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seja impressa ou eletrônica, sem autorização.

Capa: Nicah - Bluebble

Revisão: Cleane Aquino

Preparação de texto: Raquel Escobar


Twitter
Capítulo 1
AS DECISÕES DE LAYLA
A traição
Capítulo 2
Capítulo 3
AS DECISÕES DE LAYLA
A merda no ventilador

AS DECISÕES DE LAYLA
O Crush

Capítulo 4
AS DECISÕES DE LAYLA
O encontro
AS DECISÕES DE LAYLA
O curso
Capítulo 5
AS DECISÕES DE LAYLA
A nova casa
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
AS DECISÕES DE LAYLA
O segundo dia da minha nova vida
AS DECISÕES DE LAYLA
E pra ajudar a pagar a dama que lhe satisfaz, não tenho aqui nem 50 reais
Capítulo 9
AS DECISÕES DE LAYLA
O Bundão

Capítulo 10
Capítulo 11
AS DECISÕES DE LAYLA
O convite
Capítulo 12
AS DECISÕES DE LAYLA
A indecisão

Capítulo 13
AS DECISÕES DE LAYLA
O celular novo
Capítulo 14
AS DECISÕES DE LAYLA
O beijo
Capítulo 15
AS DECISÕES DE LAYLA
O espírito natalino
Capítulo 16
FOFOCANDO
AS DECISÕES DE LAYLA
O flagra
AS DECISÕES DE LAYLA
O Chico
Capítulo 17
AS DECISÕES DE LAYLA
O teste
Capítulo 18
A cólica
Capítulo 19
AS DECISÕES DE LAYLA
A Amnésia
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
FOFOCANDO
Capítulo 27
AS DECISÕES DE LAYLA
Os traíras
AS DECISÕES DE LAYLA
O Jantar
Capítulo 28
Capítulo 29
AS DECISÕES DE LAYLA
Rolezinho com o Tiozão

Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
FOFOCANDO
Capítulo 35
FOFOCANDO
Capítulo 36
GLOBAL
Capítulo 37
FOFOCANDO
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
FOFOCANDO
GLOBAL
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
AS DECISÕES DE AYLA
O retorno
Agradecimentos
Para todas as garotas que já tomaram péssimas

decisões por culpa de um coração partido.


TWITTER

Layla Ávila - 22h

Sabe quantos anos eu tinha quando descobri que não devo confiar nas pessoas? Vinte e um, há
exatos trinta minutos.

Layla Ávila - 22h


Não sei como, mas consegui tomar todas as decisões erradas possíveis para a minha vida.

Layla Ávila - 22h


Se existem duas alternativas, a probabilidade de eu escolher a pior delas é de 100%.

Layla Ávila - 22h


Você deve achar que estou sendo dramática, mas contarei aqui algumas das piores para entender como o buraco é mais em baixo.

Layla Ávila - 22h


Primeira: faço um curso que odeio.

Layla Ávila - 22h


Quero saber quando foi que a humanidade entrou nesse consenso de que com 18 anos já estamos prontos para decidir o que
queremos fazer durante o resto da vida.
Layla Ávila - 22h
Tenho 21 e não sei nem ir ao médico sem minha mãe para falar o que estou sentindo. Como acham que estou apta para dizer com
o que quero trabalhar PARA SEMPRE? Não faz sentido.

Layla Ávila - 22h


O pior é que isso não é nem a pontinha do iceberg de merda em que meu Titanic bateu.

Layla Ávila - 22h


O que nos leva ao segundo e terceiro pontos, que vieram em combo: descobri há algumas horas que o meu “presente de Deus”
está me traindo.

Layla Ávila - 22h


Estamos juntos há cinco fucking anos.

Layla Ávila - 22h


Não foram dois dias, nem dois meses, mas CINCO ANOS!

Layla Ávila - 22h


Descobri tudo graças à minha melhor amiga, que abriu meu presente e o usou bastante (se é que me entendem).

Layla Ávila - 22h


Não citarei o nome de nenhum dos dois por aqui, eles não merecem todo esse crédito (e também não quero correr o risco de levar
um processo).

Layla Ávila - 22h


Só aí já foram 3 escolhas erradas, recapitulando: faculdade, namoro e amizade.

Layla Ávila - 22h


Óbvio que não acaba por aí, né?

Layla Ávila - 22h


Se você achou que sim, está mesmo otimista com a minha capacidade de fazer merda.

Layla Ávila - 22h


Estou nesse momento sem conseguir me movimentar porque acabei de colocar silicone.

Layla Ávila - 22h


E sabe qual foi o maior motivo de colocar? Porque pensei que agradaria meu abençoado.

Layla Ávila - 22h


Tenho certeza de que alguma feminista caiu morta em algum lugar do mundo depois dessa revelação.

Layla Ávila - 22h


Estou tendo que dormir sentada. Você tem ideia do quão desconfortável é isso?

Layla Ávila - 22h


Depois de todas essas descobertas nas últimas horas, estou no meu modo vingativa e separei algumas opções sobre o que fazer.

Layla Ávila - 22h


Porém, dessa vez, não quero escolher errado, então deixarei vocês me ajudarem a optar pela opção correta (isso se alguma alma
viva aparecer em meu socorro).

Layla Ávila - 22h


OPÇÃO 1: ser uma pessoa melhor, deixar que saibam a verdade e romper todos os laços sem escândalo. (Por favor, não escolha
essa opção. Estou com sangue nos olhos!)

Layla Ávila - 22h


OPÇÃO 2: fazer barraco. Mandar um carro de som anunciar tudo que fizeram no trabalho deles. (Essa opção me traz paz, por
isso sei que provavelmente não devo fazer.)

Layla Ávila - 22h


OPÇÃO 3: vingança nível hard. Distribuir panfletos com foto dos dois pela cidade falando que procuram parceiros para swing.
(Por favor, votem nessa. EU MEREÇO!)

Layla Ávila - 22h


Se você acha que tem uma ideia melhor do que devo fazer, comente aqui.

Layla Ávila - 22h


Farei a opção com mais curtidas.
CAPÍTULO 1

Bea Schreave - 03h


Não vale a pena perder tempo se vingando ou sujando as suas mãos tão lindas. Fruta podre cai sozinha.

Thaís - 04h
Mande algumas fotos dos peitos novos para deixar o ex-namorado achando que irá rolar alguma coisa e convide os dois para um
jantar na sua casa.

Thaís - 04h
No preparo da comida deixe cair sem querer um pouquinho de laxante no prato deles.
Depois que terminarem de comer, jogue toda a merda no ventilador e deixe-os passar
uma noite namorando a privada.

Bato a tela do notebook quando meu pai abre a porta do quarto sem nenhum aviso, como
sempre. A força é tanta que a dor percorre meus braços pelo movimento brusco. Fecho os olhos e
puxo o ar, tentando recuperar o fôlego. Sou uma molenga para dor e a cada pontada que sinto
amaldiçoo a Ayla do passado por escolher colocar silicone.
Porém, é melhor sentir dor do que deixar meu pai descobrir que desabafei meus
problemas em uma conta fake do Twitter e que minha história acabou viralizando. Afinal, sou a
filha do prefeito e estamos em ano de eleição, preciso ser perfeita e serei julgada até pela cor de
esmalte que escolho passar.
Ele pergunta como estou, mas não está realmente interessado na resposta, nem sequer
olha para mim. E talvez eu tenha um pouco de culpa nisso; nós já não estávamos nos melhores
termos, e ele sempre deixou bem clara sua opinião sobre cirurgias estéticas e, mesmo sabendo
que ele não iria gostar, fui lá e fiz escondido.
Mas é aquele ditado, é melhor pedir perdão do que permissão. Se não fosse assim, eu
nunca teria conseguido ter os tão sonhados silicones próprios.
— Dolorida — respondo, apesar de já não sentir tanta dor quanto nos primeiros dias.
Talvez eu tenha sido milagrosamente curada pelo ódio.
— Você fez o que queria, agora aguente as consequências e, por favor, fique quieta em
casa. Não deixe ninguém te ver. Já tive dor de cabeça o suficiente para garantir o sigilo dos
médicos.
— Tá bom, Sr. Prefeito.
Seu olhar se fixa no meu pela primeira vez desde que colocou os pés aqui.
— Ayla, não estou brincando. A última coisa que preciso é das pessoas falando que
estou usando dinheiro público para bancar cirurgia plástica.
Claro que é a única coisa com a qual está preocupado: sua carreira política e o que os
outros vão pensar. Nossa vida é regida pela opinião pública.
As pessoas idealizam ser da realeza, mas se já é um saco ser filha do prefeito de uma
cidade que nem é um grande centro urbano, imagina ter cada passo seu vigiado por todo o país?
— Tenho todos os comprovantes, trabalhei bastante por esses peitos. Esconder tudo faz
parecer que tem algo errado mesmo.
Ele apenas cerra os olhos e sei que meus argumentos são fracos; a oposição daria um
jeito de fazer parecer que todo o valor da minha operação veio dos impostos que a população
honesta paga. Não seria a primeira vez que tentariam algo assim.
Em período de eleição tudo vira motivo para queimar o candidato. E, apesar de não estar
nos melhores termos com meu pai, não quero que ele perca. Ele pode não ser mais o melhor pai
do mundo, mas é excepcional no trabalho. Então, me dou por vencida.
— Não se preocupe, pai, isso não vai sair daqui.
Sem dizer mais nada, vira as costas e sai pela porta. Sinto uma leve pontada no peito ao
perceber como as coisas estão diferentes entre nós dois. Eu costumava ser sua garotinha, agora
parece que sou apenas a cruz que ele precisa carregar todos os dias.
Não, não ficarei remoendo isso de novo!
Abro o notebook após ter certeza de que ninguém mais entrará pela porta e continuo
lendo as respostas aos meus tuítes. As batidas em meu peito aceleram ao ver que estou com mais
de dois mil seguidores e várias pessoas opinando sobre o que deveria fazer.
Eu estava tão revoltada na noite anterior que poderia esganar aqueles dois babacas com
minhas próprias mãos. Para a sorte deles, não consigo me levantar da cama sozinha, então fui
obrigada a engolir a raiva e desabafar em uma conta falsa no Twitter.
Porém, em nenhum momento esperei que alguém fosse ler aquilo. Não coloquei
hashtags, nem marquei ninguém. Na minha cabeça, era impossível que fosse visualizado, mas
pelo jeito não era. E talvez eu esteja um pouco arrependida de ter usado apenas um “L” a mais
em meu próprio nome para criar esse fake, mas agora é tarde demais para voltar atrás.
Bem diferente do que desejei, a opção mais curtida foi: “Ser uma pessoa melhor”.
Analiso isso por um segundo, pois falei que era o que faria, mas só de pensar em ficar de
boa com tudo que fizeram aumenta a raiva dentro de mim. Então, volto para pedir que mudem de
ideia, já que falei que faria o que fosse escolhido pela maioria.

Layla Ávila - 11h


Vocês são péssimos conselheiros. Com tantas opções, curtiram mais logo a que eu não queria.

Layla Ávila - 11h


Faz mal acumular raiva dentro da gente. Preciso socar alguma coisa URGENTE (só demorarei alguns dias para fazer isso, porque
não estou nem podendo levantar meus braços direito no momento).

Layla Ávila - 11h


DICA: não coloquem silicone alguns dias antes de descobrir que você é corna. Não recomendo.

Layla Ávila - 11h


Muitas pessoas me perguntaram como eu soube da traição. Resolvi compartilhar tudo com vocês, assim ficará mais fácil darem
bons conselhos.

Layla Ávila - 11h


Fiz um blog pra isso. Acesse “As decisões de Layla”. O Twitter já está me irritando com esse negócio de só poder escrever 280
caracteres.

Sei que deveria deletar a conta e fingir que isso nunca aconteceu, mas não quero fazer
isso.
AS DECISÕES DE LAYLA

Sobre o blog:
Sabe aquele “e se” que sempre ronda nas nossas cabeças?
E se eu tivesse feito diferente? E se ele(a) correspondesse meus sentimentos? E se eu
não tivesse deixado aquele menino enfiar o negócio dele na minha flor? (Estou escrevendo para
a família brasileira aqui, respeitem minha escolha de palavras, ok?)
Então, esse blog é para mostrar que você pode até ter feito as escolhas erradas, mas
sempre terá alguém que fez piores. No caso, eu.
Prazer, Layla Ávila! (E caso você ainda não tenha percebido, esse não é meu nome
verdadeiro, não adianta tentar me procurar nas redes sociais.)
A Traição
Há cinco dias eu estava entrando na sala de cirurgia para transformar meus limões em
melões e as únicas pessoas que sabiam disso eram o meu namorado (vamos chamá-lo de
Bundão) e minha melhor amiga, que será a Falsiane.
Desde que tive alta do hospital, mal me levantei da cama além do necessário, recebi na
boca comida e remédios para me dopar. Fiz uma cirurgia estética, mas a sensação que tive nos
primeiros dias era a de que fui espancada ou atropelada, porque até os músculos da minha bunda
estavam doendo, o que não faz sentido nenhum.
Esses peitos têm que ficar MAGNÍFICOS para valer tudo isso.
Só não estou me batendo nesse momento porque é humanamente impossível levantar
meus braços o suficiente para causar qualquer tipo de dano (se bem que o dano seria causado
exatamente por erguer os braços, nem precisaria me bater).
Agora que já sabem o meu estado físico, vamos aos fatos da minha descoberta.
Ontem eu estava aqui na minha cama (onde mais estaria?) quando recebi uma mensagem
muito estranha de uma prima. A conversa foi mais ou menos assim:
Prima:
Solta a boca do seu namorado por um segundo para eu te cumprimentar.
Por que não avisou que viria pra *tal boate* hoje? (Acharam que eu daria esse mole de dizer o local, né?)
Poderíamos ter vindo juntas.

Eu:
Do que você está falando?
Eu não estou aí.
Prima:
Estou confusa…
Não é você que está com o Bundão?
AI MEU DEUS!
Eu:
Como assim?
O Bundão está aí com alguém?

Não sei dizer quanto tempo demorou para minha prima responder, mas se cada batida do
meu coração contasse como um segundo, passaram-se alguns meses antes da resposta chegar.
Prima:
*foto do Bundão na balada com a mão na bunda da menina que estava de costas para a câmera*
QUE FILHO DA PUTA!

Dava para ver nitidamente a cara dele, não tinha como falar que não era.
Enquanto eu estava lá, morrendo no pós-cirúrgico de algo que havia feito para agradá-lo,
ele estava em uma balada se agarrando com outra sem se importar de ser visto.
E ainda teve a cara de pau de me falar que estaria trabalhando toda essa semana e por
isso não poderia me ver.
Prima:
Achei que era você por conta da saia, é idêntica àquela que comprou no dia que fomos ao shopping.

Estava digitando um textão para minha melhor amiga quando essa mensagem chegou e
as peças do quebra-cabeça, que eu nunca imaginei juntas, se uniram perfeitamente.
Reabri a fotografia, dessa vez reparando mais na garota de costas.
Estava tão focada no ódio contra o Bundão, que nem me importei com quem quer que
fosse a acompanhante. Afinal, ele que havia me prometido fidelidade. A garota, até onde eu
sabia, poderia ser qualquer uma que ele conheceu na balada e não tinha ideia de que ele era
comprometido.
Aliás, um comentário rápido: não culpem outras garotas pelas merdas que seus
namorados/maridos fazem. Já basta toda a sociedade querendo nos jogar umas contra as outras
como se a vida fosse uma competição pra ver quem conquista o melhor marido. Tem tanta coisa
melhor pra brigar…
Voltando ao foco da conversa: a foto.
Quando bati o olho na mão apertando a bunda da menina, percebi que, além de estar
sendo traída pelo meu namorado com a minha melhor amiga, ela ainda estava usando a MINHA
SAIA!
Dá para acreditar nisso? A pessoa não conformada de já estar te apunhalando pelas
costas ainda faz isso com a roupa que pediu emprestada para você. Nem óleo de peroba dá conta
dessa cara de pau. (Minha avó ficaria orgulhosa de mim usando os ditados da época da mãe
dela.)
Na sexta-feira, enquanto eu mal conseguia me levantar da cama, Falsiane estava no meu
quarto revirando o armário, pois precisava de uma roupa para usar em uma festa. Ela escolheu
uma saia xadrez. Eu ainda não havia usado, estava até com a etiqueta. Quis mandá-la escolher
outra, mas sempre tive o coração mole e não consegui falar não.
Só por desencargo de consciência, mesmo tendo certeza de que era ela, pedi para minha
prima tirar uma foto da garota que estava com o Bundão. Vai que era tudo uma tremenda
coincidência, e ele havia pegado uma pessoa aleatória que tinha as características dela e uma saia
igual à minha, né? (Sim, eu estava tentando me enganar porque a saia era uma edição
limitadíssima e bem difícil de conseguir.)
Para minha profunda decepção, eu não errei no chute; era ela, e minha prima também a
reconheceu quando se aproximou mais para tirar a foto.
Meu coração mole resultou na imagem que eu estava encarando naquele momento, duas
pessoas que eu amava e confiava me traindo. Uma enfiando a porra da língua na boca da outra
(desculpa pelo palavrão, não consegui expressar meu ódio sem ele).
E eu achando que o problema do meu relacionamento eram meus limões não serem
atraentes aos olhos do meu namorado.
Meu primeiro instinto após descobrir tudo foi armar um superbarraco, mas respirei fundo
e percebi que essa era eu tomando mais uma péssima decisão. Então, vim até a internet para
deixar que vocês escolhessem uma opção melhor por mim.
Farei o que mandaram, resolverei tudo como a pessoa superior que eu não sou.
E, mais uma coisa, posso ser a pessoa superior seguindo o conselho que falava para eu
colocar laxante na comida deles?
Tenho certeza de que ajudará a limpar um pouco a merda que tem dentro deles.
Pensem com carinho.
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Luiza: Por favor, coloque o laxante na comida e conte o que aconteceu.
Jez: LAXAAAANTE!

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CAPÍTULO 2

Bernardo:
Bom dia, amor.
Acabei de desembarcar.
Te vejo à noite?
Estou louco para conhecer os novos brinquedos do meu parquinho.

Tenho que me esforçar para não o mandar ir brincar no parque do outro lado da cerca, e
me controlo em nome da vingança que planejei durante toda a insônia que tive.
Essa é a primeira mensagem que recebo dele desde que minha prima o flagrou com a
Fernanda. Não é incomum que fiquemos dias sem nos comunicarmos. Como ele trabalha
embarcado, é difícil manter o contato. O sinal nem sempre pega bem em alto-mar. Ou pelo
menos, é isso que ele sempre me fala, mas já nem sei no que devo acreditar, pois se tenho certeza
de algo, é que embarcado, ele não estava.
Volto a atenção ao celular e penso em como responder.
Uma semana atrás, quando não sabia de nada ainda, provavelmente seria com um
conteúdo proibido para menores de idade, mas é difícil ter pensamentos desse nível depois de
descobrir que sou corna.

Eu:
O parquinho continua fechado para obras ☹
A Fer chamou a gente para ir ao Labareda hoje, topa?

Na verdade, eu quem a chamei. Foi a primeira coisa que fiz depois de finalmente me
livrar dos pontos e do médico dizer que minha recuperação estava melhor do que o esperado,
mas Bernardo não precisa saber disso.
Perguntei durante a consulta se poderia sair de casa e ele falou que não teria problemas,
mas que ainda era para evitar levantar os braços. Minha mãe não ficou muito contente, mas
prometi a ela que me comportaria e ficaria sentadinha. Ela não precisava saber que o máximo
que minhas mãos precisavam se erguer era para colocar algumas gotinhas de laxante dentro de
dois copos.

Bernardo:
Já está liberada pra sair?
Preferiria ver um filminho e ficar juntinho de você.
Você tem a semana inteira para ver a Fernanda, quero você só pra mim hoje.

Uma pontada de ódio me queima ao ler a resposta. Como ele consegue fingir todo esse
carinho depois de pegar minha melhor amiga? Quero ver como estará o clima com os dois cara a
cara.
Eu:
Não aguento mais ficar em casa.
Vamos lá, por favorzinho.

Fico com receio da mentira não colar, visto que, desde o acidente no ano anterior, eu
tenho implorado para ficarmos em casa e evitado qualquer tipo de rolê envolvendo barzinhos e
boates lotadas. Mas logo sua resposta chega e fico ainda mais irritada por ele não perceber o
quanto esse é um comportamento diferente do meu novo normal.
Bernardo:
Qualquer coisa por você, meu amor

Deixo o celular de lado e pego o notebook.


Estou um pouco assustada com a repercussão do blog da Layla, mas, ao mesmo tempo,
me sinto animada de uma forma que não fico há muito tempo. As pessoas estão ali para ler a
minha história. Ou, quase a minha história. Não tenho como contar exatamente como as coisas
acontecem, primeiro para evitar que me reconheçam e segundo para evitar que me reconheçam.
Meu pai seria o primeiro a me matar, meu irmão viria logo em seguida com a mãe dele
esfregando na cara do meu pai o “bem-feito” por tê-la trocado por uma mulher que deu a ele uma
filha que só traz desgosto e, por fim, minha mãe por ser obrigada a escuta a ex-mulher dele
falando isso.
Viva à família moderna!
Valéria, nossa funcionária mais antiga, que cuidou de mim desde meu primeiro dia nesta
casa, entra no meu quarto com uma bandeja com comida suficiente para pelo menos dez pessoas
tomarem um café da manhã generoso. No canto está um copo de água e todos os remédios que
preciso tomar.
Nos primeiros dias falei que não estava com fome, mas ela ficava me vigiando até que eu
comesse algo porque dizia fazer mal tomar aqueles remédios fortes de estômago vazio. Então,
passei a obedecer.
— Eu já falei que te amo hoje?
— Ainda não e está precisando mesmo — fala e coloca a bandeja na escrivaninha ao
lado do notebook. — Aliás, comprei o remédio que você pediu.
Paro a mordida no meio do caminho e volto a colocar a torrada no prato.
— Comprou? Onde está? — Pulo da cadeira, esquecendo por um momento que estou
operada, e meus peitos doem com qualquer movimento mais brusco. Porém, logo sou lembrada
desse detalhe quando estrelas piscam atrás dos meus olhos. Seguro os dois com as mãos e me
curvo, respirando fundo. — Merda! Isso dói pra caralho! Por que ninguém me impediu de fazer
essa porcaria?
Valéria ri e dá dois tapinhas nas minhas costas.
— Como se você tivesse dado a oportunidade de alguém fazer isso, né? Onde já se viu ir
fazer cirurgia escondido? Depois acontecia alguma coisa…
— Achei que você estava do meu lado — falo ao conseguir me erguer novamente.
Ela abre a mão e estende o remédio que havia pego para mim.
— Tô do seu lado, mas não vou passar a mão na sua cabeça quando você tá errada. —
Valéria se afasta de mim e volta a mexer na cama, que já está arrumada. — Imagina se alguma
coisa tivesse acontecido, menina? Quem ia tá lá pra te ajudar?
Os olhos dela se enchem de água e ela vira de costas para mim. É estranho que a única
pessoa nesta casa que brigou comigo pela preocupação de algo acontecer é a única com a qual eu
não tenho nenhum vínculo sanguíneo.
Vou até ela e a abraço por trás.
— Eu tô bem, Bah, nada aconteceu. Paguei uma enfermeira para ir comigo porque não
queria te envolver.
Sei bem que o apelido é o jeito fácil de dobrá-la a meu favor. Ela adora contar para o
mundo que foi a primeira “palavra” que eu falei. A maioria das crianças começa com “mamã” ou
“papa”, eu comecei com Bah. Era minha tentativa de falar Vah, mas o “V” foi uma letra um
pouquinho mais complicada de aprender do que o “B”, então por muito tempo o nome dela nessa
casa foi Balélia.
— E obrigada por comprar o remédio que eu tinha esquecido. Se eu pedisse para minha
mãe, ela iria me matar de tédio com mais um sermão sobre minha irresponsabilidade.
Valéria se vira para mim, saindo do meu abraço, enfia a mão dentro do avental que usa e
coloca a caixinha na minha mão.
— Não sabia que cirurgia de silicone dava prisão de ventre para precisar disso.
— O médico falou que é por conta da anestesia, ou algo assim — minto e volto para a
cadeira da escrivaninha.
Ela ainda me observa por alguns segundos enquanto finjo normalidade antes de me
deixar sozinha novamente no quarto.
Com a animação renovada ao ver meu plano começar a tomar forma, abro o Twitter na
conta de Layla, que já soma um total de quase vinte mil seguidores, e posto:

Layla Ávila - 11h


É hoje.
CAPÍTULO 3

plano é simples: chegar no bar antes de Bernardo e Fernanda, pedir nossas bebidas, pingar
O umas gotinhas de laxante e, ao ter certeza de que beberam tudo e que passariam a noite
abraçados à privada, eu revelaria saber de tudo e mandaria os dois para a puta que pariu.
Depois disso eu me esforçaria para ser a pessoa melhor que a internet me mandou ser.
Porém, minha vida parece estar sendo regida pela lei de Murphy, aquela que diz que se
existe qualquer chance de algo dar errado, não apenas dará errado, como será da pior forma e no
pior momento. E é o que acontece.
No instante que me esforço para levantar o braço e começar a contagem das gotas dentro
dos dois copos de chope, uma mão toca meu ombro. Levo um susto tão grande que dou um pulo
para o lado e bato a bunda na mesa, fazendo os copos irem de encontro ao chão junto com o
vidrinho em minha mão. Apenas o frasco não se quebra, o restante se espalha pelo chão numa
bagunça de cacos e chope, que chama atenção de todo o bar em nossa direção.
Parece que o carma voltou antes mesmo de ir.
Olho para o homem que me interrompeu.
E, meu Deus, que carma bonito esse, hein?
— Nossa, moço. Quer me matar de susto?
Levo a mão ao peito para me recuperar e olho do frasco de laxante no chão para o
homem parado à minha frente. Os olhos castanhos me fitam, e eu observo o estranho que acabou
de atrapalhar meu plano. As tatuagens saindo pela manga da blusa do lado direito, delineando os
músculos, é a primeira coisa que me chama atenção.
Não costumo ser fã de tatuagens, mas acho que acabei de mudar de ideia.
— Não queria te assustar — fala e é só quando ouço sua voz que o reconheço, tornando
o choque ainda maior.
Os dentes não têm mais o aparelho, a pele já se recuperou da fase das espinhas e ele não
usa mais o cabelo quase raspado — agora os cachos rebeldes saltam numa perfeita bagunça.
O meu coração traidor acelera dentro do peito mesmo cinco anos depois, mesmo quando
achei que já tinha superado há tempos aquela paixão e o ódio por ir embora sem nunca se
despedir de mim.
— Gustavo? — Me esforço para não gaguejar.
Os lábios se alargam em seu rosto e a covinha aparece na bochecha direita.
Isso é jogo baixo! Preciso ficar com raiva de você e não te achar bonito e ficar sorrindo
como boba por ter sua atenção.
— Estou tão diferente assim?
Confirmo com a cabeça.
— Você costumava ser mais bonito — provoco, voltando a ser a garota que adorava
pegar no pé dele só para disfarçar o quanto ele mexia comigo.
— E você continua linda, como sempre — rebate e pisca um dos olhos para mim.
Quando foi que ele ficou tão charmoso? Ele sempre foi tão alto? Meu Deus! Se eu já
tinha uma queda quando ele era um nerd cheio de espinhas na cara e com o bigode tão ralo que
mais parecia sujo de Nescau, agora talvez eu tenha um buraco negro.
Para a minha sorte ou azar — depende do ponto de vista —, um garçom nos interrompe
ao aparecer do nosso lado com vários itens de limpeza, pedindo licença para arrumar minha
bagunça. É neste momento que saio do meu transe e volto para a realidade da minha missão
neste lugar.
— Claro, só preciso pegar meu remédio — falo, mas, antes que eu consiga me mover,
Gustavo se abaixa e pega o frasco.
Vejo seu cenho franzir ao ler o rótulo e a cena mais vergonhosa que passei com ele seis,
talvez sete anos atrás, parece estar se repetindo.
Por que ele sempre aparece nos momentos mais constrangedores?
Da última vez, o encontro foi em uma farmácia. Eu estava tentando esconder o remédio
de gases nas mãos, porque era óbvio que não queria que o menino por quem era apaixonada
soubesse que eu estava com esse tipo de problema, mas, enquanto eu tentava parecer a garota
mais interessante e descolada que ele já havia conhecido, meu pai, sem paciência, gritou do caixa
perguntando se eu já tinha pegado o remédio para peido, deixando todos, inclusive o garoto,
saber qual era o meu problema.
Saí de lá sem me despedir e passei as semanas seguintes sem conseguir olhar na cara
dele, que, para a minha infelicidade, não foi nem um pouco cavalheiro e me zoou bastante.
Sei que peidar é normal e todo mundo faz, mas é algo que eu nunca admitirei em voz
alta, principalmente para as pessoas em que eu tenha interesse amoroso.
Ele me entrega o laxante com um pequeno sorriso no canto dos lábios e sei que quer me
zoar, mas, em vez disso, se abaixa e começa a ajudar o garçom a recolher os cacos de vidro. É só
quando ficamos sozinhos de novo que ele finalmente fala o que parecia estar entalado:
— Por que você estava colocando laxante no seu chope?
— Achei que seria uma boa maneira de me medicar — respondo e dou de ombros. É
péssimo que ele me imagine entupida da forma que imagino quando alguém me fala que não vai
ao banheiro há dias, mas é menos pior do que ele descobrir que sou uma pessoa horrível
colocando isso na bebida do meu futuro ex-namorado e ex-melhor amiga.
Ele está prestes a responder quando um braço me envolve por trás, as mãos que antes
faziam com que eu ansiasse por seu toque agora me dão asco ao virarem meu rosto para
conseguir deixar um beijo em minha boca. Beijo este, que desvio com sucesso e acaba na
bochecha.
Tenho que me controlar para não deixar os olhos lacrimejarem.
Bernardo aperta ainda mais minha cintura e fecha a cara antes de falar um “e aí?” para
Gustavo, provavelmente imaginando que não o beijei pela presença do meu amigo, sem ter ideia
de que quem ferrou com tudo foi ele mesmo.
— Esse era o chope que você falou que ia pedir para a gente? — Fernanda pergunta e
aponta para o chão, sem nem me cumprimentar antes.
Ela veio de carona com Bernardo. Eles me comunicaram isso. Queriam que eu viesse
com eles, mas menti dizendo que minha mãe insistiu em me trazer e buscar, pois anda muito
preocupada comigo por conta da cirurgia.
Não aguentaria vir até aqui com eles no mesmo carro.
— Era. Desculpa, derrubei os dois copos — respondo, sem conseguir olhar para ela.
Percebo o cenho do Gustavo franzir por um segundo.
— Achei que o chope era pra você — comenta.
— Claro que não, ela está tomando antibiótico, não pode beber — Bernardo rebate,
como se fosse óbvio.
Meu namorado nunca foi do tipo ciumento que fica mijando como um cachorro para
marcar território. Porém, a personalidade dele muda sempre que o assunto é Gustavo. Nunca
contei a ele sobre minha paixão adolescente, mas parece saber que há algum perigo aqui, pois,
sempre que estamos juntos, quer mostrar que me conhece melhor, como se ele saber que eu
estava tomando um antibiótico fosse a razão do meu viver.
Gustavo morde o lábio inferior para disfarçar o sorriso. Queria que meus olhos fossem
uma filmadora para poder reprisar essa mordida e o meio sorriso de lado. Foi sem dúvidas uma
das coisas mais sexys que já vi.
Ele sabe.
— Foi bom te ver, Ayla. Me liga qualquer dia, estou morando aqui de novo.
— Espera! — Fernanda fala logo que ele vira as costas e se afasta. — É o Gustavo?
Aquele menino estranho que você era apaixonadinha? Meu Deus!
— Será que podemos sentar? Estou com fome — Bernardo resmunga, provavelmente
não gostando do rumo da conversa.
Ele me puxa para a mesa, mas me solto dos seus braços.
— Eu… eu… só preciso ir ao banheiro.
Viro antes que consigam falar qualquer coisa e quase corro até lá. Achei que seria mais
fácil encarar os dois, mas, agora, frente a frente, a dor parece me consumir. Eu confiava neles.
Merda, eu os amava.
Assim que fecho a porta atrás de mim dentro do cubículo, tiro o celular do bolso e vou em busca
do alívio ao contar tudo que aconteceu no Twitter. As pessoas estão ávidas por essa noite e eu
darei isso a elas, porque também preciso desabafar.

Layla Ávila - 20h


O meu crush da adolescência apareceu bem na hora H e arruinou todo o plano. Agora preciso da ajuda de vocês de novo!
AS DECISÕES DE LAYLA

A Merda No Ventilador

Talvez vingança seja mesmo um prato que se come frio, mas para uma pessoa que ama
sushi, isso com certeza não é um problema.
Fiquei mais de vinte minutos trancada no banheiro esperando a resposta de vocês sobre o
que eu deveria fazer a seguir (sem pressão, mas poderiam ser mais rápidos da próxima vez que
eu precisar de alguma ajuda urgente assim).
A demora foi tanta que a Falsiane resolveu ir atrás de mim. Se foi por vontade própria ou
por pedido do Bundão, é algo que nunca saberei.
Eu estava sentada no vaso lendo as mensagens de vocês quando ela bateu na porta
perguntando se eu estava bem. Guardei o celular no bolso e saí de lá.
Ela parecia nervosa, também não me olhava direito e uma parte minha achou que, se eu
desse a oportunidade, ela abriria o jogo, falaria que foi tudo um erro ou um grande mal-
entendido. Talvez até falasse sobre estar arrependida.
Éramos amigas desde a sétima série, quando descobrimos nosso amor por One Direction
e saber tudo que pudéssemos sobre aqueles cinco estranhos era a coisa mais importante de nossas
vidas.
Depois disso compartilhamos tantas coisas.
Ela estava na minha primeira balada, no meu primeiro porre, foi a primeira para quem
contei sobre minha primeira vez. Tudo sobre a Layla dos últimos anos tinha memórias que a
ligavam à pessoa que deveria ser minha melhor amiga.
Nós até treinamos juntas para melhorar nosso beijo com as dicas que encontramos na
internet, passamos horas tentando pegar o gelo com a língua dentro do copo (você pode rir disso,
mas sei que também treinou beijar com alguma técnica que viu por aí).
Por toda nossa história, eu não queria acreditar que ela trocaria todos esses anos em que
fomos inseparáveis por conta de um garoto. Para ser bem sincera, eu estava muito mais magoada
por perdê-la do que por perder ele.
(Colocarei aqui o que lembro da conversa que tivemos no banheiro, minha memória não
é das melhores).
Falsiane: Está acontecendo alguma coisa? Você está bem? O Crush (vamos chamar
assim o tal garoto por quem eu tinha uma queda na adolescência e apareceu no bar hoje) falou
alguma coisa que mexeu com você?
Estava dentro do banheiro de frente para mim.
Eu: Não, não aconteceu nada. Está tudo bem. Como foi a festa?
Cutuquei sobre o tal dia para ver sua reação.
Falsiane: Foi incrível, faltou você lá!
Não houve sequer um momento de hesitação, nem mesmo uma sombra de
arrependimento. Soltou na lata, como se tivesse sido só mais uma festa normal na qual ela
realmente queria minha presença. Como se ela não tivesse enfiado a porra da língua na boca do
meu namorado.
Então o apelido fez todo o sentido do mundo quando ela se aproximou e me puxou para
um abraço. Aquilo me deu nojo. Por sorte, eu tinha meus peitos novos como desculpa. Fugi de
seus braços alegando estarem muito doloridos, apesar de já não estar sentindo quase nada de dor.
Ela ficou com o meu namorado e não demonstrou nenhum remorso ao vir para o meu
lado cheia de carinhos e abraços. Se eu tivesse feito algo parecido, não conseguiria nem olhar na
cara dela. Para agir de forma tão normal assim só podia significar que não havia sido a primeira
vez e eu estava disposta a descobrir.
Eu: Uma pena eu estar operada logo no dia dessa festa incrível, gostaria de ter ido.
Falsiane: Uma pena mesmo, mas pelo menos seus peitos parecem ter ficado incríveis.
Que dia poderei ver e fazer fon-fon?
Tive que segurar minha língua para não deixar sair o “nunca” que já estava bem na
ponta.
Eu: Não tão cedo, nem minhas mãos fazem fon-fon aqui ainda.
Sugeri que voltássemos para a mesa porque estava com dó de deixar o Bundão lá
sozinho (até parece, por mim podia morrer esperando, mas colou).
Como vocês me aconselharam a não desperdiçar o restinho do laxante, falei que era
culpa minha ter derrubado as bebidas e me prontifiquei a pagar um copo de chope para cada um
deles como pedido de desculpas. Peguei a comanda do Bundão discretamente para fazer o pedido
(vocês não acharam mesmo que eu ia gastar mais do meu suado dinheirinho com esses dois, né?
Nem mesmo para minha própria vingança).
Dessa vez consegui concluir a tarefa sem maiores problemas. O garçom me entregou os
dois copos de chope, eu parei em uma mesa de canto na volta, verifiquei em todos os ângulos
para ter certeza de que ninguém surgiria do nada e coloquei as gotas, que a internet me
recomendou, no copo de cada um deles.
Enfim, depois de fazer o que mandaram, sentei à mesa e esperei os dois darem boas
goladas enquanto eu bebia um pouco do meu suco de laranja. Então, joguei no ventilador sem
dar tempo nenhum.
Eu: Há quanto tempo vocês estão me traindo?
O Bundão engasgou com a bebida, que escorreu até pelo nariz, sujando sua blusa no
processo. Nojento. A Falsiane perdeu toda a cor.
Falsiane: Layla…
Eu: Não precisa tentar se defender e inventar desculpas. Só quero saber há quanto
tempo.
Bundão: De onde você tirou essa loucura, Layla?
Levantei o dedo pedindo um minuto, tirei o celular do bolso, criei um grupo no
WhatsApp e mandei a foto para os dois. Não ia mostrar a foto no meu iPhone novo e correr o
risco de um dos dois, num momento de loucura, querer lançá-lo longe.
Eu: Chequem o WhatsApp.
Ele foi o primeiro a ver a foto enquanto ela ainda revirava a bolsa em busca do próprio
celular.
Bundão: Você entendeu tudo errado.
Falsiane levantou o rosto, desistindo da busca pelo próprio aparelho, e se esticou por
cima dele para ver a imagem que brilhava na tela. Sua mão foi até a boca com um gemido
abafado.
Eu: Deve ter sido a sua língua enfiada na boca dela que passou essa impressão errada.
Bundão: É mais complicado do que isso…
As lágrimas já estavam escorrendo do rosto da minha melhor amiga nessa hora. Sempre
achei fofa a maneira que ela era uma manteiga derretida e chorava por tudo, mas no momento
queria que ela e essas lágrimas de crocodilo se explodissem.
Eu: Há quanto tempo?
Bundão: Layla, eu juro pela vida da…
Eu: Pode parar por aí, não coloca a vida de ninguém em risco pra sustentar suas
mentiras.
Bundão: Nós não queríamos te magoar.
Eu: Foda-se se queriam ou não. Querer não torna menos pior o que fizeram. Eu confiava
em vocês, porra, eu amava vocês, e olha o que fizeram comigo!
Falsiane: Layla, eu sinto muito, não era pra ter acontecido assim. Não vai acontecer de
novo.
Eu: Não me interessa se vai ou não acontecer de novo, quero os dois fora da minha vida.
A única coisa que quero saber é: há quanto tempo vocês estão fazendo isso?
Perguntei diretamente para ela dessa vez.
Bundão: Foi só uma vez, Layla, nós podemos resolver.
Eu: Quanto tempo?!
Gritei e só não bati na mesa para dar mais ênfase para manter minha palavra de que não
faria movimentos bruscos.
Não costumo ser uma pessoa que se exalta, mas foi mais forte do que eu. E, para a minha
sorte, a música estava alta demais para chamar atenção de mais gente.
Falsiane: Não sei. Não estamos juntos, mas aconteceu algumas vezes. Eu não queria,
desculpa, amiga.
Soltei uma gargalhada forçada.
Eu: Amiga, sério?
Bundão: Pega leve, Layla.
Eu: Pegar leve? Sério que está mandando eu pegar leve depois de ficar não uma, mas
várias vezes com a minha melhor amiga?
Bundão: Não foi desse jeito que aconteceu.
Eu: Você falou que estaria trabalhando! Eu estava morrendo de dor em casa, achando
que meu namorado não podia me ver porque tinha que trabalhar em outra cidade, mas, na
verdade, estava curtindo a porra de uma festa com a minha melhor amiga.
Falsiane: Eu não…
Ela tentou falar entre os soluços, um choro que pra mim soava falso, e eu não senti um
pingo de empatia. Não conseguia mais acreditar em nada.
Apenas me levantei sem dizer mais nenhuma palavra e dei as costas para os dois. Eu não
queria e não precisava mais daquele drama.
Se estivessem apaixonados mesmo, agora poderiam ficar juntos sem se preocupar em
esconder as coisas de mim.
Caminhei até o bar, deixando os dois para trás. Foi quase uma cena de filme de ação,
quando o herói sai andando de dentro da fumaça e tudo atrás explode.
Falei que passei uma semana me preparando para esse confronto, que eu já tinha
absorvido e aceitado as informações, mas parecia que lá no fundo eu ainda nutria uma pequena
esperança de que tudo não passasse de um grande mal-entendido. Saber que minha confidente e
o garoto que acreditei ser meu “felizes para sempre” estavam escondendo algo assim de mim me
levou para um lugar bem ruim.
Saí do bar e liguei para minha mãe ir me buscar. Queria me deitar e esquecer daquele
dia.
Porém, quando íamos para casa, chegou uma notificação no meu Instagram:
“Crush seguiu você.”
E, em meio a um dia tão caótico, me peguei sorrindo.
Como o coração consegue ser tão burro e esquecer como as pessoas já o fizeram sofrer
só porque está passando por outra desilusão?
Acham que devo seguir de volta e esquecer o passado?
Beijos,
Layla Ávila.

Comentários:
Jeanny: Ai que ódio desses dois. Pelo amor, dá uma chance ao Crush.
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AS DECISÕES DE LAYLA

O Crush

Sabe aquele ditado sobre a gente nunca esquecer o primeiro amor? Então, é real, mas o
que ninguém conta é que provavelmente também será o primeiro a desgraçar o seu coração. E
essa é minha história de amor não correspondido com o Crush, pois vocês encheram os
comentários querendo saber mais sobre ele.
Nos conhecemos desde sempre, nossos pais faziam parte do mesmo círculo de amizades
e estavam sempre juntos. O Crush era o mais velho dessa turma dos filhos e geralmente era quem
comandava a bagunça. Naquela época, eu era a garota certinha que o dedurava para os nossos
pais sempre que não concordava com algo.
Eu o odiava, ou pelo menos, era no que acreditava.
Vivíamos implicando um com o outro, até que um dia, brincando de pique-esconde, eu e
ele acabamos nos enfiando no mesmo armário. O espaço era pequeno demais e pela primeira vez
senti uma atração pelo menino encrenqueiro. Claro que, na época, eu não tinha ideia de que era
isso que estava sentindo — devia ter onze ou doze anos e nunca tinha sequer beijado na boca.
Então, tudo aquilo do coração disparando sempre que ele estava por perto era algo bem novo
para mim.
Desde então comecei a inventar desculpas para estar perto dele, porém nunca paramos
com a implicância, era a forma que encontrei para que ele não percebesse que talvez eu estivesse
gostando dele.
Afinal, ele era mais velho e, naquela época, dois anos de diferença era muita coisa.
Nos aproximamos bastante nos anos seguintes e sempre guardei muito bem o segredo
sobre minha quedinha por ele. Incentivava sempre que alguém tinha interesse nele, mesmo
quando meu coração parecia ser esfaqueado toda vez que o via com outra menina.
No segundo ano do ensino médio, conheci o Bundão, que parecia ser uma pessoa
incrível. Ele era engraçado, companheiro, gostava de me mimar e, claro, era bonito como o
inferno (agora entendo por que, é o próprio diabo).
Ele e o Crush não se bicavam muito, então acabei me afastando do meu amigo para dar
atenção ao meu namorado.
Quando fiquei sabendo que o Crush tinha passado no curso que queria e iria se mudar,
mandei uma mensagem para ele pedindo desculpas por me afastar, dizendo querer o encontrar
para me despedir, porém, uma semana depois, sem nenhuma resposta, descobri que ele havia
dado uma festa de despedida, não tinha me convidado e ignorou completamente a mensagem,
que estava como visualizada.
Fiquei tão puta que o deletei e o bloqueei de todas as redes sociais.
Isso faz cinco anos e ontem foi a primeira vez que o vi em todo esse tempo.
A raiva que senti na época já passou e só consigo sentir saudades do meu amigo.
E, por isso, hoje de manhã segui o Crush de volta.
E a primeira mensagem do infeliz foi:

Crush:
Conseguiu cagar?

Para quem não o conhece, essa pode ser uma mensagem estranha, mas ele é assim, adora
falar uma bobagem e não tem problema nenhum com o que as pessoas podem pensar sobre isso.
E, apesar da nojeira, me arrancou uma risada, pois era óbvio que ele não deixaria passar batido.
Eu:
Meu Deus! Quem começa assim uma conversa? Cadê o bom dia?

Crush:
Não tenho tempo pra conversa fiada. Gosto de ir direto ao ponto. Conseguiu ou não?

Eu:
Você sabe que não faço essas coisas.

Era estranho conversar com ele de forma tão descontraída depois de todos esses anos.
Costumávamos passar horas falando sobre nada e rindo de tudo; senti falta daquele tempo.

Crush:
Claro, esqueci que você nasceu sem cu, igual a Sasha.
Eu:
Sim.
Aqui só entra, nada sai.

Crush:
Layla, não torne minha vida tão fácil.
Olha as coisas que você fala.
Como a quinta série dentro de mim vai aguentar ter uma conversa séria quando você fala que aí
só entra?

Eu:
SÓ ENTRA COMIDA!
Que mente suja.

Crush:
Você acabou de piorar mais ainda a situação e eu estou me esforçando muito para não te zoar.

Eu:
Esqueci o quanto é difícil ter uma conversa séria com você.

Crush:
Na verdade, é muito fácil.
É só não falar coisas com duplo sentido.

Eu:
Você encontra duplo sentido até onde não tem.

Crush:
Só porque você não viu, não significa que não tenha.

Eu:
Já estou arrependida de ter te aceitado.
Crush:
Fiquei surpreso de não estar mais bloqueado.

Eu:
Você nunca esteve bloqueado aqui. Eu ainda não tinha Instagram naquela época. Pelo
jeito, nunca me pesquisou.

Crush:
Pode me culpar por isso?

Eu:
Sim, posso! Achei que éramos amigos e você sumiu da minha vida.

Crush:
Eu não teria sido um bom amigo naquela época, de qualquer forma.
Podemos deixar isso pra lá e recomeçar daqui?

Eu:
Não sei.

Crush:
Você sabe que sentiu minha falta.

Eu:
Um pouquinho, talvez.
Principalmente do seu brownie.
Você bem que podia fazer para mim qualquer dia desses.

Crush:
Vem aqui em casa que eu faço e você pode me contar o que aconteceu ontem, porque estou um
pouco confuso com tudo que vi.

Eu:
Não posso sair de casa.
Prometi para minha mãe que depois de ontem só sairia quando o médico me liberasse
para dirigir de novo, o que espero do fundo do meu coração que não demore.

Crush:
O que você tem?
Por que não pode dirigir?
Ontem o Bundão comentou sobre o antibiótico, mas não imaginei que fosse nada grave. Até
porque estava em um bar.

Eu:
Bom, não é nada grave mesmo.
Fiz uma cirurgia boba.

Estava com vergonha de admitir que fiz uma cirurgia estética por um babaca que estava
me traindo e também não queria falar sobre o meu corpo com ele. Seria estranho. Então, omiti
propositalmente a informação, mas tive vontade de convidar para vir fazer o brownie aqui em
casa.
Porém, deixarei a escolha na mão de vocês. O que acham? Devo convidar?
Beijos,
Layla Ávila

Comentários:
Ananda: Claro que convida! Queremos entretenimento de qualidade.
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CAPÍTULO 4

olo os comentários do blog em choque com o aumento de um dia para o outro. Recebi
R cinquenta respostas na noite anterior quando postei perguntando se deveria seguir o plano
de usar o laxante ou se todos os percalços do caminho eram um sinal de que era errado
continuar com aquilo. As pessoas que responderam pareciam estar com tanta raiva quanto eu,
pois não me deixaram desistir do plano inicial.
Porém, hoje tem alguns comentários me cancelando por isso. E, agora, sem a raiva e
refletindo melhor, talvez não tenha sido mesmo a melhor das ideias colocar um remédio na
bebida deles sem que soubessem. Provavelmente infringi alguma lei ao fazer isso e ainda admiti
para toda internet.
Será que posso ser presa por isso? Meu pai vai me matar.
Com certeza é tarde demais para me arrepender. A essa hora eles já devem estar com a
bunda no formato do vaso de tanto tempo que passaram lá.
Saio do blog e abro o Twitter, que já acumula quase trinta mil seguidores, algo que eu
não chego nem perto de ter na minha conta pessoal. Não esperava alcançar tanta gente em tão
pouco tempo.
As pessoas estão alvoroçadas por mais da história.

Layla Ávila - 14h


O Crush está vindo aqui. SOS. Fiquem atentos para o caso de eu precisar de uma tomada de decisões rápida.

Layla Ávila ⸱ 14h


Orem por mim para que meus novos peitos tenham me transformado numa grande gostosa e ele pare de me ver só como uma
amiga.
— Ayla — meu pai chama e o celular quase cai da minha mão quando escuto os passos
firmes se aproximarem. — Que merda é essa? — pergunta ao entrar na sala e estica o celular
dele para mim.
Sinto a cor sumir do meu rosto ao ver a chamada sensacionalista da notícia do jornal
local.
AYLA ANDRADE, FILHA DO PREFEITO SAMUEL ANDRADE, BEBEU
TODAS E FEZ FEIO NO LABAREDA NA ÚLTIMA SEXTA-FEIRA.
Logo abaixo tem uma sequência de fotos minhas derrubando os copos de chope. Em uma
delas Gustavo está com a mão em meu braço e parece me impedir de cair. Não me lembro do seu
toque, mas pela imagem parece mesmo que estou caindo de bêbada.
— Isso está totalmente sem contexto, pai.
Porém, o contexto real talvez seja pior do que o da notícia. Então, é melhor só negar.
— Você sabe que não posso beber. Foi apenas um acidente, esbarrei na mesa e as
bebidas caíram.
E se alguém fizer a ligação dessa matéria com a minha postagem no blog?
Eu deveria deletar o blog e acabar com qualquer possibilidade de isso acontecer. É o
que a razão diz, mas sinto um vazio dentro de mim só de pensar em deletar a melhor coisa que
me aconteceu nos últimos tempos.
— Pensei que você tinha falado que ia sair com o Bernardo. Quem é esse na foto? Você
sabe como isso pode parecer para ele?
Claro que a maior preocupação dele é em relação ao meu ex-namorado, que é mais
amado do que eu dentro desta casa. Quando ele souber que o garoto ao meu lado é o filho
rebelde do seu amigo, que ele deu graças a Deus por se afastar de mim, as coisas vão ficar um
pouco piores. Porém, é melhor que saiba por mim do que por outra pessoa.
— É o Gustavo, filho do Giovani. Ele me viu no bar e veio me cumprimentar, eu me
assustei e acabei derrubando os copos no processo — explico. — O Bernardo chegou depois.
O celular é puxado de volta e meu pai ajeita os óculos para tentar enxergar melhor.
— Giovani deve se revirar no túmulo por conta desse menino. Só de ir falar “oi” para
você já conseguiu me arrumar dor de cabeça. Vou pedir para minha equipe montar um texto para
você postar explicando a situação.
Claro que vai.
Minhas redes sociais oficiais são monitoradas por toda a equipe dele. O único controle
que tenho é com quem converso no privado e ai de mim se fizer qualquer postagem sem um
aviso prévio. Tudo é milimetricamente pensado.
— Ele não é tão ruim.
Não consigo não defender Gustavo quando ele é julgado como um péssimo filho por
fazer o que eu sempre quis, mas nunca tive coragem. Deixou bem claro para os pais o que queria
e não abriu mão dos próprios sonhos para viver o futuro que já tinham planejado por ele.
Giovani queria que ele estudasse contabilidade e assumisse a empresa da família, mas,
um mês depois da morte do pai, Gustavo foi estudar design de games.
— A empresa deles foi à falência por culpa dele — fala meu pai.
— Não, a empresa foi à falência porque Giovani não estava mais lá. Ninguém garante
que Gustavo poderia salvar nada. Se nem os especialistas contratados conseguiram, quem dirá
um menino de dezoito anos sem nenhuma formação.
Meu pai solta um longo suspiro e sei que isso significa que não concorda comigo, mas
não gastará seu tempo tentando me convencer do contrário.
— Enfim, espero que ele vá embora de novo logo e não cause nenhum problema.
Espero que fique bastante.
— Ele está vindo aqui agora. — Solto a informação rápido porque não terei como
esconder. — E espero que o senhor o trate bem.
Com um longo suspiro e um cruzar de braços, ele me olha da forma que sempre antecede
um longo sermão.
— Ayla…
— Pai, tem anos que não nos vemos, éramos amigos.
— O Bernardo concordou com isso?
Chegou a hora, Ayla. Fala para ele que não existe mais Bernardo na sua vida!
Encaro a carranca dele e respiro fundo, juntando toda a coragem para contar que terminei
tudo, mas o interfone toca e a palavra que sai da minha boca é:
— Claro.
Não tenho tempo agora para escutar todos os motivos de estar errada sobre o término.
Tenho para mim que, mesmo sabendo toda a verdade, ele ainda ficaria do lado do meu ex-
namorado e daria um jeito de colocar a culpa da traição em cima de mim.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Encontro
(Encontro porque nos encontramos, não porque foi um encontro do tipo duas pessoas
que se gostam e têm interesse em se pegar no final. Não que eu não quisesse que tivesse sido
nesse sentido, mas nunca fui vista desse jeito por ele e, ao que tudo indica, nada mudou, para a
minha infelicidade.)
Porém, contudo, entretanto, todavia… Nada me impede de tentar. Posso não ter a
mínima ideia de quem sou ou do que quero da vida, mas se tenho certeza de algo é de que não
ficarei de luto por um relacionamento no qual a pessoa não teve nem a decência de terminar
comigo antes de correr atrás de outra.
A não ser que vocês digam que eu não deva fazer isso, mas pela quantidade de
mensagens shippando nós dois, duvido que seja o caso.
Enfim, se você é do grupo que está falando que sou aquela palavra que começa com pi e
termina com ranha por já estar em outra, sendo que terminei meu relacionamento ontem e que
provavelmente fui traída porque devia ser uma megera: fique à vontade para parar de ler por aqui
e fechar a aba do blog.
Sério, feche!
AGORA!
Não confio em pessoas que sempre arrumam uma forma de jogar a culpa de uma traição
nas costas da mulher.
Para quem ficou, contarei a vocês sobre o meu dia que só não foi perfeito porque não
terminou com o Crush com a boca dele na minha.
Ele chegou aqui pouco depois do almoço e trouxe toda a tralha que precisava para assar
o brownie que eu queria. Havia mencionado na conversa, mas não imaginei que ele levaria isso a
sério.
E se ontem eu o tinha achado bonito, hoje com a luz do sol ficou ainda mais. É uma pena
para vocês que eu não possa jogar aqui uma foto dele para tornar essa história ainda mais
interessante.
Minha mãe, assim como eu, não o reconheceu de primeira, mas pareceu ficar feliz de o
encontrar. Apesar de me lançar alguns olhares estranhos, que só fui entender depois. Falou sobre
como sentia falta da mãe dele, que havia se mudado para outra cidade para cuidar dos pais dela, e
comentou sobre o quanto ele estava diferente. (Porém, não senti que falou isso no bom sentido.)
Depois perguntou o que ele fazia ali, já que eu não tinha comunicado nada. Ao ouvir a
resposta, foi marcar território para o meu ex-namorado, que ela ainda não sabe que é ex.
Mãe: O Bundão também vem? Você lembra do namorado dela, Crush?
Ainda não contei aos meus pais sobre o fim do relacionamento e não estava nem um
pouco a fim de fazer isso com o Crush ali do lado, sabia bem que essa conversa seria longa.
Então, falei a primeira coisa que veio à minha cabeça para que ela nos deixasse em paz.
Eu: Não precisa se preocupar com isso, mãe, ele é gay.
Mãe: Ah, eu não sabia disso.
Ela franziu o cenho por um segundo antes de dar a volta da bancada e puxar o Crush para
um abraço inesperado.
Mãe: Você não precisava ter escondido isso de nós.
Crush: Eu não estava escondendo…
Mãe: Tudo bem, não precisa me explicar. Sua mãe nunca me falou nada. Talvez achasse
que eu poderia julgar.
Diferente do que imaginei que aconteceria, ele não negou nem ficou sem graça. Na
realidade, parecia que eu havia acabado de falar uma verdade.
Crush: Ela não gosta de falar sobre isso, tem vergonha. Sabe como funciona a cabeça
das antigas gerações, não é?
Mãe: É difícil, mas não perca sua felicidade por conta do que os outros acham.
Fiquei estática com essa conversa dos dois. Não estava conseguindo entender se ele
estava só entrando na onda da minha brincadeira ou se eu tinha mesmo falado a verdade sem
perceber. Fiquei repassando todas as nossas conversas do dia na cabeça. Será que eu tinha
perdido tantas coisas importantes assim na vida dele ao longo desses cinco anos?
O pior de tudo era que geralmente, quando via meninos héteros fingindo ser gays,
sempre exageravam nos movimentos e afinavam a voz, mas o Crush continuou agindo e falando
exatamente da mesma maneira que estava fazendo desde o início.
Mãe: Sendo assim, acho que não tem problema vocês ficarem sozinhos, pois eu e meu
marido temos um compromisso agora à tarde e não poderemos ficar aqui. E talvez o namorado
dela não se importe mais agora que você não é mais um perigo para ele.
Apesar da grande vontade de falar que eu queria que meu “namorado” se explodisse,
contive a raiva e dei um sorriso mais forçado que comercial de margarina.
Crush: Por que sua mãe acha que eu era um perigo para o otário do seu ex?
Perguntou quando finalmente ficamos sozinhos e claro que eu não podia responder a
verdade: “Porque você era e provavelmente bastaria estalar os dedos para eu te escolher no lugar
dele”. Então, fui obrigada a inventar uma mentira que não me fizesse soar como a garotinha
apaixonada que eu era.
Eu: Porque ele tinha ciúmes de você. Tinha certeza de que tudo que você queria era me
roubar dele.
E isso até é parte da verdade.
Sentei na ilha da cozinha enquanto ele separava os ingredientes de forma hábil. O
observei com a pulga atrás da orelha sobre a questão da sexualidade dele que levantei. Primeiro
pensei que homens não costumavam ser tão bons na cozinha, mas depois vi que era só eu
tentando arrumar uma desculpa, já que existem milhares de chefs héteros.
Então, decidi parar de tentar bancar a adivinha e soltei o assunto.
Eu: Você não é gay.
Seu olhar encontrou o meu e ele mordeu o lábio para impedir uma gargalhada, porém
não conseguiu e seu corpo começou a tremer até o som sair alto de seus pulmões.
Crush: Não sabia que você tinha me convidado para discutir minha sexualidade.
Eu: Isso quer dizer que você é gay ou não?
Claro que eu não o deixaria se livrar sem me responder. Ficaria bem desapontada por
todos os anos que tive um crush enorme nele e também por todo o futuro que eu já havia
fantasiado na minha cabeça.
Crush: Que diferença faz eu ser ou não?
Perguntou com um sorriso no rosto; estava se divertindo, o desgraçado.
Eu: Toda diferença.
Crush: É mesmo? Por quê?
Eu: Porque sim. E para de sorrir pra mim dessa maneira.
Crush: Que maneira?
Eu: Como se soubesse algum segredo que eu não estou querendo contar.
Seu sorriso ficou ainda mais largo e, então, vi uma bolinha prateada entre seus dentes. E
por um segundo me peguei pensando que nunca beijei ninguém com um piercing na língua.
Sempre achei algo que parecia meio nojento, mas na boca dele fez os pelos do meu corpo se
arrepiarem imaginando como seria.
Tive que obrigar minha imaginação a parar de ir por esse caminho e focar em outra coisa
que não fosse sua boca. E, claro, tive que pedir que repetisse o que falou, pois “viajei” por um
momento.
Crush: Bom, eu sei um segredo que você não quer contar. De algo que vi ontem e vim
aqui para escutar o que rolou para que quisesse deixar seu namorado e sua melhor amiga
passando mal.
Eu: Tudo bem. Se eu te contar tudo, você me fala a verdade?
Crush: Você precisa desabafar, Layla, não eu. Isso não é uma troca. E levante a bunda
daí porque não farei isso sozinho enquanto me observa.
Sua mão agarrou meu pulso e me puxou de cima da ilha. Desci devagar até o chão, sem
dar um tranco muito forte para não deixar meu peito balançar muito. Porém, quando meus pés
encontraram o piso, cambaleei para frente e o prensei contra a bancada do outro lado. Segurei em
sua blusa para me estabilizar e terminamos quase abraçados.
Ele colocou a mão em meu quadril e arqueou uma sobrancelha.
Crush: Layla, você acha que é só me trazer para a sua casa e me jogar contra a bancada
para eu ceder? Precisa pelo menos pagar um jantar pra mim. É o mínimo. Sou um rapaz decente,
não sou igual esses que costuma pegar por aí.
Bati sua mão para longe do meu quadril, dei um passo para trás e mostrei a língua para
ele, da mesma forma que eu fazia quando irritávamos um ao outro no auge dos nossos seis anos
de idade.
Eu: Se você é um rapaz decente, eu sou uma santa. Lembra aquele show que fomos da
Ivete e você pegou, sei lá, trinta e quatro meninas?
Crush: Eu estava sofrendo, a garota que eu queria me deu um fora, e foram quatro, não
trinta e quatro.
Eu: Não sei por que estava sofrendo, aquela sua ex era um porre. Onde já se viu terminar
porque não aceitava nossa amizade?
Ele deu de ombros, pegou uma bandeja de ovos e a estendeu para mim.
Crush: Separa as gemas, vou pesar os outros ingredientes.
Soltei uma risada, achando que ele estava brincando, pois não tinha ideia de como se
separava a gema de um ovo, mas me dei conta de que falava sério.
Eu: Não sei fazer isso.
Crush: Tudo bem, vem pesar os ingredientes, então.
Derrubei farinha na minha roupa e no chão, sujamos quase toda a cozinha no processo,
mas não lembro a última vez que me senti tão leve. Quando colocamos a forma no forno e a
tensão que havia entre nós no início do dia já tinha dissipado, ele perguntou sobre o que havia
acontecido.
Eu: Descobri no fim de semana passado que o Bundão estava me traindo com a Falsiane.
Fim. Parece que não era um desabafo tão longo assim.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos e depois começou a rir.
Crush: Não deveria apoiar você drogando as pessoas, mas não consigo sentir empatia
por eles, então foda-se.
Escondi o rosto nas mãos.
Eu: Sei que foi meio infantil da minha parte, mas eu estava com raiva e magoada, queria
me vingar de alguma forma. Espero que eles tenham passado a noite no vaso, ainda mais se
estiverem juntos, os dois disputando o banheiro seria hilário.
Crush: Não acho que eles tenham passado a noite juntos em algum hotel. Vi seu
namorado, ou melhor, ex, sair do bar sozinho e deixar sua amiga lá. Sei que não quer ouvir isso,
mas fiquei com um pouco de dó dela, ficou por um bom tempo sentada na mesa chorando. E olha
que nem gosto da garota.
Eu: Você tem razão, não quero ouvir isso.
Não queria saber se os dois estavam juntos ou se terminaram, não queria saber se ela
estava sofrendo pelo que perdeu, não queria ouvir nada que pudesse me fazer sentir pena dela,
porque ela não merecia isso de mim. Ela não pensou em mim quando deu sua flor para o meu
namorado. (Me deixem ser brega, é meu blog e não me sinto confortável em falar a outra coisa.)
Crush: Então, quer ouvir falar sobre seu ex que veio tirar satisfação comigo depois que
você saiu?
Eu: Como assim ele foi tirar satisfação com você?
Crush: Falou que eu iria me arrepender de mexer com o que era dele e mandou eu ficar
longe de você.
Eu: ELE FEZ O QUÊ?
Não esperei nem a resposta, meu sangue ferveu na hora. Como assim ele achou que tinha
algum direito de sair mijando nos outros por aí, falando que eu pertencia a ele depois de tudo que
fez comigo?
Peguei meu celular e disquei o número do Bundão.
Bundão: Amor, que bom que me ligou. Já está mais calma pra conversarmos?
Como ele ousava perguntar se eu estava mais calma?
Eu: VAI SE FODER, SEU MERDA! EU NÃO QUERO TE VER NUNCA MAIS NA
MINHA VIDA! E SE EU ESCUTAR QUE VOCÊ TENTOU INTERFERIR EM QUALQUER
COISA PRÓXIMA A MIM, EU ACABO COM VOCÊ!
Bundão: Pelo jeito não. Me liga quando estiver disposta a me ouvir.
Eu: Que parte do não quero te ver nunca mais na minha vida você não entendeu?
Bundão: Vou te dar o tempo que precisar, Layla.
Eu: Não quero tempo, quero que você suma.
Desliguei a chamada na cara dele e joguei o celular com força em cima da bancada.
Só percebi que estava chorando quando os braços do Crush me envolveram. Ele me
deixou chorar em seu ombro enquanto eu balbuciava sobre todas as minhas frustrações em
relação a Falsiane e ao Bundão. Comecei a falar e não consegui mais parar até dizer cada palavra
que estava entalada na minha garganta.
Quando as lágrimas finalmente pararam, ele se afastou o suficiente para olhar nos meus
olhos, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e limpou meu rosto com os dedos.
Crush: Acabou? Colocou tudo pra fora?
Eu: Acho que sim.
Ele concordou com a cabeça e olhou para o celular na bancada a um metro de nós.
Crush: Então já posso falar o que está me afligindo. Como você joga um iPhone de
última geração em cima da bancada de pedra?
Soltei uma gargalhada alta.
Eu: Eu estava com raiva.
Crush: Sua raiva pode ter custado mais de sete mil reais, se esse celular estiver
quebrado.
Peguei o celular nas mãos, verificando se havia danificado alguma coisa. Virei ele de um
lado para o outro e testei algumas coisas, a película estava despedaçada, mas o resto parecia
inteiro.
Eu: Ele vai sobreviver.
Crush: Que bom, mas não faça isso de novo por raiva.
Dei de ombros e voltei a me sentar na ilha. (E antes que alguém venha falar que eu não
deveria fazer força para me erguer e sentar lá, eu estava usando a cadeira como escada e não fiz
força nenhuma.)
Eu: É só um celular.
Crush: Layla, eu sei que você tem mais dinheiro do que eu jamais terei, mas um celular
que custa o valor de uma moto nunca será só um celular.
Eu: Você não me entendeu. O que eu quis dizer é que eu não iria morrer nem nada assim
por perder um celular. É só um celular.
Crush: Acho que não chegaremos num consenso quanto a isso. Só não jogue mais, ok?
Eu: Não vou jogar, mas é só um celular.
Ele riu e balançou a cabeça em negativa, depois puxou um banco da ilha e se sentou ao
lado das minhas pernas.
Crush: Lembra quando você me dedurou por colocar pimenta na cerveja dos nossos
pais?
Eu: Meu Deus! Tinha esquecido disso. Você é um hipócrita, pimenta é bem pior do que
um pouquinho de laxante.
Crush: Eu tinha dez anos, Layla. Mas enfim, te achei a coisinha mais irritante naquele
dia e jurei para mim que te odiaria para a vida inteira.
Eu: Claro que não conseguiu manter a promessa.
Ele olhou para mim e batucou na minha perna.
Crush: Você não deixou, ficou no meu pé por anos até eu começar a aturar seu jeitinho
dedo-duro de ser.
Eu: Só aturar?
Fiz bico e ele riu.
Crush: Sim, e adorarei te aturar de novo.
Eu: Bom que agora poderemos trocar experiências dos carinhas que queremos.
Ele balançou a cabeça em negativa e deu alguns tapinhas na minha coxa.
Crush: Você não deveria usar a sexualidade de alguém como uma brincadeira.
Eu: Então, é verdade?
Sem me responder, levantou-se e foi tirar o brownie do forno, me ignorando por
completo. Serviu ainda quente e colocou uma bola de sorvete junto. Pegou um pedaço de cada e
levou até a minha boca.
Naquele momento relembrei por que todos os outros brownies que já comi depois do
dele pareciam tão sem graça. Aquilo ali era um pedaço do céu na minha boca. Se um raio caísse
em cima de mim e me matasse enquanto comia, eu morreria feliz. Porém, não podia deixar de
provocá-lo.
Eu: Acho que perdeu a prática, não está tão bom quanto eu me lembrava.
Crush: Você quase teve um orgasmo comendo e quer que eu acredite nisso?
Eu: Eu estava fingindo. Nunca ouviu dizer que mulheres sabem fingir muito bem?
Crush: Já ouvi dizer, mas nunca presenciei porque sou muito bom em tudo que faço.
O sorriso que ele me lançou foi tão safado que provavelmente, se eu continuasse
olhando, realmente teria um orgasmo sem nem mesmo que precisasse me tocar.
Eu: Dizem que cão que ladra não morde.
Crush: Só mordo se pedir… Não, não vamos por esse caminho. Acho que preciso ir
embora.
Tentei fazer com que ficasse mais, ainda mais porque eu queria MUITO ir por esse
caminho, mas, como já falei lá em cima, ele não quer.
Crush: Anotei meu WhatsApp no seu celular. Se precisar conversar ou qualquer outra
coisa, sabe onde me encontrar.
Quando pronunciou “qualquer outra coisa”, o sorriso malicioso voltou a aparecer em
seus lábios, deixando bem implícito o que ele estava querendo dizer com essas palavras. (Ou será
que estava imaginando coisas?)
Ainda não sei se ele gosta de flor, pirulito ou alguma outra coisa, mas não paramos de
trocar mensagens desde que ele saiu aqui de casa e, mesmo repetindo mil vezes para minha
cabeça de que ele nunca vai me corresponder, esperanças estão sendo criadas contra a minha
vontade.

