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LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO

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O locatário não está obrigado a pagar o preço pela locação do


estabelecimento de snack-bar enquanto o locador não
providenciar pela licença administrativa sem a qual o mesmo
não pode funcionar

A locação de um estabelecimento comercial abrange, não apenas a


transferência temporária e onerosa do gozo dum imóvel, mas, em
conjunto, a exploração do estabelecimento nele instalado. Com efeito, o estabelecimento
comercial traduz-se numa estrutura material e jurídica que integra, com autonomia, uma
pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, como os direitos de crédito, clientela e
direitos de exploração ou funcionamento, organizadas e funcionalmente dirigidas à
realização de uma atividade lucrativa. E nessa universalidade integra-se também a
licença administrativa de autorização de funcionamento do estabelecimento, como
elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que sem ela não é
possível a laboração. Assim, a prestação do locador, no âmbito do contrato de locação
de um estabelecimento de snack-bar, integrava também o dever de entrega do
estabelecimento em condições de permitir a sua pacífica exploração, o que está
dependente ou condicionado pela existência de licenciamento para esse ramo de
negócio. Mas tendo o locador feito a entrega sem o licenciamento necessário ao normal
funcionamento, e persistindo nessa falta, cumpriu defeituosamente a sua obrigação de
entrega do bem para o fim convencionado a que se destinava. Ora, o cumprimento
defeituoso integra um dos modos de não cumprimento das obrigações que permite ao
credor da prestação imperfeita o recurso à exceção do não cumprimento do contrato,
pelo que, face à falta da licença e do consequente constrangimento à laboração, o
locatário não é obrigado a pagar o preço sem que aquela sanação tenha lugar.

Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 14 Out. 2014, Processo 5831/11

JusJornal, N.º 2018, 4 de Novembro de 2014. JusNet 5631/2014

Texto

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

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1. – “AA” instaurou acção declarativa contra “BB – … Lda.” e CC, pedindo que se
declarasse a resolução do contrato de locação de estabelecimento que celebrou com a
1ª Ré, por falta de pagamento das rendas relativas aos meses de Agosto a Dezembro de
2010, Janeiro e Fevereiro de 2011 e que esta fosse condenada a entregar-lhe o
estabelecimento locado, bem como ambas as Rés – a 2ª enquanto fiadora – condenadas
a pagarem-lhe, solidariamente, as rendas mensais vencidas e não pagas, no valor de
7.000,00EUR, bem como das que se venceram até à entrega do estabelecimento, tudo
acrescido de IVA às taxas sucessivamente em vigor.

Alegou, para tal, que locou à 1ª Ré, por contrato escrito celebrado em 31/10/2009, o
estabelecimento de snack-bar melhor caracterizado na p. i., pelo prazo de cinco anos,
com início a 01/11/2009, renovável por períodos sucessivos de três anos, mediante a
contrapartida de 12.000,00EUR/ano, a pagar em duodécimos mensais de 1.000,00EUR,
acrescidos de IVA à taxa legal; que a 1ª Ré deixou de pagar os montantes mensais
relativos aos meses de Agosto a Dezembro de 1010, Janeiro e Fevereiro de 2011; que
ela e a 2ª Ré são solidariamente responsáveis pelo pagamento deste valor e dos
duodécimos vincendos, por esta última ter intervindo no dito contrato como fiadora da
locatária.

As Rés contestaram e deduziram reconvenção.

Ali, alegaram que o Autor lhes garantiu, aquando da outorga do contrato de locação, que
o estabelecimento dispunha de licença de utilização, o que vieram a verificar, em Agosto
de 2010, não corresponder à verdade; que perante esta situação a 1ª Ré deixou de
pagar as rendas desde então, direito que entende assistir-lhe ao abrigo do disposto pelo
428º do CCiv. – excepção do não cumprimento do contrato -, até que o A. lhe faculte a
licença do estabelecimento.

Na reconvenção, alegaram que mantém interesse na continuação da vigência do


contrato e pediram que o A. fosse condenado a desenvolver todas as actividades
necessárias para a obtenção da licença de utilização do estabelecimento.

Subsidiariamente, para o caso de tal se não revelar possível, pediram a resolução do


contrato e a condenação do Autor a indemnizá-las dos danos resultantes do não gozo do
locado pelo período contratado, designadamente, por perda de clientela e lucros
cessantes, a liquidar em momento posterior à sentença.

Pediram ainda a condenação do A. no pagamento de 4.291,47EUR, mais juros, a título


de reparação de prejuízos sofridos pela 1ª Ré em consequência de avaria na instalação
eléctrica do imóvel que servia o estabelecimento e obrigou ao seu encerramento durante
4 dias. 

O Autor replicou, alegando que não tinha alvará de utilização mas possuía uma
declaração camarária que dela dispensava o estabelecimento, sendo que a falta dessa
licença nunca impediu a 1ª Ré de explorar o estabelecimento, pelo que não lhe assiste o
direito de não pagar as rendas enquanto não obtiver o alvará e que existiria abuso na

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invocação da excepção do não cumprimento do contrato, na medida em que a Ré,
apesar da falta de licença, continua a explorar o estabelecimento e a obter proventos da
sua actividade.

Foi, a final, proferida sentença que decidiu:

“Julgar a acção procedente e consequentemente:

– Declarar a resolução do contrato de locação de estabelecimento celebrado entre o


autor AA e as rés BB – … Lda. e CC em 31 de Outubro de 2009.

– Condenar a Ré BB – … Lda. a entregar ao autor AA o estabelecimento locado descrito


em 1. dos factos provados, livre de pessoas e bens, com excepção dos que nele se
encontravam quando lhe foi entregue pelo autor na sequência da outorga do referido
contrato de locação.

– Condenar as rés, BB – … Lda. e CC a pagarem solidariamente ao autor AA, a quantia


de EUR7.000, 00 (sete mil euros) correspondente ao valor das rendas mensais de
EUR1.000,00, cada, vencidas desde Agosto de 2010 até à data da instauração da acção,
assim como da quantia correspondente ao valor das rendas mensais vencidas desde
então e vincendas até à entrega do locado, tudo acrescido de IVA às taxas legais
sucessivamente em vigor.

