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TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DO TRANSTORNO OBSESSIVO-

COMPULSIVO
DANIELA TUSI BRAGA
ANALISE VIVAN

INTRODUÇÃO

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado pela presença de


obsessões, compulsões ou ambas, que consomem tempo, causam sofrimento ou
prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outra área importante da vida
do indivíduo.

Obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens, repetitivos e persistentes, que


ocorrem de forma intrusiva e provocam ansiedade. Para aliviar o desconforto, a
pessoa tenta suprimir ou neutralizar as obsessões por meio de comportamentos
repetitivos ou atos mentais, definidos como compulsões.1

Considerado um transtorno de difícil tratamento até pouco tempo atrás, esse


panorama mudou nas últimas décadas, com a introdução de métodos efetivos de
tratamento baseados no modelo cognitivo-comportamental. No entanto, apesar
desses avanços, o TOC ainda costuma ser subdiagnosticado na prática clínica,
tendo em vista que muitas pessoas não reconhecem os sintomas do transtorno e
que os profissionais da área da saúde não os investigam regularmente na avaliação
dos pacientes.

OBJETIVOS

Após a leitura do artigo, o leitor será capaz de

■ identificar as manifestações clínicas do TOC para o correto diagnóstico;


■ reconhecer a etiologia, o curso e a prevalência do TOC;
■ reconhecer o modelo comportamental e o modelo cognitivo-comportamental
do TOC;
■ identificar as principais crenças disfuncionais do TOC;
■ abordar questões importantes na avaliação de um paciente com TOC;
■ informar ao paciente sobre a terapia cognitivo-comportamental (TCC) do
TOC, como funcionam as primeiras sessões e as sessões intermediárias;
■ reforçar os cuidados que se devem ter ao se utilizar técnicas cognitivas no
tratamento do TOC;
■ preparar o paciente para a alta e para a prevenção de recaídas.
ESQUEMA CONCEITUAL
DIAGNÓSTICO

O TOC, até a Quarta Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais (DSM-IV, do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders),
era classificado como um transtorno de ansiedade (TA). Na quinta edição do DSM,
lançado em 2014,1 o TOC passou a fazer parte de uma nova categoria, denominada
transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados, juntamente com o
transtorno dismórfico corporal (TDC), transtorno de acumulação, tricotilomania
(transtorno de arrancar o cabelo) e transtorno de escoriação (do inglês skin-picking).
Além disso, foram feitas pequenas alterações na redação dos critérios diagnósticos,
conforme pode ser visualizado no Quadro 1, a seguir.
Quadro 1

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO,


SEGUNDO O MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS
MENTAIS-5

Presença de obsessões, compulsões ou ambas:

■ Obsessões são definidas por:

● Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em


algum momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos
e indesejáveis e que causam, na maioria dos indivíduos, acentuada
ansiedade ou sofrimento.
● O indivíduo tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou
imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação.

■ As compulsões são definidas por:

● Comportamentos repetitivos (por exemplo, lavar as mãos, organizar,


verificar) ou atos mentais (por exemplo, orar, contar ou repetir palavras em
silêncio) que o indivíduo se sente compelido a executar em resposta a uma
obsessão ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas.
● Os comportamentos ou os atos mentais visam a prevenir ou a reduzir a
ansiedade ou o sofrimento, ou a evitar algum evento ou alguma situação
temida; entretanto, esses comportamentos ou atos mentais não têm uma
conexão realista com o que visam a neutralizar ou a evitar, ou são
claramente excessivos.

Nota: Crianças pequenas podem não ser capazes de enunciar os objetivos desses
comportamentos ou atos mentais.

As obsessões ou compulsões tomam tempo (por exemplo, tomam mais de uma hora
por dia) ou causam sofrimento clinicamente significativo, ou prejuízo no funcionamento
social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Os sintomas obsessivo-compulsivos não se devem aos efeitos fisiológicos de uma


substância (por exemplo, droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica.

A perturbação não é mais bem explicada pelos sintomas de outro transtorno mental (por
exemplo, preocupações excessivas, como no transtorno de ansiedade generalizada
(TAG); preocupação com a aparência, como no TDC; dificuldade de descartar ou se
desfazer de pertences, como no transtorno de acumulação; arrancar os cabelos, como
na tricotilomania; beliscar a pele, como no transtorno de escoriação [do inglês skin
picking]; (...)

Especificar se:

■ Com insight bom ou razoável: o indivíduo reconhece que as crenças do TOC


são definitivas ou, provavelmente, não verdadeiras, ou que podem ou não ser
verdadeiras.
■ Com insight pobre: o indivíduo acredita que as crenças do TOC são,
provavelmente, verdadeiras.
■ Ausência de insight/crenças delirantes: o indivíduo está completamente
convencido de que as crenças do TOC são verdadeiras.

Especificar se:

■ Relacionado a tiques: o indivíduo tem história atual ou passada de um


transtorno de tique.

Fonte: American Psychiatric Association (2014).1

PREVALÊNCIA, CURSO E ETIOLOGIA

Até a década de 1980, o TOC era considerado um transtorno raro, com estudos
apontando prevalência de 0,05% da população. Foi apenas a partir de 1988, quando
foram publicados os dados do Epidemiological Catchment Area Study (ECA),
importante estudo epidemiológico americano, que se começou a dar mais atenção
ao TOC, tendo em vista resultados que estimaram prevalência ao longo da vida
entre 1,9 e 3,3%.2 Desde então, diversos estudos epidemiológicos vêm sendo
desenvolvidos, apontando taxas de prevalência que chegam até 3,6%3 em amostras
de adultos, sendo semelhante à prevalência para homens e mulheres.

Estudos envolvendo crianças e adolescentes verificaram prevalência de até 4,0%,4


com taxas levemente superiores em meninos, possivelmente pelo início mais
precoce dos sintomas no sexo masculino, embora esse achado não seja confirmado
em todos os estudos relevantes desenvolvidos.

Considerado um transtorno mental grave, de curso, em geral, crônico e com


frequente flutuação na intensidade dos sintomas, quando não tratado com
muita frequência, o TOC pode manter-se por toda a vida. Inicia, geralmente, na
adolescência e, muitas vezes, ainda na infância, com poucos casos novos após
os 30 anos de idade.5

Um estudo multicêntrico brasileiro apresentou a média de idade de início dos


sintomas obsessivos e compulsivos de 13,6 e 13,2 anos, respectivamente.6 No
entanto, não é raro encontrar casos da doença ainda na infância, com pesquisas
apontando que mais de 50% dos pacientes referem o surgimento dos sintomas
quando crianças.7

O tempo médio entre o início dos sintomas e a busca por tratamento pode
chegar a 18,1 anos.6 A demora em buscar tratamento especializado pode
acontecer pelo receio que muitos pacientes apresentam de expor seus
sintomas em razão da vergonha, na tentativa de evitar possíveis humilhações.
Além disso, alguns apresentam as crenças de que, ao verbalizarem suas
obsessões, elas possam se tornar realidade ou, ainda, em caso de obsessões
de conteúdo sexual ou agressivo, que eles possam ser vistos como loucos ou
perigosos pelos outros.

