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CASOS PRÁTICOS – CONTRATO DE COMPRA E VENDA

Caso prático nº1

No dia 1 de março de 2011, Abel vendeu o seu Automóvel a Berto, verbalmente, pela
quantia de 10 000 euros, nesse mesmo dia Abel entrega o automóvel a Berto.

Berto comprometeu-se a entregar um cheque no dia seguinte, no entanto no dia


30/03/2011, Berto ainda não tinha pago o montante em falta, e comportava-se como
proprietário do automóvel.

Pode Abel nesta data resolver o contrato e consequentemente, reaver o automóvel


que entregou a Berto?

O caso em apreço suscita questões que respeitam aos efeitos do contrato de compra e
venda. Para que um contrato de compra e venda produza a plenitude dos seus efeitos
terá de ser, antes de mais, um contrato válido e eficaz.

Assim, em primeiro lugar, deverá ser brevemente analisada a validade do contrato


celebrado entre Abel e Bento. Quanto à validade substantiva do negócio, nada no
enunciado sugere que as partes não tivessem legitimidade para celebrar o contrato ou
ainda que se tivesse registado alguma patologia que afetasse a sua vontade de
contratar. Devemos concluir, assim, que o contrato é substancialmente válido.

E estaremos também perante um contrato formalmente válido? Diz-se no enunciado


que a venda do automóvel foi realizada de modo verbal. A regra geral em matéria de
validade dos contratos encontra-se consagrada no art. 219º do CC (liberdade de
forma). Assim, quando não exista disposição legal que expressamente exija forma
como condição de validade, o negócio celebrado verbalmente será válido. Pelo
contrário, a inobservância da forma legalmente exigida tem como consequência a
nulidade do negócio, nos termos do art. 220º.

No que respeita à venda de automóveis (mesmo tratando-se de bem móvel sujeito a


registo), a lei não exige forma como condição de validade, pelo que o negócio
celebrado verbalmente entre Abel e vento é válido. As formalidades necessárias para
efeitos de registo do automóvel (declaração de venda assinada pelos contratantes) não
são condição de validade formal do negócio.

Tendo, assim, sido celebrado um contrato de compra e venda formal e


substancialmente válido, importa considerar os efeitos produzidos por este contato. O
art. 879º indica quais são os efeitos essenciais do contrato de compra e venda. Estes
podem ser divididos em: efeitos reais – a transmissão da propriedade do automóvel; e
efeitos obrigacionais – a obrigação de entregar a coisa (que Abel cumpriu) e a
correspondente obrigação de pagar o preço (que Bento não cumpriu).

O efeito real (a transmissão da propriedade do automóvel vendido) produziu-se,


imediatamente, por mero efeito do contrato nos termos do art. 408º, nº1 do CC (dado
que Abel não reservou a propriedade – art. 409º CC).

Nestes termos, Bento é o atual proprietário do automóvel, apesar de não ter pago o
seu preço (não ter cumprido a respetiva obrigação).

Face a este incumprimento de Bento, Abel pretende saber se pode resolver o contrato
e, assim, voltar a ser o proprietário do veículo. Todavia, o art. 886º não lhe dará razão.
Dispõe este artigo: “transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a
sua entrega, o vendedor, não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato
por falta de pagamento do preço”.

Assim, como Abel, quando entregou o automóvel a Bento, não convencionou com este
que essa entrega não afastaria o seu direito de resolver o contrato por falta de
pagamento do preço, fica inibido de poder exercer esse direito.

Abem deverá, assim, recorrer, à ação de cumprimento, prevista no art. 817º do CC (e


leis de processo), para exigir judicialmente o cumprimento da obrigação em falta.

Caso prático nº2

Em janeiro de 2010, Raimundo, empresário, vende à sociedade de advogados Calado,


Sisudo e Associados um mobiliário de escritório, com reserva de propriedade (até
integral pagamento do preço), pelo preço de 10 000 euros, a pagar em 40 prestações
mensais (de 250 euros cada), no primeiro dia de cada mês.

A sociedade compradora pagou as prestações regularmente até dezembro de 2010,


mas não pagou as prestações de janeiro nem de fevereiro de 2011.

Poderá Raimundo resolver o contrato por falta de pagamento daquelas duas


prestações?

Resolução:

O caso em análise coloca um problema de falta de pagamento parcial do preço numa


venda feita a prestações e com reserva de propriedade a favor do vender.
Como houve reserva de propriedade (art. 409º), até integral pagamento do preço, não
se produziu o efeito real do contrato (transmissão da propriedade) aquando da sua
celebração (havendo, assim, um desvio à regra consagrada no art. 408º, nº1).

Deste modo, não está o vendedor inibido de invocar a resolução do contrato por falta
de pagamento do preço (como estaria, por força do art. 886º, caso não tivesse havido
reserva de propriedade, nem convenção em contrário).

Todavia, como se trata de uma venda cujo preço é pago em prestações (por convenção
das partes), o art. 934º estabelece regras específicas sobre as consequências da falta
de pagamento do preço.

Deste modo, não é qualquer incumprimento parcial que faz o comprador perder o
benefício do prazo, ou seja, a vantagem de o vendar não lhe poder exigir o pagamento
das prestações antes do tempo convencionado e de, consequentemente, não poder
invocar a resolução do contrato (não havendo pagamento imediato de todas as
prestações vencidas).

A lei permite ao vendedor um pequeno incumprimento, que não tem, assim, como
consequência a perda do benefício do prazo nem a resolução do contrato.

A exata medida deste “pequeno incumprimento” suscita algumas dificuldades


interpretativas, o que leva a diferentes entendimentos doutrinais.

Trata-se de estabelecer o alcance do art. 934º na parte em que se afirma “a falta de


pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à
resolução do contrato”.

Assim, se o comprador falha o pagamento de uma prestação e o valor da prestação em


falta é superior a um oitavo do preço, o vendedor pode resolver o contrato.

Pelo contrário, se o valor da (única) prestação em falta não excede um oitavo do preço,
o vendedor não tem o direito de resolver o contrato; tem que tolerar esse
incumprimento parcial (até, eventualmente, à data em que tenha de ser paga a última
prestação, para que, então, deixe de haver reserva de propriedade).

A questão doutrinalmente discutida é a de saber quais as consequências do


incumprimento na seguinte hipótese: o devedor não paga duas (ou mais) prestações
mas o valor das prestações em falta não excede um oitavo do preço.

Deverá ser determinante a expressão “uma só prestação”? Ou a expressão “que não


exceda a oitava parte do preço”?
No caso concreto, a sociedade compradora tem duas prestações em falta, o que
totaliza 500 euros (já que cada prestação é de 250 euros). Todavia, 500 euros não
atingem um oitavo do preço (que é de 1250 euros).

