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TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS cap.

15 - Ygor Arzeno Ferrão; Gabriela De


Moraes Costa Ellis D’arrigo Busnello

A impulsividade é um componente mensurável do comportamento, de bases fisiológicas. Ela


faz o comportamento ocorrer sem oportunidade para reflexão, portanto, não condizendo com o
contexto em que está inserido.

A impulsividade vem sendo definida de diversas formas, algumas delas procurando


aproximar a clínica da pesquisa, como, por exemplo: predisposição a agir sem refletir, a despeito
das consequências; tendência a agir com menor premeditação do que a maioria dos indivíduos de
igual capacidade e conhecimento; comportamento relacionado com exposição a riscos, falta de
planejamento e tomada rápida de decisão.

Também pode ser entendida como contendo três componentes: agir no impulso (ativação
motora), sem focar na atividade em questão (atenção) e sem planejar ou pensar cuidadosamente
(falta de planejamento). Além disso, a impulsividade pode ser estudada em comparação a outros
fenômenos comportamentais, por exemplo, pode ser situada como extremo oposto de compulsão em
um espectro psicopatológico.

Alguns transtornos psiquiátricos, reconhecidamente fundamentados em aspectos


psicopatológicos do controle inadequado da impulsividade, foram agrupados nos manuais
diagnósticos sob o título de Transtornos do Controle dos Impulsos (TCIs). Com base no fato de a
impulsividade ser um sintoma discreto ou uma característica difusa da personalidade, sugeriu -se
que os TCIs podem ser divididos em dois grupos maiores. O primeiro, caracterizado por “um ou
mais atos isolados de impulsividade com uma característica em geral recorrente”, incluiria três
subgrupos:

1. neuroses impulsivas: cleptomania, piromania, comprar compulsivo, tricotilomania, escoriação


neurótica; 2. perversões ou desvios sexuais impulsivos: parafilias; 3. crises catatímicas (um ato de
violência isolado e não repetitivo): transtorno explosivo intermitente.

O segundo grupo, que também pode ser dividido em três subgrupos, seria caracterizado por “uma
difusividade perturbadora de impulsos que permeiam a personalidade sem, especificamente,
pertencer a nenhum tipo de descontrole dos impulsos”: 1. síndromes orgânicas, personalidade
psicopática (hoje conhecida por personalidade antissocial); 3. transtorno neurótico do caráter
(semelhante ao que hoje se conhece por transtorno da personalidade borderline).

Impulsividade e Compulsão

Em sua forma de execução, distinguem -se os atos compulsivos dos impulsivos pela maneira
ritualizada com que se realizam os primeiros, em contraste com a subitaneidade e o caráter
explosivo dos últimos. Além disso, a finalidade da compulsão é reduzir a ansiedade ou prevenir
sofrimentos, enquanto os atos impulsivos, em geral (embora nem sempre), vinculam -se à obtenção
de prazer. Enquanto as compulsões têm como principal objetivo evitar riscos, os atos impulsivos
expõem o paciente a situações potencialmente perigosas ou danosas.
A impulsividade, de modo oposto à compulsão, é caracterizada por ser egossintônica e
possuir um componente prazeroso no momento da execução do ato. Sob outro enfoque, algumas
semelhanças podem ser evidenciadas: falta da capacidade de controle da vontade (existindo,
contudo, algum grau de resistência por parte do paciente), comportamento de padrão repetitivo e
possibilidade de coexistência na mesma pessoa. No TOC, os impulsos aliviam a ansiedade (embora
haja resistência ou análise crítica e reprovação do ato em momentos lúcidos); eles podem ser
deslocados para outros objetos e atuados de forma diversa do desejo do impulso inicial, substituídos
por uma forma de pensar e/ou agir que anula, isola ou transforma o conteúdo inicial do pensamento
e a ação que pode decorrer dele.

