Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
IDeIAS
Informação sobre Desenvolvimento, Instituições e Análise Social
1.Hardin usou como metáfora uma pastagem aberta a todos. Como a entrada é livre, ninguém individualmente pode barrar os outros. Eventualmente, o benefício é captado
individualmente, mas o custo é comunizado. De forma suicida, os usuários do pasto são estimulados a tirarem o máximo benefício possível, até que o pasto acabe. A
tragédia dos comuns resulta, assim, do que Hardin designou por “responsabilidade negativa”, a qual incentiva as pessoas a decidirem e agirem em detrimento da
preservação e valorização dos recursos.
IESE - Instituto de Estudos Sociais e Económicos; Av. Patrice Lumumba Nº178, Maputo, Moçambique
Tel: +258 21328894; Fax: +258 21328895; Email: iese@iese.ac.mz; http://www.iese.ac.mz
Isento de Registo nos termos do artigo 24 da Lei nº 18/91 de 10 de Agosto
engarrafamentos no trânsito e ocupação recente desmonstração de força social dos muito diferente do “deixa andar” que as
descontrolada dos passeios e ruas das cidades chamados informais, à qual o poder político e autoridades políticas têm aplicado, recorrendo ao
por vendedores extralegais. burocrático municipal não resistiu (Brás 2012). poder centralizador, dirigista e controlador
Não é possível, neste breve texto, debater as Obviamente, o risco das transformações na assente nos recursos públicos que controlam.
sérias implicações da gestão não estrutura da propriedade enveredarem pela Um novo tipo de “deixa andar” assente no maior
responsabilizadora dos “bens públicos”, exclusão, em vez da inclusão social, é grande, respeito e defesa dos direitos privados, tanto em
convertidos em bens comuns ou de acesso livre. por causa da forte resistência do Estado em termos de segurança pessoal e civil como da
Porém, uma ideia muito difundida merece ser reconhecer e garantir direitos privados efectivos. propriedade, quer nas zonas mais ricas, quer nas
questionada. A ideia de que a informalidade foi Voltando à questão levantada no início deste zonas suburbanas, onde a insegurança é
causada pela liberalização da economia nacional, texto. E se o Estado falha na sua aspiração de particularmente trágica.
no contexto do Programa de Reabilitação controlar a alocação dos recursos que os direitos Nas actuais condições de vida em Maputo parece
Económica (PRE) de 1987. O que o PRE fez foi de propriedade devem regular, como ficarão as que só resta esperar pela próxima vez: Quando e
expor um mercado oculto numa economia falida, cidades? qual será a próxima vez em que a dimensão do
fruto de políticas públicas implementadas desde Resta, ao Estado, uma alternativa mais pântano institucional voltará a ser testada?
a Independência e que a guerra civil agravou. Na construtiva. Reconhecer à sociedade seu direito Todavia, crescem sinais de que Maputo vem
verdade, entre os principais determinantes da de se organizar por si própria, regulando sem acumulando urbanidade suficiente, para não
informalidade urbana figuram, por exemplo, as obstruir o desenvolvimento de uma estrutura de precisar de continuar a esperar passivamente, ou
nacionalizações de 1975 e 1976; o controlo direitos de propriedade adequada ao presente e simplesmente rezar que o pior não aconteça.
administrativo do mercado, incluindo preços, futuro e, definitivamente, muito melhor do que no Maputo não pode continuar refém do “Neo-
taxas de juro, comércio, finanças e fiscalidade, passado. Não só no passado remoto, o colonial, Moçambicano” que tanto indignou o poeta José
entre outros (Francisco 2010). em que a maioria dos cidadãos suburbanos se Craveirinha. Refém, em particular, da provinciana
Desde 1990 o Estado vem tentando superar os concentrava nos arredores das cidades para “Hesitação/ Entre ser pior ou péssimo/ Da nossa
efeitos negativos das nacionalizações nos servir uma pequena elite. Também em relação ao extemporânea/ Filosofia de quem sabe pouco/ E
mercados imobiliário, laboral e financeiro. passado recente, tanto o socialista como o julga escamotear no descaro/ A urbanidade que
Contudo, o espetro das nacionalizações continua período de intervencionismo estatal, em curso. lhe escasseia” (Craveirinha 2008).
vivo, activo e agravado pelo monopólio estatal Após quase quatro décadas de independência a
fundiário. Por isso, os espaços comuns, nos legalidade constitucional continua a não 5. Referências
prédios, quintais e outros, continuam tratados reconhecer a legitimidade dos direitos de Alchian, G.A.A. & Demsetz, H., 1973. The Property
como “sem dono” ou de “ninguém”. propriedade praticados pelos cidadãos, os quais Right Paradigm. The Journal of Economic
Nas ruas e passeios, os munícepes circulam por seu turno não reconhecem a legitimidade do History, 33(1), pp.16–27.
