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LÍNGUA Frente Módulo

PORTUGUESA A 01
Gêneros e Tipos Textuais
A COMUNICAÇÃO HUMANA: a personagem aparece medindo a própria cabeça e não
há nenhuma indicação verbal do que ela esteja fazendo,
NOÇÕES DE LINGUAGEM a imagem é que deve abarcar todos os sentidos. No último
quadrinho, em que há presença de linguagem verbal, Mafalda
E LÍNGUA se questiona a respeito da própria capacidade de apreender

Para que possamos iniciar nossos estudos acerca do as informações que serão transmitidas a ela durante a vida.
Se esse quadrinho fosse retirado, certamente o leitor teria
texto, seus tipos e gêneros, é necessário que entendamos
dificuldade em compreender o sentido pretendido, já que o
um pouco o processo de comunicação humana e o uso das
desfecho e a crítica feita pelo quadrinista sobre o excesso e
linguagens.
a superficialidade das informações estão na fala da menina.
A linguagem que utilizamos para nos comunicar é produto Essa heterogeneidade linguística é um elemento típico dos
de uma cultura e, por isso, pode ser transmitida através das quadrinhos, das charges, dos cartuns e da publicidade de
gerações; é considerada uma “capacidade humana”, ou seja, maneira geral, como veremos nos exemplos a seguir.

um fenômeno pelo qual nos caracterizamos como “seres


sociais racionais e reflexivos”. Essa linguagem está presente
nos sujeitos como uma expressão dos sentimentos (gestos,
olhares, posturas), nas realizações simbólicas determinadas
(cores, sinais gráficos, sons, desenhos, imagens) e no uso
do verbo (a palavra oral ou escrita).

A língua, por sua vez, é a forma verbal de linguagem,


própria de determinada comunidade e um dos instrumentos
de interação sociocomunicativa, já que se vincula
diretamente às nossas práticas sociais e aos papéis que
ocupamos na sociedade. Ela se materializa por meio de
estruturas sintáticas e morfológicas; mas, muito mais que
isso, traz consigo raízes históricas e culturais, varia no Divulgação

tempo, no espaço, nas diferenças sociais e se constrói e


reconstrói pela ação dos seus falantes.
O texto anterior é o anúncio de uma campanha que tem
Muitas vezes, para que o sentido pretendido pelo como objetivo conscientizar a população sobre a doação
enunciador, falante de uma língua, seja alcançado, de órgãos. Se no anúncio houvesse apenas o texto escrito,
é necessária a combinação das linguagens verbal e não certamente o leitor compreenderia o sentido pretendido
verbal, como é o caso do exemplo a seguir. pela instituição. Contudo, a imagem de pulmões humanos
construídos com roupas e brinquedos usados e descartados
©Joaquim S. Lavado Tejón (QUINO),
TODA MAFALDA/Fotoarena/Quino

causa no interlocutor um impacto muito maior, pois a relação


de sentido é construída rapidamente. No Brasil, a doação de
órgãos ainda é pequena, devido à existência de tabus que
minimizam essa prática. Dessa forma, há, nessa campanha,
certo apelo emocional, uma vez que a doação dos órgãos
humanos é comparada à de objetos sem uso para alguns,
Nessa tirinha da Mafalda, personagem criada pelo mas que podem ser úteis para outros, tanto que as pessoas
quadrinista argentino Quino, as linguagens verbal e não já estão habituadas a doá-los. Nesse sentido, está implícito
verbal se complementam. O leitor cria uma pequena narrativa que, após a morte, os órgãos não “servem” mais a quem
enquanto “lê” as imagens. Nos três primeiros quadrinhos, os possuía e, por isso, podem ser doados.

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Frente A Módulo 01

Divulgação
Texto: “Agora você vê.” / “Agora não.”

