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Resumos Penal Joana Santos

Direito Penal (Universidade Catolica Portuguesa)

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Joana Santos

Parte I – Questões Fundamentais


I – O Problema Criminal-Penal

1. A ciência global do direito penal


I. O sentido fundamental atual da designação “ciência global do direito penal”
O conceito de “ciência global do direito penal” surgiu em fins do século XIX, criado por
Franz v. Liszt – o DP não se podia reduzir a uma tarefa meramente técnica, dogmática
ou sistemática, de aplicação do direito penal legislado ao caso concreto. Falava-se então:

• Direito Penal (sentido estrito)/Dogmática jurídico-penal: depositário dos


princípios normativos que garantiam os direitos individuais fundamentais do
delinquente – Pr. da Legalidade e da Culpa → critérios legitimidade normativa
• Política Criminal: propor ao legislador as estratégias e os meios da luta contra a
Ciências criminalidade, e as consequentes reformas legislativas do direito penal
Auxiliares positivado → critérios pragmáticos de eficácia
• Criminologia: conhecimento da realidade dos fatores sociais e psicológicos
associados aos comportamentos dos criminosos – ciência empírica neutra

Estado de Direito Material (termo da II GM): mudança de perspetiva


➔ Política criminal como ciência fundamental e em posição de supremacia face ao DP
➔ “Sistema penal aberto” às diretrizes da política criminal – preocupado com a eficácia
da luta contra a criminalidade, limitada pela legitimidade dos meios que utiliza)

Estas ciências são, então, autónomas entre si (cada uma com objeto imediato e um
método específico) mas complementares e interdependentes (objeto último e comum o
crime e indispensáveis para uma abordagem eficaz e justa do delinquente).

II. Política criminal, direito penal e criminologia

Política criminal: conjunto de princípios ético-individuais e sociais que devem promover,


orientar e controlar a luta contra a criminalidade; tem como objetivo a prevenção do
crime e confiança da sociedade na ordem jurídico penal → Princípio da legalidade, da
culpa, da humanidade na definição e execução de penas e da recuperação do recluso
DP em sentido estrito: teorização das diferentes categorias ou elementos constitutivos
da infração criminal, e das diferentes consequências jurídicas do crime → sistema penal
aberto: teorização orientada pelos princípios da PC e investigação criminológica
Criminologia: ramo da ciência baseado na observação e experimentação
➔ Biologia criminal: fatores biopsicológicos favoráveis à delinquência
➔ Sociologia criminal: fatores sociais geradores de comportamentos desviantes

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2. Evolução histórica do Direito Penal


I. A importância da história do Direito Penal
Importância político-social: a história da evolução do Direito Penal é essencial para a
caracterização política e social da respetiva época histórica – valores estruturantes,
estratificação social, como se exerce o poder político, etc.
Importância jurídico criminal:
➔ Historicidade do DP: comprova que o DP é a expressão das condições económicas,
sociais, culturais, religiosas e políticas que caracterizam cada época
➔ Relatividade do DP: alterações profundas que as instituições jurídico-penais sofrem
com o decurso da evolução sociocultural dos povos

II. Alta Idade Média/Reconquista Cristã (VIII-XII)


A AIM começou com a queda do Império Romano do Ocidente (476), mas começamos
a análise na Reconquista Cristã (geração/consolidação da nacionalidade portuguesa).
o Instabilidade social e política: invasão dos muçulmanos e refúgio dos cristãos nas
Astúrias → prioridade de defesa militar e reconquista de novos territórios
o Pulverização das instituições sociais políticas e jurídicas: populações sentem-se
entregues a si mesmas - uso das próprias forças para se opor a inimigos
o 2 novas instituições: família e municípios → falta de autoridade pública forte e perda
de sentimento comunitário nacional: solidariedade membros das microssociedades
- Solidariedade familiar: ofensa a um membro era considerada ofensa para a família;
dever de reparar as ofensas (solidariedade ativa) e direito de vingança (s. passiva)
- Solidariedade municipal: defesa e promoção das respetivas populações; dever de
auxílio mútuo de vizinhos (ativa) e responsabilidade coletiva pelos delitos (passiva)
o Valor de fidelidade considerado vital: pena aplicável a violadores de fidelidade e paz
é a perda de paz jurídica:
✓ Crime mais grave é a traição: violação de relação de fidelidade (parentesco
próximo, interdependência económica, relações de confiança geradas
espontaneamente e previstas na lei) mediante a prática de homicídio
→ Perda absoluta de paz:
- Destituído de personalidade jurídica (qualquer pessoa o pode matar)
- Destruição da casa (vista como sagrada)
- Confisco de bens

✓ Crimes muito graves são o homicídio simples, rapto e violação de mulheres


→ Perda relativa de paz:
- Soma pecuniária (coima) – à família e erário público
- Sair do conselho num prazo ou podia ser morto pelo ofendido/familiares
✓ Crimes menos graves: sanção pecuniária
✓ Crimes ofensas corporais: pena composição corporal – provocar ferimento =
Sistema de justiça privada: crime como ofensa individual e não à comunidade política

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III. Baixa Idade Média e Moderna (XII-XV e XV-XVIII)


As características económicas, sociais, culturais, políticas e jurídicas da Idade Moderna
começam a esboçar-se e a desenvolver-se a partir da Baixa Idade Média, acabando por
se vigorar e consolidar na Idade Moderna. Ultrapassadas as dificuldades anteriores,
ocorre, nos fins do século XI, uma transformação na vida económico-social causada por:
▪ Incremento do comércio e artesanato pelos burgueses e artesãos → formação de
centros urbanos e fortalecimento do municipalismo medieval
▪ Aumento demográfico e emigração do campo para a cidade
▪ Cruzadas: motivação religiosa → descoberta de novas rotas comerciais e aumento
da riqueza
▪ Descoberta da filosofia e pensamento grego
▪ Surgimento de codificações de leis e órgãos institucionalizados
▪ Direito romano-justinianeu: formação de novos estados europeus

Sistema de justiça misto e, depois, público: crime como ofensa a toda a comunidade;
pena de morte e consagração do processo inquisitório
o Absolutismo: rei em senhor absoluto, detentor de um poder divino, responsável
somente perante Deus e colocado acima das próprias leis
o Centralização do poder no rei/arbitrariedade: passa a legislar para todo o território
nacional, reduzindo o papel do direito consuetudinário e municipal → lealdade em
crise: procuram segurança no rei (relação de subordinação/sujeição, não fidelidade)
o Crime de lesa majestade: crime + grave → proteção poder político; substitui traição
- Humana: crimes contra a lei, corte ou reino
- Divina: atentado à fé do reino

o DP caracterizado por desumanidade, crueldade → natureza repressiva/intimidativa

o Penas: finalidade de intimidação e terror → execuções bárbaras e publicitação do


local onde as penas mais graves eram aplicadas; prevenção geral negativa
- Capitais: morte simples e cruel (tormentos para crimes mais graves)
- Corporais: flagelação, mutilação, castração
- Contra a liberdade/”inteligentes”: degredo, servidão
- Pecuniárias: confisco e multa
- Infâmia: + graves → incapacidades para os descendentes (ex: proibidos de herdar)

o Classismo penal: desigualdade na aplicação de penas de acordo com classes sociais


o Direito de perdoar: o rei podia alterar as penas como, quando e a quem quisesse →
medidas de clemência:
- Amnistia: motivos religiosos/políticos
- Indulto: clemência e flexibilização dos rigores da lei
- Comutação: muitas vezes usada com objetivos económicos
- Graça: natureza individual – esquece-se o crime

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IV. Idade Contemporânea (a partir da 2ª metade do século XVIII)


Consagração do Estado de Direito que estabelece um corte ao absolutismo monárquico.

a) Iluminismo Criminal
Nova Filosofia Política:
▪ Individualismo: prioridade do indivíduo face ao Estado
▪ Jusnaturalismo: direitos de todos os indivíduos – Estado só tem de os reconhecer
▪ Racionalismo: razão humana como fonte e critério da verdade e da justiça

Nova Política Criminal: criticava a falta de defesa do arguido, classismo e crueldade


❖ Contratualismo: Estado tem o direito de definir os crimes e respetivas penas
❖ Utilitarismo: pena necessária para prevenir o crime
❖ Legalismo: crimes e penas prévia e claramente definidos na lei – int. literal
❖ Secularização: exclusão dos crimes religiosos e da influência do direito canónico

Autores do Iluminismo Criminal:


❖ Beccaria: pena para prevenir o crime; proporcionalidade no crime e na pena
❖ Feurbach: prevenção
• Teoria da Coação Psicológica: a ação humana é movida pelo prazer e fuga ao
desprazer, daí a prática de crimes → a sanção penal eficaz passa por provocar
um sofrimento superior ao prazer que o possível infrator retiraria da conduta
proibida (ameaça/intimidação); caso cedam à ameaça, há execução efetiva
da pena – defendido, em Portugal, por Pascoal José de Mello Freire
• Princípio da Legalidade: lei escrita, prévia, precisa e estrita
Nota: estes princípios surgiram na CRP 1822 e, em 1852, no 1º Código Penal Português
b) Escola Clássica
Liberdade, culpa, pena: Kant e Hegel
▪ Humanismo idealista: dignidade da pessoa humana é um valor absoluto → livre-
arbítrio (o Homem tem uma capacidade de decisão livre e incondicionada)
▪ Princípio da Culpa Individual
▪ Princípio da Retribuição Ética: pena justa é a pena retributiva – aquela que
corresponde à gravidade do ilícito e à culpa do infrator (exigência para o mau
exercício do livre-arbítrio); Único e absoluto critério da aplicação e determinação da
pena criminal, não tendo como fim a prevenção de outros crimes
▪ Liberdade e vontade: recusam a ideia de falta de liberdade e ameaça do Il. Criminal
▪ Crítica: a pena deve garantir uma prevenção geral e individual da prática de futuros
crimes, embora a punição pressuponha a culpa do que infringiu, e não possa
ultrapassar o “grau” de culpa do infrator → não olha ao passado mas sim ao futuro

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c) Escola Correcionalista
Röder veio a defender, contra a Escola Clássica, uma conceção mais pragmática e
realista do homem e do direito penal → Portugal: Levy Maria Jordão
▪ Corresponsabilidade social: ao lado da responsabilidade social, vincula o Estado a
criar as condições para o delinquente poder corrigir as suas tendências para o crime
e, assim, exercer a sua liberdade no respeito do Direito
▪ Prevenção especial: a pena é o meio para a correção do delinquente
▪ Enquanto não forem esgotadas todas as possibilidades de recuperação social,
qualquer delinquente deve ser considerado corrigível

d) Escola Positiva
A Escola Positiva recusou a Escola Clássica, apresentando uma política criminal oposta.
▪ Positivismo jurídico-criminal: substituição da razão pela experimentação científica
▪ Comportamento criminoso passou a ser tratado como um fenómeno natural,
explicável pelo único critério válido de conhecimento, a investigação experimental
▪ Comte, Darwin, Marx, Freud

Determinismo, perigosidade, medidas de segurança

❖ Determinismo: relação causal entre fatores biopsicológicos e/ou sociais e o


comportamento do delinquente; perigosidade do infrator é o único critério
justificativo de intervenção da sociedade através do Estado
❖ Tipologias de delinquentes: investigação de diferentes espécies de perigosidade
❖ Medidas de segurança: segurança da sociedade e tratamento da perigosidade
do delinquente - substituem as penas (castigo e liberdade inexistente)
❖ Prevenção especial: não há prevenção (culpa) nem retribuição (potenciais
delinquentes); apenas tratamento da perigosidade → conceito de impotáveis
❖ Duas perspetivas: biologia (Lombroso) e sociologia criminal (Ferri)
❖ Contributo: começa-se a ter em conta a personalidade do delinquente e tem-se
em conta sanções alternativas às penas (medidas de segurança)
❖ Aspeto negativo: secundarização de garantias legais e jurisdicionais e negação
da dimensão ética do Direito Penal
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3. As principais questões penais na atualidade


O jurista, a política criminal e direito penal têm de reagir e não ceder à fácil tentação de
impor a lei a todo o custo → dignidade tem de se reconhecer mesmo no mais perigoso
criminoso (fins não justificam meios ilícitos possivelmente usados na prevenção)
II. A definição dos bens jurídico-penais e o conceito material de crime
Bem jurídico-penal: valores individuais e comunitários essenciais à realização
pessoal e convivência social → consequências jurídicas do crime traduzem-se na
privação ou restrição de direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade,
procurando reconhecer os direitos dos infratores, mas o mesmo tempo proteger
todos os membros da sociedade → critério de decisão legislativa
Critérios de definição de bem jurídico-penal
❖ Critério ético-social: perspetiva racional-teleológica
• Dignidade penal: dimensão axiológica; valores considerados, pelo ethos
social comunitário, como essenciais ou indispensáveis para a realização
pessoal (proteção de direitos da pessoa individual – DP clássico + garantia
das condições sociais indispensáveis à realização humana – DP secundário,
administrativo ou económico-social) de cada um dos membros da sociedade
→ bem assumido pela consciência ético-social como fundamental
• Necessidade penal: dimensão pragmática; recurso às penas criminais seja
considerado indispensável (quaisquer outras sanções jurídicas são ineficazes
ou insuficientes) e adequado (proporcional à gravidade da infração) à
proteção dos bens jurídicos fundamentais → Pr. intervenção mínima do DP

❖ Critério jurídico-constitucional: materialização/concretização do 1º critério


• Art. 1: só podem ser considerados BJP os inerentes à dignidade da pessoa
humana, e os essenciais à funcionalidade e justiça do sistema social
• Art. 17: regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se, não só a estes
direitos sociais, mas também aos direitos fundamentais de natureza análoga→
não há diferença material mas há no grau de consciencialização
• Art. 18/2: critério jurídico-constitucional da definição material do bem jurídico-
penal
→ restrição de BJP só é legítima quando salvaguarde direitos/interesses
constitucionalmente protegidos (dignidade penal);
→ exige-se, adicionalmente, que tais restrições dos direitos, liberdades e
garantias sejam consideradas necessárias para salvaguardar os referidos bens
com dignidade penal, desdobrando-se em 3 dimensões:
1 – insuficiência/inexistência dos restantes ramos do ordenamento
jurídico para uma proteção eficaz destes bens jurídicos
2 – adequação das sanções penais
3 – proporcionalidade entre a gravidade das sanções e a importância
pessoal/social dos bens jurídicos lesados pelas condutas ilícitas

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III. O problema da relação entre a culpa e a prevenção na determinação da pena

Conceção ético retributiva, ético-preventiva e preventivo-ética da pena


Evolução do pensamento do legislador penal sobre o fundamento/finalidade da pena
a) Conceção ético-retributiva → CP de 1886 – Revisão de 1954:
▪ Art. 54: para prevenção e repressão de crimes há penas/medidas de segurança
▪ Art. 84: a aplicação das penas, dentro dos limites fixados na lei, depende da
culpabilidade do delinquente, gravidade do facto, resultados, intensidade do
dolo/grau de culpa, motivos do crime e personalidade do delinquente
▪ Visava a prevenção dos crimes mas, também, reprimir (retribuir) o crime → visto
que a medida da pena dependia da medida da culpa do infrator

b) Conceção ético-preventiva → CP de 1982


▪ Art. 72/1: a determinação da pena far-se-á em função da culpa, tendo em conta as
exigências de prevenção de futuros crimes
▪ Continua a atribuir-se à culpa o papel fundamental, acrescentando que o juiz deve
atender às exigências da prevenção

c) Conceção preventivo-ética → CP de 1982 – Revisão de 1995:


▪ Art. 40: finalidades da pena/medidas de segurança são exclusivamente preventivas,
desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto e limite máximo da pena
→ 1: aplicação de penas/MS visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do
agente na sociedade
→ 2: em caso algum a pena pode ultrapassar a medida de culpa
→ 3: a MS só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à
perigosidade do agente
▪ Preventiva: fim legitimador da pena é a prevenção
▪ Ética: fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência de culpa
▪ Art. 71/1: a determinação da medida da pena é feita em função da culpa e das
exigências de prevenção → apesar do art. 40, o CP não se opõe a uma conceção
ético-preventiva, visto que não nega que a culpa também possa intervir na
determinação da pena, mas apenas que esta nunca pode ser superior à culpa

