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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 2149/19.7YLPRT.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09-09-2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1– A lei, no artº 1097º nº 1 do CC, estabelece prazos
mínimos de antecedência de comunicação não
impedindo que as partes possam, livremente,
estipular prazos superiores para o senhorio
comunicar a sua oposição à renovação do
contratode arrendamento.
2– Da conjugação do artº 10º nº 2 al. d) e nºs 3 e 4
da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção dada pela Lei
43/2017, de 14/06, decorre que o envio de uma 2ª
carta ao inquilino, visando comunicar a oposição à
renovação do contrato, remetida entre o trigésimo e
o sexagésimo dia sobre a data do envio da primeira
- que o inquilino não recebeu - constitui condição
de eficácia dessa primeira declaração de oposição à
renovação do contrato, tornando-a eficaz.

3–O inquilino só incorre em mora na restituição do


locado após ter sido interpelado para o restituir.

(Sumário elaborado pelo Relator)


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação
de Lisboa:

I–RELATÓRIO.
1–JFOC iniciou procedimento especial de despejo
no Balcão Nacional de Arrendamento contra BF.

Alegou, em síntese, que celebrou, em 14/07/2011,


com o requerido, contrato de arrendamento para
habitação, relativo ao 2º esquerdo do nº ... da Rua
…, Lisboa, pelo prazo de cinco anos, com início a
01/07/2011, renovável automaticamente por
períodos de três anos. Em 21/06/2018 o requerente
comunicou ao requerido a sua oposição à
renovação do contrato – que se renovara a
30/06/2016 até 30/06/2019 – por meio de carta
registada com aviso de recepção, carta essa que
veio devolvida por o requerido não ter procedido
ao seu levantamento apesar de avisado me
25/06/2018. O requerente remeteu ao requerido
nova carta registada com aviso de recepção, em
22/07/2018, a qual foi recebida a 25/07/2018,
igualmente a manifestar a sua oposição à
renovação do contrato, com efeitos a partir de
30/06/2019.
O requerido não devolveu o locado. Nos termos do
contrato, o inquilino está obrigado a pagar o dobro
do valor da renda (879,54€) pela mora na
restituição, actualmente no valor de 1 759,08€,
correspondentes aos meses de Julho e Agosto de
2019, acrescidos de juros de mora à taxa legal de
4%, bem como no pagamento das quantias
vincendas e juros de mora até à desocupação e
entrega do imóvel, à razão de 879,54€ por mês a
dividir por cada dia de atraso.

2–Notificado, o requerido deduziu oposição ao


procedimento.
Alegou que tendo ocorrido renovação do contrato,
por três anos, em 30/06/2016 até 30/06/2109, a
comunicação/notificação de oposição à renovação
do contrato teria de ocorrer até 30/06/2018, o que
não sucedeu, pelo que o contrato se renovou
automaticamente até 30/06/2022. Além disso, o
aviso de recepção apresenta vício grave por não
confirmar a identidade da pessoa que a recebeu.

3–O requerente respondeu à excepção de


caducidade do direito de denúncia do contrato,
defendo que deve considerar-se eficaz a
comunicação de oposição à renovação do contrato.
4–Remetidos os autos à distribuição pelo juízo cível
competente, a 1ª instância, por entender que os
autos continham já todos os elementos que
permitiam uma decisão final, facultou às partes a
possibilidade de alegarem, por escrito, de facto e de
direito.
4.1-O requerente alegou, reiterando os argumentos
já anteriormente expendidos e acrescentando que o
requerido actua em abuso de direito ao não
reconhecer ter sido devidamente notificado com
tempo mais que suficiente, 11 meses, para
reorganizar a sua vida e desocupar o locado.
4.2-O requerido, no essencial, reiterou o que já
havia alegado e acrescentou a referência ao artº 8º,
al. c) da Lei 16/2020, relativo à suspensão da
produção de efeitos da oposição à renovação do
contrato.

5–Remetido o procedimento para o juízo local cível


de Lisboa, foi proferida sentença, a 27/02/2021,
com o seguinte teor decisório:
“Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se
improcedente a ação e, em consequência, absolve-
se o R. BF do pedido.”

