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REPÚBLICA DE ANGOLA

GRUPO PARLAMENTAR

GRUPO PARLAMENTAR DA UNITA

RELATÓRIO DE FUNDAMENTAÇÃO
DO
PROJECTO DE LEI ORGÂNICA
DA INSTITUCIONALIZAÇÃO EFECTIVA DAS AUTARQUIAS
LOCAIS
(LOCAL)

FEVEREIRO 2024
RELATÓRIO DE FUNDAMENTAÇÃO

Introdução

1. O presente Relatório é elaborado em obediência ao disposto no artigo 195.º da


Lei n.º 13/17, de 6 de Julho, que aprova o Regimento da Assembleia Nacional. O
seu objecto é o Projecto de Lei Orgânica da Institucionalização efectiva das
Autarquias Locais (LOCAL). O Relatório apresenta uma memória descritiva das
situações políticas, económicas e sociais a que se aplica a LOCAL, onde se
descreve o trabalho já desenvolvido e as medidas legislativas já aprovadas pelo
Estado angolano para a implantação das autarquias. Apresenta-se também o
enquadramento jurídico-constitucional da medida, assim como a necessidade, os
benefícios e as consequências positivas da sua aprovação.

2. Na parte final, o Relatório apresenta uma síntese do conteúdo do diploma, uma


resenha da legislação vigente referente ao assunto e outros elementos de
formalidade procedimental exigidos por lei.

I. Memória descritiva das situações políticas a que se aplica o diploma

a) Resenha Histórica dos factos políticos mais relevantes sobre as autarquias

Em 10 de Novembro de 1975 o Comité Central do MPLA, por aclamação, aprova


a primeira constituição, chamada de Lei Constitucional da República Popular de
Angola, onde no seu artigo 51.º previa a existência de Autarquias Locais, que
nunca foram materializadas durante a primeira república.
3. Como consequência da consagração constitucional do regime democrático, em 1992, a
Constituição da República de Angola mandou implantar as autarquias como forma
de organização democrática do Estado a nível local. Daí para frente foram dados
alguns passos nesse sentido, nos últimos 30 anos, cuja resenha cronológica é a
seguinte:

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Constituição de 1992 - Consagra o princípio da autonomia do poder local e as
autarquias locais como forma de organização democrática do Estado a nível local.
Década de 1990 - Iniciaram-se algumas reformas administrativas que foram
chamadas de “descentralização”. Regista-se um movimento da cidadania
tendente a criar espaços de participação democrática nos assuntos públicos
locais.
1999 - Através do Decreto n.º 17/99, de 29 de Outubro, o Estado reforça o papel
da administração local do Estado e ignora a necessidade de institucionalização
das autarquias locais.
2001 - É aprovado o Plano Estratégico de Desconcentração e Descentralização
Administrativa.
2007- São implementadas algumas medidas do Plano de 2001: o “município”,
personificado pela administração local (central) do Estado, torna-se unidade
orçamental; é consagrado o “Conselho de Auscultação e Concertação Social”
(CACS).
2007- O Presidente da República anuncia um Plano de Normalização
Constitucional de três pontos: 1) Eleições legislativas em 2008; 2) Eleições
presidenciais em 2009 e 3) Eleições Autárquicas em 2010.
2008 - São realizadas as eleições legislativas, conforme anunciado.
2009- Não são realizadas as anunciadas eleições presidenciais.
2010 - Não são realizadas as anunciadas eleições autárquicas.
2010 - É aprovada a Constituição da República de Angola, que elimina o instituto
da eleição separada e unipessoal do Presidente da República, consagrado desde
1992.
2010- O Ministro da Administração do Território promete a implementação das
Autarquias Locais e a realização de eleições autárquicas em 2012, “de forma
gradual e depois de uma experiência piloto”.
2012 - São realizadas as primeiras “eleições gerais” para eleger o Presidente da
República e os Deputados à Assembleia Nacional.