Opinião de Taipa de Carvalho


❖ O fim do direito penal é a proteção dos bens jurídico penais → penas/Medidas
de Segurança são meios indispensáveis à realização desse fim
❖ Rejeita a conceção ético-retributiva → função de prevenir a prática de crimes,
sendo que a pena não deve ser determinada pela gravidade da culpa do agente
❖ Conceção Unilateral de Culpa: toda a pena implica culpa mas nem toda a culpa
implica pena → infratores primários/ocasionais podem não verificar nem a
necessidade de prevenção geral nem a necessidade de prevenção especial

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❖ Prevenção: (continuação da opinião)

Positiva / → meio de interpelar a sociedade para a relevância


integração social e individual do respetivo bem jurídico tutelado
penalmente: confiança no sistema (ordem jur atua)
Geral
(comunidade) Negativa / → dissuadir a comunidade da prática de crimes
dissuasão (não é função da pena, apenas um efeito lateral)

→ ressocialização do delinquente (art. 40/1 e art. 42/1):


autoadesão à indispensabilidade dos bens jurídico-penais
(prevenção de reincidência) – implica alterações das
Positiva condições físicas e pessoais em que é cumprida a pena de
Especial prisão (estabelecimentos prisionais e ocupação do tempo
em atividades profissionais e culturais), caso contrário a
(infrator) prisão acaba por ser um meio de dessocialização

Negativa → não é pura intimidação, mas uma tentativa de


dissuasão da prática de futuros crimes

❖ Relação da prevenção especial e da prevenção geral


------------------------------------------------ Limite máximo – culpa -----------------------------------------------

• Pena não pode ser superior à culpa, mesmo que a prevenção especial o exija (mesmo
que a perigosidade do individuo exija uma pena maior, de modo a garantir uma
recuperação/dissuasão mais adequada, não pode ser maior do que a culpa) → Art. 40/2

----------------------------- Pena – prevenção especial como critério orientador ---------------------------

(pena tem como objetivo a reintegração do infrator e eventual necessidade de dissuasão)

• Pena nunca pode ser inferior à pena necessária para a manutenção da confiança da
comunidade, mesmo que a prevenção especial não o exija (mesmo que não seja
necessária uma pena tão grande para recuperar/dissuadir o infrator). Ex:
→ Penas mt graves: > 5 anos - tribunal tem de condenar (não é permitida execução da
pena -art. 50/1- nem substituição-art. 43 ss. → exceção da atenuação (72), passa a <5
→ Penas médias (<3 – com revisão <5) e penas curtas (<6 meses → <1 ano): não têm
de ser aplicadas, podendo ser substituídas por multas + arts. 43, 44, 45 e 46 (apesar de
substituídas por penas mais leves, continua a haver punição devido à prevenção geral)
• Se não pagar multa → prisão subsidiária (art.49/1); reincidência agrava a pena (art.75/1)
• Não é contraditado pela dispensa de pena (art. 74/1): Prisão <6 anos / multa < 120 dias;
culpa/ilicitude do faco diminutas e falta de necessidade de ambas as prevenções, não
devendo ser aplicada qualquer pena

--------------------------------------- Limite mínimo – prevenção geral ------------------------------------------

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IV. Medidas de segurança


Génese histórica e progressiva inclusão das medidas de segurança nos códigos penais
A Escola Positiva, como vimos, reagiu contra o pensamento jurídico-criminal da Escola
Clássica, propondo a trilogia determinismo – perigosidade – medidas de segurança, em
vez da trilogia liberdade – culpa – pena → aplicavam-se medidas de segurança e não
penas porque, além de considerarem estas um castigo injusto (delinquente não tinha
culpa), seriam ineficazes para a defesa da sociedade.
Preocupavam-se em caracterizar as tipologias dos delinquentes: as medidas de
segurança tinham como principal objetivo a defesa da sociedade, complementando com
tratamento das causas da perigosidade criminal do infrator. Se estivesse em causa um
delinquente incorrigível, a função principal era neutralizar através do internamento (que
podia ser perpétuo) → medidas de segurança e tratamento
Apesar da rejeição dos pressupostos deterministas, as medidas de segurança
interessaram à doutrina, sendo acolhidas nos códigos penais, ao lado das penas.

Sistema monista e dualista


Existem duas categorias de infratores:
➔ Imputável: infratores com capacidade de avaliação da ilicitude dos seus atos e da
livre decisão; aplicam-se penas – mau exercício de liberdade legitima a punição
➔ Inimputável: incapazes de culpa (<16 ou anomalia psíquica) – aplicam-se medidas
de segurança – defesa da sociedade através da neutralização e tratamento

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Mas, no século XX, surgiu uma categoria intermédia de delinquentes – imputáveis


perigosos – não eram plenamente imputáveis, pois eram afetados por determinadas
tendências para a prática de crimes, que lhes reduzia a capacidade de decisão; não eram
plenamente inimputáveis pois apesar de reduzida a referida capacidade, esta existia.
Assim, existem dois sistemas que defendem diferentes aplicações de sanção:
o Sistema dualista: sendo a medida da pena limitada pela medida da culpa, a pena
do imputável tem de ser menor do que a que seria aplicada ao imputável
“normal” → esta forma, poderíamos por em causa a defesa da sociedade. Isto
não acontece pois à pena em função da culpa, há que adicionar medidas de
segurança, em função da perigosidade criminal do infrator

o Sistema monista: só devem ser aplicadas penas

Porém, uma vez que estes autores também defendem uma conceção ético-jurídica da
pena, no sentido de que não há pena sem culpa e de que a medida ou gravidade desta
constitui o limite máximo da pena, foram e são confrontados com a seguinte objeção:
se a pena dos imputáveis perigosos tem de ser menor, por força da sua menor
censurabilidade ou culpa, em virtude das suas tendências para o crime, então, vai ser
precisamente em relação à categoria dos delinquentes mais perigosos para a sociedade
e para os seus bens jurídicos-penais que a sociedade menos se pode proteger?
Os defensores da teoria monista procuram contornar esta contradição, através da
criação e construção da culpa referida à personalidade, ao lado e a acrescer à tradicional
figura da culpa referida e aferida no momento do facto:
➔ Primeiros autores: culpa da vontade referida à personalidade → o imputável
perigoso é culpado pelas suas tendências para o crime, uma vez que estas são o
resultado de um reiterado exercício e opção do livre-arbítrio pelo ilícito criminal -
resultado das múltiplas decisões da vontade livre do delinquente, tendo culpa pela
não formação de uma personalidade respeitadora dos valores fundamentais

Crítica: culpa da não formação da personalidade a somar com a culpa do facto ilícito
iria aplicar ao imputável perigoso uma pena maior que a um imputável não perigoso

▪ Outros autores: culpa da personalidade → Cada um vai-se tornando responsável,


ao longo da existência, pelo “eu”, pela personalidade que vai, necessariamente,
construindo: muitas das tendências delinquentes dos imputáveis perigosos são o
resultado censurável do não cumprimento do dever existencial de “edificação” de
uma personalidade consciente e respeitadora dos valores essenciais em que assenta
a vivência comunitária (excluídas tendências criminosas congénitas e incorrigíveis)
Porém, nenhuma destas culpas consegue resolver o problema da categoria dos
imputáveis perigosos → O homem é fruto das suas “circunstâncias”, que não são
escolhidas por ele, mas sim impostas do exterior: sociedade (família e a escola).

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Concluindo, o sistema monista deixa a sociedade, e os bens jurídicos, parcialmente


desprotegida diante dos imputáveis perigosos → pena tem, necessariamente, de ser
menor que a aplicável ao imputável “normal”; défice de pena não pode ser compensado
por um acréscimo de pena em função de uma perigosidade culposa, uma vez que esta
perigosidade pode não ser imputável e, portanto, não censurável ao delinquente.
O sistema português é dualista, estando devidamente positivado no CP 1982: Art 83-90
▪ Pena relativamente indeterminada para os delinquentes por tendência
→ privação da liberdade correspondente a 2/3 da pena que caberia ao crime
cometido (83/2, 84/2 e 86/2) , sendo esta pena determinada pela culpa do facto
→ acréscimo de privação da liberdade, que pode ir até 6, 4 ou 2 anos (arts. 83º/2,
84º/2 e 86º/2), é uma autêntica medida de segurança; perigosidade do infrator,
demonstrada pela reiteração criminosa (arts. 83º/1, 84º/1 e 86º/1)
Fim e funções das medidas de segurança
Fim: proteção dos bens jurídicos fundamentais – art. 40/1; Funções:

• Prevenção especial de recuperação social do imputável perigoso, através do


tratamento da anomalia psíquica (caso dos inimputáveis) ou da correção da
tendência criminosa (caso dos imputáveis perigosos por tendência)
• Neutralização da perigosidade criminal: internamento enqt perigosidade persistir
• Prevenção geral:
→ inimputáveis: prevenção geral positiva de pacificação social (medida
secundária – só se afirma nos casos de ilícitos criminais muito graves)→ mínimo
de tempo de privação da liberdade – art. 91/2: “Quando o facto praticado pelo
inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum
puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, o internamento tem a duração
mínima de 3 anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da
ordem jurídica e da paz social.”; Nos casos em que há a necessidade social de
pacificação, a respetiva dimensão da prevenção geral constitui o limite mínimo
da medida de segurança privativa a liberdade

Opinião de Taipa de Carvalho:


▪ A medida de segurança não tem a função de prevenção geral de integração –
seja no sentido de interiorização dos bem jurídicos violados ou no reforço da
confiança da comunidade na vigência efetiva das normas penais
▪ A comunidade dos imputáveis sabe que o inimputável não é ético-juridicamente
motivável pelas normas penais, não sentindo afetados os valores violados pelo
lesado e a sua confiança, pelo ilícito praticado pelo lesado → comunidade sente
apenas medo; o art. 91/2 ser interpretado como neutralização da perigosidade

→ imputáveis perigosos: prevenção especial (função primária – privação da


liberdade; recuperação social e neutralização da perigosidade); prevenção geral
(f. secundária – pacificação social e manutenção da confiança da comunidade)

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Direito Penitenciário:
A política criminal que orienta e estrutura o nosso direito penal é uma política criminal
humanista:
➔ Atribui ao direito penal a função positiva de proteção de direitos fundamentais e das
condições sociais indispensáveis à realização destes valores
➔ Pena é um mal que só é legítimo para evitar comportamentos humanos lesivos dos
bens jurídicos – pena como ultima ratio
➔ Pena mais grave de privação da liberdade só deve ser aplicada quando as penas não
detentivas forem insuficientes ou inadequadas à função preventiva geral e especial
➔ Objetivo primordial da pena é a recuperação social do delinquente

O Professor Taipa considera isto uma hipocrisia prática, se o sistema penitenciário


continuar ignorado e imune às implicações práticas decorrentes destas exigências
politico-criminais → estabelecimentos prisionais contradizem-se entre a proclamação
da finalidade ressocializadora e a realidade dessocializadora e criminógena.

Até meados do século XIX: infrator visto como inimigo da sociedade e pena com
finalidade de retribuição e intimidação → recluso como objeto de execução punitiva,
não lhe sendo reconhecida a titularidade dos direitos fundamentais
A partir da segunda metade do século XIX: Escola Correcionalista afirma o princípio da
corrigibilidade → pena de prisão com o sentido de recuperação social, preparando o
recluso para a vida em sociedade: o preso não era apenas um objeto de obrigações mas
também titular de direitos humanos fundamentais

Portugal: preocupação com uma regulamentação da execução da pena de prisão, que


fosse adequada à correção e à reinserção social do delinquente constante (embora,
muitas vezes, em plano teórico) → Estabeleceu princípios fundamentais penitenciários:
1. Recluso mantém a titularidade e exercício de todos os direitos fundamentais,
sendo apenas legítimas restrições inerentes à própria condição de preso ou
internado, e as indispensáveis à ordem interna penitenciária e contra a fuga
2. Execução da prisão deve ser orientada para a socialização do recluso
3. Jurisdicionalismo da execução da prisão e medida de segurança

A concretização destes objetivos implica, a curto prazo, custos económicos elevados, na


criação de novos edifícios prisionais e na adaptação dos já existentes, bem como em
pessoal especializado para a novas funções e atividades a realizar no âmbito prisional.
Tais custos serão compensados, a médio e longo prazo, por uma possível diminuição das
taxas de reincidência.

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4. A distinção entre o direito penal e outros ramos do direito afins

I. A natureza pública do direito penal e a natureza privada do direito civil


Direito penal como direito público: seja qual for o critério para fixar a fronteira entre
direito público e direito privado (critério dos interesses, força imperativa das normas,
posição dos sujeitos na relação), o direito penal inclui-se sempre no direito público.
Função: proteger bens jurídicos fundamentais assumidos pela consciência ético-social
como indispensáveis à realização pessoal e à convivência comunitária, possibilitadora
daquela realização pessoal→ a sua violação constitui uma ofensa a toda a comunidade,
e não apenas em relação à pessoa em que se tenha concretizado a lesão do bem jurídico
“Direito de punir”: cabe ao Estado, enquanto representante da sociedade politicamente
organizada, a tutela dos valores comunitários (não um direito subjetivo, mas uma função
de efetivação da justiça criminal) → mesmo contra a vontade expressa do particular
ofendido, o Ministério Público não pode, em regra, deixar de exercer a ação penal (CPP
art. 48); e mesmo quando a promoção da ação está condicionada à prévia apresentação
de queixa (49º CPP) ou acusação particular (50ºCPP), cabe ao MP a titularidade da ação
Autonomia valorativa (DP c/ valores próprios): valoração jurídico-criminal é autónoma
dos juízos de valor formulados nas normas jurídicas pertencentes a outros ramos do
direito → ilicitude criminal não se confunde com a ilicitude civil, administrativa, …

Distinção entre direito penal e direito civil:

Direito Penal Direito Civil


Interesses/Natureza dos Reconhecidos como Assumidos como
bens jurídicos tutelados suporte axiológico de toda particulares – interesses de
a comunidade social titular individual
Finalidade das Sanções Finalidade preventiva do Finalidade reparadora dos
crime: olham ao presente danos causados: olham ao
(momento da prática do passado (momento da
crime e julgamento) e ao prática do facto ilícito) e ao
futuro presente (reparação do
dano causado)
Pressupostos de Responsabilidade Penal: Responsabilidade Civil:
Responsabilidade prática de um facto ilícito prática de um facto ilícito
típico (tipificado numa lei) e (não tem de estar tipificado
culpa dolosa do agente – ex: art. 8/1 CC), cometido
(embora, em vários crimes, com “mera culpa”
seja punível a culpa (negligência) → casos de RC
negligente – art 13) objetiva (nem culpa nem
facto ilícito – ex: estado de
necessidade)

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II. O direito penal e o direito de ordenação social


A distinção entre o direito penal e o direito de ordenação social apresenta-se mais difícil,
pelo facto de, tanto num como noutro destes ramos do direito, estarem em causa
valores ou bens jurídicos sociais →a realidade da evolução legislativa recente tem ido
no sentido oposto à ideia histórica inicial da quase total autonomia e separação entre
estes 2 setores do direito público sancionatório: indesejável aproximação do regime das
contraordenações ao regime do direito penal.