Até o presente momento, as causas do TOC não são bem conhecidas. Como os
sintomas são heterogêneos, não está claro se constituem um único transtorno ou um
grupo de transtornos com características em comum. Na prática, as apresentações
clínicas, o início da doença, o curso, os aspectos neurofisiológicos,
neuropsicológicos e cognitivos, assim como a resposta aos tratamentos variam
muito de indivíduo para indivíduo.
Existem fortes evidências de que fatores neurobiológicos tornam certos
indivíduos mais suscetíveis a desenvolverem o TOC.

Está bem documentada a prevalência aumentada dos sintomas obsessivo-


compulsivos em familiares de portadores do TOC, especialmente em gêmeos
idênticos, o que aponta para a possibilidade de existência de fatores genéticos. Além
disso, a redução dos sintomas com o uso da clomipramina ou de inibidores seletivos
da recaptação da serotonina (ISRS), a hiperatividade de circuitos cerebrais que
envolvem o córtex frontal, o tálamo e o estriado e aparecimento dos sintomas após
traumatismos crânio-encefálicos e encefalites ou outras doenças cerebrais, ou até
mesmo durante o uso de certos neurolépticos, apontam para o envolvimento do
cérebro na fisiopatogenia do transtorno.

Por outro lado, fatores de natureza psicológica, como aprendizagens errôneas,


crenças distorcidas e pensamentos de natureza catastrófica estão presentes na
maioria dos portadores e parecem desempenhar um papel importante no surgimento
e na manutenção dos sintomas.

A seguir, apresenta-se um exemplo clínico a respeito do assunto tratado nesta


seção.

EXEMPLO CLÍNICO 1

Adriana é uma jovem de 18 anos de idade que tem sua mente invadida,
frequentemente, por imagens dela mantendo relações sexuais com o pai. A
paciente é filha única, reside com os pais, e sente-se muito culpada e
envergonhada por ter esse tipo de pensamento. Nunca havia verbalizado essa
obsessão para nenhum familiar ou amigo, pois acreditava que pudesse ser
vista como “louca” ou “pervertida”. Até mesmo para a terapeuta a paciente teve
dificuldades, relatando após algumas sessões e com muito desconforto, pois se
considerava muito inadequada pelo conteúdo das obsessões.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Indivíduos com TOC apresentam sintomatologia heterogênea, ampla gama de


comorbidades e diferentes percentuais de resposta aos tratamentos.

Estudos epidemiológicos mostram que a maioria dos portadores tem, pelo menos,
outro transtorno psiquiátrico associado, sendo os mais frequentes o transtorno
depressivo maior (TDM) e o TA, como a fobia social e as fobias específicas.8 Entre
20 – 30% das pessoas com TOC têm um história atual ou passada de tiques.9

Os transtornos do controle dos impulsos também aparecem comumente associados


ao TOC, mais especificamente as grooming disorders (tricotilomania, skin-picking e
nail-biting).10 Quanto aos transtornos de personalidade, o transtorno da
personalidade obsessivo-compulsiva, comumente confundido com o TOC, pode
aparecer em até 24,7% dos indivíduos.1

QUALIDADE DE VIDA
A presença do transtorno e os anos vividos com a doença podem interferir, de
maneira significativa, na qualidade de vida dos indivíduos, podendo levar, nos casos
mais graves, à incapacitação. O tempo gasto na realização dos rituais, o isolamento
social e as desavenças familiares podem contribuir para o aumento do sofrimento e
dos prejuízos associados ao TOC. Em um estudo de Sobrecarga Global das
Doenças, o TOC foi apontado como a décima causa de anos vividos com
incapacidade em todo o mundo, incluindo doenças médicas em geral.12

Outro importante dado refere-se ao suicídio. Um estudo epidemiológico realizado na


Grã-Bretanha apontou que, entre os entrevistados com TOC, 63,5% já haviam
apresentado ideação suicida e 25,7% já haviam tentado suicídio em algum momento
da vida. No Brasil, esses números são inferiores, no entanto, ainda preocupantes,
sendo que 46% dos pacientes referiram ideação suicida e 10%, tentativa de
suicídio.8,13

DIMENSÕES DE SINTOMAS

Os sintomas obsessivo-compulsivos podem manifestar-se de maneira


heterogênea, sendo comum observar dois pacientes com características
clínicas diferentes ou, ainda, um mesmo paciente com uma diversidade de
sintomas, embora um subtipo possa predominar. Além disso, também é comum
que, ao longo da vida, os sintomas se alternem.

Estudos têm identificado essa variedade de manifestações, propondo uma divisão


dimensional de sintomas do TOC. Essas dimensões têm sido associadas a
características distintas, como as comorbidades, a idade de início do TOC e a
resposta aos ISRS. Acredita-se que a abordagem dimensional tenha um valor clínico
significativo e que seja essencial para a escolha e o planejamento do tratamento.
Além disso, definindo grupos mais homogêneos de pacientes, pode-se contribuir
para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, tanto do ponto de vista
farmacológico quanto psicoterápico.

Apesar de ainda não haver um consenso universal quanto às dimensões de


sintomas, a mais consistente divisão inclui:

■ obsessões de contaminação e compulsões de lavagem/limpeza;


■ obsessões sobre responsabilidade por causar prejuízos ou erros e
compulsões de verificação;
■ obsessões sobre ordem e simetria e compulsões de ordenamento e arranjo;
■ pensamentos obsessivos repugnantes sobre sexo, religião e violência com
rituais mentais e outras estratégias de neutralização.

O colecionismo, muitas vezes citado como uma dimensão do TOC até


recentemente, no DSM-5,1 foi classificado como um transtorno distinto (transtorno
de acumulação), recebendo critérios diagnósticos específicos.

BREVE HISTÓRICO DO TRATAMENTO DO TRANSTORNO OBSESSIVO-


COMPULSIVO

Até a década de 1960, o principal modelo do TOC era baseado na teoria


psicanalítica de Freud. O tratamento proposto era a psicanálise ou a psicoterapia de
orientação analítica, que, na prática, revelavam-se ineficazes em eliminar os
sintomas. A insatisfação com esse modelo levou pesquisadores ligados à escola
comportamental a realizar alguns experimentos, que foram cruciais para o atual
entendimento do TOC e para o desenvolvimento de novas abordagens de
tratamento.

MODELO COMPORTAMENTAL

O modelo comportamental do TOC, baseado nos dois estágios ou dois fatores de


Mowrer para explicar as origens do medo e os comportamentos de esquiva nos TA,
tem sido adaptado para o entendimento da origem e da manutenção dos sintomas
obsessivo-compulsivos.

O modelo considera a ansiedade como resultado de aprendizagens errôneas. Os


sintomas obsessivo-compulsivos seriam resultados desse processo, ocorridos em
duas etapas:

■ aquisição;
■ manutenção.
A primeira etapa ocorre por meio do condicionamento clássico, enquanto a segunda
tem o condicionamento operante para sua explicação.

Na aquisição de sintomas (por meio do condicionamento clássico), estímulos neutros


são pareados a estímulos incondicionados, tornando-se, assim, estímulos
condicionados, passando a provocar as mesmas respostas que os estímulos
incondicionados; ou seja, estímulos anteriormente neutros (por exemplo, banheiros
públicos, maçaneta de portas, números, cores, pensamentos), depois de pareados,
passam a provocar respostas como ansiedade, medo ou nojo (Figura 1).

Figura 1 – Aquisição de sintomas do TOC por meio do condicionamento clássico.

Fonte: Arquivo de imagens das autoras.

