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A Mística Feminina - Capítulo 6: O congelamento funcional/ O protesto feminino e

Margaret Mead

Funcionalismo

A ciência social - e as suas vertentes de psicologia, antropologia e sociologia -, ao ver


de Betty Friedan, não cumpriu com a sua proposta científica, mas persistiu o
aprisionamento da mulher. E o principal acusado é a teoria funcionalista. Este
pensamento, a princípio, imagina a sociedade humana como uma estrutura, um corpo
físico, na qual as partes devem se adequar. Entretanto, a visão da autora revela que a
teoria não é um movimento científico, mas um jogo de palavras, no qual a “função é”
era traduzida em “função ser”. Assim, Betty Friedan relata que,

“Emprestando um significado absoluto e um valor beato ao termo genérico de


«papel da mulher», o funcionalismo colocou a americana numa espécie de
profundo congelamento — Bela Adormecida à espera de que um Príncipe
Encantado viesse despertá-la, enquanto à sua volta o círculo mágico do
mundo continuava a girar.”

Friedan demonstra que, sobre esse disfarce científico do funcionalismo, criou-se o que
ela chama de “protesto feminino”. Pessoas de ambos os sexos manifestavam-se contra
a igualdade sexual como forma de proteger a mulher deste “malefício”, por meio de
teorias freudianas, da antropologia cultural e do funcionalismo.

Citando C. P. Snow, Betty afirma que a ciência volta-se para o futuro, entretanto, a
ciência social, sob a ótica funcionalista, tornara-se escrava do presente, da explicação
dos fenômenos sem análise crítica, visando uma verdade mais profunda, tornando o
que é em deveria ser. O funcionalismo reduziu, assim, as capacidades femininas,
defendendo que o que define a mulher é a sociedade.

Porém, Betty Friedan explicita que o funcionalismo perdeu força como pensamento
científico dentro do próprio campo atualmente, citando Kingsley Davis:

"Durante mais de trinta anos a "análise funcional" vem sendo debatida entre
sociólogos e antropólogos... Por mais estratégica que tenha sido no passado,
tornou-se agora mais um empecilho que um impulso ao progresso científico...
A afirmação de que o funcionalismo não pode realizar transformações sociais
porque supõe uma sociedade estática integrada é verdadeira por definição..."

Margaret Mead

Ela cita Margaret Mead, então, como uma das propagadoras intelectuais dessa visão.
Mead defende, em Marriage for Woman Moderns (Casamento ara a Mulher
Moderna), uma visão complementar do casamento:
“Os sexos são complementares. E' o mecanismo do relógio que move os
ponteiros e me permite ver as horas. Serão os mecanismos mais importantes
que o mostrador? ... Nenhum dos dois é superior, nem inferior. Cada qual deve
ser julgado em termos de suas funções. Juntos formam uma unidade em
funcionamento. Cada qual isolado é, de certo modo, incompleto. São
complementares... Quando o homem e a mulher se dedicam às mesmas
ocupações, ou executam funções comuns, o relacionamento complementar
talvez se rompa.”

Este livro era ensinado nas escolas. Tal livro apresenta a visão de que a conciliação da
profissão com o casamento, geralmente, é difícil, ou seja, se uma mulher trabalhar,
provavelmente não casará. Assim, define quais serão os papéis das mulheres enquanto
mães, esposas e donas de casa, sob o viés funcionalista e complementarista.

Para Friedan, Margaret foi um paradoxo. Esta importante intelectual possuía tanta
relevância e influência para as mulheres de seu tempo e do passado. Ela conseguia
apresentar uma visão emancipatória da mulher, as quais abordara em uma obra sobre
três sociedades primitivas: Arapesh, Mundugumor e a Tchambulli. Ela aborda a
igualdade sexual e a liberdade das mulheres em uma sociedade livre de preconceitos.
Contudo, não é essa a visão que perdurou na autora, nem influenciou a mística
feminina. Friedan afirma que