6–Inconformado, o requerente interpôs o presente


recurso, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A)-A sentença recorrenda não fez uma correcta
interpretação dos normativos aplicáveis ao caso
sub judice porquanto deveria ter aplicado o
imperativo legal dos 120 dias de pré aviso para
comunicação da cessação por oposição à sua
renovação, do contrato de arrendamento sub
judice, nos termos do artº 1097º/1 al. b) do CC,
aliás expressamente invocado pela Mª Juiz a quo,
uma vez que, caso o tivesse feito, então teria sido
mais que suficiente que a comunicação se tivesse
concretizado até 38/02/2019 i.e. 120 dias anteriores
à data do termo em curso – 30/06/2019, pelo que,
tendo-se concretizado materialmente em
25/07/2018, deverá ter-se por válida e eficazmente
caducado em 30/06/2019 o contrato de
arrendamento sub judice, e, consequentemente,
deverá ser revogada a sentença ora recorrenda e
substituída por outra ordenando a desocupação do
locado e condenado o Recorrido no pedido
indemnizatório de 13 193,10€ correspondentes ao
pagamento em dobro das rendas mensais devidas
desde 1 de Julho de 2019 atá ao presente e das que
se vencerem até à entrega efectiva do locado livre e
desocupado ao recorrente acrescidas dos
respectivos juros de mora.
B)-A sentença recorrenda ao não resolver todas as
questões submetidas em violação do artº 608º/2 do
CPC, mormente, não tendo apreciado nem se tendo
sequer pronunciado acerca do abuso de direito
expressamente invocado pelo recorrente, padece de
vício de nulidade nos termos e para os efeitos
contidos no artº 615º/1 al. d) do CPC pelo que
deverá ser revogada e substituída por outra que
venha a considerar provada a conduta do
recorrido como integradora de abuso de direito e, a
final, dar como procedente o pedido do Recorrente,
no sentido da eficácia da comunicação, dirigida em
21/06/2018, quanto ao efeito extintivo do contrato a
que a oposição à renovação se dirigiu, devendo ser
decidida a desocupação do locado e condenado o
Recorrido no pedido indemnizatório de 13 193,10€
correspondentes ao pagamento do dobro das
rendas mensais devidas desde 1 de Julho de 2019
até ao presente e das que se vencerem até à entrega
efectiva do locado livre e desocupado ao
Recorrente acrescidas dos respectivos juros de
mora.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá ser
concedido provimento ao presente recurso,
revogando a sentença recorrida, devendo ser
substituída por outra condenando-se o apelado no
pedido.

7–O requerido contra-alegou, formulando as


seguintes CONCLUSÕES:
- A denúncia do contrato não respeitou o prazo de
1 ano contratualmente estabelecido, para que
pudesse produzir os efeitos que o A. pretende.
Assim, o contrato de arrendamento foi renovado
por mais três anos, vigorando até 30.06.2022.
E perante esses factos (provados) a M.ª Juiz do
Tribunal “a quo” apenas podia decidir tal como
decidiu.
Improcedem, por tudo isto, os argumentos do
recurso da Apelante.
Bem andou, pois, a M.ª Juiz “a quo” ao decidir
como decidiu.
***

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo
teor do requerimento de interposição (artº 635º nº
2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº
1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo
recorrido nas contra-alegações em oposição
àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem
embargo de eventual recurso subordinado (artº
633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento
oficioso cuja apreciação ainda não se mostre
precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela
recorrente, é a seguinte a questão que importa
analisar e decidir:
- Se há fundamento para considerar eficaz a
comunicação de oposição à renovação do contrato
de arrendamento e, em consequência, decretar o
despejo do locado.

Vejamos.

***

2–Matéria de Facto.