Beijos,
Layla Ávila
P.S.: Não coloquem laxante na bebida dos outros, foi uma péssima ideia o plano que me
incentivaram a por em prática. Falei que não era boa em tomar decisões, vocês que não deveriam
ter concordado com isso. Se eu for presa, terão que fazer uma vaquinha para pagar meu
advogado!

Comentários:
Robert@: Alguém já começou a escrever a fanfic desses dois? Preciso de um capítulo
desses por dia na minha mesa.
Isabella: Comecei a postar no wattpad: “Um Crush na minha vida”
Thati: EU TE AMO!! ISSO TÁ PERFEITO!
Ver mais +
AS DECISÕES DE LAYLA

O Curso

Sei que vocês estão ansiosos para saber mais sobre o Crush, mas sinto informar que isso
aqui é minha vida, e não uma série feita para o entretenimento de vocês, na qual podemos
simplesmente cortar as partes chatas e os dias sem conteúdo.
Nós não nos encontramos de novo desde o dia do brownie. Qualquer atualização, juro
que vocês serão os primeiros a saber.
Enfim, como já tinha contado lá no início, quando comecei a postar, minha vida amorosa
está longe de ser a única decisão errada que tomei, e preciso de um conselho urgente em outra
área.
Até porque ninguém vive só de amor, né?
Sexta-feira recebi o e-mail para a rematrícula do meu curso, preciso fazer isso até quarta-
feira se quiser continuar. E como contei, eu ODEIO, com todas as letras em caps lock, o curso
que faço.
Desde que me conheço por gente, meus pais colocaram na minha cabeça que eu teria um
“futuro brilhante”, vulgo ser médica ou advogada, e me fizeram acreditar que essas eram as
únicas opções de carreira que eu tinha. Então, escolhi advocacia, já que não conseguia nem olhar
uma agulha ou sangue sem desmaiar. Passei todo o ensino médio certa de que era isso que eu
queria para minha vida. Durante esse período, viciei em todas as séries de televisão sobre direito,
me encantei pelo mundo que aqueles personagens apresentaram para mim. Achei que quando
entrasse na faculdade teria Harvey Specter (Suits) e Annalise Keating (How to get away with a
murder) como meus mentores. Acontece que a realidade foi completamente diferente do que
imaginei, um balde de água fria em toda a minha empolgação.
Claro que não esperava toda ação logo de cara, sabia que teria muita teoria, mas pensei
que em algum momento isso mudaria e uma hora eu iria finalmente me apaixonar. Porém, estou
prestes a começar o último ano do curso e isso não mudou; acho que já passou da hora de aceitar
que não vai mudar.
No início, relutei em assumir que não estava gostando. Durante os primeiros semestres,
me enganei, tentando fingir que adorava tudo aquilo. Não queria desistir logo de cara. Já os dois
últimos anos, continuei por medo de falar que fracassei na minha primeira tentativa como
“adulta”, medo de ficar no limbo sem saber o que fazer e, principalmente, medo do que meus
pais diriam, já que estudo em uma faculdade particular (nada barata), que eles pagam para que eu
possa “realizar meu sonho” (não que seja um dinheiro que vai fazer falta para eles, mas é o
dinheiro deles e meu pai ama jogar isso na minha cara).
Tenho tanto pavor de falar isso a eles que, às vezes, penso que é melhor passar o resto da
vida fazendo algo que odeio e que com certeza me fará infeliz do que falar a verdade.
Agora estou prestes a entrar no nono período e, mesmo assim, o que eu mais quero é
poder largar tudo sem nenhum peso na consciência.
Sei bem que o mais fácil seria seguir o plano deles, me formar e os deixar orgulhosos
pelo menos uma vez na vida, mas será que essa é a melhor decisão?
Você pode falar: “Mas só falta um ano, Layla!”
Sim, só falta um ano.
Porém, farei com que eles gastem mais um ano de mensalidade em um curso que tenho
100% de certeza de que não usarei. Não sei o que será da minha vida se tiver que encarar mais
um estágio em que precisarei ficar lendo contratos e mais contratos. É UM TÉDIO!
Porém, ao abandonar, também estarei jogando fora todo o dinheiro que eles investiram
em mim. E tenho certeza de que meu pai não receberá muito bem essa notícia.
E, com todo meu histórico de tomada de decisões, não acho que eu seja boa o suficiente
para fazer essa escolha. Então, deixarei com vocês.
O que devo fazer? Seguir o plano ou enfrentar meus pais?

Beijos,
Layla Ávila

Comentários:
Thata Emanuele: Converse com eles sobre o que sente em relação ao curso para não
terem um baque quando você já estiver formada e não gostar da profissão.
Iza Caroline: Seja sincera com eles. Admita que esse é um curso que você não gosta,
que irá terminar, mas não pretende seguir carreira.
Ver mais +
CAPÍTULO 5

scuto a risada do meu pai vindo da cozinha enquanto ando de um lado para o outro no
E corredor, pensando em como abordar o assunto do curso. Ele parece estar de bom humor.
Claro que está, ainda não me viu hoje.
Enrolei para fazer isso o máximo que consegui. Preciso fazer a matrícula até amanhã e se
eu deixar passar o dia sem comunicar a eles que não quero continuar, provavelmente será pior.
Reúno toda a coragem que não tenho e vou até a cozinha. Os dois param de conversar e
me olham quando entro. Num impulso, falo:
— Preciso conversar uma coisa com vocês.
— Ai, meu Deus! O que foi agora, Ayla? O que você fez? Espero que… — Minha mãe
se ajeita na cadeira e leva a mão ao peito.
— Deixa eu falar primeiro antes de começar a surtar por nada — corto seu drama.
Ela cruza os braços e espreme os lábios em uma linha fina. Meu pai coloca até o jornal
de lado para me dar total atenção.
— Acho que não quero ser advogada, não gosto do curso.
Dona Laura solta um suspiro aliviado e murmura um “graças a Deus”. Já meu pai dá
uma risada leve.
— Achei que era alguma coisa importante — fala e volta a relaxar o corpo.
— Você quase me matou do coração, Ayla. Quando precisar falar alguma coisa, só fale.
Não venha dizer que precisa conversar sobre algo importante antes, eu tenho ansiedade. Achei
que você estivesse grávida.
— Meu Deus, mãe, credo!
— E eu já estava me perguntando quanto teria que desembolsar dessa vez para acobertar
seja lá o que tivesse feito.
Não importa o quanto eu tente mudar e fique na linha, ele sempre jogará na minha cara o
maior erro da minha vida, como se eu não tivesse passado os últimos meses fazendo tudo que ele
queria para me redimir. Tirando a parte de colocar silicone sem que eles soubessem, claro.
— Vocês pensam tão pouco assim de mim?
— Você não pode nos culpar por isso.
Balanço a cabeça em negativa e volto para o assunto que queria conversar, sabendo que,
se deixasse desviar o foco, nunca mais voltaria.
— Estou dizendo que não quero ser advogada depois de cursar quatro anos, e vocês
acham que isso não é importante?
Meu pai puxa uma das cadeiras da mesa e pede para que me sente ao seu lado. Faço o
que manda.
— Deixa eu te explicar uma coisa sobre a vida, Ayla. Você não querer é bem diferente
de não fazer. Ninguém te obrigou a escolher esse curso, e filha minha não desiste no meio do
caminho. Se começou, agora você vai até o final e trabalhará com isso.
— Não é assim que as coisas funcionam, meu bem — intervém minha mãe, acariciando
as costas do meu pai. — O que seu pai quis dizer é que não tem como você saber antes de
exercer de fato a profissão. Estudar é bem diferente de colocar a mão na massa e usar aqueles
conhecimentos.
Definitivamente não foi isso que ele quis dizer, mas não questiono.
— Comecei o estágio já tem um ano, mãe, não mudei de ideia. E como você pode saber
disso se nunca trabalhou?
Percebo que fui longe demais só pela forma que meu pai cerra os olhos para mim.
— Olha como fala com a sua mãe. Não quero saber o que você acha. Você escolheu isso
e agora vai continuar.
— Esse é o problema, pai, eu nunca escolhi, vocês escolheram pra mim.
— Isso não é verdade. Te demos nossa opinião, não te obrigamos a escolher nada —
explica minha mãe.
— Então, quando o papai falou que os únicos cursos particulares que ele pagaria seriam
medicina ou direito, eu tinha mais escolhas?
— Sim, estudar, passar numa federal e escolher o curso que quisesse — responde meu
pai, já perdendo um pouco da paciência comigo.
— Vocês acham que vestibular é igual era na época de vocês? É quase impossível
conseguir vaga para uma federal.
— Com sua rotina nula de estudos e dedicação a festas, realmente, mas o Felipe não teve
nenhum problema com isso.
Claro que ele jogaria o filho de ouro na minha cara.
Mamãe faz uma careta a essa resposta, porque, se o filho dele com a ex-esposa estão de
um lado, ela está de outro e me obriga a estar junto, mas nesse caso não tem muito o que possa
fazer para me defender, pois ele está certo, não sou inteligente como meu meio-irmão.
É desgastante discutir com os dois sobre estudos, eles acham que é a coisa mais simples
do mundo pegar um livro e absorver todo o conteúdo. Nunca fui autodidata, preciso de alguém
do meu lado me explicando que A é A e B é B de uma maneira bem didática para entender as
coisas.
Meu pai é muito inteligente, aprende tudo muito fácil e sempre acha que tudo é óbvio.
Então, para ele, minha dificuldade é apenas preguiça.
— Eu nunca fiquei de final em nenhuma matéria na faculdade, sempre me esforcei
muito. Me desculpa não ter nascido com toda a sua inteligência, mas não posso mudar o fato que
odeio direito.
Os dois trocam olhares, e minha mãe balança a cabeça em negativa para ele,
respondendo uma pergunta que parece ter sido feita quase telepaticamente. Então, meu pai se
vira para mim e responde:
— Não me interessa que você odeia. Enquanto viver do meu dinheiro, vai fazer o que eu
mando. Se quiser fazer do seu jeito, as portas da casa estão abertas.
Lá está de novo a ameaça de me mandar para fora de casa. Como sei que ele não tem
coragem de cumprir com a promessa, resolvo enfrentá-lo pela primeira vez na vida. Por um
momento, sou preenchida com a certeza das pessoas que comentaram no meu blog de que
conseguiria o fazer entender o meu lado e se arrepender de sugerir isso.
— Você está me expulsando de casa?
— Não, estou te dando uma opção. Você já é maior de idade. Se quer viver do seu jeito,
vá em frente, só não espere que eu apoie isso. Eu já cansei de tentar fazer com que tenha
qualquer juízo, não deveria ter passado a mão na sua cabeça depois do acidente, deveria ter
deixado ter as consequências das suas escolhas por pelo menos uma vez na vida.
Toda a felicidade de mais cedo se esvai, como previ. Seu rosto e pescoço estão
vermelhos.
— Querido, vamos conversar direito… — Minha mãe se coloca atrás da cadeira do
marido, massageando seus ombros. Então, cerra os olhos para mim e move os lábios, dizendo
para que eu não falar mais nada e ir embora.
Porém, não dou ouvidos a ela. Se eu fizer o que manda neste momento, nunca mais terei
coragem de tocar nesse assunto e serei obrigada a passar um ano miserável na faculdade.
— Pai, só estou pedindo a oportunidade de fazer algo que amo. — Minha voz sai
trêmula, deixando transparecer todo o nervosismo.
— Isso é conversa de quem não quer trabalhar. Quer fazer algo que ama? Arruma um
hobby. Trabalho não é para amar, é para ganhar dinheiro. Não gastei tudo que podia na melhor
educação para você abandonar agora. Você ao menos sabe o que quer fazer?
E lá está a pior das perguntas já inventadas em todos os tempos.
O que eu quero?
Seria bem mais fácil se eu pudesse dar essa resposta a ele, com certeza daria força à
minha causa, mas não tenho a mínima ideia do que quero.
Falei no Twitter que dezoito anos era jovem demais para decidir o que alguém gostaria
de fazer para o resto da vida, mas agora, com vinte e um, ainda não tenho ideia de qual é a
resposta. Qual será a idade perfeita para essa descoberta?
Meu pai cruza os braços e me dá um sorriso, sabendo bem que me pegou, que não tenho
uma resposta. Então, falo a verdade:
— Não sei o que quero, mas vou descobrir. Só estou pedindo um tempo.
— Não.
— Tudo bem, eu termino o curso, então. — Me dou por vencida. — Só não sei se
conseguirei me manter nessa profissão, porque hoje vejo que não tem nada a ver comigo.
Ele não fala nada por alguns segundos e, então, balança a cabeça em negativa.
— Quer saber? — Ele se levanta da cadeira e ajeita a gravata — Não, Ayla, não vou
continuar pagando o seu curso e muito menos sua estadia no Rio de janeiro. Não gastarei mais
nem um centavo com você. A partir de hoje, você não terá mais acesso ao cartão de crédito,
mesada ou qualquer uma das regalias que eu te proporciono. Você acha que a vida é fácil porque
eu a tornei fácil para você, mas precisa aprender que as coisas têm valor, e não pode jogar quatro
anos de investimentos que fiz em você para o alto simplesmente porque descobriu que não gosta
mais do curso que escolheu. Você vai fazer suas malas e encontrar um lugar que possa bancar
com o trabalho que você ama.
— Você está exagerando, meu bem. Não precisa de tudo isso. Ela está se recuperando da
cirurgia, não pode a colocar para fora de casa agora.
— As pessoas trabalham e se recuperam de coisas bem piores do que uma cirurgia de
silicone. O médico já não falou que ela está ótima?
— Ela não…
— Eu vou — interrompo minha mãe. Se meu pai me quer fora de casa, eu não vou
implorar para que repense. Sei que consigo me virar sozinha. — Se você precisa que eu te prove
que consigo sobreviver muito bem sem suas regalias, vou ter o prazer de esfregar na sua cara o
quão bem consigo viver sem a porcaria do seu dinheiro.
Talvez eu tenha me exaltado mais do que deveria, mas é minha forma de defesa. Não
quero chorar e mostrar para ele que estou amedrontada, quero que veja que não sou mais a
garotinha que depende dele.
— Ótimo! Antes de ir embora, quero que deixe o iPhone e todos os seus cartões em cima
da mesa da sala. Preciso ir trabalhar agora, porque é algo que adultos fazem.
Ele vira as costas e sai para a garagem. Eu e minha mãe não nos movemos até escutar o
portão eletrônico fechar, sinalizando que ele já está fora do terreno da casa.
Só neste momento que cai a ficha da merda que falei. Apesar de ter achado que estava
bem de ter que sair de casa, não esperava que ele fosse manter a ameaça. Tive certeza de que
voltaria atrás, mas não voltou. E, agora, a realidade bate.
— Não tenho pra onde ir, mãe.
Não acredito que, com todos os problemas da campanha, ele quer que as pessoas
especulem sobre a filha que não mora mais com eles.
— Por que não vai pra casa do Bernardo e fica lá até a poeira abaixar? Conversarei com
seu pai mais tarde. Você sabe que ele explode e depois se arrepende.
Dou um sorriso amarelo para ela e solto a bomba:
— Nós terminamos, mãe.
Ela me tira de seu abraço e me empurra com as mãos em meus ombros para olhar em
meus olhos.
— Como assim, terminaram? O que você fez?
É incrível que eu ainda me surpreenda com a forma que ela o defende.
— Por que você sempre acha que a culpa é minha? Ele me traiu.
Seu rosto balança de um lado para o outro em negativa, como se não fizesse sentido
nenhum o que acabei de falar.
— Você tem certeza?
— Sim, mãe. Ele estava tendo um rolo com a Fernanda.
Sua boca se abre e se fecha algumas vezes enquanto absorve a informação.
— Fernanda sua amiga? Ele te traiu com a sua melhor amiga?
Confirmo e ela volta a me puxar par o abraço.
— Sinto muito, querida, ninguém merece passar por isso. — Acaricia meu cabelo e me
deixo ser acolhida por ela. — Você pode ficar na casa da vovó, então.
Isso está mesmo acontecendo, estamos estudando as possibilidades de para onde posso
ir. Estou sendo colocada para fora de casa.
Como o dia acabou tão mal assim antes das oito horas da manhã?
— Eu não queria que isso acontecesse, mãe. Achei que vocês entenderiam.
Ela coloca minha mão entre as suas e me dá um sorriso sem mostrar os dentes.
— Nós vamos resolver essa situação. Vamos arrumar suas coisas. Acha que consegue se
virar sozinha por alguns dias?
Apesar de ter sido de uma maneira muito mais sutil e amigável, minha mãe não lutou por
mim, apenas melhorou os termos para que eu não ficasse completamente desamparada. Em
nenhum momento se ofereceu para ajudar com as despesas nem nada.
A casa da vovó fica em um bairro mais humilde da cidade e é o único bem que ela
deixou quando morreu. Minha mãe é filha única e mantém a casa por ter um valor sentimental.
Deve ter mais de um ano que nem chega perto de lá, mas sei que mantém uma diarista que vai
semanalmente para deixar o lugar limpo.
Valéria não entende nada quando minha mãe pede que ela a ajude a arrumar as malas
com minhas coisas. Fazemos todo o trabalho em silêncio. São necessárias duas malas de
rodinhas e uma bolsa para empacotar o que é mais importante.
Logo depois de carregarmos tudo para a sala, chama um táxi para mim.
Enquanto mamãe vai até seu quarto buscar a chave da casa da vovó, Valéria vem com
uma sacola da cozinha com dois potinhos de marmita para eu almoçar e jantar. Fala baixo, como
se estivesse cometendo um crime:
— Tinha preparado essas marmitas para o meu filho, mas posso fazer outras para ele,
leva essas para você.
— Não precisa disso, Bah, não vou pegar a comida do seu filho — respondo. — Meus
pais não vão me deixar passar fome.
Ou pelo menos é no que quero acreditar.
Ela ainda insiste mais um pouco, mas continuo firme.
— Como vou falar com vocês sem celular? — pergunto assim que minha mãe volta.
— Na casa da vovó tem um telefone fixo, a linha continua ativa.
— A vovó morreu há quase dois anos, mãe, por que a linha ainda está ativa?
— Porque a burocracia para desligar isso é um saco e eu estava considerando alugar a
casa.
Antes de devolver meu celular, entro no Instagram e coloco nos stories:

“Estou temporariamente sem celular, logo também não tenho WhatsApp, Instagram,
Facebook, Twitter e qualquer outra rede social. Se quiser falar comigo, pode entrar em contato
por sinal de fumaça, cartas ou pelo telefone abaixo (sim, ainda existem telefones fixos).”

Depois abro o Twitter para desconectar da conta da Layla, mas não sem antes deixar um
comentário sobre o que a decisão deles fez comigo.
Layla Ávila - 9h
Obrigada a todos que mandaram eu enfrentar meus pais e impor minha opinião. Acabei de ser expulsa de casa!
Fecho a conta e recebo uma resposta ao story de Gustavo.

Gustavo:
Foi roubada?

Eu:
Não, fui expulsa de casa e meu pai não quer que eu leve nem meu celular porque foi ele quem
me deu.

Gustavo:
Tá bom.
Agora pode contar a verdade.

Eu:
Essa é a verdade!

Gustavo:
Você quer que eu acredite que a Srta. Perfeição foi expulsa de casa?

Eu:
A Srta. Perfeição andou se rebelando nos últimos anos e se transformando no pior pesadelo dos
pais.

Gustavo:
Depois ainda diziam que eu era má influência.
Você vai para onde? Precisa de ajuda?

Minha mãe arranca o celular da minha mão.


— O táxi chegou — informa.
— Eu estava respondendo uma mensagem.
— Responde rápido e me devolve — fala e me entrega de volta para que eu responda.
Digito enquanto ela desce a escada em frente à casa com as malas pesadas.
Eu:
Me liga nesse número do story em uma hora.
AS DECISÕES DE LAYLA

A Nova Casa

Para todos que estão preocupados comigo, devem ficar mesmo porque EU NÃO ESTOU
BEM!
Onde estavam com a cabeça para dizer que eu deveria enfrentar meus pais? Parece que
vocês são tão ruins quanto eu para tomar boas decisões.
Há duas horas, bati no peito e falei para meu pai que conseguiria me virar muito bem
sozinha. Agora estou pensando se ficaria muito feio ir até o trabalho dele e implorar para voltar
atrás na decisão.
Não precisei nem de meia hora na casa da minha avó (lugar para onde fui banida) para
ter certeza de que não consigo me virar sozinha. Listarei para vocês alguns dos motivos:
Primeiro, não tem comida e meu estômago está roncando.
Segundo, eu tenho menos de cem reais na carteira.
Terceiro, meu pai ficou com meu celular e não tem nem como pedir algo pelo aplicativo,
que talvez ainda estivesse com o cartão cadastrado, já que o dinheiro que tenho não paga uma
refeição.
Quarto, esse bairro é estranho e logo que cheguei um homem veio sondar perguntando se
eu ia morar sozinha. E se ele quiser me assaltar?
Sério, ele tocou a campainha assim que fechei a porta. E aqui não tem sequer uma
câmera para ver quem é, nem mesmo um interfone. NÃO É NADA SEGURO!
Ao abrir o portão, me cagando de medo, dei de cara com um homem enorme, tanto de
altura quanto de músculos, devia ter mais ou menos a idade dos meus pais, ou melhor, da minha
mãe, já que meu pai é bem mais velho do que ela. Era até bonitão pra quem curte o estilo
“tiozão”, o que não é o meu caso, sempre gostei das carinhas de bebê (talvez com tatuagens, furo
na orelha e um piercing na língua…).
Acho que perdi o foco aqui descrevendo o Crush, enfim. A conversa foi mais ou menos
assim:
Eu: Posso te ajudar em alguma coisa?
Ele franziu o cenho e coçou a cabeça, me olhou de cima a baixo. Fiquei um pouco
desconfortável.
Tiozão: Nossa, parece que acabei de ser transportado para o passado. Você é a cara da
*nome da minha mãe*, parecem irmãs.
Dei uma gargalhada forçada. Minha mãe era nova se comparada com a mãe da maioria
das minhas amigas, mas não o suficiente para sermos confundidas com irmãs. Eu sempre
revirava os olhos quando as pessoas vinham com esse papo. “Nossa, vocês são mãe e filha?
Jurava que eram irmãs”, era óbvio que estavam querendo puxar o saco dela.
Eu: Bem que ela queria que fôssemos irmãs.
Tiozão: Só tenho a certeza de que não é, porque a conheço desde sempre e sei que ela é
filha única. Vocês são parentes?
Eu: Sou filha dela.
Tiozão: Ah, eu podia jurar que você ainda era uma criança, não sabia que já estava tão
crescida. Já tem quantos anos? Dezessete?
Falou me olhando de cima a baixo novamente, e eu fechei um pouco mais o portão com
medo do que um homem daquele tamanho poderia fazer comigo.
Eu: Vinte e um.
Tiozão: Nossa, como o tempo passa rápido. Você está aqui só de visita ou pretende
ficar?
Um alerta piscou na minha cabeça com essa pergunta. Eu não conhecia esse cara, e se ele
estivesse sondando para saber se não teria ninguém em casa mais tarde? Talvez tivesse tocado a
campainha para confirmar que a casa continuava vazia. Então, resolvi prevenir e deixar claro que
estaria cheia.
Eu: Pretendo ficar, vou me mudar pra cá com meu namorado. Ele é policial e aqui fica
mais perto do trabalho para ele. (Talvez eu tenha exagerado um pouco e ficado muito na cara?
Talvez, mas nunca passei por algo assim, não sabia como reagir.)
Estava apavorada demais para pensar direito. Sabia que aquele era um bairro perigoso,
não queria ser assaltada no meu primeiro dia ali.
Ele pareceu não acreditar, mas me deu boas-vindas e mostrou qual era a casa dele,
dizendo que poderia chamá-lo caso precisasse de qualquer coisa.
Nesse momento meu estômago roncou e eu quase perguntei se tinha almoço lá, porém o
medo superou a fome. (O que significava que eu estava com muito medo, porque a fome era
grande, não tive tempo nem de tomar meu último café da manhã em casa.)
Para a minha sorte, depois que voltei para dentro da casa, o telefone tocou, e o Crush se
ofereceu para trazer algo para eu comer. Um anjo na minha vida, mas preciso arrumar uma
solução melhor do que depender de outra pessoa para me manter alimentada.
Preciso descobrir uma forma rápida e fácil de ganhar dinheiro. Sugerem algo?
Beijos,
Layla Ávila

Comentários:

Lilinha_oliver: Só eu que imaginei q a mãe dela está pulando a cerca com o tiozão?

Samantha: Se descobrir a forma rápida e fácil de ganhar dinheiro conta pra gente.
Também estou precisando. Você pode pedir ajuda do Crush ou do tiozão, já que ele ofereceu.
Aproveita e descobre pra gente se ele está tendo um caso ou não com a sua mãe
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CAPÍTULO 6

ato no monitor do trambolho que chamam de computador, mas ele não volta a dar sinal de
B vida. Pelo menos consegui postar antes desse negócio apagar.
A campainha toca, ou melhor, grita. É tão alta que sinto doer. Sabia que minha avó era
meio surda, mas não tinha noção do tanto até escutar esse negócio.
— Quem é?! — pergunto; dessa vez não abrirei sem saber.
— Seu salva-vidas.
Abro o portão e dou de cara com o sorriso de orelha a orelha de Gustavo. Ele estende
várias sacolas de mercado para mim.
— O que é isso?
— Kit básico de sobrevivência. Vai me deixar entrar? Essas sacolas estão pesadas.
Abro caminho para ele passar e o vejo observar cada pedacinho da casa, provavelmente
comparando a decadência desse lugar em relação à mansão em que eu morava. A casa inteira
deve ser menor que meu quarto. A tinta das paredes está descascando e o taco é tão antigo que já
tem um tom encardido mesmo estando extremamente limpo.
Ele não precisa nem perguntar onde fica a cozinha, pois da porta da sala dá para ver os
outros três cômodos da casa. Se dirige para lá, coloca as compras em cima da pequena mesa e
começa a tirar os itens de dentro da sacola.
Levanta um miojo com uma das mãos e fala:
— Esse aqui é seu novo melhor amigo até você aprender a fazer algo mais saudável.
— Você vai me ensinar a preparar? — pergunto e pego uma das embalagens nas mãos.
— Nunca comi.
Recebo um olhar de puro choque, como se eu tivesse acabado de falar que como carne
humana.
— Você está me zoando, né? — Fica me encarando, esperando que eu fale que sim, mas
nego com a cabeça. — A situação é bem pior do que eu imaginava, não sei se você dará conta de
preparar um miojo sozinha.
— Tá falando sério?
Gustavo puxa uma das cadeiras da mesa, me manda sentar e faz o mesmo na cadeira ao
lado, virando-me de frente para ele.
— Você precisará estudar essa técnica por alguns dias antes de tentar, mas vai conseguir.
Estarei aqui te apoiando a cada passo.
Não tem nem um sinal de sorriso em seu rosto, mas o conheço suficiente para saber o
que está fazendo.
— Agora você está zoando com a minha cara.
Com uma gargalhada que me faz sorrir de volta para ele, me joga o pacote de miojo e
manda eu olhar a “receita” complicada atrás. Ali diz para ferver a água, colocar o macarrão,
depois de três minutos o tempero e estava pronto.
— É só isso?
— Claro que não! Tem toda a arte de aprimoramento do miojo, coisa que você só
aprende depois de muitos anos fazendo o básico e já sem aguentar comer a mesma coisa todos os
dias. Porém, como sou um especialista e estou com dó de você, vou te apresentar a arte de
incrementar o miojo. Você pode fazer miojo com pedaços de queijo.
Mostra uma bandeja de muçarela.
— Miojo com requeijão ou creme de leite! Os cremosos ficam uma delícia assim.
Pega o requeijão com uma das mãos e o creme de leite em outra.
— E também tem o miojo com feijão, que é uma tradição de família lá em casa, mas
como cozinhar feijão faz parte de um curso mais avançado e requer o uso de panela de pressão,
vai ficar de fora.
— Acho que fico com o miojo tradicional mesmo, sempre tive vontade de experimentar.
Gustavo coloca a mão no meu ombro e balança a cabeça em negativa.
— Tá aí uma frase que não faz o menor sentido. Que tipo de pessoa tem vontade de
experimentar miojo?
Reviro os olhos da forma teatral que sempre faço e tiro a mão dele de mim.
— Uma pessoa que nunca experimentou.
Com a sobrancelha arqueada, ele se ergue da cadeira e fala:
— Levanta essa bunda daí e vem preparar o nosso almoço.
— Nosso? Você quer realmente correr esse risco?
O acompanho até a bancada e começo a procurar pelas panelas nos armários novos e
brilhantes, que contrastam com o resto da casa. Minha mãe tentou tirar minha avó daqui várias
vezes, mas ela dizia querer morrer no mesmo lugar que passou os melhores anos de sua vida;
ainda assim, ela aceitou a cozinha planejada de presente, embora não tenha permitido que uma
planta fosse tirada do lugar no resto da casa. Ela falava que cada lascado de tinta guardava uma
memória e, como estava velha e esquecida, precisava daquelas coisas para lembrá-la.
Era bem fofo quando nos contava sobre uma memória ou outra do meu avô, que nunca
conheci, de acordo com algum canto da casa.
Na teoria é lindo, mas, na prática, nem tanto, os outros cômodos estão bem acabados.
— Confio no seu potencial de fazer um bom miojo. — Gustavo encosta na bancada e
cruza os braços. — Vai ser romântico, nosso primeiro almoço como namorados.
Paro o que estou fazendo e levanto a cabeça para ver seu rosto.
Namorados? Do que caralhos ele está falando?
— Como o quê? Minha memória foi apagada e eu perdi alguma coisa? Nós bebemos
demais e tive amnésia?
Ele tamborila os dedos no balcão.
— Quando eu estava chegando, um dos seus vizinhos perguntou se era eu o namorado
policial que ia morar com você.
Claro que o vizinho enxerido ainda está sondando por aí.
— Ah, merda! O que você respondeu?
— Imaginei que você tivesse um motivo para falar que moraria com um namorado, então
confirmei.
— Obrigada. Ele bateu aqui mais cedo e achei estranho, sabe quando o santo não bate?
Então, me pareceu ter outras intenções. Fiquei com medo de estar sondando a casa para assaltar
ou algo assim. Preferi não contar que ficarei aqui sozinha e vulnerável por todo esse tempo.
— Fez o certo, só não acho que ele tenha acreditado. Não sei se você sabe, mas policiais
têm meio que um código de vestimenta…
— A gente arruma uma farda para você — falo, interrompendo-o.
Ele me dá um sorriso e pisca para mim.
— Estou entendendo onde quer chegar, Ayla. Está a fim de me ver fardado?
Isso definitivamente não é uma má ideia, mas…
— Não tenho esse tipo de fetiche com homens fardados. Só estou te dando a solução.
— O código que estava me referindo não era sobre a farda, mas sobre policiais
precisarem manter o cabelo raspado baixinho, não poderem usar brinco ou piercings, além de
tatuagem também não ser bem vista, apesar de não ser proibida.
— Ah…
— Por que precisava dar uma profissão para o seu namorado imaginário?
— Nem me passou pela cabeça omitir algo assim na hora, precisei dar detalhes para que
meu falso namorado parecesse real.
Ao perceber que eu só estou procurando as panelas nas portas inferiores do armário, ele
se vira e começa a olhar na parte superior, falando que tinha esquecido por um momento que eu
não podia ficar levantando os braços.
— Na verdade, eu já posso levantar, só estou evitando porque continuo com a sensação
de que fazer isso vai rasgar a minha pele. Mas como você sabe disso?
Tenho certeza de que não contei a ele sobre a cirurgia.
— Eu observo as coisas, você não tinha todo esse airbag antigamente.
Estou agachada e ele em pé; levanto a mão para dar um tapa de leve em sua perna pelo
comentário, mas nesse mesmo momento ele se vira e eu acabo atingindo seus países baixos sem
querer.
Gustavo se dobra no meio com um grunhido de dor e eu me levanto rápido, apoiando a
mão em suas costas e implorando por perdão enquanto ele xinga.
— Você não costumava ser violenta assim, Ayla — consegue dizer em meio aos
gemidos de dor.
— Não era pra acertar aí, desculpa. Eu até te daria um gelo, mas não tem — falo,
preocupada.
Ao levantar o rosto para me olhar, começa a rir e eu o acompanho sem conseguir me
conter.
Quando controlamos nossa crise de risos, ele revela que mentiu, que minha mãe havia
falado para ele sobre a cirurgia no dia que foi lá em casa.
— Claro que ela contou, não consegue guardar nem a própria língua na boca.
— Ela só gosta de conversar, coitada.
— Quero ver você continuar falando isso quando todo mundo estiver achando que você é
gay.
Gustavo me dá um meio sorriso, pois sabe que estou jogando verde para tentar colher
maduro. Ele ainda não me deu nenhuma resposta sobre isso e estou sendo torturada sem saber.
— Qual é? Nós dois sabemos que você não é gay — insisto.
Com um longo suspiro, fala:
— Então, quer conversar sobre seus pais?
Lá está ele fugindo mais uma vez da conversa, mas tenho certeza de que isso é só uma
maneira de me punir pela piada.
— Pra falar a verdade, não. Estou com raiva demais do meu pai por ter me expulsado e
da minha mãe por não ter me defendido.
— Sua mãe falou que você fez a cirurgia no fim do mês passado, isso tem o quê? Dez
dias? Achei meio sem noção da parte dele querer te dar uma lição logo num momento que
precisa tanto do apoio deles, mesmo que esteja se recuperando bem, pelo que parece.
Para mim, meu pai fez isso exatamente pela cirurgia, para me castigar por não o
obedecer e fazer escondido.
— Faz dezoito dias, o médico já me liberou para voltar às minhas atividades normais. Só
preciso evitar pegar peso e não posso praticar exercícios até o final do mês.
— Ainda acho muito cedo.
Também acho, mas não admitirei que preciso dos meus pais.
— Meu pai estava particularmente irritado com a cirurgia. Ele não concordou e chegou a
me proibir de fazer, mas o dinheiro era meu e eu estava decidida. Hoje de manhã foi
praticamente a primeira conversa que tivemos desde que eu o desobedeci e coloquei o silicone.
Acho que deveria ter começado com um assunto menos importante.
Gustavo acha uma panela boa para fazer os miojos e tira do armário, levando-a até a pia
para a lavar, provavelmente por não saber há quanto tempo está parada ali.
— Ainda acho um exagero fazer tudo isso só porque você quis colocar silicone.
— Talvez não tenha sido só por isso, mas com certeza foi o estopim.
— Pelo jeito, tenho muita coisa para aprender sobre a nova Ayla que não é a Srta.
Perfeição.
— Tem mesmo, mas agora vamos preparar essa comida porque estou faminta!
O miojo deu certo. Estou me achando “a cozinheira” que consegue preparar qualquer
prato agora.
Ao terminarmos de comer, ele fala que precisa voltar ao trabalho, mas que não gosta da
ideia de me deixar sozinha ali, que o vizinho tinha mesmo parecido estranho.
— Então, volta para cá depois do trabalho. Estou morrendo de medo!
Gustavo recosta na cadeira e levanta as mãos, sinalizando para parar.
— Acho que isso está indo rápido demais. Começamos a namorar hoje cedo e agora você
já está pedindo para eu me mudar pra cá e morarmos juntos?
Rio e dou um tapa de leve em seu peito, dessa vez é de leve mesmo e bem contido. Não
quero machucá-lo de novo.
— Idiota.
— Tudo bem, querida, eu aceito morar com você, mas já aviso que gosto de café na
cama e massagem nos pés antes de dormir — responde e se levanta da cadeira enquanto pega a
jaqueta que estava usando mais cedo e a enfia pelos braços.
— Claro, traga suas cuecas sujas que vou lavar pra você também.
— Você é a mulher dos meus sonhos! — Seu tom é totalmente divertido, e qualquer
pessoa que o escutasse saberia que não passa de uma brincadeira, mas não deixa de causar uma
sensação no fundo do estômago, algo que não sinto há muito tempo.
CAPÍTULO 7

telefone na casa da minha avó é tão antigo que nem teclas tem, você precisa girar o círculo
O cheio de outros minicírculos ao redor dos números para fazer uma ligação. Ele é
barulhento, não tem a opção de colocar no silencioso. Se minha avó precisasse fazer uma
ligação escondida para alguém, isso aqui acordaria até os mortos.
Foi o número deste aparelho da época de Cristo que publiquei no Instagram para que
todos os meus seguidores e amigos pudessem ver e, mesmo assim, a única pessoa que ligou para
saber se eu estava bem foi Gustavo.
Já deveria ter aprendido que não tenho amigos.
Estou afundando em meu poço de autopiedade quando o som alto me assusta.
Não espero nem mesmo o segundo toque para atender, querendo saber quem subirá no
ranking de amizade agora.
— Oi, minha filha. Como foi seu dia?
Sinto-me murchar ao ouvir a voz da minha mãe do outro lado da linha, ainda mais com
toda animação e tranquilidade que parece querer passar, perguntando sobre o meu dia como se
não tivesse apoiado meu pai nessa loucura.
— Ótimo, meus pais me expulsaram de casa, não ficou sabendo? — Coloco todo
sarcasmo que consigo em minha voz.
— Não me coloque como uma vilã, estou tentando te ajudar. Amanhã você vai receber
uma encomenda que fiz para garantir alimentos para o resto do mês.
Alimentos para o resto do MÊS. A frase se repete como um looping.
— Vocês pretendem me deixar aqui, nesse lugar perigoso e estranho, por um mês? — A
voz sai esganiçada, como se minha garganta estivesse se fechando em torno das cordas vocais.
Acho que estou ficando sem ar.
— Eu cresci aí, Ayla. A vizinhança é a mesma até hoje. Se der uma chance, verá que são
boas pessoas.
— Percebi pelo cara estranho que veio hoje sondar a casa, querendo saber quem eu era,
quanto tempo eu ia ficar, se ficaria sozinha. Se eu morrer numa tentativa de assalto, você nunca
vai se perdoar.
Ouço a risada dela e fico em choque com essa reação.
— Você é tão dramática, Ayla.
— Tive a quem puxar — rebato, pois posso até ser um pouco dramática, mas minha mãe
me supera com toda certeza —, mas isso não é drama. Fiquei com medo daquele homem.
— O Thiago foi meu vizinho desde a infância. Como não vamos até a casa da mamãe
com frequência, peço para que fique de olho em tudo para mim. Foi tão corrido hoje cedo que
não consegui avisar a ele que você ficaria aí. Ele viu uma movimentação e foi checar, só isso.
— Não fui com a cara dele — respondo, e não fui mesmo. O santo não bateu.
— Agora você está sendo ridícula. Espero que não o trate mal, ele já teve problemas
demais nessa vida. Ele é um amor de pessoa e você poderá ver, se parar com esse preconceito. Se
precisar de alguma coisa durante os próximos meses, pode pedir ajuda a ele.
— Claro, porque agora preciso recorrer a estranhos, já que meus pais me abandonaram.
— Você está com um teto em cima da sua cabeça e a barriga cheia, Ayla. Deveria
agradecer porque é mais do que muita gente tem.
— A barriga está cheia, mas não graças a você. Eu teria morrido de fome se o Gustavo
não tivesse vindo trazer algumas coisas para mim.
— O Thiago me contou que viu um menino, que deduzi ser o Gustavo, te levando
algumas sacolas de compras. Por isso não me preocupei hoje.
— Me saí muito bem almoçando miojo.
E achei uma das coisas mais estranhas e artificiais que já comi na vida. Porém, matou
minha fome.
— Ótimo.
— Maravilha!
— Ayla, não estou em guerra com você, uma hora vai ter que entender. Eu te amo,
querida. Boa noite!
E assim ela desliga o telefone na minha cara, me deixando ferver de ódio.
CAPÍTULO 8

— P or que você está tão quieta e fazendo caretas enquanto olha para o nada?
Olho para Gustavo, que está de pé em frente à televisão de tubo. Já revirou todo
o aparelho para tentar fazer com que funcione, mas, pelo jeito, nada adiantou, pois continua
apenas chiando.
— Nada. — É o que respondo, mas o comentário que li da postagem de mais cedo brilha
como um letreiro em minha mente.
“A mãe dela está pulando a cerca com esse tiozão!”
Meu pai sabe ser um belo de um babaca quando quer, mas, apesar de todos os problemas
que tenho com ele, os dois são o tipo de casal que dá nojo de tão românticos, mesmo depois de
tanto tempo juntos.
Quero acreditar que ela não teria coragem de fazer algo assim, mas até hoje de manhã
acreditava que ela também não me colocaria para fora de casa.
— Tem certeza? — pergunta e vem até o sofá para se sentar ao meu lado, só que não tem
espaço para ele, pois estou com os pés para cima e o sofá não é muito grande. Desço as pernas,
dando o lugar para ele, mas, antes que meus pés toquem o chão, ele puxa as pernas de volta para
o seu colo. — Pode ficar assim.
Não é nada de mais, um gesto que costumava ser normal alguns anos atrás, mas as
batidas em meu peito disparam com uma reação completamente diferente da que deveria ter pelo
toque de um amigo.
Seu olhar me analisa, e, com medo de que ele perceba o quanto isso me desconcertou,
pergunto:
— Você acha que minha mãe trairia meu pai?
Gustavo apoia o braço na parte de cima do sofá e franze o cenho.
— Eu não conheço sua mãe o suficiente para dar uma resposta dessas. Seus pais sempre
pareceram se dar muito bem. Por que está pensando sobre isso?
Não posso dizer a ele que contei o ocorrido na internet e um monte de gente levantou
essa hipótese, como se minha vida fosse uma maldita comédia romântica e tudo não passasse de
um possível plot para a história. Então, respondo com as peças do quebra-cabeça que ele pode
saber:
— Achei meio estranho ela ter um amigo que vigia a casa para ela e parece a conhecer
há tanto tempo, mas nunca ouvi o nome dele antes de hoje. E quando falei pra minha mãe mais
cedo que ele era estranho, ela ficou toda na defensiva, que eu deveria dar uma chance e que ele é
gente boa.
Sua mão direita descansa na minha perna e está tirando um pouco da concentração que a
conversa precisa, mas estou disposta a fingir que não me abala.
— Eu não conheço todos os amigos da minha mãe também. E não precisa ser alguém
muito próximo para você pedir para vigiar sua casa, só tem que conhecer o suficiente para saber
que essa pessoa não vai fazer merda. E, se sua mãe cresceu com ele aqui na rua, não sei por que
seria estranho ter pedido isso. — Ele se inclina e coloca um dos cachos soltos atrás da minha
orelha. É um movimento simples e ele faz de forma tão casual, que é como se fizesse isso todos
os dias. — Acho que você está se preocupando demais sem motivo.
— Você tem razão.
É muito mais provável que essa seja a verdade do que a teoria da conspiração, porém,
depois de ter a pulga colocada atrás da minha orelha, ia ser difícil tirá-la de lá.
— Eu sempre tenho. — Pisca um dos olhos e sinto partes de mim derreterem.
Nossa senhora das garotas carentes com um crush tão gato, protegei-me!
— Acho melhor eu ir dormir — falo, a fim de fugir do seu toque, do seu olhar e de todas
as sensações estranhas que estou sentindo agora.
Não posso correr o risco de ele perceber essas coisas. Preciso dele, não quero que se
afaste de novo porque não corresponde meus sentimentos.
Droga. Que sentimentos, Ayla? É só fogo na bunda, carência. Ele sumiu por cinco anos,
não existe sentimento!
— É melhor mesmo, amanhã preciso chegar cedo no trabalho.
E nessa hora lembro que ainda não o comuniquei sobre nosso problema para dormir. Ou
melhor, problema talvez para ele, porque tenho certeza de que nem um único pelo do meu corpo
achará um problema ter que dividir a cama com ele.
— Sobre isso, eu esqueci que essa casa só tem um quarto e uma cama.
Gustavo arqueia uma das sobrancelhas.
— Você planejou tudo isso só para me levar para a cama? Nem sou tão difícil assim, era
só ter pedido.
O sorriso malicioso faz com que eu queira falar que ele não deveria flertar de brincadeira
se não tinha a intenção de ir até o final, mas apenas respondo:
— Claro, obriguei meu pai a me expulsar de casa só para dormir com você no colchão
duro da casa velha da minha avó.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Segundo Dia Da Minha Nova Vida

Adivinha quem acordou renovada por dividir a cama com o Crush na noite anterior (pois
pediu para que ficasse na casa da avó com ela, mas esqueceu que não tinha outro quarto para ele
dormir) e, depois de acordar com ele abraçadinho nela, se beijaram?
Alguma protagonista de filme de comédia romântica, porque o Crush preferiu trazer um
colchonete para dormir no chão duro a dividir a cama comigo. (Não que a cama fosse mais
confortável, pelo jeito minha avó tinha problemas de coluna e precisava dormir em algo macio
como uma tijolada na cabeça.)
Isso só prova o quão pouco interesse ele tem em mim, porque nenhum garoto deixaria de
dormir com a garota que está a fim, nem mesmo o mais cavalheiro deles, não é? (Sim, eu quero
que me respondam isso.)
Porém, mesmo que ele não tenha nenhum interesse romântico em mim, confesso que
fiquei sorrindo igual uma boba quando levantei e encontrei meu café da manhã pronto com um
bilhetinho, que dizia:
Querida, sinto abandoná-la, mas preciso ir trabalhar para sustentar nossa futura
família, que não deve demorar a crescer no ritmo que estamos indo. Qualquer coisa, me liga.
Beijos do seu amado.
P.S.: como preparou o almoço e o jantar para nós ontem, deixei o café pronto para você
hoje. Espero que não esteja muito frio quando for comer, você estava dormindo tão bonitinha
que fiquei com dó de te acordar.
Não me lembrava de ele ser tão atencioso assim. Se bem que nunca tínhamos passado a
noite dividindo o mesmo espaço.
Queria continuar divagando sobre o Crush, mas tenho um problema maior para resolver
agora: preciso de dinheiro e não tenho nem ideia de por onde começar. Alguma dica?
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Suzaninha: Vai pedir ajuda para o tiozão e aproveita para descobrir se ele tem ou não
algum rolo com a sua mãe.
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AS DECISÕES DE LAYLA

E Pra Ajudar A Pagar A Dama Que Lhe Satisfaz, Não Tenho Aqui Nem 50 Reais

Se eu pegasse o Bundão com a Falsiane hoje no motel, não teria nem os cinquenta reais
para dar uma de Naiara Azevedo pra cima deles e pagar a conta. Acabei de gastar o último
dinheiro que tinha na carteira para pagar o conserto do computador velho da minha avó, que
havia desistido da vida e não ligava por nada.
Passei os últimos dias entregando meu currículo em algumas lojas no centro da cidade,
fui chamada para fazer entrevista em uma delas e talvez eu tenha dito um “só isso?” alto demais
quando a dona falou qual era o salário. Ela não pareceu gostar muito e fiquei com uma leve
impressão de que não serei contratada.
Então, depois de fazer um orçamento para o conserto do computador e perceber que não
me sobraria mais nada, decidi ouvir o conselho de vocês e pedir ajuda para alguém.
Sim, eu sei que falei que deixaria vocês decidirem tudo, mas sou um pouco orgulhosa e
tinha fé de que conseguiria sozinha. Spoiler: NÃO CONSEGUI!
Prometo não me rebelar novamente.
Enfim, não quis sobrecarregar o Crush com mais um problema, até porque está bem
atolado de trabalho e já tem me ajudando demais ficando aqui comigo e me ensinando o mínimo
sobre cozinha para que eu não passe fome. Até aprendi a gostar de miojo, apesar de ser uma
bomba de sódio e carboidratos.
Minha pele já está gritando com essa alimentação, mas não é uma preocupação no
momento.
Como podem ver, sou uma pessoa muito prolixa que se perde nos assuntos.
Voltando ao assunto de trabalho, fui pedir ajuda ao Tiozão. E, apesar de achar que vocês
estão viajando total nessa teoria de que ele tem um caso com a minha mãe, vou atualizá-los caso
descubra qualquer coisa.
Fui até a casa dele, que fica quase de frente para a minha, mas, antes de tocar a
campainha, perdi a coragem e virei rápido para voltar correndo antes que ele me visse parada ali
fora. Porém, assim que me virei, trombei em uma pessoa, que cambaleou para trás e deixou cair
a caixa que carregava, espalhando todo o seu conteúdo pela calçada.
Vou chamá-la de Maluca, pois foi assim que eu a identifiquei num primeiro momento,
depois no segundo e em todos os outros. Sabe aquele tipo de pessoa afobada, atrapalhada e
desesperada? Então, essa pessoa é um pouco melhor do que ela. Porém, o surto real veio quando
olhei para o chão e encontrei pintos de diversos tamanhos e cores.
QUEM ANDA PELA RUA COM UMA CAIXA COM ESSAS COISAS?
Maluca: Olha por onde anda!
Gritou comigo quando sua bunda foi de encontro à calçada.
Eu: Desculpa, não te vi aí. Posso te ajudar a recolher.
Falei, mas com receio de colocar a mão naqueles brinquedinhos para maiores, mesmo
estando tudo embalado. Fiquei travada, morrendo de vergonha de ser vista com aquilo.
Quando ela finalmente me olhou nos olhos, sua boca abriu e fechou várias vezes antes de
pronunciar o nome da minha mãe.
Eu: Ela é minha mãe.
A cara emburrada se fechou ainda mais ao ouvir isso. Pelo jeito, não foram só amigos
que minha mãe fez nessa rua.
Maluca: O que você estava fazendo aqui? Sua mãe mandou você vir aqui sugar um
pouco mais das nossas almas? Não está satisfeita com tudo que já fez?
Nesse tempo o tiozão apareceu no portão querendo saber o que estava acontecendo.
Maluca: Essa cópia da *nome da minha mãe* estava parada encarando o portão e
quando fui perguntar o que ela queria, me jogou no chão e derrubou todos os meus produtos. Me
ajuda a colocar isso na caixa antes que alguém veja, ninguém vai querer comprar um consolo que
caiu nesse chão nojento.
O Tiozão, com as bochechas queimando, começou rapidamente a jogar tudo para dentro
da caixa junto com a Maluca enquanto eu olhava para os dois.
Maluca: Por que você ainda está parada aí, garota? Vaza.
Queria saber o que minha mãe fez para despertar todo esse ódio, mas duvido muito que
eles responderiam. (Nesse ponto da conversa a pulguinha atrás da minha orelha começou a coçar.
Como diria minha avó: tem caroço nesse angu!)
Tiozão: Pega leve, *Maluca*.
Maluca: Você é quem deveria ter mais raiva de tudo que aquelazinha fez e vem me
mandar pegar leve? (Não foi bem essa palavra que ela usou para definir minha mãe, mas não
quero reproduzir aqui porque achei muito baixo e desnecessário.)
Tiozão: Exatamente. Se superei, você também consegue. Faz mais de vinte anos, deixa
isso pra lá. A Layla não tem nada a ver com isso e não merece essa sua cara feia sendo que não
fez nada pra você.
Maluca: É a cópia dela. Como separar?
Eu: Prometo que sou bem mais legal.
Dei um meio sorriso e levantei uma mão para que parassem de brigar e percebessem que
eu ainda estava ali, ouvindo tudo. E mesmo se não estivesse mais lá, provavelmente continuaria
ouvindo, porque o timbre natural da mulher já parece ser muito mais alto do que o normal, como
se estivesse gritando a cada palavra.
Maluca: Tendo sido criada por ela, eu duvido muito.
O Tiozão colocou a mão no ombro dela e a empurrou portão adentro, impedindo que
continuasse reclamando. Depois de fazer isso, ele se desculpou e perguntou se eu estava
precisando de alguma coisa.
Eu: Queria perguntar se você sabe de algum lugar por aqui que está com vagas abertas.
Preciso de um emprego.
Foi engraçada a forma que franziu o cenho como se tivesse acabado de ouvir a coisa
mais louca da vida dele.
Tiozão: Por que você precisaria de um emprego? Seu pai não é milionário?
Eu: Minha mãe não te contou o motivo de eu estar morando aqui?
Tiozão: Falou que você queria ter seu espaço.
Ela não confidenciou os problemas de casa com o bonitão da sua infância. Não acham
que se eles estivessem tendo um caso ele saberia a verdade?
Minha mãe nunca deixaria ninguém saber sobre os problemas da família de comercial de
margarina que, na verdade, está mais para participantes do Casos de Família.
Eu: Claro que ela não te contou a verdade. Meu pai é um grande babaca que me colocou
para fora de casa, sem dinheiro ou cartão para sobreviver.
Tiozão: Depois de tudo que já vi ele fazer, não me surpreende que nem a própria filha
escapou. Posso ver se tem algum lugar precisando de gente. O que você sabe fazer?
Eu: Até falaria que faço qualquer coisa, mas operei há pouco tempo e não posso fazer
trabalhos pesados. Porém, sei mexer em todo o pacote Office, Photoshop e qualquer outro
programa de computador. Fiz estágio em um escritório de direito e sou quase formada. Talvez
conheça algum advogado que esteja precisando de alguém.
(Não queria voltar a trabalhar com isso, mas já estava desesperada e toparia até voltar
para a profissão culpada por minha queda.)
Ele coçou a barba e riu, parecendo se divertir com alguma ideia que passou por sua
cabeça.
Tiozão: Não sei quem você pensa que sou, mas não tenho amigos advogados. Acho que
posso te arrumar um trampo. Preciso conversar com uma pessoa e ver se a vaga ainda está
aberta. Se estiver, eu te aviso.
Fiquei um pouco receosa dessa tal vaga depois dele falar que “não tinha esse tipo de
amigos”, mas com zero reais na carteira eu não poderia mais ter nenhuma exigência. Então,
agradeci com um sorriso nervoso e fui embora.
Duas horas depois, quando a Maluca tocou a campainha da minha casa e falou com a
cara emburrada que iria me contratar, eu entendi o porquê da risada quando perguntei se o
Tiozão sabia de alguma vaga. Era óbvio que eu era a última pessoa com quem ela gostaria de
trabalhar, mas de alguma forma ele conseguiu convencê-la.
A empolgação dela ao me falar que trabalharíamos juntas era a mesma de um médico
comunicando a família sobre o falecimento de um ente querido, mas eu não estava podendo
reclamar. Então a deixei entrar com a caixa de pintos nos braços. (Fiquei me perguntando se ela
levava isso para todo lado.)
Passou a próxima meia hora me explicando o trabalho. Ela tinha um sex shop on-line e
estava procurando alguém para ficar responsável pelas redes sociais e pelo telefone da loja, já
que ela fazia o trabalho na casa das clientes durante o dia e acabava não sobrando tempo para se
dedicar a toda essa parte.
Com tantas opções de trabalho, claro que tinha que aparecer para mim uma oportunidade
no único lugar que faria meu pai me deserdar. Se ele já não tinha ficado feliz com meu silicone,
imagina se descobrir que passei a ganhar a vida vendendo pinto de borracha?
Considerei declinar a oferta, mas não era como se eu tivesse cheia de opções. Precisava
de dinheiro pra ontem e a proposta, apesar de estar longe de ser boa, era a única que eu tinha.
Então, estendi a mão e falei que topava, achando que já estava com a vaga garantida. Pobre
ilusão.
Maluca: Faremos uma semana de teste e ver se dá certo.
Eu: Tudo bem. Só cuidar do Instagram e das chamadas, molezinha.
Ela concordou, depositou um celular caindo aos pedaços na minha mão e deu duas
batidinhas em cima da caixa de brinquedinhos adultos.
Maluca: Isso, e vender tudo que está dentro dessa caixa até a próxima semana.
Eu: Mas eu não sou vendedora.
Ela sorriu e deu de ombros. (Claro que tinha uma pegadinha, estava fácil demais, eu
deveria ter previsto isso.)
Maluca: É o que eu preciso. Se você não conseguir, vou procurar outra pessoa.
Eu: Não! Eu consigo, vou vender tudo que tem nessa caixa.
Assim que pronunciei essas palavras, eu tive certeza de que iria fracassar (de novo), mas
não daria meu braço a torcer logo de cara. Principalmente porque estava óbvio que ela queria que
eu desistisse.
Ainda não sabia o que meus pais haviam feito para o Tiozão, mas a Maluca não havia
perdoado e descontaria toda raiva que pudesse em mim. Porém, nas minhas atuais condições, não
posso exigir muito, preciso do dinheiro.
Então, preciso saber de vocês. Alguém aqui conhece alguma estratégia de vendas para
me ajudar? Como farei para vender esse tanto de produto de sex shop sem morrer de vergonha?
Será que consigo fazer todas essas vendas on-line?
É quase Natal, será que as pessoas dão esse tipo de presente nessa data?
ME AJUDEM!
Beijos,
Layla Ávila

Comentários:
Grazy: Passa o link da loja para a gente que te ajudamos a vender isso!
Keyt_Silva: Eu na minha pura inocência, pensei que eram pintos… tipo filhote de
galinha, não isso. Ainda ia xingar a mulher por pintar os pobres pintinhos.
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CAPÍTULO 9

ico encarando a caixa em cima da mesinha da sala. Respiro fundo e começo a tirar um por
F um. Tem pinto de borracha que não faz nada, tem alguns que na caixa diz que vibram,
outros que sugam. Tem a pilha e com carregador. Tem de vários tons de pele, mas também
tem rosa com glitter. Tem brinquedos femininos e masculinos com as mais diversas promessas:
desde um ovo escrito “silicone texturizado para mais prazer” até “orgasmo em três minutos”.
Eu nunca entrei em um sex shop na vida e passo as próximas horas lendo as embalagens
e ficando cada vez mais chocada com tanta variedade.
Levo um susto quando a porta se abre.
— Querida, cheguei — fala e então franze o cenho ao me observar jogar tudo aquilo para
dentro da caixa o mais rápido possível, mas é obvio que não consegui fazer isso a tempo de
Gustavo não ver do que se tratava. — Sabia que você estava carente, mas não a esse ponto —
zomba.
Pego um dos pintos de borracha e jogo nele, que consegue o pegar antes de cair no chão,
e fica o balançando no ar.
— Idiota. Isso é trabalho.
— Que tipo de trabalho? Você vai testar essas coisas e falar se aprova?
Uma gargalhada me escapa.
Com o que ele acha que estou trabalhando?
— Claro que não! Eu vou vender tudo isso. Quer comprar um?
Gustavo joga o consolo na caixa e arqueia uma sobrancelha para mim.
— Claro, ficarei com o rosa brilhante.
Pego a lista de preços na mesa e procuro pelo que ele falou.
— Esse é sessenta e quatro e vinte — respondo e estendo o escolhido para ele.
— Não sei se você percebeu, mas fui irônico. Sabe, quando dizemos o contrário do que
queremos em um tom de deboche.
Sim, eu percebi.
— Não notei essa ironia, agora terá que comprar.
Ele sorriu e negou com a cabeça.
— Vamos, me ajude! Preciso vender tudo isso em uma semana para ficar com a vaga.
— Eu não vou comprar um pinto rosa.
— Tudo bem, tem várias outras cores. Compre para dar de presente para alguém.
Ele me olha como se eu tivesse mandado que batesse em um filhotinho e, pensando
melhor, dava para entender o porquê.
— Pra quem eu daria algo assim de presente?
— Sei lá, pra sua mãe, o Natal está chegando!
— Pra minha mãe? De Natal?
— Sim, sua mãe está sozinha há tanto tempo, deve estar…
Gustavo cobriu a minha boca com a mão.
— Por favor, não termina essa frase, não quero a imagem da minha mãe com um negócio
desses na minha cabeça. Me deixe manter a inocência achando que a cegonha me trouxe e ela
nunca fez isso na vida.
Não consigo conter a risada ao ver sua cara de nojo.
— Então, pode guardar pra você usar com alguém no futuro.
Assim que as palavras deixam minha boca, eu me arrependo, porque não quero que ele
use essas coisas com nenhuma outra garota, ou garoto, ou qualquer pessoa. Não quero imaginá-
lo com ninguém.
Merda. Para com isso, cérebro. Não posso sentir ciúmes dele.
— Usar com alguém no futuro… — Coça o queixo e me lança um olhar sugestivo, que
faz queimar da pontinha dos meus pés até o último fio do cabelo, mas ele nunca vai saber disso.
— Não comigo, idiota!
Sim, comigo, idiota! Apesar de não querer usar nada com você, só querer você mesmo.
Dessa vez, ele gargalha divertido por me deixar sem graça.
— Vou te ajudar, mas nada de vibradores e consolos. O que tem mais aí?
Reviro a caixa à procura dos itens para homens.
— Tem esse vibrador masculino por apenas trezentos reais. Superpromoção.
— Não, obrigado. Quais as outras opções?
— Tem essa caneta comestível pra escrever no corpo da pessoa e depois… você sabe o
que fazer depois. — Sinto o calor começar a subir até o meu rosto, mas tento fingir tranquilidade
ao mostrar para ele todos aqueles itens. — Pode comprar a de morango e a de chocolate. Tem
também esse gel comestível que refresca. E esse outro de beijo que esfria e esquenta.
— Me dá o gel de beijo, é o menos pior.
— Hum, senhor puritano!
— Não sou puritano, só não preciso de nada disso para dar prazer pra uma mulher.
A intensidade de seu olhar ao falar isso faz com que meu corpo queime sem que ele
precise encostar um dedo em mim. Engulo em seco e tento fingir que não estou pensando em
como seria tê-lo por inteiro.
— Hum, senhor bom de cama, então.
— Não posso dizer que está errada — responde e pisca para mim.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Bundão

VOCÊS NÃO VÃO ACREDITAR EM QUEM APARECEU AQUI HOJE! (Sim, eu


estou gritando.)
A manhã estava tão boa, que pela primeira vez achei que minha vida estava “voltando ao
eixo”. Levantei cedo e tomei o café que o Crush deixa pronto antes de sair. (Quase vida de
casado o que estamos vivendo, só que sem a parte do vuco-vuco. Se bem que dizem que
ninguém faz mais isso depois que casa, né?)
Logo depois sentei no sofá e comecei a trabalhar, analisando os resultados das postagens
que fiz nos últimos dias, e não tive nenhum retorno. A Maluca tinha vinte e cinco mil seguidores,
mas as fotos deram quinze curtidas e zero comentários.
Tenho duas teorias: ou as pessoas têm vergonha de comentar e curtir coisas desse tipo e
só seguem para ficar de olho nas novidades. Ou ela comprou seguidores, o que para mim é o
mais provável. E, se for o caso, eu nunca conseguirei vender tudo em tão pouco tempo, mas acho
que ela já sabia disso. Até porque tenho certeza de que só me contratou pela insistência do irmão
e não vê a hora de eu falhar para dizer a ele que tentou.
Até cogitei a ideia de vocês de mandar o link para comprarem e me ajudar, mas se
fizesse isso, seria bem fácil descobrirem quem sou e não queremos isso, né?
Já faz quatro dias desde que a Maluca deixou isso nas minhas mãos e até agora a única
venda foram dois géis de beijo para o Crush. (E não, não foi para usar comigo.)
Então, hoje surgiu uma oportunidade de vender tudo e queria saber de vocês se seria
muita filha da putisse (nem sei se existe essa palavra, mas finge que sim) da minha parte fazer
algo assim. Porém, tenho uma leve desconfiança de que vocês vão me apoiar.
É o seguinte: o Bundão apareceu aqui. O desgraçado estava lindo, sorte que minha raiva
ainda estava grande demais para isso me abalar. (Tenho mesmo muito bom gosto para homem,
uma pena que só consigo ver o exterior e não sabia que a fruta estava podre por dentro.)
Eu: O que você está fazendo aqui?
Perguntei assim que abri o portão e dei de cara com ele. Era a última pessoa que
esperava reencontrar. Talvez eu não tivesse sido clara o suficiente quando falei que nunca mais
queria vê-lo.
Bundão: Oi, Layla, tudo bem comigo sim, e com você?
A raiva só aumentou quando ele tentou me colocar como a mal-educada da situação por
não o cumprimentar. Faltou muito pouco para eu bater o portão na cara dele e o mandar tomar
naquele lugar.
Eu: Você não respondeu a minha pergunta.
Bundão: A gente precisa conversar.
Eu: Não tenho nada para conversar com você.
Bundão: Posso entrar?
Eu: Não.
Bundão: Por favor, Layla. Só me escuta, prometo que depois te deixo em paz.
Eu: Tenho uma ideia melhor, eu não te escuto e você me deixa em paz agora. Aliás,
quem falou pra você onde eu estava?
Bundão: Fui atrás de você na sua casa e seu pai me falou que você estava aqui, pediu
para eu vir tentar colocar algum juízo na sua cabeça. Falou que você quer largar o curso, é isso
mesmo?
Eu: Meu pai me expulsou de casa! E eu não quero largar o curso, já larguei.
Bundão: Me deixa entrar pra gente conversar sobre isso.
Eu: Não.
Bundão: Nós precisamos conversar.
Eu: Não, não precisamos.
Bundão: Eu errei, Layla, você não tem ideia de como me senti um merda depois daquele
dia. Fiquei tão desesperado por te perder que passei mal a noite inteira.
Eu não sei até agora como consegui segurar a gargalhada ao ouvir isso. Imaginar que o
plano havia dado certo era uma coisa, ter certeza era outra completamente diferente. Ele
realmente achava que tinha passado mal por me perder? Me poupe.
Eu: Você quer que eu fique com dó? Porque estou querendo falar “bem feito, mereceu
passar mal”.
Bundão: Vamos conversar lá dentro, Layla, me deixa explicar o que aconteceu.
Eu: Explicar o quê? Você ficou várias vezes com a minha melhor amiga! Não existe
explicação que torne isso perdoável. Sempre fiz de tudo pra te agradar, coloquei a merda de um
silicone por você e como me agradece? Dormindo com outra.
Bundão: Eu nunca pedi para você mudar nada no seu corpo por mim. Eu te amo do jeito
que você é.
Eu: Desculpa se não entendi seu amor quando comparava meu corpo com o de outras
garotas. Como eu estava tão cegamente apaixonada pra não te mandar à merda nessas horas?
Talvez eu tenha que te agradecer por ter me traído e finalmente aberto meus olhos para o lixo de
pessoa que você é.
Bundão: Eu gostava dos seus peitos do jeito que eram. E eu dizia que antes de você
sempre preferi peitões, são coisas completamente diferentes. Você me mostrou que peitos
pequenos também são bonitos.
Eu: Só vai à merda.
Bundão: Será que você pode me escutar por um minutinho sem me atacar?
Eu: Não.
Crush: Está tudo bem aqui?
Olhei para o lado e vi o Crush caminhar lentamente até nós dois. Estava na hora do
almoço e ele tinha duas marmitas nas mãos. Minha boca salivou com o cheiro que me atingiu.
Minha mãe havia mandado entregar compras do mercado para mim, mas, depois de comer arroz
duro e queimado por dois dias, o Crush sugeriu comprar marmita para o almoço e ele me
ensinaria a cozinhar o jantar até eu pegar o jeito. (Mas ainda não peguei e minha dívida com ele
só cresce a cada dia)
Bundão: Estamos tendo uma conversa particular aqui, pode continuar seu caminho.
O Bundão não parecia muito feliz com a intromissão. O Crush, por sua vez, resolveu
testar um pouco mais a paciência do meu ex, falou “ok”, veio em minha direção e me deu um
beijo na bochecha, a milímetros da minha boca. E por um milésimo de segundos até esqueci que
tinha alguém nos assistindo, deixei-me sentir sua mão deslizar por minha cintura e os lábios
tocarem minha pele.
Porém o Crush foi arrancado de perto de mim com um puxão.
Bundão: Sai de cima da minha namorada, seu merda.
As feições do meu amigo se fecharam ao virar para o Bundão.
Crush: Você perdeu o direito de a chamar assim no momento que preferiu outra garota.
Bundão: E você estava só à espreita esperando meu erro, não é mesmo? Nunca aceitou
que ela me escolheu. Vai se contentar com as minhas sobras agora?
Queria que a realidade inventada na cabeça do meu ex fosse verdadeira. Para ele, o
Crush sempre me amou e tinha como missão de vida me tirar dele.
Enquanto o Bundão parecia a ponto de explodir, com as veias saltando por seu pescoço e
achando que estava provocando o Crush, meu amigo estava calmo e não se deixava abalar.
Ele passou o braço por meus ombros e me puxou para mais junto dele.
Crush: Cara, isso aqui é um banquete completo, nunca vai ser suas sobras. E esperaria
por ela o tempo que precisasse.
Naquele momento meu coração se apertou ao saber que não passava de uma encenação,
porque sei que nunca serei amada dessa forma por alguém, muito menos por ele.
Eu: Vai embora!
Comecei a me virar com o Crush para entrar, mas o Bundão segurou meu braço e me
impediu de continuar. Ao olhar para trás, vi algo que nunca havia presenciado em todo nosso
tempo de namoro: seus olhos estavam lacrimejando.
Bundão: Me fala o que preciso fazer pra você me perdoar, qualquer coisa.
Estava prestes a falar que não existia nada na vida que me faria perdoá-lo quando uma
ideia, não das melhores, surgiu lá no fundinho da minha cabeça.
Eu: Tudo bem, tem uma coisa.
Senti até o Crush se retesar ao meu lado com a minha resposta, mas não tinha como
contar a ele o que era.
Bundão: Só me diz o que é.
Eu: Essa semana consegui um emprego de vendedora, mas só poderei ficar com a vaga
se vender tudo que a dona deixou comigo e até agora só consegui vender dois produtos.
Claro que eu não diria a ele que tipo de produto era.
Crush: Os dois produtos que comprei.
Meu amigo pareceu entender onde eu estava querendo chegar, pois a alfinetada atingiu
bem no alvo desejado. Na mesma hora o Bundão inflou o peito para responder:
Bundão: Eu compro tudo, me fala o valor. Se é isso que precisa pra me perdoar.
Eu: Não sei se é o suficiente para te perdoar, você errou feio.
Bundão: Se for o suficiente para me deixar explicar, eu topo.
Eu: Tenho que somar tudo, não sei o valor total.
Bundão: Tudo bem. Pode somar e me falar.
Eu: Vou somar e te ligo mais tarde para avisar.
Bundão: Não pode fazer isso agora?
Claro que não poderia fazer naquela hora porque precisava saber se vocês me liberariam.
Porém, não podia falar isso a ele.
Eu: Até poderia, mas estou com muita fome.
Bundão: Você quer minha ajuda ou não?
Eu: Você quer meu perdão ou não?
Bundão: Tá bom, fico esperando sua ligação.
Ele lançou um olhar frio para o Crush e saiu marchando até seu carro do outro lado da
rua.
Entramos em casa e o fomos até a cozinha para almoçar.
Crush: Você acha que é uma boa ideia?
Eu: Tudo que tem ali não deve passar de uns mil e quinhentos ou dois mil reais. Isso não
vai fazer nem cócegas na fortuna dele.
Crush: Estou falando sobre a parte de perdoar o que ele fez.
Eu: Falei que o ouviria, não que perdoaria. E mesmo que consiga perdoar, isso não é a
mesma coisa que o aceitar de volta na minha vida.
Crush: Se eu tivesse esse dinheiro, juro que compraria tudo, mesmo sabendo que seriam
consolos de todas as cores e tamanhos.
Eu: Isso que é declaração de amor.
Ele sorriu e aquele sorriso agarrou o meu coração e me fez acreditar, ainda que por
apenas um momento, que todas as palavras das últimas horas haviam sido verdadeiras.
Sei que escrevo desde o primeiro dia sobre minha “quedinha” por ele e sobre sempre ter
sido apaixonada por meu melhor amigo. Porém, cada dia que passa isso tem deixado de ser só
um “fogo no rabo” e passado para um sentimento que tenho medo de ser real, pois parece ser
muito maior do que qualquer outro que já senti, até mesmo quando foi por ele todos aqueles anos
atrás.
Mas como posso evitar quando ele continua agindo como um maldito príncipe encantado
que veio salvar a princesa falida?
Enfim, não vamos nos preocupar com isso agora. Tenho algo que preciso da atenção de
vocês.
Somei todos os brinquedinhos e dá um total de R$ 2.237,00. Vocês acham que vou ser
muito filha da puta se vender isso ao Bundão ou devo ligar o foda-se e fazer?
Beijos,
Layla Ávila

Comentários:
Mari_Mansur100302: Olha, eu acho que você deve vender sim para ele. Se nem vai fazer cócegas no bolso do bundão,
mana, só vai!
Chellelins: Faz assim: diz o valor da venda pro Bundão, entrega o produto lacrado e diz que ele só pode abrir em casa.
Ahhh! E que você não aceita devolução nem faz reembolso.
Raquel: Eu, inclusive, acho que devia jogar o valor lá pra cima e pegar a diferença, porque o Bundão e a Maluca tão
merecendo.

