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No dia 1 de março de 2011, Abel vendeu o seu Automóvel a Berto, verbalmente, pela
quantia de 10 000 euros, nesse mesmo dia Abel entrega o automóvel a Berto.
O caso em apreço suscita questões que respeitam aos efeitos do contrato de compra e
venda. Para que um contrato de compra e venda produza a plenitude dos seus efeitos
terá de ser, antes de mais, um contrato válido e eficaz.
Nestes termos, Bento é o atual proprietário do automóvel, apesar de não ter pago o
seu preço (não ter cumprido a respetiva obrigação).
Face a este incumprimento de Bento, Abel pretende saber se pode resolver o contrato
e, assim, voltar a ser o proprietário do veículo. Todavia, o art. 886º não lhe dará razão.
Dispõe este artigo: “transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a
sua entrega, o vendedor, não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato
por falta de pagamento do preço”.
Assim, como Abel, quando entregou o automóvel a Bento, não convencionou com este
que essa entrega não afastaria o seu direito de resolver o contrato por falta de
pagamento do preço, fica inibido de poder exercer esse direito.
Resolução:
Deste modo, não está o vendedor inibido de invocar a resolução do contrato por falta
de pagamento do preço (como estaria, por força do art. 886º, caso não tivesse havido
reserva de propriedade, nem convenção em contrário).
Todavia, como se trata de uma venda cujo preço é pago em prestações (por convenção
das partes), o art. 934º estabelece regras específicas sobre as consequências da falta
de pagamento do preço.
Deste modo, não é qualquer incumprimento parcial que faz o comprador perder o
benefício do prazo, ou seja, a vantagem de o vendar não lhe poder exigir o pagamento
das prestações antes do tempo convencionado e de, consequentemente, não poder
invocar a resolução do contrato (não havendo pagamento imediato de todas as
prestações vencidas).
A lei permite ao vendedor um pequeno incumprimento, que não tem, assim, como
consequência a perda do benefício do prazo nem a resolução do contrato.
Pelo contrário, se o valor da (única) prestação em falta não excede um oitavo do preço,
o vendedor não tem o direito de resolver o contrato; tem que tolerar esse
incumprimento parcial (até, eventualmente, à data em que tenha de ser paga a última
prestação, para que, então, deixe de haver reserva de propriedade).
Deste modo, entendendo-se que a lei admite uma só falha (não admitindo a reiteração
do incumprimento), a sociedade compradora, como já falhou duas prestações, perde a
proteção contra a resolução, ainda que o resultado económico desse incumprimento
seja inferior a um oitavo do preço.
Porém, quando Adalberto instalou o relógio na parede da sua casa, após ter-lhe
colocado pilhas novas, constatou que, afinal, o relógio não funcionava.
Trata-se de um contrato de compra e venda entre dois particulares, pelo que a solução
para o problema deverá procurar-se no Código Civil.
Assim, nos termos do art. 905º (aplicável pela remissão do art. 913º), o comprador
pode anular o negócio por erro (seu) ou dolo (do vendedor).
Nota: Antes de fazer valer essa solução, poderá o comprador nos termos do art. 914º,
pedir ao vendedor que repare o relógio ou o substitua por outro (Caso tenha natureza
fungível, ou seja, se o vendedor tiver outro relógio idêntico).
Todavia, o comprador não pode exigir ao vendedor que repare ou substitua o relógio se
desconhecia, sem culpa (se, por exemplo, o acabara de adquirir a terceiro, sem se ter
apercebido de qualquer defeito) que o relógio estava avariado (BOA FÉ).
Nesta hipótese, o comprador também não pode exigir indemnização com base em
simples erro (art. 915º).
Resta, assim, ao comprador invocar a anulabilidade do negócio com base em erro, pois
a coisa comprada já era defeituosa no momenta da compra, mas o comprador não se
apercebeu desse defeito (pensou que o relógio estava parado por falta de pilhas e não
por estar avariado).
Supondo que o vendedor também desconhecia esse defeito, não haverá dolo da sua
parte (pois não usou nenhum artifício para tentar enganar o comprador – caso
contrário – art. 253º).
