Após estudo da Aula, você deve ser capaz de: a) Analisar a historiografia crista antiga e medieval; b) Destacar os contributos de Eusébio de Cesaria e Santo Agostino na cientificação da história e; c) Destacar as características e o contributo da historiografia crista antiga e medieval.
A Historiografia cristã é uma produção historiográfica ligada à religião cristã. É uma
historiografia que levará idéias basicamente do judaísmo contra a historiografia clássica e corresponde a uma época de decadência dos estudos históricos, do ponto de vista da história cultural da Europa.
O cristianismo não considera a história como uma investigação secular, causal e
racionalista de eventos humanos, mas como a contemplação alegórica da vontade divina: a história é a realização de um plano preparado por Deus, cujo objetivo é a salvação do homem. Falamos, portanto, de uma escatologia histórica de estrutura linear, cujo final já está decidido, marcando a evolução da humanidade desde suas origens: o início, o desenvolvimento e o fim estão intimamente imbricados, porque narram na realidade a história de um pecado, o original, a expiação e o retorno do homem à graça divina.
Na verdade, é uma teologia de conteúdos históricos, que aspira a desenvolver
uma História Universal que narra o desenrolar da Divina Providência. Entre seus construtores podemos destacar Santo Agostinho (354-430), cujo grande trabalho ou sua sistematização está na obra «A Cidade de Deus», projetado para salvar o cristianismo a partir das profecias não cumpridas, dissociar a Igreja do Império em decomposição; e Eusébio (260 – 340), que estabeleceu o primeiro grande modelo com sua Crônica, procura construir uma história universal em que todos os acontecimentos eram dados através duma estrutura cronológica, um esforço para vincular a história bíblica com a dos povos mediterrânicos. Segundo Collingwood (2001: 65), o cristianismo alijou duas ideias mestres da Historiografia Greco-romana: a) o conceito optimista da natureza humana e b) o conceito substancialista de entidades eternas, subjacentes ao processo da transformação histórica. Segundo a doutrina cristã, nao se pode evitar que o homem actue nas trevas, sem saber o que resultará da sua acção. Essa incapacidade para atingir objectivos claramente preconcebidos, ou seja, incapacidade de atingir o alvo, já não é considerada como um elemento acidental, mas como um elemento permanente da natureza humana, brotando da condição do homem como homem. A acção humana, segundo esse ponto de vista, não é planeada de acordo com os objectivos preconcebidos pelo intelecto; é impelida detrás pelo desejo imediato e cego. O desejo é a rebeldia, o pecado a que ele nos conduz não é um mal capaz de raciocinar. Estas duas modificações no conceito de história derivam da doutrina cristã do pecado original, da graça e da criação. Uma terceira modificação baseia-se no universalismo da atitude cristã. Para os cristãos, todos os homens são iguais perante Deus; não há povo eleito, não há raça ou classe privilegiada, não há nenhuma comunidade, cujo destino seja mais importante do que o da outra. Todas as pessoas e todos os povos são abrangidos pela realização dos desígnios divinos. Portanto, o processo histórico é, sempre e em todos os lugares, da mesma espécie, sendo cada uma das suas partes uma parte do mesmo todo. Os cristãos não podem limitar-se à história romana ou à história hebraica, ou a qualquer outra história parcial e particularista; pretendem uma história do mundo, uma história universal, cujo tema há-de ser o desenvolvimento geral dos designios divinos, em relação à vida humana. A infusão das ideias cristãs ultrapassa não só o humanismo e o substancialismo característicos ha história grco-romana mas tambem o seu particularismo (Collingwood, Op. Cit.: 67).
Caracteristicas da Historiografia Cristã
Quatro características essenciais se destacam na historiografia cristã: universal, providencial, apocalíptica e epocal. a) É uma história universal ou história do mundo, indo até à origem do homem. Descreverá como nasceram as várias raças humanas e se povoaram as diversas partes habitáveis da terra. Descreverá a ascensão e a queda de civilizações e impérios. A história ecuménica greco-romana não é universal neste sentido, porque tem um centro de gravidade particular. A Grécia ou Roma são o centro em volta da qual ela gira. A história universal cristã destrui a ideia de centro de gravidade (Collingwood, Op. Cit.: 68). b) Atribui os acontecimentos não à sabedoria dos agentes humanos mas à actuação da Providência, que preestabelece o seu curso. Ela trata a história não só, como uma peça escrita por Deus, mas uma peça em que nenhuma personagem é personagem perferida pelo autor (Idem). c) Procura detectar um padrão inteligível, neste curso geral dos acontecimentos e dá especial importância, dentro desse padão, a vida histórica de Cristo, que é claramente um dos traços essenciais e preestabelecidos desse padrão. Fará cristanizar a narrativa à volta desse acontecimento, tratando os acontecimentos anteriores como conduzindo até ele, ou preparando-o, e os acontecimentos posteriores como desenvolvendo a sua consequência. Dividirá a história, por alturas de nascimento de Cristo, em duas partes, cada uma com um carácter específico: a primeira, um carácter prostectivo, constituindo uma preparação sega para um acontecimento ainda não revelado; a segunda, um carácter rotrospectivo, dependente do facto de a revelação se realizar agora (Ibdem). d) Tendo dividido em dois o passado, tenderá naturalmente a subdividí-lo ainda, distinguindo assim outros acontecimentos, não tão importantes como o nascimento de Cristo mas importantes a seu modo, o que torna todo o que lhes é posterior diferente, em qualidade, daquilo que aconteceu antes. Assim, a história é dividida em épocas ou períodos, cada um com características específicas, cada um diferenciado do anterior por um acontecimento marcante. A historiografia cristã deixou a sua herança como um enriquecimento permanente do pensamento histórico. A concepção da história do mundo em que lutas como as dos gregos e persas ou dos romanos e cartagineses são apreciadas imparcialmente, com olhar voltado não para o êxito dum combatente mas para o desfecho da luta, segundo o ponto da prosperidade, tornou-se um lugar-comum. O símbolo deste universalismo é a adopção duma estrutura cronológica de todos os acontecimentos históricos. A ideia do providencialismo tornou-se um lugar-comum. Como é o caso dos ingleses que no século VII, conquistaram um império, num sucesso de distração, isto é, executaram o que, retrospectivamente, não parece ser um plano, embora um tal plano não estivesse presente no seu espírito, nesse tempo; A ideia apocalíptica passou a ser lugar-comum, ainda que os historiadores tenham considerado apocalípticos diversos momentos da história: a renascnça, a invensão da imprensa, o movimento científico do século XVII, o Humanismo do século XVIII ou até como acontece com os escritos marxistas prespectivam o futuro; Em fim, a ideia de acontecimentos marcantes tornou-se vulgar e, com ela, a divisão da história em períodos, cada um com o seu carácter particular. Todos esses elementos, tão familiares para o pensamento histórico moderno, estão totalmente ausentes da historiografia greco-romana e foram conscientes e laboriosamente desenvolvidos pelos primitivos cristãos (Collingwood, Op. Cit.: 70-71).
Bibliografia COLLINGWOOD, R.G. A Ideia da História. 9 ed. Lisboa, EDITORIAL PRESENÇA, 2001.
GOMES, Raul Rodrigues. Introdução ao Pensamento Histórico. Lisboa, LIVROS