É a seguinte a factualidade decidida pela 1ª


instância e que não mereceu qualquer oposição por
banda das partes:
1.-A propriedade da fração autónoma
correspondente ao 2º andar esquerdo do imóvel
sito na Rua…nº ..., Lisboa, imóvel ainda não
constituído em propriedade horizontal, inscrito na
matriz predial urbana da freguesia de … (extinta
…), sob o art. …, encontra-se registada a favor do
requerente.
2.-Mediante contrato escrito celebrado em 14 de
Julho de 2011, o requerente deu de arrendamento
ao requerido, para sua habitação, o referido andar.
3.-O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco
anos, com inicio em 01 de Julho de 2011,
renovando-se automática e sucessivamente por
períodos de 3 anos.
4.-Foi ainda contratado que o senhorio poderia
denunciar o contrato, com a comunicação de não
renovação, com a antecedência de 1 ano.
5.-A renda foi fixada em 2011, no valor mensal de €
400, a pagar por transferência bancária, no
primeiro dia útil do mês anterior àquele a que diz
respeito.
6.-A renda mensal encontra-se atualmente fixada
em € 439,77.
7.-Por carta datada de 21 de Junho de 2018, o A.
comunicou ao R. a sua intenção de oposição à
renovação do presente contrato de arrendamento,
o que se renovara em 30.06.2016, por um período
de 3 anos, findando em 30.06.2019, por carta
registada com aviso de receção RH166647985PT,
enviado para a Rua…., nº ..., 2º esquerdo, Lisboa.
8.-A referida carta e o aviso vieram devolvidos via
CTT, com informação que não foi reclamada,
apesar de ter sido deixado aviso de levantamento,
em 25.06.2018.
9.-O A. remeteu nova carta registada com o aviso
de receção RH083330325PT, com data de 22 de
Julho de 2018, a qual foi rececionada pelo R., em
25.07.2018, carta essa no mesmo sentido da
anterior, ou seja, a comunicar a oposição à
renovação do contrato de arrendamento celebrado
com o R., com efeitos a partir de 30.06.2019, e
solicitar ao R. a entrega da casa até 30.06.2019.
10.-Ao longo do ano de 2019, têm sido frequentes
os contactos do A. com o R., por via escrita e
telefónica, a fim de ficar explicito que a fração
objeto do arrendamento teria de ser entregue até
30 de Junho de 2019, até por motivo de obras
urgentes e gerais que se encontram em curso no
prédio.
11.-Tal como comunicado e explicado ao R., desde
pelo menos Junho de 2018 que a não devolução ao
A. da fração do 2º esquerdo, ocupada pelo R. está a
ser causa direta do facto das obras do 1º andar
esquerdo (livre), consistentes na reconstrução do
respetivo tecto, estarem paradas dado que o A.
necessita de deitar abaixo o chão da cozinha do 2º
andar esquerdo (ocupado pelo R.), para poder
tecnicamente proceder a esta reparação, para além
de que o telhado do prédio ter de ser substituído e
o 2º andar ser o último, necessitando estar
desocupado.
12.-O R. tem sido avisado, diversas vezes, desde
Dezembro de 2018 e ao longo de 2019, destes factos
pelo A. e até pelo empreiteiro FGF.
13.- O R. tem pago as rendas mensais atualizadas,
não tendo o A. recusado o seu recebimento.

***

3–A Questão Enunciada.

A pretendida revogação da sentença tem dois


fundamentos:
-i)aplicação ao caso, do prazo de 120 dias para
comunicação da oposição à renovação do contrato,
previsto na al. b) do nº 1 do artº 1097º do CC;
-ii)a eficácia da comunicação de oposição à
renovação do contrato, feita pela 2ª carta registada
com aviso de recepção.

Vejamos cada um deles.

3.1- A (pretendida) aplicação do prazo de 120 dias


do artº 1097º nº 1, al. b) do CC.
No ponto A) das suas Conclusões, o autor/apelante
defende que deveria ter sido aplicado o prazo
imperativo legal dos 120 dias de pré-aviso para
comunicação da cessação por oposição à sua
renovação, do contrato de arrendamento em causa,
nos termos do artº 1097º nº 1 al. b) do CC, e caso o
tivesse feito, teria sido mais que suficiente que a
comunicação se tivesse concretizado até 38/02/20,
isto é 120 dias anteriores à data do termo em curso
(30/06/2019), pelo que tendo-se concretizado em
25/07/2018, a comunicação de oposição deverá ter-
se por válida e eficazmente caducado o contrato em
30/06/2019.
Pois bem, a questão que se coloca é a de saber se ao
caso em discussão se aplica o prazo de pré-aviso, de
comunicação da oposição à renovação do contrato
pelo senhorio, estabelecida no artº 1097º nº, al d) –
que estabelece uma antecedência mínima de 120 dias se o prazo de
duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a
um ano e inferior a seis anos –
ou se se aplica o prazo de
antecedência de um ano estabelecido pelas partes
na Cláusula Primeira nº 3 do contrato.