Alston, L.J. & Mueller, B., 2005. Property Rights and the
livremente com seus veículos de todos os tipos monopólio estatal sobre os seus recursos. Nas
State. In C. Ménard & M. M. Shirley, eds. Hand-
(camiões, carros, bicicletas, carroças cidades, os munícipes procuram extrair os book of New Institutional Economics.
ambulantes, etc.); parqueia-se nos passeios, em benefícios da troca, seja de mercadorias, Netherlands: Springer, pp. 573–590.
total desrespeito pelos traseuntes, excepto nos incluindo a terra, seja de ideias e outras relações Assembleia da República, 2004. Constituição, assin.
locais cirurgicamente seleccionados por agentes sociais; os trabalhadores laboram e circulam em 16 de Novembro de 2004. BR no 051, I
municipais interessados em extorquir os livremente; mas ocupam os espaços comuns e Série, de 22 de Dezembro de 2004, pág. 543 a
cidadãos. Simultaneamente, os vendedores públicos, a título precário. Uma rápida visita aos 573, www.atneia.com.
extralegais conquistaram plena liberdade de bairros suburbanos de Maputo mostra uma Brás, E., 2012. David Simango Tentou Desafiar uma
Força Muito Poderosa. Expresso Moz, No 37,
acção fora dos mercados convencionais, realidade caótica confrangedora, em múltiplos
Março 13, pp.12–13.
incluindo à porta de estabelecimentos comerciais, aspectos: laboral, fontes de renda, salubridade e Couto, M., 2012. Os Chapas e a Tirania do
legalmente reconhecidos. Ou ainda, nas praias e condições sociais, entre outros. Conformismo. Savana, No 948, Março 09, pp.28
ruas, existe liberdade plena e impune para deitar É amplamente reconhecido, no domínio científico –29.
lixo, coisa que não é feita em casa. e também político, que o tipo de informalidade Craveirinha, J., 2008. “Boletim da República” - Neo-
prevalecente em Moçambique é uma péssima Moçambicano. In Naguib, ed. Não Matem a
4.Por Um Novo “Deixa Andar” opção de desenvolvimento, em vários sentidos: Cultura. Não Matem o Craveirinha. Maputo:
O fenómeno da informalidade tem inspirado 1) A maioria dos informais permanece precária, a Spectrum Graphics Limitada, p. 63.
Francisco, A., 2010. Moçambique: Protecção Social no
reflexões sociológicas e culturais, por vezes curto prazo, e empobrecida, a longo prazo; 2)
Contexto de um Estado Falido mas não
interessantes e bonitas, mas nem sempre Para alguns informais é compensadora, mas Falhado. In L. de Brito et al., eds. Protecção
esclarecedoras (e.g. o conceito obscuro de insegura, frágil e dispendiosa; 3) Um pequeno, Social: Abordagens, Desafios e Expectativas
“construção do inevitável” de Couto (2012)). A talvez muito pequeno mas relevante grupo usa a para Moçambique. Maputo: IESE, pp. 37–95.
razão principal é circunscreverem-se às informalidade como trampolim para actividades www.iese.ac.mz.
aparências e manifestações superficiais dos delituosas e criminosas, muito prejudiciais à Francisco, A. & Paulo, M., 2006. Impacto da Economia
fenómenos, ignorando a estrutura de propriedade sociedade. Nestas circunstâncias, a almejada Informal na Protecção Social, Pobreza e
em que se alicerçam. melhoria do ambiente de negócios dificilmente Exclusão: A dimensão oculta da informalidade
em Moçambique. www.iid.org.mz/
Em Maputo as políticas estatais de expropriação poderá ser alcançada, porque o problema está
impacto_da_economia_informal.pdf.
e violação dos direitos privados são cada vez no ambiente de mercado mau e obstruido. Hardin, G., 1998. Extension of The Tragedy of the
menos toleradas pelos citadinos. Isto reflecte a (Francisco & Paulo 2006; Soto 2002). Commons. The Garrett Hardin Society.
crescente transformação em curso na estrutura Seria um sinal de grande maturidade urbana e w w w . g ar r et t h ar d in s o c i et y . o r g/ ar t ic l es /
de direitos de propriedade e maior valorização cívica se os empresários emergentes passassem art_extension_tragedy_commons.html.
desta enorme invenção humana chamada da contestação ou reacção impulsiva (sobretudo Langa, J., 2012. Por que Simango perdeu a guerra com
cidade. o tipo de revoltas populares destrutivas já os informais? O País Online, p.20.
A correlação de forças a favor do reconhecimento observadas), para uma afirmação efectiva de Massala, Z., 2012. Informais Derrotam Simango.
Savana No. 948, Março 09, p.2.
dos direitos privados é inquestionável e não seus direitos. O reconhecimento de direitos de
Pessoa, F., 1928. O Provincianismo Português. Arquivo
beneficia somente os mais ricos, poderosos e propriedade, legal e formalmente garantidos, em
Pessoa. http://arquivopessoa.net/textos/2978.
previlegiados. Também os empresariados vez de meros direitos de posse, mobilidade e Soto, H. de, 2002. O Mistério do Capital: Porque Triunfa
emergentes e generalidade dos consumidores inquilinato fundiário, poderá conduzir ao tipo de o Capitalismo no Ocidente e Fracassa no Resto
estão a tornar-se social e economicamente mais empoderamento necessário para se evitar a do Mundo 1a Edição., Lisboa: Editorial Notícias.
soberanos e capazes de imporem seus direitos, tragédia dos comuns em Maputo.
em prol de políticas mais efectivas, no lugar de Se tal afirmação activa acontecer, significará que
meros jogos políticos.Testemunham-no as os munícipes de Maputo passarão a desenvolver
revoltas populares, acima referidas, bem como a um novo tipo de “deixa andar”. Um “deixa andar”
IESE - Instituto de Estudos Sociais e Económicos; Av. Patrice Lumumba Nº178, Maputo, Moçambique
Tel: +2581 328894; Fax: +2581 328895; Email: iese@iese.ac.mz; http://www.iese.ac.mz
Isento de Registo nos termos do artigo 24 da Lei nº 18/91 de 10 de Agosto