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2012 - O Manifesto eleitoral do MPLA promete a implementação das autarquias e
a realização de eleições autárquicas em 2014 de forma gradual e apenas em
alguns municípios. O Manifesto Eleitoral da UNITA (Programa da Mudança)
defendia a realização de eleições autárquicas em todos os municípios e em
simultâneo.
2014 – A primeira iniciativa legislativa sobre o Poder Local foi apresentada pelo
Grupo Parlamentar da UNITA, em Março de 2014, tendo o Grupo Parlamentar do
MPLA chumbado o Projecto de Lei Orgânica do Sistema de Organização e
Funcionamento do Poder Local, numa votação histórica com 144 votos contra do
MPLA e 31 votos a favor de toda a oposição (UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA).
2015 - Em Maio, a Assembleia Nacional aprova o “Plano de Tarefas Essenciais
Para a Preparação e Realização das Eleições Gerais e Autárquicas". Foram
identificadas e aprovadas oito tarefas essenciais para o efeito:
1) “Preparação das condições técnicas e logísticas para a realização do registo
eleitoral oficioso em todo o País”.
2) “Promoção da discussão e aprovação da legislação sobre a Administração
Local do Estado e sobre o Poder Tradicional”.
3) “Promoção da discussão e actualização da legislação de suporte à realização
das eleições gerais até ao 1.º Semestre de 2016”.
4) “Realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos
humanos, financeiros, infra estruturas e outros necessários à implementação das
autarquias locais no País, até Agosto de 2015”.
5) “Promoção da realização do processo de delimitação territorial, definindo
correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros
elementos necessários - 2:º semestre de 2015”.
6) “Promoção da avaliação do potencial de arrecadação de receitas pelos
municípios - 2.º semestre de 2015”.
7) “Promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das
eleições autárquicas (até Março de 2016)”.
8) “Promoção de condições efectivas para a convocação das eleições
autárquicas”.

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2016- Repetem-se as promessas de implementação das Autarquias Locais. O
Vice-Presidente da República promete a realização de eleições autárquicas em
2021.
2017 - É aprovada a Lei Orgânica Sobre o Poder Local (Lei n.º 15/17, de 31 de
Julho), que estabelece as bases do sistema de organização, funcionamento e
implementação das autarquias locais.
2018 - O Presidente da República anuncia a sua decisão de implantar as
autarquias e realizar eleições autárquicas em 2020.
2018 - O Presidente da República elabora propostas de lei para a implantação
das autarquias que são discutidas em reuniões do Conselho de Ministros e
posteriormente remetidas à Assembleia Nacional para aprovação.
2018- As propostas de lei são submetidas à consulta pública entre 1 de Junho a
31/7/2018. Realizam-se no País fóruns de discussão que produzem dezenas de
conclusões e recomendações. O governo cria a página da internet
autarquias2020@mat.gov.ao para interação com os cidadãos. Há um forte
consenso nacional de que as autarquias municipais devem ser mesmo
implantadas. Só falta decidir sobre se devem ser implantadas todas ao mesmo
tempo ou gradualmente.
2019- A pedido do Presidente da República, a Comissão Nacional Eleitoral
elabora a Proposta orçamental das Eleições Autárquicas de 2020 que remete
junto com o seu Plano Para a Preparação, Organização e Realização das Eleições
Autárquicas.
2019- O Ministro da Administração do Território reitera a decisão governamental
de realizar as eleições autárquicas no ano de 2020.
2020- Não são realizadas as eleições autárquicas e as promessas de
implementação das Autarquias Locais são retiradas do discurso oficial. O
promotor da iniciativa não se pronuncia sobre o recuo. Impera o silêncio e
ninguém percebe mais nada.
2021- Uma surpresa: o Presidente da República apresenta uma proposta de
revisão constitucional. Faz silêncio institucional absoluto sobre as Autarquias.

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2022- Realizam-se as terceiras eleições gerais. Na campanha eleitoral, o
Presidente da República ressuscita a promessa de realização de eleições
autárquicas, desta vez para 2023 ou 2024. Porém, dois meses depois, no seu
discurso sobre o estado da Nação, o Presidente da República volta a falar das
autarquias mas já não refere nenhuma data. Anuncia um Plano de Estruturação
do Poder Tradicional, anuncia a sua intenção de transformar comunas em
municípios.
2023 - O Presidente esquece tudo o que disse antes sobre as autarquias e
anuncia ser sua intenção «criar administrações municipais fortes para prestar
serviços aos cidadãos». Para o efeito, anuncia a sua decisão de proceder a uma
alteração da divisão política e administrativa do País, visando triplicar o número
de municípios do País, sem, contudo, os transformar em pessoas colectivas
territoriais autônomas, dotadas de personalidade jurídica para poderem “prestar
serviços” aos cidadãos através de órgãos eleitos, como manda a Constituição.
Criou, para o efeito, a Comissão Interministerial Para a Alteração da Divisão Política e
Administrativa do País.
É deste ambiente político-institucional que surge a necessidade de a Assembleia
Nacional velar pelo cumprimento da Constituição e pela boa execução das leis já
aprovadas a fim de se organizar democraticamente o Estado a nível local, de
forma a partilhar com os cidadãos organizados em autarquias os recursos
públicos necessários para a prestação de serviços públicos locais, de acordo com
os princípios da descentralização político-administrativa e da autonomia local.
2024 – O Titular do Poder Executivo João Lourenço apresenta uma iniciativa ao
Parlamento angolano no sentido de aumentar o número de municípios de 164
para 325, alterando a actual Divisão Político-Administrativa.