Deste modo, entendendo-se que a lei admite uma só falha (não admitindo a reiteração
do incumprimento), a sociedade compradora, como já falhou duas prestações, perde a
proteção contra a resolução, ainda que o resultado económico desse incumprimento
seja inferior a um oitavo do preço.

Pelo contrário, caso se entenda que o elemento determinante na fixação do alcance


normativo do art. 934º é o valor em falta: não ser superior a um oitavo do preço (e não
o número de prestações não pagas), o vendedor, no caso concreto, não poderia
resolver o contrato.

Só o poderá fazer se os compradores deixarem de pagar prestações cujo valor total


ultrapasse um oitavo do preço.

Caso Prático nº3

Adalberto comprou ao seu vizinho Beltrão, colecionador de relógios, um relógio de


parede que, no momento da compra, estava parado. Nesse momento, Adalberto
pensou que o relógio apenas teria falta de pilhas.

Porém, quando Adalberto instalou o relógio na parede da sua casa, após ter-lhe
colocado pilhas novas, constatou que, afinal, o relógio não funcionava.

Que direitos pode Adalberto fazer valer contra Beltrão?

No caso em análise suscita um problema de venda de coisa defeituosa, já que


Adalberto não comprou o relógio como simples peça decorativa, mas sim esperando
que este objeto pudesse cumprir a função própria de um relógio (dar horas).

Trata-se de um contrato de compra e venda entre dois particulares, pelo que a solução
para o problema deverá procurar-se no Código Civil.

[e não no regime do Dl nº 67/2003 (Dl nº 67/2003, de 8 de abril – Venda de Bens de


Consumo e das Garantias a ela relativas), que pressupõe uma venda efetuada por um
profissional a um particular, que destina o bem comprado a uso particular].

Como o defeito já existia no momento da compra (não se trata, assim, de defeito


superveniente), aplicam-se os arts. 913º a 917º do CC.
O art. 913º remete para o regime da venda de bens onerados (art. 905º e ss.) naquilo
em que os artigos seguintes (914º a 917º) não disponham em contrário.

Assim, nos termos do art. 905º (aplicável pela remissão do art. 913º), o comprador
pode anular o negócio por erro (seu) ou dolo (do vendedor).

Nota: Antes de fazer valer essa solução, poderá o comprador nos termos do art. 914º,
pedir ao vendedor que repare o relógio ou o substitua por outro (Caso tenha natureza
fungível, ou seja, se o vendedor tiver outro relógio idêntico).

Todavia, o comprador não pode exigir ao vendedor que repare ou substitua o relógio se
desconhecia, sem culpa (se, por exemplo, o acabara de adquirir a terceiro, sem se ter
apercebido de qualquer defeito) que o relógio estava avariado (BOA FÉ).

Nesta hipótese, o comprador também não pode exigir indemnização com base em
simples erro (art. 915º).

Resta, assim, ao comprador invocar a anulabilidade do negócio com base em erro, pois
a coisa comprada já era defeituosa no momenta da compra, mas o comprador não se
apercebeu desse defeito (pensou que o relógio estava parado por falta de pilhas e não
por estar avariado).

Supondo que o vendedor também desconhecia esse defeito, não haverá dolo da sua
parte (pois não usou nenhum artifício para tentar enganar o comprador – caso
contrário – art. 253º).

O comprador terá, ainda, de observar determinados procedimentos, dentro de


determinados prazos, para ver o seu interesse tutelado.

Assim, logo que tome conhecimento de que a coisa comprada é defeituosa, começa a
contar o prazo de um mês para comunicar tal facto ao vendedor (denunciar o defeito).

Esta denúncia do defeito deve ter lugar dentro de seis meses após a entrega da coisa
(art. 916º, nº1 e nº2).

Assim, se Adalberto, após adquirir o relógio, o guardou numa caixa e só mais de seis
meses depois constata que o relógio está avariado, já não pode invocar a anulabilidade
do negócio por erro, pois não denunciou o defeito dentre desses seis meses.

Se, entretanto, Adalberto e Beltrão não chegarem a acordo no sentido de cada um


devolver o que havia recebido do outro: o preço da venda e a coisa comprada, o
comprador tem o prazo de seis meses a contar do momento em que efetuou a
denúncia do defeito, para intentar ação em tribunal destinada a fazer valer a
anulabilidade do contrato com base em erro (art. 917º).
Caso Prático nº4

Zacarias, advogado, comprou à livraria jurídica Mondego Editora os dez volumes da


primeira edição do “Novo Código Civil Anotado”, que ainda se encontrava em
produção (e seria posto à venda dois meses mais tarde), tendo pago, de imediato, a
totalidade do preço.

Dois meses depois, Zacarias recebe, no seu escritório, os livros adquiridos, mas
constata que alguns volumes têm várias páginas em branco (que deveriam estar
impressas) e outros têm deficiente impressão, não sendo possível a correta leitura de
algumas páginas.

Que direitos assistem a Zacarias?

O caso em concreto coloca um problema de venda de coisa defeituosa, pois os livros


adquiridos sofrem de vício que os desvalorizam e impedem a cabal satisfação do fim a
que se destinam.

Trata-se de um contrato de compra e venda entre dois profissionais, pelo que as


normas aplicáveis ao caso concreto se encontrarão no Código Civil (e não no DL nº
67/2003, porque este se aplica apenas a vendas efetuadas entre um vendedor
profissional e um comprador particular que destina o bem adquirido a uso particular,
ou seja, um consumidor).

No momento em que Zacarias compra os livros, realiza uma compra de coisa futura,
pois os livros ainda não tinham sido produzidos.

Sendo assim, não se pode afirmar que tivesse havido erro de Zacarias sobre as
qualidades dos livros, pois à data da compra eles ainda não existiam (pelo que: não
tem aplicação o disposto no art. 913º do CC).

Os defeitos que aqueles livros apresentam são, assim, tratados como defeitos
supervenientes, aplicando-se, portanto, o disposto no art. 918º do CC.

Nos termos desta norma, são aplicáveis ao caso as regras relativas ao não
cumprimento das obrigações.

Entre as normas que disciplinam o não cumprimento das obrigações, destaca-se o art.
799º do CC (que presume a culpa do devedor), segundo o qual “incumbe ao devedor
provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não
procede de culpa sua”.
A Mondego Editora terá, assim, de provar que o cumprimento defeituoso (a entrega
de livros com defeitos) não é da sua responsabilidade (nem responsabilidade das
pessoas que usou parra cumprir essa obrigação – art. 800º do CC).

Caso não consiga elidir de tal presunção, a vendedora será responsabilizada pelo não
cumprimento do contrato, podendo o comprador resolver o contrato, nos termos do
art. 801º, nº2, e receber uma indeminização por prejuízos sofridos (art. 798º do CC).