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CAPÍTULO 10

ejo a moto se afastando com a caixa de apetrechos sexuais que Bernardo acabou de
V comprar de mim sem saber o que é.
Queria falar que estou com a consciência pesada, mas seria mentira.
Sempre pensei que seria mais difícil superar um sentimento que ficou comigo por tantos
anos e me deu tantas coisas boas, mas foi tão fácil quanto me separar de um estranho que
conheci na fila da sorveteria.
Sua ligação mais cedo para avisar que embarcaria hoje e não conseguiria vir buscar a
caixa me lembrou de todas as outras muito semelhantes que eu recebia sempre antes das festas de
fim de ano. Nunca achei que amaria o fato de ele só estar por aqui a cada quinze dias; era algo
que odiava em nosso relacionamento, mas, agora, traz alívio ao meu coração.
É ótimo saber que, pela primeira vez em cinco anos, não passarei o Natal e Ano-Novo
sofrendo, pelo menos não porque meu namorado não conseguiu uma folguinha para estar
comigo. Eu talvez sofra, mas por outros motivos.
Porém, assim que ele voltar, provavelmente terei que lidar com a sua fúria ao abrir a
caixa e precisarei deixar que ele se explique, mesmo que não pretenda perdoá-lo por nada.
Assim que o entregador some de vista ao virar a esquina, mando uma mensagem para
Marcela, avisando que consegui vender tudo um dia antes do prazo terminar. Mal entrei em casa
quando ela aparece gritando no portão.
— Você está brincando, né? — pergunta assim que abro para que entre.
O cabelo está ruivo hoje e as pontas parecem gritar por socorro, mas está bem melhor do
que o amarelo esverdeado do outro dia. Ela está com um brinco de cada tipo. Em uma das
orelhas, tem uma boca, e, na outra, uma estrela, e não parecem ser o tipo de pares que são
diferentes propositalmente.
E, de alguma forma, tudo isso parece combinar com a beleza gritante dela. Porém, fazer
sentido no contexto dela não torna aquilo menos maluco. Meu apelido no blog combina mais
com ela do que o próprio nome.
— Conseguiu mesmo vender tudo?
— Sim, consegui. Não precisa parecer tão surpresa.
Seu olhar se aperta e ela cruza os braços.
— Aposto que pediu para o papai cobrir os custos só pra falar que conseguiu.
Queria ficar chateada por ela não acreditar na minha capacidade, mas convenhamos que
não consegui vender tudo graças às minhas ótimas habilidades de venda, não é mesmo? Não é
como se ela estivesse falando algo absurdo, só errou de onde veio o dinheiro. Porém, sou
orgulhosa demais para admitir isso e da próxima vez as vendas serão verdadeiras.
— Se meu pai estivesse me bancando ou ajudando de qualquer maneira, você acha
mesmo que eu teria topado trabalhar? E pior, acha que ele pagaria mais de dois mil reais em
produtos de sex shop? Ele acha um absurdo eu ter colocado silicone, imagina o que falaria se
descobrisse que estou trabalhando com isso. Provavelmente me deserdaria de vez.
— Você falou que não tinha experiência nenhuma com vendas e quer que eu acredite
que vendeu toda aquela tralha em menos de uma semana?
Claro que eu sabia que ela queria que eu falhasse, mas não esperava que fosse ficar tão
irritada por eu conseguir.
— Por que você não pode simplesmente aceitar que eu consegui?
— Porque eu te dei apenas os produtos que estavam encalhados no meu estoque,
produtos que eu, que trabalho com isso há anos, não consegui vender. Então, me desculpa se não
acredito que fez isso.
Se havia qualquer dúvida de que ela não queria que eu passasse no teste, agora não tenho
mais.
— Você fez isso para que eu não conseguisse… — falo o óbvio conforme as peças do
quebra-cabeça vão se encaixando.
— Mas você fez o impossível e conseguiu. Não sei como, mas conseguiu, e espero que
continue aplicando essa sua mágica porque você está contratada!
Pisco algumas vezes, olhando para a mão estendida de Marcela.
Em outras circunstâncias, eu provavelmente não aceitaria trabalhar para alguém que vai
fazer de tudo para puxar meu tapete, mas não é como se eu pudesse ser muito exigente nesse
momento.
— Vai ser um prazer trabalhar para alguém que me odeia e fará de tudo para me ferrar
— respondo com um sorriso e aperto sua mão.
Com um suspiro longo, responde:
— Eu não te odeio, Barbie. — Claro que ela também já tem um apelido para mim. —
Você só se parece demais com a que não deve ser nomeada, e acabei descontando minhas
frustrações em quem não tem nada a ver com a história… Desculpa. — A última palavra sai
quase como um sussurro; chego até a me questionar se a ouvi mesmo ou se foi apenas um
delírio. — Prometo que não vou fazer de tudo para te ferrar. Podemos tentar trabalhar juntas?
Não sou a melhor para julgar o caráter das pessoas ou saber quando estão sendo sinceras;
se fosse, não teria sido corna. Mas já pedi a opinião das pessoas do Twitter, e a maioria
concordou que eu deveria aceitar essa oportunidade. Se não der certo, posso jogar a culpa em
cima das escolhas deles.
Talvez, se me aproximar dela, eu descubra mais sobre essa história com a minha mãe.
Dessa vez, sou eu que estendo a mão para selar nosso acordo.
CAPÍTULO 11

Layla Ávila - 16h


A Maluca citou minha mãe de novo hoje e perguntei o que ela tinha feito de tão ruim para merecer todo esse ódio e recebi como
resposta:

Layla Ávila - 16h


“Não vou ser a causadora da briga da sua família. Se quer a verdade, pergunte para sua mãe”.

Gabbe Emebe - 16h


Será que sua mãe largou o Tiozão para ficar com seu pai?

_Anna Rebecca_ - 16h


Gente, por que estou com uma teoria maluca de que o Tiozão é pai da Layla? Tomara
que não seja (ou queremos que seja?).

Thais1315 - 17h
Tô começando a achar que você não é filha do seu pai e sim do Tiozão. A grande
merda q sua mãe fez para o Tiozão foi esconder a gravidez dele.

Flora Bauer - 17h


Será que você não é filha do seu pai e sim do seu atual vizinho??????????

Abaixo o celular após rolar e rolar para baixo, lendo os comentários malucos sobre
Thiago ser meu pai. Levanto-me e paro em frente ao espelho, tentando achar semelhanças que
me deem alguma pista sobre minha paternidade. Sempre ouvi todos falarem que sou a cara da
minha mãe, mas e se for só dela?
Não encontro nenhuma semelhança com o Sr. Prefeito, mas também não tenho nada de
Thiago. Só que ele é loiro, assim como eu e minha mãe, e talvez isso tenha sido uma
característica que puxei dele, e não dela.
Sempre fui do time do “pai é quem cria, não quem doa o esperma”, mas o que acontece
quando o pai biológico nunca ficou sabendo sobre a filha?
Talvez ele teria sido um pai maravilhoso, só nunca teve a oportunidade de mostrar.
Não acho que minha mãe é capaz de fazer algo assim. Ela pode ter vários defeitos, mas
não é uma pessoa ruim a ponto de negar que um pai conheça uma filha. Pelo menos é no que
quero acreditar.
Acho que o único caso que isso poderia fazer sentido seria se meu pai biológico fosse
alguém horrível, porém não faria sentido ela ainda ter contato com Thiago se ele fosse assim,
muito menos o defender como fez no outro dia.
Ouço o barulho da porta se abrindo e enfio o celular da loja que Marcela deixou comigo
no bolso, depois de confirmar duas vezes que saí do Twitter. Vou até Gustavo na sala.
— O que é tudo isso? — pergunto e aponto para as sacolas em suas mãos.
— Estou enjoado de comer miojo. Hoje vamos preparar comida de verdade.
— Se você está tentando me ganhar pela barriga, já estou apaixonada só de ouvir isso —
brinco e ganho um sorriso de lado como resposta.
Vou atrás dele até a cozinha, onde começa mais uma tentativa de me ensinar a fazer
arroz. Estou disposta a não deixar queimar dessa vez. Não tirarei o olho da panela nem por um
segundo.
Jogo a água, depois de seguir corretamente todo o passo a passo, e ele se coloca atrás de
mim, segura minha mão com a colher e mexe o conteúdo na panela. A outra mão toca meu
quadril e eu finjo costume. Pega um pouco da água do arroz com a colher e leva até a boca para
soprar. Acompanho o movimento com os olhos, então ele desce o braço novamente até a colher
estar na altura dos meus lábios.
— Prova para ver se está bom de sal — fala quase no meu ouvido e sinto todos os pelos
do meu corpo se arrepiarem.
Você está arrepiada por ele te mandar provar a porcaria do sal?
Faço o que manda e digo que está bom, mas nem tenho tanta certeza disso, porque não
consegui prestar atenção no paladar quando tantos outros sentidos estão mais aguçados.
Seu toque me abandona, mas as batidas em meu peito só aumentam.
Talvez essa ideia de brincar de casinha com o menino por quem já fui apaixonada e que
não sente nada por mim não tenha sido lá tão boa assim.
Gustavo percebe que estou o observando e se vira para mim, apoiando uma mão na
bancada. Vejo a bolinha prateada do piercing deslizar entre seus dentes e acho que encaro sua
boca por tempo demais, pois um sorriso aparece e ele fala:
— Não me olhe assim, Ayla.
— Assim como? — Saio do transe e aperto os lábios com a minha melhor cara de não
tenho ideia do que você está falando.
— Como se quisesse que eu te beijasse.
Pois é exatamente o que quero! Sei que para ele será só mais um beijo, enquanto para
mim será a realização dos meus sonhos da adolescência, mas quero como eu nunca quis — o
suficiente para talvez estragar tudo que estamos construindo desde que voltamos a nos falar e a
morar juntos.
— Por que não? — Dou um passo em sua direção.
Seu sorriso se alarga ainda mais ao acabar com todo espaço entre nós. Então, segura meu
queixo e o levanta, até que esteja olhando em seus olhos.
— Porque… — começa a falar num tom baixo, quase um sussurro, enquanto se
aproxima. Fecho os olhos, sinto sua respiração em minha pele, mas o toque de seus lábios não
termina onde eu estava esperando; em vez disso, segue até o pé da minha orelha, e sinto sua
respiração roçar ali ao terminar a frase: — talvez eu te beije.
Acho que estou tendo uma parada cardíaca. Não pode ser normal a velocidade que meu
coração está batendo.
— Você vai me matar com esse joguinho. — Minha voz sai em um sopro, sem força,
bamba, fraca, assim como eu estou.
Sua risada baixa viaja por dentro de mim e se aloja no fundo do meu estômago, trazendo
de volta a sensação que achei que nunca mais sentiria. As pessoas dizem ser borboletas, mas as
asas desses bichinhos tão lindos seriam incapazes de causar o vendaval que sinto dentro de mim.
— Se isso for um jogo, se prepare para perder. Sou bem competitivo.
— E eu não faço questão nenhuma de ganhar. — Seguro sua blusa e o puxo para mais
perto de mim. Fecho os olhos porque já nem sei como o encararei caso ele não faça o que estou
pedindo.
Estou praticamente implorando por um beijo, baixei todas as minhas barreiras.
— A noite vai ser difícil se continuarmos por esse caminho. — Suas mãos seguram meu
rosto e ele apoia a testa na minha. — Eu não vou te parar, Ayla, mas não tomarei a iniciativa.
Apesar de você pagar de durona, percebi que ficou abalada depois do encontro com o Bernardo.
Se quiser me usar para tirar aquele babaca da cabeça, não direi não.
É isso que ele acha que está acontecendo aqui, que quero o usar para esquecer meu ex?
— Se eu te beijar, vai ser porque quero você, não porque preciso tirar alguém da cabeça.
Solto sua blusa e me afasto, mas meu coração fica lá, caído no chão da cozinha,
enquanto tento fingir que não estou abalada pelo que acabou de acontecer.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Convite

Eu amo as festas de fim de ano. Sempre foi meu feriado preferido, pois é o combo de
duas coisas: presentes e a perspectiva de um próximo ano melhor.
Porém, esse ano não estava muito animada, pois não passaria com meus pais (que
esqueceram que existo e não entraram mais em contato comigo) e sabia que o Crush passaria
com a família dele na cidade dos avós.
E, bom, passar essas datas sozinha não teria a mesma graça.
A Maluca havia me convidado para ir cear com a família dela, mas, apesar de estarmos
nos dando bem no trabalho, acho que não me sentiria bem em passar essa data com o Tiozão
depois de todas as dúvidas que vocês colocaram na minha cabeça.
Porém, agora surgiu uma nova opção.
Ontem eu e o Crush tivemos uma pequena briga e fiquei bem chateada, a ponto de me
trancar no banheiro e chorar. (Talvez tenha sido só a TPM, mas o ponto é que fiquei magoada.)
Quando saí do banheiro, ele estava sentado do lado da porta me esperando, levantou-se
num pulo e me abraçou.
Crush: Eu não quis te magoar, Layla. Desculpa.
Não sou uma pessoa rancorosa e já tinha o perdoado antes mesmo de entrar no banheiro.
(Sei que coloquei laxante na bebida do meu ex, mas juro que não sou assim.) Então, concordei
com a cabeça.
Ele beijou meu cabelo, enquanto meu rosto ainda estava afundado em seu peito, sentindo
o cheirinho gostoso do perfume que ele usava.
Crush: Quero te perguntar uma coisa.
Eu: O quê?
Minha voz saiu abafada, pois eu estava com a boca afundada em seu peito. O que fez
parecer que eu tinha feito um “cuên”, tipo um pato. E o idiota respondeu “cuên, cuên, cuên”, e
qualquer resquício da briga se esvaiu entre as gargalhadas quando belisquei sua barriga e ele
saltou para longe de mim.
Crush: Amanhã é véspera de Natal, prometi para a minha mãe que passaria com ela e
minha avó. Quero que você vá comigo.
Eu: Não sei se já estamos sérios o suficiente para você me apresentar para a família.
Não consegui nem esconder o sorriso de felicidade com o convite.
Crush: Já falei com a minha mãe e ela falou que vai amar te receber.
Queria gritar um “sim” tão alto que parecia estar sendo pedida em casamento. Porém,
não poderia fazer isso sem perguntar para vocês e falar com a minha chefe, porque agora sou
uma garota trabalhadora.
Eu: Preciso ver com a Maluca se ela libera, não sei se vai gostar de ter sua funcionária
pedindo folga na primeira semana de trabalho. Seria legal uma viagem, mas, mesmo se ela
liberar, não acho que tenho dinheiro o suficiente também.
Ele se jogou no sofá e deu duas batidinhas para que eu me sentasse ao seu lado, o que
fiz.
Crush: Sei que você vai discutir quando eu falar que não precisa gastar nada…
Claro que eu ia discutir. Assim que a Maluca me pagou a porcentagem das vendas do
Bundão, a primeira coisa que fiz foi pagar tudo que ele comprou para mim. Foi um sacrifício
para que aceitasse.
Eu: Nem começa…
Crush: Deixa eu terminar de falar, mulher.
Fingiu estar indignado por eu tê-lo interrompido, e eu ri por me chamar de mulher.
Crush: Como eu estava dizendo, preciso ir de qualquer forma, a gasolina do carro será
gasta você indo comigo ou não. A comida minha avó sempre faz para um batalhão, uma boca a
mais não fará diferença. E a cidade é interior do interior, não tem nada para fazer, não
precisamos gastar com nada. Então, você só terá lucro, pois economizará o dinheiro da comida
de todos os dias até o Ano-Novo.
Eu: Você me convidou para o Natal, agora prolongou até o Réveillon?
Crush: Topa ou não? Prometo que vai amar conhecer a cidade em que nasci.
Eu: Fiquei sabendo que o carro de boi acabou de chegar lá.
Provoquei, como costumava fazer sempre que ele falava sobre a cidade onde os avós
moravam.
Crush: Sério? Não sabia que já estavam com tanta tecnologia.
Agora que ele está roncando em seu colchão lá na sala, eu vim perguntar para vocês o
que acham disso.
É uma boa essa viagem ou é melhor que eu fique quietinha em casa esses dias?
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Kevilyn Leandro: Não sei o que tu tá fazendo aí ainda, arruma a mala, querida.
Vanessa9735: Meu bem, só vai. Não faça como os homens, que pensam demais e não
fazem nada.
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CAPÍTULO 12

ou acordada pela buzina e pelo grito de Gustavo mexendo com alguém na rua. Não me
S lembro de ter pegado no sono, mas depois de passar os últimos dias trabalhando muito para
programar tudo que Marcela precisará durante o tempo que estarei fora, não é de se
estranhar que esteja cansada. Além de que não dormi muito, já que ele inventou de sairmos de
casa quatro horas da manhã.
— Bom dia, Bela Adormecida. Gostou da experiência de dormir ao meu lado?
Dou de ombros e solto um longo suspiro.
— Achei que seria mais interessante depois de toda propaganda que sempre faz.
Sua gargalhada preenche cada canto do carro e é difícil não deixar um sorriso escapar.
— Você está ferindo meu ego desse jeito.
— Queria que fosse fácil assim ferir seu ego.
No som, a playlist da Anavitória continua tocando. Mesmo depois de ter reclamado
quando a escolhi, ele não aproveitou que dormi por horas para mudar. E não sei por que, mas
isso me deixa com um sorriso bobo no rosto.
O carro entra em uma rua bonita e arborizada e para em frente à segunda casa, pela qual
fico apaixonada logo de cara. É enorme, mas ao mesmo tempo parece te chamar para dentro com
todo o aconchego. Tem o muro baixo do jeito que seria impossível em uma cidade grande, pois
até uma criança o pularia com facilidade, mas não é a única casa assim por aqui. Então, roubo
não deve ser um problema para essas pessoas.
O portão de madeira é seguido por um gramado e um caminho de pedras que dá na
varanda de entrada, onde algumas pessoas começam a surgir ao perceber que Gustavo chegou.
Ele aparece ao meu lado e coloca a mão nas minhas costas.
— Pelo jeito a casa já está cheia. Vou te apresentar para todo mundo.
Conheci os tios, os primos, os primos dos primos, os vizinhos, os cachorros e o papagaio
da avó dele.
— É bom te ver de novo, Ayla — fala Patrícia, a mãe de Gustavo, ao me puxar para um
abraço. — Obrigada por fazer companhia ao meu menino, fico preocupada com ele tão longe e
sozinho.
— Ela acha que eu vou ter um piripaque sozinho em casa e não vai ter ninguém para me
socorrer — fala e abraça a mãe logo depois de mim. — Sei me cuidar, mãezinha.
— Sei que sim, querido, mas coração de mãe não tem sossego. — Ela segura o rosto dele
entre as mãos e deposita um beijo em sua bochecha.
— A minha com certeza tem um coração diferente, então. — Não era para ter falado isso
alto, o pensamento escapou sem querer. Meu ressentimento por tudo deve ser maior do que
imaginei.
— O Gustavo me contou o que aconteceu. Sinto muito, querida. Pode saber que aqui
você sempre será muito bem-vinda, independente dos erros e das burradas que fizer. Esse aqui é
a prova do meu amor incondicional. — Dá tapinhas leves no ombro do filho.
— Fala sério, eu sou um santo!
— Do pau oco, só se for — rebate a mãe.
— Não dê ouvidos, Ayla, ela não sabe o que diz.
Gustavo começa a me tirar de perto da mãe, me puxando para outro cômodo, mas me
viro e falo:
— Pode me passar o dossiê desse meliante.
Patrícia joga a cabeça para trás com uma gargalhada alta.
— Querida, não posso queimar meu filho com minha futura nora. Você o conhece há
bastante tempo, sabe bem que de santo esse menino não tem nada.
Sinto o rosto queimar com a insinuação. Gustavo começa a tossir para disfarçar a risada
por ter percebido que fiquei sem graça.
— Ela ainda não sabe que de santo eu não tenho nada, mas vai descobrir em breve —
responde para a mãe.
— Ai, que nojo, Gustavo! — ela exclama com uma careta. — Toma vergonha nessa
cara. Ficar insinuando coisas sexuais na frente da sua mãe deveria ser proibido.
Ele para de me puxar e se vira para a mãe fingindo estar indignado.
— Eu estou falando de roubar os biscoitos de Natal da vovó, mãe, sua pervertida!
— Tá vendo, Ayla? É assim que essa peste me trata, e eu tenho que amar
incondicionalmente. Maldito amor de mãe que me liga a esse menino.
Em meio às risadas, vamos para o cômodo seguinte, que acho ser a copa da casa, que
conta com uma mesa enorme, sobre a qual repousa um café da manhã de dar água na boca, e ao
redor dela estão várias outras pessoas que ainda não conheci. Tenho certeza de que, ao fim das
apresentações, não lembrarei o nome de ninguém.
Já apresentada a todos, subimos as escadas para o segundo andar. O tamanho da família
fica ainda mais evidente com as inúmeras fotos, de todos reunidos, na parede. Uma para cada
ano, a tradição se mantém firme por mais de duas décadas, conforme as datas. Quanto mais nova
a foto, maior o número de pessoas nela.
— Sua família é bem grande — comento quando ficamos sozinhos.
— A cidade tem quinze mil habitantes e somos praticamente todos parentes em algum
grau, então ainda tem bastante gente que não conheceu. — Ele coloca a mala no quarto em que
vou ficar. — E a casa da vovó é quase uma hospedaria, não me lembro de ter estado aqui algum
dia que não tivesse nenhuma visita.
O celular dele toca e estou ao seu lado quando o tira do bolso. O nome da minha mãe
aparece na tela e toda a leveza do dia se esvai.
— Por que ela está te ligando?
— Não sei, talvez queira falar com você. Mas se não quiser falar com ela, posso inventar
uma desculpa. Falar que está passando mal no banheiro.
Nego com a cabeça sabendo que, se ela quisesse falar comigo, não desistiria enquanto
não conseguisse.
Então, pego o celular da mão dele e atendo.
AS DECISÕES DE LAYLA

A Indecisão

Acabei de receber a oferta para ter toda minha vida de volta, mas, por mais difícil que
esteja sendo me virar “sozinha”, não sei se quero me esconder embaixo das asas dos meus pais
novamente. (Sozinha está entre aspas porque não passei nenhum dia sem ninguém. O Crush
esteve lá por mim desde o primeiro dia, o que contribui bastante para eu não querer voltar para
casa.)
Como vocês mandaram, juntei minhas trouxas e vim passar o Natal com a família do
Crush. Cheguei hoje cedo e fui recepcionada com muitos abraços, pão de queijo e broa de fubá.
Acho que nunca comi tanto. Devo ter engordado uns cinco quilos só no café da manhã.
E estava tudo indo muito bem quando minha mãe resolveu interferir. Ela ligou no celular
do Crush e a conversa foi mais ou menos assim:
Eu: Oi, mãe.
Mãe: Onde você está? Estou ligando na casa da sua avó desde cedo e ninguém atende.
Eu: Vim passar o Natal com o Crush.
Mãe: Estou indo te buscar. Você vai passar o Natal em casa.
Eu: Mãe, estou em *cidade que não posso contar*.
Mãe: Pelo amor, Layla! O que você foi fazer nesse fim de mundo? Seu pai te quer aqui
para a ceia de Natal. Será que não tem como pegar um táxi?
Eu: Não vou voltar, sem chance.
Mãe: Layla, se você quer voltar às boas graças do seu pai, essa é a sua oportunidade.
Eu: Não vou ficar mais cinco horas num carro para voltar e passar a noite de Natal com
quem não me quer por perto. Se meu pai quer fazer as pazes, é ele quem tem que fazer algo para
que eu o perdoe, afinal foi ele que me colocou para fora de casa. Vocês acham que eu sou um
brinquedo que podem jogar fora e depois ir buscar no lixo porque estão precisando dele?
Mãe: Minha filha, me escute bem. Se você quer que seu pai repense a atitude que teve,
você tem que mostrar seu compromisso em estar com a família. Ele te quer por perto, mas sabia
que precisava tomar uma medida drástica para você perceber o valor das coisas. Você sabe que
aprontou muito nos últimos anos.
Sim, eu sabia! Nunca fui santa. Fiz muita merda até o ano passado, mas melhorei. Fiz
estágio, parei de ir em festas e me embebedar, tentei me dedicar aos estudos (apesar desse nunca
ter sido meu forte). Porém, tudo que meu pai levou em conta foi que coloquei silicone sem tê-los
comunicado sobre uma decisão que tomei para mudar algo no meu corpo. Não estou mais
disposta a seguir o plano deles para a minha vida!
Eu: Como vocês vão conseguir melhorar nossa relação quando tudo que sabem fazer é
jogar todos os erros que já cometi na minha cara? Não sou perfeita, desculpa.
Comecei a chorar. Não sou uma pessoa emotiva que chora por qualquer coisa, mas saber
que meus pais só viam o pior de mim me matava. O Crush estava no quarto comigo e, ao ouvir
isso, se aproximou e deu um beijo no meu ombro antes de sussurrar no meu ouvido:
Crush: Para mim, você é perfeita, sim.
Aquilo quase me tirou do rumo. Faltou muito pouco para eu não derrubar o celular no
chão, jogar ele contra a parede e deixar extravasar cada pingo da tensão que ele causa em mim.
Porém, minha mãe voltou a falar e ele se afastou, deixando-me pensando se ouvi aquilo
mesmo ou se apenas imaginei. Afinal, por que alguém que é só meu amigo e não tem interesse
nenhum em ser algo a mais falaria coisas desse tipo, não é?
Mãe: Desculpa, minha filha, não sabia que você se sentia dessa forma. Não falamos
essas coisas querendo jogar na sua cara, só queremos que você use esses erros para aprender.
Queria acreditar nisso, mas o julgamento que sentia sempre que tocavam nos assuntos
não era de quem queria me educar. Porém, não estava com vontade de continuar a conversa.
Eu: Tudo bem, mãe.
Mãe: Você vem, então?
Eu: Não. Quero passar esse Natal aqui.
Mãe: Se você vier, você terá tudo de volta.
Eu: Não sei se preciso dessas coisas de volta. Vou pensar e te ligo mais tarde.
O Natal lá em casa sempre foi uma festa magnífica, com direito a uma árvore de Natal
gigantesca e um Papai Noel que parecia muito verdadeiro distribuindo presentes para as crianças.
(Acreditei nele até meus 12 anos e fiquei superchateada ao descobrir que não passava de um ator
fantasiado.)
Meus amigos ficavam no meu pé por um convite, todos iam para lá depois da ceia com a
própria família. E, bom, eu sempre amei uma boa festa, ainda mais quando eu era a anfitriã, fazia
valer cada segundo, apesar de não poder beber para não “passar vergonha” com os convidados
do meu pai.
Porém, hoje, tudo que eu não quero é estar cercada de pessoas que não se importam
comigo. Passei semanas esperando que algum dos meus amigos me procurasse, mas ninguém
nem sequer mandou uma mensagem perguntando se eu estava bem.
Quero estar onde estou. Quero saber como é o Natal numa família calorosa como a do
Crush. Quero estar junto dele e sei que meu pai não o aceitaria lá.
Só que, por mais orgulhosa que eu seja, seria mentira dizer que não fiquei um pouquinho
tentada. Eu poderia conseguir todo o meu conforto de volta, não precisaria mais me preocupar
com dinheiro e tudo voltaria a ser como era. É tentador, só não o suficiente para valer a
humilhação de fingir que meu pai não me magoou.
Além disso, estou gostando de poder ser independente, poder tomar minhas decisões sem
precisar me explicar para ninguém, é libertador. (Ou deixar que vocês tomem as decisões por
mim, nesse caso.)
Ontem fiz meu primeiro feijão. Tudo bem que passei boa parte da manhã achando que eu
tinha fechado a panela de pressão errado e que ela iria explodir a qualquer momento, mas no fim
deu certo. É meio estranho perceber que estou muito bem sem coisas que eu jurava ser
impossível viver sem, como meu celular, tablet, notebook, cartão de crédito, qualquer comida
que eu desejasse a um toque, e muitas outras regalias.
Era como ter o diabinho bom e o mau duelando na minha cabeça, um dizendo para largar
o orgulho e o outro batendo o pé para eu mostrar que podia muito bem me virar sozinha.
O Crush me abraçou depois que desliguei o telefone e falou para eu fazer o que meu
coração tivesse mandando depois que contei sobre o teor da conversa. Mas eu nunca fui muito
boa em seguir o coração, e é difícil fazer isso quando a razão grita com a voz do meu pai dizendo
que eu deveria voltar para casa, que eu não vou querer tê-lo como um inimigo.
Então, a melhor coisa é não escutar a razão nem a emoção. É deixar vocês decidirem por
mim.
Pedi ao Crush o celular emprestado e vim pedir a ajuda de vocês.
Se eu ficar, significa que não terei uma segunda chance tão cedo com os meus pais.
Se eu for, estarei deixando claro que o dinheiro é maior do que a pouca dignidade que
ainda me resta.
Parece meio óbvio a resposta certa, mas quero que me digam para que eu tenha cem por
cento de certeza.
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:

KatianeLunkes: Não volte, não. É isso que eles querem, te colocar contra a parede e
fazer você se sentir culpada para agir como eles querem. Você é adulta, agora tem um novo
emprego, um novo melhor amigo, e está na hora de agir por si mesma. Logo conseguirá colocar
sua vida de volta nos trilhos e não vai precisar olhar para trás.

SenhoritaYass: Acho que você deveria passar o Natal com os seus pais. Eu sei, vai ser
um porre, vai ser difícil, mas pensa que no final você pode ir embora de cabeça erguida depois de
falar para eles que não precisa do dinheiro deles e que você está conseguindo se virar!

AnnaRebecca_01: Bem, acho que, se eu fosse você, eu ia, mas impondo novas condições
aos seus pais, mostrando que é você quem dirá as regras, talvez quem sabe aceitassem seus
termos, acordassem pra vida e percebessem que você não é marionete, e sim uma filha que
precisa de atenção e que precisa tomar suas próprias decisões.

VitóriaL1: Como você já sabe: não vá. Você está indo bem nessa nova fase e era o que
você precisava para aprender a ser independente, correr atrás do que quer. Não vai ser por isso
que os seus pais vão deixar de te amar, uma hora eles vão entender que nem tudo na vida tem a
ver com negócios e vão se orgulhar por você não ter voltado na primeira oportunidade e que
você soube se virar.
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CAPÍTULO 13

bservo as tatuagens subindo pelo braço de Gustavo, enquanto ele procura os horários dos
O ônibus no celular. Todas parecem ter alguma referência à mitologia grega. Lembro que ele
ficou viciado nisso depois de ler Percy Jackson, até cogitou cursar história por conta desses
livros. Fui com ele ao cinema assistir ao primeiro filme, e ele ficou dois dias sem olhar na minha
cara quando falei que amei. Levou quase como uma ofensa pessoal eu gostar tanto de algo que,
segundo ele, não tinha nada a ver com o livro.
— O único ônibus que vai para lá hoje é às seis horas da tarde e sai da cidade vizinha.
Aqui não tem rodoviária. — Olha para a tela por mais uns segundos com a testa franzida, depois
se vira para mim. — A viagem demora sete horas, não chegaria a tempo. Eu posso te levar de
volta.
— Não! Você não vai perder o Natal com a sua família por minha causa. — Jogo o
corpo para trás na cama e encaro a luminária de madeira no teto. — Nem sei por que pedi para
olhar isso, não quero ir embora.
— Então não vai. — Ele se deita ao meu lado e respira fundo.
— Eles me colocaram pra fora de casa e eu ainda sinto que devo isso a eles. Por quê? Por
que preciso tanto dessa aprovação? — Engulo o nó na garganta.
Por que estou querendo chorar por essa porcaria?
— Porque é normal o ser humano querer a aprovação dos pais.
— Você é um extraterrestre, então?
Gustavo não ri, como achei que faria. Apenas respira fundo e fala:
— Não. Como qualquer outra pessoa, eu faria de tudo para saber que meu pai tem
orgulho de mim. — Sua voz se quebra um pouco no fim da frase, e sinto um aperto no peito.
Quando o pai dele morreu, nós já estávamos um pouco afastados; aconteceu pouco antes
de ele ir fazer faculdade em São Paulo.
Arrasto a mão pelo colchão até encontrar a dele e entrelaço nossos dedos.
— Ele com certeza está orgulhoso.
O silêncio se prolonga por mais de um minuto, mas sua mão aperta a minha com mais
força.
— Minha escolha matou o meu pai — fala num sussurro, como uma confissão que não
tinha certeza de que deveria contar. — Nós discutimos naquele dia sobre eu fazer a faculdade de
design de games em São Paulo. Ele estava puto porque eu não queria seguir o futuro brilhante
que tinha planejado para mim, e a última coisa que me falou era que tinha vergonha de quem eu
estava me tornando. Nunca o tinha visto tão nervoso, gritando e apontando o dedo na minha cara.
Saí do escritório dele falando que não queria vê-lo nunca mais na vida, que cortaria todas as
relações. Aí, duas horas depois, recebi a ligação falando que ele teve um infarto e até hoje me
pergunto se teria sido diferente se a gente nunca tivesse brigado. Se ele ainda estaria aqui se eu
tivesse aberto mão do que queria.
Limpo rápido a lágrima que escorre. Nunca senti tanto por ter me afastado de Gustavo.
No momento que ele mais precisou de uma amiga, eu não estava lá.
— Não foi culpa sua. Se tivesse escolhido o que ele queria, você ainda o teria perdido e
estaria infeliz. Seus olhos brilham quando você fala sobre o seu trabalho, não é qualquer pessoa
que tem isso. Ele teria percebido se ainda estivesse aqui, teria visto que era ele quem estava
errado por querer te forçar a algo que não amava. — Viro de lado, passo o braço por cima do seu
peito e apoio a bochecha em seu ombro. — Sinto muito por não ter estado lá pra você.
— Mas você foi no velório.
Nego com a cabeça.
— Ir ao velório não é o mesmo que estar lá.
Recebo um sorriso de lado.
— Você está aqui agora. — Acaricia meu rosto com os dedos e coloca uma mecha do
meu cabelo atrás da orelha. — E talvez devesse escutar os conselhos que me deu. Seus pais vão
perceber que estão errados.
— É diferente. Você sabia o que queria, e eu não tenho ideia.
— Saber o que não quer já é um começo. O que você não quer fazer?
— Não quero ir embora.
Seus lábios se abrem em um sorriso que faz mais um pedacinho de mim cair derretido no
chão.
— Nós vamos encontrar algo que você ame…
— Ai que bonitinhos vocês dois juntos! — Uma mulher, que parece ter a minha idade,
com os cabelos presos em tranças perfeitas, entra no quarto. — Estavam prestes a se pegar… Eu
atrapalhei?
Eu me sento na cama, como se nunca tivesse estado deitada e abraçada com Gustavo, e
falo:
— Não, somos só amigos.
Ela faz uma careta.
— Friendzone, meu amigo? Coitado.
Gustavo mostra o dedo do meio para ela e recebe uma gargalhada de volta.
— Sou a Maria — fala e me puxa para um abraço apertado. — Você deve ser a Ayla.
Para uma pessoa acostumada a cumprimentar outras com apertos de mãos ou beijinho de
longe na bochecha, o calor mineiro é um pouco desconcertante. Acho que nunca recebi tantos
abraços calorosos em um período tão curto de tempo.
— A prima mais insuportável — Gustavo completa e recebe o dedo do meio de volta.
— Sou a prima que ele mais ama.
Maria estende uma caixinha que eu ainda não havia visto em suas mãos.
— Hora de sortear o amigo oculto.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Celular Novo

Vocês me deixaram bem em dúvida do que fazer, mas parece que a maioria me mandou
ficar (ou talvez o meu querer acabou influenciando essa “apuração de votos”), então, lá estava
eu, ainda na cidadezinha do Crush e ignorando completamente as ligações dos meus pais. Só
esperava que eles não aparecessem para me levar de volta puxada pelos cabelos.
Porém, não foi pra falar disso que abri o blog, e sim para contar:
EU COMPREI UM CELULAR! AGORA POSSO CONVERSAR COM VOCÊS A
HORA QUE EU QUISER SEM DEPENDER DO CELULAR DOS OUTROS OU DO
COMPUTADOR CAINDO AOS PEDAÇOS DA MINHA AVÓ! (UHUUUULL)
Não é nenhum iPhone, a câmera está longe de ser boa, mas eu comprei com meu
dinheiro. (Ou o dinheiro que acredito que terei, já que dividi em dez vezes no cartão que o Crush
me emprestou.)
Ele ainda teve a audácia de rir da minha cara, falando que pela primeira vez na vida eu ia
saber o que era ralar o mês inteiro para pagar boletos, que agora sim eu estava entrando na vida
adulta.
Eu o mandei à merda, claro, mas tenho que admitir que está parcialmente certo.
Trabalhei ano passado no estágio, mas o dinheiro nunca foi algo necessário para pagar
nada, era só um extra para fazer o que eu quisesse sem ter que dar satisfação para os meus pais. E
o que fiz com ele? Paguei por peitos maiores.
Não que eu me arrependa disso também, apesar de todas as brigas que causou. Se não
fosse a cirurgia, talvez nunca tivesse descoberto a traição e, com isso, nunca teria criado este
blog. Vocês nunca teriam conhecido a pessoa incrível que sou, nunca teriam me aconselhado a
falar com meus pais sobre o curso, e eu ainda estaria no conforto da minha casa achando que a
vida era linda.
E o bônus é que meus peitos estão lindos como nunca.
Os dez mil gastos neles me serviriam bem agora? Sim, mas não me arrependo.
É engraçado pensar na vida assim, como um jogo de dominó, no qual as coisas
acontecem em cadeia. Uma decisão pode mudar tudo, seja para melhor ou pior, mas sempre
muda. Entretanto, não vou entrar nessa discussão sobre o que poderia ter acontecido se eu tivesse
feito uma escolha diferente lá atrás. Remoer o passado não muda o que aconteceu, só serve para
me deixar louca. Eu fiz, tá feito, não dá pra voltar e fazer diferente, vida que segue. Preciso lidar
com isso.
(Fico impressionada com os rumos que as postagens tomam. Abri aqui para falar do meu
celular novo e do nada estou filosofando sobre a vida.)
Voltando ao assunto, depois de decidir ficar para o Natal na casa do Crush, descobri que
essa decisão me colocava como participante do amigo oculto da família.
A princípio, tentei tirar o meu da reta para não participar, mas disseram que, se eu não
participasse, não poderia cear com eles à meia-noite (claro que era um blefe, eles não me
deixariam passar fome, ou pelo menos é o que eu prefiro acreditar), então acabei topando. O
valor é de apenas dez reais, disseram que fazem mais pela brincadeira do que pela troca de
presentes em si.
Meu maior problema em tudo isso era a total falta de intimidade com todos. A
probabilidade de tirar alguém que eu não conhecia era muito grande. O que eu falaria sobre a
pessoa? “Meu amigo oculto é alguém que eu conheci hoje”?
Só poderiam eliminar o Crush e a mãe dele nessa, pois eu tinha acabado de conhecer
todo o resto.
Ninguém me veio à mente quando li o nome que tirei. Gustavo havia prometido me
ajudar na compra do presente e a identificar a pessoa que eu tirasse. (Em minha defesa, a família
dele é gigantesca, é humanamente impossível decorar o nome de todos em uma única manhã!)
Mostrei a ele assim que as pessoas começaram a se dispersar, saindo da casa para ir às
lojas entupidas de gente atrasada para as compras de Natal.
Crush: Ah, você conhece ele.
Eu: Você me apresentou a meio mundo de pessoas. Não espera mesmo que eu lembre
quem é esse, né?
Crush: Não, Layla. Não encontramos com ele hoje, esse é o meu primo que foi comigo
no seu aniversário de quinze anos.
Eu: Não lembro de você ter levado nenhum primo no meu aniversário de quinze anos.
Crush: Você vai saber quem é quando nos encontrarmos.
E se eu o conheci mesmo, saberei. Se tem uma coisa que eu sempre tive facilidade é em
guardar fisionomias. Nem sempre lembro os nomes, mas o rosto fica gravado.
As lojas da cidade se resumem em uma única venda. É como ter um compilado de tudo
em um único lugar. Tem desde materiais de construção até caixas de bombom. O dono pareceu
não conseguir decidir o nicho que queria seguir e colocou um pouquinho de cada coisa. Cheguei
a ficar tonta, andando pelos corredores apertados, com tantas opções diferentes.
O Crush pegou um livro, que parecia usado, e falou que aquele era o presente perfeito.
Eu: Um livro velho?
Crush: Essa edição é megadifícil de encontrar e está custando apenas dez reais. É
perfeito! Sou louco para ler, então o bom é que depois pego emprestado.
Confesso que achei meio sem graça, quem ainda lê com tantos livros virando filmes e
séries? Mas ele jurou que o primo, assim como ele, era fã de livros de fantasia e que ele amaria
esse.
Depois disso me mandou para longe enquanto comprava o próprio presente. Foi quando
escutei a conversa do vendedor, que descobri ser o dono da loja, com um dos tios do Crush.
Estava oferecendo um celular seminovo pela metade do preço e ainda dividia em dez vezes para
ele no cartão.
Quando o tio do Crush negou a proposta, me intrometi na mesma hora, perguntando mais
sobre o celular, esquecendo que eu não tinha mais um cartão para dividir compras, muito menos
dinheiro para comprar à vista.
Só depois de uma longa conversa com o vendedor que me liguei nesse detalhe. Ele
perguntou se não havia ninguém que pudesse me emprestar, eu falei que não.
Estava prestes a desistir, porém, quando o Crush se aproximou, o vendedor não perdeu
tempo.
Vendedor: Menino, olha só essa belezinha que sua namorada quer, mas não poderá
levar, por estar sem cartão de crédito.
Abri a boca para corrigi-lo quanto ao “namorada”, mas o Crush falou antes de mim,
como se não houvesse reparado nisso.
Crush: É sério, Layla?
Eu: Sim. O preço tá legal e eu estou precisando, mas nem adianta me oferecer o cartão
que não vou aceitar.
Crush: Por que não?
Eu: Você já me ajudou muito, não quero exagerar. Já estou te devendo muita coisa.
Crush: Devendo o quê? Você me pagou cada centavo do que comprei. Ou esqueceu a
cena que fez por eu não querer aceitar seu pagamento?
Eu: Mas não é só o dinheiro, digo de tudo, de todo apoio que tem me dado.
Crush: Onw, que fofinha ela.
Apertou minha bochecha como se eu fosse uma criancinha.
Eu: Vai à merda.
Ele riu, tirou o cartão do bolso e falou que eu não podia ficar sem celular. Não me deixou
negar o empréstimo.
Assim, terminei com minha primeira aquisição da vida adulta e essa nem foi a melhor
parte do dia, pois, quando voltávamos para a casa da avó dele, ele falou:
Crush: Te daria um celular por dia para garantir esse sorriso no seu rosto.
Eu estou ficando louca ou isso soou muito como um flerte para vocês também? Porque
meu coração veio parar quase na boca com a forma que essas palavras me atingiram.
POR QUE ESSE HOMEM NÃO PODE ME AGARRAR LOGO, DEUS?
Se tem uma coisa que foi inventada pelo diabo, com certeza foi essa tal de friendzone,
meu coração não aguenta os trancos.
Feliz natal,
Layla Ávila
Comentários:
Luciana: Mulher, por que no mundo você e o Crush ainda não se pegaram até morrer?

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CAPÍTULO 14

Olho no espelho e mando um beijo para o reflexo. Penso em fazer algum penteado no
cabelo, mas não é todo dia que tenho a sorte dos cachos ficarem perfeitos como hoje.
Em pensar que estão do jeito que já odiei muito um dia. Graças a Deus não sou mais
refém da escova e da chapinha para deixar o cabelo lambido — apesar de ainda gostar, para
mudar um pouco o visual às vezes. O cabelo liso me deixa com uma aparência mais séria e mais
velha.
Viro para olhar se a saia não está muito curta e percebo Gustavo encostado no batente da
porta, me olhando de uma forma que faz todo o meu corpo queimar, mas assim que volto meu
rosto para o seu lado, desvia o olhar e cruza os braços.
Ele está lindo, mas isso não é nenhuma novidade. Não existe roupa capaz de o deixar
feio, ele tem um estilo que posso traduzir como: “Peguei a primeira roupa que encontrei e joguei
um moletom por cima”, e mesmo assim está sempre impecável. O completo oposto de mim, que
passo dias planejando cada look para as diferentes ocasiões.
— O que acha? — pergunto e dou uma voltinha para que possa ver toda a roupa.
— Está linda, leãozinho.
O coração erra uma batida ao ouvir o apelido de volta aos seus lábios.
Não consigo conter o sorriso ao me lembrar do dia que chamei meu cabelo de juba e
falei que parecia um leão por culpa da minha mãe, que não me deixava fazer uma progressiva e
havia me passado aqueles genes. Então, para pegar no meu pé, ele passou o dia inteiro
cantarolando: “Gosto muito de você, leãozinho”, e esse virou meu apelido oficial, que eu fingia
odiar.
— Vamos? — Estende a mão e eu a seguro.
Gustavo me puxa de leve para mais perto e seu perfume quase me faz perder as
estruturas. Nada é tão bom quanto um homem cheiroso. O combo do bonito, gostoso e engraçado
que ele carrega torna difícil qualquer pessoa se manter sã por perto.
Descemos a escada e encontramos quase toda a família reunida na cozinha. Pensei sobre
o desperdício de espaço que era a cozinha quando chegamos, mas isso é porque lá em casa esse
cômodo nunca foi muito usado por nós. Meus pais não cozinham, sempre têm alguém para fazer
isso por eles e geralmente recebem visitas em outros cômodos da casa.
A avó de Gustavo, dona Amélia, mesmo com seus mais de oitenta anos, guia a
preparação da comida, que faz meu estômago roncar só pelo cheiro.
A conversa alta e as risadas preenchem o cômodo e me sinto acolhida com a forma que
todos querem me incluir nas rodas. Acho que nunca entendi direito o tal do espírito natalino até
estar entre todas essas pessoas.
Estamos ouvindo uma história de um dos tios sobre alguma coisa com cavalo, mas ele
deu tantas informações que já estou perdida e apenas concordando com a cabeça, para fingir que
estou prestando atenção, até que Maria aparece e fala que precisa de nós dois.
— Obrigado — Gustavo fala quando já estamos longe o suficiente.
— Era a história do cavalo de novo? — Maria pergunta e ele confirma.
Os dois riem e me sinto excluída, mas, então, ela vira para mim e explica:
— Nós amamos nosso tio, mas, se você deixar, ele cria um monólogo para a noite
inteira, sempre começando com sua quase morte caindo do cavalo, que, na verdade, foi só um
pequeno tombo que o deixou com um pequeno galo na cabeça, mas ele filosofa por horas sobre
ter nascido de novo… — Ela para de falar e franze o cenho ao olhar para algo atrás de mim. —
Mas que merda é essa?
— Patrick está com a Bea? — Gustavo pergunta, olhando para o mesmo lugar. — Eles
não tinham terminado?
Viro o rosto à procura do meu amigo oculto e percebo que Gustavo estava certo esse
tempo todo, eu o conhecia melhor do que gostaria.
Porém, é a garota com seu cabelo preto escorrido até a bunda e os gigantescos olhos
âmbar que chama mais minha atenção, pois eu também sei quem é ela: a ex-namorada de
Gustavo e a única pessoa que ele já assumiu abertamente que amava.
Ainda me lembro do dia que estávamos jogando verdade ou consequência com nossos
amigos e perguntaram se ele já tinha se apaixonado alguma vez na vida, sua resposta foi um
sonoro sim. Quando escolheu verdade de novo algumas rodadas depois e eu era a pessoa que
tinha que fazer a pergunta, me pressionaram para pedir o nome, e perguntei mesmo sabendo que
não seria o meu e a resposta me destruiria.
Quando ele falou: “Bea, uma garota lá da cidade da minha avó”, meu coração ficou em
fragalhos, mas fingi que estava tudo bem e pedi que me mostrasse uma foto como se não
estivesse nem ligando.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Beijo

Lembram que o Crush falou que eu conhecia o tal do primo que eu havia tirado? Pois
bem, ele estava certo!
E não o conheço só de um “oi, tudo bem? Como vai você?” rápido de uma apresentação
entre as tantas outras da minha festa de quinze anos, que teve mais de mil convidados e eu não
conhecia boa parte das pessoas. Conheço o primo dele um pouco mais intimamente… Digamos
que nossas línguas já foram apresentadas.
Foi o garoto que tirou meu BV e me traumatizou a ponto de eu dizer que nunca mais
beijaria na boca. Claro que o trauma durou bem pouco tempo, mas não deixou de ser um trauma.
Sei bem que ninguém tem um primeiro beijo maravilhoso. Não conheço uma alma viva
que fale o contrário. É sempre estranho e desconfortável. Porém, contudo, entretanto, todavia…
Meu querido amigo oculto conseguiu ser o pior de todos. (Se você, diferentão, teve um bom
primeiro beijo, não quero saber, ok? Me sinto menos pior achando que é um acontecimento
universal e que não perdi nada.)
Não que eu tenha beijado muitas bocas para ter um vasto parâmetro de comparação, mas
já tive beijos maravilhosos, medianos, ruins e o dele, que entra numa categoria própria.
Foi tão ruim que depois de conversar com minhas amigas o apelidamos de Polvo, pois
babou tanto na minha cara que pareciam oito línguas e não apenas uma. (Me dá nojo só de
lembrar.)
O apelido pegou tanto que nem sequer me lembrava do nome real do dito cujo, por isso
não reconheci.
Entendo que o primeiro beijo de vocês pode ter sido ruim, ou até péssimo, mas garanto
que não foi pior que o meu. (Se foi, me contem, porque eu preciso rir um pouco.)
Só um adendo: não beijei pouco por ser puritana, e sim porque dei meu primeiro beijo
aos quinze anos e comecei a namorar aos dezesseis, então não sobrou muito tempo entre esses
dois acontecimentos. E, bem, como compartilhei toda minha vida por aqui, vocês têm ciência de
que minha boca não sabe o que é sentir outra desde que fui fazer a cirurgia há mais de um mês.
Porém, isso que contei nem é o pior de tudo. O desgraçado ainda trouxe para a festa a ex-
namorada do Crush (vulgo única garota que ele já falou para mim que amou). Se existia qualquer
chance de algo acontecer entre nós dois, com certeza acabou no momento que ela chegou.
Vocês não viram o tanto que ele pareceu desapontado ao ver a menina com o primo.
Provavelmente os sentimentos que já teve por ela continuam lá.
Assim que o vi vim me esconder no quarto porque não sei como contar para o Crush que
eu já fiquei com o primo dele e muito menos como anunciarei quem eu tirei. Será que falar:
“Meu amigo oculto tem oito línguas” pode pegar muito mal?
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Juliane: Aff, achei que tinha beijado o Crush!
Bea: FUI PEGA PELO CLICKBAIT
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CAPÍTULO 15

bservo Gustavo conversar com a ex-namorada, rindo de algo que ela falou, e me arrependo
O de ter voltado para a sala. Minha noite acabou de mudar de perfeita para péssima só de ver
essa cena.
Não estou nem um pouco a fim de passar o restante do Natal vendo os dois relembrando
o passado e pensando se não estão com a companhia errada.
Gustavo me encontra com os olhos e faz sinal para que eu me aproxime. Não quero ir,
mas também não o quero imaginando que estou com uma dor de barriga tão grande que preciso
correr para o banheiro de novo, sendo que acabei de voltar.
Depois de ter demorado quase vinte minutos para escrever a postagem no blog, ele já
deve estar pensando que saí para fazer o número dois.
Ou talvez nem tenha reparado o tempo passar enquanto conversava com Bea.
Cumprimento a menina, que me puxa para um abraço e deixa um beijo estalado na
minha bochecha.
— Finalmente conheci a famosa Ayla!
— Famosa, é? — Franzo o cenho para Gustavo.
Ele dá de ombros e me puxa pela cintura, deixando a mão descansar logo acima do meu
quadril. Por um momento, deixo-me iludir por seu toque, até me dar conta de só ter um motivo
para eu ser “a famosa Ayla” e por ter me puxado assim.
Gustavo quer fazer ciúmes em Bea.
— Talvez eu tenha comentado sobre você algumas vezes — responde.
— Algumas? Você era insuportável, mas pelo visto valeu a pena. Estão juntos há quanto
tempo?
Minhas suspeitas são confirmadas, pois que outro motivo ele teria para falar de mim para
a garota pela qual era apaixonado a não ser fazer ciúmes nela?
— Não estamos — respondo de uma forma mais brusca do que deveria e tiro a mão dele
de mim. — Eu preciso…
Não termino a frase antes de dar as costas para os dois e ir em busca de um momento
sozinha. Passo pela cozinha lotada e saio para a varanda, o único lugar onde é possível ouvir os
próprios pensamentos, apesar de também ter pessoas espalhadas por ali.
Vou até um canto vazio e encaro o enorme jardim decorado com luzinhas e enfeites
natalinos.
Gustavo não fala nada ao se aproximar. Sinto sua mão tocar a minha quando para ao meu
lado e apoia o quadril na madeira, olhando para o lado oposto ao que eu estou virada. O coração
dispara em meu peito com uma vontade gigantesca de gritar com ele, mesmo que eu não entenda
o motivo de estar tão chateada.
— Você está brava comigo? — pergunta.
— Não — respondo, mas foi tão rápido e seco que fica óbvio que estou mentindo.
— O que eu fiz entre o momento que você foi ao banheiro e voltou que te deixou brava
assim? — Tenta aproximar mais a mão da minha, mas a puxo para longe.
— Não fez nada, Gustavo. Só estou irritada sem motivo, não tem nada a ver com você.
— Se isso é verdade, por que não está nem olhando pra mim?
Viro o rosto para ele, só para provar que está errado.
— Estou olhando para você. Satisfeito?
— Não. Porque você continua brava comigo e eu não sei o que fiz.
— Só não quero que você fique me usando para fazer ciúmes na Bea, ok? Sei que você
gosta dela e que ela está com seu primo agora…
— Ayla…
— Mas eu não vim até aqui pra fingir estar com você só pra fazer ciúmes nela…
— Ayla!
— Eu sei bem o que é gostar de alguém e não ser correspondido…
— Meu Deus, Ayla! Cala a boca!
— O que disse?! — falo alto o suficiente para mostrar o meu choque, mas não a ponto de
chamar atenção das pessoas que estão por perto.
Não tenho tempo de fazer mais nada, pois em um segundo estou com a raiva quase
explodindo e, no seguinte, estou caindo num precipício de sensações quando Gustavo me vira e
me prende entre seu corpo e o cercado de madeira.
— Eu disse para calar… — seus dedos deslizam para dentro do meu cabelo e me puxam
de encontro aos seus lábios — a porra da boca!
O hálito quente de suas palavras toca minha pele e todo o meu corpo se arrepia.
— O que você está fazendo? — Minha voz sai fraca, bamba, pois é como me sinto.
— Se você não me mandar parar, eu vou te beijar agora, leãozinho.
Sua boca encosta na minha e acho que perco qualquer juízo que ainda me resta. Seguro a
lateral de sua blusa com força e o puxo ainda mais para mim. Mantenho os olhos fechados, me
concentrando em cada sensação dos seus toques, mas posso jurar que sinto o sorriso dele pouco
antes de cumprir com sua palavra.
Por um segundo, desejo que ele beije tão mal quanto o primo, pois, se não tivermos
química, será mais fácil não sofrer quando acabar. No entanto, no instante em que seus lábios
tomam os meus, sei que não será o caso, pois cada parte de mim responde a ele.
Gustavo me beija com força e não ofereço nenhuma resistência. A língua dele se arrasta
por meu lábio e quase entro em combustão ao sentir o metal gelado me tocar.
Desde que vi seu piercing pela primeira vez, desejei poder ter essa sensação, mas nada
que minha mente criou me preparou para o que essa maldita bolinha faz com todo o meu corpo.
O metal brinca em meio às nossas línguas, trazendo o contraste entre seu frio e o calor do beijo.
Não sei se é pela novidade do piercing, ou apenas porque estou finalmente beijando o
garoto que desejei por quase toda a minha vida, mas quero viver neste momento, parar o relógio,
congelar o tempo e não sair daqui nunca mais.
Minha classificação de beijos acaba de ganhar uma categoria nova e sei que estou
arruinada, porque ninguém nunca vai chegar perto do que ele está me proporcionando.
Sinto o pulsar do coração em cada centímetro do corpo. Seus dedos apertam a pele da
minha nuca, puxando-me para mais perto, como se ainda não tivesse o suficiente de mim, e eu
entendo o sentimento, pois é como se precisasse de mais, de tudo que posso ter.
Deslizo a mão por baixo de sua blusa, e um som delicioso deixa seus lábios assim que o
toco, fazendo cada parte de mim que ainda se esforçava em permanecer sã, se perder.
Ele morde meu lábio inferior e me impede de continuar a tocar sua pele. Entrelaça
nossos dedos para garantir que não voltarei a tocá-lo e, ainda com os olhos fechados, encosta a
testa na minha.
— Estou tentando me controlar aqui, leãozinho. Não faz isso comigo. — Sua voz é baixa
e rouca, de uma forma que eu nunca havia escutado antes. É sexy, tentadora e só me faz ter
vontade de repetir.
Então, levo minha boca até a dele, pois não quero ter tempo para racionalizar o que está
acontecendo. Sei que, assim que pararmos, as perguntas vão estragar qualquer coisa boa que isso
tenha sido.
— Nossa, que pegação gostosa. Posso participar? — fala alguém, que descubro ser
Maria assim que paro de o beijar.
Escondo o rosto em seu peito. Não imaginei que tinha gente olhando, apesar de saber
que algumas pessoas estão na varanda. Preferi acreditar que ninguém havia reparado. Não sou o
tipo de pessoa puritana que não beija na frente de ninguém, mas é meio constrangedor saber que
tem gente observando.
— Porra, Maria! — Gustavo resmunga.
A garota gargalha.
— Só vim atrapalhar porque tem crianças assistindo ao show de vocês e o conteúdo
parecia prestes a se transformar em mais dezoito. Inclusive, a passada de mão na bunda foi bem
fraca, eu daria um seis e meio no máximo. Precisa se empenhar mais da próxima vez, Gu.
Afasto o rosto do seu peito a tempo de vê-lo mostrar o dedo do meio para ela, o que já
percebi ser algo bem normal entre os dois. Maria levanta os braços em sinal de rendição e volta
para dentro da casa.
Nosso olhar se encontra e ele sorri.
Continuo tentando recuperar o ar, presa entre ele e o cercado da varanda. Inclino a
cabeça para trás o suficiente para ver o céu estrelado, que está lindo e perfeito, assim como a
noite, que voltou a mudar de status. Minhas mãos ainda seguram sua blusa, como se não quisesse
o deixar escapar, como se a realidade fosse bater a qualquer momento, e eu fosse perceber que
tenho que tomar muito cuidado com meu coração, porque se tem alguém que pode o destroçar,
esse alguém é o garoto à minha frente.
— Você me mandou calar a boca. Ninguém me manda calar a boca — falo, fingindo
estar brava.
O sorriso do desgraçado aumenta ainda mais, e sinto um arrepio subir por minha coluna
ao passar a língua pelos lábios, deixando o piercing, o qual foi o motivo da minha perdição
alguns segundos antes, à mostra.
— Eu estava esperando que você respondesse com um “vem calar”.
— Quantos anos você acha que eu tenho para responder isso? Cinco? Não sei por que fez
isso, mas se pretende que eu finja ser sua namoradinha só para…
— Você está fazendo isso de propósito para que eu volte a te beijar, né? — pergunta,
sem deixar que eu termine a frase.
Aperta minha cintura com uma mão, aproxima o rosto do meu e, com a outra mão,
coloca parte do meu cabelo atrás da orelha só para que eu possa sentir o ar saindo de sua boca ao
falar:
— Você fica uma gracinha com ciúmes.
— Eu não estou com ciúmes — respondo indignada, como se ele não tivesse falado a
verdade. — Só não quero ser usada para fazer isso com outra garota…
Gustavo arqueia a sobrancelha e percebo que, quanto mais eu falo, mais entrego que
estou com ciúmes, porque sim, estou, mas não posso estar. Então, faço o que deveria ter feito
desde o início e calo a boca.
— Não precisa negar, eu também ficaria se achasse que você está a fim de outro cara.
O que caralhos ele quer dizer com isso?
Ele segura meu queixo e faz com que eu olhe em seus olhos.
— Sei que somos amigos, mas, se você quiser, estou aqui para a parte dos benefícios
também. — Dessa vez me dá um beijo na bochecha e me solta, dando um passo para trás.
Com um dar de ombros, me dá as costas e entra na casa como se não tivesse acabado
jogar uma bomba para cima de mim.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Espírito Natalino

