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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO: DEVIDO PROCESSO LEGAL, ACESSO À

JUSTIÇA E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Direitos fundamentais constitucionais: o núcleo essencial é formado pela dignidade


da pessoa humana como valor-fonte de todo ordenamento jurídico (direito à vida, à
liberdade e à igualdade).
O núcleo essencial do direito processual é o contraditório (contraditório como
valor-fonte, Hermes Zaneti Jr.) e os princípios processuais centrais ao ordenamento são
o acesso à justiça e o devido processo legal (processo justo), os quais se articulam
reciprocamente para a organização do processo, através do direito fundamental à
organização e ao procedimento).
Os fins do processo são a tutela das pessoas e dos direitos, adequada, efetiva e
tempestiva, mediante o processo justo, para a resolução dos conflitos. Neste sentido o
postulado da máxima coincidência de Giuseppe Chiovenda: dar a quem tem direito tudo
aquilo e exatamente aquilo que tem direito, deve ser capaz de uma atualização que
reconheça que direitos raramente são claros e que a aplicação do direito deve ser
preocupada com o resultado para a solução do conflito e tutela das pessoas envolvidas.

Devido processo legal e processo justo (art. 5º, LIV, CF/88).

Ideia chave: O processo justo é aquele capaz de, respeitando o direito fundamental à
organização e ao procedimento, prestar a tutela adequada, tempestiva e efetiva das
pessoas e dos direitos, mediante as garantias processuais estimulando a autocomposição
dos conflitos. As garantias são a outra face dos direitos (Luigi Ferrajoli).

Direito fundamental ao processo justo é defendido por Marinoni e Mitidiero, na


esteira da doutrina italiana. Magna Charta (1215): fair trial, maior contribuição do
common law. Emendas V e XIV da Constituição Americana. Declaração Universal dos
Direitos Humanos, arts. 8º e 10º, 1948. Convenção Europeia dos Direitos Humanos, art.
6º, 1950. Novo jus commune em matéria processual (GUINCHARD, Serge. Droit
processuel – Droit commun et droit comparé du procès équitable, p. 123). Formal e
substancial. Críticas da doutrina, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Ingo
Sarlet, baseadas no entendimento de Humberto Ávila, p. 616, para os autores: “inexiste
necessidade de pensá-la para além de sua dimensão processual no direito brasileiro”.
As justificativas para optar pela denominação processo justo (giusto processo,
procès équitable, faires Verfahren, fair trial) dizem respeito a crítica. À denominação
“legal” e a “desnecessidade da dimensão material” em função da presença no direito
brasileiro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade a partir das normas da
liberdade e da igualdade e do catálogo aberto de direitos fundamentais (Art. 5º, § 2º).
Trata-se de um modelo em a) expansão, b) variável, c) perfectibilizável, p. 617 (v.
ANDOLINA, VIGNERA. Il modelo costituzionale del processo civile italiano, p. 14-
15).
O devido processo legal implica também no direito fundamental à organização
e ao procedimento e é por ele implicado (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2012,
p. 617; também em SARLER, Ingo, Eficácia, p. 194-198). Apesar de ser formulado
como cláusula geral em constante aperfeiçoamento é possível identificar um perfil
mínimo sem o qual não há processo justo: “O direito ao processo justo conta, pois, com
um perfil mínimo. Em primeiro lugar, do ponto de vista da ‘divisão de trabalho’
processual, o processo justo é pautado pela colaboração [cooperação] do juiz para com
as partes [e das partes entre si] (...) Em segundo lugar, constitui processo capaz de
prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva, em que as partes participam em pé de
igualdade e com paridade de armas, em contraditório, com ampla defesa, com direito
à prova, perante juiz natural, em que todos os seus pronunciamentos são previsíveis,
confiáveis e motivados, em procedimento público, com duração razoável e, sendo o
caso, com direito à assistência jurídica integral e formação de coisa julgada.”. p.
618/619. “Dada a interdependência entre direito e processo [PISANI, Lezioni di diritto
processuale civile, p. 5; FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo, p. 113], o
direito material projeto a sua especialidade sobre o processo, imprimindo-lhe feições a
ele aderentes. Isso quer dizer que o conteúdo mínimo de direitos fundamentais
processuais que confluem para organização de um processo justo não implica
finalidade comum a todo e qualquer processo, tampouco obriga à idêntica e invariável
estruturação técnica. Pelo contrário: o direito ao processo justo requer para sua
concretização efetiva adequação do processo ao direito material – adequação da tutela
jurisdicional à tutela do direito. É preciso ter presente que compõe o direito ao processo
justo o direito à tutela jurisdicional adequada dos direitos” (SARLET, MARINONI,
MITIDIERO, 2012, p. 620).

