. Era o que mantinha o contrato válido. “No dia que Segundo FERREIRA e MYATT (2007), a queda envolveu
quiserem ir embora de mim, é só acessar essa árvore”. Adão mudanças radicais em quatro áreas: conhecimento
e Eva poderiam comer de tudo que havia lá, mas escolhem (epistemologia): o homem agora não pensa de forma
exatamente aquilo que quebraria a aliança entre Deus e os razoável como caberia a alguém criado à imagem de Deus.
homens, aquilo que quebraria esse relacionamento de amor. Em segundo lugar, na área da existência (ontologia): agora
somos corrompidos em quem somos, de modo que todas as
Aparece uma serpente que simboliza Satanás, fala com Eva, nossas ideias centrais, nossas percepções de mundo, nosso
levando-a ao pecado. Eva come do fruto. O interessante é modo de raciocinar é afetado pelo pecado. Em terceiro lugar,
que Satanás exagera o mandamento de Deus, dizendo que fomos afetados na ética: nós somos maus, nossa moralidade
eles não podiam nem tocar na árvore. Então, Eva repreende é corrompida e não mais representamos o que Deus espera
Satanás, mas ainda caindo em um nível de exagero. Adão de nós. O homem só faz o mal continuamente. E em quarto
acha a árvore atrativa, come do fruto, peca contra Deus. lugar, houve um efeito teleológico: fomos afetados no nosso
Ela entrega o fruto para Adão, o que parece simbolizar que objetivo do universo, por isso se diz que a depravação foi
ele estava ali o tempo inteiro. Ele come do fruto e ambos total, pois ela abrangeu a totalidade do ser do homem e do
percebem que estavam nus. que o rodeia.

Segundo D.A. Carson, a ideia de conhecer o bem e o mal da Até a criação caiu em pecado. Gênesis diz que foi por isso
árvore falava a respeito de arbitrar o bem e o mal. A ideia é que ervas daninhas surgiram no mundo. Romanos 8 diz que
que eles iriam definir o que era bem e o que era mal para eles a criação foi sujeita à inutilidade, por isso que haverá não
e não mais se submeter ao bem e mal que provêm de Deus. só um novo homem, mas novos céus e nova terra. Deus
Deus aparece e eles se escondem, com vergonha. redimirá tudo o que existe, toda a criação, porque toda ela

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caiu em pecado. Foi por causa dessa queda do homem em
pecado que houve o rompimento (1) entre a humanidade e
Deus (3.8-11), (2) do homem consigo mesmo (3.3-4, 16, 19),
(3) do homem com seu próximo (3.12,16-17), (4) do homem
com a natureza (3.17-19), (5) da natureza consigo mesma
(3.17) e (6) da cruz com a redenção que viria, porque a cruz
não foi um plano b, mas algo que já estava prometido desde
o contexto da criação. Cristo já havia sido prometido desde
antes da fundação do mundo, porque ele já era o plano de
Deus para a humanidade.

Depois da Queda, o pecado propagou-se (Gn 6.5) e o homem


é concebido em pecado (Sl 51.5). A vontade do povo de
Deus se tornou corrupta (Is 30.9). O coração do homem é
enganoso (Jr 17.9). No AT, o pecado levou o povo à constante
idolatria e por causa disso foram levados aos exílios assírio e
babilônico.

Há uma expectativa ampla no AT de que venha alguém que


limpe os homens de seus pecados, que os cure de suas
misérias e limpe o coração de pedra. Essa promessa é
cumprida pelo Messias no NT.

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6. PECADO NO NOVO TESTAMENTO

O
NT trata a doutrina do pecado da mesma forma que o AT. Jesus disse que conhecemos a árvore pelos seus frutos (Mt
12.33-37). Assim, os comportamentos evidenciam aquilo que há dentro dos indivíduos. O pecado evidencia um coração
que está distante de Deus. Da mesma forma, o ES evidencia aquilo que há de bom no coração daquele que ama ao
Senhor. A Bíblia fala do fruto do Espírito e das obras da carne. Enquanto a carne produz pecado, o bom comportamento – a vida
em santificação – vem por meio de uma ação sobrenatural do ES dentro do homem, de forma que nosso mau comportamento