Julgar a reconvenção parcialmente procedente e consequentemente:

– Condenar o reconvindo AA a pagar à reconvinte BB ¬’;… Lda. a quantia que em


liquidação de sentença se apure como correspondente aos supra referidos prejuízos
sofridos pela reconvinte a título de perda de bens consumíveis; de cancelamento de
jantares já agendados e à quebra perda de lucros relativos ao período de 4 dias em que
o estabelecimento locado esteve encerrado”.

Mediante apelação da Ré, o Tribunal da Relação alterou a sentença “nos seguintes


termos:

a)Declaram-se improcedentes os pedidos de resolução do contrato celebrado entre as


partes e os de condenação das rés – nos termos enunciados supra – na entrega ao autor
do estabelecimento locado e no pagamento ao mesmo das quantias atinentes às rendas
vencidas desde Agosto de 2010 e das que se vencerem até entrega daquele, com a
consequente absolvição da ré de tais pedidos;

b) Mantém-se a improcedência do segmento do pedido reconvencional apreciado no


item 4 do ponto IV;

c) Mantém-se o que ali se decidiu quanto à outra parte da reconvenção”. 

Agora é o Autor que pede revista, visando a reposição da decisão da 1ª Instância, para o
que argumenta nas conclusões da alegação:

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I. O Acórdão recorrido parte de uma premissa errada para fundamentar todo o seu
raciocínio que termina com a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e que
se prende com a (des)necessidade da licença de utilização para o estabelecimento
comercial em crise nos presentes autos.

II.Não obstante as notificações enviadas para a Recorrida em 23/08/2010, mencionada


no n° 10 dos factos provados, e as notificações enviadas para a Recorrente,
nomeadamente em 29/08/2008 e 21/01/2009, conforme resulta do n° 28 dos factos, o
certo é que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim nunca encerrou o estabelecimento
em crise nos presentes autos.

III.A mesma Autarquia que notificou inicialmente a Recorrente e posteriormente a aqui


Recorrida para proceder ao licenciamento do estabelecimento comercial, emitiu a
declaração que se encontra junta a fls. 62 dos presentes autos, datada de 26 de Março
de 2009 (ou seja, com data posterior às duas primeiras comunicações), assinada pelo
próprio Presidente da Câmara Municipal, Dr. DD, em que afirma que a utilização do
estabelecimento não está sujeita a licenciamento.

IV.Encontrando-se a Recorrente na posse de tal documento, emitido pela entidade


responsável para a emissão das licenças de utilização, não existindo qualquer
justificação para a alteração da posição assumida pela Autarquia, não pode a Recorrente
ter outra convicção senão que o estabelecimento comercial aqui em crise se encontra
isento de licença de utilização.

V.Conforme se encontra provado nos presentes autos, após aquela notificação à


Recorrida o estabelecimento continuou a funcionar sem qualquer limitação, conforme
sucedeu em situações anteriores

VI.Aliás, conforme decorre do n° 25 dos factos provados, quando o contrato com a


Recorrida foi celebrado, o estabelecimento já se encontrava em funcionamento há
muitos anos, mais concretamente, há cerca de 30 anos!!!

VII.O que a Recorrente transmitiu à Recorrida foi aquilo que a autarquia havia declarado,
que o referido estabelecimento se encontrava isento de licenciamento, nomeadamente
da licença de utilização.

VIII. Facto do inteiro conhecimento da 2ª Ré, CC, directora da Recorrente aquando da


celebração do contrato em crise nos presentes autos e companheira do legal
representante da Recorrida e que conjuntamente com ele explorava o bar.

IX.Atendendo à prova documentada nos autos, designadamente a declaração supra


referenciada, terá de se concluir que a utilização do estabelecimento em crise nos
presentes autos não necessita de qualquer licenciamento, conforme decorre do
documento emitido pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.

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X.Motivo pelo qual, não se encontra a Recorrida legitimada para opor à Recorrente a
excepção de não cumprimento prevista no art. 428. ° do CC, impondo-se a revogação do
Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no que concerne à revogação do
contrato de cessão de exploração.

XI.De Agosto de 2010 até Junho de 2011, a Recorrente deixou de pagar não só as
rendas, mas também a água, gás e luz que consumia, obrigando a Recorrida a pagar os
consumos de água, gás e luz que a Recorrente fazia.

XII. Durante cerca de um ano, a Recorrida não pagou qualquer renda, não obstante
continuar a usufruir do estabelecimento.

XIII. Por sua vez, a Recorrente, uma associação desportiva sem fins lucrativos cujo
escopo social é, entre outros, a formação de jovens atletas, não recebeu da Recorrida
qualquer renda e ainda pagou os consumos de água, gás e electricidade que esta
consumiu.

XIV. Conforme bem refere o Acórdão recorrido um dos pressupostos para que se aplique
o instituto da excepção de não cumprimento prende-se com a necessidade das
prestações em causa serem reciprocas.

XV. Não existindo dúvidas que estando em crise nos presentes autos um contrato de
locação de estabelecimento cujo regime legal está previsto no artigo 1109.º e seguintes
do Código Civil e, na ausência de regulamentação própria, a solução terá de ser
encontrada por recurso às regras que regulam o arrendamento comercial.

XVI.Pela mesma ordem de ideias, havendo equiparação legal de ambos os contratos


(locação de estabelecimento e arrendamento comercial) também quanto ao sinalagma
há identificação entre os mesmos, uma vez que tanto no contrato de locação como no
contrato de arrendamento comercial a prestação do senhorio, no contrato de
arrendamento, e do cedente/locador, no contrato de locação de estabelecimento, são no
primeiro o gozo do prédio e, no segundo, o gozo do prédio em conjunto com a
exploração do estabelecimento comercial ou industrial, sendo a contraprestação, em
ambos, o pagamento das rendas.

XVII. Assim, ainda que se admita a necessidade da licença para o legal exercício da
actividade do estabelecimento comercial em causa nos presentes autos, certo é que a
Recorrida recebeu do Recorrente um imóvel devidamente equipado para o exercício da
referida, conforme contratado, tendo explorado o estabelecimento e do mesmo retirado
proveito económico, até à data que entendeu, nunca tendo ficado inibida de explorar o
estabelecimento por falta de licença de utilização.

XVIII. Utilizar a inexistência da licença para argumentar uma alegada inexistência do


próprio estabelecimento comercial, após ter retirado, durante anos, os correspondentes
benefícios da exploração do mesmo, raia os limites do absurdo!