Como a resolução do contrato tem efeitos retroativos (art.º 434 do CC), cada uma das
partes tem que restituir à outra aquilo que dela havia recebido.

Por outro lado, como no caso concreto o vendedor é um profissional, poderá ser
invocada a “garantia de bom funcionamento”, prevista no art. 921º do CC.

Assim, embora no caso concreto não tivesse havido um acordo das partes no sentido
de a vendedora garantir o “bom funcionamento” (a boa qualidade) dos bens vendidos,
ainda poderá entender-se que essa garantia decorre dos usos comerciais.

Deste modo, poderia Zacarias pedir a substituição dos livros defeituosos (já que são
bens de natureza fungível, sem ter de invocar culpa da vendedora ou erro seu.

Para este efeito, deveria denunciar os defeitos no prazo de 30 dias após o seu
conhecimento (art. 921º, nº3 do CC) e dentro do prazo de seis meses a contar da data
em que recebeu os livros.

Caso a vendedora não substituísse os livros voluntariamente, Zacarias teria seis meses,
a contar da data em que fez a denúncia, para propor ação em tribunal contra a
vendedora para alcançar esse resultado (art. 921º, nº4 do CC).

Caso Prático nº5

Em agosto de 2009, Asdrúbal vendeu a Belchior (emigrante em França) uma moradia


por 200 000 euros.

Em dezembro de 2009, Belchior regressa definitivamente a Portugal e pretende


passar a viver naquela moradia.

Porém, constata que ela se encontra habitada por Casimiro, que a tinha tomado de
arrendamento a Asdrúbal em agosto de 2006, pelo prazo de 6 anos.

Quid iuris?
Coloca-se, no caso concreto, o problema de saber que direitos assistem a
Belchior, comprador de um imóvel que se encontrava arrendado, e que
desconhecia a existência desse arrendamento.

O arrendamento a Casimiro, que vigorava desde agosto de 2006, não é afetado


na sua subsistência pela venda do imóvel a Belchior, em agosto de 2009, pois,
nos termos do art. 1057º do CC, Belchior sucede necessariamente na posição de
locador de Asdrúbal, já que adquiriu a direito (de propriedade) com base no
qual o contrato tinha sido celebrado.

Deste modo, o direito de propriedade apresenta uma limitação (nos seus


poderes de gozo) que não cabe nos limites normalmente inerentes a este tipo
de direito. Belchior não pode habitar o imóvel porque este se encontra habitado
pelo arrendatário, cujo direito subsiste e não era do seu conhecimento prévio.

Caso Belchior tivesse conhecimento prévio dessa limitação, muito


provavelmente não teria adquirido aquela moradia, pois pretendia passar a
viver nesse imóvel após regressar definitivamente a Portugal.

Verifica-se, assim, uma situação de venda de bem onerado, regulada no art. 905º e ss.
CC, sendo o contrato anulável por erro (do comprador) ou dolo (do vendedor).

Assim, caso o vendedor tenha intencionalmente ocultado a existência do contrato de


arrendamento ou o comprador, por lapso, não se tenha apercebido da existência desse
contrato (sendo esta informação essencial para a decisão de contratar – art. 247º CC),
verificar-se-ão os requisitos para a anulabilidade do negócio.

O regime desta invalidade apresenta, porém, algumas particularidades. Uma delas


consiste na obrigação que sobre o vendedor impede de fazer convalescer o contrato,
eliminando os ónus ou limitações existentes, como determina o art. 907º CC.

Caso os ónus ou limitações venham a desaparecer (seja pelo cumprimento da


obrigação de convalidação do vendedor, seja por algum outro facto), fica sanada a
anulabilidade do contrato – art. 906º CC.

Nem todos os tipos de ónus ou limitações são suscetíveis de ser eliminados por ato de
vontade unilateral do vendedor. Se o ónus é, por exemplo, uma hipoteca, basta que o
vendedor cumpra a obrigação que assim se encontra garantida para que esse ónus
possa ser eliminado.

Porém, se a limitação consiste na existência de um direito de terceiro, emergente de


um contrato do qual o vendedor já não é parte (porque a sua posição se transmitiu nos
termos do art. 1057º CC), nada poderá fazer para eliminar essa limitação.
O contrato de arrendamento foi celebrado em agosto de 2006, pelo que poderá
terminar em agosto de 2012, caso Belchior (novo senhorio) se oponha à sua
renovação, nos termos do art. 1097º CC, com um ano de antecedência.

Assim, caso Belchior tivesse outra casa onde pudesse viver até à extinção do contrato
de arrendamento, e se demonstre que ele sempre teria adquirido aquela moradia,
embora por preço inferior, haverá redução do preço (em vez de anulação do contrato),
nos termos do art. 911º CC.

Não se verificando esta hipótese, e decidindo o comprador invocar a anulabilidade do


negócio, terá direito a ser indeminização pelos danos emergentes do contrato, na
hipótese de ter havido apenas erro (nos termos do art. 909º CC), ou por todos os
prejuízos que não teria sofrido se a compra não tivesse sido celebrada, no caso de ter
havido dolo do vendedor (nos termos do art. 908º CC).

Caso Prático nº6

Em janeiro de 2009, através de documento particular, Anastácia vendeu um relógio


de ouro com diamantes à sua neta Bárbara, de 20 anos de idade, por 5000 Euros.

Nessa altura, Carlota, de 17 anos de idade, irmã de Bárbara, tomou conhecimento do


negócio mas não manifestou qualquer oposição porque Bárbara, por vezes, lhe
emprestava o relógio.

No jantar de Natal de 2009, Daniel, tio de Bárbara, reparou que esta usava o relógio
que pensava ser de Anastácia (mãe de Daniel) e tomou, então, conhecimento do
negócio.

- Diga se, em janeiro de 2011, alguém poderá reagir contra o negócio celebrado entre
Anastácia e Bárbara, sabendo que o pai de Bárbara (Edmundo), filho de Anastácia, já
tinha falecido.

O caso concreto respeita a um contrato de compra e venda celebrado entre avó e


neta.

Sendo a compradora maior de idade, não havendo informação sobre a existência de


qualquer vício na formação do contrato, e não sendo exigida qualquer forma como
condição de validade, pareceria, numa primeira abordagem, não existirem razões de
ordem substantiva ou formal para que o contrato não fosse válido.

Todavia, a relação familiar entre as partes deste contrato suscita a questão de saber
se, em concreto, se verifica a proibição de venda prevista no art. 877º.
Nos termos desta norma, Anastácia não podia vender o relógio a Bárbara sem que o
filho (Daniel) e a outra neta (Carlota) dessem o seu consentimento.