Vejamos então.
Estipularam as partes na Cláusula Primeira do
Contrato:
“1-O presente arrendamento é feito pelo prazo de cinco anos e tem o
seu início e, 1 de Julho de 2011, terminando a 30 de Junho de 2016.
2-(…)
3- A partir de 30 de Junho de 2016, este contrato será renovado por
períodos sucessivos de três anos, se não for validamente denunciado
com a antecedência mínima de um ano no caso do senhorio e de 120
dias no caso do inquilino, relativamente ao seu final, através de carta
registada com aviso de recepção.”

Não há dúvida de que estamos perante um


contrato de arrendamento para habitação celebrado
por prazo certo, visto que as partes fizeram constar
esse prazo, de cinco anos, na cláusula 1ª nº 1 do
contrato, como de resto estabelece o artº 1095º nº 1
do CC.

Por outro lado, por convenção das partes,


igualmente constante da cláusula 1ª nº 1, primeira
parte, acordaram elas na renovação automática do
contrato por sucessivos períodos de três anos.

Ora, quando assim sucede, tratando-se de contrato


de arrendamento para habitação, por prazo certo,
com cláusula de renovação sucessiva, qualquer das
partes pode por termo ao contrato através de
oposição à renovação (artº 1096º nº 3 do CC, na
redacção da Lei 31/2012, de 14/08).

Tratando-se de contrato com renovações sucessivas


por períodos de três anos, de acordo com o artº
1097º nº1, al. b) do CC (redacção da Lei 31/2012), a
antecedência mínima de comunicação da oposição
à renovação do contrato é de 120 dias.
Ora a questão que se coloca é saber se os prazos
estabelecidos nas diversas alíneas do artº 1097º nº 1
do CC - consoante os prazos de duração do contrato ou da sua
renovação - são prazos absolutamente imperativos, que
não permitem que as comunicações de oposição à
renovação seja efectuadas com períodos de
antecedência diferentes, ou se se tratam de prazos
imperativos mínimos, que possibilitam às partes
estipular prazos de comunicação de oposição à
renovação superiores àqueles.
Segundo entendemos, trata-se da determinação de
prazos mínimos que não impedem as partes de,
livremente, estipulem prazos superiores para o
senhorio comunicar a oposição à renovação do
contrato.
Na verdade, quanto à letra, é a própria lei que no
proémio do nº 1 do artº 1097º refere expressamente
que esses prazos previstos nas diversas alíneas
estabelecem uma antecedência mínima.
Por outro lado, atendendo à ratio da norma, que
visa estabelecer um prazo razoável mínimo de
protecção ao inquilino face à cessação do contrato,
nada impede que as partes estipulem prazo de
oposição à renovação superior àqueles prazos
mínimos legais.
A esta luz, somos a entender que não tem razão o
senhorio/apelante ao pretender a aplicação do
prazo de 120 dias referido no artº 1097º nº 1, al. b)
do CC, afastando o prazo de um ano que foi
livremente convencionado no contrato.
Em suma, não se aplica ao caso o prazo de 120 dias
do artº 1097º nº 1 do CC.

3.2–A Eficácia da comunicação da oposição à


renovação do contrato.
A questão que se coloca é a de saber se foi ineficaz,
por extemporaneidade, a declaração do
requerente/senhorio de oposição à renovação do
contrato de arrendamento para o termo de
30/06/2019 – tese defendida pelo requerido e adoptada na
sentença da 1ª instância – ou se, pelo contrário, essa
declaração de oposição à renovação foi eficaz e, por
isso, o contrato cessou em 30/06/2019.