"Em seus escritos, a interpretação torna-se gradativamente difusa,


transformando-se numa sutil glorificação da mulher em seu papel feminino,
definido pela função biológica sexual. De vez em quando parece esquecer seus
conhecimentos antropológicos sobre a maleabilidade da personalidade
humana e consultar dados antropológicos do ponto de vista freudiano — a
biologia sexual tudo determina, anatomia é destino. Outras vezes parece
argumentar em termos funcionais: embora o potencial da mulher seja tão
grande e variado como o próprio e ilimitado potencial humano é melhor
conservar as limitações biológicas sexuais determinadas pela cultura. Às vezes
diz ambas as coisas na mesma página e até emite uma nota de aviso,
prevenindo contra os perigos que a mulher enfrenta ao procurar realizar dotes
humanos que a sociedade definiu como masculinos."

Betty cita Male and Female (Macho e fêmea) como pedra angular da mística feminina.
A obra traz a importância das diferenças sexuais para a sociedade e cultura, sendo que
todo tipo de civilização possuía essas distinções entre os gêneros. Na obra,
influenciada pela visão freudiana, Margaret consegue fundamentar visões sobre o
homem e a mulher a partir de uma perspectiva dos papéis na reprodução sexual,
perpetuando a ideia de que "anatomia é destino".

Betty Friedan cita também a obra sobre as sociedades primitivas como uma forma de
reduzir as discussões sobre os dilemas da mulher moderna à respostas encontradas
em culturas antigas, totalmente distintas da sua. Margaret, ao ver de Friedan, baseou
neles seus preconceitos contra a emancipação feminina, ao invés de usá-los como um
propulsor para a evolução da mulher.
Apesar disso, Betty Friedan relata que a americana deveria não ouvir os escritos dessa
socióloga, mas seguir o seu exemplo de vida. Mead foi uma mulher contestadora, que
não se submeteu a imagem da mulher dos seus tempos, penetrando espaços vistos
como masculinos, contribuindo para o conhecimento científico. Ela colocou em cheque
a visão degradante da mulher, afirmando a singularidade do sexo feminino e não um
homem que falta algo, como na visão de Freud. Porém, ao ser influenciada por ele,
defendeu a mística feminina, os velhos papéis das mulheres, a partir de uma visão da
reprodução sexual.

A autora vê a grande obra da socióloga como algo complexo, que revela uma mulher
que luta contra os dilemas que o seu sexo sofre, entretanto confusa e insegura. Conta
que, na década de 60, Margaret começou a questionar o retorno das mulheres a vida
doméstica, enquanto o mundo se desenvolvia tecnologicamente. A própria Margaret
foi beneficiada pelos direitos da mulher, como também seus antepassados. Sua vida
tornou-se assim num protesto contra a dita visão ultrapassada do seu sexo.

Outros especialistas

A autora relata sobre o sociólogo Talcott Parsons e sua visão funcionalista do


casamento, o qual defende que o papel principal da mulher é o de esposa e mãe, a
partir dos princípios da domesticidade, glamour e companheirismo. Entretanto, ele
mesmo vê crises nesses princípios para a mulher, devido aos projetos de emancipação.
Para isso, defende a conservação da estrutura nos papéis sexuais como forma de
resolução desses dilemas, pois a igualdade seria um problema à família.

A socióloga Mirra Komarovsky, outro cientista abordado pela autora, também vê


certos mudanças na educação para a igualdade, pois despertaria interesses nas
mulheres que a tiraria do lar. Ela revela o papel da jovem ajustada a sua concepção
funcionalista:

No atual momento histórico; a jovem melhor ajustada é provavelmente


aquela bastante inteligente para se sair bem nos estudos, mas não com
demasiado brilhantismo... competente, mas não em setores relativamente
novos para as mulheres; capaz de ganhar a vida, mas não a ponto de
competir com o homem; capaz de executar corretamente uma tarefa (no caso
de ficar solteira ou ser obrigada a trabalhar), mas não identificada com
uma profissão, a ponto de necessitá-la para a sua felicidade".

Porém, esse tipo de educação contribuiria para infantilização da mulher, afirma a


socióloga. Ela realizou um estudo provando que as universitárias eram mais
dependentes do pai do que o homem.

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