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vem justamente da nossa má natureza. Jesus disse que não Só entendemos o bem porque Deus abriu nossos olhos
é aquilo que entra no homem que o corrompe, não é o que (Jo 1.11; 8.43-44; At 16.14; 1 Co 2.14). Em pecado, nunca
vem de fora que nos leva aos maus comportamentos, mas desejamos o bem. Nunca desejamos o que é correto e justo.
é o que vem de dentro (Mc 7.21-23). Agimos como agimos Por causa do pecado, nosso coração está entregue a tudo
por causa do mau desejo, por causa de algo ruim que há no aquilo que é ofensivo ao Senhor. Romanos 3 é um texto
nosso interior. É do coração que brota toda maldade. Por isso longo acerca do pecado. Diz que nós não conhecemos a
que o pecado vem do mau desejo, como o diz Tiago. Quando Deus, que nossos pés são rápidos para maldade, que nossa
desejamos o que é mau e correspondemos a esse desejo, garganta é uma cova de onde sai veneno. A descrição do
acabamos cometendo pecado. Nossa natureza má produz NT que vem de citações do AT é a de que todo homem
nossas ações corruptas. está imerso no pecado e na maldade. Romanos 1.18, até o
começo de Romanos 3, é talvez o texto mais longo sobre
O pecado nos afeta de forma completa, de modo que ele pecado no NT. Ele diz que todos os homens estão debaixo
nos impede de entender as coisas espirituais (1 Co 2.14). do mesmo pecado. Homens, ao usarem suas mentes para
Nossa mente é afetada pela queda. Só podemos pensar tentar pensar e se julgar inteligentes, acabam se tornando
santamente se tivermos a mente de Cristo em nós. Por causa loucos, homens obscurecidos no próprio entendimento. E
dele, somos considerados mortos (Ef 2.1-3). O estado do Deus os entrega a suas próprias paixões infames. Os maus
homem é de falta de vida, uma vez que o pecado nos mata. comportamentos dos homens não vêm de qualquer coisa
Ele é um veneno que nos tira da vida espiritual. Mortos imposta por Deus. Deus simplesmente os rejeita e os entrega
espiritualmente, precisamos de uma ação sobrenatural e deixa que vivam a vida que querem viver. Existe uma lei
de Deus que, pela graça, nos conceda fé e salvação. É por no coração dos homens que eles rejeitam porque rejeitam
isso que o homem morto em pecados não pode produzir o bem que Deus colocou dentro de todos. Porque rejeitam a
bons frutos (Mt 7.17-18; Jo 15.4-5; Rm 3.9-18). Os atos revelação de Deus que está à nossa volta, os homens andam
de bondade que homens caídos praticam são fruto de uma no caminho do pecado e da impiedade. Sejam judeus, sejam
imagem de Deus que ainda está no seu coração e da graça gregos, sejam romanos, sejam gentios de forma geral, sejam
comum que leva os homens a um comportamento que pessoas que foram criadas na lei do AT ou não, todos são
certamente não será tão mal como poderia ser. condenáveis e indesculpáveis por causa da maldade que
está no coração humano. A única forma de sermos salvos

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é através da obra de Cristo Jesus na cruz. Por causa dos
nossos pecados, nunca desejamos o bem. Nossa vontade é
escrava do pecado e a iniciativa sempre é de Deus (Mt 7.18;
Jo 3.3; 5.40; Jo 6.44, 65; 8.43; 15.4-5).

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7. TEORIAS SOBRE O PECADO ORIGINAL
• Pelagianismo

Supõe-se que Pelágio era um monge que exercia ensino


na cidade de Roma e depois dirigiu-se a Cartago, em 409.
Ele era um moralista. Sua preocupação era que as pessoas
vivessem de modo bondoso e decente. Segundo pensava,
uma ênfase na soberania de Deus traria uma ideia errada
sobre a pecaminosidade humana, o que eliminaria a
motivação de buscar uma vida correta.

Ele enfatizou bastante a ideia do livre-arbítrio. O homem,


hoje, está isento de qualquer culpa ou influência advinda da
Queda. Adão seria simplesmente um mal exemplo que não
deveria ser seguido. Assim, se o pecado de Adão não tem
influência sobre o homem, não há necessidade de uma graça
especial de Deus para salvar o homem. A graça de Deus está
em todos os cantos. O homem poderia usar seu livre-arbítrio
para perceber Deus, por meio do uso da razão, e segui-lo.
Ele rejeitava completamente a ideia da predestinação de
Agostinho.