Sendo Carlota menor, o seu consentimento poderia ser judicialmente suprido.

Como a venda se realizou sem consentimento daquelas pessoas, o contrato é anulável,


nos termos do art. 877º, nº2.

O regime de invocação desta invalidade é, porém, diferente do regime geral da


anulabilidade, previsto no art. 287º.

As diferenças respeitam tanto no âmbito dos sujeitos legitimados para o efeito como à
contagem do prazo para essa invocação.

Assim, no caso concreto, não é qualquer interessado que pode invocar a anulabilidade
do negócio, mas apenas o filho e a outra neta, ou seja aqueles cujo consentimento era
necessário para a validade do negócio.

O prazo para invocar esta invalidade é de um ano a contar do conhecimento da venda


ou do termo da incapacidade (quando se trata de um incapaz).

No caso concreto, Daniel (que se supõe ser maior de idade) teve conhecimento do
negócio em dezembro de 2009, mas até janeiro de 2011 não reagiu, pelo que, tendo
passado mais de um ano, o seu direito de arguir aquela invalidade já caducou.

Quanto a Carlota, que era menor (tinha 17 anos) à data em que teve conhecimento do
negócio, só quando completar 18 anos começa a correr o prazo de um ano para arguir
a invalidade do negócio.

Caso Prático nº7

Arlindo e Belarmino, proprietários de dois prédios rústicos contíguos, entraram em


conflito por causa das áreas desses prédios, alegando Arlindo que uma parte do
terreno ocupado por Belarmino era sua propriedade.

Para ver solucionado o conflito, Arlindo propôs ação em tribunal contra Belarmino.

Antes da marcação da audiência de discussão e julgamento do processo, Arlindo


vendeu o dito terreno à mulher do juiz do Tribunal de Família e Menores daquela
comarca.

Quid Iuris?
O caso em análise coloca o problema de saber se estaremos perante uma proibição de
venda.

O princípio da liberdade contratual, que (na sua vertente de liberdade de contratar)


permite a livre celebração de qualquer contrato e com qualquer pessoa, sofre algumas
limitações legais.

As proibições de venda estão entre essas limitações.

O art. 876º proíbe a venda de coisa ou direito litigioso.

Dispõe o nº1 deste artigo que “não podem ser compradores de coisa ou defeito
litigioso, quer diretamente, quer interposta pessoa, aqueles a quem a lei não permite
que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no
capítulo respetivo”.

A sanção para a venda realizada em desrespeito por esta proibição é a nulidade do


negócio (art. 876º, nº2), mas tal nulidade não poderá ser invocada pelo comprador
(art. 876º, nº3).

Como o nº1 do art. 876º remete para o capítulo respeitante à cessão de créditos ou
direitos litigiosos, é lá que encontraremos a identificação dos sujeitos que não podem
ser compradores de coisa litigiosa.

A coisa terá natureza litigiosa, nos termos do art. 579º, nº3, quando “o direito tiver
sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer dos
interessados”.

Quanto aos sujeitos abrangidos pela proibição, dispõe o art. 579º, nº1, que: “a cessão
créditos ou outros direitos litigiosos feita, diretamente ou por interposta pessoa, a
juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou mandatários
judiciais é numa, se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua
atividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos feita a peritos ou
outros auxiliares da justiça que tenham intervenção no respetivo processo”.

No caso concreto, o terreno em disputa não foi vendido a nenhum dos sujeitos
expressamente referidos nesta norma.

A compradora do terreno é a mulher do juiz do Tribunal de Família e Menores da


comarca onde corre o processo.

Todavia, o nº2 do art. 579º determina que a venda é feita a interposta pessoa quando
é feita (entre outros) ao cônjuge do inibido.
Assim, caso se entenda que o juiz do Tribunal de Família e Menores daquela comarca
está inibido, também o estará o seu cônjuge.

O juiz do Tribunal de Menores não tem, na realidade, qualquer hipótese teórica de


poder influenciar o sentido da decisão naquele processo, porque tal processo corre no
tribunal comum.

Todavia, quando o art. 579º, nº1 se refere à “área onde exercem habitualmente”
parece estar a prever a área geográfica (a comarca), pelo que, nesta interpretação, a
mulher do juiz do Tribunal de Família e Menores estará inibida de comprar aquele
terreno; essa venda será nula. Porém, como decorre do nº3 do art. 876º, a
compradora não pode invocar essa nulidade.

Caso Prático nº8

Em janeiro de 2008, Américo, casado em regime de comunhão geral de bens com


Zulmira, vendeu a Bernardo, verbalmente, por 100 000 euros, um quadro de
Kandinsky, que a sua tia Felisberta havia deixado em testamento ao casal.

Américo entregou, de imediato, o quadro a Bernardo e este pagou-lhe o preço.

Cerca de um ano depois, Bernardo vendeu esse quadro a Carlota, pessoa conhecida
de Zulmira.

No Natal de 2010, Zulmira foi convidada para uma festa em casa de Carlota e viu o
quadro exposto na sala, tendo, então, ficado a saber que tanto Carlota, como
Bernardo ignoravam que ela fosse casada com Américo.

Quid Iuris?

Coloca-se no caso em apreço, o problema de saber se o contrato de compra e venda


celebrado entre Américo e Bernardo será um contrato válido.

Do ponto de vista formal, apesar de o objeto do contrato ser um bem de elevado valor,
trata-se da venda de um bem móvel simples, pelo que vale neste domínio a regra da
liberdade de forma, prevista no art. 219º, sendo, portanto, válido o contrato
verbalmente celebrado.

Do ponto de vista da validade substantiva do contrato, importa desde logo notar que o
objeto vendido é um bem comum do casal, já que são casados no regime da
comunhão geral de bens (arts. 1732º e ss).
Nos termos do art. 1682º, nº1, a alienação de móveis comuns cuja administração caiba
aos dois cônjuges carece de consentimento de ambos, salvo se essa alienação
constituir um ato de administração ordinária.

No caso concreto, dado o elevado valor do bem vendido, facilmente se conclui que não
se trata de um ato de administração ordinária, pelo que Américo não tinha
legitimidade para vender o quadro sem o consentimento de Zulmira.

Consequentemente, aquela venda é anulável, nos termos do art. 1687º, a


requerimento de Zulmira, no prazo de seis meses a partir da data em que teve
conhecimento do negócio, mas desde que ainda não tenham decorrido mais de 3 anos
sobre a celebração do negócio. Assim, como o negócio foi celebrado em janeiro de
2008, Zulmira poderia agir até janeiro de 2011.

Todavia, o nº3 do art. 1687º estabelece um desvio a esta regra na hipótese de venda
de bens móveis não sujeitos a registo.