Na manutenção de sintomas (por meio do condicionamento operante – reforço


negativo), o indivíduo aprende que, ao executar alguns rituais (compulsões) ou ao
evitar o contato com alguns objetos, algumas situações ou pessoas (evitações),
consegue reduzir ou eliminar o desconforto, mesmo que temporariamente. Dessa
forma, como as obsessões presentes no TOC são recorrentes e intrusivas, não
podendo ser evitadas, esse estímulo desagradável é eliminado por meio das
compulsões e/ou evitações, que acabam funcionando como reforçadores dos
referidos sintomas, impedindo o processo de habituação e, consequentemente,
perpetuando o transtorno.
A seguir, mostra-se um exemplo clínico que ajudará na fixação do que foi dito nesta
seção.

EXEMPLO CLÍNICO 2

Vera é uma senhora de 58 anos de idade que apresenta obsessões de


contaminação e compulsões de lavagem e limpeza. Seu marido está
aposentado há 2 anos e dispondo de tempo e recursos financeiros para a
realização de viagens, insistindo que a esposa o acompanhe. Porém, alguns
dos sintomas frequentes que a paciente refere são a dificuldade de usar
banheiros públicos, de comer em restaurantes e de hospedar-se em hotéis.

Durante boa parte da vida, Vera vem evitando essas situações, preferindo
sempre aguardar chegar em casa para usar o banheiro e fazendo as refeições
também em sua própria casa. No entanto, quando necessário enfrentar, a
paciente utiliza de alguns rituais, como lavar o assento sanitário com papel
higiênico e álcool gel, que sempre mantém na bolsa. Em relação a
restaurantes, a paciente carrega uma pequena garrafa térmica com água
quente e um pano descartável, limpando o prato e os talheres. Quanto aos
hotéis, Vera está planejando que, caso não consiga convencer o marido a não
viajar, irá levar seu próprio travesseiro, seus lençóis e suas toalhas de banho
para evitar utilizar os oferecidos durante a hospedagem.

As evitações e os rituais realizados são um exemplo de manutenção de


sintomas por meio do condicionamento operante (reforço negativo), ou seja,
são realizados com o intuito de reduzir ou eliminar o desconforto. Porém, esse
comportamento impede o processo de habituação, fazendo com que as
obsessões se mantenham e o transtorno se perpetue.

FENÔMENO DA HABITUAÇÃO
Autores ingleses, no início da década de 1970, resolveram desafiar o modelo
proposto por Freud e as explicações relacionadas à sua teoria, como, por exemplo,
de que os sintomas, se removidos, seriam inevitavelmente substituídos por outros,
ou de que o paciente poderia desenvolver um quadro psicótico caso fosse impedido
de realizar seus rituais. Procuraram observar, em voluntários, o que poderia ocorrer
caso se abstivessem de realizar as compulsões ou fossem estimulados a entrar em
contato com o que evitavam.

Em um primeiro estudo, Hodgson e Rachman14 observando pacientes com


obsessões de limpeza e rituais de lavagem, verificaram que eles apresentavam
rápida e acentuada elevação da ansiedade quando eram convidados a tocar nos
objetos que evitavam, a qual decrescia também de forma rápida com a execução de
uma lavagem “satisfatória”. Em um experimento semelhante com pacientes
“verificadores”, Röper e colaboradores15 constataram, da mesma forma, um
aumento instantâneo da ansiedade, seguido de uma acentuada diminuição, após a
execução da verificação.

A partir dessas observações, foi proposta a existência de uma relação funcional


entre os rituais e as obsessões: os rituais eram realizados para aliviar a ansiedade
que acompanhava as obsessões. Essa era a sua função e era, ao mesmo tempo,
uma tática aprendida pelo paciente para livrar-se da ansiedade que, usualmente,
acompanha as obsessões.

Os estudiosos observaram, ainda, que o impulso de executar as verificações ou as


lavações desaparecia espontaneamente em um período entre 15 e 180 minutos,
caso fosse solicitado aos pacientes que se abstivessem de realizar os rituais ou
permanecessem em contato com as situações ou os objetos evitados. Além disso, a
cada repetição dos exercícios, a intensidade da ansiedade e do impulso para
realizar os rituais era menor. Caso repetissem os exercícios um número suficiente de
vezes, tanto a aflição quanto a necessidade de executar os rituais desaparecia por
completo. Tais achados podem ser visualizados nas Figuras 2 e 3, a seguir.
Taxas médias de impulso e desconforto ao longo das ocasiões (n=11). As ocasiões
avaliadas incluídas no eixo horizontal são: AE= antes da exposição ao estímulo
provocador; DE= depois da exposição; DR= depois do ritual; DE= depois da
segunda exposição; e intervalos de meia hora até 3 horas.

Figura 2 – Taxas médias de impulso e desconforto ao longo das ocasiões.

Fonte: Adaptada de Rachman e Hodgson (1980).16

Declínio espontâneo do impulso. Taxas médias de desconforto após a exposição


aos estímulos na sessão e entre sessões. DE= depois da exposição.

Figura 3 – Declínio de impulso e desconforto na sessão e entre sessões de


exposição.

Fonte: Adaptada de Rachman e Hodgson (1980).16

Esse fenômeno natural ficou conhecido como habituação e passou a ser a base da
terapia comportamental de exposição e prevenção de respostas (EPR). Ensaios
clínicos realizados ainda na década de 1970 comprovaram a eficácia da EPR em
reduzir os sintomas obsessivo-compulsivos, tornando-se, a partir de então, um dos
tratamentos de primeira linha para o TOC.
O forte argumento a favor do modelo comportamental é o fato de a terapia nele
embasada, a terapia de EPR, ser altamente efetiva. O mecanismo sugerido para a
manutenção dos sintomas – o alívio que os pacientes sentem ao executar os rituais
(reforço negativo) – parece bastante plausível, tendo implicações importantes nas
estratégias de tratamento.

A terapia de EPR tem se mostrado eficaz em mais de 70% dos pacientes que
aderem ao tratamento. Uma eficácia semelhante ou levemente superior da
terapia de EPR em relação aos ISRS foi verificada em diversos ensaios clínicos
e metanálises, consolidando-se, definitivamente, como tratamento de primeira
escolha quando predominam rituais e os sintomas são de intensidade leve ou
moderada.

No entanto, apesar dessas evidências, o modelo comportamental deixa algumas


lacunas. A maioria dos pacientes não relata uma história relevante de
condicionamento que dá origem aos sintomas obsessivo-compulsivos. O modelo não
explica porque um mesmo indivíduo apresenta uma variedade de sintomas de
diferentes dimensões e por que eles se modificam, aparecem e desaparecem ao
longo da vida. Também não explica por que muitos portadores são atormentados por
pensamentos repugnantes de natureza agressiva ou sexual, sem que jamais tenham
testemunhado ou cometido tais atos.

Como técnica psicoterápica, a terapia de EPR também apresenta limitações, tendo


se mostrado pouco efetiva em pacientes que apresentam predominantemente
obsessões. A necessidade de superar as limitações do modelo comportamental
levou os autores cognitivos a focarem sua atenção nos pensamentos distorcidos e
nas crenças disfuncionais de conteúdo catastrófico, presentes em maior ou menor
intensidade na maioria dos portadores do TOC, valorizando o papel da cognição na
origem e manutenção dos sintomas.

