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DIREITO DO CONSUMIDOR

Inicialmente, cumpre esclarecer o que é o chamado “consumo colaborativo”,


também tratado por outros autores como “economia do compartilhamento”, “sharing
economy”, que, apesar de aparentar-se como um conceito inusitado, encontra-se, na
verdade, muito próximo de nós.
Nesse sentido, a Prof. Dra. Claudia Lima Marques (2017), definiu o consumo
colaborativo como sendo uma espécie “negocial” de consumo, em que, onerosamente
(via de regra) os indivíduos, leia-se: particulares/pessoas físicas, compartilham, trocam
ou alugam bens de sua propriedade para outras pessoas. Esse compartilhamento, para a
professora, pode ser em razão de diversos fatores, especialmente economia de dinheiro e
pela desnecessidade de adquirir um bem, somente para o uso esporádico.
Diante disso, a “sharing economy” apresenta-se como uma relação baseada
primordialmente na confiança, visto que os particulares emprestam bens próprios –
inclusive suas residências – a terceiros, os quais jamais tiveram contato. No entanto, a
fim de que essa relação se estabeleça, e, portanto, haja confiança entre essas partes,
surge um outro sujeito nessa relação: o gatekeeper ou guardião do acesso.
Tais sujeitos são, na verdade, empresas, cujo objetivo é estabelecer os locais e as
regras em que esse compartilhamento de bens acontecerá. Sendo assim, a relação
anterior, formada entre dois particulares que, aparentemente, não se assemelha à relação
consumerista tradicional, mas sim, aos contratos civis, ganha novos traços.
Isso se dá, na medida em que os gatekeerpers, através de sites e aplicativos
muito bem formulados, criam o espaço em que a confiança das partes se estabelecerá,
visto que promovem avaliações, garantias de pagamento, seguro contra danos e outros
aparatos que conferem aos particulares o ambiente necessário para que um confie sua
propriedade e o outro, seu dinheiro.
Tendo isso em vista, questiona-se quais seriam as consequências dessa nova
forma de relação negocial frente ao direito do consumidor e o instituto da
responsabilidade civil. Como foi dito, inicialmente, a relação bilateral entre os dois
particulares não se enquadraria nos conceitos previstos nos artigos 2º e 3º do Código de
Defesa do Consumidor, dado de, de um lado, não teríamos um consumidor final, e do
outro, também não vislumbraríamos um indivíduo como um fornecedor tradicional.
Contudo, tal perspectiva se altera quando analisamos o terceiro participante da
relação – o guardião do acesso. Logo, o vínculo entre os dois particulares que,
anteriormente, parecia equilibrado, perde sua harmonia quando inserida uma empresa,
cuja atuação é voltada especificamente para a obtenção de lucros por meio do
gerenciamento do compartilhamento. Nas palavras de Claudia Lima Marques (2017)
haveria, portanto, uma “contaminação” da relação.
Sendo assim, ao oferecer a segurança e a confiança necessária para o
estabelecimento do vínculo entre as partes, os gatekeepers se comportam como
fornecedores, na medida em que são eles os controladores dos acessos aos serviços e
bens, e, acima de tudo, utilizam-se dessa economia como um negócio próprio.
Ademais, reforça Guilherme Mucellin (2018) que o guardião:
“Não é apenas um facilitador, mas sua função é estruturar todo o modelo
mercadológico, tendo, na maioria dos casos, ingerência direta nas obrigações
assumidas pelas partes, porque impõe contratos, aplica penalidades por mau
comportamento ou mau uso da ferramenta e estabelece um ambiente de
confiança entre os pares” (p. 10)

Logo, ainda que não se vislumbre claramente, em um primeiro momento, uma


relação entre consumidor e fornecedor tradicional, quando fazemos uma detida análise
desse vínculo triangular, percebe-se que os elementos que formam essencialmente o
liame consumerista estão presentes: o oferecimento de um bem ou serviço
(normalmente oneroso) e o desequilíbrio econômico e fático entre as partes.
Não obstante, se estamos diante de uma relação de consumo, também não
podemos afastar a responsabilidade civil dos contratantes, ainda mais quando
vislumbrada a “cadeia de fornecimento”, na medida em que o gatekeepers e o
proprietário atuam conjuntamente no compartilhamento do bem.
Assim, fundamenta Marques (2017) que poderíamos, por conseguinte, aplicar a
solidariedade presente nos artigos 18 e 20 do CDC. No mesmo contexto, Mucellin
(2018), reafirma que o guardião “assume um dever” ao intermediar a relação, não
podendo se isentar-se de eventual responsabilização.
Isto posto, compreende-se que a economia do compartilhamento, de fato, é uma
relação primordialmente consumerista, ainda que baseada em um vínculo entre
particulares. Logo, a “contaminação” que o guardião gera, ainda que indireta, jamais
poderá ser utilizada como instrumento para a não responsabilização de fornecedores
que, atualmente, buscam se esconder através das figuras de intermediadores.

REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União,
1990
2. MARQUES, Claudia Lima. A NOVA NOÇÃO DE FORNECEDOR NO
CONSUMO COMPARTILHADO: UM ESTUDO SOBRE AS
CORRELAÇÕES DO PLURALISMO CONTRATUAL E O ACESSO AO
CONSUMO. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 111, p. 247-268, maio 2017.
3. MUCELIN, Guilherme. PEERS INC.: A NOVA ESTRUTURA DA RELAÇÃO
DE CONSUMO NA ECONOMIA DO COMPARTILHAMENTO. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 118, p. 77-126, jul. 2018.

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