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FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA

FARMACODINAMIA
HELENA PONTE
INTRODUÇÃO

• Estuda os mecanismos pelos quais um medicamento atua nas


funções bioquímicas ou fisiológicas de um organismo vivo.
• Realiza o estudo quantitativo, (relação dose/resposta dos efeitos
biológicos e terapêuticos dos medicamentos)
• O conjunto de informações, conjuntamente com os dados de
farmacocinética, proporciona o conhecimento completo do caminho
percorrido pelos medicamentos e seus efeitos no organismo animal.
• Os estudos farmacodinâmicos têm primordial importância para o
entendimento dos efeitos farmacológicos e adversos causados pelos
medicamentos e fornecem informações sobre a forma mais adequada
de tratamento das intoxicações causadas por estes agentes.
• O conceito de que um medicamento não cria uma função no
organismo, apenas modifica uma preexistente, é importante, para
procurar substâncias com capacidade de alterar as funções orgânicas
usando-as na cura dos desequilíbrios causados pelas diversas
patologias.
• A descoberta de um novo medicamento ajuda muitas vezes a um
melhor entendimento sobre funções importantes que ocorrem nos
organismos vivos.
• Exemplos:
• Se não existissem na natureza substâncias químicas que mimetizassem o
efeito de algumas substâncias endógenas, seria impossível entender o
funcionamento de alguns sistemas de neurotransmissão;
• A morfina obtida a partir da Papaver sonniferum e a descoberta de
substâncias endógenas (endorfinas) que atuam de maneira semelhante a esta
no organismo animal.
Medicamentos estruturalmente inespecíficos
• Considerando o mecanismo de ação, os medicamentos podem ser
divididos em dois grandes grupos distintos:

• os estruturalmente inespecíficos e
• os estruturalmente específicos.

• Os medicamentos estruturalmente inespecíficos são aqueles cujo efeito


farmacológico não decorre diretamente da estrutura química da molécula
agindo em um determinado recetor, mas sim das alterações que
desencadeia nas propriedades físico-químicas (como grau de ionização,
solubilidade, tensão superficial e atividade termodinâmica), acarretando
mudanças em mecanismos importantes das funções celulares e levando
à desorganização de uma série de processos metabólicos.
Exemplos:
Anestésicos gerais inalatórios –
• Existem várias teorias sobre o seu mecanismo de ação, sendo consenso propor correlação
positiva entre a lipossolubilidade destas substâncias e a sua potência anestésica.
• Uma das teorias que tentam explicar o mecanismo de ação anestésica propõe que o efeito
anestésico decorre da acumulação destas substâncias lipofílicas nas membranas dos
neurónios, o que acarretaria interferência nas suas funções normais.

Desinfetantes –
• Apresentam estruturas químicas muito variadas, sem nenhuma relação entre si, porém,
provocam reação biológica semelhante e pequenas variações na sua estrutura química não
resultam em alterações acentuadas na ação biológica.
• Estas características indicam alta probabilidade de que o mecanismo de ação deste grupo de
substâncias sobre as bactérias esteja associado às alterações físico-químicas que estas
substâncias causam na superfície onde são aplicadas.
Medicamentos estruturalmente específicos
• São aqueles cuja ação biológica decorre essencialmente de sua
estrutura química.
• Ligam-se a recetores, isto é, macromoléculas existentes no organismo,
formando com eles um complexo, que leva a uma determinada alteração na
função celular.
• Apresentam certas características estruturais em comum, as quais são
fundamentais;
• Pequenas variações nestas estruturas químicas podem resultar em alterações
substanciais na atividade farmacológica.
• Outra característica relevante é que ação farmacológica destes
agentes ocorre com concentrações menores do que as necessárias
pelos estruturalmente inespecíficos.
RECETORES
• No final do século 19, Langley e Ehrlich iniciaram trabalhos experimentais
que alicerçariam todas as teorias para o entendimento de recetores que se
desenvolveriam no decorrer do século 20.
• Langley, em 1878, estudando os efeitos da atropina e da pilocarpina na
secreção salivar, concluiu que deveria existir alguma substância recetora
com a qual estas duas substâncias fossem capazes de interagir formando
um complexo. O termo recetor foi criado para indicar o componente do
organismo com o qual o agente químico presumivelmente interagia. Em
1905 concluiu que esse componente orgânico era um constituinte celular.
• Ehrlich, em 1913, ressaltou a existência da especificidade do medicamento
pelo recetor, visto que pequenas modificações nas estruturas químicas dos
antiparasitários com os quais trabalhava na época implicavam perda do seu
efeito farmacológico.
• Clark e Gaddum, na década de 1920, formularam a teoria da ocupação,
que correlacionou a intensidade do efeito farmacológico diretamente ao
número de recetores ocupados pelo medicamento, sendo esse postulado
a base de todos os estudos sobre a relação dose/efeito de um
medicamento.
• Três características encontradas em alguns grupos de medicamentos
reforçaram a hipótese da existência dos recetores:

• Alta potência: algumas substâncias atuam, apresentando efeito


farmacológico, em concentrações muito baixa;
• Especificidade química: isómeros óticos apresentando diferentes ações
farmacológicas
• Especificidade biológica: exemplificando, a epinefrina exerce um efeito
acentuado sobre o músculo cardíaco, porém apresenta fraca ação sobre o
músculo estriado.
Alvo para a ação dos medicamentos
• O alvo de ligação de um medicamento no organismo animal são
macromoléculas proteicas com a função de:
1. enzimas,
2. moléculas transportadoras,
3. canais iónicos,
4. recetores de neurotransmissores e
5. ácidos nucleicos.
• A ligação dos medicamentos aos recetores envolve todos os tipos de
interação química conhecidos:
• iónicas polares;
• ponte de hidrogénio;
• hidrofóbicas;
• van der Waals e
• covalentes.
• Dependendo do tipo de ligação, a duração do efeito poderá ser fugaz
ou prolongada.
• As ligações do tipo covalente são muito difíceis de se desfazerem, portanto,
uma vez estabelecida a ligação medicamento/recetor, esta será irreversível.
Ex: agentes organofosforados com a enzima acetilcolinesterase.

• Com frequência, um mesmo recetor pode ligar-se ao medicamento


utilizando mais de um tipo de interação química. O conhecimento
das características dos recetores farmacológicos e suas funções no
organismo têm levado ao desenvolvimento de medicamentos cada
vez mais específicos e com menores efeitos colaterais.
1. Enzimas
• Vários medicamentos exercem o seu efeito farmacológico por meio da
interação com enzimas, atuando principalmente como inibidores destas.
Ex:
• neostigmina inibindo reversivelmente a enzima acetilcolinesterase,
• o ácido acetilsalicílico inibindo a ciclooxigenase,
• o trimetoprim inibindo a dihidrofolatoredutase, etc.
• Um medicamento também pode sofrer alterações na sua estrutura
química provocadas pela interação com determinadas enzimas,
transformando-se em produto anormal, que acarreta a desorganização de
determinada via metabólica. Ex:
• A metilDOPA (agente antihipertensivo), que apresenta estrutura semelhante ao
substrato precursor da norepinefrina a DOPA (ácido dihidroxifenilacético) ; a
metilDOPA, ao sofrer descarboxilação pela DOPAdescarboxilase, transforma-se em
metilnorepinefrina, substitui a norepinefrina nos depósitos sinápticos, reduzindo o
tónus nervoso simpático.
2. Moléculas transportadoras