A ideia de salvação de Pelágio era uma preservação de um

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bom estado, visto que não há natureza pecaminosa, mas • Calvinismo
uma influência negativa que podemos seguir ou não. Não
somos escravos do pecado, logo, não somos salvos de algo O Calvinismo diz que existe relação direta entre o pecado
que nos escraviza. Tudo se resume em guardar um estado de Adão e o todos os outros seres humanos de todas as
moralmente correto. épocas. O que Adão fez teria destruído a moral dos homens
de todas as épocas. A natureza corrompida do homem viria
• Arminianismo desde a concepção, de forma que todos nós somos culpados
pelo pecado de Adão. Todos nós herdamos a sua culpa
Essa posição deriva de Jacó Armínio, teólogo e pastor da e herdamos o pecado original. A prova disso é que todos
igreja holandesa reformada. Depois dele, alguns teólogos morrem. Todos estão debaixo dessa morte espiritual e física
desviaram suas proposições para além do que ele falava. que provém do pecado. A morte é a prova de que todos são
John Wesley, posteriormente, fez modificações que levaram culpados.
a uma efervescência acerca do seu pensamento de livre-
arbítrio. Acerca da forma como herdamos a culpa de Adão, existem
duas concepções: Representação federal e representação
O arminianismo afirma que recebemos de Adão uma natural. A representação federal está geralmente ligada à
natureza corrompida. A vida é iniciada sem retidão. O homem posição criacionista da origem da alma. Adão responderia
precisa de ajuda especial de Deus para poder segui-lo e não apenas por si, mas por toda humanidade. Quando pecou,
obedecer aos seus mandamentos. Ele também afirma que Adão representou a humanidade no pecado. Da mesma
a culpa e incapacidade advinda de Adão seriam, de alguma forma, Cristo nos representa federativamente como o novo
forma, dirimidas pela graça preveniente. Essa é uma graça cabeça (Rm 5.12-21). A representação natural (ou realista)
prévia que dá a todos os homens uma condição de escolher a está ligada à visão traducionista da origem da alma. Assim
Deus. O homem é depravado em sua natureza, mas isso não como a alma é transmitida dos pais aos filhos, herdamos o
estaria tão intimamente relacionado a Adão como em outras pecado de Adão porque estávamos seminalmente presentes
posições. O homem seria capaz de exercer livre arbítrio, nele.
porque, por mais que sua natureza seja decaída, há uma
graça preveniente que o capacita a essa escolha por Deus.

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8. OS EFEITOS DO PECADO
• DESFAVOR DIVINO

Deus odeia o perverso (Sl 5.5; 11.5). Ele mostrou indignação


contra seu povo que pecou (Jr 12.8). Ele não suporta a
perversidade (Pv 6.16; 17; Zc 8.17). Porém, os perversos
também odeiam Deus (Ex 20.5; Dt 7.10) e os justos (Sl 18.40;
69.4; Pv 29.10).

Essa ira não deve ser vista como um furor descontrolado ou


rancor pessoal, mas uma indignação justa. A ira de Deus é
descrita como um “bufar, resfolegar” (‫ )ףַנָא‬que manifesta um
dos aspectos físicos da ira (Dt 1.37; Is 12.1; Sl 2.12). Sua ira
é descrita como um fogo que consome e destrói.
As palavras (‫ )הָרָח‬e (‫)םַחָי‬, que transmitem a ideia de calor,
também são usadas para se referir à ira. Essa ira não é
algo emocionalmente desregulado, mas é uma resposta da
santidade de Deus ao pecado.