➔ Regime direito de mera ordenação social português: DL nº 433/82, 27 de outubro

O direito de ordenação social resultou dos efeitos convergentes de 2 fenómenos:


1. Fatores político sociais – Estado de Direito Social:
▪ Sec. XX - Individualismo e naturalismo: Estado preocupa-se apenas com a
defesa externa e com a ordem interna, deixando o indivíduo entregue a si
mesmo e relacionando-se livremente com os outros
▪ Consequências económicas e sociais desastrosas: em vez de livre
concorrência, assistiu-se à criação de oligopólios e de cartéis; em vez de
satisfação das necessidades básicas dos trabalhadores, assistiu-se à
exploração do trabalhador e a uma injustiça social enorme
▪ Proclamação dos direitos individuais não é suficiente para a promoção de
uma ordem social minimamente justa → democracia política não é um fim,
mas um meio para a progressiva democratização económica, social e cultural,
cabendo ao Estado promover tal democratização
▪ II grande Guerra: as constituições passam a ter uma estrutura e um conteúdo
tripolar – indivíduo, sociedade e Estado (e não bipolar: indivíduo e Estado)
▪ Após II Grande Guerra: constituições consagram os traços característicos do
Estado de Direito Social: igualdade de oportunidades, direitos fundamentais
positivos (direito à educação, à segurança social, etc.), direitos fundamentais
negativos” (os direitos, liberdades e garantias individuais); função estatal de
intervenção reguladora e promotora do processo económico e do processo
social global → criaram-se normas jurídicas nos diversos setores do social
▪ Em que ramo do direito se incluem estas normas? Criou-se uma nova figura
– a “contraordenação” – a ser incluída num novo ramo do direito, designado
por “direito de ordenação social”, com um regime jurídico próprio

2. Fatores político criminais: Outras razões que convergiram na mesma conclusão


da necessidade de criação de um novo setor jurídico público e sancionatório
▪ Sec. XX : formas de criminalidade organizada; criminalidade económica
grave; movimento político de descriminalização (sem necessidade e
dignidade penal, devendo ficar fora do direito penal)
▪ Formas de criminalidade grave e organizada: (ex: terrorismo) – deviam ser
incluídas no direito penal, mas os órgãos de investigação criminal e os
tribunais ficariam saturados e bloqueados no seu funcionamento

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A inevitabilidade da criação de um novo e específico ramo do direito público e


sancionatório: o direito de ordenação social
No Estado absoluto existiam as transgressões (violações de normas) verificadas pelos
polícias → com o Pr. da Legalidade (preocupação com garantias do cidadão face ao
poder do Estado), surgindo as contravenções (normas ligadas ao bom funcionamento
da admin. pública) que deixam de ser verificadas pelos polícias, mas pelos tribunais. Com
o DL 433/82, e devido à sobrelotação dos tribunais, surgiu o direito de ordenação social.

Assim, o novo DOS passou a incluir, como contraordenações, novas infrações dos novos
“interesses sociais” (fiscais, ecológicos) e as contravenções (ex: as infrações rodoviárias)
Autonomia do direito de ordenação social face ao direito penal
O ilícito de mera ordenação social define-se, por via do DL nº 433/82 como “todo o facto
ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” → define
o ilícito por via da sanção a ele atribuída: a contraordenação distingue-se do crime
porque àquela corresponde uma coima enquanto a este se aplica uma pena.
a) Autonomia material
▪ Procura-se perceber se a distinção é qualitativa (material) ou quantitativa (formal)
▪ Entendimento maioritário: qualitativa, mas com divergências doutrinais:
▪ Eduardo Correia: a contraordenação é um ilícito de natureza substancialmente
diferente do crime – denominou o ramo de “direito de mera ordenação social”
▪ Figueiredo Dias: não há nenhum ilícito que seja ético-socialmente indiferente mas,
consideradas as condutas em si mesmas, antes das proibições legais, há umas que
são “axiológico-socialmente relevantes” (ilícito penal) e “axiológico-socialmente
neutras/irrelevantes” (ilícito de mera ordenação social)
▪ Taipa de Carvalho: recusa as condutas neutras – considera que as condutas são
proibidas por serem, em si mesmas, socialmente desvaliosas e censuráveis → afasta
o adjetivo “mera” → contraordenações defendem os valores importantes para a
sociedade, mas que não são considerados fundamentais à vida comunitária
→ este critério é só tendencialmente verdadeiro: há condutas que lesam valores
fundamentais (dignidade penal) mas não são qualificadas como crime por o
legislador entender como suficiente/adequada a punição contraordenacional

b) Sanções contraordenacionais
1. Finalidades
▪ Figueiredo Dias: considerando as condutas neutras, defendem que as
contraordenações têm apenas finalidade preventiva negativa (geral – dissuadir
os destinatários das normas; especial – dissuadir o infrator da prática) → ao
serem neutras, não têm finalidade positiva (pacificação social e interiorização
das normais), visto que não são valoradas negativamente pela sociedade
▪ Taipa de Carvalho: a finalidade principal é, também, negativa (geral e especial);
mas, também têm uma finalidade de prevenção positiva (consciencialização
social e do infrator), visto que os bens jurídicos têm relevância social

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2. Categorias de sanções
• Coimas: sanção principal – DL 422/82 art 17;
- ≠ multa: a coima tem natureza punitiva, mas não penal; gravidade da culpa tem
um papel maior na pena-multa; o não pagamento da multa pode levar a prisão,
enquanto que a coima nunca pode ser substituída por prisão (apenas pode ser
objeto de execução, no caso do não pagamento – DL 433/82 art. 89) + art. 47
(tem em conta a situação económica do infrator)
• Sanções acessórias: Perda de objetos até encerramento de estabelecimento,
passando por interdição do exercício de profissão/privação de direito a subsídios

c) Competência para julgamento


• Art. 33 DL 433/82: processamento das contraordenações e aplicação de coimas
e sanções acessórias é das autoridades administrativas (libertar tribunais)
• Art 59 e 61: é permitida impugnação judicial junto do tribunal de 1ª instância
(contraordenações muito gravosas; acautelar direitos/liberdades fundamentais
e por a admin, pública, apesar do pr. da legalidade, n ter estatuto independente)
• Art 73: recurso da decisão de 1ª instância para o tribunal da relação (coima muito
elevada ou, quando além da coima, se aplica sanção acessória)
• Art. 75: matéria de direito – da relação não há recurso

d) Competência Legislativa
• Art. 165/1 d) CRP: regime geral – definição material e processual das
contraordenações é de competência exclusiva da Assembleia da República,
embora esta possa autorizar o Governo a legislar esta matéria (reserva relativa)
• Competência legislativa concorrente: cabe tanto ao Governo como à AR a
qualificação legal de determinadas condutas como ilícitos de ordenação social
→ Não permite ao Governo converter um crime em contraordenação
(descriminalização – competência da AR; Governo tem de ter lei de autorização)
Direito penal comum e direito penal especial
➔ Direito penal comum: protege direitos liberdades e garantias
➔ Direito penal especial: visa tutelar valores económico-sociais que são necessários
para o funcionamento da comunidade e para a verdadeira realização individual
➔ Não existe diferença qualitativa: ambos tutelam valores considerados fundamentais
➔ Existem 3 grandes diferenças:
→ Grau de ressonância: é mais profundo no direito penal comum (está mais
entranhado na consciência individual; mas Taipa de Carvalho considera que isto nem
sempre é verdade, como no exemplo de um furto simples contra um crime de abuso
de confiança fiscal acima de 25.000 euros (infração é mais grave que o furto)
→ Grau de durabilidade: direito penal clássico resiste a alterações, mantendo-se
merecedor e carecido de tutela penal
→ Localização sistemática: toda a norma que esteja postulado no código penal será,
regra geral, de direito penal comum, até por ser imutável ou perene. Já as normas
que se encontram em legislação avulsa, serão de direito penal secundário
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5. O Princípio da Legalidade Penal

I. Génese histórico-política: passagem de Estado Absoluto ao Estado de Direito


Vimos anteriormente que o direito penal do absolutismo monárquico se caracterizou
por uma sujeição do indivíduo ao poder absoluto do Estado → Estado-Polícia em que
não eram reconhecidos quaisquer direitos e liberdades fundamentais, estando a lei e
todos os poderes de soberania (legislativo, executivo e judicial) concentrados na sua
pessoa, como instrumento de efetivação do seu poder absoluto. O Direito Penal era
caracterizado pela arbitrariedade, terror punitivo na manutenção do poder político real,
classismo e inexistência de quaisquer garantias individuais.
Foi-se, paralelamente, desenvolvendo uma nova consciência e teorização política
caracterizada pelo individualismo, contratualismo, racionalismo e legalismo → Estado
de Direito em substituição do Estado Absoluto, com a Revolução Francesa (1789)
Sendo o direito penal que, com as sanções e penas, mais afeta os direitos e liberdades
individuais, é compreensível a importância acrescida e radical nas primeiras
Constituições Liberais do Princípio da Legalidade → com o objetivo de pôr fim às
arbitrariedades (conjugado com a ingenuidade racionalista), levou-se a um
entendimento utópico deste princípio: a lei penal devia ser exaustiva na enumeração e
descrição do facto criminal e estabelecer uma pena fixa para cada tipo de crime, ficando
para o juiz o mero papel de aplicador automático da lei ao caso concreto.

II. Fundamentos do Princípio


Os fundamentos originários foram jurídico-políticos: garantia do cidadão frente ao
poder punitivo do Estado:
➔ Lei escrita, precisa e anterior ao facto, de modo a proteger o infrator contra
intervenções políticas arbitrárias
➔ Garantia reforçada com o princípio da separação de poderes – atribuição aos
representantes diretos do Povo (Parlamento) a competência para definir crimes

A estas razões jurídico-políticas juntaram-se os fundamentos jurídico-criminais:


➔ Iluminismo Criminal: pena com função de prevenção geral de dissuasão → reforça a
exigência da lei penal clara e anterior ao facto: se a lei penal tem a função de levar
os cidadãos a que não pratiquem factos criminosos, então ela deverá indicar com
precisão o que é crime e qual a pena que a este é aplicável, bem como tem de ser
anterior à prática do facto
➔ Feuerbach (1801): autor a quem é atribuída a formulação latina do princípio da
legalidade – nullum crimen, nulla poena sine lege –, viu este princípio,
simultaneamente, como garantia política do cidadão e como condição de eficácia da
sua teoria da coação psicológica

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III. Dimensões ou exigências do Princípio da Legalidade - Art 1 CP + Art 29 CRP


Lei formal, precisa, estrita e prévia
a) Exigência da lei em sentido formal – nullum crimen sine lege scripta
▪ A separação de poderes era um meio de garantir os direitos e liberdades individuais
fundamentais - a definição dos crimes e a estatuição das penas deviam ser da
competência exclusiva do Parlamento (“vontade geral” da comunidade, contra
eventuais tentações de criminalizações e penalizações arbitrárias)
→ Art. 165/1 c) CRP: é de competência exclusiva da AR, salvo autorização ao
Governo (reserva relativa da competência legislativa da AR – 165/1 c) e 2) a definição
dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos
▪ Única fonte do direito penal é a lei formal (da AR): fonte última direta, quando é
este órgão a definir e indireta quando delega ao Governo, através das LAL
▪ Lei escrita: surgiu com o objetivo de afastar o costume como fonte de direito penal
e a figura dos “crimes naturais” → causavam insegurança e arbitrariedades judiciais
▪ Competência para descriminalizar: segundo Taipa de Carvalho, apoiado no Tribunal
Constitucional, governo não tem esta competência – 2 fundamentos constitucionais
→ princípio da separação de poderes afetado: não faria sentido que o Governo
pudesse legislar negativamente, contrariando o que a AR definiu
→ exclusiva competência da AR na definição dos bens jurídico-penais: não é
razoável permitir o Governo retirar a proteção penal que a AR conferiu a certos bens

▪ Leis Penais em branco: norma que contém a sanção penal e que, quanto ao facto
típico, remete, total ou parcialmente, para a descrição feita por uma outra norma
extrapenal (determina diretamente a pena e indiretamente a conduta ilícita) - isto
acontece devido à complexidade técnica de certas atividades e à mutabilidade desta
regulamentação, fruto das inovações tecnológicas/conjeturas económico-sociais
→ a questão da (in)constitucionalidade coloca-se em relação à norma extrapenal,
uma vez que esta tem, necessariamente, de constar de lei ou decreto-lei autorizado
pela AR: desde que a norma respeite as exigências de determinabilidade/tipicidade
(defina com pormenor o comportamento), esta parece poder ser aceite
→ devem ser evitadas, a não ser que seja técnico-legislativamente indispensável: a
regra é que a norma penal seja completa (hipótese legal e estatuição)

▪ Atos normativos da UE não são fonte de DP: não enquanto o Parlamento Europeu
não tiver competência legislativa (único órgão cujos membros são diretamente
eleitos pelos povos da União – princípio da legalidade afetado) → acontece que a UE
obriga os Estados-membros a criar normas penais para tutelar bens
jurídicos/interesses da CE, mediante diretivas vinculativas: do ponto de vista formal,
não afeta o pr. da legalidade, pois que continua a lei formal estatal a ser a fonte
direta da criminalização ou agravação da responsabilidade penal; mas, acabam por
excluir a ilicitude, considerando certas condutas justificadas, mesmo que
formalmente previstas por uma lei penal estatal
▪ Convenções/Pactos internacionais de direitos humanos: não são fonte de DP pois,
apesar de ratificadas e publicadas no DR e prevejam ilícitos, não estabelecem penas

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b) Exigência lei precisa/tipicidade/determinabilidade– nullum crimen sine lege certa

▪ Razão jurídico-política: a conduta qualificada como crime tem de ser


objetivamente determinável pelos destinatários da norma penal, os cidadãos,
em primeiro lugar, e o julgador, no segundo momento da aplicação da lei penal
▪ Razão político-criminal: função preventiva e de orientação e motivação das
condutas - visando a lei penal prevenir a prática de condutas lesivas ou
suscetíveis de lesar os valores fundamentais para a vida pessoal e comunitária,
através da dissuasão da prática de tais condutas, então a lei penal deve
caracterizar e descrever estas condutas da forma o mais completa possível, de
modo a que não haja dúvidas sobre os factos que constituem crime → Tipo legal
▪ Recusa da utilização de cláusulas gerais na definição de condutas proibidas: a
incerteza e indeterminação frustraria a garantia subjacente ao Pr. da legalidade
▪ Elementos normativos indeterminados: desejável e exigível é que a sua inclusão,
no tipo legal, seja reduzida ao mínimo indispensável, pois que eles afetam o
objetivo ideal da plena transparência legal das condutas que o tipo legal abrange
– mas por vezes é inevitável → ex. de elementos normativos: “bons costumes”,
“meio insidioso”; ex. de elementos normativos indeterminados mas
determináveis segundo critérios objetivos: “valor consideravelmente elevado”

c) Exigência lei estrita (proibição aplicação analógica)– nullum crimen sine lege stricta
▪ Iluminismo Criminal: procuraram configurar o princípio da legalidade penal de
forma que este constituísse um obstáculo intransponível pelas eventuais
arbitrariedades, não só do poder legislativo, como também do poder judicial →
meio de impedir qualquer arbitrariedade/discricionariedade judicial, em matéria
penal, era a vinculação do juiz a uma estrita interpretação literal, ou seja, reduzir
o aplicador da lei penal a um mero instrumento mecânico de aplicação da lei
▪ Pluralidade de significados: o texto da lei penal, como qualquer lei, é constituído
por um conjunto de palavras que não têm um único significado, dependendo do
contexto → depende da finalidade ou teologia da lei
▪ Determinação da finalidade e do âmbito da lei: não é abstrato ou intuitivo, caso
contrário trariam incerteza e insegurança jurídica → Art 9 CC:
→ o intérprete aplicador deve descobrir qual o “pensamento legislativo” – casos
concretos abrangidos pela norma jurídica
→ circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada e circunstâncias atuais em
que a lei é chamada a ser aplicada, bem como a ratio/teologia da norma
→ O texto legal deve ser o ponto de partida e de chegada – impede uma
interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência legal
→ em situações que não são abrangidas por nenhuma interpretação que o texto
legal comporta, estamos perante um lacuna → pode existir norma jurídica que
se aplique a um caso análogo (analogia legis) ou pode ser apenas preenchida por
princípios jurídicos fundamentais que regulam esse setor (analogia iuris)
▪ Esta aplicação analógica é proibida no direito penal, apenas sendo permitida
uma interpretação extensiva ou a analogia in bonum (boa para o infrator)

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6. A eficácia temporal da lei penal