• Alguns medicamentos exercem sua ação farmacológica interferindo com


as proteínas transportadoras, responsáveis pelo transporte de várias
substâncias para o interior das células, como por exemplo, glicose,
aminoácidos, iões e neurotransmissores.
• Estas proteínas transportadoras contêm locais de reconhecimento que as
tornam específicas para identificar e transportar moléculas para o interior
do citoplasma celular.
• Esses locais de captação são alvo da ação de alguns medicamentos, cuja
função é bloquear o sistema de transporte. Nesse grupo de medicamentos
incluem-se:
• a cocaína (impedindo a captação das catecolaminas),
• a reserpina (impedindo a captação da norepinefrina pela vesícula sináptica) e
• os glicosídios cardíacos (inibindo a bomba de Na+/K+ ATPase do músculo cardíaco).
Recetores celulares
• Dentre os recetores farmacológicos, há um grupo de proteínas
celulares, cuja função no organismo é atuar como recetores de
substâncias endógenas como as hormonas, neurotransmissores e
autacoides.
• A função desses recetores fisiológicos está ligada à transmissão de
uma mensagem, quer de forma direta (via canal iónico existente nas
membranas plasmáticas), ou indireta (via um segundo mensageiro, que
acarretará mudanças bioquímicas nas células alvo). Esses mecanismos
de transmissão, muitas vezes complexos, funcionam como integradores
de informações extracelulares.
• Os recetores estão associados a diferentes velocidades para a
ocorrência de efeitos celulares. Podem ser rápidos, em milésimos de
segundos, como os da neurotransmissão colinérgica, ou lentos, como os
produzidos pelas diferentes hormonas, levando horas; existem aqueles
intermediários, como os das catecolaminas, que levam segundos .
• Os recetores para neurotransmissores de efeito rápido estão acoplados
diretamente a um canal iónico, como, por exemplo, o recetor colinérgico
nicotínico, o recetor GABAérgico ou ainda aos recetores glutamatérgicos
(chamados receptores inotrópicos).
• Para estes grupos de recetores, os canais iónicos alteram-se aquando da
ligação do neurotransmissor ao recetor, o que provoca aumento de
permeabilidade da membrana celular a iões específicos, levando, portanto,
a uma mudança do potencial elétrico das membranas celulares e da
composição iónica intracelular.
• Os recetores com velocidade de efeito intermediária funcionam de forma
mais complexa. Quando captados os sinais extracelulares, estes são
transmitidos intracelularmente através de segundos mensageiros ou
moléculas de informação que vão desencadear respostas celulares a este
estímulo; estes recetores são também chamados de metabotrópicos .
• Há também sistemas de transmissão multirregulados que envolvem vários
segundos mensageiros relacionados com inúmeras alterações celulares
que levam horas e até dias para ocorrerem.
Recetores ligados à proteína G
• A família dos recetores acoplados à proteína G representa a maioria dos
recetores conhecidos.
• As proteínas G são os mensageiros entre os recetores e as enzimas
responsáveis pelas mudanças no interior das células e são compostas de
três subunidades, estando uma delas associada ao trifosfato de guanosina
(GTP), de onde advém a nominação G destas proteínas.
• A proteína G é constituída de três subunidades, denominadas α, β e γ
(complexo αβγ), sendo que a porção β e γ não se dissociam.
• Todas as três subunidades estão ancoradas na membrana citoplasmática,
porém, podem deslocar-se livremente no plano da membrana. Quando o
recetor é ocupado por uma molécula do agonista ocorre uma alteração na
conformação do recetor, fazendo com que este adquira alta afinidade pelo
complexo αβγ.
• A ligação do complexo αβγ com o recetor provoca a dissociação do nucleótido
difosfato de guanina (GDP) ligado à porção α; este por sua vez é substituído pelo
trifosfato de guanina (GTP) que causa a dissociação do trímero da proteína G,
liberando a subunidade αGTP ativada.
• A porção αGTP ativada desloca-se na membrana e pode atuar sobre várias
enzimas e canais iónicos (proteína efetora), causando o consequente efeito
celular. O processo é concluído quando o GTP é hidrolisado a GDP, pela GTPase
da subunidade α. O αGDP resultante dissocia-se então da proteína efetora e
une-se novamente às subunidades βγ, completando o ciclo.
Atualmente conhecem-se vários tipos de proteína G:
Gs: estimulante (stimulation) dos recetores da adenilatociclase
Gi: inibidora (inhibition) dos receptores da adenilatociclase
Go: relacionada aos canais iónicos
Gq: ativadora da fosfolipase C.
A proteína G atua nos sistemas:

1. Adenilatociclase/3’,5’monofosfato de adenosina cíclico (cAMP)


2. Guanilatociclase/ 3’,5’monofosfato de guanosina cíclico (cGMP)
3. Fosfolipase C/fosfato de inositol/diacilglicerol
4. Fosfolipase A2/ácido araquidónico/eicosanoides
5. Na regulação de canais iónicos.
1. Sistema adenilato-ciclase/cAMP

• Os efeitos reguladores do cAMP na função celular são muito


variados, incluem enzimas que participam no metabolismo
energético, divisão celular, diferenciação celular etc. Porém, o
mecanismo comum que acarreta esses efeitos celulares está
associado à ativação de várias proteinoquinases dependentes do
cAMP.
• Estas quinases são responsáveis pela fosforilação de resíduos de
serina e treonina nas diferentes proteínas que apresentam
importante papel no metabolismo celular, o que leva,
consequentemente, à regulação dessas funções.
2. Sistema guanilato-ciclase/cGMP

• Similar ao que ocorre como o cAMP, o cGMP tem papel importante


como segundo mensageiro em diversos eventos celulares (ativação
de proteinoquinases, fosfodiesterases de nucleotídios cíclicos, canais
iónicos) ligados principalmente aos efeitos do óxido nítrico na
contração de músculos lisos ou ainda na migração e adesão de
macrófagos.
3. Sistema fosfolipase e fosfato de inositol
• Este sistema de transmissão é multirregulador e envolve vários segundos
mensageiros relacionados com inúmeras alterações celulares determinadas
pela ativação de diferentes recetores.
• Após a ligação do agonista ao seu recetor, um fosfolipídio de membrana, o
fosfatidilinositol 4,5bifosfato (PIP2), é hidrolisado pela fosfolipase C de
membrana ativada pela proteína Gq em dois compostos: o inositol
1,4,5trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG).
• O IP3 apresenta grande hidrossolubilidade e alcança o citoplasma, agindo em
recetores de membrana localizados no retículo endoplasmático, promovendo a
libertação para o citoplasma de iões Ca++ pertencentes às reservas
intracelulares. Estes iões é que, posteriormente, produzem os efeitos celulares.
• O aumento na concentração de Ca++ intracelular livre em resposta à ampla
variedade de agonistas é, talvez, a via mais importante de produção de efeitos
celulares.
• O DAG, por ser lipossolúvel, permanece no interior da membrana
onde foi originado, ativando, neste local, a proteinoquinase C, por
meio do aumento da afinidade desta aos iões Ca++.
• A proteinoquinase C ativada, por sua vez, causa a fosforilação de
diferentes proteínas intracelulares, levando aos efeitos fisiológicos ou
farmacológicos.
• Os efeitos fisiológicos atribuídos à ativação da proteinoquinase C são
muito variados como, por exemplo, a libertação de hormonas de
várias glândulas endócrinas, aumento ou redução da libertação de
neurotransmissor e da excitabilidade neuronal (canais de cálcio e
potássio), contração ou relaxamento de músculos lisos.
4. Sistema fosfolipase A2/ácido
araquidónico/eicosanoides
• A ativação da fosfolipase A2, mediada pela ligação do agonista com o
recetor e a proteína G, leva à produção de eicosanoides, a partir do
ácido araquidónico, e parece ser basicamente semelhante à ativação
da fosfolipase C.
• A função do ácido araquidónico e de seu metabolito nos eventos
intracelulares é bastante complexa, incluindo alteração da abertura
de canais iónicos ligados ao potássio, estabelecendo comunicação
entre as células e também funcionando como hormonas locais.
5. Regulação de canais iónicos

• Recetores acoplados à proteína Go também parecem controlar a


função de canais iónicos por mecanismos diretos, sem o
envolvimento de segundos mensageiros como o cAMP e o cGMP ou o
IP3.
• Parece que a proteína Go interage diretamente com o canal iónico,
alterando a permeabilidade do mesmo aos diferentes iões.

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