Na sentença, a 1ª instância entendeu que:


“O referido contrato renovou-se em 30.06.2016, por um período de 3
anos, findando em 30.06.2019.
Sucede que, por carta datada de 21 de Junho de 2018, o A. comunicou
ao R. a sua intenção de oposição à renovação do presente contrato de
arrendamento, por carta registada com aviso de receção
RH166647985PT, enviado para a Rua dos Açores, nº 48, 2º esquerdo,
1000-005 Lisboa. No entanto, a referida carta e o aviso vieram
devolvidos via CTT, com informação que não foi reclamada, apesar de
ter sido deixado aviso de levantamento, em 25.06.2018.
Posteriormente, o A. remeteu nova carta registada com o aviso de
receção RH083330325PT, com data de 22 de Julho de 2018, a qual foi
rececionada pelo R., em 25.07.2018, carta essa no mesmo sentido da
anterior, ou seja, a comunicar a oposição à renovação do contrato de
arrendamento celebrado com o R., com efeitos a partir de 30.06.2019, e
solicitar ao R. a entrega da casa até 30.06.2019.
A questão que se coloca é pois a da eficácia da comunicação efetuada
pelo A..”
(…)
“Na análise desta questão é necessário ainda atender ao disposto no
art. 9º, nº1 do NRAU (Lei nº 6/2006 de 27.02), que refere que as
comunicações entre as partes relativas à cessação do contrato de
arrendamento são realizadas por escrito, assinadas pelo declarante e
remetidas por carta registada com aviso de receção.
Da mesma forma, da conjugação do disposto no nº 1 e nº2, al. c) do art.
10º da mencionada Lei resulta que, a comunicação não se considera
realizada se as cartas forem devolvidas por não terem sido levantadas
no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
Nas situações em que isso suceda, “o remetente deve enviar nova carta
registada com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias
sobre a data do envio da primeira carta” (art. 10º, nº3 do NRAU),
considerando-se que a comunicação é recebida no 10º dia posterior ao
seu envio, caso a nova carta venha devolvida ou não seja recebida (art.
10º, nº4 e nº5, al. b) do NRAU).
No caso dos autos, atenta a matéria de facto provado verificou-se que a
comunicação a denunciar o contrato de arrendamento produziu efeitos
no dia 25.07.2018, data em que o R. recebeu a segunda carta enviada
pelo A., na sequência da primeira carta não ter sido levantada nos
correios.
Assim e considerando que o contrato de arrendamento a que se
referem os autos teve início no dia 01 de Julho de 2011, vigorando pelo
prazo de cinco anos, renovando-se automática e sucessivamente por
períodos de 3 anos, conclui-se que o mesmo foi renovado no dia
30.06.2016, por mais 3 anos, terminando assim o prazo no dia
30.06.2019.
Por outro lado, relativamente à denúncia do contrato por parte do
senhorio, para que a mesma fosse eficaz, a respetiva comunicação de
não renovação teria de ser efetuada com a antecedência de 1 ano, ou
seja, teria de chegar ao destinatário até ao dia 30.06.2018.
Da análise de facto e de direito acima efetuada, conclui-se que a
comunicação de não renovação do contrato só se concretizou no dia
25.07.2018, ou seja, não foi efetuada com a antecedência de 1 ano sobre
a data do termo do contrato, não tendo assim a virtualidade de
impedir a renovação do contrato de arrendamento. Deste modo,
conclui-se que o referido contrato foi renovado por mais três anos,
vigorando até 30.06.2022.”

Será assim?

Antecipado a resposta, entendemos que não.

Vejamos então.

Á data do envio das cartas em questão nestes autos,


vigorava o artº 9º da Lei 6/2006, de 27/02, na
redacção da Lei 43/2017, de 14/06, que,
relativamente à forma de comunicação entre
senhorio e inquilino estabelecia:
“Artigo 9.º
Forma da comunicação
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente
exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de
arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante
escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso
de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito
deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.”

Por sua vez, o artº 10º da mesma Lei 6/2006, de


27/02, igualmente com a redacção que resultava da
Lei 43/2017, de 14/06, relativa às vicissitudes das
comunicações entre senhorio e inquilino,
estabelecia:
“Artigo 10.º
Vicissitudes
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se
realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do
destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e
atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou
que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos
termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de
domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo
anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no
regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter
nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60
dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º
1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu
envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a
receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a
acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota
do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à
certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio
remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado,
decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi
localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior
ao do seu envio.”