I. Exigência da lei prévia (proibição retroatividade) – nullum crimen, nulla poena


sine lege praevia
A exigência jurídico-política de garantia do cidadão frente ao poder punitivo do Estado
(exigência conatural ao Estado de Direito) e a função preventivo-geral de dissuasão
atribuída à pena determinaram a proibição da aplicação retroativa da lei penal
desfavorável → quer a lei criminalizadora, quer a lei que viesse estabelecer uma pena
mais grave do que a prevista pela lei em vigor no momento da prática do facto, só
poderia ser aplicada aos factos cometidos depois da sua entrada em vigor.
Art. 29 CRP: também consagrados nos Arts. 1/1 e 2 + 2/1 CP
➔ 1: “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior
que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos
pressupostos não estejam fixados em lei anterior”
➔ 3: “Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam
expressamente cominadas em lei anterior”
➔ 4, 1ª parte: “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que
as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos
respetivos pressupostos”

II. Determinação do tempus delicti


Tempus delicti é o momento em que se deve considerar cometido o crime → o crime é
uma realidade complexa, que se decompõe em vários elementos, nomeadamente a
ação e o resultado. Estes momentos, por vezes, podem estar distantes estre si, pelo que
é indispensável determinar o elemento que constitui o critério decisivo para avaliar a
anterioridade ou posterioridade da lei penal em causa.
O momento de referência é a conduta: art. 3 CP

• É irrelevante o momento que se produz o resultado


• Leis não podem aplicar-se ao agente de uma conduta praticada antes do seu início
de vigência, mesmo que o resultado dessa conduta (por exemplo, a morte) venha
a produzir-se quando essa lei já está em vigor
• Razão essencial: jurídico-política de garantia do cidadão
• Razões suplementares:
✓ Orientação das condutas: normas têm o objetivo de determinar os destinatários
a praticar (ou não praticar) determinadas ações → é na conduta que se verifica a
violação da norma (embora a proibição seja para evitar resultados)
✓ Conceção subjetiva do ilícito penal: não há ilícito penal sem desvalor da ação,
mas pode haver ilícito penal sem desvalor de resultado
✓ Função prevenção-geral da pena: visa dissuadir da prática de determinadas
condutas, pois que estas é que dependem do destinatário da norma, enquanto
que os resultados, uma vez praticadas aquelas, são muitas vezes inevitáveis

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Mas, há casos em que a conduta se protrai por um tempo mais ou menos longo, como
é o caso dos crimes duradouros/permanentes, crimes habituais, crimes de omissão e,
ainda, crimes continuados, de comparticipação e de actio libera in causa.
Nestes casos, entre o início da conduta e o seu termo, pode surgir uma lei
criminalizadora ou uma nova lei que venha simplesmente alterar a pena → que lei deve
ser aplicada?
▪ Lei criminalizadora: só devem ser consideradas as ações que foram praticadas
depois do seu início de vigência – as anteriores são irrelevantes (caso contrário,
constituiria uma violação da proibição da retroatividade de lei criminalizadora)
▪ Lei nova mais favorável: que porque descriminaliza, quer porque diminui a
responsabilidade penal → deve haver aplicação retroativa da lei mais favorável
▪ Quando a lei já existe, mas a pena agrava: deve aplicar-se a LA, exceto quando
a totalidade de pressupostos típicos da LN se tenham verificado na sua vigência

III. Imposição da aplicação retroativa da lei penal mais favorável


A proibição da aplicação retroativa apenas visa as leis penais mais desfavoráveis, sendo
permitida a retroatividade da lei penal favorável → razões fundamentais:
▪ Função preventiva geral e/ou especial: se o legislador entende que o facto não
deve continuar a ser considerado crime ou que, embora o deva continuar a ser,
todavia entende que é suficiente, para serem satisfeitas as necessidades sociais
da prevenção geral e especial, uma pena menos grave, então deixa de ter
sentido a aplicação da LA, devendo, sim, aplicar-se retroativamente a LN
▪ Princípio constitucional da restrição mínima dos direitos fundamentais:
conduziu ao princípio da indispensabilidade ou da máxima limitação possível da
pena - a pena e o seu quanto só se justificam, jurídico-constitucionalmente, na
medida do indispensável à proteção dos “direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos” (art. 18º/2 CRP) → se o legislador entende que
uma pena menos grave e, portanto, menos limitadora dos direitos
fundamentais, especialmente da liberdade, é suficiente para realizar as funções
político-criminais de prevenção geral e de prevenção especial, então esta terá
de aplicar-se retroativamente. O contrário seria aplicar uma pena que, no
momento do julgamento (ou mesmo da execução), é tida como desnecessária
e, portanto, seria inconstitucional
Art. 29/4 2ª parte CRP: concretização do princípio da restrição mínima da liberdade,
estabelecendo a retroatividade das “leis penais de conteúdo mais favorável” → art. 2/2
+ 4, 1ª parte CP assume todos estes princípios.
IV. O princípio da aplicação da lei penal mais favorável
Em matéria de sucessão de leis penais vigora o princípio da aplicação da lei penal
favorável → é incorreta a classificação da proibição da retroatividade como princípio
geral e da retroatividade da lei mais favorável como exceção

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V. Consequências do princípio da aplicação da lei mais favorável

a) Sucessão de leis penais em sentido amplo e em sentido estrito


➔ Sentido amplo: abrange uma sequência de 2 ou mais leis penais (criminais) como
uma sequência de 1 lei penal e de 1 lei contraordenacional, ou de 1 lei
contraordenacional e de 1 lei penal
➔ Sentido estrito: a designação “sucessão de leis penais” implica que todas as leis
que se sucederam, desde o momento da prática do facto até à completa extinção
da responsabilidade penal, eram leis penais
Nota: uma vez eliminada a categoria das contravenções, lei penal passou a ser sinónimo
de lei criminal → uma só categoria de infração penal, que é o crime, infração que é
punível com uma pena/medida de segurança criminal: termo despenalização coincide
com o termo descriminalização - despenalizar é o mesmo que descriminalizar. Pena, em
sentido exato, pressupõe o crime, e só a este pode ser aplicada.
b) A eficácia temporal da lei que converte uma contraordenação em crime, e viceversa
Não há sucessão de leis penais: duas leis de natureza jurídica diversa – uma lei penal e
uma lei contraordenacional → não funciona, então, o pr. da aplicação da lei + favorável
Contraordenação → Crime

• Lei criminalizadora: deste modo, há uma proibição da retroatividade, podendo


apenas aplicar-se aos factos depois da sua entrada em vigor
• Factos praticados segundo a lei antiga (como contraordenações): deverão ser
julgados segundo a lei em vigor no momento do seu cometimento, apesar de já
estar revogada? E os que já foram julgados, mas as sanções ainda não foram
inteiramente cumpridas? A resposta não cabe ao direito penal, mas sim ao
direito de ordenação social → regime geral das contraordenações (DL 433/82)
• Regime geral das contraordenações:
→ Art. 2: são punidas como contraordenação factos descritos por leis anteriores
ao momento da prática – neste caso, existia uma lei anterior contraordenacional
→ Mas, Art. 3/2: se a lei vigente ao momento da prática for alterada, aplica-se
a lei mais favorável ao arguido → neste caso, a lei foi revogada, estando perante
uma lei descontraordenacionalizadora: ou seja, resulta uma aplicação
retroativa, deixando o não condenado ou, se condenado, ainda não executadas
as sanções sem qualquer sanção (irresponsabilizados juridicamente)
• Isto acontece por duas razões, ambas da responsabilidade do legislador:
→ o Regime Geral das Contraordenações não prevê esta hipótese –
estabelecendo que os factos anteriores à lei que converteu contraordenação em
crime permanecessem puníveis como contraordenações (ultra-atividade)
→ norma transitória do legislador que altera a natureza da norma –
estabelecendo que as contraordenações anteriormente cometidas
permanecessem puníveis (apoiando-se numa lei de autorização, para evitar
inconstitucionalidades, visto se ver alterado o art. 3/2 do DL 433/82)

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Crime → Contraordenação

• Lei descriminalizadora: todos os factos praticados durante a sua vigência deixam


de ser puníveis penalmente (Pr. da aplicação retroativa da LN despenalizadora)
→ se não se iniciou o processo, jamais se poderá iniciar; se está em curso,
extinguir-se-á com a entrada em vigor da LN
• Podem ser punidos contraordenacionalmente, visto que são menos gravosas
que a LA? São leis de natureza diferente; o art. 2/4 refere-se a sucessões de leis
penais e o art. 3/2 DL 433/83 refere-se a sucessão de leis contraordenacionais,
não podendo, por isso, ser resolvida segundo estes
• Lei contraordenacionalizadora: não podem ser punidos como contraordenação
pois, segundo o Art. 3/1 DL 433/82, só se pode aplicar a lei a factos praticados
depois do seu início de vigência → novamente, não são condenados
• Como evitar? Através de uma norma transitória que estabeleça a punição como
contraordenação dos factos praticados na vigência da LA penal – deve,
novamente, sem apoiada numa lei de autorização da AR (para evitar
inconstitucionalidades, pois contraria o Regime Geral das Contraordenações),
não havendo qualquer inconstitucionalidade, sendo que as sanções
contraordenacionais da LN são menos graves que as sanções penais da LA

c) Lei penal intermédia


É a lei penal cujo início de vigência é posterior ao momento da prática do facto e cujo
termo de vigência ocorre antes do julgamento, rectius, antes do momento em que
transita em julgado a sentença → visto que não está em vigor em nenhum dos
momentos referenciais, o problema da sua aplicabilidade só se levanta quando a lei
intermédia é mais favorável que as outras leis penais em confronto: a lei do tempus
delicti e a lei do momento em que se forma o caso julgado

Sendo mais favorável, aplicar-se-á:


o Lei retroativa: aplica-se a uma conduta antes da sua entrada em vigor
o Lei ultra-ativa: é aplicada depois de ter cessado a sua vigência
o É inquestionada a aplicação da lei intermédia mais favorável: tem projeção legal
na expressão “leis posteriores” do art. 2/4
o Razões que fundamentam a sua aplicação: princípios jurídico-políticos da
segurança individual e político-criminal da máxima restrição da pena, intervindo,
ainda e de forma decisiva, o princípio da justiça relativa ou igual tratamento de
casos idênticos

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d) Determinação da lei penal mais favorável


Ponderação Abstrata VS Ponderação Concreta:
o A opção vai razoavelmente para a Ponderação Concreta – é relativamente ao caso
que se deve determinar qual das leis favorece mais o infrator
o Tribunal deve realizar todo o processo de determinação da pena concreta (Art. 71)
o Apenas se usa a ponderação abstrata nos casos em que é evidente a lei mais
favorável (ex: LA – 8 a 16 anos; LN – 5 a 12 → é evidente que a LN é mais favorável)
o Dificuldades podem surgir quando as penas são heterogéneas (prisão – multa, ou
o inverso) ou, mesmo quando homogéneas, 1 tem o limite mínimo da pena
superior ao limite mínimo da pena prevista na outra lei, mas o limite máximo
inferior, ou o inverso (ex: LA - 1-10 anos; LN 3-8 anos) → nestes casos, tem de haver
uma determinação da pena concreta e, só depois disto, saber qual das leis é mais
favorável ao arguido e, portanto, qual deve ser aplicada
o Pode, também, ser concedida a possibilidade ao arguido, nos casos de dúvida, de
ser este a escolher qual a pena que prefere que lhe seja aplicada - Permanecendo
a decisão como decisão do tribunal, é justo que, nos casos duvidosos, deva ser
atendida a opção do mais interessado na aplicação da lei mais favorável (ex: numa
situação em que o tribunal decide, segundo uma lei, a pena de 2 meses de prisão
e, segundo outra, 30 dias-multa a 30€ → apesar de a totalidade das pessoas
preferir a multa, o condenado pode preferir a prisão por, por ex., estar
desempregado – não faria sentido não apoiar a opção do arguido)
Ponderação Unitária VS Ponderação Diferenciada:
o Ponderação Unitária: a lei deve ser aplicada na totalidade das suas disposições
sobre a pena principal, penas acessórias e pressupostos processuais
o Ponderação Diferenciada: confronto das disposições das leis em causa, devendo
aplicar-se as disposições, contidas nas duas leis, que sejam mais favoráveis
o A generalidade da doutrina e jurisprudência optou pela ponderação unitária, mas
Taipa de Carvalho opta pela ponderação diferenciada
o Razões: Princípio político criminal da intervenção mínima e diferentes
fundamentações e teleologias das penas principais, penas acessórias e
pressupostos processuais:
- Penas principais: determinadas em função da gravidade do crime
- Penas acessórias: personalidade e atividade do agente
- Pressupostos processuais: apesar de, muitas vezes, relacionados com a menor
gravidade do crime, há também a exigência dos interesses da vítima em não se ver
exposta num processo público ou nos interesses da funcionalidade do sistema
o Conclusão: devem ser aplicadas as disposições mais favoráveis
→ Ex1: LA – 6 meses a 3 anos + suspensão do exercício da profissão; LN – apenas
pena 1 a 5 anos; aplica-se a pena principal da LA e sem pena acessória, como na LN
→ Ex2: LA – 1 a 4 anos + crime semi-público; LN – até 3 anos + crime público; aos
crimes cometido na vigência da LA e sem queixa, continua a exigir-se queixa; se a
queixa for apresentada, aplica-se a LN

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e) O caso julgado e a aplicação retroativa da lei penal mais favorável


História do caso julgado e da aplicação retroativa da lei penal mais favorável:

• 1º fase: afirmou-se na consagração do Estado de Direito como instrumento de


garantia do cidadão contra a arbitrariedade da perseguição criminal →
absolutização do caso julgado penal, proibindo-se a retroatividade, até em casos
em que a lei era descriminalizadora
• 2ª fase: relativização do caso julgado - se a razão de ser do caso julgado penal é
a de impedir decisões legislativas e judiciais desfavoráveis ao infrator apoiadas
em leis posteriores ao referido trânsito em julgado, então não tem sentido
utilizar a figura do caso julgado, quando a LN, mesmo que posterior ao caso
julgado, não agrava mas favorece o cidadão infrator
→ Alguns códigos penais extraíram as extraíram as consequências lógicas e
político-criminais desta relativização: CP espanhol e CP brasileiro permitiram a
plena retroatividade da lei penal (descriminalizadora ou que reduza a pena),
mesmo que já tivesse ocorrido o transito em julgado da sentença condenatória
→ Na generalidade dos países, incluindo Portugal, mantiveram o caso julgado
como obstáculo à retroatividade, só o afastando na LN descriminalizadora

Situação anterior a 15 de setembro de 2007, data da entrada em vigor da atual 2ª parte


do art. 2º/4 do CP e do art. 371º-A do CPP
Princípios constitucionais que determinavam o limite ao caso julgado inconstitucional:

• Princípio constitucional da igualdade – art. 13/1, 2ª parte CRP


• Restringe o âmbito de uma norma constitucional protetora dos direitos
fundamentais, máxime liberdade – art. 29/4 2ª parte → projeção de outro
princípio de que “as restrições dos direitos, liberdades e garantias” devem
“limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos” (art. 18º/2, 2ª parte CRP) – restringe
desnecessariamente o direito fundamental de liberdade

Situação a partir de 15 de setembro de 2007, data da entrada em vigor da atual 2ª


parte do art. 2º/4 do CP e do art. 371º-A do CPP

• Até 17/09/2007 o art. 2/4 CP proibia a retroatividade da lei penal mais favorável
se o agente já tivesse sido julgado por sentença transitada em julgado
• Lei nº 59/2007 substituiu a última parte por “se tiver havido condenação, ainda
que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que
a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena
prevista na lei posterior” - só evitava que alguém tivesse de permanecer na
prisão, apesar de já ter ultrapassado o tempo máximo de prisão da LN
• Lei nº 48/2007 + Art. 371 A CPP: o condenado pode requerer a reabertura da
audiência para que lhe seja aplicado o novo regime

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f) Alteração das causas de justificação (causas de exclusão da ilicitude)