Foi levantada a hipótese de que tais cognições poderiam ser as responsáveis pelo
elevado grau de ansiedade associada aos sintomas, pela baixa adesão ao
tratamento e pela não realização das tarefas de EPR, e que sua correção por meio
de técnicas cognitivas poderia aumentar a eficácia do tratamento. Tal acréscimo,
visto como complementar ao modelo comportamental, tem se revelado útil,
particularmente em pacientes que apresentam predominantemente obsessões.

O acréscimo das técnicas cognitivas à terapia de EPR deu origem à TCC, que
paulatinamente vem sendo adotada no tratamento do TOC.
MODELO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

O modelo cognitivo-comportamental tem sido considerado o modelo psicológico do


TOC com maior suporte empírico.17

O modelo cognitivo-comportamental é considerado um modelo integrador, à


medida que engloba outros fatores, como os neurobiológicos e os ambientais,
que podem interferir na vulnerabilidade do indivíduo ao TOC. Além disso,
valoriza o papel dos pensamentos e das crenças disfuncionais no que se refere
ao surgimento e à manutenção dos sintomas.

O modelo cognitivo-comportamental propõe que as obsessões e as compulsões


surgem de certos tipos de crenças disfuncionais e que a intensidade da crença está
associada ao risco de uma pessoa desenvolver sintomas obsessivo-compulsivos. A
base para esse modelo é a de que as interpretações errôneas são as responsáveis
pelo fato de determinados pensamentos intrusivos assumirem um significado
especial para o indivíduo.

A maioria das pessoas tem pensamentos indesejáveis de caráter agressivo, obsceno


ou sexual semelhantes ao de indivíduos com TOC; no entanto, não dão importância
a tais pensamentos,18 ou seja, os pensamentos intrusivos que causam desconforto
em indivíduos com TOC também estão presentes na população geral; porém, sem
que sejam transformados em obsessões.

A maioria das pessoas que experienciam uma intrusão consideram-na um


acontecimento desagradável, sem sentido e sem implicação de dano associada, ou
seja, um evento “banal”. Entretanto, essas intrusões “banais” transformam-se em
obsessões quando são avaliadas como pessoalmente importante, extremamente
inaceitáveis ou imorais e/ou quando representam uma ameaça para qual o indivíduo
sente-se pessoalmente responsável.

O significado especial catastrófico atribuído à presença de tais pensamentos (“Se eu


tenho esses pensamentos, posso cometê-los” ou “Se eu penso, é porque eu desejo
cometê-los”, ou “Revelam um lado secreto e perverso do meu caráter”) é o
responsável por transformar pensamentos intrusivos normais em obsessões.18,19
Por exemplo, a imagem intrusiva de esfaquear um ente querido é experimentada
pela maioria das pessoas como um evento desagradável, mas sem sentido, sem
dano, sem valor, como sendo “lixo” mental que transita pela consciência.

Supõe-se que, para a pessoa que tem TOC, tal intrusão transforma-se em obsessão,
pois ela vivencia a imagem de esfaquear um filho e pensa: “Se pensei isso, posso
perder o controle e matá-lo”. Essa interpretação evoca angústia e motiva o indivíduo
afetado a suprimir ou afastar as intrusões indesejáveis.
As compulsões tornam-se persistentes e excessivas porque são reforçadas
negativamente pela redução imediata da ansiedade e pelo afastamento
temporário do pensamento indesejável. Além disso, as compulsões impedem o
indivíduo afetado de aprender que suas avaliações não são reais.

As compulsões estão associadas com a frequência das intrusões, pois funcionam


como lembrança das mesmas, desencadeando, assim, suas repetições. As
tentativas de se distrair das intrusões indesejáveis, em geral, provocam um efeito
paradoxal, pois os “distratores” funcionam como pistas de recuperação das
intrusões.

As compulsões podem fortalecer a crença disfuncional de responsabilidade


exagerada, ou seja, a ausência da consequência temida após a compulsão reforça a
crença de que a pessoa necessita fazer o ritual para remover a ameaça e que foi o
ritual que impediu o desfecho temido (Figura 4).

Figura 4 – Modelo cognitivo-comportamental do TOC.

Fonte: Adaptada de Abramowitz e colaboradores (2009).17


À medida que as interpretações errôneas persistem, também persistem as
obsessões. E, a partir do momento em que as interpretações são
enfraquecidas, as obsessões diminuem e, consequentemente, o impulso em
executar rituais; ou seja, a avaliação que o paciente faz a respeito dos
pensamentos intrusivos é um importante preditor de sintomas obsessivo-
compulsivos, e o uso de estratégias cognitivas pode contribuir para a correção
de crenças disfuncionais e maior adesão à EPR.

CRENÇAS DISFUNCIONAIS
Tendo em vista as crenças disfuncionais descritas por diferentes autores e no
quanto elas estariam contribuindo para o agravamento e a manutenção dos
sintomas, um grupo de especialistas se reuniu e apresentou uma relação das
principais crenças presentes no TOC, definidas como:20

■ Responsabilidade exagerada: tendência a sentir-se responsável por causar


dano para si ou para outros, mesmo em eventos nos quais não se tenha
controle. Rituais de verificações, repetições e lavagens excessivas podem
estar relacionados à essa crença. Por exemplo, verificar o gás diversas
vezes, com medo de ser responsável por um incêndio.
■ Importância exagerada dos pensamentos: é a crença de que a simples
presença de um pensamento indica que ele é importante. Caracteriza-se
pela fusão do pensamento e da ação, em que se acredita que pensar em
um evento perturbador aumenta as chances de que ele venha a acontecer,
e, ainda, que pensar equivale a agir, ou seja, ter um pensamento de
conteúdo repugnante equivale moralmente a praticá-lo. Essas crenças
podem originar excesso de culpa e a realização de rituais de verificação ou
outras manobras de neutralização. Por exemplo, após ter um pensamento
sobre morte, ligar para a mãe para verificar se está bem.
■ Importância de controlar os pensamentos: acredita-se que é necessário ter
controle total sobre os pensamentos, as imagens e os impulsos intrusivos.
Ocorre em decorrência da crença anterior, de valorizar, de maneira
excessiva, o poder do pensamento. Por exemplo, “Preciso controlar meus
pensamentos e afastar esses pensamentos ruins da minha cabeça, ou é
sinal de que sou uma má pessoa e irei para o inferno”.
■ Superestimação do risco: tendência a exagerar a gravidade do dano ou a
probabilidade de que eventos negativos aconteçam. Pode desencadear
rituais de limpeza, verificações e evitações. Por exemplo, “Posso contrair o
vírus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês human immunodeficiency
vírus) ao pisar com sapatos em uma mancha de sangue”.
■ Intolerância à incerteza: necessidade de ter certeza absoluta, levando à
dificuldade nas tomadas de decisões. Essa crença está relacionada com
obsessões de dúvida (levando à dificuldade nas tomadas de decisões),
ruminações, repetições e verificações. Pode estar relacionada ao
perfeccionismo, acreditando-se que, tendo certeza, falhas não serão
cometidas. Por exemplo, “Preciso ter certeza absoluta, pois falhas são
imperdoáveis”.
■ Perfeccionismo: tendência a adotar um padrão elevado de exigências, não
tolerando falhas (“falhas são imperdoáveis”). Essa crença costuma estar
por trás de compulsões relacionadas com ordem, simetria, alinhamento e
verificações. Por exemplo, ler e reler um e-mail inúmeras vezes, para
garantir que está perfeito.