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XIX. Ficou demonstrado que, apesar da inexistência da licença de utilização e da
consequente inexistência da licença para o exercício da actividade, a Recorrida não ficou
privada do gozo e da exploração do estabelecimento comercial, pelo que não tinha
legitimidade para deixar de cumprir a prestação a que estava obrigada, o pagamento das
rendas, nos termos do art. 428.º do Código Civil.

XX. Não existe uma correlação directa entre a falta de licença de utilização e o não
pagamento da renda para que a Recorrida pudesse opor ao Recorrente a excepção de
não cumprimento, essa correlação só existiria se houvesse um impedimento no gozo do
estabelecimento comercial.

XXI. A questão que se coloca é se atenta a factualidade presente nos autos,


nomeadamente o facto da Recorrida manter o gozo do locado e do respectivo
estabelecimento comercial, daí retirando todos os benefícios que retiraria se existisse a
licença de utilização faz com que esta tenha direito a opor à Recorrente a excepção de
não cumprimento, eximindo-se do pagamento da totalidade da contraprestação a que se
obrigou em detrimento de uma Associação Desportiva, a aqui Recorrente, com escopo
social e que, apenas com muitos esforços, consegue fazer face às obrigações a que está
vinculada.

XXII. A resposta a esta questão só poderá ser negativa.

XXIII. No caso em análise, atendendo que a Recorrente cumpre na totalidade a sua


prestação, o gozo do locado, com a excepção verifica da na não entrega da licença de
utilização, a contraprestação, pagamento integral da renda, não pode ser recusada pela
Recorrida, pois esta recusa é manifestamente contrária à boa-fé tendo em vista as
circunstâncias do caso em concreto, sobretudo da relatividade da parte que falta prestar
e da inexistência de qualquer consequência para a Recorrida.

XXIV. É certo que, como bem referiu o Tribunal de Primeira Instância a exploração do
locado possa ser vista como precária (admitindo-se a necessidade de licença de
utilização do estabelecimento comercial), uma vez que, de acordo com notificação
recebida, a Recorrida ficou a saber da possibilidade do estabelecimento ser encerrado.

XXV. A Recorrida jamais foi privada do gozo do locado devido à falta da licença de
utilização, caso em que lhe assistiria, então, o invocado direito ao não pagamento da
renda.

XXVI. Quer a sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância quer o acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação do Porto são unânimes em absolver a Recorrente do
pedido de indemnização efectuado pela Recorrida pelos prejuízos sofridos pela falta do
alvará de utilização.

XXVII. De resto, a própria Recorrida no seu pedido de indemnização pela falta do alvará
de utilização se refere a eventuais danos “se o estabelecimento vier a encerrar por
determinação das autoridades competentes”, o que demonstra que o mesmo ainda não
encerrou.

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XXVIII. Estarmos a equiparar a falta de licença de utilização à efectiva privação do gozo
do estabelecimento comercial, com todas as consequências e danos inerentes, é
exagerado, o que implica que a aplicação da excepção de não cumprimento no caso sub
judice seja desproporcionada.

XXIX. E não se diga que, a licença de utilização, em si, integra o próprio estabelecimento
comercial, e por isso não foi concedido o pleno gozo do estabelecimento comercial à
Recorrida, pois como já foi sobejamente defendido, a inexistência de licença de
utilização não impediu a Recorrida de explorar o estabelecimento, dele retirando lucros e
proveitos, não tendo o mesmo sido encerrado por falta da referida licença.

XXX. Não se encontrando preenchidos os pressupostos para a aplicação do instituto da


excepção de não cumprimento, não se encontra a Recorrida legitimada ao não
pagamento das rendas devidas pela ocupação e exploração do estabelecimento
comercial.

XXXI. Encontrando-se provado que a Recorrida não efectua o pagamento das rendas
desde Agosto de 2010, sempre poderia a Recorrente, conforme fez, lançar meio do
preceituado no art. 1083°,n º3 do Código Civil, por remissão do n.º 1 do art. 1109º do
mesmo diploma, com vista à resolução do contrato de locação por mora no pagamento
das rendas, sendo judicialmente declarada.

XXXII. O Acórdão recorrido ao revogar a decisão do Tribunal da primeira Instância violou


entre outros, o artigo 428° e 1083° do Código Civil.

A Recorrida apresentou contra-alegação em defesa da manutenção do julgado.

2. – Do conteúdo das conclusões da alegação do Recorrente, delimitadoras do objecto


do recurso, resultam colocadas as seguintes questões:

– falta de legitimidade da Ré para opor ao Autor a excepção de não cumprimento,

– por o estabelecimento locado se encontrar isento de licença de utilização, não


ocorrendo o correspondente incumprimento ou, subsidiariamente,

– por não existir reciprocidade entre as prestações consubstanciadas no pagamento das


rendas e na existência da licença para o exercício da actividade.

3. – Vem definitivamente assente o quadro factual que se transcreve. 

1. A Autora é dona e legítima proprietária de um estabelecimento de snack-bar sito na


sede das suas instalações na Rua …, sem número de polícia, na Póvoa de Varzim.

2. A 1ª Ré é a locatária do estabelecimento acima melhor identificado destinando-se tal


locação à exploração e funcionamento do snack-bar aí existente.

3. A 2ª Ré é a fiadora da 1ª Ré na locação de estabelecimento celebrada entre Autora e


1ª Ré.

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4. Na qualidade invocada no item 1, a Autora, na pessoa do seu representante legal,
locou à 1ª Ré, também na pessoa do seu representante legal, que assim o tomou, o
aludido snack-bar, por contrato escrito celebrado em 31 de Outubro de 2009.

5. Incluíram-se neste contrato, a utilização pela 1ª Ré de todos os móveis, máquinas e


utensílios que compunham o aludido estabelecimento, intervindo como outorgante neste
contrato, a 2ª Ré que se obrigou na qualidade de fiadora perante todas as obrigações da
1ª ré decorrentes do contrato, e expressamente renunciou ao princípio da excussão
prévia.

6. Tal “contrato de locação de estabelecimento”, foi celebrado pelo prazo de cinco anos,
com início no dia 1 de Novembro de 2009, e termo em 31 de Outubro de 2014, renovável
por períodos sucessivos de três anos, se nenhuma das partes entretanto o denunciasse.