Nesta hipótese, estando o adquirente de boa-fé a anulabilidade do negócio não lhe


pode ser oposta pelo cônjuge que não deu o consentimento.

No caso concreto, tanto Bernardo como Carlota ignoravam que Américo fosse casado,
pelo que havendo boa-fé tanto do adquirente inicial como da segunda adquirente,
Zulmira nada poderá fazer.

Caso Prático nº9

Em janeiro de 2009, Adriano vendeu a Beltrão um automóvel, que costumava


conduzir mas que pertencia à sua avó Zulmira. Adriano informou Beltrão de que o
automóvel ainda não lhe pertencia mas que esperava adquiri-lo em breve, já que
Zulmira estava gravemente doente e Adriano sabia que era contemplado no seu
testamento.

Adriano entregou o automóvel a Beltrão e este entregou-lhe o preço convencionado.

Em maio de 2009, morreu Zulmira mas, contra a expectativa de Adriano, aquela


legou o dito automóvel ao seu primo Carlos. Quid iuris?

O caso concreto suscita o problema da validade do contrato de compra e venda


celebrado entre Adriano e Beltrão.

Adriano vendeu um automóvel do qual não era proprietário.


Era mero detentor desse veículo, já que a proprietária lhe permitia que o conduzisse.
Como tal, não tinha legitimidade para vender um bem alheio.

Todavia, ao vender o automóvel, Adriano informou Beltrão de que tinha a expectativa


de vir a ser proprietário do veículo.

Deste modo, não vendeu coisa alheia como própria, mas sim como coisa que esperava
adquirir.

Consequentemente, não terá aqui aplicação o disposto no art.º 892 conjugado com o
art.º 904 (regime de venda de bens alheios), mas sim o disposto no art.º 893, ficando
aquela venda sujeita ao regime de venda de bens futuros.

O contrato não é nulo. É, sim, um contrato válido.

Nos termos do art.º 880, nº1, o Adriano fica obrigado a exercer as diligências para que
Beltrão adquira a propriedade do automóvel, nomeadamente procurando convencer o
seu primo Carlos a vender-lhe esse veículo. Caso Adriano venha a adquirir o
automóvel, a propriedade transfere-se para Beltrão, nos termos do art.º 408, nº2, no
momento dessa aquisição (sem necessidade de qualquer ato translativo adicional).

Caso Adriano não consiga adquirir o automóvel (nomeadamente por Carlos não lho
querer vender), haverá impossibilidade de cumprimento imputável a Adriano, pelo que
Beltrão poderá resolver o contrato, nos termos do art.º 801, nº2 e, consequentemente,
exigir a devolução do preço pago.

Quanto a Carlos, atual proprietário do imóvel, aquela venda é ineficaz.

Assim, como a venda não produz efeitos em relação a ele, Carlos pode reivindicar o
automóvel a Beltrão, caso este não lho devolva voluntariamente.

Caso Prático nº10

Em 2 de maio de 2007, Aniceto vendeu a sua casa a Belarmino, por 100 000 euros. No
contrato foi inserida uma cláusula nos termos da qual Aniceto poderia resolver o
contrato, a todo o tempo, dentro do prazo de 6 anos, desde que pagasse a Belarmino
120 000 euros. Esta cláusula foi inscrita no Registo Predial.

Em 3 de abril de 2011 Belarmino vendeu a casa a Constantino.

Quid Iuris?
O contrato de compra e venda em análise configura a modalidade de venda a retro,
regulada no art. 927º e ss.

Esta modalidade de venda apresenta a particularidade de regime que se traduz na


faculdade conferida ao vendedor de livremente resolver o contrato e, assim, reaver a
coisa vendida (devolvendo o preço recebido).

Para que o vendedor tenha a faculdade de resolver o contrato, tal hipótese terá de ser
expressamente convencionada pelos contratantes; e para que produza efeitos em
relação a terceiros, tratando-se da venda de imóveis ou de móveis sujeitos a registo,
essa convenção terá de ser registada (art. 932º).

O prazo para o exercício do direito de resolução pelo vendedor será livremente


convencionado pelas partes, mas não poderá exceder os prazos máximos fixados pelo
art. 929º, que são de 2 anos para a venda de coisas móveis e de 5 anos para a venda
de imóveis.

Caso esses prazos sejam convencionalmente alargados será o contrato nulo, por haver
violação de uma norma imperativa?

O prazo para o exercício do direito de resolução pelo vendedor será livremente


convencionado pelas partes, mas não poderá exceder os prazos máximos fixa dos pelo
art. 929º, que são de 2 anos para a venda de coisas móveis e de 5 anos para a venda
de imóveis.

Caso esses prazos sejam convencionalmente alargados será o contrato nulo, por haver
violação de uma norma imperativa?

A resposta é negativa. O contrato não será afetado pela invalidade da cláusula, pois,
nos termos do n°2 do art. 929°, passarão a aplicar-se os prazos legais previstos no seu
nº1. Assim, no caso concreto, como as partes convencionaram um prazo de 6 anos,
esse prazo será automaticamente reduzido para 5 anos, já que se trata da venda de
um imóvel.

Por outro lado, as partes haviam ainda convencionado que Aniceto teria de pagar 120
000 Euros a Belarmino para poder exercer o direito de resolução, ou seja, 20 000 Euros
além do preço da venda.

Nos termos do n°2 do artigo 928° esta cláusula é nula, quanto ao excesso, ou seja,
quanto aos 20 000 Euros. Deste modo, Aniceto apenas terá de devolver o que receber
de Belarmino como preço da venda: 100 000 euros.

Aniceto pode, assim, exercer o direito de resolução até 2 de maio de 2012, devolvendo
os 100 000 euros a Belarmino.
Todavia, Belarmino já não é proprietário do imóvel, pois vendeu-o, a Constantino, em
23 de abril de 2011.

A venda do imóvel a terceiro em nada afeta os direitos de Aniceto, pois a cláusula que
conferia ao vendedor o direito de resolver o contrato tinha sido registado, pelo que
produzia efeitos em relação a terceiros. Constantino ao comprar aquele imóvel, tinha,
assim, conhecimento de que Aniceto poderia exercer aquele direito até 2 de maio de
2012. Esta venda é ineficaz em relação a Aniceto.

Caso Prático nº11

Aníbal dirigiu-se à ourivesaria do seu amigo Belmiro a fim de comprar uma jóia para
presente de aniversário da sua mulher Zélia.

Receando que Zélia pudesse não gostar da jóia escolhida, Aníbal pediu permissão a
Belmiro para levar a jóia. Assim, caso Zélia dela gostasse, Belmiro efetuaria o
pagamento no dia seguinte, até ao meio-dia; caso contrário, devolveria a jóia dentro
do mesmo prazo.