Porém, alguns estudos sugerem a sobreposição das crenças. Wu e Carter,21 por


meio do Obsessive-Compulsive Questionnaire (OBQ), realizaram um estudo
investigando o quanto as crenças disfuncionais seriam específicas aos sintomas do
TOC em estudantes americanos, sugerindo agrupar as crenças em apenas três
domínios:

■ importância/controle dos pensamentos;


■ responsabilidade;
■ perfeccionismo.

Por meio da análise fatorial do mesmo questionário, Moulding e colaboradores22


sugeriram quatro fatores de crenças associadas aos sintomas obsessivo-
compulsivos:

■ superestimação do risco;
■ responsabilidade exagerada;
■ perfeccionismo e intolerância a incerteza;
■ importância de controlar os pensamentos.

Estudos têm investigado as associações entre domínios de crenças do TOC e


dimensões de sintomas. Dentre os achados, a crença de responsabilidade
exagerada vem sendo associada aos sintomas de verificação; a crença de exagerar
a importância dos pensamentos e a necessidade de controlá-los parece associar-se
aos sintomas obsessivo-compulsivos de conteúdo agressivo, sexual ou blasfemo; o
perfeccionismo tem sido associado a rituais de verificação e limpeza; e a avaliação
exagerada do risco demonstra associação com obsessões de contaminação e
compulsão por limpeza.

A identificação de crenças disfuncionais em portadores do TOC levou alguns autores


a propor e a adaptar técnicas cognitivas para o tratamento dos sintomas obsessivo-
compulsivos nas últimas décadas. Freeston e colaboradores23 encontraram várias
características comuns entre os pacientes que se beneficiaram de intervenções
cognitivas, a saber:

■ dão grande importância à presença de suas obsessões;


■ acreditam que suas obsessões são um reflexo de sua verdadeira natureza
(caráter);
■ acreditam que ter um pensamento, uma imagem ou um impulso equivale
moralmente a praticá-lo;
■ acreditam que ter um determinado pensamento aumenta as probabilidades
de que ele venha a acontecer.

Na prática, cada vez mais as técnicas cognitivas vêm sendo acrescentadas à terapia
de EPR, e não utilizadas isoladamente, e a designação de TCC vem sendo adotada.

TRATAMENTO DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

A seguir, será apresentado o tratamento do TOC, abordando o que deve ser feito
nas primeiras sessões, nas sessões intermediárias e nas sessões finais.

PRIMEIRAS SESSÕES
As primeiras sessões devem incluir a avaliação, a psicoeducação, a elaboração da
lista de sintomas e o diário de sintomas obsessivo-compulsivos.

Avaliação
O início da TCC do TOC consiste em conhecer o paciente. O objetivo das primeiras
sessões é o de estabelecer ou não diagnóstico de TOC, assim como comorbidades,
grau de insight e motivação para o tratamento. São naturais as dúvidas e as
ambivalências, mas é fundamental resolvê-las antes de se iniciar a terapia, para
evitar desistências e abandonos.

Além disso, é essencial obter a história clínica dos sintomas (idade de início,
primeiros sintomas obsessivo-compulsivos, se foram ou não desencadeados por
algum fator externo). Posteriormente, investiga-se a história detalhada e específica
da doença, identificando os sintomas obsessivo-compulsivos e seu funcionamento
cognitivo, a saber:

■ tipos de obsessões e compulsões;


■ rituais mentais;
■ comportamentos associados (esquiva, lentificação obsessiva, postergação,
busca de reasseguramentos).
As obsessões e as compulsões podem estar presentes em inúmeros outros
transtornos mentais, o que exige atenção quanto ao diagnóstico diferencial.
Além disso, a comorbidade com alguns transtornos, como os de controle de
impulsos, de tiques ou Tourette, ou, ainda, a febre reumática, podem apontar
para diferentes subtipos de TOC, que podem ter uma menor resposta à TCC e
exigir terapias complementares.

Ao final da primeira ou da segunda sessão, é usual a aplicação de escalas que


avaliam a gravidade dos sintomas. A escala mais frequentemente utilizada é a
Escala de Sintomas Obsessivo-compulsivos Yale-Brown (Y-BOCS, do inglês Yale-
Brown Obsessive-Compulsive Scale),24 que apresenta 10 questões, sendo 5 para a
avaliação das obsessões e 5 para as compulsões. Os escores vão de 0 (nenhum
sintoma) a 4 (sintomas graves), com escore máximo de 40 pontos. Os itens
abordados são

■ tempo;
■ interferência;
■ sofrimento;
■ resistência;
■ grau de controle sobre os sintomas.

Outra escala bastante conhecida é o Inventário de Obsessões e Compulsões –


Revisado (OCI-R, do inglês Obsessive Compulsive Inventory – revised),25 que
consiste em um instrumento de autoavaliação, com 18 questões que avaliam a
ansiedade e a intensidade associadas aos sintomas obsessivo-compulsivos. Os
pacientes devem preencher as escalas OCI-R ou Y-BOCS no início do tratamento,
nas sessões intermediárias e finais, com o objetivo de monitorar a gravidade dos
sintomas e os ganhos obtidos ao longo da terapia.

Psicoeducação
Após a confirmação do diagnóstico de TOC, inicia-se a psicoeducação sobre o
transtorno, quando o terapeuta fornece informações relevantes para o paciente,
como tipos de sintomas (incluindo a definição de obsessões, compulsões e
evitações), possíveis causas do TOC, curso e prognóstico, alternativas de
tratamentos etc. Além disso, é importante que sejam esclarecidas informações sobre
a abordagem que será utilizada, explicitando o modelo cognitivo-comportamental e a
aplicabilidade deste para a redução dos sintomas obsessivo-compulsivos.
As informações básicas (psicoeducar o paciente) sobre o TOC e os
fundamentos da TCC são essenciais para o tratamento. Conhecer o TOC,
quais são seus sintomas e como livrar-se dele é de vital importância. Muitas
vezes, o conhecimento, por si só, é responsável por ajudar na remissão dos
sintomas.

A psicoeducação também pode ser realizada com os familiares do paciente, quando


este permitir, transmitindo informações sobre o transtorno e treinando-os para que
auxiliem ao longo da terapia. Em um estudo realizado por Van Noppen e
colaboradores,26 pacientes cujas famílias receberam alguma intervenção obtiveram
ganhos superiores àqueles em que isso não ocorreu, sugerindo que a participação
da família no tratamento pode ser especialmente útil.

A participação direta dos familiares nos rituais, bem como a modificação do


cotidiano da família em decorrência dos sintomas do TOC, é entendida como
acomodação familiar. É muito comum os familiares não saberem como se
portar frente aos sintomas apresentados pelo paciente, apoiando a realização
dos rituais, involuntariamente reforçando tais comportamentos e prejudicando o
progresso do tratamento. Os familiares podem ser importantes aliados na TCC
ou, eventualmente, dificultá-la, se não compreenderem o que é o TOC e a base
racional do tratamento.

É conveniente que as mesmas explicações sejam dadas também aos familiares, em


conjunto com o paciente, para que compreendam o que é o transtorno, esclareçam
suas dúvidas e sejam orientados em relação às atitudes mais adequadas, como, por
exemplo, não reforçar rituais, não oferecer reasseguramentos, mesmo em
momentos de grande ansiedade, ou evitar críticas caso ocorram lapsos ou recaídas.