7. A contrapartida monetária contratualmente acordada pela referida locação de


estabelecimento foi convencionada em EUR 12.000,00 (doze mil euros) anuais,
repartidos em duodécimos mensais de EUR 1.000,00 (mil euros), valores estes a que
acresce o NA à taxa legal, a pagar no primeiro dia útil do mês a que respeitar, na sede
da Autora, contra recibo.

8. Pelo contrato em causa, acordaram as partes no ponto nº 2 da cláusula primeira, que


caberia, ainda à Ré o pagamento das despesas dos consumos que faz de água, luz e
gás.

9. A renda convencionada não sofreu, ainda, até ao momento, qualquer actualização.

10. A 23 de Agosto de 2010, a 1ª Ré foi surpreendida com a recepção de uma carta


registada enviada pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, cujo assunto é (a)
proposta de cessação de utilização referente ao estabelecimento comercial do qual é
locatária [Consta deste documento, designadamente, que “A ordem de cessação da
utilização, nos termos e com os efeitos previstos no nº 1 do art. 109° do Decreto-lei nº
555/99, de 16 de Dezembro (JusNet 270/1999), fundamenta-se no facto de, no local em
referência se encontra instalado, em funcionamento e aberto ao público um
estabelecimento de restauração e bebidas, sem que possua a devida licença” – doc.
fls.61].

11. A Autora enviou as Rés a declaração emitida pela Câmara Municipal da Póvoa de
Varzim na qual o estabelecimento em causa se encontra dispensado de licença
municipal [Das als. B. e C. de tal declaração, datada de 26/03/2009, consta,
respectivamente, “que o imóvel construído no âmbito desta empreitada incluía um
espaço destinado à instalação de um estabelecimento de bebidas” e “que, uma vez que
a obra de construção do imóvel vindo de identificar foi levada a efeito por esta autarquia,
esteve a mesma dispensada de licenciamento municipal, nos termos da alínea b) do n° 1
do artigo 3° do Decreto-Lei n° 445/91, de 20 de Novembro (JusNet 101/1991) (na
redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro (JusNet 126/1994)),
pelo que a sua utilização não está igualmente sujeita a licenciamento nos termos do
mencionado diploma legal” – doc. fls. 62].

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12. A 2ª Ré solicitou ao Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim fotocópia
simples do processo relativo ao estabelecimento comercial [O teor deste documento é o
seguinte: “Exmo. Senhor, venho pelo presente solicitar fotocópia simples do processo
D/1 096/08 – Not. 4416/10].

13. Em finais de Fevereiro de 2011, a 1ª Ré enviou uma carta registada com aviso de
recepção ao Autor, na qual dava conhecimento ao mesmo dos danos sofridos,
resultantes do corte de abastecimento de energia, no período de 6 de Dezembro de 2010
a 9 de Janeiro de 2011.

14. Desde Agosto de 2010 as Réus não pagaram à Autora as rendas.

15. A 1ª Ré obrigava-se a efectuar as obras indispensáveis à conservação e


manutenção, bem como à limpeza do locado.

16. O mesmo sucedendo em relação à 2ª Ré.

17. Sendo a Autora AA conhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, tem de
satisfazer os seus compromissos mensais de pagamento de salários a atletas,
treinadores, professores, funcionários e pagamentos a fornecedores, bem como
continuar a prestar o serviço que há mais de 60 anos presta à comunidade local.

18. Tornando-se essencial o pagamento das rendas pelas Rés.

19. Não fosse o pagamento das rendas pela Ré, não teria a Autora celebrado tal
contrato, atento o facto desse espaço poder ser-lhe útil para outros fins mais adequados
e adaptados à sua finalidade social.

20. A falta do recebimento do valor das rendas tem causado ao Autor dificuldades no
pagamento dos seus encargos, cuja situação financeira se tem vindo a agravar.

21. Aquando da celebração do contrato de cessão e exploração/locação, o Autor


informou as Rés através da sua direcção que o imóvel onde se encontra o
estabelecimento comercial locado tinha sido construído pelo Município e, nessa medida,
não tinha carecido de quaisquer licenças. 22. E informou as rés de que, por ser um
edifício construído por entidade pública, se encontrava dispensado de licenciamento
municipal.

23. A 1ª Ré outorgou o contrato, enquanto locatária, convicta de que o locado se


encontrava licenciado para o exercício da actividade a que contratualmente se destinava,
o que foi determinante para a celebração do contrato.

24. A 1ª Ré, logo que iniciou a laboração no estabelecimento, afixou no mesmo, de forma
bem visível, o documento junto a fls. 62 assinado pelo Sr. Presidente da Câmara
Municipal de Póvoa de Varzim, cujo teor se dá por reproduzido, que lhe foi fornecido pelo
autor.

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25. Quando o contrato foi celebrado entre Autora e Ré, o estabelecimento já estava em
funcionamento há muitos anos.

26. A 1ª Ré tomou conhecimento da falta de licença de utilização do estabelecimento


locado, pelo menos, desde a recepção da carta referida na al. J) [ora no n° 10].

27. Foi nessa sequência que a 1ª Ré solicitou ao Presidente da Câmara Municipal da


Póvoa de Varzim a documentação referida em M) [ora n° 12] relativa ao estabelecimento
comercial locado.