Já o exemplo anterior apresenta uma campanha contra o consumo de álcool por quem dirige, patrocinada por uma marca
de automóveis. Para compreender essa propaganda, o leitor precisa mobilizar vários conhecimentos, a fim de construir o
significado pretendido. Nela, há a imagem de duas latas de cerveja, que representam os retrovisores de um carro. No primeiro
quadro, a lata / retrovisor reflete a imagem de uma bicicleta, que estaria atrás do veículo cujo retrovisor é representado.
No segundo, a lata aberta indica que o motorista consumiu a bebida contida ali. Nesse momento, a imagem da bicicleta não
aparece mais, indicando que, ao ingerir uma bebida alcoólica, os sentidos do motorista ficam comprometidos e ele passa a
não mais enxergar os veículos que transitam ao seu redor, podendo provocar, por isso, algum acidente. No plano verbal, os
dizeres “agora você vê” e “agora não” indicam essa alteração causada pela bebida. Tais inferências são acionadas rapidamente
e permitem ao leitor apreender o sentido pretendido no texto.

Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1992 Watterson /


Dist. by Andrews McMeel Syndication

Quando nos comunicamos, fazemo-lo por alguma razão, com algum objetivo, porque temos algo a dizer a alguém e
esperamos ser compreendidos. Dessa maneira, para que a comunicação se efetive, é necessário que a mensagem faça
sentido, não só para quem a está produzindo, mas também para quem a está recebendo.

Essa ideia de língua como instrumento de interação social pode ser reconhecida na tirinha anterior, em que o garoto
Calvin diz para o seu pai que a língua não é fixa e qualquer palavra pode ter qualquer significado, dependendo de quem
a usa. Logo, como o pai não entenderá o significado das palavras que ele inventou, não poderão mais se comunicar.
Por outro lado, o garoto não sabe que o pai também é detentor de um conhecimento linguístico que ele não compreende
(gírias antigas, por exemplo). Isso mostra como a língua é mutável, adaptável, e como a sua apreensão é importante na
interação sociocomunicativa.

A flexibilidade da língua, que se adapta às situações comunicativas nas quais ela se realiza, relaciona-se com a função
exercida pela linguagem na construção de sentidos no mundo. No poema a seguir, de Manoel de Barros, o tema da atribuição
de sentidos pela língua é abordado de maneira poética, por meio de metáforas. Leia-o.

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Gêneros e Tipos Textuais

Segundo Ingedore Koch, para que o sentido seja


Canção do ver
estabelecido nesse jogo comunicativo, algumas peças são
Por viver muitos anos dentro do mato fundamentais:
moda ave • o locutor (autor), que, diante do que pretende dizer,
O menino pegou um olhar de pássaro – seleciona as estratégias de organização do texto,
Contraiu visão fontana. direcionando e orientando o seu interlocutor para os
Por forma que ele enxergava as coisas caminhos que o levem ao sentido esperado;
por igual • o texto propriamente dito, sua composição e forma
como os pássaros enxergam. de organização;

LÍNGUA PORTUGUESA
As coisas todas inominadas. • o interlocutor (leitor ou ouvinte), que, diante
Água não era ainda a palavra água. das pistas deixadas no texto, dos conhecimentos
Pedra não era ainda a palavra pedra. mobilizados ou adquiridos e do contexto, pode ser
E tal. capaz de construir os sentidos que concretizam
a comunicação.
As palavras eram livres de gramáticas e
KOCH, Ingedore Villaça. Desvendando os segredos do texto.
podiam ficar em qualquer posição.
7. ed. São Paulo: Cortez, 2011. [Fragmento]
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor. Diante disso, pode-se afirmar que usar a língua é uma
Podia dar ao canto formato de sol.
forma de interagir com o outro, de agir socialmente, e isso
só acontece por meio de textos.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
só abrir a palavra abelha e entrar dentro
dela.
Como se fosse infância da língua.
O que é língua
CANÇÃO DO VER – In: Poesia Completa, de Manoel de Barros,
Leya, São Paulo © by herdeiros de Manoel de Barros. Nessa videoaula, vamos discutir os diferentes
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conceitos de língua.