Eu tenho tanta informação para passar para vocês que não sei nem por onde começar.
Depois do meu surto pelo primo do Crush, minha noite ficou perfeita e logo depois
caótica.
Primeiro, vamos ao que mais querem saber: o Crush me beijou, e eu acho que estou
muito ferrada, porque esse garoto vai destruir meu coração em pedacinhos.
Foi simplesmente o MELHOR beijo da minha vida, e espero que ele nunca descubra
sobre esse blog, pois se gabaria um bocado caso ficasse sabendo que admiti isso. (Eu avisei para
vocês que sou emocionada. Se isso der merda, vocês vão ter que se virar para juntar os caquinhos
do meu coração. E já fiquem cientes que vai dar merda!)
Nada se compara ao sentimento de beijar alguém pela primeira vez quando desejamos
por tanto tempo. Ainda mais quando esse alguém sabe te pegar de jeito (sei que vocês me
entendem).
Mas o que deixou minha cabeça latejando de tanto pensar foi que, depois do beijo, ele
falou que, se eu quisesse, poderia aproveitar os benefícios da amizade. Como se existisse
possibilidade de não querer nenhum benefício vindo dele… Mesmo que eu ainda não tenha
certeza de que não me beijou apenas para fazer ciúmes na ex-namorada.
Enfim, não foi para isso que abri o blog.
Após o beijo, fiquei sozinha na varanda por um tempo, colocando meus pensamentos em
ordem. Quando resolvi entrar na cozinha, dei de cara com a senhorinha fofa (ou que eu havia
achado uma fofa até o momento) enchendo um copo de cachaça (não aqueles copinhos próprios,
mas um copo daquele tipo americano que tem em toda casa de vó). No primeiro momento, achei
que estava colocando para alguém, mas a avó do Crush virou aquilo em uma golada só. Então,
escondeu a garrafa no fundo do armário e pegou a bandeja com o peru.
Na hora foi algo tão natural que nem passou pela minha cabeça que a senhora com quase
noventa anos e um rosto tão bondoso poderia estar fazendo qualquer coisa de errado. Os bares
vivem cheios de idosos. E afinal, ela não pode gostar de uma cachaça só porque é uma mulher?
Pensei que ela estava vigiando a porta por não querer que ninguém bebesse da pinga dela. Quem
nunca bebeu ou comeu algo escondido das visitas para não ter que oferecer que atire a primeira
pedra. (Se você nunca fez isso, você é a melhor pessoa que eu conheço, com certeza seu
lugarzinho no céu já está guardado.)
Porém, assim que se virou e deu de cara comigo, teve um pequeno sobressalto.
Avó: Que susto! Não tinha te visto aí, querida.
Colocou o peru de volta na bancada e perguntou se poderia aproveitar que estávamos
sozinhas para conversar comigo sobre uma coisinha. Respondi que sim, apesar de ter ficado um
pouco nervosa com o pedido. Nunca tive que lidar com a família de namorado, afinal, nunca
conheci nenhum parente do Bundão. (P.S.: não estou dizendo que o Crush é meu namorado
depois do único beijo que demos, só que é nisso que a família dele deve estar acreditando depois
de nos assistir.)
Avó: Fiquei tão feliz de ver que o Crush arranjou uma namoradinha. Esses dias a mãe
dele veio me contar que estava preocupada, pois tinha chegado no ouvido dela que ele era gay.
Não me entenda mal, querida, eu continuaria amando meu menino independente dele querer dar
o c*, sei bem o quanto isso pode ser bom. Mas foi um alívio ver aquele beijo.
(Desculpa, família brasileira, precisei escrever essa palavra para vocês sentirem na pele o
mesmo choque que eu senti ao ouvir a senhorinha, que eu já tinha classificado como inocente e
meiga na minha cabeça, pronunciando não só a parte de dar o “forebis”, mas falando que sabia o
quanto isso poderia ser bom. Claro que nenhuma mulher chegava aos quase noventa anos com
oito filhos sem saber de algumas coisas sobre sexo. Só fui pega desprevenida.)
Quis me transformar em um avestruz para poder enfiar a cabeça embaixo da terra. Fiquei
olhando para o seu rosto sem reação nenhuma, com certeza devo ter ficado parecendo um
fantasma com toda a cor me deixando.
E o pior de tudo, eu sabia bem de onde tinha vindo essa conversa. Minha mãe é uma
fofoqueira de primeira.
Já tinha até esquecido dessa pequena mentira, mas, naquele momento, sabia que teria
que consertar todo o mal-entendido. Até porque o Crush tinha acabado de me dar uma prova
muito boa de que não era. (Se fosse algo, talvez bi.)
Avó: Vocês estão juntos de verdade ou ele trouxe você aqui para fingir ser a namorada
dele enquanto tem um namorado na cidade?
Apesar do choque, eu sabia que precisava falar alguma coisa para que aquela bola de
neve não se tornasse ainda maior.
Eu: Na verdade, esse foi nosso primeiro beijo. Mas essa história de ser gay foi só uma
brincadeira que inventei para minha mãe me deixar ficar sozinha com ele.
Avó: Sabe, querida, eu não sou quadrada, consigo entender os jovens e toda liberdade
que têm. Talvez ele tenha tido curiosidade de experimentar coisas diferentes, eu entendo isso,
acho que todos passamos por essa fase na juventude. Temos que experimentar tudo para ter
certeza do que gostamos e do que não gostamos, mas…
A porta da cozinha abriu e o Crush colocou a cabeça para dentro, espiando nós duas e
fazendo sua avó parar de falar no meio da frase, o que foi um alívio. Eu realmente não queria
ouvir mais sobre como a avó dele aproveitou a vida.
Crush: Aí estão as duas que eu estava procurando. Só estamos esperando vocês para
começar o amigo oculto.
Avó: Nós já vamos, estou só terminando de conversar uma coisinha aqui com a sua
namorada.
Provavelmente havia desespero estampado na minha cara, pois ele entrou na cozinha e
voltou a encostar a porta atrás dele.
Crush: Vó, você já está assustando a Layla?
Avó: Não estou assustando ninguém, só estou contanto que estou feliz por ver você com
uma namoradinha.
Crush: Vó, eu te conheço bem o suficiente pra saber que não é só isso. Pode me falar
sobre o que estão conversando.
Ele se aproximou, passou os braços por minha cintura e me abraçou por trás. (E sei que é
um gesto bobo, mas, apesar de sermos próximos, nunca nos tocamos dessa maneira e gostei
bastante.)
Avó: Tudo bem, eu descobri que você é gay e agora estou confusa. Queria saber o que é
isso entre vocês. Quando sua mãe me contou, eu posso ter ficado um pouco assustada, mas
aceitei. Então, você me aparece com uma menina e a beija. Só quero entender isso, se você gosta
de homem ou mulher.
Crush: Ah, merda…
Respondeu rindo e me apertou, logo depois sussurrou só para que eu escutasse:
Crush: Você vai me pagar por isso.
E, minha nossa, suas palavras soaram mais como uma promessa do que como uma
ameaça.
Avó: Então é verdade?!
A pergunta saiu como um grito esganiçado e várias pessoas correram até a cozinha para
ver se havia acontecido alguma coisa com a matriarca da casa, que estava com a mão na boca,
encarando o neto.
Mãe do Crush: O que está acontecendo? Você está bem, mãe?
Crush: Está tudo bem! Vó, não é verdade.
Mãe do Crush: O que não é verdade?
Crush: Que eu sou gay.
Polvo: VOCÊ É GAY?
Tio aleatório 1: Ele não estava beijando agora a menina lá na varanda?
Tio aleatório 2: Essas crianças de hoje em dia são tudo flex.
Mãe do Crush: Filho, não precisamos conversar sobre isso agora. Eu te amo
independente disso.
Polvo: Pelo menos já sabemos quem é o viadão da família.
Prima 1: Até porque o babaca da família a gente já sabe quem é faz tempo, né?
Avó: Parem com isso, vocês são primos, não devem ficar brigando desse jeito.
No meio disso tudo, meu cérebro entrou em pane, deu tela azul. Toda a confusão era
culpa minha. Se eu não tivesse inventado essa história para minha mãe, isso nunca teria chegado
aos ouvidos da família dele, logo, nunca estaríamos tendo essa discussão.
O Crush pegou uma colher de pau e uma panela, que estavam secando em cima da pia,
subiu em cima de uma cadeira e começou a bater a colher na panela até todo mundo ficar quieto.
Crush: Agora permaneçam em silêncio por um segundo. Primeiro, eu não sou gay…
Polvo: Pode assumir, primo, a gente te ama mesmo você queimando a rosca.
Ele recebeu um dedo do meio como resposta, e sua namorada deu um tapa em seu peito,
que o fez calar a boca.
Avó: Tudo bem, querido. Você não precisa se explicar para ninguém.
Mãe do Crush: Sua avó está certa. Vamos fazer o amigo oculto.
Crush: Só quero esclarecer como surgiu essa fofoca.
Eu: Tudo isso é minha culpa.
Crush: Foi só uma brincadeira. Nós deixamos a mãe da Layla acreditar que eu era gay
para que nos deixasse ficar sozinhos. E como a mãe dela é muito amiga da mamãe, isso acabou
chegando até aqui.
Avó: Mas ela falou que esse foi o primeiro beijo de vocês.
Quando me toquei que ela, e provavelmente toda a família, havia pensado que queríamos
ficar sozinhos para fazer aquilo, senti todo o sangue subir para o meu rosto e o deixar da cor de
um pimentão.
Não sou virgem, namorei por cinco anos, mas nunca fui o tipo de pessoa que gosta de
compartilhar detalhes da vida íntima. O que sempre foi um ponto de divergência entre mim e a
Falsiane, que compartilhava até a cor da cueca que seus parceiros usavam.
Crush: Meu Deus, vó! Esse foi o nosso primeiro beijo! Nós queríamos ficar sozinhos só
para conversar. Olha a cor que a Layla ficou. Assim ela nunca mais vai querer voltar aqui.
A avó dele riu e deu alguns tapinhas leves em meu rosto.
Avó: Não se preocupe, querida, não precisa se envergonhar dessas coisas, todo mundo
aqui nessa cozinha já deu.
Nessa hora a cozinha inteira teve um surto coletivo. Os netos gritaram “vooooó”, os
filhos “mãaaaaae”, e eu levei minha mão à boca porque não estava mais aguentando segurar a
risada. A imagem de senhora inocente já não combinava mais.
Mãe do Crush: Você bebeu né, mãe?
Avó: Não começa!
Mãe do Crush: Você só fica falando essas besteiras quando bebe. O médico já disse que
a senhora não pode beber. Que teimosia! Quem trouxe bebida pra você?
E foi assim que passamos as próximas horas interrogando cada membro da família até
descobrir que o Polvo havia levado a garrafa de cachaça.
Quando tudo acabou, já passava da meia-noite e todo mundo só queria comer e se
mandar, pois as crianças estavam ansiosas para dormir para encontrar os presentes na manhã
seguinte. O amigo oculto foi adiado para a noite de Ano-Novo e todos foram embora.
A avó do Crush ainda estava um pouco alta e dava gargalhadas em frente à televisão. A
mãe dele estava morta de sono e ele a fez ir dormir, falando que cuidaria da avó.
Como não me apaixonar por alguém que fica cuidando da avó?
Está difícil achar os pontos negativos dele para controlar os sentimentos que não
deveriam começar a aparecer depois de um único beijo que nem sei se irá se repetir.
Enfim, é isso…
Agora minha única dúvida é se vou me deitar na cama do quarto que estou hospedada,
ou se erro o caminho e acabo parando na do Crush.
Beijos,
Layla Ávila

Comentários:
Keyt: Eu já teria deitado ksksksksks. Se tem algo errado? Para mim sim e acho que é por
isso que eu teria ido lá ksksksks o proibido/errado tem gosto bom.
Gabriela: Acho que ele vai adorar a surpresa! Hahaha
Mariana: Amiga vai lá, se joga, não perca a oportunidade não, não tem nada de errado.
Monica: Vai lá e já conta aqui o que aconteceu, estou muito ansiosa para o grande
momento. Kkkkkkkkkk
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CAPÍTULO 16

ou acordada com um beijo na testa. Abro os olhos, vendo que o quarto está escuro, mas não
S o suficiente para não ver Gustavo de pé ao lado da cama, o que me arranca um sorriso
sonolento.
— Desculpa, não queria te acordar. Vi a luz acesa e achei que ainda estivesse acordada.
Apaguei para não atrapalhar seu sono.
Devo ter dormido lendo os comentários da postagem. Os últimos que li me
aconselhavam a ir até a cama dele, mas, pelo jeito, apaguei antes de conseguir agir.
— Acho que estava mais cansada do que imaginei. Mas se você quiser ficar… — falo e
me arrasto para o lado, dando espaço para ele no colchão.
— Eu te dei um beijo e você já quer me levar para cama, leãzinho?
Não consigo ver direito sua expressão no escuro, mas tenho certeza de que está com o
sorriso que fez todo meu corpo queimar mais cedo.
— Só quero um cafuné para dormir — respondo com toda a inocência que não tenho.
Ele se senta na cama e tira o tênis antes de colocar as pernas para cima e dar tapinhas no
colo para que eu me deite ali. Assim que faço o que manda, seus dedos entram no meu cabelo e
fazem carícias leves e sem malícia nenhuma, mas que me arrepiam por inteira.
— Sua avó dormiu?
— Apagou no sofá e tive que carregar ela pra cama, mas pelo menos não vai falar mais
nenhuma besteira. Não era essa a primeira impressão que queria deixar da minha família. Eles
são meio loucos, mas juro que são boas pessoas.
— É estranho que eu tenha gostado deles mesmo com as loucuras? Queria fazer parte de
algo assim.
— Queria?
Viro o rosto para cima, para olhar para ele.
— Quando todo mundo começou a brigar, eu achei que estava começando a terceira
guerra mundial e que ninguém nunca mais olharia na cara um do outro, mas vinte minutos depois
todos estavam rindo e comendo juntos. Terminaram a noite se abraçando e prometendo se ver no
Ano-Novo. — Toco a correntinha que ganhei do meu pai no meu último aniversário e só agora
me dou conta de que não tirei em nenhum momento. — Lá em casa nunca foi assim. Meu pai
não fala com o irmão dele há dez anos porque eles se desentenderam por uma coisa idiota. Eu
mal tenho contato com meu irmão, e meus primos vi apenas algumas poucas vezes na vida. Fui
colocada para fora por querer algo diferente do que eles queriam para mim. Sei lá, não vejo isso
acontecendo aqui.
E lá vem de novo a vontade de chorar. Pisco os olhos e engulo as lágrimas.
Pare de ser emotiva, Ayla!
— Toda família tem seus momentos de altos e baixos. Seus pais te amam, só têm um
jeito diferente de demonstrar. — Gustavo pega minha mão com a que não está acariciando minha
cabeça e leva a palma até seus lábios, deixando um beijo ali.
Estava com medo das coisas ficarem estranhas entre nós dois depois do beijo, mas aqui
está ele, sendo o amigo de que senti falta ao mesmo tempo que faz meu coração perder todos os
compassos.
— Obrigada por ter me chamado para vir passar o Natal aqui, foi incrível.
— Qual parte foi a mais incrível?
Abro um sorriso ao perceber onde ele está querendo chegar. Não tocamos no assunto
ainda. Mal ficamos sozinhos depois do beijo e a simples menção faz todo meu sono se dissipar.
— Nada tão marcante assim — respondo e aperto os lábios. — Foi tudo incrível no
geral. Talvez com um destaque apenas para sua avó falando sobre saber como pode ser bom
fazer as coisas com o buraco de trás.
— Eu não precisava saber disso. — Uma careta toma suas feições. — Esse foi o único
destaque da noite?
Concordo com a cabeça depois de fingir pensar por um segundo.
Sua mão aperta minha cintura, fazendo cócegas. Dou uma gargalhada alta e cubro a boca
com medo de acordar alguém.
— Acho que preciso mudar isso, então.
— Também acho — falo tão rápido que nós dois rimos.
Então, ele abaixa o rosto e me beija de novo.
Minha alma parece flutuar em nuvens fofinhas ao senti-lo tão perto.
Não sei quanto tempo isso vai durar. Não sei se quando voltarmos para casa, chegará ao
fim. Não sei por que ele está me beijando quando nunca pareceu me querer dessa forma, mas
deixarei todos esses problemas para a Ayla do futuro.
Posso estar entrando na maior armadilha que meu coração já criou.
Porém, não tenho forças para me afastar. Eu o quero tanto que não me importo com os
motivos e as intenções, pelo menos não por enquanto. Estou ciente de que, quando isso acabar,
ficarei estraçalhada, mas enquanto meus cacos estiverem inteiros, vou aproveitar o que consigo.
FOFOCANDO

PESSOA OU PERSONAGEM? REAL OU FICTÍCIO?

Há algumas semanas um blog intitulado como “As decisões de Layla” vem ganhando
visibilidade na internet. Aparentemente, uma mulher de vinte e um anos, irritada com as
consequências de suas escolhas, resolveu abrir sua vida nas redes para as pessoas tomarem
decisões por ela.
Hoje, quase um mês depois de sua primeira postagem no Twitter, o blog já conta com
mais de um milhão de seguidores dando palpites na vida de Layla.
A criadora conseguiu unir em um blog duas coisas que todo brasileiro gosta: fofocar e
interferir na vida alheia. Não tinha como dar errado. O sucesso já veio estampado na ideia.
Desde o primeiro dia a pessoa que escreve o blog se identifica como Layla Ávila,
deixando claro ser um perfil falso, e usa adjetivos como “Bundão”, “Falsiane” e muitos outros
para se referir às demais pessoas em sua narrativa, sempre tomando muito cuidado para não
deixar escapar nada que entregue sua identidade ou o local onde tudo está acontecendo.
Assim como a maioria dos brasileiros, eu estou completamente viciado na trajetória da
Layla e já estou torcendo pelo casal.
Porém, apesar de estar adorando acompanhar a vida de Layla, sou do grupo que acredita
que essa história não é de uma pessoa real. Acho que Layla Ávila é uma personagem inventada
para nos entreter. Não consigo ver verdade em alguns acontecimentos. Um pai rico que sempre
mimou a filha expulsá-la de casa e a falta de interesse dos pais após colocá-la para fora, mesmo
estando em um pós-operatório, me fazem acreditar que toda essa história é inventada por alguém
que viu uma oportunidade de entrar no mercado literário e está lançando isso como se fosse parte
de sua vida para ganhar visibilidade.
Se essa for a estratégia, estou achando genial. Tenho certeza de que, quando colocar o
ponto-final na história, estará com um contrato milionário em mãos. Isso se alguma editora não
comprar os direitos de publicação do final, e o Brasil inteiro tiver que adquirir o livro para saber
como a história termina.
Acho que ainda conviveremos com esse questionamento por mais algum tempo até a
verdade ser revelada. Qual a opinião de vocês?
Comentários:
LCieol: Se é real ou fictícia, eu não sei, mas que é uma menina mimada, eu tenho
certeza.
Grazi0003: EU AMOOOOO A LAYLA! MELHOR PESSOA EVER! QUERO
TATUAR MEU SHIP NA TESTA! AAAAAAAAAAAAAAAAAA
Jú_: Eu também acho que é uma personagem fictícia, mas não pelos pontos que citou.
Tenho uma família complicada e consigo me ver passando por uma situação assim. É
meio difícil a gente entender situações desse tipo quando temos uma boa família.
Flavinha: Garota ridícula, tomei ranço, agora é tudo “Layla isso, Layla aquilo”.
Acorda, Brasil, tanta coisa importante, e vocês perdendo tempo com essa merda.
Carla: @Flavinha desliga a internet, ninguém está te obrigando a nada. Nem
só de desgraça vive o homem, precisamos distrair nossas cabeças para não
pirar, e a Layla está fazendo um ótimo trabalho.
Lety: Eu acho que se ela for uma autora querendo ser publicada, precisa estudar urgente
escrita. É uma narrativa muito pobre.
Flay_Ferreira: Se é real ou fictício eu não sei, mas que estou louca para saber a reação
do Bundão com a caixa de consolo, eu estou!
Giselia_: @Flay_Ferreira EU PRECISO DESSE MOMENTO. COMO
ASSIM JÁ SE PASSARAM DIAS E ELE NÃO LIGOU PARA ELA PARA
PERGUNTAR???
Flay_Ferreira: @Giselia Não tenho ideia, mas ta aí um motivo do porquê
pode ser fictício.
Babi: Eu quero um Crush pra chamar de meu. Onde encontro homem assim?
Lua12: @Babi O Crush é a prova de que isso aí é fictício, não existe homem
assim.
Babi: @Lua12 vou continuar acreditando que é real até que me
provem o contrário, preciso acreditar que o mundo ainda tem
salvação.
Matias27: Só eu que acho essa garota um porre? Na moral, que drama dos infernos. Eu
no lugar dos pais dela já teria colocado para fora de casa faz tempo. O ex-namorado
conseguiu um livramento.
Lê_Cullen: @Matias27 o livramento foi dela, querido.
Matias27: @Lê_Cullen é obvio que fã de Crepúsculo vai concordar
com toda palhaçada dessa menina mimada.
Lê_Cullen: @Matias27 sahdohuaihsaiushuasiu só rindo de
pessoas como você!
Marcela: @Matias27 você não é o único, não aguento mais abrir o Twitter e
só ver o nome dessa menina.
Luca: Se essa sua teoria estiver certa e isso se transformar em livro, eu serei a primeira
na fila da livraria. Isso porque ODEIO ler. Posso beijá-la na boca se me transformar em
uma leitora.
Paloma2_: Eu me identifico tanto com a Layla que quero que ela seja real.
Túlio: Crush é viado.
Hel: @Túlio claro, para ser homem tem que ser babaca e não respeitar a
mulher.
Túlio: @Hel lá vem a outra dando carteirada feminista. Vai raspar o
sovaco.
Hel: @Túlio olha ele, todo babaca e machista. Perdeu a
oportunidade de ficar quieto.
Feli_pe: Eu acho que é alguém real e que vai dar muita merda quando descobrirem a
identidade da pessoa.
Gah: @Feli_pe eu também acho. As pessoas vão cair matando em cima do
Bundão e da Falsiane, povo não perdoa.
Feli_pe: @Gah eu serei uma dessas pessoas, ainda mais com o
babaca do Bundão. Merece todo hate da internet. Passei por algo
parecido e nunca pude descontar o ódio no meu ex, então vou
descontar no ex da Layla simmm!
Laurinha: E você nem citou o fato do tal do Crush ter praticamente largado a vida para
morar com ela. Tipo, oi? Quem faz isso? Pra mim é super fake essa história.
(Ver mais comentários +)
AS DECISÕES DE LAYLA

O Flagra

Viram que o FOFOCANDO postou sobre mim? Sério que estou na maior página de
fofocas do Brasil? Vocês só podem estar pirando se euzinha sou a melhor fofoca que temos.
Dei altas risadas com os comentários. Estou me sentindo a própria Gossip Girl. Estou até
pensando em terminar meus textos como ela: “Quem eu sou? Este é um segredo que nunca vou
contar. Beijinhos, Gossip Layla.”
Vou deixar vocês com suas teorias da conspiração, pois, se depender de mim, nunca vão
saber se sou uma garota de vinte um anos passando por tudo isso ou uma senhorinha de noventa
que adora escrever e está enganando cada um de vocês. Que comecem as apostas!
Enfim, vamos ao que aconteceu (ou ao o que eu quero que vocês pensem que aconteceu).
Ontem eu tive a noite mais gostosa da minha vida e não foi apenas porque eu e o Crush
nos beijamos (apesar de isso também contar muito, porque o restante não teria acontecido se não
tivesse tido isso aqui primeiro). Nós conversamos a noite inteira, emendando um assunto no
outro, rindo e trocando carícias de uma forma carinhosa que nunca havíamos feito. Eu só não
queria que acabasse, mas peguei no sono em algum momento, e o Crush foi para o próprio
quarto quando isso aconteceu. (Ele poderia ter tirado uma casquinha e eu nem ligaria, mas pelo
jeito me apaixonei pelo badboy que de badboy só tem a cara.)
Ao acordar, senti um cheiro incrível de pão de queijo fresquinho vindo lá de baixo e meu
estômago roncou, mas não queria descer sozinha e arriscar passar por outro interrogatório. Então,
depois de fazer o que precisava fazer para ficar apresentável, fui até o quarto do Crush ver se ele
ainda estava por lá. Bati na porta e, quando não tive resposta, abri uma frestinha. A porta rangeu
e o acordou.
Aí aconteceu a primeira cena preferida desse dia: ele abrindo os olhos e sorrindo de
forma preguiçosa para mim. E o desgraçado estava LINDO! Eu passei uma hora me arrumando
para ficar apresentável, e ele estava lindo com o cabelo desordenado saltando pra todos os lados.
Foi então que aconteceu minha segunda parte preferida: ele ergueu o lençol para me
convidar para a cama e tive a visão do seu corpo sem blusa, apenas com uma calça de pijama.
(Foi preciso bastante controle para não babar.)
A terceira cena preferida foi quando não hesitei em deitar em sua cama e ele me apertou
contra o próprio corpo e afundou o rosto em meus cabelos, falando que poderia se acostumar a
acordar assim todos os dias.
ALGUÉM AVISA PARA ESSE GAROTO QUE É PECADO MEXER ASSIM COM O
CORAÇÃO DE ALGUÉM QUE VOCÊ NÃO TEM INTENÇÃO DE AMAR?
A quarta cena foi quando ele voltou do banheiro com o cheirinho de pasta de dente na
boca e me beijou de novo. Acho que eu também poderia me acostumar com isso toda manhã.
Vocês entenderam que depois disso continuou tendo uma sucessão de cenas preferidas
do meu dia, né?
O problema foi a cena depois das minhas preferidas.
Nós não estávamos fazendo nada de mais. (JURO, eu queria, mas não estávamos!)
Só estava rolando alguns beijos, deitados na cama, mas eu sei que, quando você pega
duas pessoas embaixo do lençol, o que se pensa é outra coisa.
Então, provavelmente foi isso que a mãe e a avó do Crush pensaram estar acontecendo
quando abriram a porta do quarto e encontraram o abençoado delas me agarrando na cama (não
que eu não estivesse me aproveitando também, mas isso não vem ao caso agora).
O que aconteceu após isso deve ter durado meio segundo, mas na minha cabeça se
passaram oitenta e quatro anos. Vou relatar as reações separadamente.
A mãe dele soltou um grito enquanto jogava a bandeja para o alto, tentando deixar as
mãos livres para tapar os olhos, como se apenas fechar não bastasse.
A avó dele soltou: “No meu lençol novo não!”
O Crush na mesma hora se sentou na cama para mostrar que estávamos vestidos e só nos
beijando.
E eu puxei o tal lençol e virei escondendo minha cara no travesseiro.
Mãe do Crush: Você não sabe trancar a porta?
Crush: Eu tranquei!
Avó: Essa porta está com a fechadura estragada.
Crush: Mas não estávamos fazendo o que vocês estão pensando.
Avó: Ainda. Graças a Deus salvei meu lençol.
Crush: E estragou seu tapete.
Avó: Querida, não precisa ficar envergonhada. Não somos puritanas.
Mãe do Crush: Somos, sim!
A mãe do Crush parecia realmente aterrorizada pela cena e não consegui conter a
gargalhada nervosa que me escapou.
Eu: Desculpa. Juro que nunca mais vou beijar seu filho.
Crush: Jura nada.
Eu: Juro, sim!
Ele pegou meu pé e me puxou até que conseguisse me pegar no colo e me virar para
olhar para ele com a maior facilidade. Então, segurou meu rosto com uma das mãos, apertando
para que eu fizesse um biquinho, e tentou me beijar, mas virei o rosto para o lado. Ele cerrou os
olhos e tentou novamente, desviei para o outro lado. Na terceira tentativa não movi o rosto, mas
coloquei os lábios para dentro da boca.
Eu: Acabei de jurar, não posso quebrar meu juramento.
Crush: Você não vai aguentar. Depois de provar é impossível ficar sem.
Eu: Seu beijo nem é tão bom assim.
Provoquei com a maior mentira que já falei na minha vida.
Crush: Ah, é? Então, agora não te beijo enquanto não desmentir isso publicamente. E
admitir que minha boca é a melhor que já provou.
Mãe do Crush: Meu Deus! Juro que não fui eu que criei esse menino. Acho melhor eu
sair daqui antes que meus ouvidos comecem a sangrar.
Avó: Não seja dramática, minha filha, já ouvi seu marido te falar coisas bem piores.
Dessa vez foi o Crush quem resmungou, dizendo não precisar saber dessas informações
sobre os pais e eu ri.
As duas saíram do quarto, nos deixando a sós novamente, mas não sem a avó dele o
mandar limpar a sujeira que fizeram por culpa dele.
Tentei beijá-lo depois disso, mas agora está fazendo doce e disse que não vai me beijar
enquanto eu não admitir a verdade. (Vamos ver quanto tempo ele vai aguentar isso, prometo
provocá-lo sempre que possível)
Agora estou trancada no quarto e não sei mais como sair sem virar um tomate por
imaginar que todo mundo estará me olhando e pensando “hum, danada!”.
Enfim, feliz Natal!

Quem eu sou? Este é um segredo que nunca vou contar.


Xoxo,
Gossip Layla
(A fofoqueira da própria vida)
Comentários:
Yasmin: Coloca a cara de paisagem no rosto e finge que nada aconteceu! Vai, miga,
você consegue!
Geisa: Gente, quero essa avó para mim!
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AS DECISÕES DE LAYLA

O Chico

Como é de conhecimento geral, a maioria das mulheres recebe uma visita indesejada
todos os meses, visita esta que sempre odiei e emendei cartelas de anticoncepcionais para evitar
ter que aturar (porém, a partir de hoje, sempre será desejada e amada por mim). Usarei aqui um
nome bem tradicional (e feio) que minha avó usava, o Chico.
Chico sempre vinha para acabar com meu emocional, me deixar em posição fetal de dor
e atrapalhar quaisquer planos que envolvessem água, como piscina ou praia.
Sempre tive inveja de quem consegue usar absorvente interno ou aquele coletor
menstrual, pois minhas experiências em tentar “tapar o buraco” não foram bem-sucedidas. Por
isso, eu fazia de tudo para evitar suas visitas constantes.
Porém, por conta da cirurgia, o médico pediu para que eu parasse de tomar o remédio um
mês antes da data. Eu parei, e o Chico me visitou normalmente mês passado.
Tinha certeza de que tudo estava normal, até uma das primas do Crush comentar que não
poderia ir à cachoeira com a gente porque estava menstruada.
Foi quando fiz as contas e percebi que isso deveria ter acontecido comigo há mais ou
menos dez dias.
Já tive algumas amigas passando por esse desespero e sempre joguei a culpa na
irresponsabilidade delas de irem para a luta sem armadura. Por mais que falassem que haviam
usado, eu pensava comigo: “Até parece. Se tivesse usado, não estaria tão preocupada assim”.
Agora estou tomando do meu próprio veneno, pois, mesmo tendo que ficar sem meu
anticoncepcional, eu nunca me arriscaria a fazer essas coisas sem a devida proteção, mesmo já
estando com o Bundão há cinco anos. Minha mãe fez um bom trabalho me colocando medo
sobre doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência.
Nada melhor do que passar pela mesma situação para criar um pouco de empatia e levar
um belo tapa na cara pelos julgamentos que tive com minhas amigas, não é mesmo?
Falei aqui várias vezes que estou vivendo em um mundo guiado pela lei de Murphy, mas
uma gravidez do meu ex-namorado que me traiu é passar dos limites, né, universo? Pode parar
com a brincadeira que pra mim já deu.
E para piorar a situação, só tem UMA farmácia nessa cidade e com certeza não terei
como entrar lá e comprar um teste de gravidez esperando que a vendedora vá esquecer minha
cara no próximo segundo, como aconteceria em qualquer cidade grande.
Por acaso, farmacêuticos têm aquele negócio de confidencialidade, como os médicos?
Não estou nem um pouco a fim de ser a próxima fofoca quente da cidade. Porém, não
existe possibilidade de eu manter minha ansiedade controlada sem saber sobre isso. Ainda
ficaremos aqui por mais SEIS dias!
Preciso da resposta hoje, mas não queria entrar na farmácia para comprar um teste. Será
que não tem outro jeito de descobrir isso em casa?
O que eu faço?
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Fabiana: Pede ajuda para o Crush!
Iza: eu conversaria com uma das primas dele para comprar para ti, ou eu iria na cara de
pau mesmo. Ksksksksks
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CAPÍTULO 17

ntro na farmácia depois de olhar para os dois lados e me garantir de que ninguém está
E olhando. Apesar de não conhecer ninguém, sinto como se todo mundo me conhecesse. Não
tenho muito tempo antes de Gustavo perceber que fugi da casa da avó dele.
Por sorte, tudo fica perto por aqui. Todas as lojas da cidade, inclusive a farmácia,
rodeiam a praça, que é onde também fica a igreja. Talvez seja uma boa ideia entrar lá depois e
rezar um pouco para ver se tiro essa maré de azar.
A farmácia é tão pequena que não possui gôndolas, das quais eu mesma poderia pegar o
teste, o que já seria ruim, mas isso consegue ser pior: só depois de entrar percebo que tudo fica
atrás dos balcões de vidro e terei que pedir o que quero para a mulher que sorri para mim assim
que entro.
Não entro nem em lojas de roupa sozinha porque odeio ser abordada por vendedores e
agora terei que fazer isso no local dos meus maiores pesadelos e justo quando preciso comprar o
item que eu mais gostaria de esconder na vida.
— Posso te ajudar? — A mulher atrás do balcão pergunta.
Por um momento penso em pedir qualquer coisa aleatória e esquecer isso até voltar para
casa, mas sei que não tenho tanta paciência assim e vou surtar se não souber se tem algo
crescendo dentro de mim. Não que eu não vá surtar se o resultado for positivo, mas pelo menos
será um surto certo e não porque “pode ser”.
— Oi, eu queria um teste de gravidez — peço, tentando manter minha voz tranquila, mas
antes que eu consiga conter já estou complementando: — É pra uma amiga.
Pelo sorriso que me dá e o concordar rápido, ela sabe que estou mentindo. Por que fui
dar uma explicação? Ela não precisa saber para quem é o teste. Agora com certeza sabe que é
para mim.
— Sua amiga tem alguma preferência de marca?
— Não. Pode ser qualquer um.
Ela traz três opções e as coloca no balcão, explicando como cada um deles funciona. O
primeiro, preciso fazer xixi no copinho e depois colocar o palitinho lá dentro, enquanto, para o
segundo, teria que fazer direto no palito. O terceiro e último é um que aparece até o tempo de
gravidez e custa um rim.
Pego a segunda opção porque não acho que conseguirei fazer xixi em um potinho sem
me molhar toda. Quem inventou isso provavelmente foi um homem que acha que podemos
segurar e mirar como eles.
A mulher vai até o caixa passar minha compra. E quando acho que vou conseguir ir
embora sem constrangimento, ela pergunta:
— Você que é a namoradinha do Gustavo?
— Não somos namorados.
Agora ela sabe quem eu sou, só espero que guarde essa informação para si mesma. A
última coisa que preciso é alguma fofoca sobre eu estar grávida de Gustavo.
Não gostaria que ele ficasse sabendo sobre uma possível gravidez assim. Ainda mais
agora que finalmente consegui algo com que sonhei por anos. Posso perder tudo por uma merda
de camisinha que talvez não tenha funcionado.
— Ah, achei que estivessem juntos, a Bea me falou que ele estava de namorada nova. —
Ela olha para mim e parece perceber a confusão em meu semblante, pois completa: — Ela é
minha filha e namora o primo do Gustavo, o Patrick. Os três mais a Maria sempre foram muito
amigos.
Ótimo. Maravilhoso. Perfeito.
Agora posso ter a certeza de que isso vai chegar aos ouvidos de Gustavo e preciso contar
para ele antes que fique sabendo em forma de fofoca.
AS DECISÕES DE LAYLA

O Teste

Fiz o teste e o tranquei no banheiro, porque estou com medo de ir olhar e descobrir um
resultado positivo.
Posso já ser considerada uma adulta pela lei, mas ainda me considero uma adolescente
que não sabe o que está fazendo da vida. Não existe possibilidade de cuidar de outra pessoa.
Nem sei segurar um bebê.
Porém, a pior de todas as hipóteses é ter que manter uma relação com o Bundão para o
resto da vida por compartilhar a guarda de uma criança. Seria muito errado nunca contar a ele
sobre isso caso o resultado seja positivo?
Sim, eu sei que seria, mas eu teria coragem de fazer isso.
Não o quero de volta na minha vida.
Se houvesse uma possibilidade mínima de ser de outra pessoa, eu estaria um pouco mais
tranquila (bem pouco), mas a menos que beijo engravide, não existe a menor chance de não ser
dele. (A não ser que tenha sido escolhida por Deus, porém vamos combinar que eu não sou o
melhor exemplo de santidade pra isso. O “virgem”, de Virgem Maria, não é apenas ilustrativo, e
essa “virtude” já não me cabe mais.)
Já passou o tempo que mandav
Comentários:
Fatima: Cadê o resultado??????
Iza: O post está bugado só para mim? Parece que está faltando uma parte.
Lilinha: PELO AMOR DE DEUS, LAYLA, VOCÊ TÁ GRÁVIDA OU NÃO?
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CAPÍTULO 18

lguém bate na porta e o celular voa da minha mão com o susto.


A — Ayla — Gustavo chama. — Está aí?
— Estou.
Pergunta se pode entrar. Olho para a porta do banheiro com o coração quase saindo pela
boca, mas respondo que sim.
Escondo o celular embaixo do travesseiro sem nem salvar o que estava escrevendo e
levanto da cama.
— Tá tudo bem? — Aproxima-se de mim com a testa franzida.
Respondo com um “uhum” e dou o melhor sorriso que consigo sem o encarar
diretamente. Não quero que perceba os resquícios do choro, mas segura meu queixo e me obriga
a olhar em sua direção.
— O que aconteceu?
— Não é nada… — Tento desviar de novo dos seus olhos, mas ele não deixa.
— Por que você estava chorando?
— Eu não estava, foi só um bicho que entrou no meu olho.
Esfrego um dos olhos com os dedos para dar força à mentira.
— Você sabe que pode me contar qualquer coisa, não é?
Não, eu não posso.
Concordo sem deixar que as palavras saiam por meus lábios.
— Foi só um bicho, prometo.
Recebo um sorriso tão forçado quanto o meu em resposta.
— Tudo bem. — Ele sabe que estou mentindo, mas não vai me forçar a dizer. — Você
não vai se trocar para irmos até a cachoeira?
Torço o nariz e ele ri. Não sou a garota do campo que adora passear no mato e nadar em
cachoeiras, pois, todas as vezes que topei alguma dessas aventuras, voltei para casa toda
empolada de picadas e vermelha do sol. Sou mais a garota da piscina limpa, da qual consigo ver
o fundo e não preciso me preocupar com bichos na água, mas havia prometido que iria. Agora,
porém, já não tenho tanta certeza se quero sair daqui.
— Podem ir sem mim, estou meio cansada hoje.
Seria bom não o ter por perto para lidar sozinha com o que quer que tenha no resultado
do teste.
— Não vou te deixar aqui sozinha. Podemos fazer outra coisa.
— Não, vou me sentir mal se você deixar de aproveitar com seus primos só porque eu
sou chata e não gosto de mato. Vai se divertir!
— Eu me divirto em qualquer lugar com você, não preciso ir para a cachoeira.
Não acelera, coração. Você está caindo em uma armadilha.
— Seus primos vão me odiar por tirar a companhia deles.
— Podem odiar, eu não ligo. — Dá de ombros. — O que você gosta de fazer quando está
triste ou quando um bicho entra no seu olho?
Faço uma careta para ele.
— Era um bicho de verdade.
— Eu não disse que não era, só perguntei o que gostava de fazer em duas situações que
não têm ligação nenhuma.
Sei que está me provocando e resolvo responder algo que eu sei que ele odiaria fazer:
— Skin care, podemos fazer isso? Eu trouxe máscaras!
Vou até minha mala e pego a necessaire, onde estão todos os produtos que terei que
aprender a viver sem assim que acabarem, pois minha atual condição não me permite mais
comprar a maioria deles.
Levanto as máscaras e pergunto:
— Prefere a de argila marroquina, a de caviar ou de vitamina C com ácido hialurônico?
Em vez de reclamar, como achei que faria, ele passa a mão no rosto e pergunta:
— Não sei. Qual você acha que minha pele precisa mais?
— Argila — respondo.
— Tudo bem, vou lavar o rosto pra você aplicar essa meleca em mim — fala e vai em
direção à porta do banheiro.
Gelo no segundo que sua mão toca a maçaneta e abre. Acho que ganho superpoderes,
pois nunca corri tão rápido. Passo por baixo de seu braço, pego o teste e escondo às minhas
costas.
Quando paro, estou de frente para ele, encurralada entre a pia e a porta enquanto me
observa com puro choque em suas feições.
E pelo que encontro em seu rosto, sei que não fui rápida o suficiente.
Gustavo está longe de ser branco como eu, mas vejo toda a cor fugir dele. A firmeza de
sempre e o tom zombeteiro somem de sua voz ao perguntar:
— Você está grávida?
E tudo que tentei guardar dentro de mim desaba. Lá no fundo, não preciso olhar o
resultado. Sei que terá um positivo estampado e sei que isso vai virar minha vida de cabeça para
baixo.
Primeiro fico imóvel enquanto uma lágrima cai e depois outra e outra.
Fico esperando que fuja, grite comigo, me chame de irresponsável, diga que foi um erro
ter me beijado, mas não faz nada disso.
Seus braços me puxam, me envolvem, me apertam. Os dedos acariciam meu cabelo e
seus lábios me confortam dizendo que vai ficar tudo bem.
— Eu não quero te perder — falo em um momento que deixo minhas barreiras caírem,
sabendo que essa informação pode mudar tudo de novo entre nós dois, e não estou pronta para
voltar à vida da qual ele não faz parte.
— Não vou a lugar nenhum, leãozinho. — Gustavo me solta e sinto um vazio com a
ausência da segurança que seus braços me proporcionaram. Segura meu rosto entre as mãos e
seca as lágrimas que ainda caem. — Não importa o que aconteça, entendeu?
Concordo sem dizer nada, pois não sei se alguma palavra vai sair, e ele beija minha
bochecha, bem no lugar onde a última lágrima caiu.
— Deixa eu ver esse teste agora. — Se afasta um pouco de mim e estende a mão.
Dou a ele e fecho os olhos. Espero que ele fale mais alguma coisa, mas só o sinto se
mover para perto de mim de novo e mexer na caixinha do teste, que também está em cima da pia.
— Ayla, eu acho que tem alguma coisa errada. Tinha aparecido as duas linhas? Porque
só tem uma aqui.
Abro os olhos e pego o teste da mão dele. Olho para a caixinha, que explica como
funciona, depois para ele várias vezes para confirmar.
Uma linha.
Negativo.
Estava com tanto medo de olhar porque tinha certeza de que daria positivo.
Estou emotiva.
Chorosa.
Carente.
Irritada.
Explosiva.
Meus peitos doem.
Minha barriga está inchada.
Tudo ao mesmo tempo.
Mas…
— Eu não estou grávida! — quase grito e levo a mão à boca para impedir que outras
pessoas escutem, mas é impossível conter o alívio que toma conta de mim.
Levanto o teste e mostro para Gustavo.
— Eu não estou grávida!
Obrigada, meu Deus! Juro que nunca mais farei sexo na vida, vou seguir o celibato
porque não quero passar por isso de novo.
As sobrancelhas do meu amigo quase se unem no meio da testa enquanto me olha,
parecendo confuso com o que está acontecendo.
Acho que passei tantos anos me entupindo de anticoncepcional que esqueci o que é ter
uma TPM.
— Você não tinha olhado o teste? — pergunta. Aperto os lábios e nego. — Puta que
pariu, Ayla, eu já estava me imaginando acordando de madrugada pra amamentar uma criança e
você nem olhou a merda do teste.
Seu corpo cede em direção à parede atrás dele e solta uma longa respiração ao passar as
mãos nos cabelos.
Não parece muito feliz comigo, mas não consigo conter o sorriso que me escapa por
saber que ele estava realmente pensando em me ajudar até nisso, mesmo quando não seria um
bebê dele.
— Desculpa — peço e coloco a mão em seu peito.
O coração dele bate acelerado e forte. Sua mão cobre a minha e olha para mim.
— Acho que preciso do skin care agora para me acalmar.
Dou um sorriso e fico na ponta dos pés para dar um beijo em sua boca, mas ele vira o
rosto e meus lábios encontram a bochecha.
Sinto uma pontada no coração.
Ele não quer mais estar comigo dessa forma.
Olho para o chão e pisco os olhos rápido para me impedir de voltar a chorar.
— Tá bom, as coisas não precisam ficar estranhas… Amigos? — Estendo a mão para um
aperto.
Ele cerra os olhos e me dá um sorriso.
— Não quero ser seu amigo, leãozinho. — Ignorando completamente minha mão
estendida, ele afunda a dele em meus cachos e sussurra bem perto da minha boca: — Mas eu te
falei que só vou te beijar de novo quando admitir que precisa do meu beijo.
Preciso!, é o que cada parte de mim grita, mas meu orgulho e a vontade de o provocar
prevalecem e respondo:
— Vai morrer esperando.
Seus lábios roçam os meus e fecho os olhos na expectativa, mas não continua, me solta e
se afasta.
— Então, vamos fazer nosso skin care — fala e volta para o quarto.
— Você vai perder esse jogo.
Gustavo me olha e sorri, aquele sorriso que conheci nos últimos dias, o sorriso que não
se dá a alguém que é apenas uma amiga, o sorriso que está me prometendo coisas que jamais
imaginei ter com ele.
E sei que provavelmente perderei o jogo, mas as borboletas em meu estômago não me
deixam ver isso como algo ruim, mesmo que meu orgulho discorde.
— Qual desses vamos usar? — pergunta e levanta as embalagens que eu havia mostrado
a ele.
Mando trazer toda a necessaire e ele se aproxima com o que pedi nas mãos. Depois de a
deixar na pia, coloca no cabelo um arquinho, que encontra lá dentro. Ao se virar para mim, me
pergunto o que eu tenho de errado para achar um homem de arquinho tão gostoso.
Só paro de babar no pequeno pedaço de perfeição que divide o banheiro comigo quando
ele aperta o sabonete líquido para as mãos que está ali e começa a levar até o rosto, mas consigo
impedi-lo antes que faça isso.
— Não se lava o rosto com sabonete para mãos. Vai deixar sua pele toda ressecada.
— Então nem vou te contar que faço isso todo dia.
Deus tem mesmo seus favoritos. Se eu lavar o rosto com qualquer sabonete, minha cara
enche de espinhas. Ensino o modo correto de fazer, apesar de saber que, depois disso, ele
continuará fazendo como sempre fez, e me esforço para explicar.
Por fim, peço que sente no vaso para que eu passe a máscara nele.
Gustavo se senta e me encaixo entre suas pernas. Seguro o potinho na mão enquanto
espalho a argila escura em sua pele. E está tudo indo normal até eu sentir seus dedos deslizando
pelas minhas pernas, subindo e descendo como se seu toque não fosse o suficiente para me
desconcertar inteira.
De uma hora para outra fico muito consciente de que estou usando apenas uma saia e
que, se ele subir um pouco mais, poderá encontrar áreas inexploradas.
— Por que parou de passar a máscara? — pergunta como se não soubesse exatamente o
motivo.
— Porque você está me desconcentrando.
— Por quê? — Desliza os dedos até a barra da saia e me olha da forma mais inocente do
mundo.
Cerro os olhos para ele e ignoro a pergunta, voltando a me concentrar na tarefa de
espalhar a argila por todo seu rosto.
— Pronto — informo.
Tento dar um passo para trás, mas suas mãos me impedem. Ele passa as pernas por
dentro das minhas e me puxa para o seu colo. Então, pega o pote da minha mão e coloca na pia
ao lado.
— Agora é minha vez — fala.
Coloca uma mão em minhas costas, para me impedir de cair, e a outra pega um pouco da
argila e deposita o conteúdo em alguns pontos do meu rosto. Quando acha que já é o suficiente,
desliza o dedo pela pele, espalhando tudo de forma lenta e provocante. Por um momento penso
ser só coisa da minha cabeça, até que passa o dedo embaixo da minha boca e a outra mão aperta
a cintura, puxando-me para mais perto dele.
Nunca pensei que ter alguém passando uma máscara facial em mim poderia ser algo tão
quente.
— Isso é jogo baixo, Gustavo — resmungo.
— Eu não estou fazendo nada — responde com o tom divertido. Então, aproxima o rosto
do meu e completa —, mas posso fazer se quiser. Você sabe o que precisa falar.
Sinto seu hálito quente pinicar minha boca. Seus dedos afundam ainda mais na minha
cintura e preciso apertar os lábios para não deixar nenhum som sair deles.
— Gustavo, Ayla… — Maria chama do quarto e salto de cima do colo dele antes que ela
chegue ao banheiro. — O que vocês estão fazendo? Estamos esperando só vocês para irmos para
a cachoeira. Por que estão com essa coisa na cara?
— Ah, esqueci de avisar que não vamos. — Ele também se levanta e vai até a pia para
lavar a mão.
— Por quê?
Me preparo para inventar uma desculpa, mas Gustavo não responde o que eu estava
esperando, fala apenas:
— Estou com preguiça.
O olhar da prima dele vai de mim para ele algumas vezes antes de revirar os olhos.
— Sei bem o tipo de preguiça que você está. Só cuidado para não sujar o lençol da vovó
e vê se tranca a porta dessa vez.
— Nós não vamos fazer isso aqui — falo, querendo deixar bem claro que não precisam
se preocupar com os lençóis ou qualquer outra coisa relacionada a isso.
— Vamos fazer em outro lugar, então? — Gustavo pergunta e arqueia uma sobrancelha
para mim.
Maria solta uma gargalhada e eu sinto meu rosto queimar.
— Não, não vamos. — Bato de leve em seu peito.
Voltamos para o quarto e, enquanto Gustavo e Maria discutem sobre ele não querer ir à
cachoeira, vou até a beirada da cama e pego o celular embaixo do travesseiro.
Assim que destravo, percebo que postei o texto inacabado no blog, mas não tenho tempo
de fazer nada sobre isso agora. Então, apenas abro o Twitter e coloco lá o que mais querem
saber.

Layla Ávila - 15h


Acho que nunca fiquei tão feliz na vida de ser reprovada em um teste. O negativo veio.
AS DECISÕES DE LAYLA

A cólica

Vocês não vão acreditar em quem resolveu dar as caras depois de quase me deixar sofrer
um ataque do coração. Parece que estava só esperando eu surtar e fazer um teste para aparecer
falando: “Brincadeirinha, te peguei”.
Agora é 100% de certeza de que não estou grávida, né? Não venham me mandar aqueles
vídeos de mulheres contando ter menstruado durante toda a gestação só pra me assustar. O
Google me ensinou serem apenas pequenos sangramentos, que a maioria confunde com a
menstruação.
O rio vermelho que flui de mim nesse momento não se parece em nada com um pequeno
sangramento. Acho que está saindo todo sangue que impedi de sair tomando o anticoncepcional.
Porém, isso é o menos pior. A cólica que acompanha tudo isso é o que me destrói.
Comecei a tomar remédio justamente porque às vezes tinha dores tão fortes que precisava ir para
o hospital tomar remédio na veia.
Se você não tem cólicas, me conte como é ser a preferida de Deus.
Não tem como duvidar da Bíblia sentindo essas dores. Se existe uma explicação
plausível para mulheres passarem por esse inferno todos os meses, é termos sido amaldiçoadas
por Eva ter comido a maldita maçã, que nem é uma fruta tão gostosa assim — se fosse um
chocolate ou uma caixa de kinder ovo, eu poderia até compreender, mas, porra, sete dias e sete
noites sangrando, com dores horríveis e uma irritação capaz de degolar o primeiro que passar na
nossa frente por uma maçã, Eva? Vacilona!
Porém não vou reclamar muito, prefiro sentir dor a ter uma criança.
E talvez eu tenha gostado de ser mimada pelo Crush.
Fiquei toda boba quando ele apareceu no quarto com uma bandeja cheia de quitutes da
avó dele, com um remedinho e uma bolsa de água quente. (COMO UM DIA EU ACEITEI
MENOS DO QUE ISSO?)
Ainda perguntou se eu queria uma massagem, porque isso costumava ajudar a mãe dele
quando estava com dores.
A única parte ruim é que ele continua fazendo doce para me dar um beijo e, bom, agora
que já provei, quero poder ter a hora que eu quiser. Então, quando ele perguntou se tinha mais
alguma coisa que poderia fazer por mim, claro que respondi: “Talvez um beijo me ajude a
melhorar.”
Podia estar com dor, mas não estava morta.
O sorriso dele foi quase de orelha a orelha ao ouvir isso. Segurou meu queixo e
aproximou o rosto do meu. Por um segundo achei que finalmente ganharia esse cabo de guerra,
mas as esperanças se esvaíram quando sua boca terminou na minha testa.
Claro que reclamei.
Eu: Se você quer ver alguém melhorar, tem que dar o remédio na boca, não na testa.
Crush: Layla, assim você me deixa sem graça. Deixa minha avó saber o que você quer
fazer no outro lençol dela.
Quase engasguei com um pedaço de bolo que resolvi enfiar na boca justo naquele
momento ao entender a conotação que ele deu à minha frase totalmente inocente. (Ok, talvez não
tão inocente assim.)
Eu: Você não costumava ser tão sem-vergonha assim, Crush
Crush: Eu não costumava te beijar também.
O sorriso que ele me deu depois de falar isso fez meu coração dar cambalhotas. (E eu
nem sei se corações deveriam ter o poder de fazer coisas desse tipo.)
Porém, a magia do momento acabou quando meu celular começou a tocar e o número
que apareceu foi o da Falsiane. O número não estava salvo, mas eu sabia de cor, pois decorar
números das pessoas que eu era próxima era meio que um hobby para a Layla de doze anos. (Eu
me achava o máximo por isso! Por quê? Vou ficar devendo essa resposta.)
Claro que não atendi. Acho que já deixei claro que não a quero na minha vida.
Bloqueei o número para não correr o risco de ela tentar de novo.
Não duvido que tenha sido minha mãe a passar o número para ela, mesmo depois de eu
deixar bem claro que não somos mais amigas.
Porém, não é surpresa para ninguém ela não respeitar minhas vontades, né?
Fiz o certo? Por favor, digam que sim. Não sei se conseguirei seguir o conselho de vocês
se me mandarem ouvir o que ela tem a dizer, porque eu estou “foda-se” para o que ela tem a
dizer.
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Cilla: Fez certo, não vale gastar o tempo que você poderia estar tomando o remédio na
boca com essa Falsiane! Por falar nisso, tô sofrendo aqui também. Não tem um Crush desses pra
mim?
Alline: Sou curiosa, ia atender só pra saber o que ela queria, nem que fosse para mandar
se lascar depois.
Cleane: Foda-se mesmo. Não teve a menor consideração com quem chamava de amiga,
agora fica ligando. Tenho ranço de gente assim.

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CAPÍTULO 19

— T ruco! — grito na empolgação de saber que vou ganhar pela primeira vez desde que
começamos a jogar.
Nunca joguei nenhum jogo de cartas antes e não achei que pudesse ser tão divertido.
Patrick e Bea trocam olhares e falam que estão fora. Toda minha animação se esvai.
— Só porque eu tinha o zap — resmungo e jogo as cartas na mesa.
— Eles sabiam disso — Gustavo explica. — Você passou as últimas rodadas emburrada
e do nada estava sorrindo de orelha a orelha.
— O jogo você aprendeu, agora precisa conhecer a arte do blefe — Bea completa e olha
para todos sem nenhuma emoção em suas feições.
Ela é a melhor jogadora, e nenhum dos meninos parece feliz com isso.
— Acho que deveríamos arrumar algo que cinco pessoas possam jogar — Maria fala,
mesmo tendo sido ela a sugerir o jogo mais cedo.
Pelo visto desistiu da ideia quando perdeu e foi tirada da mesa para que eu pudesse
entrar, algo que eu nem queria, mas me obrigaram e, agora, tenho que admitir que foi mais
divertido do que imaginei.
Achei que acabaria enjoando de ter tanta gente em volta por tanto tempo, mas, por mais
estranho que pareça, estou gostando. É completamente diferente das vezes que qualquer parente
aparecia na minha casa e eu torcia pela hora que eles fossem embora para que pudesse me trancar
no quarto e recarregar a bateria social.
Talvez seja diferente porque ninguém está se forçando a passar tempo juntos só por
compartilhar o mesmo sangue, mas sim por realmente gostarem da companhia um do outro.
Patrícia chama o filho e o vejo se retesar do outro lado da mesa. Está nervoso desde que
conversaram mais cedo, e ela falou que queria lhe apresentar um amigo, que, pela forma que
havia falado, ele sabe ser algo bem mais do que apenas um amigo.
A mulher aparece na varanda com o maior sorriso que já vi em seu rosto e traz um
homem com os cabelos já começando a ficar grisalhos e o nervosismo estampado em cada gesto.
— Isso vai ser estranho — Gustavo fala antes de se levantar.
Entrega as cartas nas mãos de Maria e vai andando sem muita vontade até o casal.
Ao chegar lá, trocam apertos de mão e começam uma conversa que não sou capaz de
ouvir, mas o observo passar os braços protetores ao redor dos ombros da mãe. Os dois sempre
estão se abraçando ou trocando carícias quando estão juntos, além de sempre falarem o quanto
amam um ao outro. Nem lembro a última vez que ouvi essas palavras vindas dos meus pais ou
até mesmo que eu disse a eles. Sempre fomos mais do tipo: “Eles sabem que eu os amos, não
preciso falar”, mas, vendo outra realidade, já não penso mais assim.
Sempre achei que ações diziam mais do que palavras, mas às vezes a palavra também é
muito importante.
— Meu Deus, chega a me dar vontade de vomitar arco-íris ver você olhando pra ele —
Maria comenta. — Se quiser perder esse olhar, posso te contar todos os podres que vão te fazer
desapaixonar na mesma hora.
Saio do transe que nem percebi que entrei enquanto observava Gustavo.
Não sei por que ouvir alguém falando que estou apaixonada por ele me pega
desprevenida. Não que não esteja, não vou ficar me enganando, mas não quero que outras
pessoas percebam, porque não tenho ideia do que está acontecendo entre nós dois e não quero
que ele surte e prefira parar com tudo por eu estar envolvendo sentimentos.
Será difícil aprender a conviver apenas com a amizade dele depois de saber que ter algo
mais é tão melhor. Queria viver nessa bolha que estamos vivendo aqui e não ser obrigada a voltar
à realidade em dois dias.
— Eu não estou apaixonada por ele. Nós só estamos… — Estamos o quê? — curtindo a
viagem? — Termino a frase como uma pergunta, e ela arqueia a sobrancelha, provavelmente
percebendo a mentira. — Somos amigos, só temos alguns benefícios, mas não rola sentimento,
sabe?
Bea e Patrick riem e Maria responde um “aham” com o maior sarcasmo do mundo na
voz.
— É sério!
— Você está se enganando, mas não vou te julgar porque fiz o mesmo. — Bea abraça
Patrick e dá um beijo em sua bochecha. — Falei pra todas as minhas amigas que nunca, nem
morta, beijaria meu melhor amigo.
Os dois compartilham um sorriso cúmplice e penso no quanto são sortudos por terem
conseguido fazer dar certo mesmo depois de ela já ter namorado o primo dele.
— Vocês são um caso a parte, mas nem sempre amizades terminam assim. Às vezes são
apenas amizades mesmo.
— Com certeza. — Maria coloca a mão em cima da minha. — Eu tenho um melhor
amigo homem e garanto que nós dois nunca nos pegaríamos, mas esse não é o caso de vocês.
Gustavo olha para trás e me dá um sorriso. Não tem nada de diferente, é apenas seu
sorriso normal, mas meu coração parece achar que cada um deles é especial, pois basta esse
menino mostrar os dentes de qualquer ângulo que as batidas em meu peito resolvem fazer igual
uma Ferrari e ir de zero a cem em um segundo.
Preciso me recompor para responder:
— Vocês estão vendo coisa onde não tem…
Pelo menos não da parte dele, porque da minha estão certíssimas, só não irei admitir
isso em voz alta.
— Já sei o que podemos jogar para todo mundo participar — Patrick fala e se levanta da
mesa, indo em direção à casa para buscar seja lá o que precisa.
Ao voltar, traz uma garrafa de vodca nas mãos.
— Eu nunca!
Conheço bem esse jogo, é de praxe alguém sugerir essa brincadeira, porém não acho que
seja uma boa ideia.
— Achei que era proibido bebidas por aqui — comento. — Sua avó não vai querer…?
— Ayla, a vovó não é uma alcoólatra. Acho que ninguém te explicou o incidente —
Maria me interrompe ao perceber onde eu queria chegar. — Ela e o vovô tinham uma tradição de
beber um copo de pinga no Natal, porque eles se conheceram num boteco no dia de Natal. A
vovó estava fugindo de casa e meu avô tinha brigado com a família. Eles passaram aquela noite
bebendo pinga e comendo torresmo, porque era o que tinha no bar. Depois disso nunca mais se
separaram e essa se tornou uma tradição.
— Isso explica o torresmo na ceia — falo. — Mas por que não deixam ela beber?
— Dona Amélia tem um problema no fígado e a bebida pode sobrecarregar — Bea
responde. — Por conta disso, qualquer pequena dose faz parecer que ela bebeu uma garrafa
inteira.
— Ninguém quer a nossa véia morta — Maria completa e lança um olhar fuzilante para
Patrick.
— O que você está insinuando com isso? — pergunta. — Daria a minha vida por ela,
mas não consegui dizer não quando ela chorou semana passada comigo, falando que sentia a
falta do vovô e só queria poder manter a tradição deles viva, porque era o único dia do ano que
ela podia fazer isso.
Os olhos de Patrick lacrimejam e eu me arrependo de ter entrado nesse assunto. Parece
que as coisas nunca são tão simples como pensamos.
— Tudo bem, vamos jogar! — falo para quebrar o clima tenso que eu mesma construí.
AS DECISÕES DE LAYLA

A Amnésia

Já contei muita coisa para vocês aqui nesse último mês, inclusive muitas das minhas
vergonhas, porém o que eu estou prestes a contar é algo que me obrigará a manter minha
identidade em segredo para sempre, pois, se havia qualquer dignidade em mim, ela acabou de ser
perdida.
Preparados? Não vou enrolar, vou arrancar o band-aid de uma vez só.
Acabei de acordar sozinha e pelada na cama do Crush.
Como se isso já não fosse o bastante, para completar com a cereja do bolo, não me
lembro de nada da noite anterior. Meu corpo parece que foi atropelado por um caminhão e minha
cabeça está em obras; consigo sentir a britadeira furando um buraco do meu cérebro até o
estômago.
Fazia um bom tempo que eu não bebia. Estava evitando porque, da última vez, passei
dos limites e fiz coisas das quais me arrependi. Pretendia só beber um pouquinho, mas para ter
acordado nesse estado, eu com certeza passei de todos os limites.
E, apesar de já ter bebido demais até fazer merda, nunca tinha me ocorrido de ter toda a
memória da noite deletada da minha cabeça. Já falei várias vezes aquela famosa frase pós-
bebedeira: “Se eu não me lembro, eu não fiz”, mas nunca tinha realmente esquecido o que tinha
feito, era só modo de dizer quando alguém lembrava algo constrangedor.
Vou contar para vocês o que lembro para ver se escrever aqui me ajuda com alguma
coisa.
Eu, o Crush e os primos dele começamos a beber para brincar de “Eu nunca”. Aquela
brincadeira onde um fala “Eu nunca fiz algo” e todo mundo que já fez precisa virar uma dose.
No início estava engraçado, divertido, todo mundo lançando perguntas bobas, até que a
ex-namorada do Crush e atual do Polvo se levantou para ir ao banheiro e alguém falou: “Eu
nunca beijei alguém dessa mesa.”
Eu bebi.
O Crush bebeu.
O Polvo bebeu.
E, bom, não precisaria ser nenhum gênio para entender que o beijo não foi entre os
primos, né? Porém, o Crush ainda tentou salvar a situação.
Crush: A sua namorada saiu da mesa e você nem percebeu?
Nesse momento o Polvo olhou para mim e eu abaixei a cabeça. Faz mais de seis anos
que essa porcaria aconteceu. Por que ele tinha que trazer isso à tona quando obviamente nunca
teve coragem de contar o que fez?
Crush: Vocês só podem estar de brincadeira comigo.
Ele se levantou da cadeira e vi tudo que eu mais queria escorrendo por meus dedos. Não
podia deixar isso acontecer.
Eu: Foi no meu aniversário de quinze anos!
O Crush mandou o primo se f* (não preciso completar, né?) e deu as costas para a
gente. Me levantei para ir atrás dele, mas ele parou no meio do caminho de volta até a casa e
gritou para o Polvo:
Crush: Foi por causa da sua namorada, né? Ela tinha te contado que gostava de mim na
época que ainda não eram namorados, e você resolveu seu problema pegando a minha garota? Eu
te falei que nunca ficaria com ela!
Não lembro exatamente as palavras que ele usou, mas o “minha garota” continua tatuado
em minha pele. Nem a vodca teve o poder de apagar essa lembrança.
Polvo: Isso faz seis anos, eu era um idiota, me arrependi no dia seguinte, mas não tinha
como voltar atrás.
Crush: Você ainda é um idiota, porque nunca teve a porra da coragem para me contar a
verdade.
Polvo: Tudo bem, eu sou! Me desculpa.
Crush: Não.
Dessa vez ele voltou a andar rápido para dentro da casa enquanto a namorada do Polvo
estava parada na varanda como uma estátua observando tudo.
Ela, mesmo não tendo culpa de nada, sussurrou um pedido de desculpas e consegui ver o
sorriso que ele deu a ela ao responder que não tinha culpa de nada daquilo, que ela também não
sabia.
Entrei atrás dele e o segui até o quarto. Parei no batente da porta e ele se virou para mim,
mas desviou os olhos dos meus. Senti uma dor física no meu coração ao perceber que estava
desconfortável comigo lá.
Eu: Você está bravo comigo?
Crush: Você podia ter me contado. Estou me sentindo traído pelos dois. Você falou que
nem se lembrava dele no seu aniversário, Layla. Poderia ter sido honesta comigo.
Foi aí que me liguei que, para ele, parecia que eu estava me fazendo de sonsa.
Eu: Eu não sabia que ele era ele, só reconheci quando o vi. Não fazia ideia de que ele era
seu primo. Falei com você sobre o menino que beijei na festa.
Pareceu que sua mente clareou ao ouvir isso.
Crush: Espera, ele é o garoto que você e suas amigas apelidaram de polvo?
Eu: Eu nunca teria ficado com ele se soubesse que era seu primo.
Estava com medo, pois não queria que nada voltasse a mudar entre nós.
Ele me deu um sorriso não muito animador; diferente de todos os que fizeram meu
coração disparar, esse pareceu roubar cada batida do meu peito, como se ele pudesse parar a
qualquer momento.
Crush: Podemos conversar depois? Só preciso ficar um pouquinho sozinho. Colocar
meus pensamentos em ordem.
Quis gritar que não. Quis insistir. Quis o abraçar forte e implorar pelo perdão de uma
coisa que nem sabia que poderia machucá-lo tanto. Mas não fiz nada disso.
Desci de volta para o jardim. Sentei à mesa e enchi mais um copo de vodca, e acho que
não foi o último, mas essa é a última coisa de que me lembro antes de acordar aqui na cama dele.
Ainda não tive coragem de sair do quarto. Será que nós… vocês sabem…
Meu Deus! O que eu faço? Não consigo encontrar nem as roupas no quarto para fugir
daqui e não sei se a avó do Crush vai aprovar que eu fuja com um dos seus lençóis.
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Pri: QUEEEE? Descobre agora o que aconteceu e volta para contar! Meu Deus, você
não estava mentindo quando disse que tomava péssimas decisões.
Line: Aff, Layla, foi esquecer logo a noite que estamos mais ansiosos para saber o que
rolou?
Anne: Claro que não rolou nada. Perfeitinho como ele é, não ficaria contigo assim se
não estivesse sóbria. Deve ter uma explicação para a falta de roupas. (A não ser que os dois
ficaram bêbados. Sendo sua vida, não duvido de nada.)
CAPÍTULO 20

enho vontade de me esconder embaixo das cobertas quando alguém gira a maçaneta da
T porta. Juro que posso morrer neste exato momento se quem entrar for a dona Amélia,
perguntando o que fizemos no lençol novo dela, porque nem eu saberei responder.
Porém, é Gustavo quem aparece. Ele carrega algumas roupas em um dos braços e um
copo de água na mão.
— Você acordou — fala e sorri.
Sinto um alívio imediato ao ver esse sorriso, e não o da noite anterior. Porém, não faço
ideia de como isso mudou, e não quero descobrir que foi porque eu ofereci sexo em troca do
perdão no meio da noite.
— Peguei essas roupas na sua mala. Tentei combinar do jeito que você gosta, mas não
sei se vai ficar muito bom. — Coloca as roupas em cima da cama e depois o copo de água com
um comprimido na mesinha de cabeceira. — Também trouxe um remédio para ajudar na ressaca.
— Obrigada. — É tudo que consigo dizer antes que ele saia do quarto.
Sento-me na cama e a cabeça lateja de dor. Pego o comprimido e engulo com a água.
Sabia que não deveria ter bebido.
Fecho os olhos e por um momento estou sentada ao volante. Sinto o impacto do carro
batendo em alguma coisa. Minhas mãos tremem e seguro o colchão com força.
Eu não estou lá.
Abro os olhos com a cabeça baixa e encaro a cicatriz horrível que sobe da lateral direita
do quadril até a frente da barriga.
Será que ele viu isso? Será que está me tratando bem por pena?
Não, você não vai voltar a sentir pena de si mesma. É só uma cicatriz.
Levanto-me e pego a roupa que Gustavo trouxe, sorrindo ao perceber que ele se esforçou
não apenas em trazer uma roupa para que eu vestisse, mas em combinar todas as peças, além de
trazer um dos meus coletes preferidos.
É uma combinação que eu poderia ter facilmente escolhido.
Saio do quarto dele e vou até o meu pegar um sapato. Todos parecem já ter acordado; o
andar de cima está silencioso, mas consigo ouvir conversas e risadas vindas lá de baixo. A casa
já aparenta estar cheia novamente.
Pego a nécessaire e vou até o banheiro para ver o tamanho dos danos na minha cara.
Quase caio para trás ao notar a maquiagem toda borrada e o cabelo parecendo ter travado uma
luta contra um furacão.
Limpo o rosto, mas as olheiras estão enormes e só consigo ficar apresentável depois de
passar uma camada de base no rosto. Porém, pelo jeito essa é a última vez que ela irá me salvar,
porque acabei de usar o resto que tinha na embalagem, e não tenho condições nenhuma de pagar
duzentos reais em uma base com meu atual salário e já com a dívida de um celular na conta.
Tiro tudo de dentro da nécessaire e coloco a base vazia lá dentro, depois tiro uma foto
em que só aparece o plástico branco de dentro e a base, para poder postar sem que ninguém
reconheça nada. É a primeira foto que usarei desde que criei a Layla, então confiro dez vezes
antes de upar no Twitter.