28. Pelo menos, desde aí a 1ª Ré ficou a saber que a C. M. da Póvoa de Varzim havia
instado o autor a legalizar o estabelecimento para a pretendida utilização como
estabelecimento de restauração, nomeadamente através da carta datada de 29.8.2008
que constitui o documento junto a fls. 352 a 353 cujo teor se dá por reproduzido, e havia
comunicado ao autor a intenção da autarquia em proceder ao encerramento do
estabelecimento locado por falta de licença de utilização, nomeadamente através das
cartas que constituem os documentos juntos a fls. 356, 370 e 264, cujo teor se dá por
reproduzido, datadas de, respectivamente, 21.1.2009, 24.3.2010 e 23.8.2010 [Do doc. de
fis. 352-353 destacam-se os seguintes excertos: ” … cumpre informar que: 2.1. as obras
de construção do edifício foram promovidas pela autarquia – (. . .} – e estão, de acordo
com o disposto na alínea a) do n° 1 do art. 7° do DL 555/99, de 16.12 (JusNet
270/1999), ( …), isentas de licença administrativa; 2.2. o alvo da pretensão – emissão de
alvará de utilização de estabelecimento de restauração – carece de licenciamento
específico para a instalação, pelo que o requerente deverá apresentar um pedido de
licença de obras de instalação do estabelecimento, em conformidade com o definido no
art. 9° do DL 555/99 (…), devidamente instruído com os elementos definidos no art. 11°
da Portaria 232/2008, de 11.03 (JusNet 497/2008) e em cumprimento do disposto no
Regime Jurídico da Instalação e do Funcionamento dos Estabelecimentos de
Restauração ou de Bebidas (DL 234/2007, de 19.06 (JusNet 1457/2007))”. Do doc. de
fls. 356 consta, nomeadamente, que “fica V. Exa. notificado para, querendo, no prazo de
dez dias, a contar da recepção do presente oficio, dizer o que se lhe oferecer acerca da
projectada ordem de cessação de utilização ( …) do estabelecimento sito na Rua …, s/n,
nesta cidade” e que “caso não se pronuncie no prazo supracitado, a ordem de cessação
de utilização assume carácter definitivo”. No doc. de fls. 370 diz-se, designadamente,
que “notifico V. Exa. a cessar a utilização do estabelecimento ( … ), devendo a mesma
ocorrer no prazo de 15 dias” e que “caso não cesse a utilização do estabelecimento, no
prazo fixado, será determinado o despejo administrativo ( …)”. O doc. de fls. 264 é igual
ao de fls. 61, já referido no n° 10 supra].

29. Pelo menos a partir da consulta de tal documentação referida em M) [ora n° 12), a 1ª
Ré ficou a saber que o estabelecimento poderia ser encerrado compulsivamente pela
autarquia ou por outras entidades competentes, a qualquer momento.

30. A 1ª Ré deixou de efectuar o pagamento das rendas desde Agosto de 2010,


invocando para o efeito que a autora não lhe facultava a licença de utilização do
estabelecimento locado.

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31. Autora e lª Ré acordaram que os atletas do AA fariam as suas refeições que são
custeadas pelo Clube, no estabelecimento comercial locado e, em contrapartida, o valor
destas mesmas refeições seria mensalmente descontado no valor da renda mensal
estipulada, o que ocorreu até Agosto de 2010.

32. A partir de Setembro de 2010, os atletas do AA deixaram de fazer as suas refeições


no estabelecimento comercial locado.

33. O autor ainda não emitiu nem apresentou às RR. as facturas correspondentes às
mensalidades de Agosto de 2010 em diante.

34. O estabelecimento comercial explorado pela 1ª Ré recebe a energia eléctrica a partir


de um quadro eléctrico que alimenta energeticamente todo o edifício do Autor, o qual se
encontra na sala das máquinas das piscinas do AA e no mesmo Edifício.

35. O quadro eléctrico servia tanto o Autor como a 1ª Ré.

36. O quadro eléctrico em questão deixou de funcionar durante cerca de 30 dias situados
entre os meses de Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, em consequência do que o
estabelecimento locado deixou de receber energia eléctrica, o que lhe causou a perda de
bens consumíveis susceptíveis de deterioração em valor não apurado.

37. Em consequência do referido na resposta aos artigos 27° e 28°, a 1ª ré teve de


cancelar diversos jantares já agendados, com o que teve uma perda de rendimentos em
montante não apurado; teve uma quebra de facturação de montante não apurado pelo
período de 1 mês, devido ao encerramento das piscinas do AA e sofreu uma perda de
lucros, em valor não apurado, relativos ao período de 4 dias em que o estabelecimento
locado esteve encerrado.

38. A data de 31 de Outubro de 2009, a 2ª Ré, CC, participava, na qualidade de


directora, nas reuniões da direcção do autor, as quais se realizavam semanalmente.

4. – Mérito do recurso.

4. 1. – Licença de utilização do estabelecimento. Incumprimento do Autor.

A Recorrente acusa o acórdão impugnado de partir de uma premissa errada para


fundamentar todo o seu raciocínio, no tocante à necessidade de licença para utilização
do estabelecimento comercial, pois que terá desconsiderado a circunstância de a
Câmara Municipal ter emitido uma declaração – a fls. 62 dos autos – em que se afirma
que a utilização do estabelecimento não está sujeita a licenciamento.

Assim, conclui (cfr. conclusão IX), “conforme decorre desse documento … a utilização do
estabelecimento em crise “não necessita de qualquer licenciamento”.

Está em causa a afirmação dos Julgadores da 2ª Instância em que se escreve: “Não vem
questionado e está provado que o estabelecimento cuja exploração foi cedida pelo autor
à recorrente se destinou à actividade de restauração (snack-bar), que o alvará ou a

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licença de utilização era e é necessário para o exercício dessa actividade (é imposição
do art. 10º do DL 234/2007, de 19/6 (JusNet 1457/2007)), que aprovou o regime de
instalação e funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas que anda
vigora) e que o autor (a quem competia diligenciar pela obtenção dessa licença e a quem
a competente autarquia a vinha exigindo desde finais de Agosto de 2008, quando o
estabelecimento ainda era explorado por ele) não diligenciou pela obtenção do
respectivo alvará de utilização (…)”.

Em contraponto, a convocada declaração de fls. tem o conteúdo útil mencionado no facto


10., ou seja, declara-se «Que o imóvel construído no âmbito desta empreitada incluía um
espaço destinado à instalação de um estabelecimento de bebidas» e “Que, uma vez que
a obra de construção do imóvel vindo de identificar foi levada a efeito por esta autarquia,
esteve a mesma dispensada de licenciamento municipal, nos termos da alínea b) do n° 1
do artigo 3° do Decreto-Lei n° 445/91, de 20 de Novembro (JusNet 101/1991) (na
redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro (JusNet 126/1994)),
pelo que a sua utilização não está igualmente sujeita a licenciamento nos termos do
mencionado diploma legal».  

O Recorrente não tem ponta de razão.