A característica essencial dos TCIs é o fracasso em resistir a um impulso ou a uma tentação


de executar um ato perigoso para a própria pessoa ou para outros. Na maioria dos transtornos
descritos nessa seção, o indivíduo sente uma crescente tensão ou excitação antes de cometer o ato.
Após cometê -lo, pode ou não haver arrependimento, autorrecriminação ou culpa.

Desde o início da década de 1990, alguns pesquisadores vêm sugerindo que os TCIs
poderiam ser conceituados como parte de um espectro obsessivo-compulsivo, com base em suas
características clínicas, transmissão familiar e resposta a intervenções farmacológicas e
psicossociais (Dell’Osso et al., 2006). Avanços científicos levaram uma força -tarefa do DSM -V a
considerar importantes mudanças: a separação do TOC dos transtornos de ansiedade, colocando -o
em uma categoria própria (Transtornos do Espectro Obsessivo -compulsivo), e a criação de novos
transtornos autônomos a partir dos atualmente empregados nos TCIs sem outra especificação,
incluindo de modo específico transtornos impulsivo -compulsivos de uso da Internet, compras,
comportamento sexual e escoriação da pele.

Esses transtornos seriam chamados de impulsivo -compulsivos devido a suas características


de ativação e persistência ao longo do tempo.

Jogo Patológico (Ludomania)

Como categoria diagnóstica, o jogo patológico (JP) foi incluído na seção denominada
“Transtornos do Controle dos Impulsos Não De acordo com o DSM -IV -TR, o JP é um transtorno
do hábito ou do impulso que consiste em episódios frequentes/repetidos de apostas, os quais
dominam a vida do paciente, em detrimento de valores e compromissos sociais, ocupacionais,
materiais e familiares. Para os jogadores patológicos, o jogo tem um poder de gerar tensão
importante, sobretudo na perda, e essa tensão aumenta o impulso de jogar. Os sintomas incluem:
preocupação com jogos de azar; crescentes quantidades de dinheiro para manter a excitação com o
jogo; repetidas e malsucedidas tentativas de parar ou reduzir o jogar; inquietação ou irritabilidade
ao reduzir ou deixar o jogo de azar; utilização do jogo de azar como uma forma de fuga dos
problemas ou humor negativo; tentativa de reverter perdas; mentiras para família, amigos ou outros
sobre o próprio hábito de apostar, a fim de esconder a extensão do problema; colocar em risco
relacionamentos, oportunidades de emprego, estudos ou carreira por causa do jogo de azar; buscar
auxílio de terceiros para aliviar uma situação financeira desesperadora causada pelo jogo.

Transtorno explosivo intermitente


O transtorno explosivo intermitente caracteriza -se por episódios recorrentes de atos agressivos
desproporcionais, com estressores psicossociais e que não são mais bem explicados nem por outro
transtorno mental, nem por efeitos fisiológicos de uma substância. Algumas dúvidas, porém,
persistem com relação ao seu diagnóstico, tais como a natureza ou o limiar desses atos agressivos.
Apesar de sua inclusão no DSM há mais de duas décadas, há poucos estudos sobre a prevalência na
vida do transtorno explosivo intermitente, tanto em amostras psiquiátricas como em comunitárias.
Estudos evidenciam maior prevalência do transtorno em indivíduos do sexo masculino, jovens, com
história de uso de substâncias ou de outra patologia mental.

Comportamento Incendiário Patológico (Piromania)

Um estudo publicado em 2010 analisou a prevalência de comportamento incendiário e seus


correlatos em indivíduos norte--americanos maiores de 18 anos. Nesse estudo, a prevalência ao
longo da vida foi de 1% e houve associação com sexo masculino, cor branca, uso de álcool e
maconha, transtorno da conduta, personalidades antissocial e obsessivo -compulsiva e história
familiar de conduta antissocial.

Com relação ao comportamento incendiário na infância, parece ser mais comum entre crianças
menores de 8 anos e adolescentes, com ambiente familiar caótico (incluindo ausência paterna ou
materna), problemas escolares, histórias de abuso, negligência, adoção ou famílias muito numerosas
e presença de transtornos psiquiátricos na família. Cerca de 18% dos homens incendiários e 44%
das mulheres foram vítimas de abuso sexual na infância, e aproximadamente 40% dos incendiários
apresentavam problemas relacionados ao uso e ao abuso do álcool.