Layla Ávila - 11h


R.I.P. base da Trix. Essa é a melhor base já inventada, mas não cabe mais no meu orçamento. Me
indiquem bases boas e baratas!

Ao terminar de me arrumar, respiro fundo, observando meu reflexo para tomar coragem
de descer e encarar todas as pessoas lá embaixo, que provavelmente sabem o que eu fiz.
Saio do quarto e vejo Gustavo subindo. Ele me olha de cima a baixo, e sinto uma
corrente elétrica percorrer cada centímetro de mim, mesmo sem ter um fio de cabelo sendo
tocado.
— Acho que posso seguir carreira de estilista. Isso ficou muito bom.
Nem um sinal da irritação da noite anterior transparece, mas preciso perguntar. Preciso
saber o que aconteceu.
— Você não está mais bravo comigo?
Ele franze o cenho e se aproxima, então coloca uma mecha do meu cabelo atrás da
minha orelha.
— Você não se lembra?
Faço uma careta e nego com a cabeça.
— Eu não consigo ficar bravo com você, leãozinho. Te pedi desculpas ontem e você
chorou falando que também sentia muito e que se soubesse que eu beijava tão bem nunca teria
beijado outra boca na vida.
Cerro os olhos para ele, mas um sorriso fácil se abre em meu rosto com a gracinha.
Como ele consegue arrancar o nervosismo de mim tão fácil assim?
Faz parecer que tudo é tão simples.
— Eu não falei isso — rebato.
— Pensei que não se lembrava. — Arqueia uma das sobrancelhas. — Eu estou com a
memória fresquinha e foi exatamente isso que me falou.
— Me conheço bem o suficiente para saber que nem bêbada eu admitiria isso.
Uma de suas mãos vai até minha cintura e me puxa para mais perto.
— Tem certeza?
Não, não tenho certeza de mais nada. É muito provável que eu tenha falado até o que
não deveria ontem.
— Tenho.
— Se você prefere assim, tudo bem, sem beijos para você até admitir de novo. — Dá de
ombros e me solta. — Vamos tomar café, você deve estar com fome.
Seguro sua mão antes que se vire completamente para a escada.
— Espera. — Respiro fundo e arranco o curativo de uma vez só: — Por que eu estava
sem roupa na sua cama? Não quero encarar a sua família sem ter nenhuma lembrança.
— Ah, achei que se lembraria dessa parte. — Ele desvia o olhar do meu. — Como vou te
explicar isso?
— Ai, meu Deus, nós fizemos… — Levo a mão à boca.
Seu olhar encontra o meu por um segundo antes de estourar em uma gargalhada.
— Acha mesmo que eu faria isso com você quando estava caindo de bêbada? — Passa o
braço por meu ombro e me puxa para descermos a escada. — Estava seminua na minha cama
porque você vomitou em toda a sua roupa e pedi ajuda da Maria e da Bea para te deixar limpa. E
você acabou apagando no meu quarto enquanto limpávamos o seu.
Meu rosto queima de vergonha ouvindo tudo aquilo.
— Que vergonha! Sua família deve estar achando que sou uma bêbada sem controle.
Desculpa por isso.
— Ninguém estava acordado além de nós, pode ficar tranquila. Não somos fofoqueiros e
nenhum dos meus primos é santo. Além de que isso se tornaria no máximo uma piada interna.
— Obrigada por cuidar de mim.
Ele me dá um sorriso e responde:
— Estou aqui pra isso. Só fico chateado de você ter cogitado a ideia de que fizemos algo
e foi insignificante a ponto de conseguir esquecer. — Gustavo aproxima a boca do meu ouvido e
sussurra: — Pode ter certeza de que no dia que isso acontecer, você vai se lembrar de cada
segundo.
Minhas pernas estão bambas enquanto entro na cozinha, com toda a família dele reunida,
logo após ouvir sua promessa sussurrada. Como ele ousa falar algo assim quando continua se
recusando a me beijar?
CAPÍTULO 21

cho que nunca ri tanto na vida quanto no amigo oculto, que não é tão simples quanto os
A que já participei. Depois da troca normal de presentes, um poderia roubar o presente do
outro. Eu havia ganhado uma caneca e terminei com um lençol, que, até onde sei, foi
roubado do armário da dona Amélia especialmente para acabar nas minhas mãos.
Já estou me acostumando com a eterna quinta série de toda a família. Percebo de onde
Gustavo herdou esse gene.
— Agora vamos juntar para foto antes que os convidados comecem a chegar — dona
Amélia fala. — Se minha parede ficar faltando um ano, eu mato cada um de vocês.
Imagino que esteja se referindo às fotos na subida da escada e vou para o canto para não
atrapalhar.
Todos começam a se amontoar no sofá de frente para a lareira, que é enorme, mas com
certeza não comporta aquele tanto de gente. Porém eles vão dando seu jeito, sentam no chão,
ficam em pé na parte de trás.
Gustavo me puxa para também irmos até lá, mas não sou parte da família, não vou me
infiltrar na fotografia deles. Dona Amélia deixou bem claro que não queria intrusos ao falar que
precisavam tirar antes que os convidados chegassem.
— Se quiser, posso tirar a foto — falo ao ver Maria colocando a máquina fotográfica em
cima da lareira.
— Essa foto é sempre tirada nessa posição — Maria responde. — E você já deveria estar
lá. — Aponta para o sofá lotado.
— Você não quer sair na foto? — pergunta Gustavo.
— É uma foto de família — respondo. — Não quero ser a intrusa.
— De onde você tirou essa ideia de que seria intrusa? — dona Amélia fala. — Se está
namorando meu neto, você também é parte disso aqui. Então, venha logo.
O problema é que não sou namorada do seu neto. Sei que fomos pegos juntos, embaixo
do seu lençol, mas você sabe como é a juventude de hoje, né?
— Nós não… — começo a explicar, mas sou interrompida pela senhora.
— Gustavo, arraste essa menina até aqui, por favor.
Sem questionar a avó, ele me olha e dá de ombros, como se não tivesse escolha. Então,
me ergue do chão nos braços e solto um grito, achando que ia pagar calcinha para toda a família
dele — não percebi que ele havia segurado a barra da saia antes de me levantar para evitar isso.
Apesar de ele não parecer nada preocupado com o meu peso, agarro seu pescoço, com
medo de cair, quando começa a caminhar em direção ao sofá. Porém, ao fazer isso, meus peitos
são esmagados, ficando ainda mais aparentes no decote. Desde a cirurgia ainda não havia usado
nada que os deixassem tão à mostra, até porque não são roupas que se encontra com facilidade
em meu guarda-roupas; meu estilo sempre foi mais “recatada e do lar” da cintura para cima e
“piriguete que não sente frio” da cintura para baixo, já que saias são minha religião.
Resolvi ousar um pouco mais hoje por ser nosso último dia aqui. Vou jogar com todas as
minhas cartadas para ter o beijo dele de novo. Abro um sorriso quando vejo seu olhar descer bem
para lá.
— Perdeu alguma coisa aí? — pergunto, achando que o deixaria sem graça por ter sido
pego no flagra, mas é óbvio que isso não acontece.
Passa a língua pelos lábios antes do sorriso esticar em seu rosto e sussurra para que
apenas eu ouça:
— Perdi. Posso procurar com a boca?
— Gustavo! — Solto uma das mãos para bater em seu peito e olho em volta, com medo
de alguém ter ouvido o que falou. Tudo isso enquanto tento fingir que suas palavras não
acenderam lugares que não deveriam acender no meio de uma sala lotada de familiares. — Você
não pode me falar coisas desse tipo enquanto se recusa a me beijar.
Sinto o tremor do seu corpo com a risada que dá, o hálito quente encontra a pele da
minha bochecha e me pego sorrindo junto dele. E então o flash ilumina a sala, mas nós dois não
estamos encarando a câmera como deveríamos.
Maria manda todos continuarem onde estão para verificar se saiu todo mundo e não
passa nem dois segundos antes de resmungar olhando para mim e Gustavo:
— Vocês podem parar de ser fofos? Vidas solteiras importam! — Ela vira a câmera para
nós, e sinto a razão perder um pouquinho mais a guerra contra o coração.
Gustavo me coloca no chão e também observa a imagem na tela.
Todos estão com sorrisos nos rostos posando para a fotografia, mas nós dois parecíamos
estar em um mundo à parte, uma bolha só nossa onde nada poderia nos atrapalhar, olhando nos
olhos um do outro.
— Desculpa, podemos tirar outra — falo.
— Deixa eu ver — dona Amélia pede e Maria leva a câmera até ela, que completa: —
Não vamos tirar outra, são momentos assim que merecem ser capturados.
— Foi só uma piada — comento, para tirar o peso do que acabou de falar.
Eu percebi, ela percebeu, mas a última coisa que quero é que Gustavo entenda que pra
mim não é apenas uma amizade com benefícios — com ele nunca seria só isso, porém, se é o que
pode me oferecer agora, estou aceitando enquanto durar e espero que dure ainda por hoje.
O sorriso que a senhorinha me dá deixa muito claro que ela sabe que estou mentindo.
CAPÍTULO 22

e minha nutricionista me visse agora, ela desistiria da vida, mas isso não é nada com que eu
S precise me preocupar, já que não tenho dinheiro para continuar bancando as consultas e não
acho que miojo, que é a única refeição que cabe no meu orçamento, seja aprovado por ela.
Pego o prato e vou atrás de Gustavo, que levantou há poucos minutos para levar o dele
até a cozinha, mas logo que chego à varanda, perto da porta, ouço meu nome sair de sua boca e
paro no lugar, sem saber se devo voltar para a mesa no jardim ou entrar como se não tivesse
ouvido que estão falando de mim.
— Você gosta dela ou não? — dona Amélia pergunta.
— É complicado, vó.
— Acho bem simples. Vocês, jovens, que gostam de complicar as coisas.
— Ela não me vê dessa forma.
Ele está dizendo que eu, a garota que é louca por ele desde quando descobriu o
significado de paixão, não o vê de que forma? Como amigo? Só se for.
— Não perguntei sobre ela, perguntei sobre você. O que você sente por ela?
— Eu gosto dela — responde e dá uma pausa antes de completar: — Muito.
O coração em meu peito bate tão forte que parece capaz de rasgar minha pele. E por um
momento acho que o sorriso que se estica em meu rosto nunca mais sairá de lá. Porém, dona
Amélia me deixa alerta de novo quando pergunta:
— Mas?
— Mas não estou preparado para ter outra desilusão. Acho melhor ir com calma dessa
vez.
E me pego sentido ciúmes de alguma garota que nem sei quem é, mas que ele amou o
suficiente para sofrer por ela. A garota que pode ser Bea ou qualquer outra que ele namorou nos
últimos cinco anos e eu nunca nem fiquei sabendo.
— Querido… — começa a dizer, mas é interrompida por mais pessoas chegando para a
festa.
Respiro fundo e me recomponho para aproveitar a pausa na conversa e entrar na cozinha
também, fingindo não ter ouvido nada.
As pessoas entrando eram justamente Bea e a mãe. Travo no lugar quando a garota fala:
— Essa é a Ayla, mãe.
— Nós já nos conhecemos, ela foi lá na farmácia.
— Foi? — Gustavo pergunta com o cenho franzido.
Olho para ele, com uma cara que espero que ele interprete como: “Sério que você já
esqueceu do surto do teste de gravidez e quer que ela comente sobre isso em voz alta na frente da
sua avó e da Bea?”.
— Ah, claro, tinha esquecido — comenta Gustavo, aparentemente lendo bem minha
expressão.
Porém, não há mais qualquer chance de a mulher seguir acreditando que o teste não era
para mim, e agora ela deve achar que Gustavo é o pai da tal criança inexistente.
Bea por sua vez está me olhando de uma forma bem estranha. Os olhos cerrados e os
braços cruzados. Então, olha para Gustavo e depois para mim de novo.
— O que você foi comprar na farmácia? — pergunta.
— Isso não é da sua conta, Ana Beatriz — repreende a mãe, mas ela a ignora e continua
me encarando como se eu estivesse escondendo algo.
— É você. — Balança a cabeça em negativa. — Como não percebi antes?
É a minha vez de ficar confusa.
— Do que você está falando?
— Espera! Eu sou a ex do Crush? Nunca namorei o Gustavo — fala mais para si mesma
do que para mim.
Arregalo os olhos, entendendo tudo.
Puta que pariu!
— Como é? — Gustavo pergunta.
Balanço a cabeça em negativa para ela, implorando em silêncio para não falar nada sobre
o blog.
— Nada — responde para ele, então se vira para mãe e fala que os pais de Patrick já
estão lá fora, que poderia ir na frente.
Sem dizer mais nada, ela me puxa pelo braço e só tenho tempo de colocar o prato em
cima da mesa antes de ser levada até o segundo andar.
Quando tem certeza de que estamos sozinhas, solta um milhão de perguntas de uma vez:
— De onde você tirou que eu sou ex do Gustavo? O beijo do Patrick era tão ruim assim
ou só exagerou no blog? Juro que hoje ele beija superbem. Você não está gravida mesmo, né?
Meu Deus! É muita informação. O Bundão já te procurou depois que enviou o presentinho? Qual
o nome dele e da Falsiane? Me mostra o Instagram deles? E o Tiozão, já descobriu alguma
coisa? Caralho, seu pai é o prefeito, né? Bem que você falou que podia dar merda…
— Bea! — Coloco a mão em seu ombro e faço com que pare de falar e olhe para mim.
— Você não pode contar isso para ninguém.
Com os dedos, traça a boca, como se fechasse um zíper.
— Minha boca é um túmulo, mas você vai pelo menos me dar um nome descente, não
posso ser conhecida só como a namorada ou a ex de alguém, que nem sou ex.
— Você e o Gustavo nunca tiveram nada? — pergunto, confusa.
— Não — responde com toda certeza do mundo na voz. — Uma vez falei pro Patrick
que eu era a fim do Gustavo, mas foi só para que não percebesse que era ele que eu queria.
Porém meu namorado não aceitou bem essa informação e te beijou no seu aniversário como uma
vingança de algo que eu inventei, porque ele sabia que o Gustavo tinha uma quedinha por você.
— Espera, o quê? O Gustavo não tinha nenhuma quedinha por mim.
— Ayla, deixa de ser lerda, né? Por qual motivo ele ficaria puto com o primo por beijar
uma garota que ele nem gostava?
Não tenho resposta para essa pergunta, porque para mim ele tinha ficado chateado por eu
já ter beijado alguém da família dele, e não porque era apaixonado por mim naquela época.
— Eu não sou lerda, ele me falou com todas as letras na mesma época que estava
apaixonado por você, até me mostrou uma foto sua no Facebook.
Bea faz uma careta e depois franze o cenho.
— Ele nunca foi apaixonado por mim. Tem certeza disso?
Tento buscar nas lembranças o dia que meu coração foi partido com essa revelação.
— Você está apaixonado por alguém nesse momento? — uma das nossas amigas
perguntou depois de Gustavo escolher verdade no jogo.
— Sim. — Foi uma resposta firme e rápida, que fez todos da roda começarem a zombar
sobre quem era essa pessoa, já que ele sempre foi um pouco mais reservado do que a maioria
deles, que adoravam contar sobre suas conquistas, mas ele falou que já tinha respondido à
pergunta.
Algumas rodadas para frente, a garrafa parou com a parte de trás apontada para mim e
a da frente para Gustavo.
— Verdade ou consequência? — perguntei, torcendo para escolher a segunda opção,
pois não queria saber a verdade.
— Verdade.
Todos perguntaram quase juntos o nome da garota. As palavras não saíram da minha
boca, porque eu sabia que a resposta não era eu.
— Acho que é a vez da Ayla perguntar. Você quer saber quem é a garota?
Meu coração veio quase na boca e eu tentei disfarçar ao responder:
— Claro, não sendo eu, vou te ajudar a ganhar o coração dela.
O sorriso em seu rosto vacilou um pouco antes de responder:
— O nome dela é Bea, é da cidade dos meus avós. Vocês não a conhecem.
Bea me encara, esperando pela resposta.
— Talvez ele nunca tenha te contado. Mas se não é você, quem foi a garota que ele
namorou daqui?
Ela aperta os lábios em uma linha fina e fica em silêncio por um segundo enquanto
parece tentar buscar algo na memória.
— Ah, acho que ele namorou uma amiga da Maria, mas só durou um mês de férias que
ele passou aqui. Gustavo nunca teve nada sério com ninguém por muito tempo. Não acho que
você precise se preocupar com qualquer ex que ele já teve. Sempre foi mais do tipo que pega,
mas não se apega. Não que vá ser assim com você…
Provavelmente ela nunca conheceu a tal da garota que já machucou o coração dele. Juro
que poderia acabar com ela por ter feito isso.
— Não precisa me iludir, nós também não estamos levando isso a sério, é só uma
amizade com alguns benefícios enquanto funcionar. — Tento dizer como se não me importasse.
Com um sorriso no rosto, cruza os braços e fala:
— Ayla, você está esquecendo que já li seu blog inteiro e você confessou lá que sempre
foi apaixonada por ele?
Sim, estou me esquecendo disso. Porém, ainda me recuso a admitir a verdade para
qualquer pessoa que possa ir até ele e contar.
— É só pra dar uma emoção para os leitores, nem tudo que eu posto lá é verdade.
— Tudo bem, não precisa admitir para mim, mas me adiciona aí no WhastApp porque
você vai me passar todas as atualizações sobre o Bundão e os consolos em tempo real. Também
quero o Instagram dele e da Falsiane para eu stalkear…
— Ele não tem Instagram, não usa nenhuma rede social.
— Quem não tem rede social hoje em dia?
— Ele nunca teve, os pais não deixavam quando era mais novo e não teve interesse
depois de mais velho. Ou pelo menos é o que ele me falava. Depois de descobrir sobre ele e a
Fernanda, não duvido que usava disso só pra pegar geral sem que eu soubesse.
— Fernanda do quê? — pergunta, já com o celular na mão e nem percebo que acabei de
entregar o nome da minha ex-amiga.
Nego com a cabeça e me viro para voltarmos lá para baixo.
Bea está empolgada, mas eu não estou. Se ela conseguiu perceber, outras pessoas
também podem conseguir. Talvez seja hora de abrir mão do blog e confiar um pouco mais em
minhas próprias escolhas.
Sinto uma pontada no peito só de pensar em largar algo que se tornou parte de mim, mas
as coisas podem dar muito errado se minha identidade vier à tona.
CAPÍTULO 23

olhar de Gustavo me encontra assim que coloco os pés no jardim, logo depois de fazer Bea
O jurar pelo menos um milhão de vezes que não contará nada para ninguém, nem mesmo seu
namorado, que pode me entregar para o primo.
— Quando vocês duas ficaram amiguinhas pra terem segredos?
— Tá com ciúmes? — pergunto, querendo mudar de assunto.
— Estou — responde com um dar de ombros.
— Tadinho de você. Quer que eu te faça um carinho?
Um sorriso dos mais sem vergonhas se alarga em seu rosto ao concordar com a cabeça.
Imagino o tipo de carinho que ele pensou, mas, para sua frustração, bato duas vezes em
sua cabeça de leve e falo:
— Bom garoto!
Uma risada lhe escapa. Então, ele me envolve com os braços, impedindo que eu fuja,
morde de leve meu ombro e fala um “au, au”.
— Garoto mau, não pode morder.
— E lamber? — sussurra a pergunta no meu ouvido.
O arrepio sobe da ponta do meu dedinho do pé até o último fio de cabelo da minha
cabeça, mas não deixo que ele perceba e bato em seu peito. Não é forte, mas faz barulho e ele me
solta para levar a mão até o local.
— Ai! Tá bom, já entendi, sua onda é BDSM.
Bato novamente.
— Para com isso, leãozinho, eu não quero ser seu submisso, não vou assinar termo
nenhum.
— Achei que tinha deixado claro mais cedo que não pode me dizer essas coisas enquanto
se recusa a me beijar.
Gustavo sorri e morde o lábio inferior. Dá mais um passo em minha direção e coloca
uma mão em minha cintura enquanto a outra segura meu queixo e o levanta, fazendo com que
nossos lábios quase se toquem.
— Então, acho que preciso mudar isso…
A respiração sai entrecortada dos meus pulmões quando sua boca encosta na minha, um
simples toque capaz de ligar cada terminação nervosa do meu corpo.
— A não ser que você não queira…
Ele solta meu queixo e começa a se afastar, mas seguro sua blusa, puxando-o de volta.
— Não ouse se afastar sem me beijar de novo.
Dessa vez não o espero agir primeiro, coloco uma mão em sua nuca e levo a boca até a
dele. Gustavo nem tenta me parar. No segundo que nossas peles se encontram, seus dedos
afundam em minha cintura, tirando qualquer espaço que ainda resta entre nós, exigindo meus
lábios com tanta força que meus sentidos começam a embaralhar. O mundo inteiro se apaga à
nossa volta. Só existem ele e a eletricidade, que percorre cada centímetro de nós.
— Então, alguém sentiu falta do meu beijo? — pergunta entre alguns beijos curtos antes
de se afastar e eu encontrar o sorriso mais convencido de todos em seu rosto. — Se tiver
qualquer outra coisa que não quer que eu ouse fazer, é só dizer.
Reviro os olhos, pois é obvio que não darei meu braço a torcer.
— Você nem beija tão bem assim pra que eu sinta falta e o piercing nem faz diferença.
Para me provocar, ele passa a bolinha entre os dentes, então coloca uma mecha do meu
cabelo atrás da orelha e se aproxima um pouco mais para sussurrar:
— Isso porque você ainda não viu o que posso fazer com ele em outro lugar.
Sinto todo o sangue subir para o meu rosto ao imaginar o que acabou de insinuar.
— Gustavo! — Olho para os lados, mas ninguém parece ter escutado a sem-vergonhice
que saiu de sua boca.
— Eu te beijei, não pode mais reclamar disso — responde. — Você fica a coisa mais
linda vermelhinha desse jeito.
As borboletas reviram em meu estômago com ele me elogiando.
— Você fala essas coisas de propósito, só porque sabe que vou ficar vermelha.
— Também, adoro te ver assim, mas…
Um grito desesperado faz nossa bolha estourar. A frase de Gustavo se perde quando seu
olhar procura de onde veio. Todos correm desesperados, mas logo vejo a senhorinha parecendo
desmaiada sendo carregada nos braços por um dos filhos. Enquanto o completo pavor toma as
feições do garoto ao meu lado.
CAPÍTULO 24

into os braços me envolverem por trás e não preciso me virar para saber que é Gustavo, seu
S perfume o entrega. Viro e o abraço com força. Ele afunda o rosto em meu cabelo. Queria
poder fazer mais por ele do que apenas estar aqui.
Observo o saguão do hospital lotado com os filhos e netos de dona Amélia. Patrick não
para de chorar, se sentindo culpado pela pinga do Natal, mas ninguém sabe se isso teve alguma
relação com o ataque do coração que ela sofreu.
— Eles falaram que os próximos dias são críticos para saber se ela vai precisar de
alguma intervenção cirúrgica e que, devido à idade, o risco da cirurgia é alto. — Seus olhos estão
vermelhos e sinto meu coração quebrar junto de sua voz.
— Ela vai ficar bem! — falo, abraçando sua cintura, e viro o rosto para cima, tentando
dar a ele o meu melhor sorriso de quem está certa do que está falando.
Não tenho ideia se o que estou dizendo é verdade, a situação parece bem grave, mas às
vezes tudo que precisamos é algo que nos dê esperança para aguentarmos mais um pouco.
— Obrigado por ter vindo pro hospital comigo — fala e segura meu rosto entre as mãos,
acariciando minhas bochechas.
Não tinha nem como não ter vindo, nunca o deixaria dirigir nas condições que estava.
Apanhei um pouco para relembrar como dirigir um carro manual, mas no fim deu certo. A cidade
vizinha, onde fica o hospital mais próximo, não é tão longe, apesar de ter parecido a horas de
distância enquanto estávamos no carro sem saber o que estava acontecendo com dona Amélia.
— Só obrigado? Estava esperando pelo menos um beijinho de agradecimento — brinco.
A sombra de um sorriso aparece em seu rosto pela primeira vez desde que chegamos
aqui. E mesmo não sendo nada comparado aos sorrisos largos de costume, meu coração revira no
peito.
Nesse momento os fogos de artifício começam a fazer barulho por toda a cidade. Não
preciso olhar no relógio para saber que horas são.
— Só você para me fazer sorrir depois de algo tão ruim. Feliz ano novo, leãozinho.
Seus lábios descem leves sobre os meus, sem pressa, como se quisessem gravar cada
parte de mim, me explorando com calma.
E parece que, quanto mais lento é o beijo, mais rápidas ficam as batidas do meu coração.
Gustavo faz com que me sinta a protagonista de um filme de romance; a forma como meu corpo
corresponde já foi escrita de diversas formas por diferentes escritores, mas ainda assim parece
algo único só meu e dele.
Por um momento, desejo que compartilhe comigo esse sentimento, que corresponda ao
que mantive guardado por tanto tempo.
Quando se afasta, não consigo conter o sorriso que se abre em meu rosto. Ele arrasta o
dedo por baixo dos meus lábios.
— Gosto quando você sorri, mas amo quando eu sou a razão.
— E quem disse que você é a razão, convencido? — brinco.
— Eu sei. — Dá de ombros. — Assim como você é a razão do meu.
Como pode falar coisas como essas e nomear nossa relação apenas como uma amizade
colorida?
Patrícia o chama na porta do hospital e ele pede um minuto.
Estou observando os dois quando sinto algo peludo encostar na minha perna. Guincho e
pulo para trás. Levo a mão ao peito ao perceber que é apenas um cachorrinho, que está tremendo
e parece amedrontado. Quando o barulho de fogos de artifício ecoa e o animal chora e se encolhe
mais ainda, percebo o problema.
Abaixo ao lado dele e levo minha mão com calma até ele, vendo se não irá me morder,
mas aceita de primeira a carícia e vira os olhinhos de puro desespero para mim. O pelo está
imundo e parece um pouco melado, mas isso não me impede de continuar tentando acalmá-lo.
— Vai ficar tudo bem — falo.
Procuro por alguma coleira ou identificação, mas não parece ter um dono. Ele está
magrinho e com alguns machucados. Provavelmente é de rua ou foi abandonado por algum
irresponsável.
Outro barulho alto ecoa e o cachorro quase entra em desespero para subir no meu colo.
Deixo que se acomode e o abraço, tentando protegê-lo dos fogos que ainda explorem na noite.
— O que você está fazendo? — Gustavo pergunta.
Olho para cima e mostro o que tenho nos braços.
— Ele está com medo dos fogos.
Já espero a repreensão por ter sujado minhas roupas para ajudar um cachorro que eu nem
conheço, mas Gustavo não é meus pais, ele se abaixa e acaricia a cabeça do animal, que abana o
rabinho para ele.
— Ei, eu que te protegi e não recebi abano de rabo — resmungo.
Como se soubesse que eu estava falando com ele, o cachorro lambe minha mão.
— Eu posso ficar com ele? — pergunto, já apaixonada.
Meus pais nunca me deixaram ter um animal de estimação porque diziam dar muito
trabalho e sabiam que eu não iria cuidar, mas eu não ficarei em paz se deixar esse cachorrinho
para trás. Ele precisa de mim.
— Você sabe que não precisa da minha permissão para isso, não é? — responde com
uma risada. — Quer mesmo ficar com ele?
Aceno com a cabeça que sim, como uma criancinha que acabou de realizar seu maior
sonho.
CAPÍTULO 25

cho que nunca estive em uma rodoviária antes, e esta não causa a melhor impressão que eu
A poderia ter. Ainda assim, mantenho o sorriso de quem sabe o que está fazendo.
— Tem certeza que não prefere que eu te leve? — Gustavo pergunta pela milésima vez.
Está se sentindo culpado por me fazer voltar sozinha de ônibus, mesmo que não tenha
nenhuma culpa nisso e eu tenha dado a ideia.
Patrícia pediu ao filho que ficasse mais alguns dias, até que soubessem o que aconteceria
com dona Amélia, mas eu preciso voltar, mesmo que esteja com o coração doendo por não poder
ficar com ele neste momento.
Diferente do seu trabalho montando jogos, ou algo do tipo, não consigo fazer o meu à
distância, pelo menos não antes de entender direito todas as funções que Marcela precisa que eu
exerça.
— Você não vai ficar dez horas na estrada para me levar e voltar, posso muito bem me
virar sozinha. Não vou morrer por pegar um ônibus.
— Dois — ele corrige, porque terei que fazer uma baldeação no meio do caminho.
— Eu vou ficar bem.
Paramos em frente ao ônibus e ele entrega minha mala a um homem que a coloca no
bagageiro, e entendo o motivo de ter falado para que eu deixasse Pirata para ir embora com ele.
Em hipótese nenhuma deixaria meu cachorro ir ali.
Depois de voltarmos para a casa da avó dele na noite passada, demos um banho no
cachorro e descobrimos que ele não era todo preto, como parecia a princípio, uma mancha branca
rodeava seu olho, como um tapa-olho de pirata. E o nome pareceu combinar.
— Você quer ficar lá em casa enquanto eu não volto? A segurança do condomínio é…
— Não se preocupa comigo, Gustavo. O Thiago não é mais uma ameaça, como imaginei
que seria no dia que me mudei.
Ele concorda com a cabeça e me puxa para um abraço.
— Se cuida, leãozinho.
Fico na ponta do pé e dou um selinho rápido em sua boca, ou pelo menos era a minha
intenção, mas ele não permite que eu me afaste tão rápido.
— Vou sentir sua falta — deixo escapar.
— Eu também — responde e as palavras pairam entre nós.
Isso significa que seja lá o que está rolando entre nós, não vai acabar aqui, não é?
— Me avisa quando chegar — pede.
Concordo e ele me beija de novo.
O motorista pergunta se alguém mais vai embarcar.
Eu o beijo.
Ele sorri.
O motorista fala que já podem ir.
— Preciso ir — falo e dou um último beijo antes de correr para entrar no ônibus com um
sorriso bobo no rosto.
Sento-me na janela e dou tchauzinho para ele, que fica lá olhando até que eu o perca de
vista.
Assim que entramos na estrada, pego o celular e rolo pelo blog e o Twitter da Layla. Faz
dois dias desde minha última postagem com a explicação sobre a noite que perdi a memória e
algumas pessoas já estão questionando por onde ando.
Quero contar tudo, quero pedir a opinião delas, mas desde a conversa com Bea, estou
com medo de ser descoberta por mais pessoas. Na verdade, estou com medo apenas de uma
delas, meu pai.
O blog seria um prato cheio para a oposição à sua campanha.
Com o coração apertado no peito, desativo o blog. Depois abro o Twitter, sem olhar
muito o que as pessoas estavam comentando e faço o mesmo.
Uma notificação sobre ter desativado aparece no alto da tela do e-mail que usei para criar
as contas da Layla. Abro para ver o que tem lá e, em meio a vários recados do Twitter e do blog,
um dos assuntos chama atenção por estar escrito: “Proposta de publicidade”.

De: publicidade@trix.com
Para: asdecisoesdelayla@gmail.com
Olá, Layla
Meu nome é Alice e faço parte da equipe da Trix. Estamos todos apaixonados por seu blog e acompanhando
avidamente cada uma das suas postagens.
Vimos que sua base da Trix acabou e que você estava à procura de uma para substituir, mas o que acha de
receber não só a base, mas um kit completo com todas as nossas maquiagens e compartilhar com seus seguidores?
Sabemos que você está passando por algumas situações complicadas e estamos dispostos a oferecer uma
remuneração de dez mil reais como forma de reconhecimento pelo seu trabalho.
Esta é uma oportunidade única de se associar a uma marca de prestígio e alcançar novos patamares em
sua carreira.
Sei que está perdida quanto à parte da carreira, mas acredito que você se daria muito bem trabalhando
como influenciadora. O que acha?
Se estiver interessada em aceitar nossa proposta ou tiver alguma sugestão específica, ficaremos felizes em
discutir mais detalhes.
Esperamos ansiosamente pela sua resposta positiva!
Atenciosamente,
Alice
Publicidade Trix

Ajeito-me na poltrona e releio o e-mail.


Recebi no mesmo dia que fiz a postagem sobre a base.
Será que existe mesmo a possibilidade de isso ser real?
Não, Ayla, você acabou de desativar o blog, deleta esse e-mail e esquece isso.
Mas não o deleto.
Nem o esqueço.
São dez mil reais.
Não posso deletar e esquecer como se não estivesse precisando de dinheiro.
CAPÍTULO 26

bro a porta da casa da minha avó e sou recebida por uma onda de água, que molha meus
A pés. Puxo a mala para cima para proteger minhas coisas. Acendo a luz e vejo que está tudo
alagado.
— Não, isso não pode estar acontecendo — resmungo para as paredes.
Cogito entrar na casa, mas está fedendo, o que me faz questionar de onde veio toda a
água. Não parece ser algo que aconteceu hoje. Os móveis de madeira estão inchados, o piso tem
tacos saltados. Está tudo estragado.
Será que esqueci alguma torneira aberta? Meus pais vão me matar.
Deixo a mala em um canto, junto dos tênis, que já estão molhados, mas não piorarei a
situação entrando com eles na casa. Ando pelos cômodos a procura da origem do vazamento,
para conseguir pelo menos o parar. A cozinha, por ter um patamar mais alto, continua intacta, e é
menos uma preocupação. A água está com um volume maior no banheiro, mas, quando entro,
não encontro nenhuma torneira aberta e volto à estaca zero.
Saio de lá, sabendo que não tem possibilidade de passar a noite aqui. Pego a mala e vou
para o portão.
Tiro o celular do bolso e digito o número do meu pai no automático. Fico encarando o
número ali por um tempo; ele sempre foi a pessoa para quem eu liguei quando precisava de
ajuda, sempre era o primeiro a me socorrer, mas isso foi antes. Não quero ter que ouvir que nem
de uma casa eu sei cuidar sem a estragar por completo.
Abro a lista de contatos, e não tenho muitos números salvos.
Não vou ligar para Gustavo, ele já está com a cabeça cheia com as coisas da avó, não
precisa que eu arrume mais uma coisa para se preocupar.
Sempre fui cheia de amigos, meus dias eram repleto de pessoas, mas no momento que
meus dias deixaram de ser bons, cada um deles desapareceu, e não tenho uma pessoa para quem
ligar e pedir para me emprestar um sofá durante uma noite.
Como se soubesse do meu problema, o celular toca e a foto que Gustavo tirou de nós
dois fazendo o skin care aparece na tela. Os alto-falantes gritam: “Eu vou te beijar como um
idiota beija. Vou me preparar pro dia em que você já não me queira. Mas enquanto você não se
cansa. Eu vou te amar como um idiota ama.”
O idiota do meu coração acelera, e me pergunto se Gustavo está querendo dizer o que a
música diz ou se só escolheu uma música aleatória entre as que eu gosto e nem se deu conta do
que falava. Queria que a opção fosse a primeira, mas acredito mais na segunda.
Levo o celular até a orelha e atendo.
— Oi, Ayla, já chegou? — Sua voz deixa transparecer todo o cansaço e sinto o peito
apertado.
— Cheguei agora.
— Graças a Deus. — Solta um suspiro. — Estava morrendo de medo de deixar você
voltar sozinha de ônibus e alguma coisa acontecer.
— Posso não estar acostumada a andar de ônibus, mas sei me cuidar. Não precisa se
preocupar. Vai cuidar da sua avó.
— Você vai ficar bem aí sozinha?
Olho para os dois lados escuros das ruas sem ter ideia do que vou fazer, mas respondo
como se estivesse em casa e confortável, já deitada na cama:
— Sim.
Nessa hora o Tiozão me assusta ao gritar meu nome. Eu o encontro parado em frente ao
próprio portão.
Levanto a mão para sinalizar que já o responderia.
— Tudo bem — Gustavo responde. — Qualquer coisa você me liga!
— Pode deixar.
— Promete?
Não.
— Claro.
Nos despedimos e encerro a ligação.
— Por que você está parada na porta de casa? Perdeu a chave? — Thiago pergunta assim
que abaixo o celular.
— A casa está alagada, não sei o que aconteceu. Não tenho como ficar lá hoje.
— Você fechou o registro para não vazar mais?
Franzo o cenho sem saber do que está falando e acho que percebe que não tenho ideia do
que é isso, pois fala:
— Me dá a chave, deixa eu ver a situação.
Entrego a ele a chave, que entra na casa e volta alguns minutos depois, falando que não
achou a fonte do vazamento, mas que fechou o registro e amanhã precisará chamar alguém que
entenda para olhar o que aconteceu.
— Posso falar para a sua mãe mandar…
— Não! — interrompo a frase. — Não fala com meus pais, eu vou resolver isso.
— Mas pode ficar um pouco caro, Ayla.
— Por favor, eu dou um jeito. Não vai me ajudar em nada eles ficarem sabendo que
alaguei a casa da minha avó. Só vai fortalecer a ideia de que não sirvo para nada.
— Tudo bem. Você tem para onde ir hoje?
Nego com a cabeça.
— Vamos ali em casa. — Thiago pega minha mala e a leva até a própria casa.
— O que está fazendo aqui? — Marcela pergunta assim que cruzamos a porta.
A casa deles é ainda menor do que a da minha avó, mas com móveis mais novos e a
pintura recém-feita. Tudo bem limpinho e aconchegante.
— A casa dela alagou — explica Thiago.
Uma senhorinha entra na sala vindo de um corredor, que acredito dar nos quartos. Ela
anda bem devagar e se apoia em uma bengala de madeira para auxiliar.
— Moça, quer levar um pedacinho do pudim para… — A frase fica pela metade quando
seu olhar se volta para mim. — O que essa vagabunda está fazendo na minha sala?
É uma voz tão firme e alta que não condiz com a aparência dela.
— Mãe! — Thiago grita.
— Não é quem a senhora está pensando — Marcela fala um pouco mais calma, indo em
direção a ela.
A senhora ignora os filhos e vem correndo em minha direção com a bengala levantada,
como se nem precisasse dela para andar. Completamente diferente dos passos lentos que estava
dando há alguns segundos.
— Tira essa puta da minha casa…
Thiago entra na minha frente e dou vários passos para trás, já quase saindo da casa. Ele
consegue segurar a mãe, mas ela balança a bengala, ainda tentando me alcançar.
Marcela segura meu pulso e me puxa porta afora, falando que é melhor irmos para a casa
dela.
Continuo em choque com o que acabou de acontecer, mas me deixo ser levada. Só
quando consigo recuperar a fala, pergunto:
— Esse ódio todo é da minha mãe?
A mulher concorda com a cabeça e solta um longo suspiro.
— Acredite, minha mãe tem razão em ter toda essa raiva. Laura foi uma grande filha da
puta. Mas ela fica agitada assim por conta da doença, não sei como te reconheceu, ou melhor,
como viu sua mãe em você quando na maioria dos dias não lembra nem quem eu e o Thiago
somos.
Sinto pena dela pela forma que fala sobre a doença da mãe, parece algo que a machuca
bastante. Não deve ser fácil lidar com alguém que você ama não saber quem é você.
Para não aprofundar mais nesse assunto, volto a sondar sobre o passado deles.
— Minha mãe largou o Thiago pra ficar com meu pai? Foi isso?
Com uma risada, ela nega com a cabeça.
— A história é um pouco mais complicada do que isso. Seria bom se fosse apenas um pé
na bunda mal resolvido.
— O que aconteceu entre eles?
— Ele pediu para eu não te contar nada, Ayla, sinto muito. Se você quer saber, terá que
ser da boca dele, não da minha.
— Não acho que ele vá me contar — resmungo.
— Também acho que não, mas deveria.
— Por que não me conta logo? Eu juro que não falo que me contou.
O olhar que me lança é de pura repreensão e me arrependo de ter perguntado antes
mesmo de ouvir suas palavras.
— Promessas podem não ter muito valor pra você, mas têm pra mim e pra ele. Não vou
quebrar a confiança do meu irmão só porque está curiosa.
— Você tem razão. Desculpa.
Ela para em frente a uma casa com uma mureta baixa.
— Essa é a minha casa. Se quiser passar a noite aqui, posso arrumar o sofá pra você. Não
vai ser muito confortável, mas acho que é melhor do que dormir na rua.
FOFOCANDO

Onde está Layla Ávila? A blogueira que conseguiu acumular a soma de quinze milhões
de seguidores em pouco mais de um mês deletou não só o blog “As decisões de Layla” como
também sua conta no Twitter.
Os internautas, alvoroçados com esse novo desdobramento da história, abriram uma
vaquinha on-line para arrecadar fundos para a contratação de um detetive particular que
prometeu descobrir o paradeiro da garota do momento.
De acordo com a descrição da vaquinha, as pessoas responsáveis, que não se
identificaram, contataram um detetive para descobrir a identidade de Layla Ávila. Depois de
descrever quem era a pessoa que queriam encontrar, o homem cobrou uma soma de R$
40.000,00 (quarenta mil reais) para o serviço.
A vaquinha já arrecadou mais de um quarto do valor em suas primeiras horas.
Estou esperando pelo desfecho dos próximos capítulos. O que vocês estão achando de
tudo isso?

Comentários:
KEL: JÁ FIZ MINHA PARTE E DOEI PRA VAQUINHA!
Gia1012: @KEL Parabéns! Acabou de jogar dinheiro fora!
KEL: @Gia1012 SE JOGUEI OU NÃO O PROBLEMA É DE
QUEM? ATÉ ONDE SEI VOCÊ NÃO PAGA MINHAS CONTAS.
Melzinha: Eu só queria abraçar o Crush. Se ele for real, volto a ter fé na humanidade.
Luiza123: @Melzinha EU TAMBÉM QUERIA! Provavelmente tentaria furar
o olho da Layla.
BUNDÃO: TÔ POUCO ME FODENDO PRA ESSA LOUCA! TÔ APROVEITANDO
OS BRINQUEDINHOS QUE ELA ME VENDEU.
Léo: @BUNDÃO isso é sério? Alguém perdeu tempo fazendo fake do
Bundão?
Larissinha:@BUNDÃO KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
MORTA!
Bibi: @BUNDÃO Conta pra gente qual foi sua reação ao abrir a caixa!
BUNDÃO: @Bibi com a quantidade inacreditável de consolos de
todas as cores e tamanhos, aproveitei para testar todos e encontrei
meu verdadeiro amor num rosa brilhante que vibra em várias
intensidades.
Ellen: @BUNDÃO que desnecessário…
BUNDÃO: @Ellen CHEGOU A POLÍCIA DO
POLITICAMENTE CORRETO! FALO O QUE EU
QUISER, A CONTA É MINHA, NÃO GOSTOU,
NÃO RESPONDE!
Ellen: @BUNDÃO nossa, olha como ele
fala o que quiser com um fake.
BUNDÃO: @Ellen VAI SE
FODER ESCROTA DO
CARALHO!
Vivi: @Ellen isso deve ser uma criança de 10 anos
querendo causar na internet.
(Ver mais comentários +)
CAPÍTULO 27

Layla Ávila - 11h


Se vocês querem que eu volte, derrubem a vaquinha.

Bianca T. - 11h
Layla, volta aqui! Não faz isso comigo não, eu tenho ansiedade!

Marcinha — Obcecada por Layla - 11h


Minha ansiedade tem ansiedade!

Lary <3 - 11h


Tô sofrendo mais com seu sumiço do que com a Netflix cancelando minhas séries
preferidas. Não faz isso comigo não.

Sorrio enquanto rolo os comentários desesperados por mais da minha história. Meu
coração não deveria estar tão leve e feliz com isso, mas é como me sinto. Nada do desespero ou
medo de ser descoberta, apenas um enorme alívio por estar de volta.
Talvez eu só precise ser um pouco mais cuidadosa.
Guardo o celular no bolso quando o encanador, que Thiago arrumou para mim, sai do
banheiro, onde estava procurando a fonte do vazamento.
— Não dá para saber de onde está vindo toda a água — fala o homem. — Vamos
precisar quebrar o piso para encontrar.
Claro que vai ter que quebrar! Por que não podia ser algo simples?
E eu ainda pensei que minha vida estava começando a entrar nos eixos… Só se for no
eixo de um caminhão sem freio descendo uma ladeira.
— E quanto isso vai me custar? — pergunto, com medo da resposta.
— Preciso dar uma olhada no material primeiro, não tenho certeza. Talvez algo entre uns
três mil reais.
Três mil reais? Qual foi o salário que combinei com a Marcela? Um salário mínimo?
Quanto é um salário mínimo mesmo? Tenho certeza de que não é o suficiente para cobrir isso.
— Esse é o valor com tudo incluso para me entregar o banheiro pronto para uso?
— Não, o serviço pra recolocar o piso a senhora precisa ver com um pedreiro. Não faço
essa parte.
Ótimo! Era tudo que eu precisava agora!
Falo que entrarei em contato com ele em breve, mas não sei quando esse em breve pode
ser, porque não tenho dinheiro para isso. Não existe nenhuma alternativa que não seja ligar para
os meus pais e explicar o que aconteceu, mas sei que, mesmo não tendo sido culpa minha, eles
encontrarão um jeito de fazer parecer que foi.
Odeio desistir.
Odeio ter que dar o braço a torcer.
Odeio ter que admitir que talvez eles estejam certos e eu não consigo me virar sozinha.
A não ser que você aceite a proposta da Trix, o diabinho fala em minha cabeça.
Seria um dinheiro bem fácil e muito bem-vindo. E se vou voltar com o blog, uma
postagem a mais sobre alguns produtos não vai matar.
O único problema é que não tenho como aceitar essa proposta sem correr o risco de mais
uma pessoa descobrir minha verdadeira identidade. Para fazerem o pagamento, precisariam dos
meus dados e, para me enviarem os produtos, do meu endereço.
Deve ser incrível poder trabalhar como blogueira, ganhando coisas enquanto é paga para
mostrar nas redes sociais, mas não dá para ser influencer sem me expor.
Mas talvez…
Se eu abrisse um CNPJ para a Layla e alugasse uma caixa postal…
Fiz quatro anos de direito e um de estágio trabalhando com contratos, consigo montar
algo bem minucioso para garantir que a Trix mantenha sigilo sobre qualquer dado que tenha
meu. Só preciso descobrir se aquele e-mail veio mesmo deles e não é algum tipo de golpe.
Isso pode dar certo.
AS DECISÕES DE LAYLA

Os Traíras

A VAQUINHA CAIU! E, como prometido, estou de volta.


Agora que o susto passou e o bem triunfou sobre o mal, podemos ir aos assuntos mais
urgentes, pois a princesa aqui está longe de encontrar o seu “viveram felizes para sempre”.
Adivinha quem me ligou ontem? (Na verdade, ligou para o número no Instagram da loja
da Maluca.)
Se você chutou a pessoa que comprou dois mil reais em consolos coloridos, ACERTOU!
Estava na casa da Maluca, tirando algumas fotos dos produtos, quando o celular
começou a tocar. Ela atendeu como qualquer dona de empresa normal, louca para ajudar:
Maluca: Boa tarde, aqui é da (segredo). Como posso te ajudar?
Maluca: Não entendi direito, senhor.
Maluca: O senhor comprou dois mil reais em…
Ela parou no meio da frase para respirar fundo e não rir. Então me olhou e falou sem
som na voz: você vendeu tudo aquilo pra uma pessoa só?
Maluca: Eu entendo, senhor, mas a compra foi feita há mais de uma semana, não posso
aceitar a devolução.
Maluca: Sinto muito, não posso te passar para minha funcionária.
Maluca: Você não pode me ameaçar assim…
Ao perceber pra onde a conversa estava indo, estendi minha mão e pedi o celular. Ela me
passou.
Eu: O que você quer?
Bundão: Que merda de brincadeira foi essa, Layla?
Eu: Que brincadeira?
Claro que me fiz de desentendida.
Bundão: Layla, você não está entendendo a gravidade do que fez. Eu não pude receber a
caixa no dia que mandou. Quando o funcionário encarregado me perguntou o que fazer, falei que
podia abrir e distribuir como presente de Natal em algum bairro carente. Nunca passou pela
minha cabeça que você pudesse estar trabalhando com algo assim. Ele não teve nem coragem de
me contar por celular o porquê de não fazer o que mandei, só falou que era algo íntimo e
guardaria em meu quarto para quando eu voltasse.
Eu queria dizer que segurei a risada, mas não fui capaz. Ri tanto que lágrimas
começaram a escorrer dos meus olhos e eu não conseguia parar. Até a Maluca me acompanhou,
contagiada, mesmo sem saber o que estava acontecendo.
Bundão: Você acha essa merda engraçada? Eu poderia ter levado um processo por
assédio sexual do meu funcionário.
Eu: Nem vem, tenho certeza que a pessoa que abriu viu o que era e percebeu que não era
o produto que você imaginou que seria.
Bundão: Claro que percebeu, mas ele provavelmente fofocou com outras pessoas.
Eu: Você é muito paranoico. Sempre acha que todo mundo sabe de tudo. Você pode ser
rico, mas sua vida não é tão interessante pra isso virar assunto de jornal, não se preocupe.
Bundão: Será que agora, depois de me submeter a essa humilhação, podemos nos
encontrar para conversar?
Eu: Não.
Bundão: Você disse que se eu comprasse toda essa merda iria me deixar explicar e me
ouviria.
Nunca fui uma pessoa de palavra. Já falei diversas coisas sem nenhuma intenção de
cumprir, mas estou tentando ser alguém melhor. Sei que ele não merece uma segunda chance,
mas falei que o escutaria e o deixaria explicar, mesmo que eu não queira nem um pouco isso.
Não é como se eu fosse perdoá-lo.
Eu: Tudo bem.
Bundão: Almoça comigo depois de amanhã?
Eu: Eu estou trabalhando agora, meu horário de almoço é de uma hora só, não acho que
vá dar tempo de ir te encontrar e voltar.
Bundão: Um café ou um jantar mais tarde, então?
Eu: Pode ser, te encontro as sete *no lugar que não vou falar pra vocês*.
Bundão: Quer que eu te busque?
Eu: Não, eu vou sozinha. Até depois de amanhã às sete. Tchau!
Desliguei e coloquei o celular na mesa, o empurrando de volta para a Maluca.
Eu: Desculpa por isso.
Maluca: Eu tinha esquecido completamente o quão diferentes são nossos mundos. Quem
tem amigos que podem comprar dois mil reais em uma coisa que nem sabem o que é?
Esse era o tipo de vida que eu vivia, já gastei mais do que isso em um vestido.
Apenas dei de ombros.
Maluca: Então, no fim das contas, você não conseguiu vender tudo porque entende
muito de marketing digital, né?
Eu: Você me deu um período muito curto de tempo. Prometo que se começarmos a
aplicar tudo isso aqui o negócio vai dar certo. Confia em mim.
Maluca: Nossa, você falou igual a sua mãe agora.
Eu: Vocês eram muito amigas?
Maluca: Melhores amigas, tínhamos até uma aliança da amizade. Fizemos um juramento
que uma sempre estaria lá para a outra. E eu tentei cumprir isso por muito tempo, mas, depois
que ela conheceu seu pai, se sentia envergonhada das amigas aqui do bairro, mesmo que fingisse
que não. Ela tentava parecer a mesma, tanto que o meu irmão acreditava, só que eu a conhecia
bem demais e não estava apaixonada por ela, então conseguia enxergar a verdade.
Ela deu um sorriso triste.
Eu: Será que ajuda se eu disser que sinto muito por isso? Recentemente descobri que
minha melhor amiga estava me traindo com meu ex-namorado, então sei como é a dor de perder
uma amizade que a gente cultiva com tanto amor e carinho.
Maluca: Você conversou com ela depois que descobriu isso?
Eu: Não acho que tenha o que conversar.
Maluca: Você vai dar uma segunda chance para o seu ex e não pra ela? Acha que ela é
mais culpada que ele?
Me senti um pouco na defensiva na hora.
Eu: Não estou dando uma segunda chance, mas prometi que o ouviria se ele fizesse essa
compra.
Maluca: Eu sou bastante contra traição, mas acho que toda história tem dois lados. Se
vai ouvir o dele, acho que ela também merece ser escutada, mesmo que no fim você decida que
realmente não vale a pena perdoar nenhum deles.
Eu: Mas já sei que não quero perdoar nenhum deles.
Maluca: Ao menos escute, nós humanos somos falhos e movidos a paixões. Quando
esse sentimento forte entra no meio, julgar o certo e o errado fica um pouco confuso.
Eu: Mas não deixa de ser errado e os dois sabiam que não teria perdão.
Maluca: Nada é tão simples.
Eu: Às vezes é.
Maluca: Só estou dizendo que se vai deixar seu ex se explicar, dê uma chance para sua
amiga também. Talvez ele jogue toda a culpa nela só pra tentar te ter de volta.
Eu: Mas nem se eu descobrisse que não existiu traição, não existe a possibilidade de
voltar para ele.
Depois de refletir muito sobre essa conversa que tive com a Maluca, resolvi abrir as
mensagens que a Falsiane tinha me mandado no Instagram e eu havia ignorado.
Falsiane:
Layla, eu sinto muito que você tenha descoberto dessa maneira, isso não deveria ter acontecido
e aceito toda a culpa. O que fiz foi errado e você tem toda a razão de não querer me ver nunca
mais, mas não suporto essa ideia. Provavelmente deveria ter pensado isso antes do que fiz, eu
sei. Me perdoa, por favor.
Eu não vou te contar como tudo aconteceu aqui porque tenho certeza de que não quer ler isso
agora, mas eu juro que nunca quis te magoar. Na minha cabeça, achei que de alguma forma isso
poderia acabar bem, que vocês terminariam e um tempo depois nós dois assumiríamos tudo. Eu
fui idiota e me deixei envolver. Estava, na verdade continuo, apaixonada por ele e perceber que
ele não sente o mesmo foi pior do que levar uma facada no peito. Eu te amo. Fiz uma merda
gigantesca e te magoei. Eu preciso de você, me dê uma segunda chance.
Essa primeira mensagem havia sido mandada pouco depois do horário que deixei o bar
quando descobri tudo. Queria sentir um pouquinho de empatia, mas aquele “juro que nunca quis
te magoar” doeu na alma — alguém que não quer me magoar NÃO DORME COM A MERDA
DO MEU NAMORADO! (Calma, Layla, respira, 1, 2, 3, inspira…)
Falsiane:
Sua mãe convidou minha família para passar o Natal com vocês. Tudo bem se eu for?
Falsiane:
Como não me respondeu, eu estou indo. Só me dê uma chance de conversarmos.
Falsiane:
Você não estava lá… Sua mãe disse que você viajou e teve um imprevisto que te impediu de
voltar a tempo, mas você não foi por minha causa, não é mesmo? Sei que está tentando reparar
as coisas com seus pais desde o ano passado. Você não faltaria a essa recepção, eu sei disso.
Depois dessa fiquei me perguntando se ela não tinha ideia de nada do que estava
acontecendo comigo.
Falsiane:
Feliz ano novo. É a primeira vez em cinco anos que passamos separadas e foi uma merda sem
você aqui.
Vocês concordam com a Maluca? Que, se vou ouvir o Bundão, preciso ouvir a Falsiane
também? Não queria ouvir nenhum dos dois, mas, sei lá, vai ver é isso que pessoas evoluídas e
melhores do que eu fazem, perdoam até quem não merece seu perdão.
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
TatianaFaleiros: É como dizia Shakespeare: guardar ressentimento é o mesmo que
beber veneno e esperar que a outra pessoa morra. Escutar e perdoar não quer dizer que vc precisa
voltar a ser íntima de alguém.
EllenFidelisPan: Eu só ouviria msm. E depois tchau. Pra que vou querer ser amiga de
alguém que não confio?
Analizresende: Eu iria me esforçar pra perdoar os dois, mas não iria querer nenhum
deles na minha vida.
Ver mais +
AS DECISÕES DE LAYLA