Com efeito, como bem sabe, e consta do facto 28., foi informado pela Câmara Municipal,
pela carta datada de 29.8.2008, que constitui o documento junto a fls. 352 a 353, que:
“2.1. as obras de construção do edifício foram promovidas pela autarquia – (. . .) – e
estão, de acordo com o disposto na alínea a) do n° 1 do art. 7° do DL 555/99, de 16.12
(JusNet 270/1999), ( …), isentas de licença administrativa; 2.2. o alvo da pretensão –
emissão de alvará de utilização de estabelecimento de restauração – carece de
licenciamento específico para a instalação, pelo que o requerente deverá apresentar um
pedido de licença de obras de instalação do estabelecimento, em conformidade com o
definido no art. 9° do DL 555/99 (…), devidamente instruído com os elementos definidos
no art. 11° da Portaria 232/2008, de 11.03 (JusNet 497/2008) e em cumprimento do
disposto no Regime Jurídico da Instalação e do Funcionamento dos Estabelecimentos de
Restauração ou de Bebidas (DL 234/2007, de 19.06 (JusNet 1457/2007))”.

Não é, assim, possível, como pretende o Autor, estabelecer confusão ou identificar o


licenciamento municipal das obras da iniciativa das autarquias locais, cuja isenção (de
licença de construção e de utilização) está prevista no art. 3º-1-b) do DL 445/91, de 20-
11 (JusNet 101/1991) (Regime de licenciamento de obras particulares), invocado na
declaração de fls. 62, assim como no art. 7º-1-a) do DL 555/99, de 16–12 (Regime
Jurídico da urbanização e edificação – RJUE), por um lado, com o licenciamento –
concessão de licença ou de autorização para estabelecimento de restauração ou de
bebidas – exigido pelo DL 234/2007, de 19-6 (JusNet 1457/2007) (Regime jurídico da
instalação e do funcionamento de restauração ou de bebidas – RJIFERB), licença a
conceder também nos termos do citado RJUE, como decorre do disposto nos arts. 6º-2 e
10º do mesmo  RJIFERB, .

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Como esclareceu a Câmara Municipal, não está em causa a isenção de licença
administrativa, que se mantém, mas a falta de “licenciamento específico para a
instalação” do estabelecimento de restauração, a impedir a continuação da sua
utilização. 

Numa palavra, não há qualquer dúvida que a falta de licença ou autorização é, como
bem se refere no acórdão, a atinente à instalação ou modificação do estabelecimento,
prevista nos aludidos 6º a 12º do DL 234/2007, respeitando, por expressa remissão
desses preceitos do mesmo DL, os procedimentos previstos no DL 555/99.

Não merece, portanto, qualquer censura a premissa de que partiu a decisão recorrida,
improcedendo a conclusão do Recorrente segundo a qual o estabelecimento não precisa
de qualquer licenciamento.

4. 2. – Excepção de não cumprimento do contrato.

O Recorrente sustenta não existir reciprocidade entre as prestações contratuais, que são
o gozo do prédio em conjunto com a exploração do estabelecimento e o pagamento das
rendas e não entre a existência da licença para o exercício da actividade

Para tanto, argumenta com o facto de o contrato de locação de estabelecimento se


encontrar actualmente previsto no art. 1109º do Código Civil, pelo que, havendo
equiparação legal entre os contratos de locação de estabelecimento e de arrendamento
comercial, também quanto ao sinalagma há identificação entre os mesmos.

Por isso, mantendo-se a Ré no gozo do locado, jamais poderia opor como exceptio a
retenção das rendas.

Ter-se-ia como aceitável a posição proposta pelo Recorrente se, como o mesmo
pretende, tudo se reconduzisse a uma questão de cumprimento das prestações
recíprocas de um típico contrato de arrendamento comercial.

Aí, sim, não caberia ao locador, mas ao locatário obter, a licença de utilização para a
específica actividade que se proporia exercer no local arrendado.

Tem-se entendido, de facto, ser de proceder à distinção entre licença de utilização para o
exercício de uma actividade genérica (v.g., habitação, comércio, indústria, etc.) e a
licença de utilização ou de funcionamento para o exercício de qualquer espécie desse
género (restaurante, farmácia, consultório médico, etc.).

A primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para


necessidades comuns a certo tipo de utilização, enquanto a segunda, em regra
equivalente a um alvará para o exercício de certo ramo (que pode implicar a realização
de obras internas, instalações especiais e definição de áreas de compartimentos)
cumpre a quem pretende exercer a actividade específica, em caso de arrendamento, ao
arrendatário (cfr. ac. de 19-02-2008 – proc. 08A194 (JusNet 546/2008), em que o aqui
relator interveio como adjunto).

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Acontece, porém, que como do referido preceito consta, a locação de estabelecimento
(cessão de exploração comercial) não abrange apenas a transferência temporária e
onerosa do gozo dum imóvel, mas inclui, em conjunto, a exploração de um
estabelecimento nele instalado, regendo-se pelas regras do arrendamento, com as
necessárias adaptações.

Cede-se, em conjunto e a um tempo, o gozo dum imóvel e o de um estabelecimento que,


como universalidade, é coisa móvel, tudo mediante ma retribuição unitária que engloba a
renda em sentido estrito e a contrapartida dos móveis e direitos que constituem o
estabelecimento.

Ora, de um tal objecto contratual híbrido, bem se vê que tanto a prestação de cedência
do gozo como a de retribuição não coincidem com as típicas do contrato de
arrendamento, na medida em representam um misto que abrange, mediante
contraprestação única, o gozo do prédio e o da universalidade de direito. 

Pode, assim, concluir-se que o sinalagma do preço locativo, que se apresenta como uma
prestação com a natureza de obrigação indivisível, é o misto de cedência do gozo do
imóvel (arrendamento) mais, de forma também indissociável, o da exploração do
estabelecimento.

Não pode, pois, perder-se de vista essa especificidade, para, em conformidade, dever
aceitar-se que, em sede de reciprocidade de prestações, se está para além do linear
vínculo do contrato de locação, tal como o define o art. 1022º C. Civil e ressalva o art.
1109º-1, parte final.   