➔ A LN criadora ou amplificadora de uma causa de justificação aplica-se,
retroativamente, ao agente cuja conduta concretamente típica, apesar de
considerada ilícita pela lei do momento da conduta, passou a ser considerada
justificado, no entanto, o eventual efeito mediato criminalizador da conduta típica,
que pela lei antiga estava justificada mas pela lei nova passa a ser ilícita, só pode
afirmar-se em relação às condutas praticadas a partir da entrada em vigor da LN
➔ A lei nova eliminadora ou que reduza o âmbito de uma causa de justificação não se
aplicará às condutas anteriormente praticadas, que, apesar de típicas, estavam
justificadas pela lei antiga (proibição de retroatividade desfavorável), continuando
estas a ser tidas como justificadas, mas já se aplicará retroativamente às condutas
típicas, que a lei antiga considerava ilícitas mas a lei nova considera justificadas

g) Medidas de Segurança
As medidas de segurança são também sujeitas ao Pr. da legalidade e jurisdicionalidade
➔ Proibição da retroatividade desfavorável: (art. 29/1 e 4 CRP + Art. 1/2 e 2/1 CP) →
razão jurídico-política para evitar a utilização abusiva
➔ Aplicação retroativa da medida de segurança mais favorável: tendo as medidas de
segurança exclusiva função de defesa social e tratamento do delinquente,
necessariamente que se a LN é mais favorável, deve aplicar-se retroativamente

VI. Leis Temporárias

o Art. 3/2 CP: “Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a
ser punível o facto praticado durante esse período” → incompatibilidade com o Pr.
da retroatividade da lei mais favorável, tendo as leis temporárias um regime
especial, aplicando-se a todas as condutas nela previstas e praticadas durante a sua
vigência, independentemente de, no julgamento, a lei temporária não estar em vigor
o Definição material: a lei penal que, visando prevenir a prática de determinadas
condutas numa situação de emergência ou anormalidade social, se destina a vigorar
apenas durante essa situação, predeterminando ela própria a data da cessação da
sua vigência
→ Pressuposto Material: situação de emergência/anormalidade - não depende da
vontade arbitrária do legislador, se não violaria o Pr. da retroatividade favorável
→ Pressuposto Formal: a própria lei estabelece, formalmente, o seu termo de
vigência – impede a prática do facto de factos que nesta situação têm mais gravidade

o É uma exceção ao Pr. da retroatividade favorável? O facto que pretende ser


protegido, naquela situação, continua a ser valorado; o que se alterou foi a situação
fáctica e não a valoração político-criminal
o Sucessão de leis temporárias: se o legislador reparar que a lei, depois da entrada em
vigor, é excessivamente dura e decidir aprovar uma nova lei que reduz a pena,
aplicava-se a segunda lei, por ser mais favorável → alteração da valoração

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7. A eficácia espacial da lei penal

VII. A designação “direito penal internacional”


Direito penal internacional: art. 4, 5, 6 e 7 - disposições jurídico-penais portuguesas
sobre a aplicabilidade, no espaço, da nossa lei penal; sobre a eventual aplicabilidade,
pelos tribunais portugueses, da lei penal estrangeira; e, ainda, sobre a cooperação
judiciária internacional penal das autoridades portuguesas com as estrangeiras.

≠ Direito internacional penal: normas jurídico-penais (materiais e processuais)


constantes de tratados/convenções internacionais a que um Estado tenha aderido
VIII. Princípio sobre o âmbito de aplicabilidade no espaço da lei penal portuguesa
a) Princípio fundamental da territorialidade – Art. 4º a)

▪ Razões materiais: é no território do Estado, onde foi praticado o crime, que mais se
fazem sentir as necessidades de prevenção geral positiva de pacificação social e
reafirmação da ordem jurídica-penal e da importância dos bens jurídicos por ela
protegidas; e de prevenção geral negativa de dissuasão dos potenciais infratores
▪ Razões processuais: é no território onde o crime foi praticado que a investigação e
a prova do crime é mais fácil de realizar-se e, portanto, são maiores garantias de
uma decisão eficaz e justa
▪ Locus delicti: Estado onde o crime deve ser considerado praticado → tenta-se evitar
conflitos negativos de competência, para evitar a impunidade do infrator, utilizando-
se um critério bilateral alternativo – podem verificar-se conflitos positivos de
competência, no entanto, tais conflitos acabam por não ter relevância prática, uma
vez que cada Estado concorrente pretenderá que o crime não fique impune, quer
seja o Estado A ou o Estado B a julga-lo é secundário
→ Art. 7/1: consideram-se praticados em Portugal, e puníveis por lei portuguesa, os
crimes em que a conduta foi, total ou parcialmente, praticado em Portugal, ou cujo
resultado cá se tenha produzido
→ Art. 7/2: serão considerados cometidos em Portugal os crimes tentados cuja ação,
apesar de praticada no estrangeiro, visasse produzir efeitos em Portugal (tentativa)

▪ Art. 4 b): além dos crimes praticados em território português, a lei penal portuguesa
é também aplicável a crimes cometidos “A bordo de navios ou aeronaves
portuguesas”, o que abrange navios e aeronaves quer comerciais, quer de guerra
→ lei penal portuguesa a navios ou aeronaves portuguesas que se encontrem em
portos/aeroportos internacionais, ou em águas/espaço aéreos estrangeiro – ao
mesmo tempo, aplica-se a lei penal do Estado estrangeiro a navios/aeronaves de
outros Estados que estejam em portos/aeroportos/águas/espaço aéreo português
→Mas, águas territoriais/espaço aéreo português: segundo DIP, são território
português (abrangidos por art. 4/a) – conflito positivo, irrelevante em termos prático
→ Navios/aeronaves de guerra: são considerados território do Estado a que
pertencem (não abrangido pelo art.4)

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Princípios Complementares/subsidiários
▪ Art. 5: quando um determinado crime praticado no estrangeiro for abstratamente
aplicável a um dos princípios presentes neste artigo, a solução correta é aplicar a lei
penal portuguesa, segundo a ordem estabelecida
▪ Complementares: acrescentam às situações abrangidas pela eficácia positiva do
princípio da territorialidade novas situações de crimes cometidos no estrangeiro
▪ Subsidiários: (em relação ao pr. fundamental) princípios só funcionam em situações
que, mesmo que afetem os interesses por ele protegidos, não ocorram em Portugal

a) Princípio da proteção de interesses nacionais – Art. 5º/1 a)


▪ Nacionalidade do infrator é irrelevante
▪ Enumeração taxativa dos artigos da parte especial do CP, em que se vê que o critério
do legislador para delimitar o âmbito deste princípio foi o da natureza fundamental,
para o Estado e para a sociedade portuguesa no seu conjunto, dos bens jurídicos a
proteger:
→ alicerces do funcionamento do Estado de Direito Democrático: arts. 325 a 345
ex: alteração violenta do estado de direito; coação de órgãos constitucionais
→ interesses do estado na confiança da circulação fiduciária: arts. 262 a 271
ex: contrafação de moeda
→ interesses da independência e da integridade nacionais: arts. 308 a 321
ex: traição à pátria; ajuda a forças armadas inimigas; espionagem
→ interesses da segurança das comunicações: art. 221
ex: burla informática e nas comunicações

▪ Art. 6/3: pela relevância nacional e estatal dos bens jurídicos em causa, é razoável
que seja sempre aplicada a lei penal portuguesa, mesmo que a lei do país onde o
crime foi praticado seja + favorável (não é crime/lex loci + favorável)
- Pode haver exceções: distinguem-se dentro da al. a)
➢ disposições que visam direta e exclusivamente a tutela penal de
interesses do Estado português – normas espacialmente autolimitadas
(arts. 308-321 e 325-345); competência especial e exclusiva dos tribunais
portuguesas: aplica-se a lei penal portuguesa

➢ disposições que embora visem a tutela penal de interesses


portugueses, também estendem esta tutela aos interesses estrangeiros
– arts. 262 a 271; quando lesa interesses portugueses: lei portuguesa;
quando lesa interesses estrangeiros: competência dos tribunais
portugueses subsidiária e a lei aplicada (pelos tribunais portugueses) é a
mais favorável ao infrator (art. 6/2) (interpretação teleológica restritiva)

→ julgamento com base nos princípios, da nacionalidade ativa (al. e) –


cidadão português) ou da aplicação supletiva da lei portuguesa (al. f) –
cidadão estrangeiro)

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b) Princípio da nacionalidade ativa e passiva – Art. 5º/1 b)

Pressupostos:
▪ Nacionalidade portuguesa, quer do infrator quer da vítima
▪ Prescinde-se a dupla incriminação (que significa que um facto praticado no
estrangeiro só pode ser praticado e punido em Portugal se tal facto também for
considerado crime pela lei do país onde foi praticado) → evita-se a não punibilidade
ou menor punibilidade do facto segundo a lei do locus delicti
▪ Fraude à lei penal portuguesa → impedir que um cidadão português se desloque ao
estrangeiro para aí praticar, contra um outro português, um facto que, sendo crime
segundo a lei penal portuguesa, não é pela lei desse Estado estrangeiro, ou que,
sendo crime, é punido menos severamente
▪ Residência habitual em Portugal → o português tem de se deslocar ao estrangeiro
com o objetivo principal de aí praticar o facto (não é aplicável a lei portuguesa
quando o agente, embora resida habitualmente em Portugal, decide passar umas
férias no estrangeiro e, quando já se encontra nesse país, decide praticar um facto
que é punível (ou + severamente punível) pela lei portuguesa)

c) Princípio da universalidade – Art. 5º/1 c)


Proteção dos bens jurídicos considerados valores éticos comuns a toda a humanidade

Pressupostos:
▪ Irrelevante nacionalidade do infrator
▪ Enumeração taxativa: mutilação genital feminina (144º/A); casamento forçado
(154º/B); atos preparatórios crime de casamento forçado (154º/C); escravidão
(160º); rapto (161º); abuso sexual de crianças e de menores dependentes
(171º,172º); lenocínio de menores e pornografia de menores (175º 176º); danos
contra a natureza (278º); poluição (279º) e poluição com perigo comum (280º)
▪ Infrator encontrado em Portugal – seria inútil iniciar o processo em Portugal,
encontrando-se o infrator noutro Estado → condição de procedibilidade
▪ Infrator não pode ser extraditado – em primeiro lugar, em regra, todos os crimes são
suscetíveis de fundamentar a extradição, exceto quando é precedida por motivação
politica (art. 33/6 CRP); tendo em conta que em causa estão bens jurídicos
considerados universais, deve interpretar-se a expressão “não possa ser
extraditado” como abrangendo não só a hipótese da extradição ter sido solicitada,
negada e, ainda, em que nem sequer tenha sido solicitada

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d) Princípio da proteção de menores – Art. 5º/1 d)

▪ Não interessa a nacionalidade do infrator


▪ Aplica-se sempre a lei penal português
▪ “Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144º, 163º (coação sexual) e
164º (violação), sendo a vítima menor, desde que o agente seja encontrado em
Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de
mandata de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação
internacional que vincule o Estado Português”.
▪ Revisão de 2007 veio acrescentar esta nova disposição pois, tendo em conta que o
legislador aditou também o artigo 144º (supressão da capacidade de fruição sexual)
à alínea b), parece claro que o seu objetivo é impedir de todo a horrível pratica da
mutilação genital feminina, prática comum em algumas etnias africanas
▪ Exige-se dupla incriminação (não consta no art 6/3 a al. d)).Logo, para que um dos
crimes enumerados nesta alínea, praticado no estrangeiro, possa ser punido em
Portugal, parece ser necessário que tal conduta também seja considerada crime pela
lei do país onde ela ocorreu. Não sendo considerada crime no país onde foi
praticada, não poderá ao respetivo agente ser aplicada a lei penal portuguesa

Ex: casal guineense promove a mutilação genital da sua filha (não tendo nem os pais nem a
filha nacionalidade portuguesa), na Guiné (antes de vir para Portugal ou deslocando-se à
Guiné com o objetivo da mutilação), não pode ser julgado em Portugal, se naquele país tal
prática não for considerada crime ou, sendo-o, for justificada como costume de certas etnias

e) Princípio da nacionalidade ativa – Art. 5º/1 e) 1ª parte

▪ Nacionalidade portuguesa do infrator (“por portugueses”)


▪ Em princípio, um Estado não extradita os seus cidadãos → recai sobre o Estado, que
não extradita um nacional, o dever internacional de o julgar
Pressupostos:

▪ Infrator encontra-se em Portugal

▪ Facto também considerado crime pela lei do país em que foi praticado → finalidades
preventivas da pena; exigência é uma decorrência de a lei penal portuguesa
reconhecer o pr. da territorialidade como pr. fundamental nesta matéria
(O CP ressalva a hipótese de haver um lugar onde tenha sido cometido o crime, mas onde
não se exerça o poder punitivo. Nesta hipótese, a lei penal portuguesa é também aplicável.)

▪ Crime admita extradição, mas esta não pode ser concedida → regra é a não
extradição de cidadãos nacionais extradição de cidadão nacionais, no entanto,
admite-se a extradição de portugueses, desde que se verifiquem os pressupostos
estabelecidos no art. 33º/3 CRP

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f) Princípio da nacionalidade passiva – Art. 5º/1 e) 2ª parte

▪ Nacionalidade estrangeira do infrator e nacionalidade portuguesa da vítima (“por


estrangeiros contra portugueses”)
Pressupostos:
▪ Infrator estrangeiro se encontre em Portugal
▪ Facto punível pela lei do Estado onde foi praticado
▪ Que o infrator não seja extraditado, seja porque nem sequer houve pedido da
extradição (ou mandado de detenção europeu), ou porque, embora tenha sido
formulado tal pedido, este tenha sido indeferido

g) Princípio da aplicação supletiva da lei penal portuguesa a crimes cometidos por


estrangeiros contra estrangeiros – Art. 5º/1 f)

▪ Evita impunidade de situações não abrangidas por nenhum dos anteriores princípios
▪ Exemplos de crimes graves praticados, no estrangeiro, por estrangeiros contra
estrangeiros, e que poderiam ficar impunes: homicídio (art. 131º), sequestro (art.
158º). → bastava que o infrator fugisse para Portugal e que, apesar de ter sido
pedida a extradição, esta não pudesse ser judicialmente autorizada, por se verificar
algum dos obstáculos constitucionais ou legais à extradição
→ Não seria razoável que o Estado português não só negasse a extradição como
ainda se recusasse a julgar em Portugal o referido crime
▪ Assim, com base neste princípio, já pode ser julgado em Portugal um, por exemplo,
chinês ou americano que tenha cometido, na China ou nos Estados Unidos, um
homicídio qualificado na pessoa de um chinês, americano ou de um qualquer
estrangeiro (em relação a Portugal)
Pressupostos:
▪ Infrator encontrado em Portugal
▪ Extradição ou a entrega tenha sido requerida ou recusada
→ Taipa de Carvalho: não devia ser exigido o pedido de extradição → visto que nas
alíneas c) e d) não se exige, em crimes como homicídio também não se devia exigir

h) Crimes cometidos por pessoas coletivas– Art. 5º/1 g)


A lei penal portuguesa é aplicável a crimes cometidos por pessoa coletiva ou contra
pessoa coletiva que tenha sede em território português
i) Princípio da aplicação convencional da lei penal portuguesa - Art. 5º/2)
Evidente é que, se o Estado português pode, como refere o corpo do artigo 4º, aceitar,
por força de tratado/convecção internacional, a aplicabilidade da lei penal estrangeira a
crimes cometidos em Portugal, pode também vincular-se, pelos mesmos meios, a aplicar
lei penal portuguesa a determinados crimes cometidos no estrangeiro.