b) Síntese dos trabalhos já desenvolvidos pelo Estado para a implantação das


autarquias.

1.Consulta pública - autarquias2020@mat.gov.ao

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4. Os diplomas legais produzidos pelo Governo foram aprovados pela Assembleia
Nacional após serem submetidos à consulta pública para enriquecimento e
melhorias. Os diplomas aprovados ou por aprovar incluem:
● A Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais;
● A Lei Orgânica Sobre a Institucionalização das Autarquias Locais;
● A Lei Orgânica Sobre a Tutela Administrativa;
● A Lei Orgânica Sobre as Eleições Autárquicas;
● A Lei Orgânica Sobre a Transferência de Atribuições e Competências do Estado
para as Autarquias Locais; e
● A Lei das Finanças Locais.

5. O processo de consulta pública iniciou a 1 de Junho e terminou a 31 de Julho de


2018. Participaram no processo universidades, organizações profissionais e
acadêmicas, centros de pesquisa e de investigação científica, igrejas,
departamentos governamentais, autoridades tradicionais e milhares de cidadãos
de todo o país. Todos com a expectativa de serem servidos pelas autarquias a
partir de 2020, como prometera publicamente o Presidente da República. A
grande maioria das contribuições foi mesmo remetida para o endereço
autarquias2020@mat.gov.ao, que o governo criou para o efeito.

2. Síntese do Que Já Aprovado e Prometido aos Cidadãos

6. Os órgãos das autarquias incluem a Assembleia Municipal, com função


regulamentadora e fiscalizadora dos órgãos executivos, no caso, a Câmara
Municipal, presidida por um presidente, auxiliado por Secretários Municipais.
Estes são nomeados livremente pelo presidente.
7. As comunas e distritos urbanos são órgãos desconcentrados da autarquia e terão
secretários comunais e distritais nomeados pelo Presidente da Câmara.
8. O número de secretários municipais vai variar consoante o número de população
da autarquia, podendo ir entre 15 secretários, para as autarquias mais populosas,
e 11, para as menos populosas. Este critério vai ser utilizado também para o

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número de membros da Assembleia Municipal, que varia de 55 membros, para as
autarquias com 500 mil eleitores ou mais, para 25 para as autarquias com menos
de 50 mil eleitores.
9. A legislação já aprovada estipula que os órgãos das autarquias terão um mandato
de cinco anos, não havendo limite para a reeleição. O objectivo é estabelecer uma
duração similar a dos mandatos dos órgãos electivos nacionais, para que haja
uma estabilidade no calendário eleitoral, que vai permitir maior previsão e
estabilidade no espaçamento entre uma e outra eleição (eleições gerais e
autárquicas).

10. O contencioso eleitoral autárquico será da responsabilidade do Tribunal


Constitucional, que tem também a competência de validar as candidaturas. No
caso do contencioso, a tramitação pode começar no Tribunal de Comarca, que
remete o processo para o Tribunal Constitucional.
11. Nas eleições autárquicas só vão votar os cidadãos nacionais residentes em cada
município. Os candidatos para a Assembleia Municipal devem ser residentes no
respectivo município, mas o candidato a Presidente da Câmara só tem a
obrigatoriedade de residir no município depois de ser eleito.
12. Além dos partidos políticos reconhecidos legalmente, podem apresentar
candidaturas grupos de cidadãos com um mínimo de até 50 eleitores.
13. O Ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Adão de Almeida,
garantiu, durante o processo de auscultação, que o processo de
institucionalização das autarquias aconteceria em todo o país a partir de 2020.
“Todas as províncias, vão ter experiências no momento inicial das autarquias”,
afirmou. Os critérios de selecção para os municípios que vão entrar na experiência
inicial do processo e o alargamento que vai se seguir incluem municípios com
níveis de desenvolvimento e infra-estruturas mais expressivos, municípios rurais
com pelo menos 500 mil habitantes e uma capacidade de arrecadação de receitas
de pelo menos 15 por cento da despesa pública orçamentada nos últimos três
anos. A Assembleia Nacional vai seleccionar os municípios de acordo com os
critérios definidos. Feita a selecção, há a obrigação de se desenvolver trabalhos
preparatórios para dar espaço à autonomia local”, afirmou o Ministro em 2018.