Assim, logo que tome conhecimento de que a coisa comprada é defeituosa, começa a
contar o prazo de um mês para comunicar tal facto ao vendedor (denunciar o defeito).
Esta denúncia do defeito deve ter lugar dentro de seis meses após a entrega da coisa
(art. 916º, nº1 e nº2).
Assim, se Adalberto, após adquirir o relógio, o guardou numa caixa e só mais de seis
meses depois constata que o relógio está avariado, já não pode invocar a anulabilidade
do negócio por erro, pois não denunciou o defeito dentre desses seis meses.
Dois meses depois, Zacarias recebe, no seu escritório, os livros adquiridos, mas
constata que alguns volumes têm várias páginas em branco (que deveriam estar
impressas) e outros têm deficiente impressão, não sendo possível a correta leitura de
algumas páginas.
No momento em que Zacarias compra os livros, realiza uma compra de coisa futura,
pois os livros ainda não tinham sido produzidos.
Sendo assim, não se pode afirmar que tivesse havido erro de Zacarias sobre as
qualidades dos livros, pois à data da compra eles ainda não existiam (pelo que: não
tem aplicação o disposto no art. 913º do CC).
Os defeitos que aqueles livros apresentam são, assim, tratados como defeitos
supervenientes, aplicando-se, portanto, o disposto no art. 918º do CC.
Nos termos desta norma, são aplicáveis ao caso as regras relativas ao não
cumprimento das obrigações.
Entre as normas que disciplinam o não cumprimento das obrigações, destaca-se o art.
799º do CC (que presume a culpa do devedor), segundo o qual “incumbe ao devedor
provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não
procede de culpa sua”.
A Mondego Editora terá, assim, de provar que o cumprimento defeituoso (a entrega
de livros com defeitos) não é da sua responsabilidade (nem responsabilidade das
pessoas que usou parra cumprir essa obrigação – art. 800º do CC).
Caso não consiga elidir de tal presunção, a vendedora será responsabilizada pelo não
cumprimento do contrato, podendo o comprador resolver o contrato, nos termos do
art. 801º, nº2, e receber uma indeminização por prejuízos sofridos (art. 798º do CC).
Como a resolução do contrato tem efeitos retroativos (art.º 434 do CC), cada uma das
partes tem que restituir à outra aquilo que dela havia recebido.
Por outro lado, como no caso concreto o vendedor é um profissional, poderá ser
invocada a “garantia de bom funcionamento”, prevista no art. 921º do CC.
Assim, embora no caso concreto não tivesse havido um acordo das partes no sentido
de a vendedora garantir o “bom funcionamento” (a boa qualidade) dos bens vendidos,
ainda poderá entender-se que essa garantia decorre dos usos comerciais.
Deste modo, poderia Zacarias pedir a substituição dos livros defeituosos (já que são
bens de natureza fungível, sem ter de invocar culpa da vendedora ou erro seu.
Para este efeito, deveria denunciar os defeitos no prazo de 30 dias após o seu
conhecimento (art. 921º, nº3 do CC) e dentro do prazo de seis meses a contar da data
em que recebeu os livros.
Caso a vendedora não substituísse os livros voluntariamente, Zacarias teria seis meses,
a contar da data em que fez a denúncia, para propor ação em tribunal contra a
vendedora para alcançar esse resultado (art. 921º, nº4 do CC).
Porém, constata que ela se encontra habitada por Casimiro, que a tinha tomado de
arrendamento a Asdrúbal em agosto de 2006, pelo prazo de 6 anos.
Quid iuris?
Coloca-se, no caso concreto, o problema de saber que direitos assistem a
Belchior, comprador de um imóvel que se encontrava arrendado, e que
desconhecia a existência desse arrendamento.
Verifica-se, assim, uma situação de venda de bem onerado, regulada no art. 905º e ss.
CC, sendo o contrato anulável por erro (do comprador) ou dolo (do vendedor).
Nem todos os tipos de ónus ou limitações são suscetíveis de ser eliminados por ato de
vontade unilateral do vendedor. Se o ónus é, por exemplo, uma hipoteca, basta que o
vendedor cumpra a obrigação que assim se encontra garantida para que esse ónus
possa ser eliminado.