Pois bem, deste regime do artº 10º decorre que, de


acordo com o respectivo nº 1, as comunicações
entre as partes estão sujeitas ao regime geral das
declarações negociais recipiendas previsto no artº
224º do CC, sendo por isso eficazes logo que
cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele
conhecidas (artº 224º nº 1 do CC); sendo ainda
consideradas eficazes as declarações que só por
culpa do destinatário não são recebidas (artº 224º
nº 2 do CC) – Cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 6ª
edição, pág. 118). Por ser assim, é estabelecido no
preceito em questão - o artº 10º nº 1 do NRAU -
que a comunicação entre senhorio e inquilino
considera-se realizada mesmo que o destinatário se
recuse a recebê-la ou se o aviso de recepção haja
sido assinado por terceiro.

No entanto, dos nºs 2 a 5 do artº 10º da Lei 06/2006


(NRAU), ainda na redacção resultante da Lei
43/2017, decorrem algumas alterações ao regime
geral da eficácia das comunicações entre as partes,
estabelecendo que as comunicações por carta
registada que constitua iniciativa do senhorio para
a transição para o NRAU e actualização da renda,
ou integrem título para pagamento de rendas
encargos ou despesas ou que possam servir de base
a procedimento especial de despejo, a recusa de
assinatura ou a assinatura por terceiro não se
consideram eficazes (nº 2 do artº 10º do NRAU).
Nesses casos, o senhorio deve remeter nova carta
registada, com aviso de recepção, decorridos que
sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da
primeira carta (artº 10º nº 3 do NRAU). E mesmo
que essa carta venha devolvida considera-se a
comunicação realizada no 10º dia posterior ao do
seu envio (artº 10º nº 4 do NRAU).

Ora a questão que se coloca tem a ver com a


interpretação do artº 10º nº 3 do NRAU: devolvida
a carta registada com aviso de recepção – enviada
com vista, além do mais, a servir de base a
procedimento especial de despejo, como é o caso
dos autos em que o senhorio pretende a cessação do
contrato e o consequente despejo do locado, por
efeito da oposição à renovação do contrato para
30/06/2019 – e enviada outra, passados 30 dias do
envio da primeira, e sendo a segunda carta
recebida pelo destinatário inquilino, a declaração
de oposição à renovação do contrato opera na data
do recebimento desta segunda carta – tese
defendida pela 1ª instância e pelo
inquilino/recorrido – ou opera em face da primeira
carta enviada?

Pois bem, segundo entendemos, a solução é esta


segunda, visto que a segunda carta, se enviada
entre 30 e 60 dias após o envio da primeira, opera
como condição de eficácia da declaração de, no
caso, oposição à renovação do contrato, declarada
pela primeira carta.

Aliás, esta é, de resto, a posição do STJ no acórdão


de 19/10/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)
conforme decorre do respectivo sumário:
“I - A declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de
arrendamento tem carácter receptício (art. 1097.º, n.º 1, do CC).
II - A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) prevê um regime complexo e
especial para a eficácia dessa declaração de oposição que prevalece
sobre a recepção ou conhecimento a que o regime geral do n.º 1 do art.
224.º do CC dá relevância: exige-se que seja feita por escrito assinado
pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por
carta registada com aviso de recepção, (i) para o local arrendado,
desde que o aviso de recepção seja assinado pelo inquilino; ou (ii) tendo
havido convenção de domicílio, para esse local.
III - Não tendo existido convenção de domicílio e tendo o aviso de
recepção sido assinado por pessoa diferente do destinatário, a oposição
só é eficaz se a carta for completada com uma nova carta, enviada
igualmente com aviso de recepção e dentro do prazo previsto no n.º 3
do art. 10.º do NRAU, sob pena de o senhorio não poder lançar mão do
procedimento especial de despejo (arts. 10.º, n.º 2, al. b), e 15.º, n.º 2, al.
c), do NRAU).
IV - Trata-se de regime legal que já vem da versão inicial da Lei n.º
6/2006 e que a Lei n.º 31/2012, de 14-08 manteve, sendo determinado
por razões de equilíbrio entre a protecção do arrendatário – pois
aumenta as probabilidades de a oposição chegar efectivamente ao seu
conhecimento – e a simplificação do regime da cessação do contrato –
pois acelera essa efectivação.”