• CULPA

Não se refere ao sentimento de culpa, mas ao estado do


pecador diante de Deus. É pensar no pecado em termos

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jurídicos, não estéticos ou sentimentais. Deus é justo e a de Adão e Eva não terem morrido imediatamente depois de
culpa pelo pecado é requerida. Por isso que Jesus morre na pecarem, para os pelagianos, é indício que a morte é natural
cruz: para pagar a nossa culpa. ao homem. Para eles, a morte na Bíblia seria espiritual, não
física.
• PUNIÇÃO
A morte física parece ser um novo estado proveniente do
A punição vem com a ideia de retribuição pelo pecado. Em Gn pecado (Gn 3.19). Bavinck (2012, p. 187) diz que:
9.6, por exemplo, a punição para matar alguém é ser morto.
A intenção de Deus é uma justiça retributiva: o homem paga Gênesis 3.19, portanto, não comunica a plena execução da
pelo que fez (Is 1.24; 61.2; 63.4; Jr 46.10; Ez 25.14). O próprio ameaça de punição, mas modifica e adia. Em consequência,
dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra foram exemplos o Antigo Testamento considera a morte imediata, que ocorre
de justiça retributiva. Deuteronômio tinha advertências para no auge da vida, como uma punição pelo pecado (Gn 6.3;
impedir as pessoas de praticarem o mal (Dt 6.12-15; 8-11, Nm 16.29; 27.3; Sl 90.7-10), da mesma forma que é vista a
19, 20). Existe também o efeito disciplinar da punição (Hb penalidade da morte.
12.6). Deus não nos disciplina como disciplina o mundo,
mas como um pai disciplina o filho. O sofrimento, a punição Para ele, a maldição da morte seria uma redução drástica do
na vida do crente que peca é parte do amor e do cuidado de tempo de vida do homem. Ele diz: “A interpretação de que a
Deus. morte é uma consequência do organismo material de um ser
humano não exclui o fato de que ela é uma penalidade pelo
• MORTE pecado[...]O pecado gradualmente enfraqueceu a vitalidade
das pessoas.” (p. 188). Ainda assim, ele não discorda de que
A morte foi a principal consequência do pecado (Gn 2.17) e é a morte é o salário do pecado. Parecida com essa posição é
o seu salário (Rm 6.23). Há três tipos de morte: a de Erickson, que sugere uma “imortalidade condicional”.
O homem, nas condições adequadas, não precisaria ter
(1) Morte física: A mortalidade dos homens é uma realidade morrido. Ele poderia ter comido do fruto da árvore da vida
incontestável e é atribuída a Adão (Rm 5.12). Porém, a morte e vivido para sempre. Para Erickson, o homem foi expulso
é consequência da natureza humana ou do pecado? O fato para impedi-lo de comer do fruto e, por causa disso, viver

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eternamente em pecado. escravidão ao pecado do qual não se pode escapar. O homem
é escravo do pecado, para a morte, ou da obediência que leva
Já para Geisler, a morte física é o resultado inevitável do à justiça (Rm 6.16).
pecado de Adão não somente para si mesmo, mas para
todos os seus descendentes naturais (exceto Cristo). Ou • Autoengano
seja, parece que Geisler crê que Adão era imortal e, devido ao
pecado, passou a ser mortal. Berkhof (2007), concordando O coração é enganoso (Jr 17.9). Ele nos faz reparar no
com isso, diz que a ideia da morte física é separação de pecado alheio e não no nosso (Mt 7.3). Davi passou por uma
corpo e alma como penalidade do pecado. fase de autoengano, até que Natã lhe repreendeu (2 Sm 12.1-
15).
(2) Morte espiritual: É a separação espiritual de Deus (Is
59.2). Todo descendente de Adão está espiritualmente morto • Perda de comunhão com seres humanos
(Ef 2.1-5). A reversão da morte espiritual é a regeneração​.
Depois de pecar, o homem teve dificuldade de se relacionar
(3) Morte eterna: É a extensão e conclusão da morte com seu próximo e de amá-lo (Gn 3.12). A perda de
espiritual. No dia do juízo final, as pessoas comparecerão comunhão levou Caim a matar Abel (Gm 4.8). A Bíblia relata
diante de Deus e aqueles que forem julgadas culpadas uma série de crises de relacionamentos entre homens,
experimentarão a segunda morte, a morte eterna, que é a abusos de poder, omissões etc.
separação eterna de Deus.
• Perda da boa relação com o meio ambiente
• Escravidão
O homem teria que se esforçar para trabalhar, porque o
O pecado se transforma em um hábito ou vício. Um meio-ambiente iria produzir cardos e abrolhos por causa do
pecado pode acabar levando a outro de consequências pecado (Gn 3.17). A natureza geme aguardando a redenção
cada vez mais graves. E isso pode se tornar um padrão dos filhos de Deus (Rm 8.19-22).
de comportamento. O que algumas pessoas chamam de
“liberdade” das restrições dadas por Deus é na verdade uma

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9. PECADO E O LIVRE ARBÍTRIO

Q
uando falamos de livre-arbítrio, falamos de livre escolha. Arbítrio é vontade. Uma vontade livre é capaz de seguir a Deus
ou não. Posições que aprovam o livre-arbítrio afirmam que o homem pode exercer a vontade a Deus. Posições que
negam o livre-arbítrio dizem que a vontade do homem é escrava do pecado e que, por isso, ele não consegue exercer a
vontade ao Senhor.