Assim, caso Belchior tivesse outra casa onde pudesse viver até à extinção do contrato
de arrendamento, e se demonstre que ele sempre teria adquirido aquela moradia,
embora por preço inferior, haverá redução do preço (em vez de anulação do contrato),
nos termos do art. 911º CC.
No jantar de Natal de 2009, Daniel, tio de Bárbara, reparou que esta usava o relógio
que pensava ser de Anastácia (mãe de Daniel) e tomou, então, conhecimento do
negócio.
- Diga se, em janeiro de 2011, alguém poderá reagir contra o negócio celebrado entre
Anastácia e Bárbara, sabendo que o pai de Bárbara (Edmundo), filho de Anastácia, já
tinha falecido.
Todavia, a relação familiar entre as partes deste contrato suscita a questão de saber
se, em concreto, se verifica a proibição de venda prevista no art. 877º.
Nos termos desta norma, Anastácia não podia vender o relógio a Bárbara sem que o
filho (Daniel) e a outra neta (Carlota) dessem o seu consentimento.
As diferenças respeitam tanto no âmbito dos sujeitos legitimados para o efeito como à
contagem do prazo para essa invocação.
Assim, no caso concreto, não é qualquer interessado que pode invocar a anulabilidade
do negócio, mas apenas o filho e a outra neta, ou seja aqueles cujo consentimento era
necessário para a validade do negócio.
No caso concreto, Daniel (que se supõe ser maior de idade) teve conhecimento do
negócio em dezembro de 2009, mas até janeiro de 2011 não reagiu, pelo que, tendo
passado mais de um ano, o seu direito de arguir aquela invalidade já caducou.
Quanto a Carlota, que era menor (tinha 17 anos) à data em que teve conhecimento do
negócio, só quando completar 18 anos começa a correr o prazo de um ano para arguir
a invalidade do negócio.
Para ver solucionado o conflito, Arlindo propôs ação em tribunal contra Belarmino.
Quid Iuris?
O caso em análise coloca o problema de saber se estaremos perante uma proibição de
venda.
Dispõe o nº1 deste artigo que “não podem ser compradores de coisa ou defeito
litigioso, quer diretamente, quer interposta pessoa, aqueles a quem a lei não permite
que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no
capítulo respetivo”.
Como o nº1 do art. 876º remete para o capítulo respeitante à cessão de créditos ou
direitos litigiosos, é lá que encontraremos a identificação dos sujeitos que não podem
ser compradores de coisa litigiosa.
A coisa terá natureza litigiosa, nos termos do art. 579º, nº3, quando “o direito tiver
sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer dos
interessados”.
Quanto aos sujeitos abrangidos pela proibição, dispõe o art. 579º, nº1, que: “a cessão
créditos ou outros direitos litigiosos feita, diretamente ou por interposta pessoa, a
juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou mandatários
judiciais é numa, se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua
atividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos feita a peritos ou
outros auxiliares da justiça que tenham intervenção no respetivo processo”.
No caso concreto, o terreno em disputa não foi vendido a nenhum dos sujeitos
expressamente referidos nesta norma.
Todavia, o nº2 do art. 579º determina que a venda é feita a interposta pessoa quando
é feita (entre outros) ao cônjuge do inibido.
Assim, caso se entenda que o juiz do Tribunal de Família e Menores daquela comarca
está inibido, também o estará o seu cônjuge.
Todavia, quando o art. 579º, nº1 se refere à “área onde exercem habitualmente”
parece estar a prever a área geográfica (a comarca), pelo que, nesta interpretação, a
mulher do juiz do Tribunal de Família e Menores estará inibida de comprar aquele
terreno; essa venda será nula. Porém, como decorre do nº3 do art. 876º, a
compradora não pode invocar essa nulidade.
Cerca de um ano depois, Bernardo vendeu esse quadro a Carlota, pessoa conhecida
de Zulmira.
No Natal de 2010, Zulmira foi convidada para uma festa em casa de Carlota e viu o
quadro exposto na sala, tendo, então, ficado a saber que tanto Carlota, como
Bernardo ignoravam que ela fosse casada com Américo.
Quid Iuris?