Passou mais de uma semana sem que Aníbal devolvesse a jóia ou pagasse o preço.
Quid juris?

O acordo celebrado entre Aníbal e Belmiro configura a modalidade de venda a


contento, prevista no art. 923°.

Quando Aníbal entrega a jóia a Belmiro ainda não se encontra celebrado, entre eles,
um contrato de compra e venda. Existe apenas uma proposta de venda; e a entrega da
jóia destina-se a que Belmiro a examine e possa tomar a decisão de contratar, caso
esse objeto lhe agrade (ou agrade à pessoa a quem a pretende oferecer).

A proposta de venda de Aníbal considerar-se-á aceite por Belmiro caso este não se
pronuncie dentro do prazo da aceitação.

No caso concreto, esse prazo terminava ao meio-dia do dia seguinte. Assim,


ultrapassado esse prazo, o contrato considera-se concluído e produz os efeitos que lhe
são inerentes (art. 879°), nomeadamente o dever de pagar o preço por parte de
Belmiro.

O silencio de Belmiro é, assim, valorado como vontade de aceitar a proposta de venda


e, portanto, como vontade de comprar a jóia, pelo que este não poderá
posteriormente dizer ao vendedor que, afinal, a jóia não lhe agrada.
Esta primeira modalidade de venda a contento, prevista no art. 923º, não se confunde
com a segunda modalidade de venda a contento, prevista no art. 924º.

Na segunda modalidade de venda a contento, regulada no art. 924º, existe já


celebração do contrato de compra e venda quando o bem é entregue ao comprador
para que este o possa examinar e decidir se pretende adquiri-lo em definitivo.

Nesta modalidade de venda, o vendedor permite ao comprador invocar a resolução do


contrato, num prazo que as partes convencionem, caso a coisa não agrade ao
comprador.

O comprador não terá de apresentar justificações objetivas para exercer o seu direito
de resolução. Basta informar o vendedor, dentro do prazo convencionado, que, afinal,
a coisa comprada não é do seu agrado.

CASOS PRÁTICOS – CONTRATO DE DOAÇÃO

Caso Prático nº1

Em outubro de 2010, Álvaro escreveu uma carta à sua sobrinha Noémia, oferecendo-
lhe uma coleção de peças antigas, mas esta, não tendo onde as guardar, disse ao tio
que só as aceitaria se arranjasse um sítio seguro onde colocá-las.

Entretanto, em virtude de se ter agravado substancialmente o seu estado de saúde,


Álvaro foi declarado incapaz, nos termos dos arts. 138º e ss., e o seu filho Henrique
nomeado seu acompanhante.

Recentemente, Noémia veio buscar as peças, mas Henrique opõe-se.

Quid Iuris?

A doação é um contrato (Invito beneficium non datur - ninguém pode ser forçado a
aceitar uma doação contra a sua vontade), exigindo para a sua perfeição a proposta do
doador e a aceitação do donatário.

A proposta de doação não caduca nos prazos estabelecidos no artigo 228º, mas apenas
se não for aceite em vida do doador, nos termos do art. 945º, nº1.

Enquanto não houvesse sido aceite a doação, nos termos do art. 969º, nº1, Álvaro
poderia livremente revogar a sua declaração negocial, desde que observasse as
formalidades exigidas, ou seja, o fizesse por escrito.
Como tal não aconteceu, a proposta de doação mantém-se eficaz e, assim, Noémia
ainda está a tempo de aceitar a doação, que nos termos do artigo 947, nº2, por força
do art. 945º, nº3, deve ser feita por escrito.

Henrique, agora nomeado curador de Álvaro, alega a incapacidade do seu pai e


pretende evitar que a doação se venha a consumar.

Mas não tem razão.

O art. 948º estabelece que a capacidade para fazer doações é regulada pelo estado em
que o doador se encontra ao tempo da declaração negocial.

Como no momento em que fez a proposta de doação. Álvaro estava na sua plena
capacidade de agir, a proposta é válida e Henrique não se pode opor à perfeição do
contrato.

O que foi dito valeria, mutatis mutandis, se Álvaro beneficiasse de uma medida de
acompanhamento e Henrique tivesse sido nomeado acompanhante.

REFERIR ART. 950º NO CASO – ACRESCENTAR.

Caso Prático nº2

Em Agosto de 2010, Alberto doou ao seu filho Jorge, com reserva de usufruto, a sua
casa de habitação, com a obrigação de este "o acompanhar na saúde e tratar na
doença".

Desde o Natal do ano passado, as relações entre os dois deterioraram-se e Jorge


nunca mais falou com o pai, recusa-se a acompanhá-lo ao médico e ao hospital, e
nunca mais lhe fez as compras no supermercado.

Alberto sente-se amargurado com a situação, depende da ajuda da sua sobrinha e


vizinha Margarida, e pretende extinguir/cancelar a doação.

Pode fazê-lo?

Estamos perante um contrato de doação, em que Alberto, por espírito de liberalidade,


dispôs gratuitamente, e à custa do seu património, da sua propriedade de uma casa de
habitação, a favor de Jorge.

Este contrato está sujeito a escritura pública ou a documento particular autenticado,


nos termos do art. 947º, nº1, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de
Julho.
O art. 963º prevê que o doador possa impor ao donatário um ónus ou encargo, que o
obriga à realização de uma determinada prestação no interesse do autor da
liberalidade, de terceiro, ou do próprio beneficiário, e não carece de um conteúdo
patrimonial.

Nos contratos gratuitos, os encargos Impostos ao beneficiário, sendo meras cláusulas


acessórias, funcionam como simples limitações ou restrições à prestação do
disponente (liberalidade) e não como seu correspetivo (não são um sinalagma).

Daí que o donatário não seja obrigado a cumprir os encargos "senão dentro dos limites
do valor da coisa ou do direito doado", nos termos do artigo 963º nº2.

O art. 966º estabelece que o doador ou os seus herdeiros podem pedir a resolução da
doação, fundada no não cumprimento de encargos (já não quando o encargo se torna
impossível por facto não imputável ao donatário).

A resolução não opera ipso iure, sendo necessário que o doador ou os seus herdeiros
peçam a resolução judicial da doação.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, a resolução auctoritate judicis explica-se pelo
carácter pessoal do modo, que não afeta a essência da liberalidade, podendo o doador
querer mantê-la, mesmo que o modo não tenha sido cumprido.

Todavia, o donatário apenas poder pedir a resolução do contrato quando esse direito
lhe seja conferido pelo contrato, o que não parece ter acontecido no caso concreto,

Resta, pois, a Alberto exigir o cumprimento do encargo, nos termos do artigo 965º.