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Restrições à aplicação da lei penal portuguesa a crimes cometidos no estrangeiro


▪ Art. 6/1: acolhe o princípio constitucional ne bis in idem (art. 29/5 CRP) – ninguém
pode ser duplamente punido pelo mesmo crime – a aplicação da lei portuguesa só
tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se
houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação
▪ Exclusão de novo julgamento: se o agente (português ou estrangeiro) tiver sido
absolvido pelo tribunal do Estado onde foi praticado o facto ou se tiver sido
condenado e cumprido integralmente a pena
▪ Também não pode haver novo julgamento mesmo que o agente tenha sido julgado
e ficado absolvido/condenado (e cumprido a pena) por um tribunal de um país com
apenas competência jurisdicional subsidiária – ex: alemão que em Itália comete
crime contra português, tendo sido detido, julgado e cumprido pena na Alemanha
▪ Agente que não foi julgado no país do locus delicti/competência subsidiária: pode
ser julgado em Portugal → art. 6/2: ser-lhe à aplicada a lei penal mais favorável
▪ Crimes dos arts. 5/1 a) e b): sempre aplicada a lei portuguesa (art. 6/3), a não ser
que já tenha sido julgado no estrangeiro e cumprido pena ou absolvido
▪ Art. 6/2 2ª parte: quando um tribunal português tiver de aplicar a lei penal
estrangeira, por ser mais favorável, a pena prevista pela lei estrangeira deve ser
convertida naquela a que lhe corresponder no sistema português e que, no caso de
não haver correspondência entre as duas penas, será aplicada a pena prevista na lei
portuguesa. Nesta segunda hipótese, embora se aplique a pena da lei portuguesa, o
tribunal não deixará de a reduzir em termos proporcionais à mesma gravidade
material da pena estabelecida na lei penal estrangeira

Extradição: cooperação internacional - Estado (requerente) pede a outro Estado


(requerido) entrega de uma pessoa, para procedimento criminal/cumprimento de pena
Ativa: quando somos nós a pedir (administrativo – pedido ao Ministério da Justiça)
Passiva: quando são as autoridades portuguesas a receber um pedido de extradição (+
rigoso; administrativo – Ministério Público e judicial – tribunal de justiça)

• É nesta extradição passiva que se pode colocar a necessidade de acautelar os


direitos, as liberdades e as garantias individuais do cidadão reclamado por
outro Estado → resultou a garantia jurisdicional do artigo 33º/6 da CRP
• Fase administrativa: uma apreciação do pedido de extradição pelo Ministério
da Justiça para o efeito decisório, tendo em conta as garantias a que haja
lugar, se ele poderá ou não ter seguimento, ou se deverá desde logo ser
indeferido → quando é indeferido, termina o pedido de extradição
• Fase judicial: após a decisão do MJ de aceitação; A competência para o
processo judicial de extradição é do tribunal da relação em cujo distrito
residir ou se encontrar a pessoa reclamada, ao tempo do pedido. Da decisão
final será possível haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

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Parte II – Teoria Geral do Crime


I – Introdução e problemas fundamentais

8. Objeto, método e funções da teoria geral do crime

I. Objeto
Tem por objetivo a determinação e definição das características, elementos ou
categorias essenciais e comuns a todos os crimes (homicídio, roubo, fraude fiscal), bem
como a caracterização da relação recíproca entre estas categorias.

II. Método
O ponto de partida é o direito penal positivo – multiplicidade dos singulares crimes
previstos e descritos nas normas jurídico penais vigentes → tem de se ter em conta a
realidade normativa jurídico-penal existente e ter presente, na elaboração da teoria
geral do crime, os princípios político-criminais subjacentes e que inspiram o DP positivo.
O método utilizado é o método categorial-classificatório e sequencial:
o A partir de um conceito básico (ação/conduta humana) determina-se as
categorias que este substrato fundamental deve ter, de modo a ser qualificado
como crime e, consequentemente, o seu autor possa ser punido com uma pena
o Deve respeitar uma ordenação lógica e orientada pela função da teoria geral →
que é servir de instrumento à decisão penal justa do caso concreto
o Começa-se com uma categoria com maior extensão e menor compreensão até
se chegar à última com maior compreensão e menor extensão → ex: categoria
da culpa pressupõe as categorias anteriores da tipicidade e ilicitude (pode ser
uma conduta típica mas lícita, não fazendo sentido falar-se da culpabilidade do
agente neste caso) – usa-se a “metáfora da pirâmide

III. Funções
No plano prático:
▪ Certeza/segurança jurídica: evitando mera intuição, improvisação e arbitrariedade
▪ Igualdade de tratamento dos casos criminais idênticos
▪ Economia na análise de casos práticos

No plano didático:
▪ Visão de conjunto das características essenciais da infração criminal – há uma
impossibilidade de os alunos, logo no início, terem uma plena compreensão do
sistema da infração criminal

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9. Breve referência à história da evolução da teoria geral do crime

I. A teoria geral do crime positiva-naturalista ou “clássica”

a) Exposição

❖ Surgiu nos finais do século XIX/princípios do século XX


❖ Principais autores: Liszt e Beling
❖ “Clássica”: ponto de partida e referência de todo o processo histórico de
desenvolvimento e aprofundamento da doutrina da infração pena
❖ “Positivista-naturalista”: surgiu no contexto histórico-cultural do positivismo e
naturalismo, que influenciaram os grandes teorizadores da ação criminal

❖ Segundo esta teoria, o crime era constituído por 4 categorias:


• Ação: movimento corporal, dependente da vontade e causador de uma
modificação do mundo exterior, percetível pelos sentidos; elemento-base a
todo e qualquer crime (homicídio, furto, injúria)
• Tipicidade: descrição externo-objetiva da ação que não envolvia qualquer juízo
de valor (negativo) sobre a ação → ação típica: conformação objetivo-
naturalística coincidia com a descrição contida no tipo legal
• Ilicitude: mero juízo formal de contrariedade à ordem jurídica → resumia-se na
inexistência de qualquer causa de justificação (norma que autorize a ação)
• Culpa: relação psicológica existente entre o agente e o seu facto objetivo

b) Crítica
Os pressupostos positivístico-naturalistas de que partiu são inaceitáveis:

• Ação: reduzi-la ao movimento corpóreo exclui os crimes de omissão, não


cumprindo a função de denominador comum a todo e qualquer crime
• Tipicidade: não se podia aceitar a exclusiva natureza formal-objetiva e a sua
neutralidade axiológica → excluindo-se os elementos subjetivos do tipo legal,
levaria à parificação da ação do cirurgião e da ação do faquista
• Ilicitude: a mera inexistência de uma norma autorizativa leva ao conceito
objetivista do ilícito (relevando apenas o desvalor do resultado) e à definição
positivista-legalista da ilicitude como mera antinormatividade
• Culpa: a redução à conexão psicológica faria com que os próprios inimputáveis
pudessem ser considerados culpados e deixaria a negligência inconsciente fora
do âmbito da culpa (não há, pelo menos no momento da prática do facto,
qualquer conexão psicológica

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II. A teoria geral do crime normativista ou “neoclássica”

a) Exposição
❖ Surgiu nas primeiras décadas do século XX
❖ Fundamentou-se na filosofia dos valores neokantiana por Rickert, Lask, etc.
❖ Não fez uma alteração radical da conceção positivista-naturalista, apenas tentou
normativizar (atribuir conteúdo valorativo) às categorias do crime anteriores

• Ação: continuaram a considerá-la como comportamento humano modificador


da realidade exterior, embora tal modificação passasse a ser assumida como
negadora de valores → para incluir a omissão, alguns autores (ex: Radbruch)
propuseram a substituição do conceito de ação pelo de realização do tipo legal
• Tipicidade e Ilicitude: deixaram de ser vistos como meramente objetivos,
iniciando-se o processo de subjectivização e normativização do tipo legal e do
ilícito → passam a existir os elementos subjetivos (ex: intenção de apropriação
no tipo de furto) e a ilicitude passa de mera antinormatividade a ilicitude
material (lesão dos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais)
• Culpa: conceção psicológica substituída pela conceção normativa (reprovação
do agente por ter optado pelo ilícito quando podia e devia ter optado pelo lícito)
→ pressupõe a imputabilidade e a não verificação de uma situação de
“inexigibilidade” (irradiando as causas de exclusão de culpa)

b) Crítica
❖ Ilícito: permaneceu definido pelo desvalor de resultado (conceção objetivista)
❖ Culpa: misturava componentes psicológicas (dolo natural/psicológico e a
violação do dever objetivo de cuidado) com componentes normativas (como a
imputabilidade e a “exigibilidade)

III. A teoria geral do crime finalista


a) Exposição
❖ Surgiu no pós-II Grande Guerra, criada por Welzel
❖ Negou a escola naturalista → tinha o objetivo de encontrar um fundamento
oncológico que vinculasse o direito e o legislador nas suas próprias decisões
❖ Ação humana: supradeterminação final de um processo causal; característica da
é a intrínseca finalidade → passa a considerar-se o dolo como elemento essencial
do tipo legal; até então considerava-se o dolo do tipo/natural elemento da culpa
❖ Ilicitude: passou a ser definida apenas pelo desvalor de ação
❖ Autoria: o autor tem o domínio final do facto (n só quem executa materialmente)

b) Apreciação
❖ Contribuiu para o avanço da teoria do crime: ilícito pessoal – negligência
(violação do dever objetivo de cuidado) e dolo
❖ Críticas: não explica crimes negligentes (não existe finalidade) nem os crimes de
omissão (não existe atividade causal finalisticamente orientada)

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10. O conceito normativo-social de ação e as sucessivas categorias jurídico-penais

I. O conceito normativo-social de ação

a) A dupla função do conceito de ação: negativa e positiva

❖ Função negativa/de exclusão: exclusão dos factos considerados jurídico-


penalmente irrelevantes – não são objeto de valoração jurídico penal, não sendo
tipificados legalmente (atos reflexos, decisões interiores, atos executados em
estado de absoluta inconsciência e atos realizados sob força irresistível)
❖ Função positiva/de ligação: conceito de ação como denominador comum de
todo e qualquer um dos crimes da parte especial do CP e da legislação penal
avulsa → embora pré-jurídico, seja comum tanto aos tipos de crime dolosos
como aos negligentes, tanto aos tipos de crime ativos como aos omissivos
❖ Nem o conceito causalista (teoria positivista-naturalista e normativista) nem o
finalista desempenhavam esta dupla função → conceito causal deixava de fora
os crimes de omissão; finalista não abrangia o crimes de omissão e negligentes

b) O conceito normativo-social de ação

• Função negativa e positiva realizada pelo conceito normativo-social de ação


→ sociedade considera irrelevantes (não valora negativamente) os atos
incontroláveis pela vontade humana - atos de animais ou fenómenos naturais –
apenas lamenta resultados e procura remediá-los
→ conceito social de ação em sentido amplo (sinónimo de conduta humana) é
aplicável a qualquer modalidade de crime (ação/omissão, dolo/ negligente)

II. Tipicidade, ilicitude e causas de justificação

a) Relação entre tipicidade e ilicitude


Funções do tipo legal: (sob o ponto de vista dogmático, coconstitutivo do ilícito criminal)
▪ Garantia do cidadão: exigido pelo princípio da legalidade e Estado de Direito
▪ Político-criminal dos bens jurídico-penais: motivação proibitiva/impositiva de ação

b) Complementaridade material/funcional do tipo legal e das causas de justificação

• O DP não é uma ciência abstrata mas concreta, aplicando-se a situações da vida


• Um facto que em abstrato pode ser ilícito pode, em concreto, por força das
circunstâncias, transformar-se num facto justificado, aprovado pela ordem jurídica
e, portanto, lícito -ex: legítima defesa (art. 32 CP); direito de necessidade (art. 34 CP)

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c) Desvalor de ação e desvalor de resultado

o O legislador impõe ou proíbe determinadas condutas com o objetivo de prevenir


certos resultados → mas, também há casos em que há ilícito sem desvalor de
resultado, como o objetivo de proteger antecipadamente certos bens jurídicos
(crimes formais ou de mera conduta – mera ação ou mera omissão)
o Não pode haver ilícito sem desvalor de ação de ação/omissão (sem ação/omissão
dolosas/violadoras do dever de cuidado) → sem desvalor de ação não há ilícito, mas
pode haver ilícito sem desvalor de resultado

III. A culpa jurídico-penal

o Para que haja crime é necessário que a conduta, que constitui um tipo de ilícito,
possa ser censurada, ético-pessoalmente, ao seu autor a título da culpa
o Este juízo de culpabilidade pressupõe a capacidade de o agente avaliar a ilicitude
da sua conduta e de se decidir de acordo com essa avaliação (art. 20/1) →
pressupõe um determinado desenvolvimento e maturidade psicológica, mental
e sociocultural – daí existir a presunção de insusceptibilidade relativamente aos
menores de 16 anos (art. 19 CP)
o Esta capacidade constitui apenas o pressuposto do juízo de culpa e não o
conteúdo material desta → o conteúdo material (aquilo que se censura ao
agente) é a sua atitude ético-pessoal de oposição, indiferença ou descuido
perante o bem jurídico penal lesado/posto em perigo pela sua conduta
o Há 2 tipos de culpa:
▪ Culpa dolosa – atitude ético-pessoal de oposição ou indiferença perante o
bem jurídico-penal lesado ou posto em perigo pela conduta → pressupõe
dolo psicológico ou dolo típico (representação e vontade de realização do
facto descrito no tipo legal do crime)
▪ Culpa negligente – atitude ético-pessoal de descuido na prática de factos que
contêm o risco de lesarem ou porem em perigo bens jurídico-penais

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II – Tipo de Ilícito
11. Função, conteúdo e estrutura do tipo de ilícito

I. Função de proteção do cidadão: o tipo-garantia


A função de garantia do cidadão, decorrente do princípio da legalidade, levou a doutrina
a designar o tipo penal como tipo-garantia → impõe que o legislador descreva, de forma
o mais clara e pormenorizada possível, as condutas que caracteriza como crimes –
resultando, daqui, a grande complexidade construtiva de muitos tipos legais.
II. Conteúdo: a natureza dos elementos do tipo legal
Compete apenas referir a natureza dos múltiplos elementos constitutivos dos diferentes
tipos legais da Parte Especial do CP e da Legislação Penal Avulsa. Quanto à natureza, os
elementos dos tipos legais podem ser objetivos ou subjetivos, descritivos ou normativos
a) Elementos Objetivos e os Subjetivos
Tipo Objetivo:

• Elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e autonomia face


ao próprio agente do crime → sendo o DP moderno um DP de facto a estrutura
básica e irrenunciável do tipo legal há de ser objetiva; exemplos:
▪ Agente: pessoa humana, coletiva ou mera associação de facto (ex: art. 11 CP)
▪ Conduta: ação praticada ou omitida, nos crimes de ação ou de omissão
▪ Objeto da conduta: pessoa/coisa em que recai a ação ou, nos crimes de
omissão, que não foi objeto da ação que, apesar de imposta, foi omitida
▪ Meio: utilizado pelo agente para execução da ação (ex: violência física)
▪ Bem jurídico: protegido pelo respetivo tipo legal (ex: vida, integridade física)

Tipo subjetivo:

• No tipo de ilícito doloso há que distinguir entre:


▪ Dolo: elemento subjetivo que abrange todo e qualquer tipo de ilícito/todos
os elementos objetivos do tipo legal (ação, objeto, resultado, etc.) –
representação e a vontade psicológica de realização do facto
▪ Elementos subjetivos específicos:
✓ Intenções: elemento é integrante do tipo legal – não se verificando, não
se pode considerar praticado o tipo ilícito (ex: crime de furto – intenção
de apropriação – art. 203/1)
→ ≠ dolo intencional (art. 14/1): modalidade do dolo do tipo - agente tem
por objetivo imediato a realização do facto descrito num tipo legal
✓ Motivações: inexistindo, o tipo de crime não se verifica (ex: tipo legal de
tomada de refém – art. 162/1 – a prática da conduta, com a intenção de
coagir determinado Estado/organização internacional, tem de ter uma
motivação política, ideológica, filosófica ou confessional
✓ Atitude interior: raros casos (ex: malvadez, egoísmo, ódio racial)

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b) Elementos Descritivos e Normativos

o Elementos Descritivos: elemento cujo significado típico (contexto do tipo legal)


coincide, globalmente, com o que lhe é atribuído pela linguagem comum (ex:
pessoa, animal, subtrair, destruir, etc.
o Elementos Normativos: sentido obriga-nos a recorrer a valorações constantes de
outras ordens normativas, jurídicas ou socioculturais (ex: documento autêntico,
funcionário público, bons costumes) → por razões de certeza jurídico-penal, o
legislador define os elementos normativos ou precisa os elementos descritivos,
esclarecendo o exato sentido que devem ser tomados pelo aplicador da lei penal

III. Estrutura: as classificações dos tipos legais de crime

a) Classificações segundo o critério do autor


Quantidade:

• Singulares/unissubjetivos: podem ser praticados por uma só pessoa; generalidade