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3- Compromisso Assumido pelo Estado: autarquias2020@mat.gov.ao

14. Ainda em 1992, o Governo definiu um objectivo, traçou uma estratégia, aprovou
leis, gastou recursos públicos e assumiu para com os cidadãos o compromisso
público de cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis. Depois de 2010,
reassumiu reiteradamente o compromisso de implementar as autarquias em 2018,
o Executivo assumiu publicamente uma data para a implementação das
autarquias nos municípios.
15. Ora, passaram-se mais de 30 anos desde a consagração constitucional das
autarquias e o Estado angolano não implementou as autarquias. Há no espaço
público um sentimento de traição, descrença e frustração da parte dos cidadãos
por falta de cumprimento da Constituição por quem a devia respeitar e afirmar. Há
necessidade de se corrigir a situação. Este é um dos objetivos da presente lei.
16. A Lei Orgânica da Institucionalização das Autarquias Locais (LOCAL) vem
corrigir o que está mal, eliminando a inconstitucionalidade por ilicitude e ou
omissão. Ela incorpora e materializa o espírito de todas as outras leis já aprovadas
no período de 2017 a 2019 e que não podem ser implementadas porque a lei que
cria as autarquias não foi ainda aprovada. Má fé? Recuo de conveniência?
Abandono da prossecução do interesse público?
17. A LOCAL precisa de ser aprovada porque ela simboliza todo o processo de
legiferação sobre as autarquias iniciado em 2017 e inexplicavelmente
interrompido ou abortado em 2019. A sua aprovação tornou-se num imperativo
político e social, uma “necessidade emergencial” para a legitimação política do
Estado e para a restauração da paz pública.
18. A Assembleia Nacional deve aprovar a LOCAL para proteger a confiança dos
cidadãos nas instituições do Estado e transmitir-lhes a esperança de que a
legislação que aprovou sobre as autarquias em 2018 e 2019 não foi uma “traição”,
nem uma “manobra de diversão”, mas que foi feita em boa fé, para devolver
mesmo o poder local ao povo e cumprir a Constituição e “tirar as autarquias do
papel”. Finalmente!

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II. Memória descritiva das situações sociais, económicas e financeiras
a que se aplica o diploma

19. A LOCAL deve ser aprovada, porque a situação social do País agravou-se e a
estrondosa maioria das pessoas vive uma situação dramática de emergência em
todos os domínios da vida. O modelo de governação sem autarquias municipais
faliu em todos os municípios. O estado actual de vida dos residentes membros
das autarquias exige que a administração local autárquica seja implantada já em
todos os municípios.
20. A situação social das famílias agravou-se, o êxodo para Luanda, o centro da
centralização do poder “centralizado”, não pára de crescer. As zonas urbanas
foram transformadas em zonas rurais devido à pressão demográfica. Sente-se
uma ausência total de governação local, com o Estado a evidenciar total
incapacidade de prestar serviços à população nos seus locais de residência. Ao
longo das fronteiras, as comunidades procuram por serviços básicos de saúde,
educação e até acção social nos países vizinhos. Uma boa parte da população
economicamente activa pugna por emigrar porque não vê futuro em Angola sem
uma administração autárquica autônoma capaz de prestar serviços públicos
mínimos com eficiência e responsabilidade.
21. A administração democrática do Estado a nível local exige a criação de
autoridades locais autônomas, eleitas democraticamente, para a prestação
desses serviços públicos locais e para a prossecução de interesses próprios da
vizinhança. Não se trata de uma escolha entre a Administração local do Estado,
dirigida pelo Titular do Poder Executivo, e a Administração Local Autárquica,
dirigida pelos cidadãos no exercício dos direitos inerentes à liberdade
democrática. Trata-se de um imperativo constitucional ao qual os poderes
públicos estão vinculados.