Note-se que, como na doação modal qualquer Interessado tem legitimidade para exigir
do donatário o cumprimento dos encargos, também Margarida tem legitimidade para
o exigir a Jorge o cumprimento do dever de "acompanhar o pai na saúde e tratá-lo na
doença".

REFERIR ART. 958º NO CASO – ACRESCENTAR.

Caso Prático nº3

Fátima, doente do serviço de nefrologia do Hospital do Sul, enquanto estava


internada à espera de ser novamente operada, doou à sua médica, Leonor, um
valioso conjunto de joias, composto por gargantilha, brincos e pulseira.
Só alguns dias depois de Fátima ter regressado a casa, já plenamente recuperada, é
que a sua sobrinha Sónia soube da doação e espantada, já que sabia do apreço da tia
pelas referidas joias, pretende reagir.

Quid Iuris?

Fátima dispôs gratuitamente, e à custa do seu património, de um conjunto de joias a


favor de Leonor, pelo que estamos perante um contrato de doação, nos termos do art.
940º e ss.

Este contrato de doação deve ser acompanhado da tradição da coisa doada, ou ser
feito por escrito, nos termos do art. 947º.

A capacidade passiva para receber doações não se desvia das regras gerais sobre
capacidade contratual, mas o Código Civil estabelece algumas inibições.

Em particular, o art. 953º manda aplicar às doações os arts. 2192º a 2198º, que
enumeram uma série de situações de indisponibilidade relativa.

No caso concreto, interessa-nos, em especial, o art. 2194º, que sanciona com a


nulidade a disposição a favor de médico que trate o testador, “se o testamento for
feito durante a doença e o autor vier a falecer dela”.

A razão de ser desta proibição resulta da situação de especial fragilidade em que o


doente se encontra perante o médico e aplica-se, com as necessárias adaptações, às
doações.

O testamento a favor de médico que trate o testador só é nulo se, cumulativamente,


for feito durante a doença e o autor vier a falecer dela.

O requisito de o testador falecer da doença justifica-se pelo facto de o testamento


poder vir a ser revogado, até à morte do testador, só produzindo efeitos após esse
momento (cfr. arts. 2311º a 2316º).

Só se o testador falecer é que se verificará a devolução sucessória, e o legatário pode


vir a receber o bem.

Mas nas doações, o regime é diferente.

A doação produz efeitos logo após a aceitação e não pode ser posteriormente
revogada, a não ser com base em ingratidão do donatário (art. 970º e ss).

Por essa razão, a doutrina, na aplicação do art. 2194º às doações, defende a nulidade
de todas as doações realizadas durante o período de doença a favor do médico
independentemente de o doador vir ou não a falecer da doença.
Segundo esta posição, a doação feita por Fátima a Leonor poderia ser considerada
nula.

Note-se, porém, que após a cura do doador, a doação já será válida, pelo que nada
impede que Fátima reitere a liberalidade, celebrando novo contrato de doação após a
sua cura.

Caso Prático nº4 – VERSÃO A

Carlos doou à sua sobrinha, Daniela um automóvel, em janeiro de 2007. Desde essa
altura, Daniela deixou de visitar o tio e raramente lhe telefona.

Carlos considera que a sobrinha é uma ingrata e pretende o automóvel de volta.

Quid Iuris?

Carlos fez uma doação a Daniela já que, por espírito de liberalidade, e à custa do seu
património, dispôs gratuitamente de um automóvel a favor de Daniela. Este contrato
de doação deve ser celebrado por escrito; ou, tratando-se de uma doação verbal, a
tradição da coisa é condição formal do contrato (cfr. art. 947º, nº2), tornando-se a
doação um contrato real quoad constitutionem.

A tradição para o donatário da coisa móvel doada é ainda havida como aceitação, nos
termos do art. 945º, nº2.

O art. 974º, estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, quando o
donatário se torne incapaz, por Indignidade, de suceder ao doador, ou quando se
verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação. Fora destes casos, a
doação não pode ser revogada por ingratidão do donatário.
As causas de ingratidão do donatário constam do art. 2034º, que estabelece que
carecem de Incapacidade sucessória por motivo de indignidade:

 o condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não


consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente,
ascendente, adoptante ou adoptado;
 o condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas
pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a
dois anos, qualquer que seja a sua natureza;
 o que por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar
ou modificar o testamento, ou disso o impediu;
 o que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o
testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou
de algum desses factos.

As causas de deserdação dos herdeiros legitimários estão indicadas no art. 2166º:

 ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a
pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum
descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime
corresponda pena superior a seis meses de prisão;
 ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho
contra as mesmas pessoas;
 ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu
cônjuge os alimentos devidos.

Como o comportamento de Daniela não se subsume a nenhuma das hipóteses


enunciadas, Carlos não pode revogar a doação por ingratidão de Daniela, nem
reaver o automóvel.

Caso Prático nº4 – VERSÃO B

Carlos doou à sua sobrinha, Daniela um automóvel, em janeiro de 2007.

Desde essa altura, Daniela deixou de visitar o tio e raramente lhe telefona.

Carlos considera que a sobrinha é uma ingrata e pretende o automóvel de volta.

Considere as seguintes possibilidades:

1. A doação foi realizada verbalmente.


2. No momento da doação Daniela disse ao tio que não queria aquele
automóvel porque nas suas palavras "com a quilometragem que já tem só me
vai dar problemas", dito isto entrou no carro e foi-se embora.
3. O carro tinha sido adquirido por Carlos a Alberto, seu amigo, um ano antes,
porque Alberto pretendia “libertar-se de todo o seu património” para ser
considerado insolvente e assim evitar ter de pagar várias dívidas que pendiam
sobre ele. Carlos comprou o carro porque quis ajudar o amigo naquele
objetivo. Entretanto, Alberto vem reclamar a Daniela a propriedade do carro.
Quid Iuris?
4. A doação estava há muito prometida por Carlos em virtude de certa vez
Daniela ter prestado serviços como tradutora ao tio e nunca ter sido paga por
esses serviços.
5. Dias antes da doação Daniela tinha ligado ao tio e disse-lhe em tom
ameaçador “ainda vou esperar mais uns dias pelo carro, mas se não me o
entregas nunca mais te falo”.

RESPOSTAS

1. Doação pode ser realizada verbalmente, mas tem de haver tradição (ou
escrito).
2. A declaração verbal não releva porque o facto de ter levado o carro é uma
declaração tácita de aceitação.
3. Art. 243º-A, como simulador só poderia fazer valer a sua pretensão se Daniela
estivesse de má-fé.
4. Nesse caso pode colocar-se a hipótese de ter havido uma errada classificação
do contrato – terá sido não uma doação mas uma remuneração por uma
prestação de serviços que não tinha data certa para pagamento (ou, doação
remuneratória se a dívida já não fosse exigível – art. 941º e art. 975º al. b) não
é revogável.
5. Temor reverencial – coisa teria sido entregue sem espírito de liberalidade.
Possível nulidade. – art. 246.