• Plurais/plurissubjetivos: tipo legal exige mais do que uma pessoa (motim – art. 302)

Qualidade: relevância prática, nomeadamente nos casos de compartição ou nos casos


de erro sobre o objeto da conduta

• Comuns: podem ser praticados por qualquer pessoa (ex: homicídio – art. 131)
• Específicos: só podem ser cometidos por quem possua determinada qualidade ou
estatuto, ou sobre quem recaia um dever especial; subdividem-se em:
o Próprios/Puros: qualidade/estatuto/dever especial fundamenta a ilicitude
criminal e, portanto, a responsabilidade penal (ex: recusa de médico – 284)
o Impróprios/Impuros: qualidade/estatuto/dever especial agrava a ilicitude e
responsabilidade penal (ex: coação por funcionário – art. 155/1 d))

b) Classificações segundo o critério do resultado material

• Crimes de resultado/comissivos/materiais: resultado é elemento do tipo ilícito,


donde que o crime só esteja consumado quando o resultado se produz (ex: 131, 203)
• Crimes de mera conduta/formais: o resultado não é elemento do tipo (ex: condução
do veículo em estado de embriaguez – art. 292)

c) Classificações segundo o critério do processo causal

• Crimes de processo típico/execução vinculada: tipo legal descreve a modalidade


que a ação tem de assumir (ex: crime de coação – art. 154/1)
• Crimes de processo atípico/execução livre: tipo legal é indiferente à modalidade da
ação/meio que o autor utiliza (ex: homicídio, furto)
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d) Classificações segundo o critério da unidade ou pluralidade de ações ilícitas,


coincidente com o critério da unidade ou pluralidade de bens jurídicos protegidos

• Crimes simples: constituídos por uma só ação ilícita (ex: furto, abuso de confiança –
art. 205) → coincide com os crimes uni-ofensivos (tipo legal protege apenas 1 bem
jurídico e correspondente conduta criminal afeta 1 só bem jurídico)
• Crimes complexos: constituídos por mais que uma ação ilícita (ex: roubo – art. 210
– constituído pela ação de subtração, como o furto, e ação de violência ou ameaça)
→ coincide com os crimes pluri-ofensivos (protege mais do que 1 bem jurídico e
correspondente conduta criminal lesa mais do que 1 bem jurídico) e com os crimes
de processo típico/execução vinculada – crime de coação é, simultaneamente, os 3

e) Classificações segundo o critério da reiteração ou repetição da ação


• Podem ser habituais ou profissionais
• Elemento comum: prática reiterada da mesma ação – ex: usura repetida - 226/4 a)
• Elemento diferenciador: nos crimes profissionais, o agente faz da reiteração da ação
um modo de vida, uma fonte de rendimentos correntes – ex: usura habitual

f) Classificações segundo o critério do bem jurídico


Intensidade do “ataque” ao bem jurídico:

• Crimes de dano: elemento do tipo legal efetiva lesão do bem jurídico (131, 143, 203)
• Crimes de perigo: tipo legal apenas exige a colocação em perigo do bem jurídico
o Concreto: tipo legal exige que o bem tutelado tenha sido, efetivamente,
posto em perigo (ex: 291 – condução perigosa de veículo rodoviário – tem de
se fazer a prova que a condução pôs, de facto, em perigo o bem tutelado)
o Abstrato: perigo não é elemento do tipo legal, não tendo de se fazer a prova
que a conduta colocou em perigo o bem jurídico (ex: 292 – condução de
veículo em estado de embriaguez – baseado na perigosidade e na
importância do bem, considera-se que tal conduta contém sempre risco)
o Abstrato-concreto: podem, num condicionalismo excecional, não ter a
perigosidade que quase sempre têm (ex: 295)

Duração da lesão do bem jurídico:

• Crimes instantâneos: lesão do bem jurídico ocorre num momento (ex: 131, 203)
• Crimes duradouros: lesão do bem jurídico pode-se prolongar por um tempo mais ou
menos longo (ex: sequestro – 158)
→ são afetados mas indestrutíveis – consumação ocorre no início da lesão mas só
termina com a cessação da lesão
→ consequências jurídico-práticas: (1) prazo de prescrição só conta a partir da
cessação da consumação; (2) legítima defesa depois do início da consumação até à
cessação; (3) crime cometido em Portugal, mesmo apenas em parte da duração

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Natureza pessoal, ou não, dos bens jurídicos:

• Crimes eminentemente pessoais: protege diretamente os bens jurídicos que


reconduzem aos direitos de personalidade (vida, integridade física, liberdade, honra,
etc.) → encontram-se no título I da Parte Especial do CP

• Crimes não eminentemente pessoais: protegem uma diversidade de bens jurídicos

➢ Patrimoniais: título II – furto, roubo, burla, dano, insolvência


➢ Comunitários: título IV – bigamia, falsificação de documentos, contrafação
de moeda, poluição, atentado à segurança de transporte
➢ Estatais: título V – traição à pátria, alteração violenta do Estado de Direito,
coação do eleitor, suborno, prevaricação, corrupção, abuso de autoridade
➢ Universais: título III – discriminação racial ou religiosa, tortura

Autonomia ou dependência existente entre os tipos legais que protegem o mesmo bem
jurídico:

• Crimes fundamentais: factualidade típica menos complexos; estrutura da parte


especial dos códigos penais – ex: homicídio, ofensa à integridade física
• Crimes derivados: formam-se, mediante a adição, aos elementos do tipo
fundamental, de novos elementos ou circunstâncias, que aumentam ou diminuem
o ilícito e/ou a culpa do crime fundamental e, consequentemente, agravam ou
atenuam a pena

➢ Crimes qualificados: agravam – ex: homicídio qualificado, art. 132


➢ Crimes privilegiados: atenuam – ex: homicídio a pedido da vítima, art. 134

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12. A imputação objetiva do resultado à conduta (ação ou omissão)

I. A situação, importância prática e sentido do problema

o Situação: crimes de resultado → resultado material é elemento do tipo de ilícito


o Importância prática: crimes de homicídios e de ofensas corporais
o Sentido do problema: determinar a relação que tem de existir entre o resultado
típico e a conduta humana para que se possa afirmar que o agente cometeu o
tipo de ilícito do resultado e, consequentemente, no cado de acrescer ao ilícito
de resultado a culpa do agente, este poder ser responsabilizado pelo respetivo
tipo de crime consumado → está em causa, no problema da imputação do
resultado, uma questão da ilicitude nos tipos de crime de resultado

II. História da evolução das teorias sobre esta questão


a) Teoria da causalidade/das condições equivalentes/Conditio Sine Qua Non
Referência:
▪ Surgiu no contexto do positivismo naturalista – 3º e 4º quartel do século XIX
▪ Iniciada por Julius Glaser e desenvolvida por Von Buri
▪ Critério científico-natural de causa: ação é causa de um resultado sempre que,
se não tivesse sido praticada, o resultado não se verificaria (causa causae est
causa causati – causa da causa é causa do causado) → ex: A ofende
corporalmente B; a ambulância tem um acidente e B morre – segundo esta teoria
ao A será imputado o resultado morte: ilícito de homicídio consumado

Apreciação Crítica: NÃO BASTA UMA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE


(1) Incapacidade de resolver casos de causalidade alternativa e de omissão
• Este critério tem relevância negativa: excluem-se ações que não constituam,
pelo menos, uma conditio sine qua non do resultado
• Causalidade alternativa/Causas Paralelas: a teoria da causalidade conduz a que
não seja imputado a nenhuma das ações o resultado produzido ou, no caso de
“supressão mental” das duas ações, o resultado se impute a ambas as ações
→ Ex: A envenena com dose mortal a B; C dá um tiro e mata B – em termos de
causalidade nenhuma das ações foi causa da morte, porque sem uma ou outra,
B morreria; suprimindo mentalmente as duas ações, ambos são responsáveis, o
que não é razoável pois estamos a atribuir ao A o desvalor do resultado da morte
• Crimes de Omissão: não é razoável pois não há ação, mas sim ausência dela

(2) Alargamento excessivo do círculo de imputação do resultado à ação:


• Pondo de lado a hipótese de imputar resultados longínquos à condição (pais
responderem pelos filhos), o certo é que este critério nivela todas as condições,
não permitindo distinguir aquelas que devem ser consideradas relevantes ou
irrelevantes → como no exemplo da ambulância, ter de se imputar a morte a A

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b) Teoria da causalidade adequada ou da adequação


Referência:
▪ Surgiu nos finais do sé. XIX pelo médico Von Kries → evitar injustiças da teoria
da causalidade nos crimes de ofensa corporais agravados pelo resultado morte
▪ Objetivo: eleger, de entre as possíveis ações causais, aquela que deve ser
considerada relevante → restringe excessivo alargamento da teoria anterior
▪ Segundo esta, um resultado só deve ser imputado a uma ação, quando esta for
considerada, segundo as regras da experiência, adequada a produzir o resultado
▪ Juízo de prognose póstuma: juiz recua ao momento em que se pratica a ação
▪ A teoria está referida no art. 10/1 CP: “adequada a produzi-lo/evitá-lo”

Apreciação:
▪ Afastou o conceito de causa (científico-natural) → substituindo-o pelo critério
objetivo-social (de acordo com a experiência social)
▪ Segundo Taipa de Carvalho, a designação mais correta é “teoria da adequação”
pois esta teoria realizou a normativização do conceito de causa

Críticas:
(1) Teoria tem de ter em conta os conhecimentos que o agente tinha ou devia ter

• Ex: A dá pancada na cabeça de B sabendo que este tem crânio trepanado e B


morre → a morte deste deve ser imputada à pancada mesmo que, segundo a
experiência, a pancada não fosse adequada a provocar a morte
• Taipa de Carvalho: esta crítica não põe em causa a teoria pois esta renuncia a
pretensão à objetividade e afirma-se apenas como uma teoria da imputação do
resultado à conduta → no ex. anterior, a experiência diz-nos que uma pancada
dada numa pessoa naquelas condições é suscetível a provocar a morte (o
problema está em saber se agente tinha ou devia ter conhecimento)

(2) Intervenção previsível ou não do terceiro

• Nexo causal deve analisar-se em concreto (resultado foi efetivamente provocado


pela ação) → a intervenção de 3º só não interrompe o nexo quando for previsível
• Ex1: A deixa uma arma carregada junto de colegas; B pega na arma e mata C
• Ex2: A deixa arma carregada num recreio infantil; criança pega e mata outra
• No primeiro caso a intervenção não era previsível, mas no segundo já era
• Taipa de Carvalho: esta crítica não põe em causa a teoria pois a previsibilidade
ou imprevisibilidade da intervenção do terceiro é aferida segundo o critério da
própria experiência social em que assenta a teoria da adequação → ou seja,
resulta da própria teoria que o nexo seja concreto e que a intervenção de 3º
previsível não interrompe o nexo - não impede a imputação do resultado à ação
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(3) Hipóteses de risco permitido

• Casos de ações que, por serem socialmente necessárias, são permitidas mas que,
segundo a experiência, são adequadas a produzir o resultado típico (como na
circulação rodoviária ou o transporte de materiais perigosos)
• Taipa de Carvalho: esta crítica não põe em causa a teoria pois estas condutas, apesar
de perigosas, são realizadas com os cuidados exigíveis – não sendo adequado dizer-
se que são adequadas a produzir o resultado típico; acrescenta também que nestes
casos há desvalor da ação, não se podendo, então, imputar o resultado a essa ação

Âmbito de proteção da norma e imputação objetiva do resultado


Pressupostos:
1) Desvalor da ação: conduta (ação/omissão) seja em si mesmo desvaliosa
(proibida ou, se permitida, realizada descuidadamente ou dolosamente) → daqui
resulta a exclusão da imputação nos casos de:
✓ Risco permitido
✓ Ações diminuidoras de risco
✓ Ações que não ultrapassam limite do risco juridicamente permitido
✓ “Risco normal da vida”
✓ Ações de auxílio arriscadas e falhadas

2) Conexão típica entre o resultado típico e a conduta: pressupõe,


cumulativamente, um nexo causal efetivo e uma conexão teleológica entre a
conduta típica e o resultado típico
✓ Nexo causal efetivo: exige que no caso concreto o resultado tenha sido
efetivamente causado pela conduta típica (dolosa/negligente, violadora
de uma norma de proibição/imposição ou de norma de cuidado)
✓ Conexão teleológica: fim da norma violada pela conduta seja
precisamente o de evitar os resultados da espécie do produzido –
resultado ocorrido seja abrangido pelo âmbito de proteção da norma

Conclusão:
A teoria da adequação é globalmente válida e apta a resolver a generalidade dos casos
e questões de imputação do resultado à ação (tanto dos crimes dolosos como dos
negligentes).
Também é válida no caso dos crimes de comissão por omissão → formula-se a hipótese
de, se a ação tivesse sido praticada pelo omitente, esta teria, ou não, evitado o resultado
– juízo hipotético de adequação: se a ação omitida foi idónea a evitar o resultado.
Neste sentido, estabelece o art. 10/1 CP: “omissão da ação adequada a evitá-lo (ao
resultado típico)”.

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13. O dolo do tipo (da faculdade típica)

I. Observações introdutórias

A importância prática da distinção entre solo e negligência:


Art. 13: são puníveis os factos praticados com dolo ou, nos casos especialmente
previstos na lei, com negligência

• Penas dos crimes negligentes são substancialmente inferiores às estabelecidas


para os correspondentes crimes dolosos (ex: arts. 131 e 137)
• Há casos raros em que a pena legal ou abstrata é igual (art. 295 e 292) → não
implica que na determinação da pena concreta seja indiferente se o agente
praticou as condutas negligentemente (descuido) ou dolosamente (voluntário)

Elementos subjetivos específicos e dolo como elemento subjetivo comum:

• Há crimes que exigem além dos elementos objetivos, algum elemento subjetivo
• O dolo é o elemento subjetivo comum e intrinsecamente inerente a todo o tipo
de ilícito doloso → daqui decorre a designação dolo do facto/do tipo/da
factualidade típica – exigência do conhecimento das características do facto
descrito no tipo legal e a vontade de realizar este facto

A dupla dimensão ou estrutura do dolo:

• Não basta este dolo do tipo para que o respetivo agente seja punido por crime
doloso → não há pena sem culpa e o dolo não é uma forma de culpa
• É necessário que a esta dimensão psicológica do dolo acresça a dimensão ético-
pessoa do dolo → ex: A disparou contra B a pensar que ia atingir um animal –
não se pode dizer que atuou com dolo ético (culpa dolosa) pois não afirmou uma
atitude de indiferença perante a vida humana; atuou culposamente mas com
culpa negligente se tiver havido descuido ao praticar essa ação perigosa
• Dupla dimensão: dimensão psicológico-intelectual e dimensão ética
• Dolo culpa/ético/culpa dolosa: indiferença do agente perante o bem jurídico-
penal, atitude esta concretizada no facto típico praticado, que o agente
corretamente representou e quis

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II. A estrutura do dolo do tipo: elemento intelectual e elemento volitivo

a) Elemento Intelectual
Noção e Conteúdo

• Representação pelo agente, no momento em que pratica a conduta, de todos os


elementos ou circunstâncias constitutivas do tipo de ilícito objetivo
(conhecimento da realidade) → ex: para se poder falar de homicídio, o agente
tem de saber que está a disparar sobre uma pessoa
• Grau de Conhecimento dos elementos objetivos do tipo legal: o necessário e
suficiente para que possua o conhecimento considerado indispensável para que
a sua consciência ético-jurídica levante e, assim, possa resolver, corretamente, o
problema da ilicitude do seu comportamento
• Elementos normativos: é irrelevante o desconhecimento do seu exato
significado jurídico e da sua qualificação normativa/erro na subsunção; é
suficiente o conhecimento dos efeitos prático-jurídicos que lhe são associados
• A intencionalidade/dolo supõe conhecimento correto dos factos pelo agente –
não há dolo se este pensa que a realidade é diferente da que tem diante de si

Erro sobre a factualidade típica – art. 16/1 1ª parte:

• Erro em sentido amplo – representação errónea ou ausência de representação


• Não há dolo quando não se verifica o elemento intelectual
• Objeto do erro relevante – todos os elementos objetivos do tipo de ilícito:
circunstanciais fundamentais, agravadoras (tipo de ilícito qualificado) ou
atenuantes (tipo de ilícito privilegiado)

• Espécies de erro:

(1) Erro sobre o objeto

▪ Identidade do objeto (pessoa ou coisa) atingido é diferente da identidade


representada pelo agente – confronto da identidade real e representada
▪ Identidades tipicamente diferentes: relevância – exclusão do erro
→ agente responderá por tentativa de crime projetado (se este for punível
– art. 23/1) em concurso com o crime consumado por negligência (2
pressupostos: negligência relativamente ao facto consumado e que tal seja
punido a título de negligência – art. 13)
→ ex: D dispara sobre um vulto achando que era o cão do vizinho mas era
uma pessoa – D é punido por homicídio
▪ Identidades tipicamente iguais: irrelevância – erro não excluído
→ agente (se houver culpa) punido por crime doloso consumado
→ E dispara sobre F, pensando que é G – são objetos idênticos (vida de uma
pessoa), o erro é irrelevante: E punido por homicídio doloso consumado
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(2) Erro na execução


▪ Agente, por erro na execução da ação, atinge um objeto diferente daquele
que projetou atingir – o agente projeta corretamente a identidade do
objeto que quer atingir, mas atinge objeto diferente
▪ Doutrina maioritária: haja coincidência ou não entre objeto que quis atingir
e o efetivamente atingido – erro é sempre relevante (exclui dolo)
→ verificados os respetivos pressupostos, o agente responde por tentativa
de crime projetado em concurso com o crime consumado por negligência
▪ Corrente minoritária apoiada por Taipa de Carvalho: o tratamento
jurídico-penal deve ser igual ao do erro sobre o objeto, tendo em conta se
são tipicamente idênticos (exclui o dolo) ou diferentes (não exclui –
responde por crime doloso consumado)
→ ex: A quer matar B mas mata C que estava ao lado de B – não há qualquer
razão para se lhe não imputar homicídio doloso consumado

(3) Erro sobre o processo causal


▪ É necessário distinguir se o processo causal é elemento do tipo legal (crimes
de processo atípico) ou não é (crimes de processo atípico)
▪ Processo típico: erro é relevante (exclui o dolo) – isto não significa que não
possa ser imputado ao agente o resultado a título do dolo, se entre a ação
e o resultado existir uma relação de adequação e desde que haja, ao lado
do crime de processo típico, um tipo de crime de processo atípico (como
tipo de crime fundamental – não existindo, o agente responderá por
tentativa (art. 23), quando o meio utilizado não for manifestamente
inidóneo a produzir o resultado que o agente visou)
▪ Processo atípico: erro é irrelevante – basta que haja entre a ação e o
resultado uma relação de adequação → crime doloso consumado
(ex: A quer matar B por afogamento empurrando-o contra uma ponte; B
acaba por morrer por esmagamento contra o asfalto da marginal do rio –
erro é irrelevante pois, segundo o art. 131, apenas se exige que a ação seja
adequada a produzir o resultado morte; ação/processo causal é irrelevante)

(4) Erro sobre a adequação


▪ Adequação, nos crimes de resultado, é um elemento do tipo legal → logo a
adequação exclui o dolo
▪ Agente pensa que a conduta não é adequada a produzir resultado mas é →
não há homicídio doloso; pode responder por homicídio negligente
▪ Hipótese inversa – tentativa impossível (punível se inidoneidade não for
manifesta – art. 23/3 1ª parte)

(5) Erro, isto é, desconhecimento da proibição legal – art. 16/1 2ª parte


▪ Desconhecimento à partida irrelevante (ilicitude socialmente assumida)
▪ Direitos penais especiais – ilicitude pode ainda não ter sido interiorizada
pela comunidade social, podendo o dolo ser excluído no desconhecimento

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b) Elemento Volitivo
Noção e Conteúdo
➔ A afirmação do dolo pressupõe, também, que o agente dirija a sua vontade ou, pelo
menos, se conforme com a realização do facto típico
➔ Elemento volitivo é a vontade de, a partir do conhecimento que o agente tem de
certa realidade, praticar certa conduta ou produzir um determinado resultado
➔ Podem ser diversas as atitudes psicológico-volitivas do agente relativamente ao
facto típico – definidas em 3 espécies de dolo, no art. 14:

▪ Dolo direto (1º grau): art. 14/1 - realização do facto típico é o fim/objeto imediato
da ação do agente
→ Irrelevante se é o único objetivo do agente (A furta carteira de B) ou um
meio para a realização de outro facto típico (B furta arma de A para matar C)
→ Motivações são irrelevantes – mas podem relevar num plano da culpa
(homicídio motivado por ódio racial – fundamentam a qualificação do
homicídio, agravando a pena devido à maior culpabilidade do agente)

▪ Dolo necessário (2º grau): art. 14/2 – realização do facto típico não é o objetivo
imediato da conduta, mas o agente sabe que tal realização é uma consequência
(quase) certa da sua conduta (A para matar B coloca bomba no seu carro, sabendo
que também matará o motorista)
▪ Dolo eventual: art. 14/3 - agente representa como possível a realização do facto
típico e conforma-se com risco de a conduta vir, efetivamente, a realizar tal facto

Dolo eventual e negligência consciente:


o Tanto no dolo eventual (art. 14/3) como na negligência consciente (art. 15 a)), o
agente representa a possibilidade de a sua conduta realizar o facto típico
o Distinguem-se, então, apenas no plano volitivo: diferença está na atitude
psicológico-volitiva do agente face a esta representação

o Importância prática da distinção:


(1) Negligência não é, no geral, punível (art. 13) – absolvição do arguido
(2) Mesmo tratando-se de factos puníveis, a pena aplicada ao crime doloso é,
quase sempre, muito mais grave que a do crime negligente
(3) O prazo de prescrição do procedimento criminal é, quase sempre, muito
maior no cado de crime doloso que no crime negligente correspondente,
visto estes casos serem estabelecidos em função das penas (art. 118)

o Existem várias teorias como critério de distinção destas duas figuras – tendo
presente que a culpa dolosa significa uma atitude ético-pessoal de oposição ou
de indiferença do bem jurídico penal, rejeitam-se as teorias da probabilidade, da
aceitação e da fórmula de Frank, aceitando-se a da conformação com o risco.

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(1) Teoria da conformação com o risco: (teoria acolhida)


▪ Art. 14/3: atuará com dolo eventual quem, representando como
consequência possível da sua conduta, a realização de um facto que
preenche um tipo de crime, se conformar com a ocorrência deste
▪ É decisivo que o agente aceite correr esse risco – por muito indesejada
que seja a concretização do risco, a verdade é que o agente, no último e
decisivo momento, sobrepôs a sua vontade de praticar a conduta
perigosa à sua eventual vontade de que o perigo não se concretizasse
▪ Afirma-se, também, dolo eventual, quando o agente não toma qualquer
posição de conformação ou de não conformação com a concretização do
risco – nem sequer pondera tal risco, representando uma atitude
psicológico-volitiva de indiferença perante o resultado que aconteça
(situação em que dolo eventual é tão ou mais grave que dolo necessário)
▪ Na negligência consciente o agente coloca a possibilidade de produção
do resultado, mas confia na sua não produção

(2) Teoria da probabilidade: (teoria rejeitada)


▪ Contrapõe-se que pode um determinado resultado ser considerado pelo
agente pouco provável, sem que tal conduza à exclusão do dolo (A quer
matar B e prepara-se para disparar a 30 metros, embora pensando que
dada a distância e má pontaria dificilmente lhe acertará – há dolo na mm)
▪ O problema dolo eventual/negligência consciente não é uma questão de
probabilidades, mas sim uma questão psicológico-volitiva de
conformação ou não com o risco de produção do resultado desvalioso

(3) Teoria da aceitação (teoria rejeitada)


▪ É necessário que o agente, face à representação da probabilidade de a
ação vir a traduzir-se no preenchimento do tipo legal de crime, aderisse
interiormente à concretização dessa possibilidade
▪ É repudiável pois não se deixará de afirmar dolo eventual se o agente,
apesar de não desejar o resultado, aceitou correr o risco da sua produção,
sobrepondo a sua vontade de praticar a ação perigosa

(4) Fórmula Hipotética de Frank (teoria rejeitada)


▪ Haveria dolo eventual quando, tendo em conta a personalidade e o
passado do agente, fosse de presumir que, se este, em vez de ter
representado o resultado como possível, o tivesse representado como
consequência necessária, mesmo assim não deixaria de praticar a ação
▪ Rejeita-se pois ficciona-se o dolo, contrariando a natureza da ilicitude,
que tem por objeto um facto concreto (não a personalidade do agente)
▪ Também se rejeita pois apelar ao passado é incompatível com os
princípios politico-criminais do Estado de Direito Democrático

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III – As causas de justificação


14. Doutrina Geral
I. Complementaridade material e funcional entre o tipo legal e as causas de
justificação
▪ O juízo de ilicitude sobre um facto concreto é o resultado da verificação do tipo
legal e da inexistência de uma causa de justificação
▪ Uma ação típica é, em princípio ilícita; pode, todavia, ter sido praticada em
contexto fáctico a que a lei atribua uma eficácia justificativa, não sendo ilícita
▪ A causa de justificação não é exceção normativa (algo apenas tolerado) → há
uma aprovação jurídica desta conduta que tem por objetivo a proteção do bem
jurídico que, na concreta situação de conflito, é considerado mais valioso

II. Autonomia “formal” e sistemática das causas de justificação face aos tipos
legais ou incriminadores
▪ Autonomia “formal”: causas de justificação não estão sujeitas às exigências
decorrentes do princípio da legalidade penal → não têm de:
❖ Constar de uma lei formal
❖ Respeitar a exigência da tipicidade (mais precisa possível)
❖ Podem ser objeto de aplicação analógica
❖ São aplicadas, necessariamente, retroativamente
→ isto porque não fundamentam a ilicitude penal, mas excluem a ilicitude e,
consequentemente, a responsabilidade penal
▪ Autonomia sistemática: manifesta-se duplamente
❖ Aplicam-se a uma diversidade de tipos legais → estão na Parte Geral do CP
❖ Não só relevância negativa jurídico-penal → dispersas noutros setores do direito

III. Tentativas de sistematização das causas de justificação


▪ Teorias monistas: teoria do fim justo e teoria do maior benefício que prejuízo →
não são aceites: o fim não pode justificar o meio – revelam-se vazias de conteúdo
normativo, não podendo justificar um concreto facto típico
▪ Teorias dualistas: Mezger – carência de interesse e interesse preponderante →
não é aceite:
✓ Carência de interesse: consentimento - problema não é o interesse, mas sim
a resolução de conflitos do interesse lesado pelo ato consentido e o interesse
da autonomia individual de quem dá o consentimento → salvo os casos dos
bens jurídicos valiosos (vida) o interesse da autonomia individual prevalece
sobre o outro interesse lesado cujo titular deu o consentimento
✓ Interesse preponderante: vazio de conteúdo normativo – não há critérios
que levam a que se considere um interesse mais importante que outro
▪ A heterogeneidade das situações de conflito de interesse e dos princípios que
fundamentam as respetivas causas de justificação levam à impossibilidade da
sistematização destas causas a um princípio comum (ex: dto necessidade – pr.
da solidariedade; legítima defesa – proteção contra agressões ilícitas)

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IV. Elementos subjetivos das causas de justificação

a) Posição Tradicional

▪ É dominante e defendia a existência, nas causas de justificação, de dois


elementos subjetivos: um elemento subjetivo comum a toda e qualquer causa
da justificação e um elemento subjetivo específico de cada causa de justificação

▪ Elemento Subjetivo Específico: Para a justificação do facto, praticado numa


situação objetivamente justificante, não bastava que o agente conhecesse essa
situação objetiva, mas também que agisse com uma boa intenção ou motivação
→ no caso da legítima defesa tinha de o fazer com o “animus defendi”
(motivação de mera defesa) e no estado de necessidade, para que a ação
salvadora do bem em perigo fosse justificada, era exigido o “animus salvandi”

▪ Crítica: arranca de dois pressupostos errados

➢ Pressuposto teórico: é errado conceber a causa de justificação como uma


exceção - é algo positivamente valorado e aprovado pela ordem jurídica
→ Não tem sentido impor exigências adicionais aos pressupostos
normais de justificação – que são o conhecimento e a situação objetiva
→ Uma boa motivação não exclui a ilicitude do facto (ex: roubar aos ricos
para dar aos pobres) e uma má motivação também não exclui a
justificação de um facto que protege

➢ Pressuposto prático: a doutrina tradicional invoca a necessidade de fazer


com que quem pratica a ação objetivamente justificada se mantenha
dentro dos limites do necessário ou indispensável para proteger o
interesse jurídico mais valioso (exigência do “animus defendi e salvandi”)
→ tal objetivo não justifica a existência de boa atitude interior (“animus”)
que limitaria, injustificadamente, o normal exercício do direito
→ para além da difícil prova da atitude interior, a inexistência dessa
atitude não pode excluir a justificação
→ se houver excessos, por estes será responsável o agente (art. 33/1 CP)

▪ Conclusão: devem ter-se por irrelevantes as intenções ou os motivos

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b) Posição Correta
▪ Elemento Subjetivo Comum: conhecimento existente, quando se pratica o facto
típico, da situação objetiva justificante (de todos os pressupostos objetivos da
respetiva causa de justificação) → faltando este elemento, não há justificação
▪ Mas o facto de não haver justificação não significa que o agente tenha cometido
um tipo de ilícito consumado, como defendia a doutrina tradicional
→ Nas situações em que se verificam todos os pressupostos objetivos da causa
de justificação, não há desvalor de resultado mas, apenas, desvalor de ação
→ Ex: A opera B, pensando que este não consentiria na intervenção, apesar
deste ter dito ao enfermeiro C que queria ser operado (que não comunicou a A)
 Há um desvalor de ação (quando ele inicia a intervenção)
 Mas não há desvalor de resultado (dir-se-á que houve um resultado igual
se produziria no caso de não ter sido dado consentimento)
 Taipa de Carvalho rejeita: consentiu na operação, embora consentimento
fosse desconhecido – art. 156/1: verdadeira tentativa em que há desvalor
de ação mas não de resultado, sendo esta tentativa impossível pois (com
consentimento) a ação não podia produzir outro resultado
→ Isto aplica-se a todas as causas de justificação – existindo situação objetiva,
produz-se um resultado não desvalioso (desde que não tenha havido excesso)

V. Erro sobre os pressupostos objetivos da causa de justificação


a) Caracterização
o Pensa que se verificam os pressupostos objetivos da causa, mas não se verificam
o ≠ desconhecimento da situação objetiva justificante: inverso – todos os
elementos se verificam, mas o agente pensa que não
o Justificação putativa: designação deste erro sobre os pressupostos – se o
contexto situacional em que o agente pratica o facto típico correspondesse à
representação que dele faz o agente, o seu facto estaria justificado → não faz
parte disto que o agente tenha consciência da justificação do facto, mas apenas
a incorreta representação da realidade fáctica em que ele pratica o facto típico;
interessa que se verifique a situação objetiva e o agente a conheça, para que o
seu facto típico seja justificado, mesmo que o agente ignorasse o efeito de
justificação que a ordem jurídica atribui a essa situação objetiva
o Erro sobre a justificação é um erro sobre a ilicitude (tratado no âmbito da culpa)
e o erro sobre os elementos subjetivos das causas de justificação é um erro
sobre a realidade fáctica (tratado no âmbito da ilicitude – do tipo de ilícito)

b) Solução Legal – Art. 16/2


o Exclui o dolo – apenas pode imputar-se ao agente um ilícito negligente (art. 16/3:
pode ser punido se agiu com negligência e o ilícito seja punível a este título)
o Mesmo modo que trata, no art. 16/1, o erro sobre os elementos do tipo legal →
complementaridade material e funcional do tipo legal e causas de justificação
o Roxin: só pode ser imputada o descuido na representação da situação fáctica →
este descuido/violação de dever de cuidado caracteriza o ilícito negligente

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