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22. A “municipalização” dos serviços, faz-se, sim, mas nos termos da Constituição,
por via da descentralização e da autonomia local, transferindo para novos entes
territoriais autônomos certas atribuições e competências do Estado previstas na
Constituição. É o que se pretende concretizar com a Lei da Institucionalização
das Autarquias Locais.
23. Neste sentido, são objetivos econômicos e sociais da LOCAL:
● contribuir para o combate à fome e à pobreza;
● concretizar o objectivo nacional da eliminação das assimetrias por via de
uma distribuição mais equitativa dos recursos públicos entre o Estado e as
autarquias;
● assegurar a prestação de serviços públicos locais nas aldeias, bairros e
comunas com mais racionalidade e participação directa dos administrados;
e, assim,
● assegurar o desenvolvimento equilibrado do território nacional.
24. A aprovação da LOCAL pela Assembleia Nacional traduz-se também na
salvaguarda da integridade e da imagem do Estado como pessoa de bem. O seu
impacto social e económico é imensurável, pois a sua implementação efectiva
produzirá a maior transformação social e administrativa que Angola já
experimentou nas últimas décadas. A esperança renascerá e Angola se realizará.
25. Os cidadãos sentir-se-ão respeitados porque um dia foram convidados a participar
e fornecer pareceres. Realizaram-se fóruns, e seminários, produziram-se
conclusões e recomendações, tudo na expectativa de poderem participar no
exercício do poder local democrático e contribuírem para melhorar as suas
próprias vidas e a dos seus vizinhos. Esta expectativa, esta confiança nas
instituições, não pode ser traída agora pela Assembleia Nacional que é o órgão
representativo de todos os angolanos e exerce o Poder Legislativo do Estado.

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III. Enquadramento Jurídico-Legal

26. Tendo sido concluído o amplo processo de discussão, audição pública e de


legiferação essencial com vista a determinar e concretizar a vontade do povo
angolano no que respeita à implantação das autarquias municipais;

27. Tendo sido já aprovadas todas as propostas legislativas necessárias para a


concretização da Constituição no que respeita à organização e funcionamento das
autarquias municipais, incluindo o regime das finanças locais, o quadro geral de
atribuições, a organização de eleições autárquicas e o regime de tutela
administrativa;

28. Nos termos da Constituição a institucionalização efectiva das Autarquias Locais é


definida por lei, que estabelece a oportunidade da sua criação e o alargamento
das suas competências, todavia o diploma infraconstitucional a ser aprovado para
a institucionalização das Autarquias Locais não pode contrariar a letra, o espírito
nem a harmonia sistemática da Constituição, quando estabelecer quer a
oportunidade da criação das Autarquias Locais quer o alargamento das suas
competências para que não seja ferido os princípios da descentralização político-
administrativa e da autonomia local.

29. A ausência fática das autarquias locais sem qualquer fundamentação legal,
constitui um atentado à democracia, ao princípio da protecção da confiança
e ao princípio do Estado de Direito, que se traduz também numa
inconstitucionalidade por omissão. A Assembleia Nacional não quer e não
pode ser partícipe de inconstitucionalidades, nem os seus deputados querem ser
acusados de traição ao juramento que prestaram aquando da investidura nem à
boa fé e à protecção da confiança dos cidadãos no pacote legislativo autárquico
para o qual foram consultados em meio de muita publicidade institucional. A
Assembleia Nacional não pode trair a fiabilidade, a confiança e a esperança que

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transmitiu aos cidadãos de que a legislação que aprovou é para devolver mesmo
o poder local ao povo, tirando do papel, finalmente, as autarquias locais.