O estabelecimento comercial traduz-se numa estrutura material e jurídica que integra,


com autonomia, uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas (direitos de crédito,
clientela e direitos de exploração ou funcionamento) organizadas e funcionalmente
dirigidas à realização de uma actividade lucrativa

Nessa universalidade que constitui o estabelecimento comercial integra-se a licença


administrativa de autorização de funcionamento, como “elemento essencial da sua
estrutura orgânica e funcional, pois que sem ela não é possível a laboração” (ac. STJ, de
24-01-2012 – Proc. 239/07.0TBSTS.P1.S1 (JusNet 303/2012)).

No caso, a licença em falta, para a valência que foi cedido o estabelecimento, constitui, a
nosso ver, um dos seus elementos incorpóreos essenciais, por sem ela ser impossível a
continuação da exploração e imposto o encerramento, cuja existência deve ser
assegurada pelo locador.

Sem ela, só pode manter-se uma laboração em termos precários, a cada dia dependente
da efectiva intervenção das autoridades administrativas, no sentido da materialização do
anunciado encerramento.

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E tal precaridade acontece porque o Autor, enquanto devedor na obrigação de
titularidade da licença, não realizou a prestação a que estava vinculado nem se propôs
realizá-la, assim incumprindo o seu dever contratual – art. 762º-1 C. Civil.

Ao assim agir, o Autor cumpriu defeituosamente a prestação a que estava vinculado e,


enquanto não ocorrer a perda de interesse da Ré, eventualmente conducente à
resolução do contrato, encontra-se em mora – arts. 432º-1, 801º-1 e 2, 808º e 804º-2,
todos do C. Civil.

Com efeito, a prestação do Recorrente integrava o dever de entrega do estabelecimento


em condições de permitir a sua pacífica exploração, o que está, como se disse,
dependente ou condicionado pela existência de licenciamento para o ramo de negócio
para que a cessão teve lugar, como elemento integrante do objecto contratual, na sua
globalidade.

Ao fazer a entrega, e persistindo mantê-la, sem o licenciamento necessário ao


funcionamento normal do estabelecimento, o Recorrente incumpriu, ou cumpriu
defeituosamente, a sua obrigação de entrega do bem para o fim convencionado e a que
se destinava – arts. 406º-1, 762º-1 e 763º-1 e 1031º-b) do mesmo Código (cfr. neste
sentido, o ac. STJ, de 13-7-2004, CJ XII-II.145).   

A Ré não pediu, apesar disso, a não ser subsidiariamente, a resolução do contrato,


declarando manter interesse na sua manutenção, antes se propondo cumprir a sua
prestação quando a Autora puser termo ao incumprimento em que se encontra, ou seja,
invocando a excepção de não cumprimento do contrato.

Requisitos da excepção de não cumprimento do contrato, enquanto meio de defesa


temporário ou excepção dilatória de direito material, são, como do art. 428º C. Civil
resulta, a inexistência de prazos diferentes para cumprimento das prestações recíprocas
e o não cumprimento ou oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação,
sendo que, deduzida a excepção, ela só poderá ser afastada pela prova de que o
excepcionante estava obrigado a cumprir em primeiro lugar, de que o contraente a quem
é oposta já cumpriu a sua obrigação ou de que ofereceu o seu cumprimento simultâneo
(J. J. ABRANTES, “A excepção de não cumprimento do contrato”, pg. 91; CALVÃO DA
SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 335).

Ao opor a exceptio o excipiente suspende a execução da prestação a que está adstrito


até à realização da contraprestação pela outra parte, colocando-se numa posição de
recusa provisória de cumprimento, que o direito acolhe como uma causa justificativa de
incumprimento em homenagem ao princípio da simultaneidade do cumprimento das
obrigações recíprocas que nos contratos sinalagmáticos são também reciprocamente
causais.

Consequentemente, oposta a excepção, o excipiens vê suspensa a exigibilidade da sua


prestação, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do
outro contraente que deu causa à invocação da exceptio.

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Havendo vínculo sinalagmático a excepção é oponível desde que um dos contraentes
não esteja obrigado por lei ou pelo contrato a cumprir a sua obrigação antes do outro.

Como se deixou já dito, as Partes têm direito ao exacto e pontual cumprimento e ao


dever e o direito de cumprir, tudo nos precisos termos convencionados, devendo a
prestação ser realizada integralmente e não por pares, excepto se outro for o regime
convencionado – arts. 406º-1, 762º-1 e 763º-1 C. Civil.

O cumprimento defeituoso integra um dos modos de não cumprimento das obrigações,


que permite ao credor da prestação imperfeita o recurso à excepção do não
cumprimento do contrato (P. ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso em
especial na compra e venda e na empreitada”, 324).

Não se tratando de um incumprimento total, mas de uma prestação executada


deficientemente, ocorre a denominada “exceptio non rite adimpleti contractus”.

No caso sob análise, a prestação do Recorrente, enquanto locador do estabelecimento,


revelou-se uma prestação defeituosa ou mal executada, pois que não correspondeu à
efectivamente devida.

É, assim, seguro que o Recorrente, a quem a excepção foi oposta, não cumpriu a
prestação a que estava adstrito contratualmente, encontrando-se demonstrada a
desconformidade entre a prestação devida e a realmente efectuada.

O Recorrente executou materialmente a prestação mas, apesar disso, não cumpriu a


obrigação a que estava vinculado, pois que não foi satisfeito o interesse do credor.

A prestação devida, ou seja, a entrega do estabelecimento licenciado, em cumprimento


da obrigação, devia ter sido efectuada ao tempo em que o foi defeituosamente.

Por outro lado, porque, como também se deixou dito, não se cuida de um mero contrato
de arrendamento, não se tem por afastado o sinalagma contratual.

Ora, estando em causa o direito ao cumprimento exacto e pontual, o contraente que


cumpre defeituosamente não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação
enquanto não sanar os defeitos da sua prestação, só adquirindo o direito àquela quando,
prévia ou simultaneamente, se oferecer para reparar o mau cumprimento, ou seja,
quando se proponha satisfazer a prestação devida e acordada ab initio (neste sentido,
por todos, cfr. ac. STJ, de 28/3/06, Proc. 06A415, ITIJ).

Entretanto, porque está em mora relativamente à eliminação ou sanação da falta e


enquanto o estiver, o locador incumpridor pode ver ser-lhe oposta pelo locatário a
exceptio non rite adimpleti contractus, o qual não é obrigado a pagar o preço sem que
aquela sanação tenha lugar, no que se revela ainda a função coerciva da exceptio (vd.
CALVÃO DA SILVA, ob. cit., 336).   