Nos versos de Manoel de Barros, a língua é utilizada por


um menino que, por ter visão de ave, consegue absorver
as coisas em sua essência, seus significados primeiros, e, FATORES DE TEXTUALIDADE
a partir daí, criar seus próprios sentidos de mundo (“Pedra
não era ainda a palavra pedra. / [...] Por forma que o Para que um texto não seja um conjunto aleatório de
menino podia inaugurar. / Podia dar às pedras costumes frases organizadas em uma sequência qualquer, ele deve
de flor.”), da mesma forma que Calvin se propõe a fazer obedecer a critérios de textualização. Assim, denomina-se
na tirinha analisada, porém com objetivos diferentes. textualidade o conjunto de características que permitem
Na tirinha, há a intenção de prejudicar a comunicação, ao que o texto seja um texto, e não um amontoado de frases.
passo que, no poema, o ato de atribuir novos sentidos às
Cada texto abrange uma série de recursos, de estratégias,
coisas do mundo remete à ideia de “infância da língua”, que
de relações e de princípios para e na sua produção.
retoma exatamente o seu caráter maleável e as diversas
possibilidades enunciativas proporcionadas pela linguagem De acordo com Koch, um deles é o princípio interacional,
nas infinitas situações sociocomunicativas. que, como já vimos, é o diálogo, a reciprocidade comunicativa.
O outro princípio é o da intencionalidade, ou seja, sempre
Diante disso, podemos afirmar que a interação social
que falamos ou escrevemos, fazemo-lo para alguém e por
se realiza a partir de um discurso, que se concretiza em
algum motivo e esperamos que o outro entenda e aceite o
forma de texto (oral ou escrito), no qual são realizadas
que propomos (aceitabilidade). Para que isso aconteça,
várias atividades linguísticas, cognitivas e sociais, que
é necessário que a situação de interação comunicativa
devem estar adequadas ao contexto sócio-histórico-
seja satisfatória (situacionalidade), que o outro tenha
-cultural-comunicativo, à posição social dos interlocutores,
as informações prévias ou algum conhecimento que o faça
à formalidade (ou não) da situação, ao meio de circulação e,
entender a mensagem enviada (intertextualidade) e que
por fim, à forma que esse texto terá.
a mensagem traga informações e acrescente conhecimento
Portanto, o texto configura-se como o lugar em que ao interlocutor (informatividade). É importante também
se constitui um jogo interativo, e sua compreensão pode que o que for dito esteja interligado, com elementos que se
ser vista como uma atividade complexa de construção de relacionam de forma compreensível (princípio da coesão)
sentidos, pois, para sua produção, são ativadas as estruturas e que os sentidos e as ideias sejam claros (princípio
linguísticas adequadas, a organização e a forma selecionadas, da coerência).
além dos conhecimentos (do autor e do leitor) construídos, ou KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Escrever
reconstruídos, a partir e para o evento comunicativo. e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016. [Fragmento]

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Frente a módulo 01

Para exemplificarmos o que foi dito, observemos os Assim, por não ser coeso, coerente e não apresentar bom
exemplos: nível de informatividade, não haverá, também, por parte
de possíveis interlocutores, sua aceitabilidade. Contudo, se
o contexto no qual esse conjunto fosse veiculado deixasse
entrever uma intenção comunicativa (um anúncio publicitário
ou a apresentação de palavras-chave acerca de determinado
tema em um seminário, por exemplo), ele passaria a
ser considerado um texto, pois atenderia ao princípio
da intencionalidade.

Em textos de natureza mais artística e criativa, como


os literários e os publicitários, é comum a subversão ou
a desconstrução de um ou mais fatores de textualidade
quando há a intenção de criar possibilidades semânticas
e interpretativas que instiguem, ou mesmo desafiem,
o interlocutor de um texto. O trecho da crônica a seguir,
Rodrigo Alves

de Carlos Drummond de Andrade, é exemplificativo desse


caráter subversivo dos textos literários. Leia-o.

A imagem anterior representa a mensagem estabelecida


por meio da palavra “Pare”, que, muito mais que um verbo O que se diz
no modo imperativo afirmativo ou uma palavra que signifique
Que frio! Que vento! Que calor! Que caro! Que absurdo! Que
“detenha” ou “interrompa”, é um aviso ao motorista de que ele
bacana! Que tristeza! Que tarde! Que amor! Que besteira!
deve fazer uma parada obrigatória por alguns instantes, a fim
Que esperança! Que modos! Que noite! Que graça! Que
de observar se algum outro veículo se aproxima ou deixar um
horror! Que doçura! Que novidade! Que susto! Que pão! Que
pedestre passar. Contudo, seria aceitável esse aviso no chão
vexame! Que mentira! Que confusão! Que vida! Que talento!
apenas se não houvesse outra placa com uma seta, indicando
a mão única da rua, conforme se vê na imagem. Que alívio! Que nada...