Boa fé, protecção da confiança e Estado de Direito

30. A Lei da Institucionalização das Autarquias Locais deve ser aprovada, precisa de
ser aprovada, não só para reafirmar a boa fé das autoridades públicas em todo o
trabalho que vem desenvolvendo há 30 anos para concretizar a Constituição no
que respeita à descentralização político-administrativa, mas especialmente para
garantir a protecção da confiança dos cidadãos a quem foram prometidas
autarquias locais em 2007, 2012, depois 2015, e depois para 2020!
31. A LOCAL visa tornar realidade a ideia subjacente a
autarquias2020@mat.gov.ao! O Professor Gomes Canotilho, ensina que o
princípio da boa fé está intrinsicamente ligado ao princípio da protecção da
confiança, há muito considerado pela doutrina e pela jurisprudência como “uma
dimensão material do princípio do Estado de Direito”. Quer através do princípio da
boa fé, quer através do princípio da protecção da confiança, “pretende-se erguer
uma medida de"fiabilidade","de confiança”, de “esperança”, vinculativa da
actuação administrativa.
32. O Estado deve reparar ou reduzir os danos já causados. Mas deve fazê-lo sem
mais delongas, aprovando a LOCAL. Se não o fizer, estaria a ofender os direitos
e garantias dos cidadãos, constitucionalmente protegidos, em particular o direito
de acesso a cargos públicos elegíveis a nível autárquico e o direito de sufrágio a
nível do poder local. Estaria a violar também o interesse público que a
Administração Pública deve prosseguir no exercício da sua actividade.
33. Além disso, seria responsabilizado pelas acções e omissões praticadas pelos
seus Deputados à Assembleia Nacional. É a eles que o preceito no artigo 75.º da
Constituição se refere, quando especifica que de entre os agentes do Estado
responsáveis pelas acções e omissões do Estado estão aqueles que, “no
exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa

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delas”, praticaram acções ou omissões de que resultaram violação dos direitos,
liberdades e garantias.

34. Algumas correntes questionam se no âmbito normativo deste preceito cabe


também a responsabilidade por facto da função legislativa e a responsabilidade
por facto da função jurisdicional. Canotilho e Vital Moreira não têm dúvidas.
Respondem assim: «Sob o ponto de vista jurídico-constitucional, não há qualquer
fundamento para não aplicar o princípio geral da responsabilidade do Estado às
acções ou omissões normativas ilícitas (legislativas e outras)...»1
35. Aqui o ente do Estado responsável pela não aprovação da LOCAL e ou pela não
implantação das autarquias municipais por omissão de uma norma constitutiva
seria a Assembleia Nacional, o órgão representativo de todos os angolanos que
exerce o Poder Legislativo do Estado2.
36. Tal facto assume maior relevância agora, porque não se está perante um qualquer
contencioso administrativo, mas perante uma ameaça a direitos e liberdades
fundamentais, em particular ao direito de sufrágio e ao direito ao exercício de
cargos públicos, o que, consequentemente, se traduziria numa ofensa ao Estado
de Direito e ao regular funcionamento das instituições. Ou seja, num atentado
contra a Constituição, uma «omissão normativa ilícita».
37. É imperativo que a LOCAL seja aprovada, porque sem ela nenhuma outra lei do
pacote legislativo autárquico já aprovada pode ser implementada. A não
aprovação da LOCAL pela Assembleia Nacional colocaria o próprio Estado na
situação de bloqueador da concretização da Constituição, violando o princípio da
legalidade.

1
CRP Anotada, Coimbra Editora, Volume I, 4.ª edição revista, 2007, página 430.
2
O Presidente da República já veio a público várias vezes responsabilizar a Assembleia Nacional pela
inexistência fática das autarquias. De facto, a responsabilização do Estado Legislador, segundo
Puccinelli Júnior (2007) está pacificada em muitos países, a exemplo da Argentina e do Uruguai.

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IV. Elementos de Formalidade Procedimental

a) Sumário a publicar no Diário da República

«Lei nº /2024, de , que cria as autarquias locais na República de Angola».

b) Conformação legal
O presente projecto lei e seu respectivo Relatório de Fundamentação estão em
conformidade e harmonizados com o disposto na Lei nº7/14, de 26 de Maio, sobre as
Publicações Oficiais e Formulários Legais.

c) Forma do acto de aprovação


A presente iniciativa legislativa reveste a forma de Lei Orgânica, nos termos das alíneas
b) e f) do artigo 164.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 166.º, ambos da Constituição da República
de Angola.

d) Legislação vigente afectada pela LOCAL


A seguinte legislação é afectada ou está relacionada com a LOCAL:
1) Lei n.º 3/00 (Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo), que regula a
utilização das terras urbanas e rurais para a criação de condições propícias ao
desenvolvimento económico e social e explica o que constitui o Plano Director
Municipal.
2) Lei n.º 28/03, de 7 de Novembro (Lei de Bases da Protecção Civil), que orienta as
Administrações Municipais a elaborarem os Planos Municipais de Contingência e
respostas a desastres.
3) Lei n.º 9/04, de 9 de Novembro (Lei de Terras), que regulamenta no município e
no território nacional o uso da terra.
4) Decreto Lei nº2/07, de 3 de Janeiro, que estabelece o quadro das atribuições,
competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos Governos
Provinciais, das Administrações Municipais e Comunais.

