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O Despertar do Psiquismo: Das Sombras da Infância à Luz da Sublimação

Por Rafael Marques Menezes,


Psicanalista e Diretor da Escola Britânica de Psicanálise no Brasil®

Inspirado pela obra seminal de Melanie Klein, "Tendências Criminosas em


Crianças Normais", publicada em 1927, este ensaio se propõe a desvendar a
complexidade do desenvolvimento humano, especialmente durante os estágios
iniciais da infância. Klein, com suas observações perspicazes, ilumina o caminho ao
explorar as profundezas das tendências agressivas e sádicas nas fases orais e
anais, lançando luz sobre os impulsos primitivos que formam a base do nosso ser. A
trama do desenvolvimento humano, conforme Klein, é composta de fios complexos
e nuances profundas, onde cada estágio inicial desempenha um papel fundamental
na moldagem final da personalidade. Estas fases, permeadas por impulsos
canibalísticos e agressivos, transcendem a mera passagem do tempo,
representando os alicerces sobre os quais o edifício da psique é construído. Este
ensaio, portanto, não apenas explora a intricada relação entre as tendências
primitivas da infância e a emergência do superego, mas também se aprofunda na
maneira como o complexo de Édipo e as fixações orais e anais se entrelaçam para
influenciar a formação do caráter.

A jornada do desenvolvimento humano é marcada por uma série de estágios


iniciais cruciais, onde as fases orais e anais sádicas se destacam. Durante a
infância, esses períodos são caracterizados por impulsos canibalísticos e
agressivos, refletindo uma expressão primitiva das tendências inerentes ao ser
humano. É nesse contexto que o superego começa a se manifestar, já ativo no
primeiro ano de vida, desempenhando um papel fundamental na orientação do
desenvolvimento do complexo de Édipo e na moldagem dos comportamentos.

O complexo de Édipo, por sua vez, emerge como um elemento central no


desenvolvimento da personalidade, entrelaçado com sentimentos agressivos em
relação aos pais. Essas dinâmicas são intricadamente ligadas às fixações orais e
anais, onde fantasias sádicas e desejos de agressão e destruição se voltam
principalmente contra as figuras parentais. Essas tendências são frequentemente
expressas através de fantasias e brincadeiras infantis, que servem como um palco
para a revelação de impulsos agressivos e tendências sádicas, muitas vezes
mantidos reprimidos e fora da consciência.

A repressão desses desejos e impulsos agressivos conduz a angústias


profundas, que podem manifestar-se em comportamentos ou fantasias destrutivas.
A relação complexa com os pais, moldada pelas tensões edípicas, influencia
significativamente o desenvolvimento de sentimentos e atitudes em relação a eles e
a outras figuras significativas. Como resultado, o desenvolvimento do caráter pode
variar amplamente, desde traços ligeiramente neuróticos até comportamentos
criminosos, todos profundamente enraizados nas experiências e conflitos do
estágio edípico.

Entretanto, nem todas as tendências destrutivas estão fadadas a


manifestações negativas. A sublimação de impulsos apresenta uma possibilidade
redentora, sugerindo que essas forças podem ser direcionadas para atividades
construtivas. Este mecanismo psíquico permite que a energia associada aos
impulsos agressivos e sádicos seja transformada em expressões socialmente
aceitáveis e produtivas, evidenciando a capacidade de resiliência e adaptação do
psiquismo humano.

A jornada do desenvolvimento humano, desde os estágios iniciais marcados


por impulsos primitivos até a formação complexa da personalidade, é uma odisséia
psíquica repleta de desafios e transformações. Os impulsos canibalísticos e
agressivos da infância, longe de serem meros resquícios de um passado evolutivo,
são fundamentais na dinâmica do desenvolvimento psicológico. O superego,
emergindo precocemente, não apenas guia o desenvolvimento do complexo de
Édipo, mas também semeia as raízes dos conflitos internos que definirão a relação
do indivíduo com os pais e o mundo ao seu redor.

As fantasias e jogos infantis, com suas manifestações de impulsos


reprimidos, juntamente com as fixações orais e anais, desenham o mapa dos
territórios internos em conflito, onde a agressão e a destruição buscam expressão.
No entanto, é na repressão desses impulsos e na subsequente angústia que o
potencial para a transformação se encontra. A sublimação de impulsos, esse
processo alquímico pelo qual o psiquismo humano transmuta tendências
destrutivas em atividades virtuosas, representa a resiliência e a capacidade de
adaptação inerentes à natureza humana.

Assim, o desenvolvimento humano é tanto sobre a sombra quanto sobre a


luz: a sombra dos impulsos primitivos e a luz da sublimação. Reconhecendo e
aceitando as profundezas sombrias de nossos inícios, podemos aspirar a alcançar
as alturas luminosas de nosso potencial criativo e virtuoso. É nessa jornada, repleta
de angústias e triunfos, que o verdadeiro caráter se forma, refletindo a complexa
interação entre nossas raízes mais profundas e nossa capacidade inata de
superação e crescimento.

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