Caso Prático nº5

Pedro, um famoso jogador de futebol, doou à sua irmã Mónica um apartamento, em


janeiro de 2007.

Em dezembro de 2016, Pedro descobriu que Mónica o tinha burlado, causando-lhe


um prejuízo de mais de um milhão de euros.

Em junho de 2018, Mónica foi condenado a uma pena de 3 anos de prisão.

Pedro pretende revogar a doação do apartamento à irmã.

Quid Iuris, sabendo que Mónica vendeu o referido prédio a Eduardo, no passado mês
de Agosto?

Estamos perante um contrato de doação, já que, por espírito de liberalidade, e à custa


do seu património, Pedro dispôs gratuitamente de um apartamento a favor de Mónica.
Este contrato de doação está sujeito a escritura pública ou a documento particular
autenticado, nos termos do art, 947º, nº1.
O art. 974º estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, quando o
donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se
verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação.

Entre as causas de deserdação dos herdeiros legitimários, indicadas no art. 2166º, está
a ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa,
bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente,
ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a
seis meses de prisão.

Ora no caso concreto, Mónica cometeu um crime de burla contra Pedro que, nos
termos do art. 218º, nº2, do Código Penal, é punido com pena de prisão entre dois a
oito anos, tendo esta sido efetivamente condenada numa pena de 5 anos.

Nos termos do art. 976º, a ação de revogação da doação por ingratidão do donatário
caduca ao cabo de um ano, contado desde o facto que lhe deu causa ou desde que o
doador teve conhecimento desse facto. Assim, na medida em que o facto que dá causa
à revogação da doação, in casu, é a condenação de Mónica, Pedro pode intentar a ação
até junho de 2019.

Em consonância com a eficácia ex nunc da revogação, os efeitos da revogação da


doação retrotraem-se à data da proposição da ação.

Revogada a liberalidade, os bens doados são restituídos ao doador ou aos seus


herdeiros, no estado em que se encontram (cfr. art. 978º, nº1 e nº2).

Todavia, Mónica alienou o apartamento onerado. Nesta situação rege o art. 978º, nº3,
segundo o qual Mónica deverá entregar o valor que este tinha ao tempo em que foi
alienado, acrescido dos juros legais a contar da proposição da ação.

Se em vez de alienação do apartamento, Mónica tivesse constituído a favor de Eduardo


um direito real limitado, aplicar-se-ia o art. 979º, e Mónica teria de indemnizar Pedro
pela diminuição do valor da coisa.

Caso Prático nº6


Em 2009, Luís doou, por escritura pública, à sua sobrinha e afilhada, Maria Luísa,
uma moradia, com a condição de ela ficar a viver para sempre na terra e de nunca vir
a casar.

Entretanto, Luísa ganhou uma bolsa de estudo para uma escola de artes e pretende
mudar-se para Londres.

Quid Juris?
Estamos perante um contrato de doação, já que, por espírito de liberalidade e, à custa
do seu património, Luís dispôs gratuitamente de uma moradia a favor da sua sobrinha
Luísa.

Este contrato de doação foi titulado por escritura pública, mas poderia ter sido
efetuado através de documento particular autenticado, nos termos do art. 974º, nº1.

As doações podem ser sujeitas a condições, mas o legislador sujeita-as a um regime


diferente do previsto em geral nos art. 270º e ss., em especial no art. 271º. Esta norma
estabelece a nulidade dos negócios jurídicos subordinados a uma condição contrária à
lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes.

O art. 967º, todavia, manda aplicar às doações as regras estabelecidas em matéria


testamentária, nomeadamente nos arts. 2230º e ss., ou seja, as condições impossíveis,
contrárias à lei ou à ordem pública ou ofensivas dos bons costumes, consideram-se
como não escritas, e não afetam a validade da doação.

O legislador enumerou entre as condições contrárias à lei a condição de residir (art.


2232º) e a condição de não casar (art. 2233º).

Assim sendo, ainda que Maria Luísa vá para Londres frequentar a escola de artes, a
doação da moradia feita pelo seu tio mantém-se válida e eficaz.

Caso Prático nº7 (reversão)

Em 1984, Amália doou, por escritura pública, à sua filha Bernarda maior sujeita a
acompanhamento por cegueira, um apartamento, tendo estipulado na altura uma
cláusula de reversão.

Bernarda, solteira, faleceu no passado mês de janeiro, tendo deixado uma filha,
Carolina. Amália pretende agora saber qual o destino do apartamento.

Quid Iuris?

Estamos perante um contrato de doação, definido no art. 940º como o contrato pelo
qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe
gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício
do outro contraente.

Embora tenha sido titulado por escritura pública, atualmente, o art. 947º, nº1, na
redacção do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho, estabelece que a doação de
coisas imóveis é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento
particular autenticado.
Cabe ainda referir que a cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis deve ser
registada, nos termos dos artigos 960º, nº3, do CC (e 2º, al. u), do Código do

Registo predial].

No caso concreto, estamos perante uma doação feita a incapaz já que Bernarda é cega
(arts. 138º e ss.).

A capacidade passiva para receber doações está regulada no artigo 950º do CC, não se
estabelecendo aí qualquer desvio às regras gerais sobre capacidade contratual.

O artigo 951º estabelece, todavia, que as doações puras feitas a incapazes produzem
efeitos independentemente da aceitação em tudo o que aproveite aos donatários.

Significa isto que a doação feita a incapazes é um negócio unilateral e não um


contrato, produzindo todos os seus efeitos, incluindo a transmissão da propriedade
para o donatário, independentemente de aceitação, com base apenas na declaração
negocial do doador.

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, esta solução "é juridicamente
anómala, na medida em que permite a celebração dum contrato unilateralmente; mas
é perfeitamente compreensível, desde que as doações puras não podem trazer
prejuízos para os donatários. Tudo se passa, por conseguinte, como presumindo a lei a
aceitação por parte dos representantes legais dos incapazes, visto não haver razões
económica que justifiquem a recusa, nem ser provável a existência de razões de ordem
moral que se oponham à aceitação".

O art. 960º permite que o doador estipule a reversão da coisa doada (clause de
retour), no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus
descendentes.

Como, no caso apresentado, nada foi estipulado, entende-se que a reversão só teria
lugar no caso de Amália sobreviver a Bernarda e a todos os seus descendentes (art.
960º, nº2, a final).

Assim, a reversão não tem lugar, já que Bernarda deixou uma filha, Carolina, a qual irá
herdar, querendo, o apartamento.

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