1) Magna Charta (1215) – fair trial; Emendas V e XIV da Constituição Americana;


Declaração Universal dos Direitos Humanos;
2) Devido processo formal x substancial. Crítica: Sarlet/Marinoni/Mitidiero e
Humberto Ávila;
3) Processo Justo: proporcionalidade/razoabilidade; igualdade/liberdade; catálogo
de direitos fundamentais;
4) Direito fundamental à organização e a o procedimento: direito subjetivo
processual?

LUIGI PAOLO COMOGLIO – PROCESSO JUSTO

a) Garantias individuais:
- Amplo acesso à justiça que garanta igualdade, correlação e adequação
- Ampla defesa com todos os meios a ela inerentes
- Assistência judiciária gratuita
- Juiz natural: prévia constituição por lei
b) Garantias estruturais
- Justiça administrada em nome do povo e juízes sujeitos somente ao direito e à lei
(jurisdicidade = legalidade ampla; Rule of Law)
- Função judicial exercida por magistrados instituídos e disciplinados por lei de
organização judiciária
- Vedação de juízes de exceção ou extraordinários
- Fim institucional de tutela dos direitos
- Independência dos juízes e dos membros do Ministério Público (independência
interna, ou seja, funcional)
- Autonomia dos juízes e dos membros do Ministério Público (independência externa,
ou seja, financeira e orçamentária)
- Exercício da jurisdição segundo o justo processo
- Garantia em qualquer tipo de processo do contraditório, igualdade, juiz neutro
(impartialidade) e imparcial, e motivação das decisões judiciais
- Direito ao recurso por violação da lei, ou seja, direito a uma instância de controle da
aplicação do direito (não necessariamente o duplo grau de jurisdição – STF)
Acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF/88; art. 3º, CPC/2015).

Direito fundamental à tutela adequada e efetiva (Marinoni e Mitidiero). Ação


migra, portanto, do conceito ao resultado. Acesso à justiça deve ser compreendido no
sentido lato como todos os meios postos à disposição da tutela adequada dos direitos,
seja no aspecto material ou processual, pensados a partir das funções de governo, na
elaboração da lei e na sua execução, e nas funções de garantia, na sua efetivação.
Existem, portanto, “três perspectivas: (i) do acesso à justiça; (ii) da adequação da
tutela; e (iii) da efetividade da tutela”.
O art. 5º, XXXV, da CF/1988, tem espectro mais largo que os anteriores: tutela
do ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC); tutela de urgência e de evidência (tutela
provisória, arts. 294 até 311, CPC); tutela dos direitos individuais e coletivos (não-
taxativa e atípica, mediante um microssistema de direito processual coletivo e aplicação
do CPC de forma direta, com normas que se interpenetram e subsidiam). Nas
soncstituições anteriores tutelava apenas dano e direitos individuais. Justiça desportiva
(art. 217, § 1º, da CF/88).
“O direito à tutela jurisdicional adequada determina a previsão: (i) de
procedimentos com nível de cognição apropriado à tutela do direito pretendida; (ii) de
distribuição adequada do ônus da prova, inclusive da possibilidade de dinamização e
inversão; (iii) de técnicas antecipatórias idôneas a distribuir isonomicamente o ônus do
tempo no processo, seja em face da urgência, seja em face da evidência; (iv) de formas
de tutela jurisdicional com executividade intrínseca; (v) de técnicas executivas idôneas;
e (vi) de standards para valoração probatória pertinentes à natureza do direito material
debatido em juízo”, p. 630/631.
Em relação à tutela executiva deve ser recordado o postulado da máxima
coincidência, firmado por Chiovenda: “... il processo deve dare per quanto è possibile
praticamente a chi há um diritto tutto quello e próprio quello ch’egli há diritto di
conseguire” (“...o processo deve garantir, na medida do possível, praticamente, a quem
tem um direito, tudo aquilo e aquilo que ele tem direito de conseguir, CHIOVENDA,
Giuseppe. Dell’azione nascente del contrato preliminare. In.: Id. Saggi di diritto
processuale civile (1894-1937), p. 110, vol. 1).
Como afirmou a doutrina: “Onde há um direito existe igualmente direito à sua
realização” (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2012, p. 638).