De resto, na fundamentação desse acórdão do STJ


sobressai que:
“6.- A exigência da segunda carta para a eficácia da oposição, quando o
aviso de recepção não foi assinado pelo destinatário (deixa-se agora de
lado a hipótese de convenção de domicílio, que consabidamente não
houve), vem da versão inicial da Lei nº 6/2006; as alterações introduzidas
pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, neste ponto particular, destinam-se
apenas a adequar o texto à introdução do Procedimento Especial de
Despejo e à substituição do anterior título executivo complexo, previstos
nos (anteriores) artigos 10º e 15º.
Tal como era então necessária essa segunda carta para que o senhorio
dispusesse deste título executivo, continuou a ser necessário o envio da
segunda carta para que o senhorio possa lançar mão do Procedimento
Especial de Despejo e assim, num caso e noutro, efectivar com maior
celeridade a cessação do arrendamento (nº 1 dos artigos 15º actual e
anterior).
Em ambos os casos, a razão de ser já foi atrás apontada: equilíbrio entre
os interesses das partes.
E apenas se acrescenta, quanto a este ponto, que não é inédita entre nós
a exigência de uma segunda carta quando a primeira, enviada com aviso
de recepção, não foi assinada pelo destinatário; cfr. a citação feita em
pessoa diversa do citando, actuais artigos 228º, nº 2 e 233º do Código de
Processo Civil, no caso em que a citação é realizada por carta registada
com aviso de recepção.”

Ora, perante este entendimento e considerando


que a segunda carta foi enviada a 22/07/2018,
portanto no 31º dia após o envio da primeira
(remetida a 21/06/2018), temos que operou a
condição de eficácia da declaração de oposição à
renovação do contrato, declarada pela primeira
carta.
Assim sendo, a declaração de oposição à renovação
do contrato foi eficaz operando a cessação do
contrato em 30/06/2019.
Deste modo, importa revogar a decisão da 1ª
instância.
3.3– A Indemnização pela mora na restituição.
Coloca-se agora a questão relativa ao pedido de
condenação do requerido/inquilino a pagar a
indemnização contratual correspondente ao dobro
da renda (879,54€) pela mora na restituição do
locado.
Pois bem, de acordo com a cláusula 9ª do contrato,
não restituindo o inquilino o locado findo o
contrato fica obrigado a indemnizar o senhorio em
quantia correspondente ao dobro da renda em
vigor no mês anterior, a dividir por 30, por cada
dia de atraso na restituição.
Vejamos então.
A restituição da coisa locada findo o contrato
constitui uma das obrigações do inquilino (artº
1038º, al. i) do CC). Sendo que no âmbito do
arrendamento urbano o artº 1081º nº 1 do CC
estabelece que a cessação do contrato torna
imediatamente exigível a entrega do locado, salvo
se outro for o momento legalmente fixado para a
entrega ou acordado pelas partes.
Destas disposições resulta que a obrigação de
restituição não se vence automaticamente no fim
do contrato de arrendamento urbano, uma vez que
a cessação do contrato apenas torna exigível essa
restituição cujo vencimento depende, nos termos
gerais, de interpelação à outra parte (artº 777º nº 1
do CC). Consequentemente, é apenas a partir dessa
interpelação que o arrendatário entra em mora
quanto à obrigação de restituição (artº 805º nº 1 do
CC), com as respectivas consequências legais em
termos de indemnização (artº 804º nº 1 do CC) – Cf.
Menezes Leitão, Arrendamento…cit., pág. 111.

Aliás, a própria lei estabelece no artº 1045º nº 1 do


CC que se a coisa locada não for restituída logo
que finde o contrato, o locatário é obrigado a
pagar, até ao momento da restituição, a título de
indemnização, quantia correspondente ao valor da
renda; acrescentado o nº 2 do artº 1045º do CC que
se o locatário se constituir em mora a indemnização
é elevada ao dobro.