Do ponto de vista formal, apesar de o objeto do contrato ser um bem de elevado valor,
trata-se da venda de um bem móvel simples, pelo que vale neste domínio a regra da
liberdade de forma, prevista no art. 219º, sendo, portanto, válido o contrato
verbalmente celebrado.
Do ponto de vista da validade substantiva do contrato, importa desde logo notar que o
objeto vendido é um bem comum do casal, já que são casados no regime da
comunhão geral de bens (arts. 1732º e ss).
Nos termos do art. 1682º, nº1, a alienação de móveis comuns cuja administração caiba
aos dois cônjuges carece de consentimento de ambos, salvo se essa alienação
constituir um ato de administração ordinária.
No caso concreto, dado o elevado valor do bem vendido, facilmente se conclui que não
se trata de um ato de administração ordinária, pelo que Américo não tinha
legitimidade para vender o quadro sem o consentimento de Zulmira.
Todavia, o nº3 do art. 1687º estabelece um desvio a esta regra na hipótese de venda
de bens móveis não sujeitos a registo.
No caso concreto, tanto Bernardo como Carlota ignoravam que Américo fosse casado,
pelo que havendo boa-fé tanto do adquirente inicial como da segunda adquirente,
Zulmira nada poderá fazer.
Deste modo, não vendeu coisa alheia como própria, mas sim como coisa que esperava
adquirir.
Consequentemente, não terá aqui aplicação o disposto no art.º 892 conjugado com o
art.º 904 (regime de venda de bens alheios), mas sim o disposto no art.º 893, ficando
aquela venda sujeita ao regime de venda de bens futuros.
Nos termos do art.º 880, nº1, o Adriano fica obrigado a exercer as diligências para que
Beltrão adquira a propriedade do automóvel, nomeadamente procurando convencer o
seu primo Carlos a vender-lhe esse veículo. Caso Adriano venha a adquirir o
automóvel, a propriedade transfere-se para Beltrão, nos termos do art.º 408, nº2, no
momento dessa aquisição (sem necessidade de qualquer ato translativo adicional).
Caso Adriano não consiga adquirir o automóvel (nomeadamente por Carlos não lho
querer vender), haverá impossibilidade de cumprimento imputável a Adriano, pelo que
Beltrão poderá resolver o contrato, nos termos do art.º 801, nº2 e, consequentemente,
exigir a devolução do preço pago.
Assim, como a venda não produz efeitos em relação a ele, Carlos pode reivindicar o
automóvel a Beltrão, caso este não lho devolva voluntariamente.
Em 2 de maio de 2007, Aniceto vendeu a sua casa a Belarmino, por 100 000 euros. No
contrato foi inserida uma cláusula nos termos da qual Aniceto poderia resolver o
contrato, a todo o tempo, dentro do prazo de 6 anos, desde que pagasse a Belarmino
120 000 euros. Esta cláusula foi inscrita no Registo Predial.
Quid Iuris?
O contrato de compra e venda em análise configura a modalidade de venda a retro,
regulada no art. 927º e ss.
Para que o vendedor tenha a faculdade de resolver o contrato, tal hipótese terá de ser
expressamente convencionada pelos contratantes; e para que produza efeitos em
relação a terceiros, tratando-se da venda de imóveis ou de móveis sujeitos a registo,
essa convenção terá de ser registada (art. 932º).
Caso esses prazos sejam convencionalmente alargados será o contrato nulo, por haver
violação de uma norma imperativa?
Caso esses prazos sejam convencionalmente alargados será o contrato nulo, por haver
violação de uma norma imperativa?
A resposta é negativa. O contrato não será afetado pela invalidade da cláusula, pois,
nos termos do n°2 do art. 929°, passarão a aplicar-se os prazos legais previstos no seu
nº1. Assim, no caso concreto, como as partes convencionaram um prazo de 6 anos,
esse prazo será automaticamente reduzido para 5 anos, já que se trata da venda de
um imóvel.
Por outro lado, as partes haviam ainda convencionado que Aniceto teria de pagar 120
000 Euros a Belarmino para poder exercer o direito de resolução, ou seja, 20 000 Euros
além do preço da venda.