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Berkhof (2007, p. 230) afirma que “há uma certa liberdade
que é a possessão inalienável de um agente livre a saber, a
liberdade de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com
as disposições e tendências predominantes da sua alma”.
O homem não perdeu sua liberdade de escolha, razão e
consciência. Porém, a liberdade material, que é a escolha de
uma ação visando ao bem supremo que esteja em harmonia
com sua constituição original da natureza foi perdida na
Queda. Ou seja, o homem pode escolher, mas é inclinado
a escolher o que é pecado. Para o calvinismo, “o homem é
escravo do pecado e não tem a menor possibilidade de tomar
a direção oposta”.

É interessante que até posições arminianas concordam


com a ideia de depravação total. A principal diferença da
perspectiva calvinista para a arminiana sobre o livre arbítrio é
que os arminianos adicionam a questão da graça preveniente
que justifica uma liberdade de escolha do ser humano,
enquanto calvinistas não.

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10. A MAGNITUDE DO PECADO

A
magnitude do pecado também é tratada na Escritura, tanto em sua profundidade quanto em sua largura. Ou seja, tanto na
profundidade moral do que o pecado significa e no alcance do pecado aos homens.

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• Alcance do pecado que não peca é um mentiroso. Romanos 5.12 afirma que a
morte atingiu a todos, porque todos pecaram. Nenhum de
A Bíblia fala que todos pecaram (Rm 3.10-12). Todos os nós escapou da mazela do pecado e por isso que todos nós
homens nascem debaixo do pecado, todos os homens precisamos de um salvador.
são pecadores. Não existe nenhuma exceção a Romanos
3 acerca da pecaminosidade do gênero humano. Cristo é • Profundidade do pecado
o único na Escritura que é descrito como sem pecado. Ou
seja, qualquer outra teoria ou tentativa de dar status de Passagens como Gn 6.5; Rm 1.18-32; Ef 4.18-19; Tt 1.15
impecabilidade a personagens bíblicos é pecar contra a ideia revelam que a depravação foi total. O “total” indica que
bíblica de que todos os seres humanos estão em pecado. todo o ser do homem foi corrompido: corpo (Rm 6.6, 12;
Isso aparece de forma diametralmente oposta à ideia 7.24; 8.10,13), o qual agora enfraquece e morre, mulheres
católico-romana de que Maria foi concebida sem pecado e sofrem mais no parto, entre outras consequências. Fomos
que viveu a vida inteira sem pecado. Ela trata Jesus como corrompidos em nossa razão (Gl 5.24; 2 Tm 3.2-4): não
seu Senhor e Salvador no Magnificat (Lc 1.46-55) por causa conseguimos mais pensar nas coisas de Deus à parte da graça
da obra redentora de Cristo Jesus. Se ela fosse sem pecado, do Espírito. Isso não significa que o pecador é tão mau quanto
ela não precisaria disso. O dilúvio foi uma punição sobre pode ser nem que ele se envolve em todo tipo de pecado que
todos os homens, exceto Noé e sua família, porque estes é possível, mas que estamos afundados na amplitude e na
encontraram graça diante de Deus (Gn 6.5,11). Mas, depois magnitude de algo que nos afeta profundamente no nosso
do dilúvio, Noé mostrou-se pecador (Gn 9.21). Todos os coração a ponto de torcer quem nós somos em ofensa ao
homens estavam debaixo da pecaminosidade que veio do Deus vivo, que é nosso Salvador . Ele vem nos resgatar de algo
nosso representante Adão. A partir dele, todos nascemos tão terrível. Somos homens que estão se afogando. Somos
caídos em pecado. homens presos em suas próprias maldades. Somente alguém
que venha de fora pode nos pegar e nos trazer para próximo
1 Reis 8.46 afirma que “não há ninguém que não peque”. dele, a fim de nos tirar de algo tão imenso e profundo que
Até mesmo os homens separados por Deus, como Abraão alcança a todos nós em um nível central, atacando nosso
e Davi pecaram (Gn 12, 20; Sl 51). 1 Jo 5.19 diz que todos coração, corrompendo quem somos. Graças a Deus temos um
jazem no maligno. Aquele, mesmo que convertido, que diz salvador para nos tirar de algo tão terrível.

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BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
- BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo:
Cultura Cristã, 2012.

- BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura


Cristã, 2007.

- FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática:


uma análise histórica, bíblica e apologética para o
contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.

- GEISLER, Norman. Systematic Theology: Volume Four.


Grand Rapids: Baker Publishing House, 2005.

- GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva.


São Paulo: Vida Nova, 1999.

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