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5) Decreto Executivo nº202/08, que regula o Decreto nº1/07.
6) Lei nº 18/10, de 6 de Agosto (Lei do Património Público, que estabelece as bases
gerais e o regime jurídico do património que integra o domínio público do Estado
e das autarquias locais.
7) Lei nº17/10, de 29 de Julho (Lei da Organização e Funcionamento dos Órgãos da
Administração Local do Estado), que revogou a Lei 2/07 de 3 de Janeiro.
8) Lei nº 14/10 (Lei do Orçamento Geral do Estado), que estabelece as formas de
classificação de despesas e receitas, o calendário e a programação da execução
do orçamento.
9) Decreto Presidencial nº 307/10, de 20 de Dezembro, sobre as taxas e receitas a
cobrar pelos órgãos do Poder Local.
10) Decreto Presidencial nº 31/10, que aprova o Regulamento do Processo de
Preparação, Execução, Acompanhamento e Avaliação do Programa de
Investimento, definindo em pormenores, todo o processo e ferramentas para os
projectos poderem ser incluídos no PIP.
11) Decreto Presidencial nº 30/10, de 26 de Março, sobre o Regime de Financiamento
das Acções dos Governos Provinciais e das Administrações Municipais.
12) Decreto Presidencial nº 24/10, que estabelece as bases da gestão das finanças
públicas locais incluindo a responsabilidade dos municípios na elaboração de
propostas de projectos a serem financiados pelo Estado, os direitos dos
Municípios à arrecadação de fundos, os procedimentos para a consolidação de
orçamentos entre o Município e a Província e o calendário orçamental.
13) Lei n.º 1/11, de 14 de Janeiro (Lei de Bases do Regime Geral do Sistema Nacional
de Planeamento), que estabelece o princípio da subsidiariedade, orienta e obriga
os municípios a funcionar sempre em sintonia com os sistemas nacionais de
planeamento.
14) Lei n.º 3/11, de 14 de Janeiro (Lei do Sistema Estatístico Nacional), que uniformiza
o sistema de recolha de dados a todos os níveis.
15) Decreto Presidencial n.º 287/11, de 21 de Outubro, que estabelece os princípios
e regras especiais geradoras da obrigação de taxas municipais no Município de
Luanda.

16
16) Decreto Presidencial n.º 63/11, de 18 de Abril, que estabelece o regime específico
de organização e gestão da Urbanização do Talatona, no Município de Belas.
17) Decreto Presidencial n.º 62/11, de 18 de Abril, que estabelece o regime de
organização administrativa da Cidade do Kilamba, no Município de Belas.
18) Lei n.º 12/16, de 12 de Setembro (Lei da Administração Local do Estado).
19) Lei n.º 15/17, de 31 de Julho (Lei Orgânica Sobre o Poder Local), que estabelece
as bases do sistema de organização, funcionamento e implementação das
autarquias locais.
20) Decreto Presidencial n.º 40/18, de 9 de Fevereiro, que estabelece o Regime de
Financiamento dos Órgãos da Administração Local do Estado.
21) Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais;
22) Lei Orgânica Sobre a Tutela Administrativa;
23) Lei Orgânica Sobre as Eleições Autárquicas;
24) Lei Orgânica Sobre a Transferência de Atribuições e Competências do Estado
para as Autarquias Locais; e
25) Lei das Finanças Locais.

e) Legislação a ser revogada

Toda a legislação que contrarie o disposto na presente lei.

f) Nota para a comunicação social

Eis a nota que se aconselha para os órgãos de comunicação social:

”Foi hoje apreciada em sessão plenária da Assembleia Nacional, a lei que cria as
Autarquias Locais da República de Angola. A Lei ora aprovada visa completar o pacote
legislativo autárquico, selando assim todas as iniciativas que o Estado Angolano vem
desenvolvendo nos últimos anos para que as autarquias sejam uma realidade em
Angola”.