Nos termos do n°2 do artigo 928° esta cláusula é nula, quanto ao excesso, ou seja,
quanto aos 20 000 Euros. Deste modo, Aniceto apenas terá de devolver o que receber
de Belarmino como preço da venda: 100 000 euros.
Aniceto pode, assim, exercer o direito de resolução até 2 de maio de 2012, devolvendo
os 100 000 euros a Belarmino.
Todavia, Belarmino já não é proprietário do imóvel, pois vendeu-o, a Constantino, em
23 de abril de 2011.
A venda do imóvel a terceiro em nada afeta os direitos de Aniceto, pois a cláusula que
conferia ao vendedor o direito de resolver o contrato tinha sido registado, pelo que
produzia efeitos em relação a terceiros. Constantino ao comprar aquele imóvel, tinha,
assim, conhecimento de que Aniceto poderia exercer aquele direito até 2 de maio de
2012. Esta venda é ineficaz em relação a Aniceto.
Aníbal dirigiu-se à ourivesaria do seu amigo Belmiro a fim de comprar uma jóia para
presente de aniversário da sua mulher Zélia.
Receando que Zélia pudesse não gostar da jóia escolhida, Aníbal pediu permissão a
Belmiro para levar a jóia. Assim, caso Zélia dela gostasse, Belmiro efetuaria o
pagamento no dia seguinte, até ao meio-dia; caso contrário, devolveria a jóia dentro
do mesmo prazo.
Passou mais de uma semana sem que Aníbal devolvesse a jóia ou pagasse o preço.
Quid juris?
Quando Aníbal entrega a jóia a Belmiro ainda não se encontra celebrado, entre eles,
um contrato de compra e venda. Existe apenas uma proposta de venda; e a entrega da
jóia destina-se a que Belmiro a examine e possa tomar a decisão de contratar, caso
esse objeto lhe agrade (ou agrade à pessoa a quem a pretende oferecer).
A proposta de venda de Aníbal considerar-se-á aceite por Belmiro caso este não se
pronuncie dentro do prazo da aceitação.
O comprador não terá de apresentar justificações objetivas para exercer o seu direito
de resolução. Basta informar o vendedor, dentro do prazo convencionado, que, afinal,
a coisa comprada não é do seu agrado.
Em outubro de 2010, Álvaro escreveu uma carta à sua sobrinha Noémia, oferecendo-
lhe uma coleção de peças antigas, mas esta, não tendo onde as guardar, disse ao tio
que só as aceitaria se arranjasse um sítio seguro onde colocá-las.
Quid Iuris?
A doação é um contrato (Invito beneficium non datur - ninguém pode ser forçado a
aceitar uma doação contra a sua vontade), exigindo para a sua perfeição a proposta do
doador e a aceitação do donatário.
A proposta de doação não caduca nos prazos estabelecidos no artigo 228º, mas apenas
se não for aceite em vida do doador, nos termos do art. 945º, nº1.
Enquanto não houvesse sido aceite a doação, nos termos do art. 969º, nº1, Álvaro
poderia livremente revogar a sua declaração negocial, desde que observasse as
formalidades exigidas, ou seja, o fizesse por escrito.
Como tal não aconteceu, a proposta de doação mantém-se eficaz e, assim, Noémia
ainda está a tempo de aceitar a doação, que nos termos do artigo 947, nº2, por força
do art. 945º, nº3, deve ser feita por escrito.
O art. 948º estabelece que a capacidade para fazer doações é regulada pelo estado em
que o doador se encontra ao tempo da declaração negocial.
Como no momento em que fez a proposta de doação. Álvaro estava na sua plena
capacidade de agir, a proposta é válida e Henrique não se pode opor à perfeição do
contrato.
O que foi dito valeria, mutatis mutandis, se Álvaro beneficiasse de uma medida de
acompanhamento e Henrique tivesse sido nomeado acompanhante.
Em Agosto de 2010, Alberto doou ao seu filho Jorge, com reserva de usufruto, a sua
casa de habitação, com a obrigação de este "o acompanhar na saúde e tratar na
doença".
Pode fazê-lo?
Daí que o donatário não seja obrigado a cumprir os encargos "senão dentro dos limites
do valor da coisa ou do direito doado", nos termos do artigo 963º nº2.