O Jantar

Preparem o veneno, as facas e qualquer coisa letal que vocês tenham em casa, pois vou
levá-las para jantar com o inimigo.
Vocês definitivamente são pessoas melhores do que eu. A maioria falou que eu deveria
escutá-los, apesar de todos concordarmos com a parte de cortar relações. Entendi até aqueles que
disseram que devo perdoar, mas me manter longe. Só que essa parte do perdoar não é a coisa
mais fácil para uma ariana rancorosa.
Talvez eu não consiga ser tão melhor quanto vocês.
Porém, preciso confessar que, no fundo, estava curiosa para saber qual seria o teor dessa
conversa que ele insistiu tanto em ter.
Afinal, ele acredita mesmo que existe alguma explicação que torne uma traição
aceitável?
Não era como se ele pudesse usar a desculpa do “estávamos bêbados, nem nos
lembramos”, quando não aconteceu apenas uma vez, mas não duvidaria se ele começasse falando
isso sobre a primeira vez que ficaram juntos.
Afiem suas línguas e se preparem para soltar o veneno a cada frase errada que ele disser.
(Pois eu fiz isso.)
Cheguei ao lugar que combinei com ele alguns minutos antes e ele já estava me
esperando.
Bundão: Layla chegando antes da hora marcada, parece que alguém está mudada.
Eu: Você não tem ideia do quanto.
Ele se levantou, me cumprimentou com um beijo na bochecha e aquele leve apertar na
cintura, que um dia já me provocou vários arrepios, mas hoje só me dava repulsa porque eu
pensava com quantas ele estava fazendo isso enquanto ainda namorávamos.
Sentamo-nos e uma mulher veio anotar nossos pedidos, trazendo água e alguns petiscos
para nós. Logo que ela partiu fui direto ao ponto, afinal de contas não estava ali para um jantar
amigável.
Eu: Então, pode começar a se explicar…
Bundão: Você não quer esperar nossa comida chegar?
Eu: Não, eu vim aqui pra isso, então prefiro que comece logo.
Bundão: Tudo bem… Eu sei que não tem nenhuma desculpa que torne plausível o que
eu e a Falsiane fizemos.
Eu: Pelo menos concordamos em alguma coisa.
Sorri pra ele e bati meu copo no dele antes de tomar um gole da água.
Bundão: Você lembra que depois do acidente ficou distante de todo mundo, se fechando
no seu mundinho sem deixar ninguém entrar?
(Contextualizando vocês: ano passado eu sofri um acidente. Tive alguns traumas,
quebrei o braço e precisei ficar de molho por algumas semanas. Foi um período um pouco tenso
para mim.)
Eu: Claro, como poderia esquecer o ponto da minha vida que tudo mudou.
Bundão: Eu e a Falsiane estávamos preocupados com você e começamos a ficar mais
próximos por isso.
Dei uma gargalhada forçada. Sério que ele estava tentando jogar a culpa em mim por ter
sofrido um trauma e estar “fechada pro mundo” durante um tempo?
Eu: Então, tudo começou no momento da minha vida que eu mais precisava de apoio
porque vocês dois estavam preocupados comigo? Agora tudo faz sentido. Eu excluí vocês, então
tiveram que procurar aconchego um no outro. Como não pensei em algo assim? Afinal, se eu não
cuido, é totalmente compreensível que você tivesse que procurar outra que cuidasse, né? É a
natureza do homem.
Bundão: Por favor, Layla, dá pra tirar o sarcasmo da conversa e me escutar
abertamente?
Eu: Não, eu prometi escutar, não ficar calada enquanto você constrói sua narrativa.
Ele suspirou da mesma maneira que fazia sempre que algo o irritava, só que, diferente
das outras vezes, eu estava com o “foda-se” ligado para isso.
Bundão: Tudo bem. Posso continuar, então?
Concordei e o mandei prosseguir.
Bundão: Nós dois começamos a trocar mensagens sobre maneiras de te ajudar, mas com
o tempo isso acabou se tornando mensagens de desabafo, sobre o quanto estava sendo difícil,
sobre você não nos deixar entrar…
Eu: O sofrimento os uniu, tão roteiro de filme isso. Já pensou em vender a história pra
Netflix?
Bundão: Layla!
Passei a mão pelos meus lábios sinalizando que ficaria em silêncio.
Bundão: Com toda essa proximidade, eu fui ficando confuso, meus sentimentos estavam
uma loucura. Eu te amava e queria te ver melhor, e não trate como se isso fosse mentira, eu
passava todos os momentos que conseguia com você. Na época você disse que não sabia o que
faria pra se recuperar se eu não estivesse ao seu lado, te dando força e ajudando a tornar as coisas
com seus pais melhores.
Eu: Acho que podemos concordar em discordar na frase “eu passava todos os momentos
que conseguia com você”, já que arranjou tempo para ir pra cama com a minha melhor amiga.
Bundão: Não foi assim, Layla. Eu te amava, você sempre foi minha prioridade.
Eu: Você só pode estar brincando. Como fui prioridade? Você me traiu! E isso é só uma
traição que eu descobri, né? Podem ter existido outras. Se me amava tanto e me traiu com a
minha melhor amiga, trair com desconhecidas deveria ser de praxe.
Bundão: Só aconteceu com ela, eu nunca te traí com nenhuma outra pessoa.
Eu: Se você está falando, eu acredito.
Vocês acham que exagerei na acidez? Juro que, mesmo citando o veneno no início, não
imaginei que minha raiva ainda estivesse tão grande. Topei esse encontro porque pensei que um
mês depois eu já estaria mais disposta a conversar. Até porque já estava totalmente em outra com
o Crush e não tinha intenção nenhuma de voltar com esse idiota. Porém, os sentimentos pareciam
ser mais complicados do que eu imaginava.
Não sentia falta nenhuma do Bundão, não o amava mais, não o queria na minha vida pra
nada. Porém, o fato de ter ficado com ele durante cinco anos e descobrir que signifiquei tão
pouco, a ponto de ele me trair com outra pessoa que ele sabia que era muito importante para
mim, ainda me deixava engasgada.
Bundão: Um dia, enquanto conversávamos, ela começou a me falar todas aquelas coisas
sobre sentimentos, sobre como estava se sentindo culpada porque achava que tinha se
apaixonado por mim e eu era o namorado da melhor amiga dela. E quando ela falou isso, percebi
que eu também estava um pouco confuso. Eu sabia que te amava, Layla, mas também havia uma
parte de mim que queria a Falsiane. Caso contrário isso nunca teria acontecido. Eu não quero
usar o que você estava passando como desculpa, a culpa foi totalmente minha, mas eu estava
num momento merda e acabei cedendo.
Eu: Você estava num momento merda?
Bundão: Layla, você passou meses me afastando. Eu estava confuso, não sabia o que
você sentia por mim, não conversava comigo. Não foi proposital, eu não queria ter sentimentos
por outra pessoa, mas não sou perfeito, errei, me deixei levar pelo que era mais fácil.
Eu: E continuou se deixando levar várias vezes depois, mesmo quando já tínhamos
voltado ao normal?
Bundão: Não foi bem assim.
Eu: Me explique então como foi, porque continuo confusa.
Bundão: Nós dois fomos embora juntos da sua casa depois daquela tentativa fracassada
de festa surpresa. Quando tentamos te animar e você colocou todo mundo pra fora.
Eu: Eu avisei pra vocês que não queria, que eu não estava no clima para festa. Queria só
nós três e quem sabe o rolo da Falsiane do momento, assistindo um filme e comendo pipoca.
Vocês por algum motivo colocaram na cabeça que eu estava falando isso porque não queria
admitir que queria uma festa e armaram todo aquele circo.
Bundão: Desculpa por tentar fazer algo pra te animar, foi um grande erro mesmo.
Eu: Não, não venha jogar a culpa para cima de mim. Eu tinha avisado e falado o que eu
queria. Não deixei no ar para vocês deduzirem, eu falei.
Bundão: Nós estávamos fazendo isso que você falou praticamente todos os dias,
queríamos fazer uma surpresa, achamos sinceramente que seria uma boa ideia. Fizemos com
todas as boas intenções.
Eu: Tudo bem, suponhamos que foi. Eu briguei com vocês, pedi que fossem embora e
foram se consolar nos braços um do outro?
Bundão: Você faz tudo parecer pior do que foi.
Eu: É porque as coisas passam a fazer mais sentido quando a verdade vem da boca de
outra pessoa, e não da sua mente, que passa pano para seus erros. Aí você percebe que a merda
foi grande mesmo.
Bundão: A merda foi grande, Layla, não estou tentando tirar minha culpa disso.
Eu: Pelo menos isso, né, querido?
Minha língua até tremeu de tanto veneno. Acho que não existe palavra no mundo que me
deixe mais irritada do que quando alguém me chama de “querida” no meio de uma discussão. Se
eu fosse coroar uma palavra como a mais falsa do vocabulário brasileiro, essa levaria o prêmio.
Bundão: Nós dois saímos da sua casa putos pela rejeição do que nos emprenhamos
fazendo. Fomos comer alguma coisa e conversar. E, por mais que eu não quisesse admitir,
enquanto eu me sentia pesado com você, a Falsiane me deixava leve e naquele dia eu queria
aquela leveza. Então, quando ela me beijou, eu não afastei. Quando ela me chamou para subir até
o apartamento dela, eu disse sim. No dia seguinte, acordei me sentindo um merda com o que fiz,
saí sem me despedir e fui levar um café da manhã para te pedir desculpas.
Eu: Só tem um ponto faltando, vocês ficaram outras vezes, não uma única noite.
Bundão: Ela sabia que eu tinha medo de você descobrir sobre aquilo e me deixar, então
usou isso contra mim para que eu continuasse ficando com ela.
Eu: Você tá falando que ela te chantageou para que continuasse dormindo com ela?
Bundão: Agora eu vejo que deveria ter contado a verdade logo na primeira vez.
Eu estava me segurando para não rir, pois a Falsiane, que eu também convidei para a
conversa, estava parada atrás dele com os braços cruzados.
Falsiane: Não foi isso que aconteceu.
A expressão na cara no Bundão foi impagável. Estou pensando em perguntar ao
restaurante se eles têm alguma câmera para eu pegar o print daquilo e imprimir para olhar
sempre que eu estiver um pouco para baixo.
Como a Maluca me aconselhou, eu ouviria os dois lados, mas não seria separado. Eu
queria ver um tentando se explicar com o outro rebatendo suas justificativas. Será que alguém
levaria a melhor nessa?
Estou me sentindo um pouco malvada demais hoje.
Bundão: O que você está fazendo aqui?
Falsiane: Impedindo que você jogue toda a culpa do que aconteceu em cima de mim. Eu
errei, sim, mas não foi nada como o que você acabou de falar. Nunca te chantageei com isso, seu
mentiroso do caralho.
Bundão: É só você chegar que a conversa começa a descer um pouco o nível.
Falsiane: Querido, é impossível eu conseguir chegar tão baixo a ponto de me comparar
ao seu nível.
Bati palmas para os dois.
Eu: Estou adorando essa troca de farpas, mas não foi para isso que coloquei os dois cara
a cara. Se pretendem algum dia ter meu perdão, é melhor essa história começar a fazer sentido. E
apesar de achar que ambos foram babacas comigo, continuo tentando acreditar que tudo
começou por um grande erro.
Falsiane concordou e me perguntou tudo que ele havia me contado. Fiz a ela um breve
resumo. Quando terminei, ela olhou pra ele querendo matá-lo.
Bundão: E essa é a verdade.
Falsiane: Nos seus sonhos, né?
Eu: Me conte a sua versão.
Falsiane: Diferente do que ele deu a entender, que começamos a conversar e nos
aproximar depois do acidente, nós sempre conversamos e fomos íntimos, Layla, você sabia
disso. Nós éramos amigos, eu o considerava meu melhor amigo. Você sabe que eu o procurava
para pedir conselho sobre meus rolos e tudo mais que envolvesse o universo masculino.
Bundão: Você usava a amizade de desculpa para dar em cima de mim.
Falsiane: Me fala um dia que eu dei em cima de você antes de tudo acontecer que eu me
levanto agora e nunca mais falo mais nada sobre isso.
Ele tirou o celular do bolso e mexeu em algumas coisas antes de virar a tela pra nós. Era
um print de uma conversa de WhatsApp, que estava assim:
Falsiane:
*Foto de biquíni*
E aí, o que você acha?
Eu (no caso ele):
Normal
Bundão: Acho que me mandar uma foto quase pelada e perguntar o que eu acho entra
nessa categoria, né?
Ela começou a rir.
Falsiane: Você já veio até com print armado para me colocar como a vilã da história,
né? Bem sua cara mesmo.
Eu: Isso aí foi de bem antes do acidente.
A mensagem era de quase um ano antes do suposto “início de tudo”.
Falsiane: Foi bem antes, e eu não estava dando em cima dele com isso. Eu tinha postado
essa foto no Instagram, e o cara que eu estava ficando na época disse que eu deveria retirar
porque estava muito vulgar e ele não aceitaria que a “mulher dele” servisse pra outros caras
baterem umazinha em casa.
Eu: Lembro disso.
Falsiane: Pois é. Como qualquer pessoa normal, fui perguntar aos meus amigos se eles
achavam que tinha algo “supervulgar” na foto. Então, o Bundão pediu para eu mandar pra ele
porque não estava conseguindo abrir o Instagram. Eu enviei e perguntei o que ele achava. Posso
procurar depois a conversa inteira no meu próprio celular, mas duvido que vá achar, porque eu
passei a apagar todas as nossas conversas no último ano com medo de você pegar meu celular e
ver alguma coisa.
Bundão: Então, você nem tem como provar isso? Inventar uma história é muito fácil. E
me lembro dessa aqui diferente. Você me pediu para ajudar a escolher a foto que iria postar
antes.
Falsiane: Já que você é o rei das provas, poderia mostrar essa parte da conversa
inventada na sua cabeça?
Bundão: Vou procurar e mandarei para a Layla conhecer a amiga.
Bati minha mão na mesa para chamar atenção dos dois.
Eu: Cansei já, próximo tópico… Vocês eram amigos íntimos, como tudo começou?
Falsiane: Depois do acidente, eu fiquei apavorada, Layla. Eu queria estar lá por você,
mas você não deixava. Agia como se todo mundo estivesse contra você, como se não pudesse
confiar em ninguém.
Eu: Eu estava em lugar merda. Minha casa virou um inferno, meu pai passou a me odiar
da noite pro dia, minha mãe nem olhava na minha cara…
Falsiane: Sim, eu sei. E é errado o que vou falar agora, mas eu estava carente de
amizade, eu não tinha com quem conversar. Você sempre foi sociável e tinha outras amigas além
de mim, eu tinha só você. Então, durante todo o seu processo de recuperação, acabei me
apegando a única outra pessoa ali disposta a te ajudar a sair dessa.
Eu: Que maneira legal de provar o quanto sua única amiga era importante na sua vida,
pegando o namorado dela enquanto ela estava deprimida.
Falsiane: Eu não vou rebater isso, porque você está certa, eu fui péssima, não estou
tentando me defender disso. O que fiz foi errado, independente do porquê.
Bundão: Temos alguém tentando pagar de cão arrependido para reconquistar a amiga.
Dessa vez quem bateu na mesa foi a Falsiane, com as duas mãos, e gritou com o Bundão.
Falsiane: Se você não está arrependido do que fez e não quer reconquistar sua
namorada, eu não sei que merda você está fazendo aqui. Você é um tremendo de um babaca!
Não sei como acreditei em tudo que falou, sendo que na primeira oportunidade que teve de falar
a verdade, jogou a culpa em mim. Eu te amei, eu me apaixonei por você e perdi minha melhor
amiga no caminho. Então, eu estou pouco me fodendo para o que você acha ou deixa de achar de
mim.
Ela respirou fundo, talvez tentando se acalmar um pouco, e olhou para mim, deixando o
Bundão a encarando estático.
Falsiane: Sabe por que eu te influenciei tanto a malhar ou a colocar o silicone caso
estivesse insatisfeita com isso? Porque, como você engordou um pouquinho nesse último ano, o
Bundão me disse que você estava começando a ficar mal de novo por não conseguir manter seu
corpo, que ele não poderia te deixar correndo o risco de você entrar naquela depressão
novamente. Eu não queria minha amiga mal, então fui te ajudar a mudar isso.
Eu: Eu nunca reclamei do meu corpo. Na verdade, acho que até comentei que estava me
achando mais atraente com o rosto mais cheio e algumas curvas a mais.
Bundão: Você não dizia, mas eu te conhecia bem o suficiente para saber que isso estava
te incomodando. Toda vez que íamos pra cama, você apagava as luzes e fechava as cortinas.
Eu: Porque eu estava com vergonha da cicatriz enorme na minha barriga, não porque eu
tinha vergonha do meu peso. E isso foi logo no início, durante os dois ou três primeiros meses
depois do acidente. Eu coloquei esse maldito silicone porque achei que você não estava satisfeito
com meu corpo. Porém, como sei agora, o problema não era eu, né?
Bundão: Seu peito ficou incrível. Se quiser jogar a culpa disso pra cima de mim, eu a
aceito.
Falsiane: Meu Deus, estou chocada com como você consegue ser babaca.
Eu: Meu peito está incrível, assim como sempre foi e se arrependimento matasse, eu
estaria morta de ter feito isso pelos motivos errados.
Bundão: Se for só me atacar e achar que o lado dela é a verdade absoluta, acho melhor
eu ir embora.
Ele levantou as mãos em sinal de rendição, ficou em pé, pegou o celular em cima da
mesa e o colocou no bolso.
Bundão: Eu sou culpado sim, mas não por tudo, nós dois fizemos, nós dois temos que
arcar com as consequências.
Falsiane: Eu não neguei isso em nenhum momento.
Bundão: Com você jogando tudo nas minhas costas fica fácil falar isso.
Falsiane: Do mesmo jeito que você estava fazendo antes? Não venha se fazer de vítima.
Nós dois temos culpa e a sua verdade não é a única que existe. A Layla escutou sua versão,
agora, se me deixar terminar, vou contar a minha.
Eu: Concordo com ela, Bundão, você jogou a culpa nela e disse que foi chantageado. Só
quero saber o outro lado da história.
Então ele se sentou novamente e ficou calado. Talvez tenha percebido que, se saísse dali
enquanto nós duas conversávamos, ele perderia todas as chances de negar o que a Falsiane
contasse.
Falsiane: Como eu disse, estava carente e precisando conversar, então isso acabou
criando um laço mais forte com ele do que já tínhamos antes. No dia depois da festa de
aniversário, eu desmoronei. Assim que coloquei o pé para fora da sua casa, desabei a chorar.
Queria minha melhor amiga e não conseguia alcançá-la no meio de todo aquele sofrimento que
ela estava passando. O Bundão me levou pra casa e perguntou se eu queria que ele ficasse um
pouco comigo, respondi que sim. Ele subiu e me abraçou no sofá enquanto eu chorava no ombro
dele. Estava triste e não pensei quando levantei minha cabeça e encostei minha boca na dele.
Eu: Você começou?
Bundão: Claro que ela começou, eu falei que ela me beijou.
Ela lançou um olhar seco para ele e continuou a narrar o que aconteceu.
Falsiane: Sim, eu o beijei primeiro. Ele não me afastou…
Bundão: Eu estava em choque, não estava esperando que a melhor amiga da minha
namorada avançasse pra cima de mim.
Falsiane: Quando finalmente consegui colocar minha cabeça em ordem, me afastei
assustada e pedi mil desculpas, pedi que fosse embora e nunca contasse a você o que eu tinha
feito isso.
Bundão: Você não fez isso, eu fiz.
Falsiane: Ele então voltou a se aproximar e me beijou, perguntando por que era errado
se parecia tão certo.
Bundão: É óbvio que isso é mentira. De que filme tirou esse clichê?
Eu: Qual parte?
Bundão: Ela está invertendo os papéis.
Falsiane: Eu deveria ter me afastado novamente, Layla, me desculpe por não ter
conseguido, mas, como ele disse, naquele momento pra mim parecia tão certo. Parecia que nós
dois deveríamos ficar juntos. Eu sabia que era errado, mas não consegui parar. Acho que não
preciso narrar o resto.
Eu: Eu entendi essa parte de como aconteceu a primeira vez, mas como continuou
acontecendo?
Bundão: Eu já te falei isso.
Falsiane: Cala a boca, eu nunca te chantageei. Olha pra mim, garoto. Você deve se
achar a última Coca-Cola do deserto pra pensar que eu precisaria chantagear alguém por sexo.
Eu me apaixonei, Layla, me apaixonei pelo seu namorado. Depois dessa primeira vez, juramos
esquecer isso e falamos que não voltaria a acontecer, mas aconteceu de novo na semana seguinte
e na outra e, quando me dei conta, já não tinha como fugir daquilo. Eu o amava e por vezes até
me ressenti por achar que você não o amasse, mas ainda assim ele continuava com você
enquanto me falava que iria terminar para ficarmos juntos.
Bundão: Eu nunca te falei isso. Você é muito dissimulada.
O ódio que ele lançou a ela e a lágrima que a Falsiane limpou rápido do rosto deram uma
balançada no meu coração, pois lá no fundo sentia que ela estava dizendo a verdade e que as
palavras do Bundão a estavam machucando. Ela parecia ter mesmo acreditado que era
correspondida e que aquilo poderia dar certo.
Porém, fiz questão de trancar qualquer pena que eu estava sentindo no fundo da minha
alma.
Falsiane: Minha ficha só caiu que eu estava sendo enganada quando você nos
confrontou e ele nem por um segundo pensou em como eu me sentiria com tudo o que falou. Foi
quando percebi que arrisquei uma amizade importante para mim por alguém que nem se
importava com meus sentimentos.
Ele riu totalmente sem vontade.
Bundão: Você só pode estar louca se acha que essa sua historinha vai colar.
Sem responder nada, me levantei e fui embora. E agora eu estou esgotada tentando
encaixar as histórias dos dois para descobrir a verdade entre elas. O que vocês acham de tudo
isso?
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Lavínia: Amada, já toma um eno porque digerir esses dois não vai ser fácil.
Júlia: Ah tá na cara que a Falsiane não foi tão falsiane agora, pena que foi burra de
trocar amizade por macho. Todo mundo sabe que essa receita SEMPRE dá merda.
Pietra: É errado sentir pena da Falsiane? Sei que ela errou, mas já está colhendo o que
plantou.
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CAPÍTULO 28

evo a mão à boca ao ver os dez mil prometidos pela Trix na minha conta.
L Mesmo depois de todo o processo para ter certeza de que não estava sendo
enganada, ainda tinha um leve receio de ser tudo uma farsa, mas com o dinheiro na conta do
CNPJ que abri para minha empresa “Layla Ávila”, as coisas começam a ficar um pouco mais
reais. Ainda não tenho certeza de que foi a decisão certa, mas não posso pensar muito nisso, pois
preciso do dinheiro.
Agora eu tenho como pagar pelo serviço.
Só preciso pensar em como vou divulgar os produtos que chegarão sem mostrar a minha
cara. Mas isso é um problema para a Ayla do futuro; por ora, estou feliz por ter conseguido o
dinheiro para arrumar a casa da minha avó sem precisar recorrer aos meus pais.
O celular vibra em minha mão, e a música Idiota começa a tocar antes do identificador
mostrar quem está ligando. E, como sempre, um sorriso bobo se estica em meu rosto.
Faz apenas uma semana que o deixei na rodoviária, mas sinto a falta dele como se
fossem meses.
— Oi.
— Oi. Onde você está?
— Na casa da Marcela, por quê?
— Porque estou aqui na sua avó e não te encontrei.
Levanto-me do degrau em que estou sentada e tento enxergar a frente da casa da minha
avó, mas não está dentro do meu campo de visão.
— Achei que só ia voltar semana que vem.
— Minha avó teve alta e resolvi voltar mais cedo. Senti saudades.
Meu Deus! Como coisas tão simples são capazes de fazer meu estômago flutuar?
É difícil proteger meu coração quando ele palpita até por uma respiração diferente que
Gustavo dá.
— Também senti sua falta nesses últimos dias.
— Vai me contar então onde é a casa da Marcela?
— Vem andando pro lado da padaria, a casa dela fica quase do lado.
— Está trabalhando num sábado?
— Na verdade, não. Vou te contar tudo.
— Me contar o quê?
— Melhor a gente conversar pessoalmente.
Ainda estamos com o celular na orelha quando ele para em frente ao portão baixo de
Marcela e sorri para mim. Com outro “oi”, desliga o celular.
Ele abre o portão da casa e percebo que está segurando uma coleira. Pirata chega em
mim com o rabinho abanando, e fico me perguntando se me reconheceu, já que só tivemos uma
noite juntos antes de eu precisar vir embora. Abaixo para fazer carinho nele e sou recebida com
uma festa que não estava esperando.
— Você tá tão lindo com essa gravatinha.
Provavelmente Gustavo o levou para tomar banho em algum petshop, pois, além de estar
limpinho, o pelo está macio e cheiroso. Algo que não conseguimos deixar no outro dia.
O cachorro pula em meu colo e eu o aperto em meus braços.
— Eu devia ter te deixado em casa — Gustavo resmunga e olho para ele sem entender
do que está falando, mas, então, completa: — Agora ela só dá atenção para você.
É quando percebo que está falando com Pirata, e não comigo. Dou risada.
Coloco o cachorro de volta no chão e me levanto. Quero pular em seu colo e exigir que
não volte a ficar longe por tanto tempo.
Mas somos amigos.
Com benefícios, mas ainda amigos.
E amigos não devem reagir dessa forma ao se reencontrarem, não é?
Mas como devem reagir, então?
Por um momento, travo no lugar, pensando se continuaremos de onde paramos ou se
voltaremos para o “só amigos”, mas as dúvidas se vão quando ele dá um passo em minha direção
e afunda os dedos em meu cabelo, puxando minha boca para a dele.
Não, não voltaremos a ser só amigos.
Porque só amigos não se beijam como ele faz agora.
— Ei, que sem-vergonhice é essa na minha porta?! — Marcela grita da janela.
Gustavo se afasta e dá um sorriso tão bonito para ela que vai ficar fácil de entender o
porquê da “sem-vergonhice”. Quem negaria?
— Desculpa, eu estava com muita saudade dessa menina. — Seu olhar se volta para mim
e ele acaricia meu rosto, como se fosse a coisa mais normal do mundo e meu coração não
estivesse quase pulando para fora.
— Suponho que você seja o Gustavo.
Ele arqueia a sobrancelha para mim e pisca um dos olhos. Claro que vai zombar depois
por eu ter falado dele para ela.
— O próprio.
— Então, acho que posso dizer que essa menina também estava com saudades de você.
Muito obrigada por voltar, eu já não aguentava ouvir seu nome a cada cinco palavras que ela
dizia.
Abro a boca em um “O” e cerro os olhos para ela.
— Que mentirosa. Nem falei tanto assim de você.
— Tem certeza? — Gustavo pergunta, ainda com o sorriso que faria qualquer garota
derreter aos seus pés.
— Talvez só um pouquinho.
Marcela batuca na janela, impedindo que nós voltemos para nossa bolha, e fala:
— Toque de recolher às dez e é proibido trazer garotos pra casa.
Reviro os olhos para ela.
— Como se fosse possível dormir duas pessoas naquele sofá, né?
— Isso, cospe mesmo na cama que dormiu.
— Não estou cuspindo, só constatando fatos.
— Pegou as chaves da porta? Se você me acordar no meio do meu sono de beleza para
entrar, juro que te mato.
Balanço a cópia da chave que ela havia feito para mim e eu vivia esquecendo.
— Só cuidado para não ficar mal falada na vizinhança.
Gustavo está prestes a responder com algo não tão educado quando explico que essa é a
frase que ela mais escutava da mãe quando era mais nova e hoje em dia usa para tudo. Como no
dia que Thiago apareceu na casa dela com uma blusa florida horrível e ela disse que ele ficaria
mal falado na vizinhança. É meio que uma piada interna da família que agora, de um jeito bem
estranho, eu meio que faço parte.
— Você tá ficando aqui? Decidiu sair totalmente das asas da sua mãe?
— Na verdade, a casa da minha avó estava alagada quando cheguei e agora preciso
arrumar algumas coisas antes de voltar para lá.
Com o cenho franzido, pergunta:
— Como assim? Por que não me contou isso antes?
— Você já estava com a cabeça cheia de preocupações e eu consegui me virar, não posso
esperar que você esteja lá pra me segurar toda vez que der uma merda.
— Mas não é questão de precisar, é questão de eu querer estar lá por você. Não me deixe
de fora dessas coisas.
CAPÍTULO 29

cordo com sussurros e não dou muita importância, porque estou muito cansada. Fiquei
A trocando mensagens com Gustavo até tarde, mas então ouço o nome da minha mãe e fico
mais atenta ao que Marcela parece estar falando, ou melhor, sussurrando, com quem eu
acho ser Thiago.
Ele sempre vem tomar café da manhã com ela.
— Mas existe a hipótese?
— Não sei, Marcela, faz vinte anos, não foi mês passado. Não tenho um caderninho de
notas de todas as vezes que transei com alguém. Só não acredito que ela me esconderia algo
assim.
— Depois de tudo que você passou, não duvido de nada vindo dela.
— Ela me ajudou, foi o marido dela que armou tudo para nos afastar.
Não sei do que estão falando, mas sinto que talvez eu não queira saber.
— Vai ver ela tinha uma razão para te ajudar, estava se sentindo culpada por esconder
sua filha de você.
Meu coração para na mesma hora. Eles estão falando de mim? Não pode ser.
Falei tantas vezes aos seguidores do blog que não estávamos em um filme esperando
pelo plot twist, mas lá está a suspeita deles sendo confirmada, e eu não consigo acreditar no que
estou ouvindo.
— Fala baixo!
— E se a Laura mandou ela para cá para te conhecer?
— Isso seria muito cruel.
— Pensa comigo, logo após vocês voltarem a se comunicar depois de anos, de repente
ela manda a filha para cá e a idade dela bate com a data exata que vocês dormiram juntos pela
última vez.
— Não quero mais conversar sobre isso, por favor.
— Eu sei que você tem medo de descobrir que isso é verdade.
— Claro que eu tenho. Você sabe que eu sempre quis ter filhos. Se eu descobrir que tive
e que ela cresceu sem nem mesmo que eu soubesse da existência dela, isso vai acabar comigo.
— Ayla ainda tem vinte anos, não é tarde demais. Tente convidá-la pra passarem um
tempo juntos.
Se havia qualquer dúvida de que estavam se referindo a mim, ela se esvai neste
momento.
Não sou filha de Thiago. Meu pai pode ser um babaca quando quer, mas é meu pai e
sempre será. Não consigo pensar em uma realidade onde isso não seja verdade.
— Foi por isso que você deixou ela ficar aqui, né? Você acha que ela é minha filha.
— Acho.
— Ela não se parece nada conosco.
— Nem com a família do pai dela. É a cópia exata da Laura.
Eles ficam em silêncio por um bom tempo, e penso em fingir que estou acordando agora,
mas então ele volta a falar.
— Como eu posso descobrir a verdade?
— Teste de DNA.
— Será que não tem uma maneira de fazer isso sem que ela fique sabendo? Porque se,
como a mãe dela está falando, ela não for minha, será muita maldade fazer com que passe por
tudo isso para no fim continuar como está.
— Nisso nós concordamos.
Ele se despede da irmã e vai embora enquanto eu fico ali deitada, ainda com os olhos
fechados, criando mil e uma teorias do que pode ter acontecido antes do meu nascimento.
Marcela falou que a idade que tenho bate com a última vez que Thiago dormiu com a
minha mãe, mas meus pais sempre falaram que já estavam juntos há algum tempo quando
descobriram que minha mãe estava grávida. Talvez a idade bata, mas não o mês exato. Tem
quase vinte e dois anos que tudo isso aconteceu, com certeza Thiago está confuso.
Existe a possibilidade da minha mãe ter traído o meu pai. E talvez, diferente de mim,
meu pai nunca descobriu e continuou com a minha mãe. Ou ele pode ter até descoberto, porém
perdoou e continuaram juntos mesmo assim.
E se isso for verdade, ainda tem a alternativa do meu pai saber que não sou filha dele e
mesmo assim ter me assumido. Assim como tem a possibilidade de ele não ter ideia de nada
disso e ter me criado como sua filha mesmo eu sendo de outro homem.
Espero mais alguns minutos antes de deixar a Marcela saber que acordei e a primeira
coisa que faço é ir contar tudo no blog, pois preciso achar uma solução antes que minha vida vire
um quadro do Teste de DNA no programa do Ratinho.
AS DECISÕES DE LAYLA

Rolezinho Com O Tiozão

Sei que muitos indicaram que eu conversasse com a Maluca sobre minha paternidade e
arrancasse logo o band-aid, mas foram tantas mudanças nesse último mês, que não estou
preparada para passar por algo assim agora. Quero me dar um pouco mais de tempo. Preciso
disso.
Antes de qualquer coisa, eu queria tentar me aproximar e conhecer melhor o Tiozão.
Por essa razão, aproveitei que precisava ir aos correios buscar os recebidos que a Trix
me mandou e fui pedir ajuda a ele (sim, preciso falar sobre isso com vocês, mas vamos deixar
para depois). Perguntei se não poderia me acompanhar, pois estava com medo de me perder por
não estar acostumada a andar de ônibus. (O que é verdade, apesar de não ser o motivo de o ter
convidado.)
Ele trocou olhares rápidos com a Maluca e fingi não vê-la acenar com a cabeça para que
aceitasse.
Tiozão: Tudo bem, eu te acompanho.
Fomos para o ponto de ônibus, que estava vazio. Eu ia começar a sondá-lo, mas ele
puxou assunto primeiro.
Tiozão: Eu fazia esse mesmo trajeto quase todos os dias com a sua mãe. Vocês são tão
parecidas que tive a sensação de déjà vu.
Eu: Vocês parecem ter sido tão amigos. Por que se afastaram tanto a ponto da filha dela
nunca ter te conhecido?
Tiozão: A vida é assim, Layla. Quando somos mais novos, gostamos de acreditar que
levaremos aquelas pessoas conosco para sempre, mas essa não é a realidade. Trabalho e
relacionamentos ocupam cada vez mais nosso tempo e, quando nos damos conta, já tem dias,
meses ou anos que não falamos com aquela pessoa. Até que chega um dia que você percebe que
nem a conhece mais.
Apesar de eu ter certeza de que a história deles tinha mais do que isso, sabia que o que
tinha falado era verdade. Eu e o Crush já fomos muito amigos e depois que comecei a namorar
o Bundão acabei me afastando, até perder todo o contato que tínhamos.
Eu: Mas por que sua mãe e a Maluca a odeiam tanto se foi só o tempo que afastou
vocês?
Tiozão: Eu amava sua mãe, Layla, mas ela não gostava de mim dessa forma. Quando
ela conheceu seu pai, as coisas desandaram entre nós. Sempre achei que um dia ela perceberia
que eu era a pessoa certa pra ela, até seu pai aparecer e eu cair na real de que isso nunca
aconteceria.
Eu: Vocês namoraram antes dela conhecer meu pai?
Ele coçou a cabeça e olhou para os lados, visivelmente desconfortável com o rumo
daquela conversa.
Tiozão: Olha, o ônibus está chegando.
Fez sinal para parar e entramos. Sentamos juntos num assento ao meio e eu insisti na
pergunta. Iria sondar o máximo que conseguisse para descobrir a verdade.
Tiozão: Nós nunca namoramos. É uma história longa e complicada. Sua mãe me
magoou muito, Layla.
Eu: Mas suponho que não queira falar sobre isso.
Tiozão: Não com você. As coisas que ela fez podem parecer ruins e talvez tenham sido
intencionais, como minha irmã acredita, mas eu gosto de pensar no melhor das pessoas. Acho
sim que sua mãe errou em muita coisa comigo, mas não acho que foi proposital. Pessoas
geralmente não são unilaterais, não fazem algo por pura maldade.
Eu: Qual a sua explicação para pais que colocam a única filha para fora de casa?
Tiozão: Eles viram isso como a última alternativa para fazer você enxergar o mundo
como é, e não por dentro da sua bolha de privilégios. Ou, pelo menos, foi o que sua mãe
explicou. Todo mundo erra, Layla. E se você quiser transformar uma pessoa em vilã, você com
certeza vai achar algum momento da vida dela em que não fez as melhores escolhas, mas isso
não a torna alguém ruim, só a torna humana. Porém, essa é uma atitude que eu nunca tomaria,
independente de quão grande fosse a merda que meus filhos fizessem, mas não posso julgá-los
sem saber de tudo que aconteceu.
Sabe aquele tapa que a gente sente no fundo da alma? Foi o que essa resposta me deu.
Eu tinha feito muitas coisas ruins e erradas no passado, mas estava tentando ser alguém melhor.
Por que então eu queria cobrar perfeição dos outros se nem eu era?
Eu: Você tem filhos?
Depois de ouvir a conversa de ontem, sabia qual era a resposta para essa pergunta, mas
a fiz mesmo assim, queria saber como ele reagiria a ela.
Tiozão: Não.
Eu: Nunca teve vontade?
Tiozão: Sempre quis ser pai, porém a única maneira de conseguir fazer isso hoje, é
adotando.
Ele estava me dizendo ser estéril, né? Eu não estava louca de deduzir isso.
Provavelmente foi algum problema mais recente, caso contrário ele não teria dúvidas sobre a
minha paternidade.
O resto do dia ao lado dele foi bem divertido. Nada do que eu estava esperando. Depois
que parei de tentar cavar o passado e as conversas fluíram para terrenos mais seguros, as coisas
mudaram completamente e a tensão que estava presente no início sumiu.
Antes de pegarmos o ônibus de volta para casa, ele se ofereceu para pagar um sorvete
para nós e aconteceu uma coisa estranha.
Na sorveteria, encontramos uma promoção, na qual, comprando duas casquinhas
simples, você levava a casquinha recheada de Nutella de brinde.
Quando pedi que fizesse a minha sem Nutella, ele achou engraçado e soltou um “não é
possível”.
Eu: O quê?
Tiozão: Não é possível que não gosta de Nutella. Que criança de hoje não gosta disso?
Eu: Eu mesma.
Tiozão: Eu sempre achei que não gostava porque não tinha a idade certa para isso,
conheci a Nutella só depois de mais velho e não me cativou, mas achava que era um amor
unânime entre os mais novos.
Eu: Parece que temos mais em comum do que você imagina.
Ele riu um pouco sem graça, talvez pensando na mesma coisa que eu. Genética pode
afetar gostos? Eu não tinha ideia nenhuma sobre isso, mas fui dar um “Google”, como qualquer
pessoa normal (me diz que isso é normal), e descobri uma pesquisa meio chocante de que traços
de personalidade e gostos podem ser cinquenta por certo herdado dos pais (que bizarro).
E saber isso não me deixou nem um pouco mais tranquila.
A moça que estava nos atendendo entregou nosso sorvete e aí veio a segunda
coincidência.
Ele tirou o papel da parte debaixo do sorvete, mordeu a casquinha e chupou. (Sim, eu
sei que é uma maneira estranha de comer sorvete, porque muita gente já me criticou por fazer
exatamente a mesma coisa.)
Quando ele reparou que eu estava olhando, foi a vez dele de perguntar “o quê?”, então
expliquei que eu também fazia aquilo e ele riu.
Tiozão: Provavelmente você aprendeu isso com a sua mãe, assim como eu.
Claro que isso fazia muito mais sentido do que eu ter herdado um comportamento
bizarro na hora de comer o sorvete, né?
Depois disso, voltamos pra casa da Maluca e considerei um dia produtivo, mesmo que
eu não houvesse descoberto muita coisa sobre o passado dele com a minha mãe.
Ou seja, não tenho respostas ainda, só mais dúvidas.
Beijos,
Layla Ávila
Comentários:
Paty123: Meeeeete um DNA, rouba um fio de cabelo e vai fazer. Agonia dessa falta de
resposta. Talvez seja por isso que seu pai é tão grosso com você, sabe que não é filha dele. Meu
Deus! Tudo faz sentido agora!
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CAPÍTULO 30

jeito as costas na cadeira. As noites de sono no sofá de Marcela estão começando a cobrar
A o preço, mas minha casa continua sem água e precisarei aguentar isso por mais alguns dias.
Tem horas que me arrependo de não ter aceitado ir para a casa de Gustavo, com vários
quartos sobrando, mas sei que foi a melhor decisão — não sei como seria dividir a casa com ele
agora que somos amigos que se beijam e não conseguem manter as mãos longe um do outro por
muito tempo.
E, se tudo der certo, poderei voltar para a casa da minha avó na próxima semana.

Layla Ávila - 13h


Eu posso estar sem casa e sem dinheiro, mas minha pele nunca esteve tão boa. Obrigada, Trix, por salvar minha vida com esse kit
de skincare. Nunca erram! <3

Posto com o texto a foto que tirei no dia que peguei o kit nos correios, que, para minha
sorte, não foi apenas de maquiagem. Estou testando há uma semana e fiquei bastante surpresa
com a qualidade dos produtos para uma linha recém-lançada. Não perde em nada para as marcas
famosas que já estão há anos no mercado, e o valor é bem mais em conta do que a maioria,
apesar de ainda serem caros para minha atual situação.
Depois de desviar alguns minutos do trabalho, volto para a análise que estou fazendo de
outros perfis de sexshop para entender o que funciona melhor no nicho. Tenho me esforçado
bastante para dar o meu melhor. É o mínimo que devo a Marcela depois de tudo que tem feito
por mim. Além de que estou gostando bastante de trabalhar com isso.
A campainha toca e vou até lá atender já com a sacola da encomenda na mão. Marcela
falou que a cliente iria até lá pegar e pediu que eu entregasse, mas, quando abro a porta, travo no
lugar. Não é a cliente, e sim a última pessoa que esperava ver.
Bernardo está parado com a cara fechada me encarando.
— Que merda você está fazendo aqui?
— Sou sua cliente — responde.
Deixo meus ombros caírem ao perceber que gastamos embalagem à toa, porque duvido
que dessa vez ele irá pagar por qualquer um dos itens.
— Eu já ouvi suas desculpas, Bernardo, não colou, nós não vamos voltar. Vai embora,
por favor. Não temos mais nada para conversar.
— Acho que temos sim, Layla.
Não, de novo não. Ele não!
A respiração fica presa em minha garganta e sinto como se estivesse sendo presa em uma
armadilha.
— Ayla — corrijo, tentando me fazer de desentendida.
— Você está famosa. Narrou todas as nossas últimas conversas e confessou ter me
mandado as coisas do sexshop. Não adianta fingir que não sabe do que estou falando. Achou
mesmo que isso não chegaria até as pessoas que conhece?
Cruzo os braços e respiro fundo.
— Tudo bem, sou eu. Era isso que queria ouvir? Pode ir embora agora.
— Não. Você vai me deixar entrar porque precisamos conversar. Se não fizer isso, posso
contar para o mundo quem é a pessoa por trás daquela merda.
Abro o portãozinho para ele contra a minha vontade e o deixo entrar.
Não espero nem que a porta se feche por completo antes de perguntar o que ele quer.
— Eu quero que você delete o blog e nunca mais toque nesse assunto — fala e se senta
no sofá, mesmo que eu não tenha oferecido para fazer isso.
— E o que te faz pensar que vou fazer isso? — pergunto, sem nenhuma intenção de
ceder às suas chantagens.
— Você está quebrada, Ayla. Eu posso te ajudar, não precisará pedir mais nada para os
seus pais. Podemos fazer um contrato e combinar um salário para você. Poderá voltar a fazer
tudo o que gosta, comprar de novo seu iPhone, fazer suas viagens.
Seria fácil aceitar essa proposta, mas só a ideia de ele ter esse controle sobre mim me
enoja.
— Quero que você e seu dinheiro se fodam, Bernardo. Prefiro nunca mais sair dessa
cidade do que depender de você.
— Você não pode estar falando sério. Prefere continuar morando nesse lugarzinho, com
essa gentinha, a ter uma vida decente?
A raiva aumenta ainda mais ao ouvir ele diminuir as pessoas que mais têm me ajudado.
— Acho que nós dois temos significados bem diferentes para a palavra decente. Porque
essa “gentinha”, desse “lugarzinho”, é mil vezes melhor do que você jamais foi com todo esse
seu luxo.
— Você sabe que não vai aguentar essa vidinha por muito mais tempo. Estou te dando
uma saída — fala com tanto sarcasmo na voz que tenho vontade de pegar seu rosto e esfregar no
paralelepípedo.
— Quer apostar?
— Aposta é coisa de gente idiota.
— Isso é resposta de gente que tem medo de perder.
— Eu quero aquele blog fora do ar, Ayla! — grita e vejo um lado de Bernardo que não
conheci em nossos cinco anos de namoro.
Ele pode ter tido milhões de defeitos, mas nunca levantou a voz para mim antes.
— Como já dizia minha mãe, querer não é poder. Isso não vai acontecer.
— Você sabe que eu posso tornar sua vida ainda mais miserável do que já é, não é
mesmo?
— Ao contrário do que você acha, minha vida não tem nada de miserável. E me conte
mais sobre como você fará isso.
Bernardo se levanta do sofá e dá alguns passos em minha direção, então toca minha
barriga por cima da blusa no local onde fica cicatriz. Afasto sua mão no segundo seguinte.
— Não me toque!
— Só queria te lembrar das coisas que eu sei.
Demoro alguns segundos para entender a ameaça.
Qualquer respeito que eu ainda tinha por ele acaba. Alguém que está disposto a usar a
pior merda que já fiz na vida como chantagem não merece nada de mim.
— Não acredito que um dia já fui apaixonada por você. Nunca imaginei que pudesse ser
o tipo de pessoa que vai tão baixo para conseguir o que quer. Ninguém sabe quem está por trás
do blog, não faz diferença nenhuma pra você. Nem rede social você usa, nunca vão te encontrar.
— Você não tem ideia das merdas que fala na internet. Eu nunca tive nem mesmo um
maldito Facebook porque odeio pessoas fuçando na minha vida. O que acha que vai acontecer se
alguém descobrir a verdade sobre quem são os personagens do seu blog? Vão acreditar em todas
as mentiras que contou lá…
Não consigo conter uma risada totalmente forçada.
— Mentiras? Sério? Então, como você me ligou ao blog se tudo que contei lá é mentira?
Se você está com tanto medo disso vazar, meu bem, é porque sabe que o que está lá não são
mentiras, e sim verdades que podem desmascarar essa sua imagem de bom-moço. Como pude
ser tão idiota por tanto tempo?
Ele me segura pelos ombros.
— Você está me transformando no vilão da sua história. Eu posso perder meu emprego
por conta dessa sua brincadeirinha.
O empurro, tirando suas mãos de mim.
— Não estou te transformando no vilão, só estou contando o que aconteceu. Se você se
viu dessa forma, aí talvez devesse repensar seus próprios atos.
— Você não tem ideia do que é passar a vida construindo algo, não é? Por isso não liga,
mas já pensou no seu pai? Em como isso o afetará também? Claro que não pensou, né? Você é
uma egoísta que só olha para o próprio…
— Vá embora! — grito, perdendo a paciência.
— Tire o blog do ar, Ayla.
— Não.
— Não quero ter que te ameaçar, mas você não quer que a imprensa saiba a verdade
sobre o seu acidente. Não depois do seu pai ter tido tanto trabalho para não deixar que nada
vazasse.
— Eu te odeio, Bernardo, mais do que eu imaginei que pudesse odiar alguém. Saia! —
Aponto para a porta e dessa vez ele vai.
Quero chorar, gritar, espernear, mas controlo cada uma das emoções dentro de mim
enquanto ele ainda está aqui.
— Deleta o blog e ninguém nunca precisará saber a verdade — fala e ainda tem a
audácia de piscar para mim antes de fechar a porta.
Então, eu desabo no chão e choro, mesmo que a vontade seja de correr atrás do
desgraçado e o esganar por achar que pode me tratar dessa forma. Ele me magoou quando me
traiu, mas nunca imaginei que pudesse ser tão mais baixo.
CAPÍTULO 31

ntro na casa da minha avó depois de o serviço finalmente ter sido feito, mas nada está como
E antes. Os tacos incharam e estão horríveis, assim como os pés dos móveis. As paredes estão
marcadas na altura de onde a água deve ter ficado por dias antes de eu voltar. Isso para não
mencionar o cheiro, que não está muito agradável.
— Minha mãe vai me matar — falo assim que percebo o tamanho do estrago.
Preciso dar um jeito nisso antes que ela descubra.
Os sete mil reais que sobraram com certeza não são suficientes para reformar tudo isso e
comprar móveis novos. Minha avó sempre cuidou tão bem do cantinho dela, e eu consegui
estragar tudo com pouco mais de um mês. Talvez meus pais estejam certos, eu não sei fazer nada
além de destruir coisas.
Não, não vou deixar meus pensamentos irem por esse caminho.
Vou dar um jeito nisso, mas não hoje porque tenho um bolo para fazer.
Marcela chegará em casa por volta das seis horas, e decidi fazer uma festinha surpresa
para agradecer por tudo que tem feito por mim. Ela merece bem mais do que um bolo feito pelas
minhas mãos, algo que nunca fiz, mas nenhuma das boleiras que conheço aceitam pedido tão em
cima da hora e só descobri hoje sobre o aniversário. Então, sobrou para mim e um tutorial no
YouTube.
Tranco a casa da minha avó e volto para a de Marcela. Coloco todos os ingredientes na
mesa da cozinha e ligo o vídeo para acompanhar o passo a passo.
Bato palminhas de felicidade quando o bolo sai inteiro e fofinho do forno. Espero um
pouquinho para esfriar, mas não tenho tanta paciência e desenformo com ele ainda quente.
Continuo seguindo o tutorial, mas, ao terminar, parece que estava assistindo a um vídeo
completamente diferente. Enquanto o bolo dela está em pé e bonitinho, o meu está achando que é
a Torre de Pisa, mas espero que pelo menos esteja gostoso.
Olho para o relógio. Já são quase cinco e meia, então o bolo torto vai ter que servir, já
que os amigos e parentes dela, que pedi para Thiago convidar, devem estar chegando para a
surpresa.
Coloco a vela em cima e ajeito a mesa da sala, onde tentei fazer uma decoração, que
também não foi muito bem-sucedida, mas não podem dizer que não tentei.
Não demora muito para as pessoas começarem a chegar.
— Você me lembra alguém — uma das mulheres, que se apresentou como Cinthia, fala
enquanto esperamos o restante dos convidados. — Parece que te conheço de algum lugar.
— Todo mundo fala que sou a cara da minha mãe. Ela morou aqui no bairro quando era
mais nova, pode ser por isso.
— Qual o nome dela?
— Laura.
Todas as quatro pessoas que já tinham chegado param de conversar e olham para mim
com puro espanto no rosto. Por um momento, me sinto como uma bruxa em Hogwarts dizendo o
nome d'Aquele que Não Deve Ser Nomeado.
— Você é filha do prefeito e da mulher que colocaram o Thiago na prisão?
Meu cérebro entra em pane com essa informação que não faz sentido nenhum. Como
assim, meus pais o colocaram na prisão? Eles não tiveram um relacionamento? Não pode ter sido
algo relacionado à lei Maria da Penha, ela nunca me deixaria próxima e falaria que é uma boa
pessoa nesse caso. E também nem sei se a lei já existia antes do meu nascimento.
— Sou filha deles, mas não sei dessa história — respondo, com a voz morrendo a cada
palavra.
— Ele foi preso por ter roubado da prefeitura, mas foi tudo armação dos seus pais.
— Eles não fariam isso — defendo, mesmo sem saber da história.
Mas será que não?
Não. Meus pais podem ser muita coisa, mas seriam incapazes de prejudicar alguém dessa
forma.
— Seu pai morria de ciúmes do Thiago, sabia que ele era o grande amor da vida da sua
mãe, então resolveu o problema e ela o ajudou. Na verdade, ela fez o trabalho sujo de o fazer
assinar documentos sem que ele soubesse sobre o que eram.
Nego com a cabeça. Isso não pode ser verdade. Deve ter outra explicação.
Nessa hora Thiago chega e todas ficamos em silêncio, encarando-o.
— O que foi? Parece que viram um fantasma.
— É verdade? — pergunto. — Meus pais te colocaram na prisão?
Seu rosto se fecha na mesma hora e ele fuzila as mulheres que acredito serem suas
primas.
— Podemos conversar sobre isso depois? A Marcela já está chegando…
Até cogito a possibilidade, mas não vou conseguir me concentrar em mais nada se não
souber sobre o que estão falando.
— Por favor, me conta a verdade.
Com um suspiro, ele concorda e me chama para irmos até a cozinha para termos um
pouquinho mais de privacidade. Não é como se isso fosse impedir qualquer pessoa na sala de
ouvir, com os dois cômodos praticamente integrados, apenas com um balcão dividindo as áreas.
Escutei até mesmo seus sussurros com a Marcela no outro dia.
Nos sentamos à mesa e fico esperando que comece a falar.
— Eu fui acusado de desviar dinheiro público na época que trabalhava para o seu pai na
prefeitura. Ele era o secretário da educação, e sua mãe pediu que me arrumasse uma vaga, e ele
arrumou, mesmo que não gostasse muito da ideia. Trabalhei com ele durante dois anos antes da
bomba estourar e aparecerem diversos documentos e transferências que me indicavam como a
pessoa que estava fazendo os desvios. Fui condenado e fiquei preso por três anos, mas paguei por
um crime que não cometi. — Ele desvia os olhos dos meus e solta um longo suspiro. — Achei
que depois de tanto tempo fosse ser mais fácil falar disso.
Thiago sorri para mim, mas não tem o brilho comum nos olhos.
— Entendi. Alguém te incriminou, mas porque acham que foram meus pais?
— Porque seu pai era o único que tinha o poder de falsificar todos aqueles documentos, e
acreditam que sua mãe não tinha como não saber também, mas ela jurou para mim que os dois
não tinham nada a ver com aquilo e até pagou por meus advogados. Ela sabia que eu era
inocente, mas não achava que seu pai fosse o culpado da armação.
Bom, eu também não consigo acreditar.
Meu pai pode não ser a pessoa mais fácil de lidar, mas seu trabalho sempre foi correto e
muito bem-feito, sempre o defendi quando alguém falava que todo político é corrupto. Não
consigo acreditar que ele iria tão baixo por ciúmes.
— E se foi outra pessoa? Quem mais trabalhava com vocês? Posso te ajudar a
descobrir…
— Ayla. — Thiago coloca a mão em cima da minha sobre a mesa. — Isso faz mais de
vinte anos, não vou passar o resto da vida em busca de culpados e vingança. Eu sei que foi o
Samuel. Antes disso, seu pai tinha me oferecido dinheiro para me afastar da Laura. Como disse
que nunca aceitaria, ele arrumou outra forma de me tirar da vida dela.
Tenho muitas perguntas ainda para fazer, mas um grupo de pessoas chega e Thiago vai
recebê-las. Pouco depois, alguém avisa que Marcela está chegando, e sou obrigada a guardar
todos os questionamentos dentro de mim enquanto finjo que estou empolgada com a festa, mas
não consigo parar de me sentir mal pela forma que meus pais podem ter prejudicado essa família.
No lugar deles eu teria me tratado muito pior. Agora toda a raiva faz sentido.
— Obrigada por isso, nem lembro a última vez que alguém fez uma surpresa para mim
— Marcela agradece e me abraça forte. — Depois que a gente fica velha, ninguém mais faz essas
coisas por nós.
— Se trinta e seis anos é velha, eu já estou com o pé na cova — Thiago entra na
conversa e puxa a irmã para dar os parabéns.
É tão bonitinho a forma que se tratam, que dá até vontade de ter uma boa relação com
meu próprio irmão, que também é alguns bons anos mais velho do que eu.
Tento estar presente para a festa, mas minha cabeça está longe demais para isso. Queria
poder contar tudo no blog, mas, desde a conversa com Bernardo, não posso postar nada que dê a
ele mais munição contra o meu pai, e isso com certeza seria suficiente para construir uma bomba.
Posso ter sido colocada para fora de casa e não estar falando com meus pais, mas eles
ainda são meus pais e preciso digerir tudo que acabei de descobrir antes de saber o que devo
fazer com essa informação.
Queria que o Gustavo não tivesse que trabalhar até as oito da noite hoje e pudesse estar
aqui. Preciso conversar com alguém que não está envolvido na história, mas ele está trabalhando
em um projeto de um jogo novo, que o obriga a ficar até mais tarde na empresa.
Pego o celular e mando uma mensagem:
Eu:
Odeio seu trabalho tóxico e abusivo que não te liberou para vir à festa.

A resposta não demora nem um minuto para chegar.


Gustavo:
Guarda um pedaço do bolo para mim.
Te compenso mais tarde.
CAPÍTULO 32

irata parece prestes a ter um ataque do coração quando entramos na casa de Gustavo, que
P está abrigando o meu cachorro até eu conseguir voltar para a casa da minha avó, já que não
o deixaria sozinho lá e Marcela tem alergia, ou pelo menos foi o que falou — talvez só não
quisesse um cachorro fazendo xixi por todo lado.
— Você não faz toda essa festa para mim — resmunga Gustavo ao se abaixar ao meu
lado para acariciar o cachorro, que nem dá moral para ele. — Eu que te dou comida e levo você
para passear, cara.
Como se entendesse o que é dito, Pirata responde com um latido — ainda meio tímido,
mas definitivamente um latido.
— Não dê ouvidos para ele, você tem que me amar mais mesmo.
Com as patinhas apoiadas em meu joelho e sem que eu possa prever seu próximo passo,
ele se inclina para frente e dá uma lambida na minha boca que faz com que eu jogue o corpo para
trás e caia de bunda no chão.
Em vez de me ajudar, meu amigo com benefícios quase cai junto de tanto que ri. É só
quando se recupera da crise que risos que tira Pirata de cima de mim e me estende a mão. Com o
cachorro no colo, olha para ele e fala, ainda em tom zombeteiro:
— Você não pode sair por aí beijando a garota dos outros. Vai arrumar uma pra você,
essa aqui já é minha.
Perco uma batida ao sentir o “minha” entrar por meu ouvido e viajar com um bater de
asas até o fundo do meu estômago.
Gustavo o coloca no chão e o cachorro já parece um pouco mais calmo.
Quando seu olhar encontra o meu, estou com os braços cruzados e tentando manter o
sorriso escondido.
— Sou sua, é?
Ele franze o cenho, como se não tivesse percebido a palavra deixar sua boca, mas logo se
recompõe.
— Sim, minha. — Aperta os dedos em meu quadril e me puxa para ele, depositando um
beijo em minha bochecha.
A forma que me olha faz com que eu perca até a noção de onde estou. Respiro fundo,
percebendo que essa é a primeira vez que estamos sozinhos desde nosso primeiro beijo. É a
primeira vez que não precisamos nos preocupar se tem alguém olhando. A primeira vez que não
precisamos parar.
E, por mais que eu tenha desejado isso e imaginado como seria estar com ele, fico em
pânico de pensar que, dessa vez, ele deve estar esperando ir até o final.
Não que eu não queira.
Mas não sei se nossa amizade pode suportar o fim do que temos se avançarmos mais essa
casa.
— Eu… vou… — falo e me viro, entrando pela casa sem saber para onde estou indo,
tentando controlar a crise nervosa que não tive nem mesmo na minha primeira vez.
Bernardo foi o único com quem já dormi, aprendi tudo que ele gosta, sei agradá-lo, mas
não sei como é estar com outra pessoa. E se eu for péssima nisso? E se for esse o motivo dele ter
ficado com outras pessoas?
Droga, para com isso, cérebro!
Acho que preciso de água.
Quero tanto cada parte de Gustavo que chega a doer, mas e se não for bom pra ele? E se
eu arruinar tudo?
Talvez com Bernardo tenha sido mais fácil justamente por isso, ele não fazia meu
coração disparar com um simples sorriso e a ideia de dar errado não me machucava tanto quanto
a de perder meu amigo de novo.
— Ayla.
Gustavo vem atrás de mim, mas não paro de andar até chegar à cozinha.
Tinha esquecido o quão linda é a vista daqui. A melhor de toda a casa, com o vidro
cobrindo quase toda a parede, as montanhas ao fundo viram uma pintura.
Apoio as mãos na bancada, encarando a vista enquanto tento acalmar as batidas em meu
peito. Sinto o cheiro delicioso e vejo que tem algo no forno. Ele está cozinhando para mim?
Ninguém cozinha para o outro sem esperar nada em troca.
Com certeza espera que façamos mais do que trocar alguns beijos essa noite.
Claro que espera; não somos adolescentes, somos adultos. Isso é normal de se fazer
depois um tempo, e eu não deveria estar pirando quando quero que aconteça.
— Ayla, desculpa — Gustavo fala. — Não devia ter falado aquilo. Sei que você não é
minha, nem quero que seja, não se preocupe com isso. Não estou sendo o emocionado que não
sabe separar as coisas, foi só uma brincadeira para deixar o clima mais leve entre nós. Não estou
interessado em você além da amizade, nosso beijo encaixa, mas nunca vai rolar mais do que isso.
Não precisa ficar cismada, tá bom?
Cada palavra que diz é como uma facada entrando direto em meu coração. Ele entendeu
tudo errado. Achou que meu surto era pela forma que me chamou quando, na verdade, meu
coração se derreteu com suas palavras, que não significaram porcaria nenhuma para ele. Foram
apenas palavras. Apenas para deixar o clima leve. Sem um pingo de verdade.
Nós fomos uma grande brincadeira.
O que eu achei, que ele estava enfim me vendo de outra forma? Se apaixonando por
mim?
Sua grande idiota!
Meu coração tenta achar uma saída, diz para a razão que isso não pode ser verdade, que
uma pessoa que não corresponde a outra não faz todas as coisas que ele fez, não diz para a avó
que gosta muito de você, mas ele não consegue vencer a batalha contra a razão das palavras que
acabaram de deixar sua boca.
Parece que estou sendo sufocada, o ar não chega aos meus pulmões.
Está doendo como nunca doeu com Bernardo. Fiquei cinco anos com ele e nem mesmo
sua traição me machucou tanto.
Se eu deixar que isso continue, a situação só vai piorar. Imaginei que seria difícil quando
chegasse a hora de parar com os benefícios da nossa amizade, mas nem de longe se aproximou
da forma que estou me sentindo agora.
— Nós não podemos continuar com isso — falo, tentando não deixar que o nó que se
forma em minha garganta atrapalhe. — Eu não consigo…
Me apresso a secar a lágrima que escorre por meu rosto para que ele não veja.
Gustavo não me olha. Está ao meu lado, com os cotovelos apoiados na bancada, e os
dedos enfiados no cabelo. Encara a bancada como se fosse a coisa mais interessante em todo o
cômodo.
Fica alguns segundos em silêncio e imploro para estar bolando uma grande justificativa
do porquê devemos continuar. Espero viver uma cena de filme, com ele me dizendo que se
apaixonou por mim e que tudo que falou não passa de uma grande mentira, mas a única coisa
que sai de seus lábios depois de toda a demora é:
— Tudo bem.
Ainda espero mais um tempo, na esperança de que continue, porém Gustavo segue em
silêncio. Não tenta argumentar, só aceita minha decisão, deixando ainda mais claro que nós dois
nunca passamos de uma diversão para ele, pois, se tivesse qualquer parte que realmente gostasse
muito de mim, essa parte lutaria, um pouquinho que fosse, mas não é isso que faz, apenas me
deixa ir.
Isso me machuca mais ainda, porque lá no fundo eu esperava que ele me visse de outra
forma, que dessa vez eu fosse a garota por quem ele diria que está apaixonado.
Volto para a sala, e Gustavo não vem atrás de mim. Peço um Uber pelo celular e dou
graças a Deus quando aparece dizendo que está a dois minutos daqui. Pergunto no aplicativo se
posso levar meu cachorro no colo, e ele permite.
Pego Pirata e saio.
Gustavo não me segue.
O carro chega, e eu olho uma última vez para o portão, esperando que ele saia correndo
de lá, pedindo para que eu não faça isso, dizendo que me ama e não pode me ver ir embora de
novo, mas o motorista dá partida e, por todo o tempo, enquanto ainda consigo ver a frente da
casa, ele não aparece.
Engulo o choro. Não posso desmoronar no carro de um desconhecido.
Quero um abraço apertado e alguém para me dizer que vai ficar tudo bem, mas nada
parece que voltará a ficar bem.
Fui até lá na intenção de desabafar tudo que descobri sobre meus pais e acabei sem a
conversa e sem meu amigo.
Parabéns, Ayla!
CAPÍTULO 33

