A sociedade disciplinar nos obriga a nos comportarmos de maneira obediente e alegre, como se fôssemos todos presos de uma prisão invisível. Essa prisão tem grades feitas de regras de conduta, horários e pautas de produtividade, e ela se alimenta de nossas ansiedades e medos de rejeição, fracasso e humilhação. Ela não se contenta apenas em moldar nosso comportamento externo, ela quer também modelar e domar nosso interior. Para isso, ela nos ensina que a docilidade é a chave para a felicidade e o sucesso, porque é assim que nos tornamos úteis para a sociedade e para as empresas que a controlam. Dessa forma, o indivíduo dócil e útil é visto como a peça indispensável nessa engrenagem, capaz de gerar lucro e manter a ordem social. A relação entre docilidade e utilidade é alimentada por mecanismos de controle que agem de maneira discreta e constante. Eles estão presentes em todas as esferas da sociedade, desde as instituições de ensino até as empresas, passando pelos meios de comunicação e pelas leis e normas que regulam nossa vida. Esses mecanismos incentivam a competição, a hierarquia, a humilhação e a autodisciplina, e são eles que transformam nossos corpos e mentes em instrumentos de poder. As consequências negativas dessa dinâmica são muitas: ela nos transforma em seres submissos, que abdicam de sua individualidade e de sua liberdade em troca de aceitação e reconhecimento social; também nos torna vulneráveis a doenças mentais como a ansiedade, a depressão e o burnout; além de nos deixar sempre insatisfeitos e em busca de uma felicidade ilusória. Além disso, essa sociedade disciplinar cria um ambiente propício para a reprodução de desigualdades sociais e injustiças, que só servem para reforçar o poder dos dominantes. Por isso tudo, é preciso lutar contra a sociedade disciplinar, e é necessário resistir aos mecanismos que tentam nos transformar em seres dóceis e úteis. Devemos valorizar nossas liberdades e individualidades, e lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, em que todos possam se sentir livres para ser quem são, sem medo de serem julgados, desprezados ou rejeitados. É um caminho difícil, mas não impossível, e que pode levar a um mundo melhor para todos nós. "O Show de Truman" é um filme, dirigido por Peter Weir que conta a história de Truman Burbank, um homem comum que vive em uma ilha onde todos os aspectos de sua vida são controlados por uma equipe de produção de televisão. Truman é, na verdade, o protagonista de um reality show de sucesso, transmitido para o mundo todo. O filme pode ser um exemplo claro da sociedade disciplinar descrita por Michel Foucault. A partir da ideia de que o poder não é exercido apenas pelo Estado, mas também de forma difusa em toda a sociedade, Foucault desenvolve a noção de disciplina como um conjunto de técnicas que permitem o controle dos corpos e das mentes. No “Show de Truman”, a equipe de produção do reality show exerce um controle absoluto sobre a vida de Truman, manipulando seus relacionamentos, seu emprego e até mesmo o tempo. O objetivo é mantê-lo sempre sob controle e garantir que ele continue sendo o principal personagem do programa. Além disso, o filme também ilustra a ideia de panoptismo, outro conceito- chave desenvolvido por Foucault. A prisão do panóptico foi projetada para que os detentos pudessem ser observados em todos os momentos, sem que eles soubessem se estavam sendo monitorados ou não. Dessa forma, eles se tornaram autorregulados, sentindo sempre serem vigiados, o que os levou a obedecerem às regras. No caso de Truman, ele vive sob a constante vigilância das câmeras e da equipe de produção, o que o leva a se comportar de maneira autorregulada. Ele sabe que está sempre sendo observado e, por isso, tenta se comportar de maneira adequada, cumprindo as regras pré-estabelecidas pelos produtores. O Show de Truman é um excelente exemplo de como os princípios da sociedade disciplinar estão presentes em nossa sociedade atual. Cada vez mais, somos monitorados, controlados e disciplinados em nossas vidas diárias, seja pelo Estado, pelas empresas ou pelos meios de comunicação. E é essa reflexão que o filme nos faz: estamos sendo vigiados e controlados de forma tão sutil que às vezes nem percebemos.