Projeto de Florença: o acesso à justiça polarizou a discussão na década de 1970, de


modo que vários profissionais se reuniram para discutir os problemas a ele referentes do
ponto de vista jurídico, filosófico, psicológico, sociológico e antropológico,
notadamente para pensá-lo não como um fenômeno técnico (voltado para os juízes,
advogados, promotores etc.), mas como uma forma de tutela dos direitos (voltado
efetivamente para os consumidores da justiça). Há uma mudança de olhar, do olhar dos
operadores do sistema jurídico para o olhar dos clientes, dos usuários dos sistemas de
justiça.

O Projeto Florença identificou três grandes ondas de acesso à Justiça:

• o acesso dos pobres à Justiça: o Brasil encontrou a solução na assistência


judiciária gratuita, englobando a criação da Defensoria Pública e a isenção de
custas processuais para aqueles que não possuem renda suficiente e nos locais
onde não há defensor público a possibilidade de nomeação de advogados dativos
ou a atuação residual do Ministério Público como defensor de direitos
individuais indisponíveis (estado de coisas inconstitucional);
• os direitos coletivos lato sensu (direitos difusos, coletivos strictu sensu e
direitos individuais homogêneos), permitindo que situações e posições jurídicas
que não tinham voz (em razão da difícil identificação dos legitimados, da
discussão existente entre o reconhecimento da legitimidade ordinária como regra
de ouro da legitimação e a necessidade de comprovar interesse próprio ou de sua
família para garantir o acesso à jurisdição) passassem a ser tutelados pelo
Judiciário, pois a vinculatividade do acesso à justiça ao direito material era o
grande responsável pela ausência de tutela dos direitos coletivos lato sensu. Por
isso Mauro Cappelletti procurou chamar atenção ao questionar: “A quem
pertence o ar que eu respiro?” – a todos e a ninguém! O Brasil encontrou a
solução na legitimação extraordinária por subsitutição processual de órgãos
público e privados, por expressa previsão legal (ope legis) e controlável pelo juiz
(controle ope judicis da adequada representação). São legitimados o MP, as
associações de proteção dos direitos coletivos e dos grupos de pessoas (meio
ambiente, consumidor, associações de moradores etc.), a União, os Estados e os
Municípios, a Defensoria Pública. Este modelo de tutela coletiva afeta a
distribuição de trabalho entre o juiz e as partes, alguns institutos processuais
como a coisa julgada (secundum eventum litis e secundum eventum probationis
no processo coletivo) e os efeitos e a extensão da duplicidade de litispendência
em relação aos processos coletivos e aos processos individuais. Pode ser
considerado um exemplo importante de adequação do procedimento ao direito
material e aos objetivos da tutela jurisdicional;
• a desjudicialização e a desburocratização do Poder Judiciário e do acesso à
Justiça, consistente com as propostas anteriores esta última onda do movimento
por acesso à Justiça procura combinar técnicas diferenciadas de tutela das
pessoas e dos conflitos com o objetivo de aplicação do direito. Assim, quando
tivermos mais portas para acessar a Justiça e o atendimento aos consumidores da
justiça for possível mediante outros instrumentos, mais acessíveis, simples e
efetivos, que não o processo judicial, inclusive com ferramentas de tecnologia e
reforço da autocomposição (Justiça Multiportas – Multi-door Court House,
ADR, ODR etc.) estaremos mais próximos dos objetivos gerais e fundamentais
do sistema de justiça em uma democracia. O Brasil adotou fortemente essas
premissas e busca a solução na Justiça Multiportas, através da conciliação,
mediação, arbitragem, soluções extrajudiciais e desburocratização da justiça,
com a utilização de cartórios (por exemplo, os procedimentos administrativos da
usucapião, do divorcio consensual, da partilha, da consignação em pagamento
etc.) e a descentralização das decisões judiciais (claims resolution facilities).