ó percebo que coloquei o endereço de Fernanda no aplicativo quando o carro para em frente
S ao prédio em que ela mora. Estava tão atordoada que coloquei o primeiro endereço da lista,
certa de que me levaria para a casa de Marcela. Nem parei para pensar que não usava o
aplicativo desde que me mudei.
O aperto em meu peito aumenta ainda mais, pois quero subir, quero gritar com ela e
dizer que é uma grande filha da puta, porque agora eu preciso da minha melhor amiga e não a
tenho porque ela dormiu com a porra do meu namorado.
— É aqui mesmo? — o motorista pergunta quando não desço do carro.
Não. É o que deveria ter falado, mas afirmo com a cabeça.
Desço do carro com Pirata no colo e entro no prédio.
— Oi, Ayla, como está? — pergunta o porteiro, Jorge. — A Fernanda vai ficar feliz de te
ver, ela não anda muito bem nos últimos tempos, talvez você a anime. Ela saiu, mas pode subir
se quiser esperar.
Ela sempre deixou minha passagem livre, eu tenho uma cópia da chave e posso ir até seu
apartamento sempre que quiser.
E, mesmo assim, ela ficou com meu namorado lá, sabendo que eu poderia chegar a
qualquer momento e pegar os dois no flagra.
— Não, acho melhor eu ir embora — falo, já me virando para a saída.
— Quer que eu informe que esteve aqui?
— Não. Por favor, não fale que vim. Estou fazendo uma surpresa para ela e se souber
que estive aqui, vai desconfiar.
Acho que a mentira cola, pois Jorge me garante que não dirá nada.
Porém, parece que os céus estão todos contra mim, pois, assim que coloco os pés para
fora da portaria, dou de cara com Fernanda, que trava no lugar.
Nossos olhares se encontram. Respiro fundo, tentando segurar o turbilhão de emoções
que me engasgam, mas basta ela dizer um “oi”, que eu desabo. As lágrimas escorrem e aperto
Pirata contra o meu peito, desejando que ele pudesse me abraçar de volta.
— Ayla. — Fernanda se aproxima e coloca a mão em meu braço.
— Não encosta! — grito em meio às lágrimas.
Vejo a mágoa em seus olhos, mas não peço desculpas. Ela não tem o direito de ficar
magoada comigo depois do que fez.
— O que você está fazendo aqui?
— Seu endereço está salvo na merda do aplicativo do Uber e coloquei errado —
respondo, tentando me controlar.
Parece me estudar por algum momento, antes de continuar com as perguntas:
— Mas por que você não foi embora depois de perceber isso? Por que entrou no prédio?
Respiro fundo e jogo em cima dela tudo que passou pela minha cabeça nos poucos
minutos que estou aqui:
— Porque, por um segundo, eu achei que poderia te perdoar. Precisava tanto da minha
melhor amiga que achei que pudesse deixar para trás o que aconteceu e recomeçar, mas não
posso, Fernanda. E eu te odeio por ter feito isso com a gente. Eu te odeio por não poder mais
correr até você para contar tudo da minha vida, eu odeio que você jogou nossa amizade no lixo.
Eu te odeio. — Não sei como consigo dizer tudo isso entre os soluços do choro, que fazem meu
corpo tremer. — E, mesmo assim, tudo que eu queria era que você me abraçasse e dissesse que
as coisas vão ficar bem, que a porra do meu coração vai parar de doer e que vou superar o fato de
ter perdido todas as pessoas mais importantes para mim…
A frase morre em minha garganta quando ela se aproxima e me abraça da melhor forma
que consegue com Pirata em meu colo. Dessa vez, permito que se aproxime.
— Eu não sei o que posso fazer além de me desculpar, Ayla. Eu me odeio tanto quanto
você. Não suporto as lembranças do que fiz. Nada deveria ser mais importante do que nossa
amizade. Eu só achei… Não, não vou tentar me justificar. Só preciso que me dê uma chance de
consertar as coisas.
Me afasto dela e nego com a cabeça, mesmo que queira gritar que sim, que esteja
sentindo que estou fazendo a coisa errada ao negar isso a ela.
— Eu não confio mais em você, Fê. Não tem como existir amizade sem confiança.
— Não precisamos voltar a ser como antes, só me dá uma oportunidade de recuperar
essa confiança. — O desespero em sua voz faz o nó na minha garganta aumentar ainda mais.
Por que eu tinha que vir até aqui logo hoje? Logo depois de já estar abalada com o
Gustavo.
— Eu nunca mais conseguiria te apresentar a algum cara que eu esteja interessada sem
me perguntar o que aconteceria se eu os deixasse sozinhos. Não tem como isso voltar a
funcionar.
Fernanda concorda e limpa as lágrimas do rosto.
— Eu aceito qualquer migalha que estiver disposta a oferecer, só não consigo aceitar a
ideia de nunca mais te ter na minha vida. Eu te amo, Ayla.
Eu também. Não queria, mas ainda te amo, sua grande idiota. É o que meu coração quer
gritar, mas os muros que ela mesma me fez construir me impedem de falar.
— Você deveria ter pensado nisso antes… — Preciso pausar a frase e respirar fundo para
não deixar minha voz quebrar. — Eu queria muito que tivesse pensado antes, que tivesse me
contado o que aconteceu entre vocês da primeira vez. Sem dúvidas eu ficaria muito chateada,
mas poderia ter te perdoado, porque veria seu arrependimento, mas agora? Se eu não tivesse
descoberto, vocês teriam continuado juntos. Eu te dei a oportunidade de me contar a verdade lá
no bar, e você me tratou com tanta naturalidade, que percebi que não era a primeira vez que
faziam aquilo, vocês estavam me traindo há meses, Fernanda. Só quero que você suma da minha
vida.
Me arrependo da última frase assim que ela sai da minha boca, porque a falei para
machucar, assim como eles tinham me machucado, porém não volto atrás.
Seu olhar desvia do meu, encara o chão, provavelmente sem ter como responder. Seu
corpo treme com o choro e por um momento quero a abraçar de volta igual fez comigo, mas não
somos mais amigas.
Saio do prédio e desabo de novo quando tenho certeza de que não estou mais em seu
campo de visão.
CAPÍTULO 34

cordo com o toque do celular. Não é nenhuma música especial, apenas o toque normal e
A sem graça me avisando que alguém quer falar comigo. Sento-me na cama dura da minha
avó e olho a tela.
É meu pai.
Pirata ainda dorme tranquilo no pé da cama, e o sol que entra pela janela já está
queimando. Faz tempo que não acordo tão tarde, mas não sei que horas eram quando consegui
pegar no sono na noite anterior. Nem mesmo contar tudo no blog sobre o que aconteceu, me
ajudou a ficar mais tranquila.
O celular continua tocando até a ligação cair.
Achei que não conseguiria ficar aqui devido ao cheiro, mas parece que o sol dos últimos
dias deu uma aliviada.
Não posso voltar para a casa de Marcela com Pirata, mesmo tendo quase certeza de que a
história da alergia é mentira. Não posso mais ficar dependendo da ajuda dos outros. Desde que
saí da casa dos meus pais, fiquei pulando de casa em casa para não encarar que estou sozinha. E
se quero provar qualquer coisa para os meus pais, é assim que vou continuar.
Abro o WhatsApp, esperando uma mensagem de Gustavo, mas seu silêncio é
ensurdecedor. E ele ainda falou que essa merda de benefícios não estragaria nossa amizade.
— Idiota! — xingo sua foto com o mesmo nome da música que escolheu para sua
chamada.
O celular toca novamente, dessa vez é minha mãe.
Coloco no silencioso e jogo o aparelho na gaveta antes de ir fazer um café.
Abro a geladeira e só encontro ovos; terá que servir.
Pirata late para mim e é quando me dou conta de que ele provavelmente também está
com fome, mas não tenho nenhuma ração aqui.
— Você come ovo? — pergunto e recebo outro latido. — Isso é sim ou não?
Dessa vez não tenho resposta e corro até o celular para pesquisar na internet, que diz ser
um alimento maravilhoso para cachorros.
Volto para a cozinha sem o aparelho, que continua tocando com a chamada dos meus
pais e começa a me preocupar um pouco.
Pego a frigideira para os ovos e coloco a água em um caneco para esquentar. Enquanto
espero a água ferver, olho para a sala e a imagino com um piso mais moderno e bonito — ficaria
bem mais a minha cara do que os tacos, que agora estão péssimos; não que antes fossem bons,
mas o alagamento os deixou ainda piores.
Os móveis, ainda consigo reaproveitar. Vai dar trabalho, mas posso fazer isso. Uma
reforma feita com minhas próprias mãos pode me ajudar a distrair um pouco a cabeça.
A água ferve e coloco o café para passar enquanto faço quatro ovos mexidos. Dois para
mim e dois para o cachorro faminto ao meu lado, mas os dele sem nenhum tipo de tempero.
Coloco o dele em um pote e deixo ao lado do outro com água no canto da parede.
Sento-me à mesa com os meus ovos e o café e me surpreendo ao constatar que ambos
estão muito bons, pelo menos alguma coisa eu aprendi a fazer direito.
Levo um susto quando a campainha toca sem parar, e Pirata começa a latir, indo em
direção à porta.
Me levanto e vou atrás dele, perguntando quem é, com a esperança de que seja Gustavo
vindo pedir desculpas por ontem, mas quem responde é meu pai.
Você deveria ter atendido a merda das ligações!, grito em pensamentos.
Se eles entrarem e virem o estado da casa, vão me matar.
Abro o portão e os dois me puxam para um abraço apertado, deixando-me
completamente confusa com o que poderia estar acontecendo.
— Graças a Deus você está aqui — fala minha mãe, fungando no meu cabelo.
— Você quase nos matou de preocupação sumindo desse jeito.
Olho para os lados só para ter certeza de que não estão fazendo uma cena para algum
canal de televisão, mas não tem ninguém filmando.
— Eu não sumi, vocês sabiam que eu estava aqui o tempo inteiro.
— Nós fomos te procurar na Marcela, ela falou que você estava com o Gustavo, e o
Gustavo falou que achava que você tinha voltado para a casa da Marcela. Ligamos até para a
Fernanda e ela falou que você passou por lá…
— Espera! Como vocês sabiam que eu não estava na casa da vovó?
Meus pais se entreolham.
— Minha filha, você acha mesmo que te deixaríamos largada sem saber como estava? —
pergunta minha mãe. — Eu cresci nessa rua, liguei para todo mundo pedindo que cuidassem de
você.
— Como é?
— Ayla, nós não te abandonamos, apenas queríamos que você tivesse um choque de
realidade — responde meu pai. — Desde o acidente, falei que precisávamos dar um jeito de te
fazer crescer, pensamos na possibilidade de te mandar para cá, mas acabamos deixando para lá
quando você aceitou fazer tudo que exigimos. Mas depois de toda a loucura de fazer uma
cirurgia sem nos avisar e querer jogar pro alto todo o seu estudo, achei que poderíamos
reaproveitar a ideia.
Seus braços me puxam e me apertam.
— Você nunca deixou de ser minha garotinha.
Pisco os olhos para evitar as lágrimas que se acumulam. Não posso voltar a chorar agora.
Nem sei como ainda existem lágrimas dentro de mim.
Quero abraçá-los na mesma proporção que quero mandá-los para a puta que pariu por
fazerem tudo isso comigo.
— Deixa a gente entrar para eu ver o tamanho do estrago na casa da mamãe — fala dona
Laura, já passando por mim.
— Espera, vocês sabem sobre isso também?
— Nós sabemos de tudo, Ayla.
Porém, os dois param ao abrir o portão e se deparar com Pirata, que tinha ficado calado
durante toda a conversa.
— Talvez não tudo — fala minha mãe. — De quem é esse cachorro?
— Meu — respondo e dou um sorriso amarelo.
— Tudo bem, não são meus móveis que ele vai comer — continua e entra na casa,
comigo e meu pai logo atrás.
Enquanto ela analisa tudo, meu pai passa o braço por meu ombro e fala:
— Nós precisamos conversar, filha.
Levo os dois até a cozinha e pergunto se querem café.
— Quem fez? — perguntam juntos.
— Eu.
Eles se entreolham de novo. Esqueci o quanto é irritante essa forma de sempre
conversarem pelos olhares. Acho que ficam com certo receio, mas decidem aceitar.
— Isso está realmente bom, Ayla — fala minha mãe com um espanto que deveria me
ofender, mas só me faz rir.
E não me lembro da última vez que tive vontade de rir com eles. Toda essa interação está
me assustando — é um brilho que nossa relação já tinha perdido antes mesmo do acidente.
— O que precisam conversar comigo? — pergunto com a ansiedade me corroendo, mas
a pergunta sai mais ríspida do que eu gostaria.
— Ayla, nós sabemos sobre o blog — meu pai fala.
— Que blog? — Tento me fazer de desentendida enquanto a cor vai sumindo aos poucos
do meu rosto.
Os dois trocam olhares mais uma vez.
— Parem de se olhar e falem logo o que precisam falar.
— O Bernardo nos contou sobre o blog, minha filha — mamãe fala.
— Nós passamos a manhã inteira lendo — completa meu pai com uma careta. — E eu
definitivamente não precisava saber tantos detalhes da sua vida amorosa. Muito menos sobre
estar trabalhando com produtos de sexshop.
Agora faz sentido ele ter dito que sabem tudo, pois ELES SABEM TUDO!
Não consigo lembrar se fiz qualquer menção sexual no blog, mas só de imaginar meus
pais lendo algumas coisas que sei que estão lá, vou escorregando na cadeira na intenção de parar
só quando estiver embaixo da mesa.
Porém, antes de sumir lá para baixo, olho para os dois e me ajeito.
Por que eles estão legais e amorosos?
Por que não estão soltando fogo pela boca?
Por que estão preocupados com a minha reação?
— Vocês não estão bravos?
— Não estamos pulando de alegria, se é o que quer saber — meu pai fala —, mas não
estamos bravos, filha. Parece que nos perdemos na nossa comunicação e, em vez de sentar e
conversar, nós te deixamos acreditar que tudo que você fazia era errado.
— Não que você não tenha nos dado muita dor de cabeça nos últimos anos — completa
mamãe —, mas não percebemos o quanto fomos duros com você. E me doeu bastante ler você
falar da família do Gustavo, sobre a forma que são afetuosos e falam que se amam, coisa que
você não escutava com frequência em casa… Nós te amamos, filha, você é a coisa mais preciosa
que temos.
Ela olha para cima e pisca os olhos, abanando o próprio rosto para não chorar.
— Droga, vai estragar minha maquiagem — resmunga.
Levanto da cadeira num salto e a abraço. Forte. Então, estico o braço e chamo meu pai
para se juntar a nós.
— Eu também amo vocês.
Dessa vez ela não consegue conter a lágrima que escorre por sua bochecha. E eu dou um
beijo bem onde passou.
Quando voltamos todos para os nossos lugares, meu pai fala:
— Tem mais uma coisa, filha. Bernardo falou que, se eu não garantir que você tire o
blog do ar, ele irá contar a verdade sobre o acidente, e não acho que ele esteja blefando. — Solta
um longo suspiro. — Como pude me enganar tanto com esse rapaz?
O infeliz, além de ter me traído, não cansa de infernizar a porcaria da minha vida. O blog
é tudo que eu tenho, é a única coisa minha, que construí sozinha. Porém, a culpa do acidente
também é minha e se a verdade vier a público ele pode perder o cargo e se tornar inelegível.
Talvez possa até ser preso.
— Eu deleto o blog — falo.
— Obrigado. — Segura minha mão e deposita um beijo nas costas dela. — E desculpa
por todas as vezes que o defendi.
— Tudo bem, todo mundo erra — comento com um dar de ombros e ele ri.
— Por último, Ayla, você é minha filha, sua mãe nunca dormiu com o Thiago. Ele
inventou essa merda dessa história para tentar nos separar e não sei por que ainda sustenta essa
mentira. Se eu soubesse que ele tinha voltado a morar aqui, nunca teria te mandado para cá. —
Dessa vez o olhar que lança para minha mãe é de pura repreensão. — Não confie em nada que
ele diz, nossa história é muito mais complicada do que um pé na bunda mal resolvido. Ele tem
uma fascinação doentia por sua mãe.
Meu instinto diz para acreditar em cada palavra dele, mas a vida tem me ensinado que
não posso ser tão burra assim. Quero que tudo seja verdade, mas o único que foi preso nesse
disse-me-disse foi Thiago, e talvez meu pai queira acreditar que minha mãe nunca o trairia, mas
e se aconteceu?
Só tem uma forma de descobrir, e eu sei o que preciso fazer, mas meus pais não
precisam saber sobre essa minha desconfiança. Porém, quero saber a versão deles sobre a história
que Thiago contou.
— Ele me falou que você o incriminou e ele foi preso por isso.
— Ayla, ele foi julgado e condenado. Sua mãe acredita na versão de que alguém armou
para ele, eu acredito que a justiça foi feita. E eu quase fui junto por ter ouvido sua mãe e pagado
um advogado para o defender, acharam que eu estava o ajudando porque ele era algum tipo de
laranja para mim, mas revistaram cada uma das minhas contas e perceberam que nunca recebi
nem um centavo de dinheiro ilegal.
— Mas a mamãe falou que ele não era uma pessoa ruim.
— Sua mãe é uma grande tonta quando o assunto são os amigos da infância. A Marcela
quase nos expulsou aos chutes quando fomos te procurar e ela foi o caminho inteiro a
defendendo.
— Ela acha que nós somos culpados pelas coisas que aconteceram com o Thiago! —
minha mãe se defende e recebe um olhar de desdém do meu pai.
Provavelmente tem alguma coisa mal resolvida nesse assunto, mas não sou eu que vou
meter a colher para saber. Eles que se entendam depois.
— Podemos voltar para casa agora? — ela pergunta já se levantando. — Precisa de ajuda
para arrumar a mala, filha?
Olho em sua direção sem entender do que está falando.
— O quê?
— Sua mala, para voltar para casa.
— Eu não vou voltar para casa, mãe.
— Mas achei que tínhamos nos resolvido.
— Sim, nos resolvemos, mas eu não quero voltar. Estou bem aqui.
— Ayla, nós vamos precisar de pelo menos alguns meses para reformar essa casa. Tá
fedendo. Morar aqui e ser vendedora de sexshop não pode ser o seu grande plano de vida.
Parece que voltamos à estaca zero. Não tenho nem resposta para esse ataque.
— Laura, por favor — meu pai intervém.
— O quê? Ela não pode ficar aqui, o plano era só ter um choque de realidade, ela já teve.
Está na hora de ir embora.
— Essa é minha realidade agora, mãe, eu não vou voltar com vocês. Desculpa se achou
que seria só entrar aqui, dizer que me ama para pode me levar de volta. Eu não quero mais viver
debaixo das asas de vocês, quero seguir meu próprio caminho, e, sim, esse caminho está
começando comigo vendendo pintos de borracha. — Uso a pior palavra que penso porque estou
com raiva e quero chocá-la, algo que visivelmente consigo quando seus olhos se arregalam. —
Ainda não descobri o que quero fazer para o resto da vida, mas descobri muitas coisas que não
quero, e uma delas é que não quero mais depender de vocês. Se quero encontrar meu caminho,
preciso fazer isso sozinha.
Meu pai aperta meu ombro e, para minha surpresa, encontro um sorriso em seu rosto.
— Estou orgulhoso de você, filha.
Com isso, minha mãe deixa os ombros caírem, sabendo que perdeu a discussão.
FOFOCANDO

Hoje completa um mês desde a última postagem do blog “As decisões de Layla”. A
garota que conquistou o Brasil com suas histórias inusitadas sumiu sem dar explicação aos seus
leitores, deixando-nos com milhares de perguntas sem resposta.
As hashtags #VoltaLayla e #CadêVocêLayla estão dominando o trending topics do
Twitter desde cedo. Tudo isso é um grito desesperado dos milhares de seguidores que
acompanharam avidamente cada postagem desde sua criação.
O Brasil clama por respostas, Layla!
Devido a isso, voltaram com a vaquinha para arrecadar fundos para encontrar a autora do
blog. Porém, desta vez, não é para a contratação de um detetive. Os criadores entregarão a
quantia arrecadada a qualquer pessoa que tenha informações sobre quem é Layla Ávila.
Comentários:
Martinha: Geeeeeeente eu preciso saber se ela é filha do Tiozão, se o pai dela sabe ou
não sabe da traição.
Lua: @Martinha Tô rindo do seu comentário, mas é de nervoso por me
identificar tanto. Estou do mesmo jeito: “preciso de respostas.”
IDUHASDUHAIS
NAY: @Martinha Ela poderia tanto ser filha do Tiozão!
Fátima: Eu só quero saber que ela e o Crush voltaram e estão vivendo felizes para
sempre. PRECISO DO MEU FINAL FELIZ!
Thelminha: @Fátima MUITO EU ESSE COMENTÁRIO! KKKKKKK
Lari: Eu estou preocupada com ela, espero que esteja bem. Ninguém pensou que algo
pode ter acontecido e por isso ela sumiu?
Barbará: @Lari Isso faria sentido se ela não tivesse deletado tudo. Ela não
poderia deletar uma conta depois de morrer.
Fernanda: Já doei minha parte pra vaquinha!
Bia: @Fernanda Eu também!
Júlio: @Fernanda TREEEES
Rafa: @Fernanda Eu também, trabalho pra isso, pagar por fofoca na internet.
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CAPÍTULO 35

bro o site da vaquinha sinalizado pelo Fofocando e vejo que já tem quase trinta e cinco mil
A arrecadados. Acho que nunca senti tanta falta de algo quanto sinto do blog, talvez só de
Gustavo…
Para! Você não vai voltar a sofrer por ele.
Ainda não consegui entender direito o que aconteceu naquela noite. Ele falou que não
me queria dessa forma, eu terminei tudo e fui embora por não aguentar ficar lá, sabendo que não
era correspondida e nunca mais nos falamos.
Não faz sentido na minha cabeça ele não ter me procurado.
Você também não o procurou.
Bufo para minha consciência, porque se tem uma coisa que eu não vou fazer é ir atrás
dele.
Foi ele que me beijou. Ele que prometeu que não estragaria nossa amizade. É ele que
deve cumprir.
Jogo o celular de lado e volto a me concentrar nos pedidos do site da loja, que tem
crescido bastante, e Marcela já está precisando procurar por um cômodo para montar um
estoque.
Afundei nos estudos de marketing para redes sociais a fim de esquecer todo o restante da
minha vida, que anda o próprio caos, e o resultado está sendo nítido; pelo menos alguma coisa
tem que dar certo.
Ainda preciso melhorar um pouco a parte das artes, mas o YouTube e seus tutoriais têm
me ajudado bastante e acho que já melhorei consideravelmente, mas acredito que meu ponto
forte seja mais a parte de planejar do que montar design.
— Você viu que estão flodando todas as contas de sexshop no Instagram? — Marcela
pergunta e se senta ao meu lado. — Olha isso.
Pelo celular, abre a aba de notificações e, se eu estivesse bebendo algo, essa seria aquela
cena onde a personagem engasga e cospe tudo na cara da outra pessoa, mas, como não é o caso,
apenas fico com a respiração presa na garganta.
Descendo com a barra de rolagem, mostra milhares de notificações nas últimas fotos do
perfil com a mesma pergunta:
“A Layla Ávila trabalha nessa loja?”
Após isso, abre o perfil de outra loja e depois outra e mais outra, todas com o mesmo
tipo de comentário.
— Meu Deus — falo, fingindo não ter ideia do que estão falando. — Quem diabos é
Layla?
— Fui pesquisar e parece que é uma pessoa que criou um blog e sumiu, aí estão tentando
encontrar ela, porque a única informação que deu de relevante era que estava trabalhando em um
sexshop.
— Nossa!
— As pessoas são muito desocupadas mesmo para ficarem enchendo o saco com isso.
Quem se importa com a porcaria de um blog? Não vou achar mais os comentários das clientes
com esse pessoal fazendo isso.
— Pois é, né? Uma total falta do que fazer.
Ela me deixa sozinha de novo, cuidando do estoque, e abro o Twitter em minha própria
conta para entender o que está rolando, pois tenho certeza de que tudo isso começou por lá. E
fico em choque ao encontrar meu nome, ou melhor, o da Layla, no Top um dos assuntos mais
comentados.
As pessoas estão caçando cada sexshop existente no Instagram para poder encher de
mensagens.
Tomei tanto cuidado para não dar nenhuma dica, mas não pensei que pudessem se dar
tanto trabalho só para descobrir quem eu sou. Depois de ser esquecida pelo garoto por quem eu
estou apaixonada, não esperava que desconhecidos fossem se empenhar tanto por mim.
Thiago chega na casa de Marcela e percebo que já está na hora do café, todos os dias ele
vem pontualmente e sempre traz algo para comer; hoje tem três pedaços de bolo de cenoura.
Fecho o Twitter e me levanto para passar o café.
Ao sentar à mesa da cozinha, Thiago solta um longo suspiro e afunda o rosto nas mãos.
— Cansado? — pergunto.
— Frustrado — responde. — Fui mandado embora, de novo.
— O que aconteceu?
— O mesmo de sempre, descobriram meus antecedentes e não querem um “ladrão”
trabalhando para eles.
— Sinto muito.
Recebo um sorriso em resposta e me sinto um pouco culpada por não fazer nada por ele,
mesmo que tenha pedido para deixar isso quieto. Vejo Thiago se desdobrando todos os dias entre
cuidar da mãe, da irmã e trabalhar, mas nunca é o suficiente para apagar o passado.
Passado que pode ser uma grande mentira por culpa dos meus pais.
E se meu pai só mandou que eu ficasse longe dele por medo da verdade vir à tona?
Encosto na bancada e olho para o teto, desejando uma situação mais fácil. Minha relação
com meu pai melhorou tanto nesse último mês, queria tanto que ele fosse o certo da situação,
mas e se não for?
— Ayla… — Marcela volta para a cozinha. — Por que uma pessoa perguntou se eu sou
a Maluca, dona da loja, que derrubou vários pintos na primeira vez que vi a Layla? Você contou
sobre aquele dia para alguém? Por que ela me chamou de maluca? E por que está te chamando de
Layla?
Franzo o cenho e aperto os lábios.
— Eu não tenho ideia…
— Ayla, você sabe que é uma péssima mentirosa, né?
Solto um longo suspiro e começo a contar toda a história, pois sei que Marcela não irá
me deixar em paz enquanto não entender direitinho o que está acontecendo.
— Eu deveria te demitir por ter me apelidado de Maluca — responde depois de ouvir
tudo com a maior atenção do mundo.
— Vocês não podem contar para ninguém sobre isso. A história acabou tomando uma
proporção maior do que imaginei e o meu ex-namorado me chantageou para que eu tirasse do ar.
— Te chantageou com o quê? — Thiago pergunta.
Por mais que eu confie nos dois, não posso dar às pessoas que odeiam meus pais um
segredo de família. Então, minto:
— Um vídeo que ele tem meu em um momento íntimo.
— Que babaca! — Marcela fala.
— Se quiser, posso juntar uns amigos para dar uma lição nele — Thiago completa.
— Não, eu só quero nunca mais ver esse garoto na minha frente.
Marcela, agora ainda mais curiosa com toda história do blog, continua procurando mais
sobre o assunto e fica um pouco menos frustrada com o apelido ao perceber que, mesmo sendo
chamada de Maluca, conseguiu ganhar o coração do povo.
— Meu Deus, estão oferecendo até recompensa para quem souber sobre o seu paradeiro.
— Ela ri e mostra para o irmão.
— É melhor tomar cuidado com isso, Ayla, as pessoas podem ficar bem tentadas com
essa quantia — Thiago fala. — Não é bom confiar esse segredo a qualquer um. Juro que posso ir
socar o rostinho desse seu ex pessoalmente se isso vazar e ele soltar esse vídeo seu. Pode contar
comigo para o que precisar, tá bom?
Sua mão aperta a minha em cima da mesa e fico feliz com sua preocupação. Não tem
como acreditar nas palavras do meu pai com alguém agindo dessa forma.
E novamente me sinto culpada por não fazer nada em relação à prisão dele.
Ele se levanta para lavar a xícara, mas digo que não precisa se preocupar, que eu lavo.
Vou até a pia com toda a louça, mas deixo a dele separada, de forma que nem um pingo de água
chegue perto.
Assim que sou deixada sozinha de novo na cozinha, vou até a bolsa e tiro o kit para
coletar as amostras de DNA, que comprei na internet e esfrego o cotonete por toda a beirada da
xícara, torcendo para ser o suficiente. As instruções dizem para coletar direto da boca, mas não é
como se eu pudesse pedir que abrisse a boca para esfregar esse negócio sem que ele desconfie de
nada.
FOFOCANDO

Após uma incansável busca pela verdadeira identidade de Layla Ávila, finalmente temos
um nome.
A blogueira que conquistou o Brasil é na verdade Ayla Andrade, filha do prefeito da
cidade de Três Lagoas, município do estado do Rio de Janeiro, Samuel Andrade, e da socialite
Laura Andrade.
A bomba acabou de estourar no Twitter quando o perfil responsável pela vaquinha
sinalizou que a encontraram. Ainda não conseguimos contato com Ayla e sua família para a
confirmação, porém já foram checados vários fatos que batem com as descrições do blog.
Ayla Andrade começou a cursar direito há quatro anos e não voltou para os dois últimos
semestres no início deste ano, além de estar trabalhando com Marcela de Lima, conhecida como
Maluca, no sexshop Pimentinha.
Ainda não se tem informação sobre todas as pessoas apresentadas no blog, mas traremos
tudo em primeira mão para vocês.
Comentários:
Gabrielle: ELA É FILHA DO PREFEITO DA MINHA CIDADE, MEU DEUS! Essa
garota é um nojo em pessoa.
Joyce: @Gabrielle Se eu tivesse o dinheiro que ela tem, também seria.
Bianca: @Gabrielle Talvez você saiba quem é o Crush também? Ou o
Bundão?
Gabrielle: @Bianca Não acompanho o blog, nem sei de quem está
falando.
Paty: BABAAAAADO! Louca para saber os próximos capítulos dessa história. Será
que ela vai se pronunciar ou vai deixar o blog morrer de vez?
TPBM: EU QUERO SABER QUEM É O CRUSH, O BUNDÃO, A FALSIANE, A
MALUCA, O TIOZÃO… PRECISO DESSA INFORMAÇÃO PRA ONTEM!
Ssacha: Alguém já descobriu quem é o Bundão para irmos nas redes sociais encher de
hate?
Tamirez: Tomara que esse Samuel Andrade se ferre descobrindo que foi corno e nem a
filha dele é dele.
Thiago: @Tamirez Imagina o babado que não vai ser isso na cidade que ele é
prefeito? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Mona: MEU DEUS! MEU DEUS! MEU DEUS! Vou ficar aqui no F5 esperando a
identidade do meu crush supremo para stalkear em todas as redes sociais.
Vivi: @Mona Achei que eu era a única com essa expectativa.
Mona: @Vivi Preciso colocar um rosto nos meus sonhos. E talvez seja até
bom que ele e a Layla não estejam mais juntos, porque agora está livre pra
ficar comigo. Já vou começar a fazer minha mala para me mudar para Três
Lagoas.
Lorena: Ela deu a entender que a família era rica, mas eu não achei que era tão rica
assim. Vocês pesquisaram sobre eles? Estou em choque com a quantidade de dinheiro
que têm. Uma das famílias mais tradicionais do Brasil.
Fabio: Marca o Ratinho aí pra ele convidar a Layla com os possíveis pais pra fazer o
teste de DNA ao vivo, por favor, nunca te pedi nada.
Beatriz: @Fabio Imagina? KKKKKKKK
Pablo98475: @Fabio Melhor comentário. Tragam um prêmio para esse gênio.
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CAPÍTULO 36

odo meu corpo parece desligar ao ver minha identidade ser anunciada em cada site e página
T de fofoca. O celular não para de tocar, tanto com chamadas quanto com mensagens
chegando em todos os aplicativos possíveis.
Então, a campainha começa a tocar, mas não consigo me mexer. Acho que não tem ar
suficiente neste quarto. A vista escurece e aperto os olhos com força.
É muito barulho.
— Ayla! — Ouço a voz dos meus pais me chamando.
Os dois aparecem na porta do quarto.
— Eu juro que não sei quem fez isso, pai.
Ele se senta na cama e me puxa para os seus braços.
— Nós vamos dar um jeito nisso, filha.
Suas palavras me levam de volta para a noite do acidente. Todos fugiram enquanto eu
fiquei presa entre as ferragens do carro. Levo a mão até a barriga, sentido a dor como se estivesse
lá. Mas, ao olhar para ela, não vejo o sangue, porque eu não estou lá, mas a sensação de
incapacidade é a mesma.
Só me lembro do desespero até que meu pai chegou e falou que daria um jeito.
Ele estava puto comigo, mas não saiu do meu lado por nenhum segundo enquanto eu era
conduzida até o hospital.
— O Bernardo? — pergunto.
— Minha equipe já está tentando falar com ele, Ayla. Vamos tentar controlar a situação
da melhor forma possível.
— Desculpa, pai.
O celular dele toca e ele me solta para poder atender. Minha mãe toma seu lugar e
continua dizendo que vai ficar tudo bem, mas eu estou ouvindo a conversa do meu pai no
corredor e nada parece bem.
As coisas só pioram quando ele volta ao quarto e fala:
— O Bernardo já vendeu a história para um jornal. — Apesar da calma em sua voz, sei
que está se esforçando muito para permanecer assim.
— O que faremos? — pergunta minha mãe, arrancando de minha boca as palavras que
não consigo dizer.
— Nos preparamos para a tempestade da melhor forma que conseguirmos.

Ouço minha mãe gritar com alguém na entrada da casa, perguntando o que está fazendo
ali. Queria ficar sozinha, mas ela se negou a me deixar lá depois de ver o estado de choque em
que fiquei.
Parece querer compensar o tempo que fingiu não estar nem aí para mim, porém me sinto
sufocada tendo-a tão perto assim. Me acostumei com a liberdade e está sendo difícil ter que dizer
a ela cada passo que darei.
— Eu só queria saber se a Ayla está bem. — Reconheço a voz de Fernanda.
Não tenho certeza se veio mesmo saber se estou bem. Olhei o Instagram dela mais cedo
e vi os inúmeros ataques de ódio que está sofrendo por conta do blog. Eu causei isso, todo o ódio
a ela foi incitado por mim.
— Depois do que você fez com a minha filha, não acho que tenha o direito de saber nada
sobre ela.
— A senhora tem razão, não tenho, mas vim mesmo assim. Pode só perguntar para ela se
quer me ver?
— Não, acho melhor você ir embora.
Levanto-me da cama, onde estive escondida do mundo embaixo das cobertas, e vou até a
sala. Encontro Fernanda com os olhos inchados, cabelo desgrenhado e um conjunto de roupas
que parece algum pijama parada em frente à porta.
— Pode deixar, mãe.
Seu olhar encontra o meu e sinto como se uma mão bem grande esmagasse meu coração
dentro do peito. Nunca imaginei que pudesse sentir tanta falta de alguém que me machucou
tanto. Queria minha melhor amiga do meu lado.
— Ayla. — Ela se aproxima, já com lágrimas em seus olhos.
Por um momento, meu orgulho vacila e eu a abraço, querendo chorar em seu colo e
contar tudo que está acontecendo, todas as coisas guardadas a sete chaves dentro de mim porque
não tenho com quem dividir. Desabafar sobre o quanto meu coração está doendo por Gustavo
não ter nem sequer mandado uma mensagem perguntando se estou bem. Falar sobre como minha
cabeça está confusa com todo o disse-me-disse entre meus pais e Thiago. E chorar porque, em
breve, o pior dia da minha vida se repetirá em cada jornal e dessa vez nem mesmo meu pai
poderá me proteger.
— Eu não quero que você suma da minha vida.
Seu corpo treme com um soluço e ela aperta ainda mais forte o abraço.
— Mesmo se quisesse, eu não iria desistir de nós.
— Ainda não consigo voltar com as coisas como eram antes, Fê, mas não quero mais te
odiar.
GLOBAL

SAMUEL ANDRADE, PREFEITO DE TRÊS LAGOAS, USOU MAIS DE DOIS


MILHÕES DO DINHEIRO PÚBLICO PARA ACOBERTAR A FILHA
Na noite do dia 27 de setembro de 2018, um carro invadiu os jardins da prefeitura de
Três Lagoas e destruiu a fonte histórica da cidade. Até onde todos sabiam, os envolvidos
fugiram, abandonando a cena do crime. O carro usado havia sido dado como roubado alguns dias
antes e os suspeitos não foram encontrados.
Agora, no entanto, a história ganha um novo capítulo.
Ao que parece, o carro era, na verdade, de Ayla Andrade, filha do prefeito, que, em uma
noite de bebedeira com os amigos, achou que seria uma boa ideia invadir a prefeitura. Ela e uma
turma de amigos, usando as chaves do prefeito, entraram lá, mas não estavam preparados para os
alarmes de segurança e fugiram logo em seguida.
A polícia apareceu no local a tempo de ver os suspeitos entrando no carro e começaram
uma perseguição que não durou nem um minuto, pois Ayla perdeu o controle do carro e invadiu
o jardim em frente à prefeitura.
Seu pai foi avisado pela equipe de polícia e, ao que tudo indica, o homem fez algumas
generosas doações para garantir que todos que presenciaram o ocorrido mantivessem o sigilo.
Depois das “investigações” dadas como concluídas por falta de suspeitos, houve uma
grande reforma da fonte, que ficou avaliada em dois milhões de reais, tudo pago com o dinheiro
público.
Todos os envolvidos deverão prestar contas à justiça.
A reportagem completa sobre o ocorrido você poderá acompanhar no jornal às oito horas
da noite, horário de Brasília.
CAPÍTULO 37

Gustavo - 13h
Talvez você me conheça como Crush ou como Gustavo mesmo, talvez você tenha gostado de
mim, talvez não, mas espero que esteja disposto a me ajudar.

Gustavo - 13h
Há alguns dias, passei de um completo desconhecido, seguido apenas por aquelas tias que
comentavam “lindão, saudades” nas minhas fotos, para uma subcelebridade convidada para
participar de A Fazenda. (Mentira, ainda não alcancei essa popularidade.)

Gustavo - 13h
O problema é que não tenho ideia do que tinha sobre mim no blog. Será que alguém tem uma
cópia ou prints do conteúdo?

Bea - 15h
Te mandei no WhatsApp!

Larinha - 15h
Qual o whastapp dele? Meu cachorro pediu pra perguntar.
Paloma - 16h
Minha gata também queria saber!

— Bea, sua traidora! — falo para a tela do celular enquanto digito a mensagem dizendo
o mesmo.
Eu:
Você falou que ia manter segredo e está enviando as postagens do blog para ele?
Vou ser humilhada de novo quando ele perceber que terminei tudo justamente por estar
apaixonada enquanto ele estava “foda-se” pra mim!
Ela visualiza a mensagem, mas não responde.
Jogo o celular de lado e gemo em frustração por não ter nada que eu possa fazer sobre
isso ou sobre qualquer outra coisa.
Estou em uma espécie de limbo, esperando para saber o que acontecerá comigo agora
que todos sabem a verdade sobre o acidente, que foi narrado da pior forma possível, e passei de
“a blogueira que conquistou o Brasil” para “destruidora do patrimônio público e filhinha do
papai”.
O nó está engasgado em minha garganta desde que vi a reportagem. Quis criar um novo
blog para contar o meu lado da história, mas meu pai e todos os seus assessores me impediram
de fazer qualquer coisa publicamente sem a autorização dos advogados, que agora estão na luta
para conseguir sair dessa da melhor forma possível.
Estou presa dentro de casa e proibida de atender o interfone, que foi instalado na casa da
minha avó, que agora tem até câmera.
Recebi meu celular e o notebook de volta para continuar ajudando Marcela, que, apesar
de não estar muito feliz com isso, não está reclamando, porque a loja cresceu de uma forma
absurda nos últimos dias e a conta do Instagram já está com mais de um milhão de seguidores.
Porém, é um pouco frustrante ter que voltar a depender dos meus pais depois de começar
a andar com minhas próprias pernas. Minha mãe já queria até trocar o piso da casa, falando que
eu não poderia viver desse jeito, mas bati o pé para dizer que eu faria aquilo.
Antes da notícia do acidente, eu ainda recebi algumas propostas de publicidade, agora
como Ayla Andrade mesmo, mas todas foram canceladas após sua liberação. Ninguém quer ter o
nome da marca ligado a uma garota problema.
Pego o pincel para voltar a pintar a cômoda que estou reformando para preencher o
tempo vago e não pensar nos problemas.
Pirata coloca as patas em minha perna e late para mim, depois olha para a porta.
— Eu também queria passear, mas não podemos sair.
Ele vai até a porta e chora, passando a patinha nela.
Não deveria condená-lo a ficar trancado aqui comigo, mas não tenho para quem pedir
ajuda. Marcela realmente tem uma alergia muito forte, descobri isso no último dia que veio me
visitar e saiu com o rosto vermelho depois de espirrar umas vinte vezes seguidas e dizer que não
conseguia ficar lá.
Thiago levou a mãe para um exame na capital e só volta na próxima semana.
Gustavo não fala mais comigo.
Meus pais eu nem cogito pedir.
Talvez uma pessoa possa fazer isso…
Antes que eu pense demais, pego o celular e digito o número.
Fernanda atende e por um segundo cogito desligar, mas luto contra essa vontade e falo:
— Estou precisando de alguém para passear com meu cachorro enquanto estou proibida
de pisar na rua.
— Estou indo agora! — responde.
Mesmo com todo hate que a vi recebendo na internet, ela não questiona, não briga,
apenas aceita o convite.
Escuto uma voz masculina perguntar aonde ela vai e dizer que não pode sair de lá assim.
— Você me passa o endereço? — pergunta, ignorando o homem.
Dessa vez não escuto o que a pessoa fala, parece que já está mais longe do celular do que
da primeira resposta, mas consigo notar que não parece nem um pouco feliz com a situação.
— Se tiver muito ocupada…
— Ayla, eu estou indo.
— Tudo bem.

O interfone toca e vou até o portão abrir para Fernanda, que voltou rápido demais com
Pirata. Se ela espera ter meu perdão, precisará se dedicar mais do que apenas umas voltinhas com
o meu cachorro.
Descobri que ela estava fazendo uma tatuagem na hora que eu liguei e agora tem
riscos pela metade na panturrilha. Ainda não consigo acreditar que ela abandonou a sessão só
para poder passear com meu cachorro. Está mesmo empenhada em mudar.
Destravo o portão.
— Isso não levou nem cinco minutos… — A frase é cortada pela metade quando não
encontro quem eu estava esperando do outro lado.
Tive tanta certeza de que era minha amiga que nem chequei a câmera antes de vir abrir.
— Oi — Gustavo diz e sorri.
As borboletas em meu estômago o correspondem no mesmo instante, mas elas não
deveriam, malditas traiçoeiras. Ele partiu nosso coração, vocês não podem continuar fazendo
essa bagunça dentro de mim depois disso.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, forçando minha voz a não falhar.
— Acho que precisamos conversar.
Claro que acha.
— Sei que você leu o blog, Gustavo. Não quero sua caridade, tá bom? Sinto muito por
ter me apaixonado por você e estragado nossa amizade…
— Ayla — fala, interrompendo o início do monólogo que havia preparado em minha
cabeça desde que vi sua postagem pedindo pelas publicações do blog. — Você pode parar de
supor as coisas e me deixar entrar pra gente conversar? — pergunta, mas dessa vez não tem mais
o sorriso no rosto.
Talvez estivesse imaginando que menti no blog e veio até aqui esperando que eu dissesse
isso a ele, mas a verdade é que cansei de mentiras e de segredos. Se ele não corresponde ao que
sinto, vou sofrer, mas vou sobreviver, não quero migalhas de benefícios de uma amizade, quero
alguém que me ame tão profundamente quanto tudo que sinto.
Abro mais o portão, dando passagem a ele, sabendo que ficarei destruída quando essa
conversa acabar e ele voltar a dizer que não me vê dessa forma, mas pelo menos terei meu ponto-
final, não ficarei me perguntando o que teria acontecido se ele soubesse a verdade.
Entramos na casa e ele me segue até a cozinha, onde acabei de colocar meu miojo para
fazer.
Paro no meio da cozinha e cruzo os braços, desviando os olhos dos dele.
— O que você quer saber?
— Você está mesmo apaixonada por mim, leãozinho?
Sinto o aperto no meu peito aumentar ao ouvir o apelido sair de sua boca com todo o
carinho que não deveria carregar — um carinho relacionado apenas à amizade, mas meu cérebro
parece não conseguir raciocinar direito quando Gustavo está por perto.
— Tanto que a porra do meu coração está doendo por saber que você não sente o mesmo
e provavelmente me deixará em pedaços depois dessa conversa. — Não consigo olhar para ele ao
dizer isso.
Vejo seus pés darem um passo em minha direção e dou outro para trás, sabendo que a
proximidade não me deixará pensar direito, mas a cozinha não é tão grande assim, e com um
passo já estou com o quadril contra a bancada.
— O que você está fazendo? — Levanto o olhar e o sorriso dele voltou, dessa vez maior
do que antes. — Por que você está sorrindo? É bom me ver sofrendo por você para massagear
seu ego?
Não recebo uma resposta. Ele pega um dos fones, que está pendurado em seu peito
enquanto o outro está em sua orelha, e encaixa na minha. Olha para o celular por um breve
segundo antes de o colocar na bancada.
Minha respiração sai ofegante ao sentir sua mão esquerda segurar a bancada ao meu
lado, me prendendo ali no meio.
— Gustavo…
Seu dedo toca meus lábios, me silenciando.
— Eu achei que você queria conversar… Não pode…
— Ayla, será que terei que te beijar de novo para você calar a boca? — Estamos tão
próximos que ele poderia fazer isso sem muito esforço.
Então, me calo, pois não tenho estruturas para o sentir novamente sem deixar que
derrube mais um pouco dos muros, que estão erguidos para o impedir de chegar tão perto.
A música finalmente começa a tocar no fone e reconheço a melodia de Geleira do
Tempo, da Anavitória, nas primeiras notas. Conheço essa música de trás para frente e sei
exatamente o conteúdo da letra.
É sobre um amor que ficou guardado por muito tempo, mas que, ao se reencontrar,
explodiu em uma grande colisão de sentimentos que nenhum dos dois conseguia controlar.
Nunca percebi o quanto essa música descreve o que sinto por ele.
Fecho os olhos quando sua mão direita desliza por meu pescoço e sua boca toca minha
pele, queimando por onde passa, indo da minha bochecha até meu ouvido.
Eu deveria afastá-lo. Porém, como fazer isso quando ele está me proporcionando
sensações que fazem todo o meu corpo implorar por mais?
Quando a música chega na segunda estrofe, Gustavo canta junto ao pé do meu ouvido:
— Será que a gente tá querendo o mesmo? Só tem nós dois aqui, pode dizer. Se eu
também tava na sua cabeça, é que você nunca saiu daqui não, não. — Sua voz é melodiosa,
grave e sussurrada.
Prendo a respiração, querendo parar o tempo naquele momento.
Ele está querendo dizer o que acho?
Sua boca finalmente toca a minha e, em um movimento involuntário, meus braços se
descruzam e o puxam para mim.
Eu o quero como nunca quis nada na vida. Sinto que posso cair morta aqui mesmo caso
não tenha tudo que preciso dele.
— O que você quer de mim, Gustavo? — pergunto com a voz manhosa, de uma forma
que não queria que ele conseguisse deixar. — Eu não vou te impedir, mas saiba que você vai
quebrar meu coração em pedacinhos quando isso acabar.
— Então não vou deixar acabar, porque você é a única garota para mim. Nunca existiu
outra pessoa capaz de ocupar esse lugar, Ayla. Sempre foi você. Me sinto um idiota por ter
perdido tanto tempo sem falar isso por achar que nunca corresponderia ao que eu sentia. —
Apoia a testa na minha e sua mão se encaixa na lateral do meu rosto. — Eu te amo. Nem sei há
quanto tempo essas palavras estão agarradas aqui dentro.
Estou sorrindo quando inclino o rosto para cima e o beijo. O que ele falou ainda parece
não ter feito total sentido na minha cabeça. Depois de acreditar por tanto tempo que isso nunca
aconteceria, o Tico e o Teco precisam de um tempo para entender que ele corresponde ao que
sinto, que ele também está apaixonado por mim.
Que ele…
Caralho, ele me ama!
— Você acabou de falar que me ama? — pergunto entre beijos e sorrisos, porque não
quero parar de beijá-lo nunca mais na vida.
Porém, contra a minha vontade, ele se afasta e eu resmungo, fazendo-o rir. Senti tanta
falta dessa risada nas últimas semanas.
— Eu sempre te amei, leãozinho. — Segura meu rosto entre as mãos e encaro a
profundidade de seu olhar. — Fiquei sem chão quando terminou comigo no outro dia.
— Por que você não veio atrás de mim? Por que não falou o que sentia?
— Porque doeu para caralho a primeira vez que você falou que nunca corresponderia aos
meus sentimentos. Quando falou que não podia mais continuar comigo, percebi que tinha
entendido os sinais errados e você continuava sem me corresponder.
Franzo o cenho e tento lembrar quando poderia ter dito tal coisa, mas não me recordo de
termos conversado sobre isso durante a viagem.
— Quando eu te falei isso?
Gustavo se afasta um pouco e passa uma das mãos pelo cabelo.
— Precisamos mesmo falar sobre isso?
— Gustavo, eu juro que nunca falei nada desse tipo para você. Foi no dia que fiquei
bêbada e perdi a memória? Talvez eu estivesse com medo de você descobrir meus sentimentos e
inventei essa besteira.
É a vez de ele ficar confuso.
— Não, Ayla, foi antes de eu ir para a faculdade. Nós paramos de nos falar por isso.
— Nós paramos de nos falar porque você fez uma festa de despedida e não me convidou.
— Não, foi porque eu me declarei e pedi que fosse até a festa caso me correspondesse.
Você respondeu que nunca trocaria o Bernardo por mim e, claro, não apareceu na festa.
Fico em silêncio por alguns segundos, tentando entender do que diabos ele está falando.
— Gustavo, eu fiquei com o Bernardo para te esquecer, eu nunca o escolheria. Isso não
faz o menor sentindo. Eu não me lembro de termos tido essa conversa.
— Bom, não tenho mais as mensagens para te mostrar. Não fico colecionando todas as
humilhações que já passei.
— Mensagens? Essa conversa aconteceu por mensagem?
Acena com a cabeça, concordando.
— Não fui eu que te respondi.
Não preciso pensar muito para saber quem foi.
É óbvio que ele tinha ciúmes do meu amigo, óbvio que apoiou minha decisão de me
afastar por não ter sido convidada para a festa, óbvio que sempre diminuía o Gustavo quando seu
nome era citado.
Bernardo sabia.
Ele falou que Gustavo só estava esperando um erro dele para vir atrás de mim porque ele
sempre soube dos sentimentos que meu amigo tinha por mim.
— Foi o Bernardo… Ele fez tudo isso… Nós podíamos estar juntos todo esse tempo.
O ódio vai crescendo e se entranhando em cada pedaço de mim.
Ele me impediu de estar com Gustavo.
Ele nunca quis estar só comigo.
Ele me traiu das piores formas possíveis, usou meus segredos contra mim.
— Ayla. — Gustavo segura meu rosto novamente. — Foda-se o Bernardo e o que ele
fez. Eu sou louco por você e não vou perder tempo com ele enquanto consigo pensar em coisas
bem melhores para fazer com você.
O sorriso mais safado do mundo domina seus lábios poucos segundos antes de sua boca
descer sobre a minha. Fica bem fácil esquecer a porcaria do meu ex-namorado quando estou
sendo beijada pelo garoto que eu amo.
Penso em viver naquele beijo, até sentir um cheiro de queimado e lembrar que estava
fazendo um miojo para jantar. Solto sua boca e corro até o fogão. Desligo o fogo e abro a janela,
abanando a fumaça com um pano de prato.
— Droga!
— Você conseguiu queimar um miojo? — Ele está se segurando para não rir.
— Você me distraiu — resmungo. — Agora vai precisar fazer alguma coisa para mim,
porque estou faminta e esse era o último miojo.
— Tô achando que você só quer ficar comigo para me tornar seu cozinheiro particular.
Abraço sua cintura e dou um selinho em sua boca.
— Fui descoberta.
FOFOCANDO

Há alguns dias os internautas estão alvoroçados com uma grande pergunta: quem é o
Bundão?
Com todos os personagens do blog “As decisões de Layla” ganhando rosto, foi mais
difícil do que imaginamos chegar à pessoa mais odiada do blog, que aparentemente não possuía
nenhuma conta em redes sociais.
Porém, essa não é a verdade.
Nós, do Fofocando, conseguimos encontrá-lo.
Bernardo Zambaldi dividia as contas das redes sociais com sua esposa, Ana Luiza
Oliveira, herdeira da maior exportadora de café do Brasil. Vocês não leram errado, ele é casado
com outra mulher. Existe uma terceira adição para a história.
Segundo amigos próximos, eles estavam juntos desde os quatorze anos e se casaram no
início de 2018. Ana Luiza está grávida do primeiro filho do casal.
No perfil, que antes pertencia ao casal, a mulher desabafou sobre a descoberta:
“Peço que respeitem meu tempo para processar todas as informações. Minha pressão
subiu e tive que ser internada, mas, graças a Deus, eu e a Lia estamos bem.
Bernardo e eu não estamos mais juntos e quando eu me sentir confortável venho
conversar com vocês, pois no momento tudo que sinto é vergonha. Vergonha de ter acreditado
nas coisas que me dizia. Vergonha de ter amado alguém que me traiu por tanto tempo. Vergonha
de ter deixado alguém como ele se aproximar da minha família.
Me sinto culpada por não ter percebido, por não ter encontrado sinais.
Sei que não foi culpa minha, mas é difícil não me sentir assim. Não me perguntar se
adiantaria ter feito algo diferente.
Não desejo esse sentimento nem mesmo para meu pior inimigo.”
Ao que tudo indica, Ayla Andrade foi amante de Bernardo Zambaldi por todo o período
que se relacionaram. Resta-nos saber se ela já sabia disso ou se também foi enganada.
Segundo fontes seguras, Bernardo, que trabalhava na empresa da família de Ana Luiza,
foi mandado embora pelo próprio dono, que tomou todas as dores da filha. Sem se conformar
com a decisão do ex-sogro, falou que não sairia, mas foi carregado para fora pelos seguranças.
Ao que parece, todo o dinheiro de Bernardo Zambaldi vinha da família de sua mulher. E,
agora, tudo que sobraram foram dívidas, pois seu casamento era de separação total de bens.

Comentários:
Helena: Isso se chama karma, aqui se faz, aqui se paga. É só o universo cobrando todo
o mal que ele fez.
Juju: @Helena universo vingativo.
Margaret: É feio falar bem-feito? Nunca torci tanto para alguém se ferrar na vida.
Patricia: @Margaret Se for, estamos fazendo feio juntas.
Lucas: Se fu…
Junior: CARALHO! Tragam um troféu para esse cara, conseguiu manter três mulheres
ao mesmo tempo. Merece reconhecimento pelo esforço. Haja disposição.
Luc: @Junior Achei que era o único aqui abismado com esse fato. E o melhor
de tudo, TODAS são herdeiras de famílias muito ricas. O cara é quase um
caçador de recompensas.
Kleber: @Junior Mano, se sustentou com a azulzinha, impossível toda essa
disposição.
Laura: @Junior Claro, porque um cara que engana três mulheres merece
aplausos enquanto todo mundo ataca uma delas por ser a “culpada da traição”.
Junior: @Laura Vai pra puta que pariu, para de distorcer o que eu
falei. Não estou batendo palmas pela babaquice do cara, mas por ele
ter dado conta de manter três relacionamentos quando um só já me
deixa louco.
Juju: Eu duvido que ela não soubesse. Como que namora alguém por cinco anos e não
desconfia de nada?
Lolly: @Juju Existem milhares de casos que a pessoa tinha duas famílias por
anos e não foram descobertos, manter um namoro assim onde nem se vive na
mesma casa é fácil.
Yuri: @Lolly Eu, como alguém que já passou por algo parecido,
concordo muito. Acho que a Ayla foi muito inocente, não sabia que
ele tinha outra mesmo.
Bianca: Convenhamos que depois de ver as fotos dele, fica fácil entender como
conseguiu engambelar três mulheres ao mesmo tempo.
Juliet: @Bianca Beleza não é tudo.
(Ver mais comentários +)
CAPÍTULO 38

ernanda está ao meu lado lendo a última notícia sobre Bernardo. Agora ficou óbvio o
F motivo de ele ter ficado com tanto medo do blog vir à tona. O desgraçado não só me traiu,
mas traiu a mulher grávida. E a cada minuto aparece uma garota nova falando que já ficou
com ele.
Não fomos as únicas que caímos no papo do desgraçado.
Ao que tudo indica, ele é um mentiroso compulsivo.
Eu o namorei por cinco anos, Ana Luiza estava com ele muito tempo antes disso e
nenhuma de nós conseguiu perceber. Tenho vontade de ligar para ela e dizer que entendo o que
está sentindo, mas provavelmente ela nem deve querer saber quem eu sou.
Pego o copo de água e me levanto da cadeira, mas não percebo que Gustavo está parado
atrás de nós, também lendo a notícia do Fofocando.
Trombo com ele e derramo todo o conteúdo do copo em minha blusa branca, que logo
deixa todo o sutiã à mostra. Cubro os peitos e resmungo:
— Gustavo, olha o que você fez, me deixou toda molhada!
Ao levantar meu olhar e o encontrar segurando a risada, reviso minha fala, pois com
certeza tem algo errado nela, mas antes que eu consiga raciocinar, Fernanda fala:
— Nossa, Ayla. Eu tô aqui, não preciso saber que ele te deixou molhada.
O gargalhada de Gustavo entrega que ele pensou exatamente a mesma coisa.
— Não fui eu quem disse — responde, levantando as palmas das mãos para cima —,
mas sempre que precisar de ajuda pra isso, pode contar comigo.
Está cada dia mais difícil me manter sã com ele por perto. Apesar das brincadeiras, ele
nunca tentou avançar para nada além de beijos e algumas mãos bobas aqui e ali.
Até porque, sempre que as coisas começam a esquentar demais, eu arrumo uma desculpa
para pararmos.
Quero que tudo seja perfeito com ele, mas nunca parece o momento certo.
Ele me puxa para mais perto e me beija, sem se importar com a roupa molhada. E, claro,
não consigo resistir, pois por mim passaríamos vinte e quatro horas grudados dessa forma,
vivendo na minha pequena bolha de felicidade, com a única parte da minha vida que parece mais
certa do que nunca.
— Acho que ouvi minha mãe me chamar — Fernanda fala.
Gustavo para de me beijar para completar:
— Também ouvi. Ela parecia preocupada, é melhor você correr.
— Como eu nunca percebi antes que vocês têm o mesmo senso de humor ridículo de
quinta série?
— Agora me senti ofendida, vou embora. — Ela se levanta e dá um beijo em minha
bochecha, mostrando que não está nem um pouco ofendida, mas já deu sua hora. — Não façam
nada que eu não faria.
— Não tem nada que você não faria — falo.
Ao chegar na porta, se vira e sorri.
— Exatamente.
Então, meu rosto queima mais ainda ao entender o que quis dizer.
Gustavo e Fernanda têm sido a melhor das distrações nos últimos dias. Quando estão
aqui, não penso tanto no julgamento que está cada dia mais próximo.
Porém, ela volta logo depois de fechar a porta com um envelope nas mãos e fala que
estava jogado no chão embaixo do portão, que tirou de lá antes que Pirata o encontrasse e
destruísse.
Pego, achando ser só mais uma conta, que leva quase todo o meu salário no início do
mês, mas vejo o logo do site do laboratório que mandei fazer o teste de DNA. Não sei quanto
tempo fico parada olhando para o envelope quando Gustavo me tira do transe perguntando o que
era aquilo.
— É um teste de DNA, pra saber quem é meu pai.
Ele leu o blog, não preciso explicar mais nada para que entenda. Essa é uma das
perguntas que eu mais recebo nas minhas redes sociais desde que descobriram minha identidade.
— Você vai abrir?
Nego com a cabeça e o coloco na gaveta da cômoda na sala.
Foram tantos acontecimentos nos últimos dias, que esqueci que isso deveria chegar hoje,
e não estou com cabeça para reagir caso o resultado não seja o que quero.
Se Thiago for meu pai, meu mundo só vai acabar de desmoronar e não posso lidar com
isso agora.
Preciso da minha família unida.
— Só me distraia, por favor.
— Não precisa pedir duas vezes. — Meu sorriso preferido aparece em seu rosto e as
borboletas voltam com tudo ao meu estômago.
Gustavo me puxa até o sofá, onde se senta, então me puxa para o seu colo, deixando uma
das minhas pernas de cada lado. A forma que me olha faz com que meu corpo queime antes
mesmo que me toque.
— Eu sou louco por você, leãozinho.
Suas mãos sobem por minhas coxas nuas e eu seguro sua nuca para beijá-lo enquanto
meu peito parece que pode explodir a qualquer momento caso ele fale algo assim de novo.
Segura meu cabelo e o puxa um pouco, para poder ter acesso ao pescoço. Deixo minha
cabeça cair para trás enquanto sua boca explora cada pedaço de pele. Fecho os olhos, permitindo
que todas as preocupações morram.
Porém, a mão que está em minha coxa sobe um pouco mais e sinto quando toca a
cicatriz.
Todo o meu corpo se retesa. Bernardo evitava aquela área a todo custo e eu entendia o
porquê, é horrível.
Seguro a mão de Gustavo e a tiro de lá.
— É a cicatriz do acidente? — pergunta.
Continuo com os olhos fechados ao confirmar com a cabeça.
— É horrível. Não quero que você veja.
Gustavo segura meu rosto.
— Olha para mim, Ayla. — Abro meus olhos para dar de cara com o castanho infinito de
sua íris. — Eu quero você por inteira, com todas as marcas e cicatrizes, quero seu lado bom e o
ruim, quero que você me conte as coisas mais terríveis que já fez e me deixe amar cada uma
delas.
Uma lágrima escorre por minha bochecha e ele a seca com o dedo.
— Eu não quero ser presa — falo tão baixo que não sei se ele é capaz de ouvir. — Na
noite do acidente, eu não estava bêbada, como muita gente supôs, eu tinha bebido um gole do
copo de alguém, mas não estava bêbada. Juro que não estava.
— Acredito em você. — Sua voz é firme e continua me olhando, incentivando que eu
termine de contar.
— Não me orgulho desse meu período, mas eu vivia de festa em festa, fazendo de tudo
para ser o centro das atenções. Quando descobriram que eu era a filha do prefeito em uma dessas
bebedeiras, me convenceram de que poderia ser legal invadir a prefeitura, tirar uma foto lá dentro
e depois voltar para festa para contar para os outros o que fizemos… Meu Deus, que coisa idiota,
que ideia burra! Como achei que isso poderia ser divertido?
— Todo mundo faz merda às vezes. — Tenta me consolar e penso que esse garoto deve
me amar mesmo para achar que invadir a prefeitura é só uma merda normal que qualquer
adolescente faria.
— Eu enchi meu carro com umas sete pessoas além de mim, passei na minha casa,
roubei a chave da prefeitura do meu pai e dirigi até lá. Era para entrarmos, sairmos e voltar para a
festa, mas não estava contando com o alarme. Eu não sabia a senha. Assim que entramos, aquilo
começou a gritar e todos correram para o carro. O problema é que a polícia estava passando por
lá bem na hora e já ligou a sirene vindo atrás da gente. Tudo em que eu conseguia pensar era que
meu pai iria me matar, que eu precisava fugir de lá. Liguei o carro e acelerei, mas o pânico foi
tanto que perdi o controle. Ele invadiu o jardim da prefeitura e só parou quando a fonte o
segurou.
“Antes que eu conseguisse pensar no que estava acontecendo, todos começaram a fugir.
Eu ainda estava atordoada com o impacto, mas aparentemente ninguém havia se machucado.
Abri minha porta para também sair de lá, mas estava presa. O airbag amorteceu a batida, mas,
com ele aberto, não conseguia ver o que estava me prendendo. Acho que não senti dor na hora
pela adrenalina.
“Pedi ajuda, mas a polícia estava chegando e ninguém voltou por mim. Todos me
olharam e decidiram que não valia a pena voltar. Aquelas pessoas estavam comigo todos os fins
de semana, falavam que não existia festa sem mim, mas nem uma delas voltou por mim.”
— O Bernardo e a Fernanda não estavam junto? — pergunta.
Nego com a cabeça.
— Bernardo estava trabalhando… Ou melhor, fingindo estar trabalhando enquanto
passava uns dias com a mulher. E a Fernanda não foi nesse dia, não lembro o porquê, mas ela
não estava lá.
“Ainda me lembro das luzes da polícia, eles gritando para que eu saísse do carro e eu em
pânico dizendo que estava presa. Meu pai chegando logo em seguida. O olhar de decepção que
me lançou. E, então, fui ficando tonta e comecei a sentir uma dor que latejava da perna até a
barriga. Meu pai estava me passando um sermão quando levei a mão até onde doía e voltei com
ela cheia de sangue. A próxima coisa que me lembro é de acordar no hospital no dia seguinte
com meus pais jogando na minha cara tudo que tiveram que fazer para acobertar o que fiz, que
ele estava colocando em risco a própria carreira por mim. Fiquei tão mal depois disso que por
meses acreditei ser a pior pessoa do mundo, afastei todos de mim e me deixei absorver cada uma
das coisas ruins que meus pais falavam.”
— Você só cometeu um erro, Ayla. Foi um monumento histórico da cidade? Sim, mas
foi um erro, você não saiu aquela noite pensando em entrar com o carro na fonte. — Ele beija
minha bochecha, onde seca uma das lágrimas que escorreu. — Você também não pediu para o
seu pai fazer nada disso. Ele fez porque, mesmo que estivesse puto, ele te ama e não queria te ver
numa situação ruim. Pensa pelo lado bom…
— Que lado bom você consegue ver nisso?
— Se você não tivesse sofrido o acidente, não teria afastado o Bernardo e a Fernanda,
eles não teriam ficado e você ainda estaria com ele fingindo que era feliz e me odiando por ter
ido embora sem me despedir. As coisas acontecem por uma razão, talvez tenha sido preciso que
passasse por tudo isso para poder ser essa versão que está comigo hoje. E eu estou aqui
segurando sua mão, não importa o que aconteça.
— Promete? — pergunto.
— Prometo.
CAPÍTULO 39

hiago para em frente à casa dele com uma moto maravilhosa. Nunca fui muito fã de motos,
T tenho pavor de andar, além de não saber nada sobre marcas, mas sei admirar algo quando é
bonito.
Também está com uma roupa bem mais alinhada do que de costume.
— Que isso, hein? Tá querendo impressionar alguém? — pergunto.
Ele se vira para mim e dá uns tapinhas no banco da moto.
— Bonita, né? Estou pensando em comprar.
— Comprar com que dinheiro? — Marcela aparece na varanda superior da casa da mãe.
— Eu economizo, né? Não sou igual certas pessoas que gastam como se não houvesse
amanhã.
— Você pode até economizar, mas não o suficiente para comprar uma BMW.
— É usada — ele rebate a irmã. — Tá bem abaixo do valor de mercado, por isso estou
interessado.
Nessa hora minha mãe sai de casa, e Thiago acena para ela com um sorriso que nunca vi
antes. Ela parece ficar meio sem graça, olha para mim de rabo de olho e volta a entrar.
Isso não é reação de quem não deve nada.
Entro atrás dela.
— O que aconteceu entre você e o Thiago? — pergunto.
— Nada.
— Mãe, eu não vou contar ao papai, mas preciso saber a verdade.
— Ayla, nós já te contamos a verdade. Nada nunca aconteceu entre mim e Thiago.
— Então por que ficou toda sem graça lá fora?
— Porque seu pai não quer que eu tenha contato com ele. Não esperava sair na rua e o
encontrar lá.
Vou até a cômoda e tiro o envelope lá de dentro.
— Eu fiz o exame de DNA. Se você estiver mentindo para mim, eu vou saber.
Diferente da indignação que espero ver em suas feições, só encontro decepção.
— Eu preciso sair daqui. — Pega a bolsa e marcha para a porta. — Nunca imaginei que
me sentiria tão suja por minha própria filha. Abre esse envelope que você vai saber a verdade. Eu
nunca traí seu pai, mas estou me sentindo traída por você, por desconfiar da minha palavra, por
achar que eu seria tão baixa a ponto de engravidar de outro homem e fingir que era do seu pai.
Minha mãe sempre foi dramática, mas nunca a vi ficar tão vermelha antes. Suas palavras
saem como facas em minha direção. Apesar dos surtos esporádicos, ela sempre foi a mais calma;
meu pai era o explosivo, mas agora eu conheci outra versão dela.
— Quer saber? Vem comigo! — Segura meu braço e me puxa até a rua, parando apenas
quando estamos ao lado de Thiago e Marcela, que agora também estava na rua admirando a
moto. — Você pode esclarecer para a minha filha que nós dois nunca dormimos juntos?
Marcela parece pronta para pular na garganta da minha mãe e Thiago olha dela para
mim.
— Eu… Por que estamos falando disso?
— Porque ela acha que existe alguma possibilidade de você ser o pai dela. — Segura
meu pulso e levanta a minha mão, mostrando o envelope. — Ela fez um teste de paternidade.
— Mas eu não forneci nada para esse teste.
— Peguei numa xícara lá na casa da Marcela — confesso.
Ele me olha em choque e depois para a irmã, que diz ter ajudado.
— Por que não abriu? — pergunta Marcela. — Não está curiosa?
— Eu já sei o resultado — responde minha mãe —, mas quero que o Thiago explique
que nada nunca aconteceu entre nós para a Ayla tirar isso da cabeça, porque, mesmo vendo o
nome do pai dela nesse envelope, poderá pensar que foi apenas sorte eu não ter engravidado de
outro, mas o Thiago evitar toda essa confusão falando a verdade.
— Laura, nós não precisamos fazer isso aqui.
— Só fala a verdade, por favor, Thiago.
— Vamos conversar só nós dois — pede.
— Não. Por que você não fala? Sempre te defendi para o meu marido, ajudei de todas as
formas que pude em nome da amizade que tínhamos desde criança, mas esse boato precisa
acabar.
— Para de exigir uma mentira só pra agradar a sua filha. — Marcela entra na conversa.
— Não foram apenas boatos. Meu irmão já sofreu muito por sua culpa. Assume seus erros. Se
tem tanta certeza assim de quem é o pai, por que esse negócio ainda está fechado?
O envelope é arrancado da minha mão e rasgado logo em seguida. Com todo ódio saindo
por cada poro de seu corpo, mamãe tira de lá o papel e entrega para mim de volta sem olhar.
— Leia em voz alta o que está escrito aí.
O resultado pula aos meus olhos.
— Baseado nos resultados obtidos na análise dos locus de DNA listados acima, a
probabilidade do Sr. Samuel Andrade ser o pai é de 99,99%.
Eu não sou filha do Thiago.
— Marcela, eu sei que você acha que tudo de ruim que aconteceu na vida do seu irmão
foi por culpa minha, mas se ele te contou que tivemos qualquer tipo de relação, é uma grande
mentira. Sempre deixei claro que nunca aconteceria nada entre nós, que eu o amava como um
irmão.
— Não sabia que era comum na sua casa jogar irmãos na prisão — Marcela rebate.
— Eu não tive nada a ver com isso. Fiz de tudo para encontrar quem era o culpado por
desviar o dinheiro, mas todas as provas apontavam para o Thiago. E, mesmo assim, acreditei na
palavra dele. Comprei a briga com meu marido para poder ajudá-lo.
— Deixa de mentira, você sabe que foi seu marido que fez isso.
— Samuel pode ter muitos defeitos, mas ele nunca condenaria alguém dessa forma. Ele é
um dos homens mais honestos e certos que eu conheço.
— Se seu exemplo de homem honesto é o mesmo que suborna policiais, fica difícil
defender. — Dessa vez é Thiago que responde.
— E você está feliz com isso, não é? Esse é o motivo de não querer contar a verdade?
Quer nos ver sofrer?
— Eu nunca ficaria feliz de te ver sofrer, Laura. — Thiago cruza os braços e nega com a
cabeça. Respira fundo e desce o olhar antes de continuar, a mágoa em suas feições é visível. —
Mas não vou mentir para te ajudar a esconder o que aconteceu. Eu te amava e você sabia disso.
Me usou depois de uma briga com o Samuel enquanto me deixou acreditar que me daria uma
chance de fazer funcionar. Mal sabia eu que nunca teria o que você estava realmente interessada,
o dinheiro.
Consigo sentir a dor em cada uma de suas palavras. Não faz muito tempo que achei que
nunca seria correspondida. Se tem algo que entendo, é esse sentimento.
Porém, em vez de se compadecer, minha mãe dá um passo na direção dele e levanta a
mão, acertando em cheio sua bochecha com a palma aberta.
Tudo vira uma confusão quando isso acontece, pois Marcela avança para cima dela,
enquanto Thiago fica parado com puro choque estampado do rosto.
Entro no meio das duas que gritam xingamentos uma para outra.
Acho que nunca havia visto minha mãe falar um “puta que pariu” na vida. Sempre foi a
pessoa mais polida e educada que já conheci. Até mesmo quando chutava a quina de algum
móvel com o mindinho, xingava coisas como “traquinas”, então, fico mais do que assustada
quando as palavras mais baixas que já ouvi começam a deixar sua boca enquanto tento impedir
as duas de se baterem no meio da rua.
Thiago agarra a irmã e a puxa para longe.
— Desculpa por isso, Ayla — pede Thiago, antes de levar Marcela para dentro da casa
dele e fechar o portão.
Minha mãe tenta falar comigo, mas caminho a passos duros até a casa da minha avó e
falo que ela deveria ir embora, porque não quero conversar com ela neste momento. Estou com a
cabeça explodindo com tudo isso.
Achei que abrir o teste e descobrir que meu pai é meu pai traria certo alívio, mas como
posso ficar aliviada depois do que aconteceu lá fora? Minha mãe parece convicta de que nunca
esteve com Thiago enquanto ele tem toda a certeza de que isso aconteceu.
Ela tem bons motivos para mentir sobre isso, pois, se for verdade, significa que esteve
com outro homem enquanto era comprometida com meu pai.
Já Thiago não ganha nada além do ódio dela ao inventar essa história.
CAPÍTULO 40