Portanto, deste entendimento resulta que o


inquilino só incorrerá em mora na restituição do
locado após ter sido interpelado para o restituir.

Ora, no caso dos autos, essa interpelação para


restituição do locado ocorreu com a notificação do
inquilino no âmbito do Procedimento Especial de
Despejo, que apenas teve lugar a 18/10/2019 (envio
de 2ª carta para notificação/citação) data em que
foi depositada a carta para citação no receptáculo
postal conforme atestado pelo distribuidor de
serviço postal.

Assim sendo, o requerido inquilino apenas se


constituiu em mora na devolução do locado, em
19/10/2019.
Pois bem, desde essa data e até à restituição do
locado o requerido/inquilino está obrigado a pagar
ao requerente senhorio o valor correspondente ao
dobro da renda em vigor no mês anterior ao da
cessação do contrato (879,54€), a dividir por 30,
por cada dia de atraso na restituição. Como é
evidente, a esse valor de 879,54€ importa descontar
o valor correspondente ao da renda que o inquilino
for pagando mensalmente.

***

3.4–A questão da nulidade da sentença por omissão


de pronúncia.
Embora, em termos de precedência lógica fosse
normal apreciar, em primeiro lugar, a invocada
nulidade por omissão de pronúncia, atenta a
alegada falta de pronúncia da 1ª instância sobre a
questão do abuso de direito do requerido/inquilino -
por não reconhecer ter sido devidamente notificado
com tempo mais que suficiente, 11 meses, para
reorganizar a sua vida e desocupar o locado - a
verdade é que torna-se desnecessária a apreciação
dessa pretendida nulidade da sentença face à
solução acima alcançada.
Pelo que, nos termos gerais do artº 608º nº 2,
primeira parte não se justifica conhecer desse
pretenso abuso de direito do requerido/inquilino.

***

3.5–A Questão da Aplicação do artº 8º, al. c) da Lei


16/2020, relativo à suspensão da produção de
efeitos da oposição à renovação do contrato.
Nas suas alegações sobre a matéria de facto e de
direito apresentadas antes da prolação da sentença
da 1ª instância, o requerido/inquilino invocou a
questão da suspensão da produção de efeitos da
oposição à renovação do contrato nos termos do
artº 8º, al. c) da Lei 16/2020, de 29/05.
Ora bem, não há que apreciar essa questão no
âmbito deste recurso, por duas razões.
Primeira, a suspensão dos efeitos de oposição à
renovação do contrato de arrendamento, a que se
reportava o artº 8º, al. c) da referida Lei 16/2020,
apenas teve lugar até 20/09/2020, conforme decorre
do próprio proémio desse artº 8º da mencionada
Lei.
Por isso, não tem aplicação no caso do presente
recurso.
Segunda. Na sua contra-alegação, o
requerido/recorrido não requereu a apreciação
dessa questão, em ampliação do objecto do recurso,
como lho permitia o artº 636º nº 1 do CPC. Como
não o fez, não tem o tribunal de recurso de analisar
essa questão por ela não integrar o objecto do
recurso.

Daqui resulta que o recurso procede.

***

III–DECISÃO.

Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do


Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso
procedente e, em consequência, revogam a
sentença recorrida, decidindo que:
a)-A declaração do requerente/senhorio de
oposição à renovação do contrato foi eficaz
operando a cessação do contrato em 30/06/2019;
b)-Condenam o requerido/inquilino a pagar ao
requerente/senhorio, a título de indemnização pela
mora na restituição do locado, a quantia
correspondente ao dobro da renda em vigor no mês
anterior ao da cessação do contrato (2x439,77€=
879,54€), a dividir por 30, por cada dia de atraso
na restituição, desde o dia 19/10/2019, até à data da
efectiva restituição do locado, descontado os
valores mensais que o inquilino tem pago e venha a
pagar a título de renda, quantias essas acrescidas
de juros de mora, à taxa de 4%.

Custas pelo inquilino/recorrente, sem prejuízo do


apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 09/09/2021

(Adeodato Brotas)
(Vera Antunes)
(Aguiar Pereira)

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