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Acórdão do STJ - Invalidade do Contrato Promessa

Invalidade de formalidades;
Licença de Utilização.

No presente Acórdão do STJ os autores vem pedir a resolução do contrato-promessa compra e


venda de bem imóvel, por se ter veri cado incumprimento de nitivo e culposo por parte da ré/
sociedade.

Em consequência deste pedido deve a ré ser condenada a pagar aos autores a quantia de 594
mil euros correspondente ao valor do sinal em dobro, acrescendo os juros desde a citação ate
ao pagamento integral da quantia mencionada.

Subsidiariamente formulam o autores o seguinte pedido:

Ser declarada a nulidade do contrato-promessa celebrado entre os autores e a ré sobre o prédio


urbano, nos termos e efeitos dos artigos 280.º e 294.º do CC.

Ser a ré condenada a restituir aos autores os montantes entregues por conta da celebração do
contrato promessa no montante de 297 mil euros.

Os autores alegaram que assinaram um contrato promessa sobre imóvel ainda em construção
com o valor total de 990 mil euros; deram a titulo de sinal e principio de pagamento a quantia
de 148 mil e 500 euros (tal como previsto no art.º 441.º do CC). E também a titulo de reforço de
sinal e parte de pagamento igual quantia em 27 de dezembro de 2019, devendo ser o restante
pago aquando da assinatura do contrato prometido (o de Compra e Venda).

A data de celebração do contrato-promessa seria meramente indicativa uma vez que o projeto
da habitação ainda sofreria algumas alterações.

Devido à COVID-19 os autores apenas em 23 de junho de 2020 iniciaram o processo de alteração


do projeto em construção da moradia objeto do contrato.

Solicitaram à ré o reagendamento da data para realização da escritura de compra e venda,


tendo como limite a data de 31 de dezembro de 2020, que a ré viria a aceitar.

Em 7 de agosto de 2020 comunicaram ao procurador da ré que estavam reunidas as condições


para a celebração do contrato de compra e venda, tendo eles agendado a respetiva escritura
para o dia 22 de setembro de 2020 e disso dado conhecimento à ré.
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A ré recusou-se a celebrar o contrato de compra e venda e não forneceu os elementos
necessários à celebração da escritura do contrato , nem compareceu na data agendada para o
efeito, assim incumprindo de nitivamente o contrato-promessa celebrado.

Além disto os autores alegam que a transmissão do imóvel estaria sempre legalmente
impossibilitada por falta de licença de utilização do imóvel para o efeito sendo nulo o contrato
celebrado.

CONTESTAÇÃO

A ré começa a contestação por dizer que a não celebração da escritura de compra e venda no
prazo previsto no Contrato-Promessa e no prazo posteriormente concedido para o efeito se cou
a dever exclusivamente aos autores atribuindo responsabilidade aos autores por não terem
assinado o contrato de compra e venda até ao dia 1 de junho de 2020;

Diz também que os autores “encenaram” arti cialmente o agendamento de uma escritura em
setembro 2020 sabendo já que estavam em incumprimento do contrato promessa.

A ré acaba alegando que o contrato de compra e venda do imóvel em fase inicial de construção
podia ser realizado sem qualquer impedimento legal, uma vez que se tratava de uma
construção com alvará e licença (de construção).

Que os autores incorrem em litigância de má-fé.

SENTENÇA 1ª INSTÂNCIA
A primeira instância considera procedente o pedido dos autores condenado assim a ré à
resolução do contrato-promessa, com fundamento imputável, de modo exclusivo à ré/sociedade.
Bem como a restituição em dobro do valor do sinal pago pelos autores no montante de 594 mil
euros com os devidos juros vencidos e vincendos.

A ré não contente com a decisão recorre para o Tribunal da Relação

O tribunal da relação decide absolver a ré da instância. Desta feita os autores não contentes
com a decisão decidem recorrer para STJ, de referir que o tribunal da relação não se pronunciou
acerca do pedido subsidiário dos autores.

No STJ a ré é absolvida do pedido principal (resolução do contrato-promessa e o pagamento do


sinal em dobro na quantia de 594 mil euros); o STJ decide a baixa do processo ao Tribunal da
Relação para que este se pronuncie acerca do pedido subsidiário que não fez em momento
anterior; o STJ decide também não existir litigância de má-fé; o STJ voltou a absolver a ré
referente ao pedido subsidiário dos autores.
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Os autores mais uma vez inconformados interpuseram novo recurso de revista, desta feita do
último recurso do Tribunal da Relação, entre outras vicissitudes processuais os autores alegam
que os Juízes Desembargadores zerem confusão e fazem até uma interpretação errónea do
que é uma licença de utilização e licença de construção, sendo conceitos manifestamente
diferentes, quer em termos leigos, quer em termos jurídicos.

Perante toda a factualidade provada e de acordo com o entendimento de onde a primeira


instância a subsequente transmissão do imóvel através de escritura pública, sem a licença de
utilização padecia de nulidade, por violação de normas imperativas, não podendo ser
dispensada a exigência legal pela vontade das partes, expressa no contrato promessa em que
ambas manifestaram a vontade de futura transmissão do bem no estado e condições em que se
encontrava à data da escritura.