Elaboração da lista de sintomas


Uma vez que o paciente tenha aceitado iniciar a TCC e compreendido o que é o
TOC e quais são os seus sintomas, o passo seguinte do tratamento é a elaboração
da lista de sintomas. A lista de sintomas é o ponto de partida para o tratamento do
TOC e é fundamental para o sucesso da terapia. Ela é elaborada pelo paciente, com
o auxílio do terapeuta e a partir de uma checklist.27 Cada um dos sintomas é
graduado de 0 a 4, com o objetivo de facilitar e de auxiliar na terapia de EPR.

No tocante às instruções e ao início do preenchimento da lista, inicialmente, o


terapeuta, junto com o paciente, lê as instruções para o preenchimento da lista
de sintomas e, durante a sessão, solicita que o paciente inicie o preenchimento
da checklist, mostrando as diferenças ao pontuar sintomas obsessivos e
sintomas compulsivos. Depois de esclarecidas as dúvidas, solicita-se ao
paciente que termine o preenchimento em casa e, se houver dificuldades ao
executar a tarefa, que estas sejam trazidas na próxima sessão.
É importante solicitar ao paciente que acrescente, na lista, sintomas que,
eventualmente, não constam no questionário. Os pacientes têm a tendência de
identificar os sintomas que mais interferem e causam sofrimento e, em geral,
atribuem pouca importância para os sintomas mais leves, mas estes são “chaves” no
início do tratamento e precisam ser identificados e inseridos na lista.

Com relação à elaboração de listas, os sintomas devem ser separados por


gravidades leves, moderadas e graves.
Após ter preenchido todo a checklist, o paciente deverá criar três listas separadas
dos sintomas:

■ sintomas com grau de ansiedade 1 e 2 (leve);


■ sintomas com grau de ansiedade 3 (moderada);
■ sintomas com grau de ansiedade 4 (grave ou muito grave).

Essa lista tem como objetivo a elaboração detalhada e personalizada dos sintomas
do paciente. Apesar de mais trabalhosa no início da terapia, facilita muito o
planejamento das sessões seguintes, é o norte do tratamento. O paciente deve,
dentro do possível, solicitar ajuda dos familiares para o preenchimento das listas, e,
à medida que forem sendo descobertos outros sintomas, estes devem
imediatamente ser inseridos nas listas.

O Quadro 2, a seguir, mostra um exemplo de parte das três listas de sintomas de


uma paciente com diferentes subtipos do TOC.
Quadro 2

LISTAS DE SINTOMAS ESPECÍFICOS DE UMA PACIENTE EXTRAÍDOS DA


CHECKLIST

Grau de ansiedade Grau de ansiedade 3 Grau de ansiedade 4


1e2

Medo de pegar Preocupo-me muito com Tocar em maçanetas,


doença quando formigas, abelhas e moscas. objetos engordurados e
vou a um hospital. moedas, por causa do
cheiro.

Não tocar na Peço para minha mãe lavar as Nojo de carne, alho e
minha gata depois mãos antes de tocar nas minhas comida congelada, por
de tomar banho. coisas e em mim. causa do cheiro.

Passar Lavo as mãos sempre que Abro a geladeira com o pé.


guardanapo no chego da rua.
prato antes de
comer.

Pergunto para Depois do banho, evito sentar Uso roupas ou toalha


meus pais se em outros locais diferentes da apenas uma vez.
fechei o carro. cama.

Repito o que foi Verifico se minhas roupas e Misturar roupas usadas


dito, para deixar meu cabelo estão bem com as limpas.
claro o que ajustados.
escutei. Demoro muito escolhendo a
roupa.

Objetos africanos, Verifico constantemente se o Pensamentos e imagens


tapeçarias e celular e a carteira estão na de conteúdo sexual (mãe e
cruzes de madeira bolsa. pai; eu e pai).
me causam
aflição.

Diário dos sintomas obsessivo-compulsivos


No início do tratamento, utiliza-se, também, o preenchimento de um diário de
sintomas. O objetivo é o paciente identificar, ao longo do dia, os horários, as
situações e os locais nos quais sua mente é invadida por obsessões e quando sente
necessidade de executar rituais ou de evitar o contato com objetos ou pessoas.

Essa técnica é importante porque delimita os problemas para certos horários e locais
e identifica os momentos de maior perigo, o que facilita o planejamento antecipado
de estratégias para enfrentá-los. Uma segunda finalidade é desenvolver o hábito de
se automonitorar. Os rituais do TOC, muitas vezes, tornam-se hábitos executados de
forma automatizada e, sem vigiar os sintomas, torna-se difícil modificá-los, mesmo
em se tratando de atos voluntários.27
A seguir, será apresentada a primeira parte do dia de um paciente com sintomas de
verificação (Tabela 1).

Tabela 1

DIÁRIO DE SINTOMAS DE UM PACIENTE

Horário Situação Sintoma Grau de Número de Tempo


ansiedade vezes

8h Escovar Escovaç 3 Aproximadam 5 minutos


os ão ente 20 vezes
dentes excessiv no mesmo
ae local
ritualizad
a

8h e Escovar Escovaç 3 Aproximadam 5 minutos


30min os ão ente 20 vezes
dentes excessiv no mesmo
depois ae local
do café ritualizad
a

8h e Olhar-se Verificaç 3 Arrumo o 10 minutos


40min no ão cabelo, passo
espelho excessiv o pente mais
a da ou menos
aparênci umas 15
a vezes no
mesmo local

9h Sair de Verificaç 4 5 vezes 3 minutos


casa ão de
chavear
a porta

9h e Sair do Verificaç 3 2 vezes 3 minutos


30min carro ão, com
a mão,
se todas
as
janelas e
pinos do
carro
estão
fechados

10h No Execuçã 2 20 minutos


trabalho o de uma
lista do
que
precisa
ser feito

10h e Redigind Releitura 4 6 vezes 2h


30min o ,
processo inúmeras
s vezes,
do que
foi
escrito

A seguir, serão apresentadas questões importantes de serem esclarecidas com o


paciente na fase inicial e as primeiras intervenções (Quadro 3).
Quadro 3

ASSUNTOS E INTERVENÇÕES IMPORTANTES NO INÍCIO DO TRATAMENTO

Assuntos Intervenções
■ O que é TOC? O que são ■ Exercícios práticos:
obsessões, compulsões, preenchimento da lista de
compulsões mentais e sintomas obsessivo-
comportamentos associados? compulsivos e escalas que
■ Prevalência, incidência e curso avaliam a gravidade do TOC.
do transtorno.
■ O impacto na vida pessoal e
familiar do paciente com TOC.

■ Causas do TOC: biológicas e ■ Revisão das tarefas de casa e


psicológicas. esclarecimento das dúvidas.
■ Relação entre as obsessões e ■ Revisão das listas de sintomas
as compulsões. de grau de ansiedade 1 e 2 de
■ Modelo comportamental e cada participante.
cognitivo do TOC: crenças ■ Diário de sintomas do pior dia
disfuncionais que perpetuam o da semana.
TOC e como corrigi-las.