É estranho me sentir tão feliz quando o mundo inteiro está desmoronando à minha volta?
Posso ser presa, meu pai pode perder seu cargo, minha mãe talvez tenha o traído, mas mesmo
com todos esses problemas, basta um tempo sozinha com Gustavo para tudo parecer bem.
Estou deitada em cima dele no sofá e Pirata dorme tranquilo em nossos pés. Não sei
como terminamos assim, mas não quero mudar de posição. Tenho a cabeça apoiada em seu peito,
enquanto os dedos deslizam por seu braço tatuado, querendo desvendar cada um dos segredos
pintados em sua pele.
Após explicar o significado de uma delas, procuro a próxima, parando na maior de todas,
um anjo caindo na parte superior do braço.
— E essa?
— Tem certeza que quer saber? — pergunta.
— Por quê? É algo macabro envolvendo Lúcifer, o anjo caído?
Sinto a vibração de sua risada me percorrer enquanto nega com a cabeça.
— Você conhece a lenda de Ícaro?
— Não, mas aposto que também é algo da mitologia grega, como todas as outras.
— Acertou — responde. — Ícaro e o pai foram presos em um labirinto. Para fugir de lá,
o pai dele projetou asas com penas de gaivota e colou tudo com cera de abelha. Ambos
conseguiram sair voando de lá, porém Ícaro, que tinha sido alertado sobre os perigos das asas,
não deu importância e continuou voando cada vez mais alto, se achando um Deus. Só que, ao se
aproximar do sol, a cera derreteu e as penas começaram a se soltar. Ícaro caiu no mar e morreu
afogado.
— Credo. — Faço uma careta. — Por que alguém iria querer algo tão mórbido tatuado
da pele?
— Porque é só uma lenda com um significado. Não é mórbido.
— E qual o significado?
— Se manter humilde, nunca achar que só porque tem asas, pode tocar o sol. Voar baixo
também é voar. Mas tem o significado que ela tem para mim…
Deixa a frase no ar e olho para cima, esperando a explicação.
— Que é…?
— Essa foi a primeira tatuagem que fiz logo depois de ir embora. Na época, estava me
sentindo como Ícaro; perdido, caindo depois de chegar perto demais do que eu mais queria, você.
— Seu dedo acaricia meu rosto e um arrepio corre por toda a minha pele. — Tentei te ganhar e
acabei ficando sem nada, nem mesmo a amizade. Isso me destruiu.
Sinto um aperto no peito com a última frase. A primeira vez que ele marcou a pele foi
pensando em mim, de uma forma triste, mas por mim. Eu o havia magoado de verdade e, mesmo
assim, ele sempre foi incrível.
— Por que você não ficou bravo comigo? Por que voltou a conversar naquele bar como
se eu não tivesse te magoado? Mesmo não tendo sido eu a mandar as mensagens, você não sabia.
— Eu não podia te culpar por não querer ficar comigo. Você não tinha nenhuma
obrigação de corresponder meus sentimentos. — Gustavo coloca uma mecha do cabelo atrás da
minha orelha e sorri. — E quando te vi no bar, tudo que desejei foi poder te ter de volta na minha
vida, não me importava de que para isso eu precisasse te ver todos os dias com outra pessoa, nem
mesmo que essa pessoa fosse o Bernardo.
Arrasto o corpo em cima do dele até estar na altura do seu rosto e o beijo. Ele abraça
minha cintura, e eu poderia viver aqui, mas claro que a vida não seria tão generosa comigo e o
interfone toca bem neste momento.
Solto um gemido de frustração e afundo o rosto em seu peito, enquanto Pirata pula do
sofá e começa a latir para a porta, como sempre faz quando chega alguém.
Gustavo ri e fala que atende. Rolo para o lado, deixando-o se levantar.
Nem mesmo em um sábado à noite temos paz.
Porém, não posso dizer que não fico feliz quando Marcela chega para arrastar o Gustavo
e a mim para um jantar em sua casa como pedido de desculpas pela confusão do dia anterior.
Não nos falamos desde o ocorrido e estou um pouco preocupada que isso possa afetar
nossa relação. Aprendi a gostar da mulher que, mesmo quando não gostava de mim, me estendeu
a mão.
Chegamos na casa dela e encontramos Thiago colocando a mesa.
— Ayla, eu sinto muito por ontem. Não queria que a situação chegasse ao ponto que
chegou, mas eu não podia mentir sobre o que aconteceu. Não mais.
— Tudo bem — respondo, mesmo que, no fundo, preferisse que tivesse mentido. Era
melhor continuar ignorante quanto a essa verdade do que não saber o que fazer com a
informação.
Nos sentamos para comer e me sinto leve entre essas pessoas. As risadas são fáceis, a
conversa é boa e a comida está deliciosa. Mesmo com todas as explicações que meus pais deram
sobre o porquê de terem me mandado embora, eu ainda não estou confortável com eles como
fico aqui, com pessoas que entraram na minha vida há tão pouco tempo.
— Eu lavo — Gustavo fala, após todos terminarmos.
— Não, vocês são visita — Marcela responde.
— Pode deixar essa pra mim, já que você cozinhou .— Thiago entra na briga pela louça,
já juntando todos os pratos em cima do seu.
Eu apenas mantenho a cara de paisagem, fingindo que não seria educado me oferecer
também, mas se existe uma tarefa que odeio, é essa de lavar louça.
Thiago se levanta com os pratos e vai até a pia, enquanto Marcela tira um pudim da
geladeira.
Tudo está perfeito. Não mudaria uma vírgula da noite.
Até que o celular do Thiago vibra em cima da mesa ao meu lado.
Olho para a tela no impulso.
Não pretendia ser fuxiqueira, mas a notificação da mensagem quase pula na minha cara.
“Acabei de transferir o dinheiro da vaquinha”
Então, vibra de novo e chega a segunda.
“Obrigado pela dica”
Sinto as mãos tremerem. A respiração começa a falhar e meus olhos se enchem de
lágrimas.
Gustavo olha para mim e franze o cenho.
— Está tudo bem?
Nego com a cabeça e me levanto.
A cadeira cai para trás com um baque surdo no chão, chamando a atenção de todos.
— O que aconteceu? — volta a perguntar, parecendo apavorado enquanto eu só tento
puxar o ar para dentro dos pulmões.
— Ayla, parece que você viu um fantasma. Está passando mal? — Marcela se aproxima.
— Vou pegar um copo de água pra você — Thiago fala e sua voz me arranca do transe.
Olho para ele, que me encara de volta com preocupação estampada no rosto. Algo que
não condiz com o que acabei de ler em seu celular.
— Foi você — falo e sinto a lágrima, enfim escorrer. — Você contou a eles minha
identidade.
Thiago trava e arregala os olhos por um breve segundo, tão breve que me pergunto se vi
mesmo a reação.
— Do que você está falando? — pergunta.
— Eu vi no seu celular. Uma pessoa falou que tinha acabado de transferir o dinheiro pra
sua conta pela dica. Você contou quem eu era em troca daquela merda de dinheiro.
O homem, que até alguns momentos atrás era alguém que eu havia aprendido a admirar,
agora vem em minha direção e sinto um arrepio correr por todo corpo.
Como pude ser tão estúpida? Meu pai me alertou, mas acreditei que era só ciúmes por
algum possível envolvimento com minha mãe.
— Eu apostei na Mega-Sena com um amigo e acertamos a quina, era essa transferência
que eu estava esperando… Ayla, você acha que eu te entregaria? — Ele seca as mãos no pano de
prato e balança a cabeça com pura mágoa no olhar. — Depois de ter contado sobre o que poderia
acontecer? Eu nunca faria isso, mesmo estando fodido e desempregado. Nunca te venderia dessa
forma. Me machuca você achar que eu seria capaz de algo assim. Tenho cuidado de você desde
que seus pais te abandonaram aqui. Convenci minha irmã, que te odiava, a te dar uma chance,
porque precisava de um serviço. Ajudei com tudo que pude e, ainda assim, me julga por uma
mensagem que viu no meu celular totalmente fora de contexto?
O conflito dentro de mim aumenta a cada palavra de Thiago.
Tenho certeza do que vi, mas, ao mesmo tempo, tudo que fala é verdade e me sinto
culpada e ingrata.
— A pessoa agradeceu pela dica e falou que era o dinheiro referente à vaquinha — falo
com a voz trêmula, quase incerta. — Não era sobre um jogo da Mega-Sena.
— A dica dos números e a vaquinha, porque fizemos um jogo em turma. O dinheiro é
referente à minha porcentagem da vaquinha.
Nego com a cabeça quase de forma involuntária, como se eu quisesse acreditar em suas
palavras, mas meu corpo soubesse a verdade. Primeiro ele disse ser um amigo, agora são vários.
Está se contradizendo. É mentira.
— Mostra a conversa para ela — Marcela fala e pega o celular na mesa, já digitando a
senha.
Porém o aparelho é arrancado de sua mão de forma tão bruta que machuca seu pulso.
— Que merda, Thiago! — grita.
O celular some de sua mão, indo parar em um dos bolsos de Thiago.
— Não vou mostrar minhas conversas para ninguém. Não sou nenhum criminoso que
precisa ser investigado. Me surpreende logo você achar que eu deva fazer isso, que eu precise
provar que estou falando a verdade. Você acha que eu estou mentindo? Sério? — Aperta os
lábios com força e passa a mão pelo rosto ao respirar fundo, contendo as lágrimas.
— Não, não acho — responde Marcela —, mas ficaria bem mais fácil se mostrasse a
conversa para ela e acabasse com essa desconfiança.
Thiago balança a cabeça em negativa.
— Que saber? Eu não mereço essas acusações. — Solta um longo suspiro e coloca as
mãos nos bolsos, então olha para mim. — Estou arrependido do dia que resolvi te ajudar, Ayla.
Achei que nunca mais fosse precisar passar por uma situação dessas de novo, mas talvez você
seja mesmo filha dos seus pais.
— Deixa disso, mostra logo para ela… Dessa vez você tem as provas para se defender,
por que não usar?
— Agora também vai se virar contra mim? Não foi você que falou que só ia dar o
emprego para ela a fim de descobrir algum podre pra foder os pais dela?
Quero gritar perguntando sobre o que ele está falando, mas estou chocada demais com a
revelação de que a pessoa que se transformou quase em um lar para mim possa ter feito isso só
para machucar meus pais.
Olho para Marcela, que parece tão chocada quanto eu, porém está virada para o irmão,
que aperta as mãos em punhos.
— Você sabe que eu disse isso antes de conhecer a Ayla…
— Quem garante que não foi você que revelou a identidade dela?
— Do que você está falando, Thiago? — grita.
Aperto as pálpebras uma contra a outra e respiro fundo, tentando acordar do sonho que
acabou de se tornar um grande pesadelo.
Sinto o toque em minha mão e não preciso abrir os olhos para saber que é Gustavo que a
segura, apertando-a de leve, como se dissesse: “Estou aqui, tudo vai ficar bem”.
— Ele está tentando jogar a culpa em você porque eu descobri o que ele fez — respondo
à Marcela com uma calma que não sei de onde vem. Então, me viro para Thiago. — Foi isso que
você fez com meus pais, não é mesmo? Fez todos acreditarem ser o inocente, condenado
injustamente, mas ninguém armou nada para você, não é? Estava mesmo roubando todo aquele
tempo.
Por que não acreditei em meu pai?
Uma lágrima escorre pelo rosto de Thiago.
— Não acredito que, depois de tudo, você venha na casa da minha irmã falar algo assim.
Nós te acolhemos quando seus pais te colocaram para fora!
E aí está o motivo de ter me recusado a acreditar no meu pai. O homem é convincente,
eu vejo toda a mágoa em suas feições, a diferença é que, agora, sei que não passa de fingimento.
De um segundo para o outro ele deixou o papel de “raivoso julgado injustamente” para
“magoado porque feri seus sentimentos”.
— Ayla, acho melhor você ir embora e conversamos depois de cabeça fria — Marcela
pede. — Você está falando coisas que está magoando a nós dois. Sei que quer acreditar nos seus
pais…
— Por que você não vê? — pergunto, interrompendo-a. — Ele está te manipulando! Se
tem tanta certeza de que é inocente, por que não mostra a merda do celular para acabar com todas
as dúvidas?
— Porque eu quero que acreditem na minha palavra…
— Não, é porque você sabe que, se abrirmos a conversa, ela verá a verdade, vai
descobrir que o grande filho da puta da história sempre foi você. — Apoio uma mão na mesa e
aponto para ele com o dedo.
Thiago abaixa o olhar para o chão e parece chorar, mas dessa vez não sinto nenhuma
verdade nas lágrimas.
Marcela vai até ele e o abraça. Por um momento acho que comprou a farsa, mas vejo sua
mão deslizar para dentro do bolso dele e destrava o celular enquanto finge o consolar.
Depois de alguns segundos, seus olhos se arregalam e se enchem de lágrimas. Dá um
passo para trás e mostra a tela do aparelho para o irmão.
— Ela está certa. Foi você. Como pôde?
Máscara por máscara vai caindo no chão enquanto as expressões de Thiago vão
mudando, procurando uma fuga.
— Você não deveria ter feito isso — fala para a irmã. — Deveria ser nós dois contra o
mundo, esqueceu? Por que não deixou para lá? Fiz por nós, mas não queria que você carregasse
a culpa, pois sei que nunca concordaria, mas esse dinheiro, que não é nada para eles, pode nos
ajudar muito.
Ele tenta a alcançar, mas ela dá outro passo para trás, trombando na parede.
— Você fez isso antes mesmo de saber se ela era sua filha ou não — Marcela fala,
evitando o olhar dele.
— Eu sentia dentro de mim que não era… — começa a dizer, mas eu o corto.
— Você não sentia nada! — grito. — Minha mãe estava certa esse tempo inteiro. Ela
nunca ficou com você. Toda essa história foi inventada, não foi? Você é um sociopata!
— Cala a merda dessa boca! — Thiago grita de volta e bate a mão nos copos ensaboados
em cima da pia, fazendo todos caírem no chão e quebrarem. Então, aponta o dedo para mim e
vem andado em minha direção. — Você não sabe de merda nenhuma.
Gustavo, que até então estava calado em seu canto, se coloca à minha frente e encara o
homem que vem para cima de mim cheio de ódio.
— Acho melhor você continuar onde está — fala com um timbre que nunca o ouvi usar
antes.
Ele, que é sempre o pacificador, que odeia brigas, que sempre acha melhor conversar do
que trocar socos, está parado em minha frente como um leão, pronto para atacar a qualquer sinal.
— Não tenho medo de você — Thiago fala.
— Pois deveria — Gustavo responde. — Não me intrometi antes porque sei que a Ayla é
mais do que capaz de se defender, mas não se atreva a ameaçá-la. Se você sonhar em voltar a
olhar assim para ela, o seu problema será comigo.
— Quer saber? Foda-se vocês — fala e se vira para Marcela. — Nunca imaginei que
minha própria irmã se viraria contra mim, tudo que eu fiz sempre foi por nós…
— Eu não quero ouvir! — ela o interrompe. — Vai embora!
Parecendo ficar ainda mais irritado com a resposta dela, Thiago pega o celular de volta e
sai da casa batendo a porta com força.
— Eu sinto muito, Ayla — fala e olha para mim. — Não sei por que ele fez isso. Agora
estou em dúvida sobre cada uma das coisas que já me falou sobre seus pais. Eu nunca o vi agir
dessa forma, nunca.
Vou até ela e a abraço, que chora ainda mais.
— Você não tem culpa de nada.
CAPÍTULO 41

ustavo coloca a mão em minha coxa e só então percebo que estou balançando a perna sem
G parar, provavelmente incomodando todas as pessoas sentadas na fileira de cadeiras
grudadas do tribunal. Porém, não consigo ficar parada sabendo que minha senteça será
anunciada em alguns minutos.
A imprensa está em peso aqui, mas o que me pega desprevenida é a quantidade de
pessoas me apoiando. Algumas trouxeram cartazes, dizendo que estão do meu lado, outras
tentaram passar por toda a segurança só para me abraçar. Mesmo depois de eu ter abandonado
por completo o blog e nunca ter explicado o meu lado do acidente, ainda há pessoas aqui por
mim, acreditando que eu não sou só uma patricinha mimada sendo protegida pelos pais.
Após revelarem minha identidade, passei a evitar as redes sociais, com todos os
comentários maldosos que me magoaram de uma forma que nunca achei possível acontecer,
principalmente por falas de pessoas que nem conheço ou me importo.
Antes de sentir isso na pele, achava bobeira quem se chateavam com qualquer
comentário de hater, mas, conhecendo o outro lado, não posso mais julgar ninguém. Não importa
que tenha dez mil pessoas te apoiando, o comentário que vai ecoar dentro da sua cabeça é sempre
o pior de todos e você vai acreditar nele.
Bastou alguns para que eu tivesse a certeza de que todo mundo me odiava. E ver o
contrário é mais chocante do que imaginei que seria.
— Quando descobriu sobre o blog, você não ficou com raiva por eu contar sobre nós
para estranhos na internet? — pergunto para Gustavo, sem olhar para ele, ainda observando a
multidão do lado de fora.
— Por que ficaria?
— Escrevi sobre sua família, contei sobre sua avó e as coisas que ela me falou… Você
sabe. Tem muita coisa que poderia te fazer me odiar. Dona Amélia com certeza não me receberá
tão bem da próxima vez, isso se eu for convidada para uma próxima vez.
Gustavo solta uma risada baixa antes de me responder.
— Ayla, minha avó virou quase uma celebridade lá na cidade. Ela está adorando toda a
atenção e carinho que tem recebido. Sempre que me liga, pergunta sobre você. Acho até que tem
me ligado só para isso, porque não me ligava com toda essa frequência antes.
Ok, por essa eu não estava esperando. Viro a cabeça para o lado, a fim de olhar seu
rosto e ter certeza de que não está inventando aquilo, mas não tem nem uma sombra de
brincadeira rondando suas feições. Porém, ainda sinto a necessidade de confirmar:
— Sério?
Concorda com um balançar de cabeça e completa:
— Além de você ter falado que o meu beijo é o melhor de todos. Não tem como ficar
bravo quando dizem a verdade sobre nós.
Tenho vontade de me esconder embaixo da primeira mesa que encontrar sempre que
lembro que Gustavo leu cada um dos pensamentos que escrevi sobre ele no blog.
— Agora tem um monte de garotas caindo aos seus pés por conta dessa propaganda falsa
— falo e reviro os olhos teatralmente para ele. — Por que você sabe que nem tudo que falei lá
era verdade, né?
A lateral do seu corpo apoia no meu ao se inclinar para falar quase no meu ouvido:
— Não precisa ficar com ciúmes, porque a única garota que eu quero está aqui do meu
lado.
Estou prestes a saber o destino da minha vida, correndo o risco de ser presa, e mesmo
assim me pego sorrindo e com o coração leve, como se não tivesse nada mais importante com o
que me preocupar do que esse timbre grave arrepiando cada parte de mim.
Sua mão toca meu queixo e o levanta, deixando nossos lábios a poucos centímetros de
distância. Então, continua:
— E nós dois sabemos que, sobre o beijo, não teve mentira nenhuma.
— Convencido. — Mostro a língua para ele.
— Sou mesmo — responde com um dar de ombros. — Minha garota é a mais gata, não
tenho como não ser.
Minha. Aqui está essa palavra de novo.
Não deveria gostar tanto de alguém me nomeando como sua posse.
Mas não tem nada que eu queira mais do que ser dele. Só dele.
— Sua, é? — indago, igual da última vez em sua casa, pouco antes de tudo desandar.
Gustavo cerra os olhos e tomba a cabeça para o lado, observando meu sorriso.
— Gosta que eu fale que você é minha, leãozinho? — Passa a mão por meu ombro,
jogando os cachos para minhas costas.
Confirmo com a cabeça e o sorriso em seu rosto se alarga.
— Aquela noite lá em casa, quando me deu um pé na bunda, você não surtou por eu falar
que você era minha, não é?
Nego com receio, já sabendo onde ele quer chegar com a conversa.
— O que aconteceu para reagir daquela forma, então?
— Nada — minto e, claro, que ele não acredita.
— Você prometeu não me esconder nada.
Mordo o lábio e engulo em seco, achei que ele não iria somar o dois mais dois desse
episódio, já que não tinha tocado no assunto ainda. A pergunta até demorou a surgir e,
definitivamente, o lugar que estamos não é propício para essa conversa.
— Bom, você sabe… Eu estava meio confusa, nem lembro o motivo…
— O que você não quer me contar?
Apoio os cotovelos na perna e escondo o rosto nas mãos. Acho que essa é uma das
poucas coisas sobre a qual não tive coragem de me abrir, nem mesmo para um blog cheio de
desconhecidos, que, até onde eu sabia, nunca descobririam quem eu sou.
— Não vamos falar sobre isso aqui, onde outras pessoas podem escutar nossa conversa.
— Isso o quê?
— Você sabe, aquele negócio que mulheres e homens fazem entre quatro paredes.
O banco range quando ele se ajeita e tenta afastar minhas mãos do rosto, mas não tem
muito sucesso. Não quero que me veja ficando vermelha com esse assunto.
Sei que espera que isso aconteça em algum momento, eu também espero, muito. Tem
sido cada dia mais difícil inventar desculpas para interromper quando as coisas começam a
esquentar.
Só tenho medo de confirmar que sou péssima nisso e acabarmos não dando certo por
culpa dessa porcaria.
Com Bernardo nunca foi tão incrível, como minhas amigas descreviam sobre suas
próprias relações; sempre disse que sim por vergonha de dizer que não achava isso tudo. Não que
fosse péssimo, mas nunca foi algo pelo qual eu esperava ansiosa para acontecer.
Talvez tenha sido um dos motivos dele ter ido procurar por outras pessoas…
Não, Ayla, ele fez o que fez por ser um grande babaca!
— Você surtou porque achou que eu ia querer que fossemos até os finalmentes? —
Gustavo pergunta baixo o suficiente para que ninguém mais escute.
Sei que ele não tem nenhum problema em usar o termo que começa com “se” e termina
com “xo”, mas percebo o cuidado que teve para amenizar a conversa para mim.
— Não. Eu surtei porque poderia acontecer, e talvez você percebesse que eu sou péssima
nisso. Só não quero correr o risco do que temos mudar depois que você ver que essa parte não
vale a pena.
Afundo ainda mais o rosto nas mãos, com vergonha das palavras que acabei de falar.
Não é todo dia que tenho coragem de admitir coisas desse tipo, mas que se foda. Se quero que
ele fique, preciso que saiba disso, que talvez terá que se contentar com algo bem mediano.
— Meus ouvidos estão sangrando — fala e puxa minhas mãos de novo. Dessa vez eu
cedo e me ajeito no banco quando segura meu rosto. — Ayla, eu juro que sou uma pessoa
pacífica e sempre tentei manter minhas mãos longe do rosto do otário do seu ex-namorado,
mesmo depois de tudo que te fez, mas, porra, quero esfregar a merda da cara dele numa parede
de chapisco por te deixar acreditar nisso.
Em suas feições é fácil notar que ele não diz isso da boca para fora, a raiva em seu olhar
é perceptível, mas quanto a isso não posso culpar o meu ex-namorado.
— Ele não me deixou acreditar, nunca sequer me falou qualquer coisa desse tipo. Mas é
algo que a gente sabe. E eu sei que esse não é um dos meus dons.
Gustavo nega com a cabeça.
— Isso não é sobre dom, é sobre intimidade, carinho, desejo, cuidado. E se com seu ex
foi uma merda, é porque ele não soube te guiar, mas eu sei. — Então sorri, o sorriso capaz de
fazer com que qualquer santa quisesse ser queimada no fogo do inferno por alguns minutinhos
com aquele garoto.
— E se eu não souber do que você gosta e fizer tudo errado?
— Isso não acontecerá. Vou te falar tudo que gosto, assim como espero que faça, porque
não tem nada que eu queira mais do que ouvir você gemer a porra do meu nome enquanto…
— Gustavo — interrompo sua fala quase sem folego só com a imagem do que criou em
minha cabeça.
— É, talvez seja melhor parar. — Ele me solta, se encosta na cadeira e joga a cabeça
para trás no banco, olhando para o teto. — Acho que acabei de dificultar minha vida, imaginando
essas coisas. Não devíamos conversar sobre isso em público.
Não consigo conter a risada que me escapa ao saber que está tendo problemas em se
controlar só por me imaginar com ele, mas não ouso olhar para o seu colo para saber o tamanho
do problema.
— Eu avisei. Pelo menos mulheres têm essa vantagem.
— Você quer dizer… — começa a perguntar, mas desiste no meio do caminho. — Não,
porra. Me fale coisas nojentas para que eu pare de pensar em você.
Preciso levar a mão à boca para não gargalhar mais alto.
Porém, quando alguém avisa que estão prontos para dar a sentença, toda a felicidade é
sugada de mim instantaneamente.
O mundo roda embaixo dos meus pés.
Até Gustavo parece se recompor no mesmo instante. Se levanta primeiro do que eu e
estende a mão para que eu a segure. Faço o que manda, e não sei como consigo ter força o
suficiente para me levantar e caminhar até onde estão me esperando.
Sua mão aperta a minha antes de chegarmos na porta.
— Não importa o que aconteça, eu estou aqui — fala antes de me soltar e deixar que
enfrente meus erros.
FOFOCANDO

Após todo o tumulto do julgamento de Ayla Andrade pela fuga da polícia e destruição de
um monumento histórico, finalmente temos o veredito.
Nossa ex-blogueira e herdeira preferida foi condenada a seis meses de serviços
comunitários, que serão prestados no asilo da cidade, e ao pagamento de uma multa, cujo valor
não foi divulgado, mas acreditamos passar da casa dos cem mil. Um valor bem alto, mas que não
fará falta nenhuma no patrimônio dos Andrades.
Todos os fãs, que a apoiaram nesse período, imploram pela volta do blog e por sua
versão do acidente. Pois fontes seguras informaram que o culpado pelo vazamento dessa
informação foi Bernardo Zambaldi, ex-namorado de Ayla, com a intenção de prejudicá-la.
Será que podemos esperar por uma resposta dela ou o silêncio continuará ensurdecedor?
Comentários:
Marta: Você ainda está dando ibope pra essa menina? Quero mais é que se foda
mesmo. Infelizmente a justiça no Brasil é isso aí, enquanto o pobre tá se ferrando, os
ricos se livram de qualquer coisa com essas “condenações”.
Lourdes: @Marta É bizarra essa justiça brasileira, o inocente vai preso e o
culpado presta serviços comunitários.
Jubs1245: @Lourdes Deixa de ser amarga! Ela BATEU o carro,
sofreu um acidente! Não entrou na praça e jogou o carro lá dentro só
porque tava afim.
Pedrin: Espero que ela volte, vai ser divertido acompanhar ela nesse serviço
comunitário. Imagina essa menina trocando fralda de idoso?
(Ver mais comentários +)
GLOBAL

SAMUEL ANDRADE É AFASTADO DE SEU CARGO NA PREFEITURA DE


TRÊS LAGOS E PROIBIDO DE ASSUMIR QUALQUER CARGO PÚBLICO PELOS
PRÓXIMOS CINCO ANOS
O político Samuel Andrade seguiu os passos de seus antepassados na vida pública desde
seus vinte e nove anos. Em todo seu tempo de carreira, conquistou um currículo invejável e o
coração da população.
Na última eleição, ganhou com mais de 72% dos votos válidos da cidade.
Porém, sua popularidade sofreu uma queda drástica desde a descoberta do acidente
envolvendo sua filha, Ayla Andrade, no fim de 2018.
Em sua última aparição na mídia, o prefeito se desculpou com a população e garantiu
que o dinheiro usado para toda a reforma saiu de seu bolso e que provaria tudo isso na justiça, o
que conseguiu fazer. Entretanto, mesmo que tenha coberto todos os gastos causados pela filha,
ainda houve uma interferência na investigação policial ao subornar todos os envolvidos para
darem o caso como encerrado.
De acordo com o artigo 317 do Código Penal: Solicitar ou receber, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem pode levar a pena de reclusão de 1
(um) a 8 (oito) anos e multa.
Após a apuração das evidências, Samuel Andrade foi afastado da prefeitura de Três
Lagoas e está proibido de assumir qualquer cargo público pelos próximos cinco anos. Além
disso, foi condenado a um ano de prisão e o pagamento de uma multa.
CAPÍTULO 42

bservo minha mãe e Marcela conversarem aos cochichos no canto da sala enquanto o
O cheiro delicioso preenche todo o cômodo e faz meu estômago roncar de fome. Não tenho
dúvidas de que Valéria e sua comida é o que mais senti falta da casa dos meus pais. Assim
que ela me viu chegar com minha mãe, quase me sufocou com seu abraço e implorou para que
eu ficasse para o jantar porque faria a sua lasanha especial, vulgo, meu prato preferido.
Imaginei que seria estranho voltar depois de tudo, que poderia sentir raiva ou desistir de
morar sozinha, mas, apesar de todo o conforto e mordomia que posso ter morando com minha
mãe, sinto que não preciso de mais nada disso; não trocaria nada do que conquistei nos últimos
meses para voltar a depender deles, mesmo que seja muito mais fácil fazer isso.
Marcela abraça minha mãe e percebo que as duas têm lágrimas nos olhos, parece que
sentiram falta da amizade que tinham antes das mentiras de Thiago arruinarem tudo. Depois de
descobrir o que ele havia feito comigo, Marcela foi em busca da verdade sobre sua prisão e não
gostou muito do que descobriu.
Thiago não foi preso injustamente, roubou cada centavo pelo qual foi condenado e
provas não faltavam, porém ela e minha mãe o amavam tanto que insistiram em acreditar em sua
palavra. E não posso nem julgar, pois eu, que o conheci há pouco tempo, duvidei dos meus pais
por ele.
O homem sabe ser convincente, sabe como jogar para deixar cada uma das pessoas do
seu lado. Quando me contou toda a história, senti raiva por ele, me coloquei em seu lugar, quis
vir até meus pais por vingança. E tudo não passava de uma gigantesca mentira.
Quero que ele sofra por tudo que fez conosco, mas dessa vez não fez nada ilegal, só foi
um grande filho da puta. E, para minha infelicidade, continua andando pelo bairro como se nada
tivesse acontecido, além de ficar se exibindo com a moto que comprou com o dinheiro vaquinha.
Marcela até tentou conversar de novo com ele para entender o porquê de ter feito o que
fez, mas, depois de inúmeras tentativas sem sucesso, acabou desistindo.
O celular vibra em minha mão e vejo a notificação de resposta ao meu anúncio no
Instagram. Mais uma pessoa interessada em meu trabalho de social media. Abro um sorriso ao
ver pelo menos alguma coisa parecendo dar certo na minha vida.
Gustavo sai do banheiro e me assunta ao deixar a porta bater um pouco mais forte do que
deveria por conta do vento que entra pela varanda. Abre o sorriso de sempre ao me pegar o
observando e lá se vai meu coração se apaixonando um pouquinho mais.
Bom, acho que são duas coisas dando certo.
Vem em minha direção, mas não se senta, para bem na minha frente.
— Seu zíper está aberto — falo na melhor das intenções, mas é óbvio, que ele não
interpreta a fala com a inocência que eu gostaria.
Até porque, ele nunca faz isso.
Já deveria ter aprendido a essa altura do campeonato que preciso tomar muito cuidado
antes de falar qualquer vírgula para ele.
Só pelo seu apertar de lábios, entendo que errei em alguma coisa que nem sei ainda.
Porém, não demoro a descobrir a gafe da vez quando retruca:
— O que estava procurando aí embaixo, Ayla? — Sobe o zíper da calça. — Com certeza
não teria reparado no zíper se estivesse olhando em meus olhos.
Sinto o rosto começar a queimar e me apresso a ver se minha mãe ou Marcela o ouviram,
mas as duas parecem distraídas demais em suas próprias conversas. Então, em vez de deixar que
me provoque, decido responder, deixando de lado todos os meus medos e receios em relação a
isso.
— Talvez não sejam seus olhos que eu queira ver agora.
Vejo, pela primeira vez na vida, Gustavo se desconcertar inteiro à minha frente. Fica
sério, engole em seco e, desta vez, é ele quem confere se ninguém mais escutou.
Preciso me conter para não gargalhar com o sabor da vitória em minha boca ao conseguir
fazer isso com ele pelo menos uma vez na vida.
— Você só está falando isso porque estamos na sala da casa da sua mãe. — Senta ao
meu lado e puxa minhas pernas para o seu colo. Então, encaixa a mão em meu rosto e aproxima
os lábios dos meus. — Quero você falando isso mais tarde, quando estivermos só nós dois.
Talvez eu possa finalmente te mostrar as outras utilidades do meu piercing.
Passa a bolinha prateada pelos dentes em meio ao sorriso safado. Está me provocando,
achando que vou recuar, como sempre tenho feito, mas não hoje.
Me aproximo mais dele e coloco a cabeça em seu ombro, do lado que impede minha mãe
ou a Marcela de ver o que estou prestes a fazer. Então, deslizo a língua por seu pescoço e
sussurro no ouvido:
— Mais tarde vou fazer bem mais do que só falar.
Não sei se já me senti tão poderosa antes quanto me sinto agora ao ver o modo como seu
corpo se arrepia e ele fecha os olhos por alguns segundos enquanto a respiração fica ofegante.
— Porra, Ayla, acho que não poderei me levantar desse sofá tão cedo agora. — Abaixa a
cabeça até sua testa apoiar em meu ombro.
Fico confusa por um momento, mas entendo sobre o que está falando quando puxa uma
das almofadas e a coloca sobre o colo, em cima da minha perna.
— Você… — começo a perguntar, mas desisto no meio do caminho e solto uma
gargalhada.
Ele morde meu ombro de leve e depois sussurra:
— Você me paga por isso.
— Com prazer! — respondo.
Sua mão afunda em meu cabelo ao me puxar para um beijo.
— Com certeza prazer não vai faltar nesse pagamento. — A intensidade de sua voz faz
todo o meu corpo se arrepiar e me perguntar se alguém repararia se eu o levasse para conhecer
meu quarto pelas próximas horas.
— Gay, não é? — Somos interrompidos por minha mãe.
Gustavo se ajeita no sofá e olha para a mulher a sua frente.
— Eu nunca falei isso, foi sua filha.
— Traidor! — Bato de leve em seu peito. — Me jogue mesmo para os leões.
Claro que a essa altura dona Laura já está mais do que ciente de que ele não é gay. Havia
lido todo o blog e sabe o porquê da mentira, mas não tinha nos confrontado sobre a isso até
agora.
— Obrigada por ter cuidado dela, Gustavo — fala minha mãe com um sorriso. —
Samuel não teve tempo de conversar com você, mas nós dois temos certeza de que seu pai estaria
orgulhoso do homem incrível que você está se tornando.
Acho que ele não estava esperando por isso, pois parece um pouco sem jeito. Nem
mesmo eu esperava por essas palavras depois de todo sermão que meu pai me deu ao saber sobre
eu ter o reencontrado.
— Não tenho tanta certeza — responde em tom de brincadeira.
Talvez porque para ele seja difícil acreditar nessas palavras depois de tudo que me
contou. A ferida de ter brigado com o pai na última vez que o viu ainda está aberta, mesmo
depois de tantos anos, mas eu o ajudarei a fechá-la.
— Eu tenho — falo e aperto sua mão.
Dessa vez, ao me olhar, sinto o coração derreter, pois, mesmo sem dizer uma palavra,
vejo o “eu te amo” silencioso e espero que ele consiga entender a minha resposta também.
Valéria diz que a lasanha está quase pronta e me levanto em um pulo para ir organizar a
mesa. Papai falou que queria que usássemos as louças do casamento dele com a mamãe. Pediu
para não ficarmos tristes ou chorando, porque ele não está morto, apenas cometeu um erro e
pagará por isso, mas que em breve estará de volta.
Tiro os pratos da cristaleira e preciso engolir a vontade de chorar.
Ele pediu para você não se culpar!, reforço para mim mesma.
Mas é difícil não me deixar pensar que nada disso estaria acontecendo se eu tivesse feito
uma escolha diferente.
— Precisa de ajuda? — Gustavo pergunta.
Nego com a cabeça e escondo o rosto para que não veja que meu nariz vermelho, mesmo
que nenhuma lágrima tenha caído. Porém, entende o que está acontecendo aqui dentro só pela
forma que eu o evito.
— Não é culpa sua, leãozinho. — Seus braços contornam minha cintura por trás e ele
beija meu cabelo. Não preciso dizer o que estou sentindo porque passei o dia me culpando pela
prisão do meu pai. Ele sabe que é minha consciência me atormentando de novo. — Pare de
pensar sobre isso, você só vai ficar se torturando por algo que não pode mudar.
— Mas foi culpa minha — respondo e deixo os ombros caírem. — Se eu tivesse tomado
uma decisão certa naquela noite, nada disso teria acontecido. Eu poderia não ter ido à festa, não
ter aceitado a ideia de invadir a prefeitura ou não ter tentado fugir da polícia. Era só uma dessas
decisões que eu precisava mudar…
— Nós somos nossas decisões, Ayla. Naquela noite você não poderia ter feito diferente,
porque aquelas decisões eram quem você era. Você nunca seria quem é hoje se não tivesse
cometido todos esses erros lá atrás. — Sua mão puxa meu quadril, me virando de frente para ele.
— Assim como seu pai, ele decidiu esconder tudo sobre o acidente. Se tivesse deixado que as
pessoas soubessem, talvez as coisas fossem diferentes, mas ele quis se proteger. Poderia ter
lidado com a situação de várias formas diferentes, mas essa foi a que escolheu, mesmo sabendo
que a verdade poderia vir à tona em algum momento. Não é culpa sua, tá bom?
Concordo com a cabeça, mesmo sem acreditar cem por cento no que falou. Esse assunto
ainda irá me atormentar por bastante tempo, mas não irei contra o que meu pai pediu, pelo menos
não hoje.
— Obrigada, não sei o que faria sem você.
— Claro que sabe — retruca. — Botaria fogo na casa depois de esquecer alguma panela
no fogão.
— Para sua informação, eu fiz arroz ontem e nem grudou no fundo da panela.
Nós rimos e ele me ajuda a levar toda a louça até a mesa, onde começamos a arrumar
tudo do jeitinho que minha mãe gosta.
— Me ajudou a cozinhar e agora está colocando a mesa? — Valéria fala, vindo da
cozinha com a travessa quente com a lasanha. — Quem é essa garota?
— Eu te falei que sair das nossas asas foi a melhor coisa para ela — mamãe responde,
vindo da sala com a pessoa que a odiou por tantos anos bem ao seu lado.
Nunca imaginaria um mundo que as duas estivessem se dando bem depois de ver o ódio
da minha chefe sempre que o nome Laura era citado.
— Ela não fazia essas coisas antes? — pergunta Marcela e se senta em uma das cadeiras.
— Eu achava que ela nem sabia onde ficavam as louças — Valéria responde e coloca a
travessa em cima da tábua que coloquei na mesa.
— Engraçadinhas, sempre ajudei em casa — minto, com vergonha da Ayla do passado,
que não lavava nem o copo de água que bebia.
Valéria é a primeira a cair na gargalhada e, logo, todos estão rindo de mim.
CAPÍTULO 43

ustavo estaciona o carro em frente à minha casa. Não da minha avó, minha.
G Está uma zona com a reforma do piso da sala, tem poeira até dentro do armário,
mas é tão bom ver o local ganhando um pouco da minha cara. Não estou nem mesmo me
importando que provavelmente vá durar mais alguns meses toda essa bagunça, já que me recusei
a aceitar o dinheiro dos meus pais para ajudar a acelerar o processo.
Posso ainda não ganhar rios de dinheiro, mas com os novos clientes que tenho
conseguido e a porcentagem das vendas online que a Marcela me repassa, as coisas estão
começando a melhorar. É maravilhoso ver algo que começou dentro da casa dela tomar
proporções tão grandes a ponto de precisar alugar um galpão para estocar os produtos.
— Você vai entrar? — pergunto ao tirar o cinto, sentindo todo o nervosismo voltar.
— Você quer que eu entre?
Mordo o lábio e afirmo com a cabeça.
O clique do cinto dele faz barulho ao se soltar, então, se inclina em minha direção e me
beija. Não sei se um dia me enjoarei disso. Não importa quantas vezes aconteça, a sensação é
sempre a mesma da primeira vez, todas as borboletas e arrepios.
Estou me perdendo em seus lábios quando batidas fortes no vidro e um grito me tiram do
rumo. Quase pulo no colo de Gustavo, achando se tratar de um assalto, até que meu olhar foca na
pessoa do outro lado da janela e levo poucos segundos para reconhecer a figura.
Bernardo.
Ele está horrível.
Meu Deus!
Sempre odiei o fato dele continuar lindo mesmo depois do que fez comigo, mas, agora
está quase irreconhecível. A barba toda falhada parece não ver um barbeador há semanas, o
cabelo talvez já desconheça a existência de shampoo há um bom tempo, e que diabos de roupas
são essas? Parece não trocar há dias, tem uma mancha de ketchup, ou pelo menos acho que é, na
blusa branca.
— Sai desse carro, Ayla! — grita de novo e não preciso de mais do que isso para saber
que está bêbado. — Não acredito que você tá dando pra esse idiota.
— Fica aqui — Gustavo fala e desce. — O que você quer, Bernardo?
— Quero a Ayla de volta! Você deveria ter ido embora. Por que tinha que voltar?
— Cara, você tá bêbado. Vai embora.
Bernardo tropeça nos próprios pés ao sair de onde está para ir até o lado do motorista.
Abro a porta e saio a tempo de ver sua tentativa falha de bater em Gustavo, que ainda precisa o
segurar para impedir que ele caia no chão.
— Eu quero te socar por estar comendo a minha garota — fala, tentando se colocar de pé
de novo.
Sinto asco de ouvir aquelas palavras. Quem ele acha que eu sou para falar assim de
mim?
— Ninguém está me comendo e você precisa ir embora! — grito, me aproximando.
Bernardo ri e olha para mim, depois para Gustavo, que tem uma expressão que nunca vi
antes em seu olhar. Não tem nem sombra do garoto brincalhão e cheio de piadas, parece
concentrado em controlar cada parte de si para não ir para cima do meu ex-namorado.
— Ainda sou o único dela? — pergunta com um tom de provocação, que parece atingir
seu objetivo, pois,por trás de toda a raiva, consigo ver a mágoa nos olhos de Gustavo. — Já estão
namorando há todo esse tempo e nem comeu ainda? Ela me deu no primeiro mês.
Quero me encolher em uma bolinha e chorar com a forma que ele fala. Parece que fui só
mais uma das várias que pegou, não a porra da garota que foi enganada, que acreditou ter um
relacionamento sério por cinco anos. Porém, nada que sai da boca dele é capaz de me magoar
tanto quanto ver a pessoa por quem eu faria qualquer coisa evitar meu olhar.
Tenho vontade de o sacudir e gritar, perguntando como ele ousa acreditar nessas merdas,
que tudo que eu mais quero é ser dele por inteira, mas antes que eu consiga agir, Gustavo
responde:
— Não estamos namorando.
Pisco os olhos, encarando-o, implorando em silêncio para se virar para mim, mas ele não
o faz.
Bernardo pode ter errado o soco, mas o atingiu em um lugar que dói muito mais com
suas palavras. Como eu quero que Gustavo acredite que o amo se sempre fujo de suas investidas
quando foi tão fácil para o meu ex?
Entendo o motivo de ficar puto com isso, mas não faz com que doa menos o escutar
dizer que não estamos namorando.
Nunca aconteceu uma conversa para rotularmos o relacionamento como um namoro,
mas, depois de todas as declarações, achei que não precisávamos disso para estabelecer o que
somos um para o outro.
Mas talvez tenha sido isso só na minha cabeça…
Por que ele nunca me pediu em namoro?
Será que existem outras garotas no jogo e por isso prefere manter nossa relação assim?
Será que me iludi de novo, acreditando que dessa vez seria diferente?
Bernardo também fez todas essas coisas e no final descobri que as repetia para outras dez
ao mesmo tempo.
Balanço a cabeça, tentando não comparar os relacionamentos. Gustavo não é Bernardo.
Porém, é difícil não comparar quando estou me sentindo tão traída.
Bernardo cambaleia para o meu lado.
— Desculpa pelo que fiz, eu te amo — fala.
Dou um passo para trás, impedindo que me toque.
— Se me amasse nunca teria me traído, muito menos ido até a imprensa contar sobre o
acidente. Meu pai está preso por sua culpa!
— Eu estava com raiva. — Apoia a mão no capô para se equilibrar. — Aquele seu blog
me fez perder tudo que eu tinha, a Ana não me deixou ficar com nada. O pai dela acabou
comigo.
Demoro um segundo para entender que Ana é sua ex-mulher, a primeira enganada da
história. Nem lembrava mais o nome dela, não quis saber mais nada sobre ela ou ele depois da
notícia no Fofocando e até deletei a informação do meu cérebro, mas a raiva volta com tudo ao
lembrar.
— Você era casado, Bernardo! — grito. — Tem noção disso? Em nenhum momento do
nosso relacionamento você esteve só comigo. Eu sempre fui a outra.
Nega com a cabeça e respira fundo por um segundo, como se o movimento tivesse sido
forte demais para o grau de álcool no sangue.
— Meu relacionamento com a Ana sempre foi fachada, ela só estava comigo porque os
pais dela não aceitavam o relacionamento dela com outras mulheres, mas quando tentei contar a
verdade sobre isso, quando pedi para ela desmentir tudo, ela acabou comigo…
— Para de mentir! — grito. — Você é ótimo em inventar desculpas mesmo. Admita uma
vez na vida seus erros. Você enganou a todas nós. Ela está grávida de você, como tem coragem?
— Você tem razão, me perdoa. Só quero a chance de te reconquistar.
— Foda-se o que você quer, Bernardo.
— Me dá pelo menos um beijo de despedida — implora e volta a tentar se aproximar.
— Não chegue perto de mim. — Empurro-o de leve para que se afaste, mas suas
pernas não estão fortes o suficiente nem mesmo para aguentar isso e ele cambaleia em direção ao
meio-fio.
Se Gustavo não estivesse logo atrás, Bernardo teria caído, mas ele o segura, firmando-o
no lugar.
— Estou sendo legal com você porque está bêbado e se um dia eu te bater, quero que se
lembre bem para nunca mais tentar qualquer gracinha. Mas se tentar encostar a porra do dedo
nela de novo, talvez eu mude de ideia. — A ameaça é feita em um tom baixo, que me causaria
arrepios de medo se não conhecesse tão bem a pessoa que a pronuncia.
Bernardo se esforça para se equilibrar enquanto se desvencilha de Gustavo.
— Quero ver você tentar — provoca novamente.
— Só vai embora, Bernardo, por favor — imploro.
Ele se vira para mim, ignorando a briga que não tem a menor chance de ganhar no estado
em que está.
— Eu não tenho para onde ir — admite com uma risada forçada. — Pegaram meu
dinheiro, meu carro, minha casa… Pensei que talvez pudesse me deixar ficar por uns dias.
— Você não pode ficar aqui. Cadê o dinheiro do seu trabalho? Não me ofereceu um
pagamento para eu deletar o blog? — pergunto. — Sempre gostou de se gabar que trabalhar
embarcado dava dinheiro, cadê ele agora?
— Nunca trabalhei embarcado — admite. — Trabalhava para a empresa do meu sogro,
cuidava da filial daqui de Três Lagoas. Nunca juntei nada porque sempre tive o dinheiro da Ana
disponível. Agora, eles me deixaram sem nada por culpa daquele blog idiota.
Pelo visto, todo o mal que fez com as pessoas ao seu redor está voltando em dobro para
sua vida. Queria ser uma pessoa melhor para dizer que ninguém merece passar por isso, mas não
sou.
— Não, Bernardo, não foi o blog que fez isso, foi você. Suas atitudes de merda te
deixaram sem nada.
Pela forma que me olha, penso que vai começar a chorar, mas, em vez disso, ele se dobra
para frente e vomita, sujando meu tênis e minha perna no processo.
— Ah, que nojo! — grito e levo a mão à boca para não vomitar também.
Não consigo ver ninguém vomitando sem ter ânsia.
Ainda estou tentando controlar meu estômago quando Bernardo cai em cima de mim.
— Que merda você… — começo a falar antes de ser jogada para cima do capô do carro
com o seu peso. — Bernardo!
Gustavo o puxa de cima de mim e só então que notamos que ele não caiu apenas, está
completamente apagado. O sacudimos algumas vezes, tentando acordá-lo, mas ele está
desmaiado.
— Caralho, não acredito que vou ter que levar esse babaca para o hospital — fala, já o
carregando até a porta traseira do carro.
Depois de conseguir o colocar no banco, entra no carro e eu o acompanho. Não trocamos
uma única palavra em todo percurso que não seja sobre garantir que Bernardo não acabe
sufocando no próprio vômito.
CAPÍTULO 44

Um maldito coma alcoólico.


Se já não bastasse tudo que meu ex-namorado me fez passar, ele ainda tinha que beber
até seu fígado gritar e me fazer ter um treco por achar que tinha morrido. Se eu pudesse colocar
as mãos nele neste momento, o mataria sem dó nem piedade. Tenho certeza de que seria elogiada
por livrar o mundo de uma pessoa tão horrível.
Não sei por que estou me sentindo aliviada por saber que ele ficará bem, mesmo com
todo ódio acumulado dentro de mim.
Gustavo evitou meu olhar por todo o caminho e enquanto estávamos no hospital. E o
pior de tudo é que eu não podia simplesmente gritar com ele no meio do silêncio do lugar para
dizer que está agindo como um idiota por deixar as palavras do meu ex-namorado bêbado
mexerem com ele dessa forma.
Acabei de me livrar de um escândalo, não preciso de mais um para a conta.
Porém, assim que entramos no carro e ele continua não fazendo a menor questão de olhar
para mim, não consigo conter a raiva e as palavras saem como um turbilhão:
— Por que você não está olhando para mim? Não acredito que deixou Bernardo mexer
com a sua cabeça dessa forma. Acha mesmo que não te amo só porque não dormimos juntos
ainda? Se acredita nisso, talvez…
— Não ligo para as provocações do seu ex-namorado, Ayla — responde em um tom tão
frio que posso sentir uma corrente gelada percorrer todo o meu corpo. — Só não suporto ver a
forma como ele ainda mexe com você.
Fico calada por alguns segundos, tentando processar o que ele quer dizer com isso, mas
continuo sem entender.
— Como assim, a forma que ele mexe comigo?
— Ayla. — Meu nome sai quase como uma súplica de seus lábios, seu olhar encontra o
meu por um instante e consigo ver a mágoa em cada canto dele. — Não me importo de esperar o
tempo que for preciso para ter você por inteira, mas como quer que eu me sinta quando faz
questão de dizer para o Bernardo que não estamos dormindo juntos? Não seria a primeira vez
que você o escolheria…
Os nós de seus dedos estão brancos com a força que segura o volante. Meu coração
afunda no peito ao entender o que se passa em sua cabeça. Diferente do meu antigo
relacionamento, Gustavo não faz jogos, coloca todas as cartas na mesa e me deixa enxergar cada
uma das suas vulnerabilidades.
Quero pular em seu colo e o beijar para deixar bem claro que entendeu tudo errado, que
não existe realidade onde minha escolha não seja ele, mas o carro está em movimento e não acho
que posso fazer isso sem correr o risco de acabarmos abraçados em um poste. Então, me
contento em explicar o que passou por minha cabeça naquele momento:
— Eu não falei aquilo para que ele soubesse que não tínhamos ido até os finalmentes
ainda, e sim por achar nojenta a forma que se referiu a mim. Não sou comida de ninguém. Não
percebi como isso poderia soar, desculpa. Não era minha intenção expor nossa intimidade, só
não queria ser tratada como uma simples foda sem significado, como ele estava dando a
entender. — Viro para o lado, com uma decisão em mente. — Não quero mais esse muro entre
nós dois, não quero que você duvide nem por um segundo de que não seria sempre minha
primeira escolha. Vamos lá para casa resolver isso agora!
Gustavo olha para mim rapidamente e já não vejo mais a frieza em seu rosto.
— Ayla, eu não preciso de sexo pra resolver nada. — Estende a mão direita para mim e
entrelaço nossos dedos. Com as duas unidas, leva até a boca e deixa um beijo em minha pele. —
Não que eu não queira, mas não me importo de derrubar cada uma das barreiras que o idiota do
seu ex te fez erguer, esperarei o tempo que for preciso. Não quero que você se force a fazer isso
só para provar um ponto. Não fiquei chateado pela baboseira que Bernardo falou, se gabar de ter
sido o único quando a garota em questão odeia sexo e acha que não é boa nisso não é uma
vitória.
O carro para em frente à minha casa pela segunda vez na noite e desta vez não tem
ninguém nos esperando. Apenas nós dois.
— Mas e se eu for péssima mesmo? Você me fala a verdade? Juro que posso tentar
aprender…
Antes que eu termine de colocar para fora todas as minhas aflições, Gustavo se inclina
em minha direção e me beija, fazendo-me engolir cada uma daquelas inseguranças. Então, se
afasta e segura meu rosto.
— O dia que acontecer entre nós dois, você vai entender que nunca foi péssima depois
de gritar a porra do meu nome a noite inteira.
Preciso apertar minhas pernas uma contra a outra depois disso. Talvez meu corpo já
esteja exigindo que eu mude esse suposto dia para hoje. Não para provar um ponto, mas por não
conseguir mais impedir a vontade gritante de me entregar a ele. Porém, não consigo não o
alertar:
— Não sou muito o tipo de garota que geme ou grita nomes, é melhor não ter essas
expectativas.
Sua boca encontra minha orelha, onde deixa algumas mordidinhas antes de responder:
— Quanto quer apostar que isso vai mudar quando tiver o corpo embaixo do meu? — A
voz sexy parece escorregar diretamente para o ponto mais quente dentro de mim.
Preciso respirar fundo para não ligar o foda-se e falar que agora ele terá que me provar
tudo que está prometendo, mas a Ayla rancorosa ainda tem uma coisa martelando na cabeça e
não me deixará em paz enquanto não o confrontar quanto a isso.
Coloco a mão em seu peito e o afasto para conseguir olhar em seus olhos.
— Antes de começar com essas suas safadezas…
— Só minhas? — pergunta, me interrompendo.
Cerro os olhos e ele se cala, mas não tira o sorriso do rosto.
— Você reclamou de mim, mas também quis deixar claro que não estamos namorando.
Se tem tanta certeza de que quer ficar comigo, por que ainda não me pediu em namoro? Por que
quis falar isso para o Bernardo? Fez todas aquelas declarações para mim, mas ainda quer manter
a área livre para outras garotas? Isso é...
E ele me beija para me calar, de novo.
Quero ficar com ódio, mas como ter raiva de um beijo que faz todo o mundo ao redor
parar?
— Quantas vezes vou precisar dizer que nunca existiu outra garota para mim, leãozinho?
— Segura minha mão e a leva até o próprio peito, que bate de forma acelerada. — Consegue
sentir?
Concordo com a cabeça.
— Você é a única que faz isso comigo. Eu sou completamente apaixonado por você e
falarei isso quantas vezes precisar ouvir. Todos os dias, a cada hora.
Sinto mais um pedacinho da minha confiança, que havia sido estraçalhada por Bernardo
e Fernanda, se colar.
— Então, por que…
— Porque eu estava preparando uma surpresa para o pedido, mas acho que, se não falar
agora, você vai desconfiar de que estou mentindo. — Tira o celular do bolso e mexe em algumas
coisas antes de estender para mim. — Ainda não está pronto, mas é melhor do que nada.
Assim que a tela entra no meu campo de visão, vejo a abertura de um jogo; na imagem
tem dois personagens, um homem e uma mulher, que são uma versão 3D minha e de Gustavo.
— Você estava fazendo um jogo para mim? — pergunto e aperto o play.
A tela dá um bug, mas logo entra no que acho que seja o jogo.
— Falei que não está pronto…
É parecido com um jogo de detetive, daqueles que precisa encontrar objetos nas cenas.
Porém, nesse jogo todas as cenas são lugares que conheço. A primeira, é o bar que nos
reencontramos e eu acho algo muito parecido com uma embalagem de remédio para gases. Na
segunda, é uma cozinha e preciso encontrar um pedaço de brownie e um pacote de miojo. Na
terceira, encontro um celular numa loja de bugigangas. Em cada cena um objeto da nossa história
está presente, acho um teste de gravidez e uma máscara de skincare no banheiro, um lençol
amassado no quarto e assim por diante, até acabar com um cachorrinho em frente ao hospital.
Depois disso a tela dá um erro.
— As outras fases ainda não estão prontas — explica Gustavo —, mas depois de juntar
todos os objetos, o personagem que se parece comigo iria perguntar para a que se parece com
você se ela aceita namorar ele, e teria um "sim" e um "não" na tela para você responder.
Estou com um sorriso tão grande no rosto que acho que nunca mais serei capaz de o tirar
daqui. Ele fez tudo aquilo só para me pedir em namoro? Quanto tempo de trabalho não deve ter
levado para isso? Não tenho nem ideia do tempo que leva para montar um jogo.
— Eu clicaria na opção "sim" — respondo. — O que aconteceria depois disso?
— Eu tiraria o celular da sua mão e te beijaria, repetindo o pedido na vida real.
— E eu responderia "sim", de novo.
Me jogo em seus braços e afundo o rosto em seu pescoço, rindo sem motivo. Ele me
aperta contra o peito e beija meu cabelo. E aqui, em meio ao seu abraço e às batidas do seu
coração, sinto que encontrei o meu “felizes para sempre”.
— Eu te amo — sussurro.
Levanto o rosto e o beijo enquanto me ajeito para sentar em seu colo. Suas mãos estão
contidas, então pego uma delas e levo até minha coxa, arrastando-a até a barra da saia. Ele joga a
cabeça para trás e fecha os olhos. Aproveito para beijar seu pescoço e o som que deixa sua boca
arrepia cada pelo do meu corpo.
— Ayla, não precisamos fazer isso se ainda não tiver pronta — fala, mesmo que parar
pareça ser a última coisa que quer no momento.
— Eu acho que nunca quis tanto ir até o final quanto quero agora — respondo num
sussurro.
E parece que é tudo que ele precisa para abrir mão de todas as barreiras que ainda o
impedem. O controle cede assim que as palavras saem de minha boca.
As mãos, antes contidas, me puxaram contra seu corpo.
— Olha o que você faz comigo só de me beijar.
É impossível não sentir o que ele quer dizer com isso e dessa vez sou eu quem deixa
escapar um gemido, arrancando dele o sorriso que preciso gravar na memória para sempre, pela
forma que me faz queimar.
— Acho que precisamos entrar, não quero dar um show particular para seus vizinhos.
Abre a porta do carro e desço antes dele, já em busca da chave do portão, que parece
querer brincar de pique-esconde comigo justo neste momento. Ou talvez seja seu corpo prensado
junto ao meu, com um milhão de promessas para cumprir, que esteja bagunçando meu juízo e me
impedindo de encontrar a maldita chave.
— Se você não parar, não vou conseguir achar a chave — falo.
Com uma risada, pega da minha mão e encontra mais rápido do que parece
humanamente possível, abrindo o portão e me colocando para dentro junto dele, fazendo o
mesmo com a porta da sala, que mal bate atrás e já voo para cima dele.
Para a nossa sorte, não precisamos nem lidar com Pirata pedindo atenção, pois ele ficou
com a Fernanda por alguns dias enquanto eu lidava com todas as coisas do tribunal.
Gustavo segura firme minhas pernas e me ergue em seu colo. Entrelaço-as em suas
costas e ele me prensa contra a porta, explorando cada parte de mim com as mãos.
Não me reteso, como acontecia, quando os dedos acariciam minha cicatriz, nem quando
ele puxa minha blusa e olha para ela por mais tempo do que me sentiria confortável com outra
pessoa olhando.
— Você é a coisa mais linda que já coloquei os olhos — fala e coloca meu cabelo para o
lado.
Beija meu pescoço, desce para o meu colo e seguro a respiração quando seus lábios se
aproximam da borda do sutiã. Passa a língua por cima do tecido e estrelas piscam em minha
visão quando seu nome sai em um gemido da minha boca.
— Achei que você não era o tipo de garota que gemia nomes — provoca.
— Achei que você me faria gritar.
Sua risada balança nossos corpos.
— A noite está só começando.
Tive que engolir todas as minhas provocações quando ele cumpriu cada uma das suas
promessas e eu descobri que não era nem um pouco ruim naquilo.
AS DECISÕES DE AYLA

O Retorno

Era uma vez uma garota de um reino não tão distante que só tomava péssimas decisões e
talvez tenha acabado de tomar mais uma dessas…
Eu disse sim… para voltar com o blog. (O sim que você pensou talvez ainda demore um
pouco mais para vir. Até porque, depois de elaborar um jogo para o pedido de namoro, o Crush
Gustavo precisará pensar bastante para superar as expectativas no pedido de noivado.)
O Blog agora tem meu nome verdadeiro e uma criadora com a vida um pouco menos
complicada. (Tá, talvez não tão menos assim, afinal, é a vida, que é feita de complicações.)
Mas vamos lá…
Primeiro: não faço mais um curso que odeio. (Nem curso nenhum.)
Pois continuo não tendo ideia do que quero fazer para o resto da vida. Achei que dezoito
anos era muito cedo para essa decisão, mas já se passaram quase quatro anos e permaneço na
mesma. Será que existe uma idade mágica em que tudo vai se resolver e vou falar: “É isso!”?
Espero que sim, porque até agora acho que ainda não entendi direito as regras desse jogo da vida.
Porém, estou trabalhando como social media, e apesar de não ser a profissão da minha
vida, é algo que eu sou muito boa e tem me rendido um bom dinheiro. Então, não posso
reclamar.
Minha mãe não ficou tão feliz com isso, apesar de continuar dizendo que me apoia em
qualquer coisa, sei que preferiria que eu seguisse alguma profissão mais “tradicional”, das que
teria orgulho de se gabar para as amigas. Porém, isso não é nada que me incomoda mais.
Já meu pai, não se cansa de falar o quanto está orgulhoso de mim. Ele não tem tanta
preocupação com o status, só gosta de me ver crescer e andar com as próprias pernas.
Porém, não posso julgar minha mãe, porque sei que muita gente não a aceita nos círculos
sociais do meu pai por não ser de uma família como a deles, mesmo que já estejam casados há
tanto tempo.
Minha relação com eles continua não sendo perfeita, mas desde que meu pai ganhou sua
liberdade, temos sido muito mais uma família do que fomos por anos enquanto morávamos
embaixo do mesmo teto.
Segundo: meu presente de Deus não está sendo usado por outra pessoa. (Pelo menos não
que eu saiba.)
Gustavo passa cada segundo disponível do seu dia me mimando e mostrando que eu sou
a garota mais sortuda do mundo por ter encontrado o último homem romântico (e completamente
sem-vergonha) deste planeta. Porém, esse meu exemplar também vem com um software de
eterna quinta-série instalado, que me faz passar por muitas situações constrangedoras, apesar de
sempre garantir boas risadas.
Nós estamos quase morando juntos, ele passa mais tempo na minha casa do que na dele e
já tem uma cômoda inteira para suas roupas. (Quase casados, mas, dessa vez, com os benefícios.)
Dona Amélia me liga quase todo dia desde que descobriu isso, porque já quer reservar
seu jardim para nosso casamento. (Que não teve nem pedido, mas ela está certa de que
acontecerá em breve. Talvez saiba de algo que não sei.) Confesso que não odiaria a ideia, mas
daqui a alguns anos, acho que ainda somos muito novos para pensar em casamento. Sei que na
época dela era normal casar novo, mas não precisamos mais apressar as coisas como
antigamente. Temos a vida inteira para curtir esse amor. (Sim, tô brega. Se você tivesse um
Gustavo para chamar de seu, me entenderia.)
Terceiro: minha melhor amiga não está abrindo meu presente.
Não sei se um dia conseguirei confiar nela como antes, mas meu coração quis dar outra
chance para a Fernanda e espero que, dessa vez, ele não tenha tomado a decisão errada.
Senti muita falta da companhia dela e consegui ver o tanto que estava arrependida pelo
que fez.
Ainda temos um longo caminho a percorrer para as coisas voltarem ao normal, mas
espero chegar lá.
Afinal, como poderia odiar a única pessoa que teve coragem de dar um soco bem dado
na cara do idiota do Bundão? (Me recuso a o chamar por outro nome)
Vocês devem ter visto as fotos, que foram divulgadas na internet, mas presenciar aquilo
foi um momento épico!
Fernanda saiu do prédio na minha frente, enquanto eu arrumava a coleira de Pirata, e
quando saí da portaria, só tive tempo de a ver levar o braço para trás e acertar bem no meio da
cara dele. (Deve ter doído bastante, pois se tem uma coisa que essa garota sabe fazer é dar um
soco. Já havia feito uma aula de boxe com ela e me arrependi logo depois de ter topado.)
Depois me contou que ele havia ido atrás dela para dizer que sempre foi o verdadeiro
amor dele, mas que sabia que se ficasse com ela estragaria nossa amizade e nunca quis fazer isso.
(A capacidade dele de inventar mentiras para tentar se safar é surpreendente, talvez só não supere
a do Tiozão — outro que me recuso a nomear.)
O Bundão parece estar desesperado para encontrar qualquer pessoa para se escorar, pois
segundo uma entrevista que sua ex-mulher deu recentemente, ele nunca gostou de trabalhar.
Não queria dizer que gosto de saber que está na merda, mas eu gosto. Me julguem!
Como podem ver, o caos faz parte da minha vida, independente das decisões que eu
tome. Nunca serei a pessoa calma, que pensa antes de fazer ou falar. Admiro quem consegue,
mas tentar fazer isso seria tentar ser alguém que não sou. Então, o máximo que posso fazer é
aprender a lidar com todas as merdas que essa impulsividade ainda trará para mim.
E espero que vocês queiram acompanhar tudo, porque continuarei sendo a fofoqueira da
própria vida.
Beijos,
Ayla Andrade

FIM
AGRADECIMENTOS

Este livro não existiria sem cada uma das leitoras que o acompanhou no wattpad e
deixou os mais diversos comentários que guiaram essa história. (Todos os comentários dos
capítulos do blog vieram de lá, pois queria deixar o mais real possível. E, se você foi uma dessas
pessoas, espero que tenha encontrado seu nome. Tentei usar de todas que comentavam com mais
frequência.) Por isso, começo os agradecimentos por vocês. Espero que tenham gostado da nova
versão.
Às minhas betas, que sofreram para me ajudar com essa história. Ela não seria a mesma
sem vocês. Obrigada por cada cobrança, choro e gritaria. Prometo não ser a última vez que
abusarei da boa vontade de vocês.
Ao meu noivo, minhas irmãs e minha cunhada, que mesmo sem terem lido são os
primeiros a divulgar para Deus e o mundo.
E, por fim, a você, leitor, que faz todo o trabalho da escrita valer a pena quando deixa
uma avaliação positiva ou vem me contar o tanto que gostou das minhas histórias.

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