Dos factos provados 58 e 60 consta a exigência legal da ré apresentar a licença de utilização do


imóvel ou documento equivalente (58) e consta também que a ré sempre transmitiu aos
autores que o referido imóvel, do ponto de vista legal e para a sua transmissão não necessitava
de licença de utilização, mas a ré/recorrida, já na data da outorga do contrato promessa tinha
conhecimento que viria a ser, legalmente, necessária a obtenção de licença de utilização para o
referido prédio. (Entendendo assim que a ré queria passar o ónus de obtenção de licença para
os compradores, quando este lhe compete a si a apresentação de tais documentos (art.º 410.º/
n.º3).

Os autores fazem também a distinção entre licença de construção que consiste num alvará de
licença para a construção de um imóvel, já a licença de utilização é um documento emitido pela
Câmara Municipal da área onde se insere a respetiva construção atribuindo assim o tipo de
utilização que aquele imóvel terá, podendo ser de m diverso do da habitação, nomeadamente,
de comércio, serviços ou indústria. A atribuição deste tipo de licenças é da mais alta
importância na medida da organização do território e para evitar o surgimento de con itos
(pense-se nos efeitos de uma industria altamente poluídora ou ruidosa num local de destinado
à habitação, situação muito recorrente).

A ré faz aqui uma adaptação conveniente do previsto no art.º 410/n.º3 do CC, na medida em que
o que é exigido e consta da certi cação do notário a exigência legal de apresentação da licença
de utilização (único documento admissível no caso em apreço) e não a apresentação da licença
de construção que é ardilosamente apresentado como documento “supletivo” na falta da
licença de utilização. Além disto a ré sempre transmitiu sempre aos autores que o imóvel para a
sua transmissão não necessitava de licença de utilização, o que face ao exposto não
corresponde à verdade e à legalidade.
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Os autores referem e bem que por se tratar de um prédio em construção que apenas a licença
de construção seria exigida, de nada serviria uma construção de uma moradia unifamiliar que
depois não pudesse ser utilizada como tal (caso a licença de utilização fosse noutro sentido, daí
a sua importância aquando da assinatura do contrato promessa ou quando não apresentada
nesse momento, em momento posterior, nomeadamente na assinatura do contrato-prometido).

A ré ocultou tais factos aos autores, fazendo constar do contrato promessa a não
obrigatoriedade legal da licença de utilização no caso concreto induzindo os autores em erro,
mesmo sabendo que estavam a prometer transmitir um prédio, uma moradia unifamiliar
destinada a habitação NOVA, pelo que é exigido a licença de utilização, não se enquadrando o
referido caso nas exceções previstas no DL supracitado que excluiriam a necessidade de
apresentação de licença de utilização.

Nessa medida sendo o contrato-promessa concluído e estando este apenas em causa, não o
contrato prometido, está em causa a impossibilidade legal do objeto negocial, por via da
Invalidade, a que sempre corresponderá a nulidade do art.º 280.º do CC, uma vez que o contrato
promessa celebrado tinha um objeto legalmente impossível, contrário à lei, sendo ainda
aplicável o art.º 294.º do CC, pois foi celebrado contra disposição legal de caráter legal
imperativo e insuperável, in casu, a necessidade de licença de utilização, sendo assim nulo,
ainda que já tenha sido concluído.

Relativamente às normas imperativas do DL 281/99, nomeadamente os artigos 1.º e 2.º/n.º 4 e 5,


não pode a exigência legal ser dispensada pela vontade expressa pelas partes, pelo que
determinará sempre a nulidade do contrato promessa celebrado entre a ré e os autores, assim,
como a impossibilidade legal de cumprimento do contrato de nitivo, que, por isso e nos termos
dos artigos 280.º/nº1 e 294.º do CC é nulo.

Na senda de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA é legalmente impossível a celebração de um


contrato que o direito não consente desde logo, da promessa de compra e venda de imóvel,
com o pressuposto de que não é necessária a licença, quando juridicamente sempre foi, é e
seria necessária, pois no imóvel estão a ser realizadas obras de construção, demolição,
alteração ao prédio original, pelo que é obrigatória a licença de utilização.

A ré respondeu da seguinte forma às alegações


Entre as respostas às vicissitudes processuais, salientam-se assim as seguintes alegações:

A ré considera que seriam os autores os responsáveis pela aquisição da licença de utilização


uma vez que a construção seria realizada por eles, cabendo-lhes assim o ónus de aquisição da
licença de utilização (não se percebe que assim seja, uma vez que nos factos é referido que o
contrato-prometido diz respeito à aquisição de uma habitação unifamiliar, que não obstante de
sofrer as alterações pretendidas pelos autores, seria construída pela ré).
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Que os autores pretendiam adquirir o imóvel nas condições em que se encontrava ou seja seja
com uma construção já iniciada, porém inacabada.

Refere também a ré que era impossível a existência da licença de utilização (da futura
construção) era impossível que existisse aquando da outorga do contrato-promessa.
(Argumento que sustenta a nulidade do negócio);

O negócio não se concretizou porque os autores não cumpriram com as obrigações do contrato-
promessa.

A ré diz ainda que o imóvel dispunha de todos os documentos necessários para que pudesse ser
outorgado o contrato promessa e a respetiva escritura de compra e venda.

A ré volta a insistir na litigância de má-fé dos autores

FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS 6 A 9

A ré/sociedade pretendia construir uma moradia bifamiliar, solicitou a prorrogação do prazo de


obras por mais 180 dias tendo para o efeito pago as taxas devidas.

Em outubro de 2019 assinou um contrato-promessa compra e venda em que foram


intervenientes a ré/sociedade tendo para o efeito fazer-se representar na qualidade de primeira
outorgante (CC), e os autores de igual modo se zerem representar (FF)
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