Cleptomania

A cleptomania (do grego kléptein = roubar), também denominada roubo patológico ou furto
compulsivo. O comportamento caracteriza do por impulsos irresistíveis e involuntários, sendo a
pessoa forçada a roubar por causa de uma doença mental, não devido à falta de consciência moral

Ao contrário do transtorno de personalidade antissocial, a cleptomania caracteriza -se pela presença


de culpa ou remorso e ausência de motivos para o roubo, como ganho monetário, uso pessoal,
roubar para impressionar alguém ou para sustentar uma adição a drogas. Entretanto, muitos
pacientes com cleptomania furtam itens desejáveis e valiosos, sendo, para alguns, o ímpeto
associado ao furto proporcional ao valor monetário do item. Os itens furtados são, em geral,
acumulados, descartados, de volvidos à loja ou doados. Os roubadores patológicos descrevem o
impulso para furtar como incongruente com o caráter, incontrolável ou moralmente errado. Ainda
que um sentimento de prazer, gratificação ou alívio seja vivenciado no momento do furto, os
pacientes descrevem culpa, remorso ou depressão logo após o ato.

Tricotilomania

Tricotilomania doença caracterizada pelo impulso incontrolável de arrancar os próprios cabelos ou


pelos, sendo, na maior parte das vezes, recorrente ou persistente. O início se dá, em média, aos 10
anos de idade (mas há casos em menores de 5 anos), sendo o escalpo (couro cabeludo) a área
corporal mais acometida (82%), seguida de cílios (54%) e sobrancelhas (51%) – embora cada
paciente possa exibir regiões específicas, únicas ou múltiplas, para arrancar pelos ou cabelos (p. ex.,
pelos faciais ou pubianos).
Comprar compulsivo (oniomania)

Kraepelin (1915) nomeou o comprar excessivo em mulheres de oniomania (do grego oné = compras
e mania = loucura, frenesi) e comparou -o ao comportamento de jogar descontrolado identificado
em homens. Bleuler (1924) incluiu a oniomania entre os “impulsos reativos”, junto com a
piromania e a cleptomania.

A classificação do transtorno de comprar compulsivo (TCC) continua sendo incerta e ele não está
incluído nos sistemas nosológicos contemporâneos, como o DSM e a CID -10. Trata -se de uma
preocupação maladaptativa ou uma necessidade urgente de comprar, tida como irresistível, intrusiva
ou sem sentido, frequentemente acompanhada de episódios de aquisição de itens desnecessários ou
que custam além do poder aquisitivo do indivíduo, podendo seguir -se de sensação de alívio ou
gratificação após a compra e que não ocorre exclusivamente durante períodos de mania ou
hipomania. Os estudos estimam uma prevalência de oniomania entre 1,4 e 8% em amostras
comunitárias de adultos, chegando a 9% em amostras psiquiátricas. A maioria dos acometidos por
esse transtorno é do sexo feminino (80 a 95%). O TCC tem início no final da adolescência ou nos
primeiros anos da segunda década de vida, o que pode relacionar -se com a emancipação do núcleo
familiar ou com a idade em que os indivíduos obtêm crédito.

Emoções negativas (como raiva, ansiedade, tédio e pensamentos autocríticos) costumam anteceder
os episódios de compras, ao passo que euforia ou alívio das emoções negativas são as
consequências mais frequentes. Roupas, sapatos, joias, maquiagem e CDs costumam ser as
categorias preferidas.

Escoriação Neurótica da Pele (Skin Picking)

Ela começa como uma vontade de tocar, arranhar, apertar ou cavocar a pele, muitas vezes em
resposta a uma pequena falha ou acne; instrumentos (tais como pinças) são com frequência
utilizados, podendo causar desde leves danos a graves complicações (cicatrizes, celulite,
desfiguração). A escoriação é considerada patológica quando se torna habitual, crônica ou extensa,
levando a vergonha, disfunção e prejuízo social.