17
g) Síntese do conteúdo da LOCAL

A Lei Orgânica da Institucionalização das Autarquias Municipais (LOCAL) contém uma


parte preambular, comporta seis capítulos e 67 artigos, assim estruturados:
Capítulo I - Disposições Gerais
Capítulo II - Princípios Gerais
Capítulo III - Competências Específicas
Capítulo IV - Relações Com Outras Categorias de Autarquias
Capítulo V - Regime de Transferência de Competências
Capítulo VI - Disposições Finais e Transitórias

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º
(Objecto)

Artigo 2.º
(Autarquias municipais)

Artigo 3.º
(Criação das autarquias municipais)

Artigo 4.º
(Actualização da residência)

Artigo 5.º
(Modificação e extinção das autarquias municipais)

Artigo 6.º
(Criação de novas autarquias municipais)

CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 7.º
(Síntese dos princípios orientadores)

Artigo 8.º
(Princípio do Estado unitário)

Artigo 9.º

18
(Princípio da Autonomia local)

Artigo 10.º
(Princípio da descentralização político-administrativa)

Artigo 11.º
(Princípio da necessidade emergencial)

Artigo 12.º
(Princípio da defesa da democracia)

Artigo 13.º
(Princípio da democracia participativa)

Artigo 14.º
(Princípio da especialidade)

Artigo 15.º
(Princípio da desconcentração administrativa)

Artigo 16.º
(Princípio da subsidiariedade)

Artigo 17.º
(Princípio da complementaridade)

Artigo 18.º
(Princípio da Audição prévia)

Artigo 19.º
(Princípio da tutela administrativa)

Artigo 20.º
(Princípio da solidariedade e cooperação)
Artigo 21.º
(Princípio da prossecução do interesse público e da protecção
dos direitos e interesses dos particulares)

Artigo 22.º
(Princípio da constitucionalidade e da legalidade)

CAPÍTULO III
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS

19
Artigo 23.º
(Educação)

Artigo 24.º
(Saúde)

Artigo 25.º
(Energia)

Artigo 26.º
(Águas)

Artigo 27.º
(Equipamento rural e urbano)

Artigo 28.º
(Património, cultura e ciência)

Artigo 29.º
(Transportes e comunicações)

Artigo 30.º
(Habitação)

Artigo 31.º
(Tempos livres e desporto)

Artigo 32.º
(Acção social)

Artigo 33.º
(Protecção civil)

Artigo 34.º
(Ambiente e saneamento básico)

Artigo 35.º
(Defesa do consumidor)

Artigo 36.º
(Promoção do desenvolvimento)

Artigo 37.º
(Ordenamento do território e urbanismo)

Artigo 38.º
(Polícia municipal)
CAPÍTULO IV
RELAÇÕES COM OUTRAS CATEGORIAS DE AUTARQUIAS

20
SECÇÃO I
AUTARQUIAS INFRA MUNICIPAIS E SUPRAMUNICIPAIS

Artigo 39.º
(Autarquias inframunicipais)

Artigo 40.º
(Autarquias supramunicipais)

Artigo 41.º
Associações Públicas de Autarquias Municipais

SECÇÃO II
ASSOCIAÇÃO DE AUTARQUIAS

Artigo 42.º
(Conceito)
Artigo 43.º
(Objecto)
Artigo 44.º
(Constituição)
Artigo 45.º
(Estatutos)
Artigo 46.º
Tutela
Artigo 47.º
(Abandono)

SECÇÃO III
REGIÕES METROPOLITANAS

Artigo 48.º
(Conceito e objecto)
Artigo 49.º
(Natureza e motivações)

Artigo 50.º
(Atribuições)

Artigo 51.º
Órgãos

Artigo 52.º

21
(Conselho metropolitano)

Artigo 53.º
Reuniões

Artigo 54.º
Serviços municipais
Artigo 55.º
Pessoal

CAPÍTULO V
REGIME DA TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS

SECÇÃO I
PRINCÍPIOS ORIENTADORES
Artigo 56.º
Descentralização administrativa
Artigo 57.º
Aproximação das decisões da Administração aos cidadãos
Artigo 58.º
Intangibilidade das atribuições e natureza e âmbito da descentralização administrativa

SECÇÃO II
TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS
Artigo 59.º
Transferência de competências
Artigo 60.º
Recursos
Artigo 61.º
Prossecução de atribuições e delegação de competências
Artigo 62.º
(Contrato)
Artigo 63.º
(Princípios orientadores)

22
CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Artigo 64.º
(Comissão Eventual de Apoio às Autarquias)

Artigo 65.º
(Revogação)

Artigo 66.º
(Dúvidas e omissões)

Artigo 67.º
(Entrada em vigor)

23

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