O art. 966º estabelece que o doador ou os seus herdeiros podem pedir a resolução da
doação, fundada no não cumprimento de encargos (já não quando o encargo se torna
impossível por facto não imputável ao donatário).
A resolução não opera ipso iure, sendo necessário que o doador ou os seus herdeiros
peçam a resolução judicial da doação.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, a resolução auctoritate judicis explica-se pelo
carácter pessoal do modo, que não afeta a essência da liberalidade, podendo o doador
querer mantê-la, mesmo que o modo não tenha sido cumprido.
Todavia, o donatário apenas poder pedir a resolução do contrato quando esse direito
lhe seja conferido pelo contrato, o que não parece ter acontecido no caso concreto,
Resta, pois, a Alberto exigir o cumprimento do encargo, nos termos do artigo 965º.
Note-se que, como na doação modal qualquer Interessado tem legitimidade para exigir
do donatário o cumprimento dos encargos, também Margarida tem legitimidade para
o exigir a Jorge o cumprimento do dever de "acompanhar o pai na saúde e tratá-lo na
doença".
Quid Iuris?
Este contrato de doação deve ser acompanhado da tradição da coisa doada, ou ser
feito por escrito, nos termos do art. 947º.
A capacidade passiva para receber doações não se desvia das regras gerais sobre
capacidade contratual, mas o Código Civil estabelece algumas inibições.
Em particular, o art. 953º manda aplicar às doações os arts. 2192º a 2198º, que
enumeram uma série de situações de indisponibilidade relativa.
A doação produz efeitos logo após a aceitação e não pode ser posteriormente
revogada, a não ser com base em ingratidão do donatário (art. 970º e ss).
Por essa razão, a doutrina, na aplicação do art. 2194º às doações, defende a nulidade
de todas as doações realizadas durante o período de doença a favor do médico
independentemente de o doador vir ou não a falecer da doença.
Segundo esta posição, a doação feita por Fátima a Leonor poderia ser considerada
nula.
Note-se, porém, que após a cura do doador, a doação já será válida, pelo que nada
impede que Fátima reitere a liberalidade, celebrando novo contrato de doação após a
sua cura.
Carlos doou à sua sobrinha, Daniela um automóvel, em janeiro de 2007. Desde essa
altura, Daniela deixou de visitar o tio e raramente lhe telefona.
Quid Iuris?
Carlos fez uma doação a Daniela já que, por espírito de liberalidade, e à custa do seu
património, dispôs gratuitamente de um automóvel a favor de Daniela. Este contrato
de doação deve ser celebrado por escrito; ou, tratando-se de uma doação verbal, a
tradição da coisa é condição formal do contrato (cfr. art. 947º, nº2), tornando-se a
doação um contrato real quoad constitutionem.
A tradição para o donatário da coisa móvel doada é ainda havida como aceitação, nos
termos do art. 945º, nº2.
O art. 974º, estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, quando o
donatário se torne incapaz, por Indignidade, de suceder ao doador, ou quando se
verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação. Fora destes casos, a
doação não pode ser revogada por ingratidão do donatário.
As causas de ingratidão do donatário constam do art. 2034º, que estabelece que
carecem de Incapacidade sucessória por motivo de indignidade:
ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a
pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum
descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime
corresponda pena superior a seis meses de prisão;
ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho
contra as mesmas pessoas;
ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu
cônjuge os alimentos devidos.
Desde essa altura, Daniela deixou de visitar o tio e raramente lhe telefona.
RESPOSTAS
1. Doação pode ser realizada verbalmente, mas tem de haver tradição (ou
escrito).
2. A declaração verbal não releva porque o facto de ter levado o carro é uma
declaração tácita de aceitação.
3. Art. 243º-A, como simulador só poderia fazer valer a sua pretensão se Daniela
estivesse de má-fé.
4. Nesse caso pode colocar-se a hipótese de ter havido uma errada classificação
do contrato – terá sido não uma doação mas uma remuneração por uma
prestação de serviços que não tinha data certa para pagamento (ou, doação
remuneratória se a dívida já não fosse exigível – art. 941º e art. 975º al. b) não
é revogável.