■ Os fundamentos da TCC: ■ Revisão da lista de sintomas


terapia de EPR. grau de aflição 3 e 4.
■ O fenômeno da habituação. ■ Diário de sintomas.
■ Exercícios práticos:
demonstrações e exercícios
práticos de
enfrentamento/exposição e
prevenção dos rituais (manias).
■ Escolha individual das
primeiras tarefas de EPR, de
acordo com a lista de sintomas
com grau de aflição 1 e 2
(mínimo 4 sintomas).

SESSÕES INTERMEDIÁRIAS
A seguir, são apresentados os assuntos abordados nas sessões intermediárias do
tratamento do TOC: EPR, modelação e intervenções cognitivas puras.

Exposição e prevenção de resposta


A terapia de EPR inicia com os exercícios considerados, pelo paciente, mais
fáceis (lista de sintomas grau de ansiedade 1 e 2). Na escolha das tarefas,
vale, sobretudo, a avaliação do paciente, ou seja, do quanto ele acredita ser
capaz de realizar as tarefas propostas. É importante deixar essas regras claras,
porque os pacientes tendem a querer se livrar dos sintomas mais graves,
esquecendo, muitas vezes, de mencionar os mais leves.
Os sintomas mais leves são muito importantes tanto no início da terapia quanto no
final. No início, são importantes porque, se o paciente os identifica e os elimina,
adquire confiança para se livrar dos moderados e dos graves, sucessivamente. No
final do tratamento, sobrevivem, em alguns pacientes, sintomas residuais, e os
pacientes desenvolvem crenças facilitadoras para perpetuação do TOC, como “Este
sintoma não me atrapalha”; “Não perco tempo com ele”; “Já melhorei tanto que se
ficarem só esses, estou muito satisfeito”. Por outro lado, infere-se que a existência
de sintomas residuais ao final do tratamento está associada às recaídas.28

Deve-se deixar bem claro para os pacientes que o objetivo do tratamento será a
remissão completa dos sintomas, incluindo aqueles que não interferem muito nas
rotinas diárias. Os pacientes – e seus familiares – devem ser alertados para não se
precipitarem, querendo logo ir para os sintomas mais graves e os que trazem mais
prejuízos, pois o paciente pode sentir muita ansiedade por ainda não estar pronto
para essa exposição e se desmotivar com o tratamento, fracassando.

A seguir, estão elencadas algumas dicas para o tratamento do paciente com a


terapia de EPR:

■ planejar as primeiras tarefas focando nos rituais e nas evitações;


■ começar pelos exercícios mais fáceis (lista de sintomas com grau de
ansiedade 1 e 2);
■ selecionar aqueles sintomas que o paciente acreditar ter 80% de
chance de realizar o exercício de EPR;
■ escolher, junto com o paciente, no mínimo, quatro tarefas de EPR por
semana e, no máximo, seis;
■ incentivar o paciente a realizar os exercícios até a aflição diminuir
significativamente ou pelo maior tempo possível;
■ alertar o paciente sobre as manobras disfarçadas de neutralização
(rituais mentais ou encobertos);
■ orientar o paciente para que repita os exercícios o maior número de
vezes possível;
■ revisar com o paciente as situações-gatilho para suas obsessões e
compulsões e auxiliá-lo a desenvolver estratégias de enfrentamento,
programando os exercícios com antecedência.

Ao prescrever as tarefas de EPR, deve-se propor exercícios objetivos específicos e


claros, como nos exemplos a seguir:

■ Não perguntar para os pais se fechou o carro.


■ Não repetir o que escutar dos outros.
■ Escrever um e-mail e não o reler. Correr o risco de mandá-lo errado.
■ Mandar e-mails com erros propositadamente.
■ Usar o exercício do “para” quando estiver repassando diálogos.
■ Escovar os dentes por 2 minutos.
■ Sentar diariamente durante 30 minutos na cama e com a roupa da rua.

Recomenda-se, ainda, que as tarefas sejam repetidas o maior número de vezes


possível. Quando a tarefa consiste em entrar em contato com objetos contaminados
ou “sujos”, recomenda-se que o contato seja mantido até a ansiedade diminuir
(habituação durante a exposição), lembrando que a ansiedade desencadeada será
menor a cada vez que o exercício for repetido (habituação entre as exposições).

A cada sessão, as tarefas de casa são revisadas. Aquelas que forem


consideradas plenamente executadas são substituídas por outras, inicialmente
classificadas como tendo um grau maior de dificuldade, e assim
sucessivamente, até que toda a lista de sintomas tenha sido percorrida. É
importante lembrar que os ganhos obtidos devem ser mantidos, ou seja, os
sintomas que o paciente conseguiu combater também tem de ser revisados,
para se saber se não estão ocorrendo pequenos lapsos ao longo do
tratamento.

Modelação

A modelação é a realização, pelo terapeuta, dos exercícios de EPR diante do


paciente.

Sabe-se que a simples observação de outras pessoas executando tarefas


consideradas de risco é uma forma de reduzir ou desaprender medos. Sabe-se,
também, que a aflição é menor quando a exposição é realizada na presença de
outra pessoa ou do terapeuta. Como exemplo, o terapeuta pode ter, no consultório,
uma caixa de objetos “sujos” ou “contaminados”, como brinquedos usados, materiais
de limpeza usados, seringas, esponjas, recipientes ou embalagens de produtos
tóxicos, com os quais pode fazer as demonstrações. Pode, ainda, tocar na sola dos
sapatos e “espalhar” a contaminação pelas roupas e o corpo, tocar em trincos de
porta sem lavar as mãos posteriormente e solicitar ao paciente que repita essas
ações.

Os exercícios de modelação servem para ilustrar, de forma didática, o


fenômeno da habituação, pois, em geral, a ansiedade é intensa no início, mas
diminui, geralmente, no decorrer da sessão. Por esse motivo, sugere-se utilizar
a técnica no início da sessão. Em certos casos, pode-se solicitar que o paciente
aguarde na sala de espera até duas horas após a sessão, para ter a garantia
de que o impulso de executar rituais (lavar as mãos, verificar) foi superado.
A modelação pode ser utilizada, ainda, para adaptar um comportamento compulsivo
que está muito distante do “normal”, como, por exemplo, assistir o paciente lavando
as mãos, escovando os dentes e sinalizando os excessos.

Apresenta-se, a seguir, um exemplo clínico a respeito do assunto tratado nesta


seção.

Exemplo clínico 3

Rodrigo, 20 anos de idade, iniciou um de seus sintomas de TOC aos 13, após
uma aula de ciências sobre as partes genitais. Passou a lavar as mãos de
forma ritualizada: meio dos dedos, punhos e torneira. Terapeuta solicitou
observar como era seu sintoma. Logo em seguida pede para Rodrigo observar
a forma que terá que lavar as mãos para combater o TOC. A partir dessa
sessão, no início de todas as próximas e até o paciente não sentir mais aflição
foi solicitado que repetisse o exercício.

Intervenções cognitivas puras


O objetivo principal da inserção das técnicas cognitivas no tratamento do TOC é o de
corrigir as crenças disfuncionais associadas à perpetuação dos sintomas obsessivo-
compulsivos. A modificação de crenças distorcidas reduz o medo e a ansiedade
associada às obsessões. Infere-se, ainda, que favoreça a adesão aos exercícios de
EPR.
As técnicas cognitivas propostas para o TOC devem, preferencialmente, ser
introduzidas no processo terapêutico, quando o paciente já consegue identificar
os sintomas, diferenciar obsessões e compulsões de pensamentos normais e,
principalmente, já ter iniciado os exercícios de EPR, com exceção de situações
nas quais as crenças do paciente interferem na adesão ao tratamento, ele
apresenta insight pobre, ou, ainda, não está motivado para fazer os exercício
de EPR, e em pacientes com predomínio de obsessões não acompanhadas de
rituais ou com obsessões de conteúdo indesejável.