• Nível de cognição ampliado: para o conhecimento do juiz, há cortes horizontais


(limites cognitivos em relação à matéria e ao aprofundamento, como, por
exemplo, as ações possessórias e as tutelas de urgência) e verticais (limites
cognitivos em relação à prova, como, por exemplo, o mandado de segurança);
• Ônus da prova: o ônus é um imperativo do próprio interesse, de modo que
quem tem o ônus de prova é quem alega. Vale-se das técnicas de dinamização
(atribuir o dever de provar a quem tem melhores condições técnicas de prova) e
inversão (atribuir o dever de provar a quem tem melhores condições jurídicas e
econômicas de provas);
• Técnicas antecipatórias idôneas (tempo do processo): urgência (é concedido
ao autor um direito material que somente lhe seria concedido ao final do
processo, desde que comprovado o fumus boni iuris e o periculum in mora) e
evidência (não exige a urgência, de modo que o direito do autor é tão evidente
que não é possível fazer com ele arque sozinho com o ônus do tempo do
processo);
• Formas de tutela jurisdicional com executividade intrínseca: condenatória,
mandamental, executiva lato sensu (art. 139, IV, CPC/2015; obrigação de fazer
e não-fazer; entrega de coisa). A tutela jurisdicional declaratória e constitutiva
são tutelas do dever-ser, se passam no mundo normativo e não exigem
execução, sendo necessário o trânsito em julgado;
• Técnicas executivas idôneas: títulos executivos judiciais (cumprimento de
sentença) e títulos executivos extrajudiciais (execução). É lastrado no princípio
da máxima coincidência (Giuseppe Chiovenda), responsável por reger a tutela
específica das obrigações entre aquilo que se tem direito, aquilo que é pedido e
aquilo que é obtido. O transporte in utilibus é o transporte da sentença penal
condenatória para a esfera cível, notadamente para fins de prova quanto aos
fatos e execução da indenização arbitrada penalmente (art. 515, VI, CPC/2015);
• Standards para valoração probatória: prova preponderante (aplicável ao
processo civil, é necessária apenas que alguém prove melhor o seu direito),
prova clara e convincente (é padrão intermediário, como nos casos de
improbidade administrativa) e prova além da dúvida razoável (aplicável ao
processo penal, pois não se pode acreditar que o nível de cognição da prova nos
processos penal e civil se equivale).

Razoável duração do processo (art. 5º, LVIII, CF/88; art. 4º, CPC/2015).

Art. 6º, Convenção Europeia de Direitos Humanos, art. 8º, I, Convenção


Americana sobre Direitos Humanos. Justice delayed is justice denied. Spatium temporis
– dias a quo e dies ad quem. A razoável duração do processo foi incluída pela Emenda
Constitucional nº. 45/2004.
A Corte Europeia de Direitos Humanos desenvolveu alguns critérios para aferir
se o processo ultrapassou a duração razoável: “(i) complexidade da causa; (ii) o
comportamento das partes; (iii) o comportamento do juiz na condução do processo”,
surge, ainda, um quarto critério mais recente: (iv) a relevância do direito reclamado
em juízo (critério da posta in gioco), a “relevância que a decisão causa na vida do
litigante” (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2012, p. 680). Ex.: responsabilidade
civil por contágio de doenças (Comissão v. Dinamarca, 1996); status pessoal (Laino v.
Itália); liberdade pessoal do réu no processo penal (Zarmakoupis e Sakellaropoulos v.
Grécia, 2000).
Portanto, aos critérios originais da jurisprudência da Corte Europeia de Direitos
Humanos para que um processo tenha uma duração razoável: (a) complexidade da
causa; (b) comportamento das partes; (c) comportamento do juiz na condução do
processo, acrescentou-se, ainda, um quarto critério, denominado posta in gioco,
consistente na relevância da causa para a vida das pessoas envolvidas, para a dignidade
da pessoa humana (valor-fonte dos Estados Democráticos Constitucionais). Isso quer
dizer que há uma prioridade subjetiva de certas causas em relação às outras.
O CPC/2015 prevê o princípio da razoável duração do processo em vários
dispositivos, como no art. 4º (tutela tempestiva do processo como uma de suas
finalidades), art. 6º (cooperação entre os sujeitos para atingir tal finalidade), art. 12
(ordem cronológica de julgamento), art. 191 (calendarização processual), art. 1.048
(prioridade legal de tramitação) e art. 139, IV (dilação de prazos).
O tempo para o juiz sempre foi considerado impróprio, quer dizer, sem
vinculatividade, há uma clara tendência a superar este modelo que não atende aos
critérios de justiça substancial da Constituição e aos objetivos de um sistema de justiça
pensado para os consumidores da justiça como serviço público efetivo e de qualidade. O
CPC/2015 busca mudar a lógica da impropriedade dos prazos processuais para juízes e
impor um certo grau de responsabilidade, uma vinculatividade mitigada, que, se não
observada, deva ser motivada adequadamente a partir dos valores que orientam o
ordenamento jurídico.

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