Nesse caso, o texto está correto, é socialmente compreendido, Assim, em plena floresta de exclamações, vai se tocando
mas a sua função e seu sentido na situação comunicativa são pra frente. Ou para o lado. Ou para trás. Ou não se toca.
inadequados, e a sinalização pode provocar acidentes, em Parado. Encostado. Sentado. Deitado. De cócoras. Olhando.
vez de preveni-los. Sofrendo. Amando. Calculando. Dormindo. Roncando.
Pesadelando. Fungando. Bocejando. Perregando. Adiando.

assimsessão
Morrendo.

tempo mundo
colibri que
capacidade feriado Em redor, não cessam explosões interjetivas. Coitado!
belo Tadinho... Canalha! Cachorro! Pilantra! Dedo-duro! Bandido!
chá vírgula emprego
texto
para caderno foi brasil arroz
carro jantar
Querido! Amoreco! Peste! Boneco! Flor!

porém
mulher
caderno biblioteca E vêm outras vozes breves, no vão do vaivém:
o
chocolate
hotel

lhe [...]

escrita vinte sexta-feira


fenômeno apoio devaneio final
cobertor ANDRADE, Carlos Drummond de. O que se diz.

aqui eventualmente In: ANDRADE, Carlos Drummond de. O poder ultrajovem.


Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 99. [Fragmento]

Na imagem anterior, por sua vez, há um amontoado de


palavras sem qualquer organização sintática ou semântica A enumeração aparentemente desordenada de expressões,
que possa fazer sentido. Como um texto não é construído em cada um dos parágrafos, sem termos que estabeleçam
apenas das suas estruturas linguísticas, mas das relações
entre elas e o todo relações de sentido, contrariando os
cognitivas, sociais e interacionais mediadas por ele,
princípios da informatividade e da coesão, colabora para
não podemos, num primeiro momento, classificar esse
conjunto de palavras como texto, pois não há o que ser a crítica ao esvaziamento dos discursos e à banalização
dito, não existe alguém para dizer nem um possível leitor. da linguagem.

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Gêneros e Tipos Textuais

Implícitos Textuais Este está no plano da responsabilidade do leitor, aquele


está na responsabilidade do autor, que deixa as pistas – os
marcadores de pressuposição – no texto.
Inferência No exemplo anterior – “Pedro tornou-se triste” –, seriam
Quando se pensa em questões de interpretação de textos, subentendidos todos os fatores sabidos socioculturalmente
que exigem do leitor julgar, por exemplo, as informações que mobilizam a tristeza em um sujeito, a saber, a perda
atinentes ou não ao texto lido, percebe-se que nem sempre é de um ente querido, o fim de um relacionamento afetivo,
possível fazer a leitura facilmente. As informações presentes a reprovação em exame de direção, a depender do contexto
nos textos podem ser categorizadas entre explícitas – em que a frase foi enunciada. Por exemplo, imaginemos que

LÍNGUA PORTUGUESA
aquelas colocadas de forma clara e evidente na superfície essa frase fosse dita na seguinte situação:
textual – e implícitas – as que não se mostram na superfície, “– Maria, meu irmão Pedro tornou-se triste. Ele fez exame
mas que exigem do leitor manobras intelectuais para serem de direção ontem. Ele se tornou uma pessoa triste.
vistas, reveladas. Em casos como este que está a dificuldade
– Coitado, Ana, foi reprovado?
de compreensão das questões do Enem e de outros
vestibulares. Dada a dificuldade para enxergá-las, será o – Na verdade, não. Mas nem a aprovação o fez feliz;
foco desse capítulo a leitura das informações implícitas. anda triste desde que vovó faleceu.”