5. Temor reverencial – coisa teria sido entregue sem espírito de liberalidade.
Possível nulidade. – art. 246.
Quid Iuris, sabendo que Mónica vendeu o referido prédio a Eduardo, no passado mês
de Agosto?
Entre as causas de deserdação dos herdeiros legitimários, indicadas no art. 2166º, está
a ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa,
bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente,
ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a
seis meses de prisão.
Ora no caso concreto, Mónica cometeu um crime de burla contra Pedro que, nos
termos do art. 218º, nº2, do Código Penal, é punido com pena de prisão entre dois a
oito anos, tendo esta sido efetivamente condenada numa pena de 5 anos.
Nos termos do art. 976º, a ação de revogação da doação por ingratidão do donatário
caduca ao cabo de um ano, contado desde o facto que lhe deu causa ou desde que o
doador teve conhecimento desse facto. Assim, na medida em que o facto que dá causa
à revogação da doação, in casu, é a condenação de Mónica, Pedro pode intentar a ação
até junho de 2019.
Todavia, Mónica alienou o apartamento onerado. Nesta situação rege o art. 978º, nº3,
segundo o qual Mónica deverá entregar o valor que este tinha ao tempo em que foi
alienado, acrescido dos juros legais a contar da proposição da ação.
Entretanto, Luísa ganhou uma bolsa de estudo para uma escola de artes e pretende
mudar-se para Londres.
Quid Juris?
Estamos perante um contrato de doação, já que, por espírito de liberalidade e, à custa
do seu património, Luís dispôs gratuitamente de uma moradia a favor da sua sobrinha
Luísa.
Este contrato de doação foi titulado por escritura pública, mas poderia ter sido
efetuado através de documento particular autenticado, nos termos do art. 974º, nº1.
Assim sendo, ainda que Maria Luísa vá para Londres frequentar a escola de artes, a
doação da moradia feita pelo seu tio mantém-se válida e eficaz.
Em 1984, Amália doou, por escritura pública, à sua filha Bernarda maior sujeita a
acompanhamento por cegueira, um apartamento, tendo estipulado na altura uma
cláusula de reversão.
Bernarda, solteira, faleceu no passado mês de janeiro, tendo deixado uma filha,
Carolina. Amália pretende agora saber qual o destino do apartamento.
Quid Iuris?
Estamos perante um contrato de doação, definido no art. 940º como o contrato pelo
qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe
gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício
do outro contraente.
Embora tenha sido titulado por escritura pública, atualmente, o art. 947º, nº1, na
redacção do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho, estabelece que a doação de
coisas imóveis é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento
particular autenticado.
Cabe ainda referir que a cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis deve ser
registada, nos termos dos artigos 960º, nº3, do CC (e 2º, al. u), do Código do
Registo predial].
No caso concreto, estamos perante uma doação feita a incapaz já que Bernarda é cega
(arts. 138º e ss.).
A capacidade passiva para receber doações está regulada no artigo 950º do CC, não se
estabelecendo aí qualquer desvio às regras gerais sobre capacidade contratual.
O artigo 951º estabelece, todavia, que as doações puras feitas a incapazes produzem
efeitos independentemente da aceitação em tudo o que aproveite aos donatários.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, esta solução "é juridicamente
anómala, na medida em que permite a celebração dum contrato unilateralmente; mas
é perfeitamente compreensível, desde que as doações puras não podem trazer
prejuízos para os donatários. Tudo se passa, por conseguinte, como presumindo a lei a
aceitação por parte dos representantes legais dos incapazes, visto não haver razões
económica que justifiquem a recusa, nem ser provável a existência de razões de ordem
moral que se oponham à aceitação".
O art. 960º permite que o doador estipule a reversão da coisa doada (clause de
retour), no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus
descendentes.
Como, no caso apresentado, nada foi estipulado, entende-se que a reversão só teria
lugar no caso de Amália sobreviver a Bernarda e a todos os seus descendentes (art.
960º, nº2, a final).
Assim, a reversão não tem lugar, já que Bernarda deixou uma filha, Carolina, a qual irá
herdar, querendo, o apartamento.