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Resta dizer que, a uma inexecução parcial, como é a que deve corresponder a um
cumprimento defeituoso, só poderá, em regra, ser oposta uma recusa de prestação
também parcial.

Com efeito, o que aí pode estar em causa é o restabelecimento do «equilíbrio das


prestações, ainda por cumprir, as quais ficariam novamente sujeitas à regra do
cumprimento simultâneo» (cfr. A. e ob. cit., 110, citando ESPÍN CÁNOVAS e VON
TUHR).

Ora, porque assim é, postula o princípio do equilíbrio das prestações (art. 237º C. Civil)
que a parte da prestação recusada se apresente em relação de proporcionalidade com a
parte incumprida pela outra parte.

Referindo-se especificamente à exceptio non rite adimpleti contractus, J.J. ABRANTES


(ob. cit., 115-116), que se acompanha, escreve que “normalmente ela apenas poderá
encontrar-se justificada em termos meramente parciais, os bastantes para repristinação
do equilíbrio sinalagmático”, para terminar, afirmando que, no cumprimento parcial ou
defeituoso, “o devedor apenas poderá recusar a prestação na parte proporcional ao
incumprimento do outro contraente. É um dos aspectos da relevância do princípio geral
da boa fé (…)”    

Acontece, porém, que, no caso, está predominantemente em causa o constrangimento


da contraparte a que complete a sua prestação, de natureza juridicamente indivisível e
insusceptível de cumprimento parcial, traduzindo-se o seu incumprimento num iminente
risco de impossibilidade de execução do contrato, com a perda total do gozo do imóvel e
da exploração do estabelecimento, por facto que lhe é exclusivamente imputável e
susceptível de gerar perda de interesse passível de fundamentar o direito à resolução
(cfr., sobre o ponto, VAZ SERRA, BMJ 67º-38 e J.J. ABRANTES, cit., 111).

Nesta conformidade, perante a oferta de uma prestação parcial defeituosa, deverá ter-se
por legitimada a recusa do pagamento da contraprestação convencionada até que seja
oferecida, por inteiro, a prestação devida, sem que se mostrem desrespeitados os
princípios da proporcionalidade, da adequação e da boa fé a que se aludiu supra.

O acórdão impugnado não merece, assim, a censura que lhe vem dirigida.

4. 3. – Resolução do contrato.

Reconhecido o direito da Recorrida a opor a exceptio nos termos declarados,


reconhecida fica a subsistência do contrato, encontrando-se, consequentemente,
prejudicada a apreciação do direito à resolução do contrato, formulado pelo Autor e
Recorrente, por falta de pagamento das rendas (mora da Ré). 

4. 4. – Respondendo às questões inicialmente enunciadas, pode, em síntese conclusiva,


afirmar-se que:

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Não são confundíveis as licenças de construção e de utilização, e respectivo regime de
isenção, previstas no art. 3º-1-b) do DL 445/91, de 20-11 (JusNet 101/1991) e no art.
7º-1-a) do DL 555/99, de 16-12 (JusNet 270/1999), por um lado, e o licenciamento de
autorização para estabelecimento de restauração ou de bebidas, exigido pelo DL
234/2007, de 19-6 (JusNet 1457/2007), a conceder também nos termos do DL 555/99,
como decorre do disposto nos arts. 6º-2 e 10º do DL 234/2007, por outro lado.

O contrato de locação de estabelecimento comercial apresenta-se com objecto


contratual híbrido, em que tanto a prestação de cedência do gozo como a de retribuição
não coincidem com as prestações típicas do contrato de arrendamento, na medida em
representam um misto que abrange, mediante contraprestação única, o gozo do prédio e
o da universalidade de direito.

Por isso, o sinalagma do preço locativo, como prestação com a natureza de obrigação
indivisível, é o misto de cedência do gozo do imóvel (arrendamento) mais, de forma
também indissociável, o da exploração do estabelecimento.

Na universalidade que constitui o estabelecimento comercial integra-se a licença


administrativa de autorização de funcionamento, cuja existência deve ser assegurada
pelo locador, como “elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que
sem ela não é possível a laboração”.

Ao fazer a entrega do estabelecimento, e persistindo mantê-la, sem o licenciamento


necessário ao funcionamento normal do estabelecimento, o locador incumpre, ou cumpre
defeituosamente, a sua obrigação de entrega do bem para o fim convencionado e a que
se destinava, encontrando-se demonstrada a desconformidade entre a prestação devida
e a realmente efectuada.

Estando em causa o direito ao cumprimento exacto e pontual, o contraente que cumpre


defeituosamente não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação enquanto não
sanar os defeitos da sua prestação, só adquirindo o direito àquela quando, prévia ou
simultaneamente, se oferecer para reparar o mau cumprimento, ou seja, quando se
proponha satisfazer a prestação devida e acordada ab initio.

Porque está em mora relativamente à eliminação ou sanação da falta e enquanto o


estiver, o locador incumpridor pode ver ser-lhe oposta pelo locatário a exceptio non rite
adimpleti contractus, o qual não é obrigado a pagar o preço sem que aquela sanação
tenha lugar, no que se revela ainda a função coerciva da exceptio.

Perante a oferta de uma prestação parcial defeituosa, em que está predominantemente


em causa o constrangimento da contraparte a que complete a sua prestação, de
natureza juridicamente indivisível e insusceptível de cumprimento parcial, traduzindo-se
o seu incumprimento num iminente risco de impossibilidade de execução do contrato,
com a perda total do gozo do imóvel e da exploração do estabelecimento, por facto que
lhe é exclusivamente imputável e susceptível de gerar perda de interesse passível de
fundamentar o direito à resolução, deverá ter-se por legitimada a recusa do pagamento

18/19
da contraprestação convencionada até que seja oferecida, por inteiro, a prestação
devida, sem que se mostrem desrespeitados os princípios da proporcionalidade, da
adequação e da boa fé.

5. – Decisão.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

 – negar a revista;

 – confirmar o acórdão recorrido; e,

 – condenar o Recorrente nas custas.

Lisboa, 14 Outubro 2014

DL n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966 (Código Civil) (JusNet 1/1966) art. 428; art.
762.1; art. 1109

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