Dependência de internet e jogos eletrônicos

Dependência de Internet, uso problemático de Internet, uso patológico da Internet e uso compulsivo
de Internet são alguns dos termos utilizados para descrever indivíduos incapazes de controlar seu
uso da rede mundial de computadores, fazendo-o sem qualquer finalidade acadêmica ou
profissional (ficando clara a ausência de propósito específico) e que terminam por apresentar
prejuízos ou dificuldades psicológicas, sociais, laborais e na vida pessoal.

Pesquisas advogam que o uso médio relatado pelos usuários pesados é de 4 a 10 horas por dia
durante a semana, aumentando para 10 a 14 horas aos fins de semana (isso representa algo em torno
de 40 a 78 horas/ semana). A média de uso semanal naqueles que preencheram os critérios para
dependência é de cerca de 38 horas/semana, embora os estudos constatem propósitos e números de
horas muito distintos. Diversas tentativas de classificar esse transtorno vêm sendo realizadas,
seguindo os modelos de dependência a substâncias, jogo patológico ou transtornos do controle dos
impulsos sem outra especificação. Não há consenso na literatura acerca de sua classificação, mas
alguns estudos apoiam a ideia de que seja considerado um novo subtipo de TCI .
Integrando Conceitos Neurobiológicos e Comportamentais em Impulsividade: do Laboratório
à Clínica

Observou- -se uma ativação bastante menor do estriato ventral direito relacionada aos contrastes de
ganhos e perdas em indivíduos com JP quando comparados aos controles. Os jogadores também
demonstraram uma ativação relativamente mais baixa no córtex pré-frontal ventromedial, que é
consistente com estudos anteriores. As técnicas de neuroimagem também têm demonstrado menor
integridade microestrutural da substância branca nas regiões cerebrais frontais ventromediais, sendo
essas imagens consistentes com achados de impulsividade aumentada em cleptomaníacos. Assim,
tem sido levantada a hipótese de que a disfunção serotonérgica no córtex pré-frontal ventromedial
seja subjacente à capacidade prejudicada de tomar decisões observada nesses doentes.

A serotonina (5-HT) é um dos neurotransmissores mais relacionados aos TCIs e, em particular, ao


JP. A 5-HT está envolvida na regulação dos estados de humor, do sono e dos comportamentos
prazerosos. Neurotransmissão por 5-HT reduzida tem sido associada a impulsividade aumentada em
modelos humanos e animais.

Manipulações neurofarmacológicas afetando a concentração cerebral de 5-HT modificam a


efetividade de uma recompensa quando esta é adiada. Por exemplo, a administração de inibidores
seletivos da recaptação de serotonina aumenta a resposta a uma recompensa tardia, enquanto lesões
no sistema 5-HT diminuem a prontidão de ratos para responder a essa recompensa.

Achados sugerem que o sistema noradrenérgico medeia a atenção seletiva no JP e está relacionado a
maior excitação e prontidão para jogar ou assumir riscos.

O sistema dopaminérgico (DA) influencia os mecanismos de recompensa e reforço dos


comportamentos humano e animal, tendo sido, também, implicado na dependência de substâncias.

O interesse da comunidade científica acerca dos TCIs vem aumentando de maneira considerável
nos últimos anos, havendo particular interesse no encurtamento da distância entre a neurobiologia
da impulsividade e sua interface clínica. As fontes de informação na sociedade atual inundam as
pessoas com notícias sobre novas oportunidades potencialmente gratificantes, encurtando o tempo
para ponderar e decidir -se de modo adequado. Como referiram Tavares e colaboradores (2008), o
autocontrole se tornou, ao mesmo tempo, um desafio e um objetivo para homens e mulheres da pós-
-modernidade, sendo a sua perda representada pelos TCIs, seus antagonistas naturais.

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