Para a utilização das técnicas cognitivas, é necessário que o paciente tenha alguma
capacidade de introspecção e curiosidade em compreender mais profundamente
seus sintomas. Um exercício inicial é feito por meio do registro de pensamentos
disfuncionais (RPD), da capacitação do paciente em identificar pensamentos
automáticos e crenças disfuncionais e das situações ativadoras, bem como das
consequências emocionais, comportamentais e fisiológicas. A seguir, o paciente
aprende a classificar seus pensamentos conforme o domínio de crenças a que
pertencem (por exemplo, avaliação exagerada do risco, supervalorização da
importância e do poder do pensamento).

As técnicas cognitivas utilizadas para o tratamento do TOC são, em geral,


adaptações daquelas descritas inicialmente por Beck para o tratamento da
depressão e daquelas descritas por Clark para o tratamento da ansiedade. Dentre
essas técnicas, estão, entre outras:

■ a identificação e o registro de pensamentos automáticos e crenças


disfuncionais;
■ o questionamento socrático;
■ a seta descendente;
■ o exame das vantagens e desvantagens (ou do custo benefício);
■ a torta da responsabilidade;
■ o exame das duas hipóteses alternativas;
■ os experimentos comportamentais.

Essas são algumas sugestões; no entanto, o terapeuta pode utilizar de liberdade e


criatividade na elaboração de estratégias que tenham como foco principal a
reestruturação cognitiva. Como salientam Beck e Alford,29 as estratégias
terapêuticas adotadas não são a aplicação de técnicas isoladas, mas, sim,
ferramentas a serviço de uma estratégia clínica global consistente com os
pressupostos da teoria cognitiva.

Deve-se ter cuidado ao utilizar as técnicas cognitivas no tratamento do TOC, pois


alguns pacientes manifestam argumentos lógicos como sintomas compulsivos.
Muitas vezes, o objetivo não será o de buscar a lógica ou fazer os exercícios de EPR
terem sentido racional para o paciente. As técnicas cognitivas, nesses casos, terão
que ser desenvolvidas com o objetivo de ajudar os pacientes na adesão das tarefas
de EPR.

SESSÕES FINAIS
A seguir, serão abordadas a prevenção da recaída e a alta, assuntos a serem
tratados nas sessões finais do tratamento do TOC.

Prevenção da recaída e alta


É importante esclarecer dois conceitos: lapsos e recaídas.

Lapsos são escorregões que fazem parte do processo de mudança. A pessoa


repete um ritual antigo ou evita o contato com algo que já havia conseguido
enfrentar em função do hábito.

A pessoa, em geral, se dá conta, no meio do ritual, de que novamente repetiu o


comportamento indesejado, podendo interrompê-lo no meio da execução; ou se dá
conta depois, e se programa para, na próxima situação, enfrentá-lo melhor. O lapso
funciona também como um alerta de que o novo padrão de comportamento ainda
não está bem consolidado, e que ainda é cedo para deixar afrouxar a vigilância.

Uma recaída ocorre quando o paciente volta a apresentar os sintomas do TOC


que já haviam desaparecido, causando novamente aflição, desconforto e
interferindo nas atividades diárias.

Sintomas presentes durante duas semanas contínuas seria um tempo mínimo para
considerar uma recaída. O lapso pode se transformar em uma recaída quando o
paciente executa o ritual de forma consciente, interpreta o lapso de forma negativa e
desiste de continuar a luta.

No processo de alta, é fundamental lembrar que o TOC é um transtorno


crônico.
O paciente vai precisar continuar o acompanhamento terapêutico por muitos anos,
mas, claro, se o paciente já tiver apresentado remissão dos sintomas, as sessões
serão mensais, ou até mesmo semestrais.

Nas sessões de revisão, é importante avaliar o humor e os sintomas obsessivo-


compulsivos, além de alertar o paciente quanto aos pensamentos sabotadores
do TOC, como “Vou fazer só uma vez esse ritual”; “Já estou bem há tanto
tempo que essa mania não vai fazer mal”. Deve-se lembrar o paciente de, se
identificar que os sintomas aumentaram, marcar o mais rápido possível uma
consulta para evitar recaída. Além disso, é importante ensinar o paciente a
jamais menosprezar o TOC.

EXEMPLO CLÍNICO 4

P.R., 39 anos de idade, fisioterapeuta, procura atendimento por apresentar


muitos rituais compulsivos e comportamento agressivo quando as outras
pessoas não faziam as coisas como ele achava que deveriam ser feitas. Seus
sintomas iniciaram na adolescência. Refere que sua mãe e irmã mais velha
também têm manias.

P.R. está no terceiro casamento, refere que, nos outros dois, era intolerante
quando as parceiras não seguiam as suas regras de higiene. Refere buscar
atendimento por não querer mais que suas manias continuem atrapalhando
sua vida conjugal. Apresentou, já no início do tratamento, motivação para
mudança e bom insight.

Os sintomas mais frequentes eram os de estocar produtos de limpeza e os


rituais de lavagem (por exemplo, perdia muito tempo na escovação dos dentes,
pressionava muito a escova e já apresentava problemas na gengiva). Além
disso, apresentava lesões na pele, pois, no banho, usava espoja e tinha que
ser as de cozinha e o lado mais áspero. Os filhos, até o pai buscar tratamento,
eram submetidos às mesmas rotinas de higiene. Refere que, por trabalhar em
hospital, ao chegar em casa, troca imediatamente de roupa e a coloca para
lavar. Não entra com os sapatos que chegou da rua em casa e também não
permite que seus familiares o façam.

Atualmente, está na oitava sessão de TCC. Aderiu muito bem à terapia e às


tarefas de casa. As sessões de psicoeducação foram muito úteis, pois não
sabia que suas “manias” eram TOC. Sua família foi convidada para participar
de algumas sessões e observou mudanças significativas. Os familiares
comentaram que, com a diminuição dos rituais, também melhorou seu humor e
sua tolerância com os outros.

CONCLUSÃO

Os modelos comportamental e cognitivo do TOC permitiram uma melhor


compreensão dos sintomas obsessivo-compulsivos. Permitiram, ainda, a proposição
de uma variedade de técnicas e estratégias efetivas, que, além de aumentar a
adesão do paciente ao tratamento, reduzem os sintomas obsessivo-compulsivos na
maioria dos pacientes e podem levar à remissão completa. Essas conquistas
mudaram completamente as perspectivas pessimistas que até bem pouco tempo
predominavam em relação ao tratamento psicoterápico do TOC.

Neste artigo, foram abordadas estratégias de intervenção do tratamento do TOC já


bastante consolidadas na literatura por meio de inúmeros ensaios clínicos realizados
nas últimas décadas, os quais colocaram a TCC como terapia de primeira escolha
no tratamento do TOC.

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Como citar a versão impressa deste documento

Braga, D. T., & Vivan, A. (2015). Terapia cognitivo-comportamental do transtorno


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