Ler implícitos textuais dialoga intimamente com a Percebemos que nesse diálogo há uma expectativa de
habilidade de inferir. A inferência é um mecanismo de leitura inicial que não se sustenta no fim da narrativa.
conclusão, de dedução, por meio das pistas textuais, as quais O contexto da primeira fala leva tanto nós leitores quanto
se mostram em elementos linguísticos, no contexto em que a personagem Maria a entender que Pedro teria sido
o texto foi escrito, no estilo intrínseco ao autor, no gênero reprovado; há uma forte insinuação para isso. Percebemos,
textual e na tipologia predominante, entre outros fatores. entretanto, que não há marcas linguísticas evidentes que
sinalizam a reprovação, não há pressupostos. Tanto é assim
Pressupostos e subentendidos que a expectativa é quebrada, já que na verdade a tristeza se
relaciona à perda do ente querido, e não à reprovação, a qual
A seguir são apresentados os dois mecanismos principais nem existiu, pois Pedro foi aprovado. Na última fala, porém,
de implicitação, para que sejam analisadas quais são as há um pressuposto, o de que era esperado que a aprovação
leituras impossíveis, as possíveis e as eventualmente do exame revigorasse a alegria (por meio da superação da
possíveis em um tecido textual. São dois os implícitos tristeza) no sujeito Pedro; a personagem usa a expressão
principais: o pressuposto e o subentendido. “mas nem”, instaurando esse pressuposto.

Esse tipo de conceito é importante para o leitor diferenciar


Pressupostos aquilo que vem do próprio texto, porque está nele marcado,
Os pressupostos são informações presentes no texto daquilo que vem de fora do texto, porque o leitor precisa,
reveladas por mecanismos linguísticos, ou seja, há na por exemplo, acrescentar informações a partir de um
superfície da escrita elementos que instauram leituras conhecimento de mundo ou observar o contexto e o modo
paralelas (muitas vezes as mais importantes), por trás de como a informação está sendo transmitida. Analisemos os
sua forma. A esses elementos dá-se o nome de marcadores textos a seguir para firmar o conteúdo.
de pressuposição. Por exemplo, ao lermos a frase “Pedro
tornou-se triste”, lê-se explicitamente que Pedro é, no Texto I
momento atual, um sujeito triste e, implicitamente, que
Pedro, antes, não era triste. Essa segunda leitura é com-
provada no texto pela presença do verbo “tornar-se”, uma
vez que não se torna (transforma-se) algo que já se era.
Esse verbo instaurou, assim, uma leitura paralela, pres-
suposta, isto é, comprovada por elementos linguísticos no
texto. Advérbios, adjetivos e alguns verbos são marcadores
de pressuposição, bem como algumas estruturações sintá-
ticas e alguns mecanismos de pontuação.

Subentendidos
Reinaldo Rocha

Os subentendidos, por sua vez, não apresentam


elementos na superfície do texto. As informações revelam-se
por meio de insinuações, isto é, dão a entender, estão
mais numa identidade sociocultural. Dizemos, assim,
que, enquanto o pressuposto é comprovado pelo texto,
o subentendido é uma leitura possível, porém não comprovada.

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Frente A Módulo 01

A imagem anterior ilustra bem a ideia de que a Uma leitura inadmissível aqui seria a que interpretasse que
comunicação acontece, frequentemente, mais por aquilo o autor do texto defende que cachorros não precisam acessar
que está implícito ou insinuado que por aquilo que está tais bens. Inadmissível porque, no texto que finaliza a
campanha – “Apadrinhe. Igual ao João, milhares de crianças
explícito ou na superfície do texto. O autor desse texto
também precisam de um melhor amigo. Seja o melhor amigo
define subjetivamente o sentimento amoroso e, por meio de uma criança.” –, o advérbio “também” deixa pressupor
do marcador de pressuposição “mesmo quando”, leva-nos que as crianças precisam desses pertences, assim como os
a inferir (pressupor, nesse caso) que irritabilidade não é, cães, ou vice-versa. Em outras palavras, o autor não quer
de fato, um estorvo à prática do amor. A locução “mesmo retirar os bens dos cães, mas mostrar que são necessários
também às crianças. O autor, ainda, ao colocar como melhor
quando” tem valor concessivo, isto é, suaviza uma
amigo qualquer cidadão (e não o cachorro, como é feito no
contradição: poderíamos esperar que, ao estarmos com senso comum), leva-nos a inferir (por subentendido) que
raiva, zangados, não nos preocuparíamos com o cuidar do possibilitar à criança o acesso a bens (inclusão social) é uma
outro; o sentimento amoroso, entretanto, anula essa ideia atitude amiga, altruísta, por isso digna.
ao sempre exigir estar atento ao outro. Disso, surge uma Muitos são os caminhos para a construção eficiente da
insinuação, um subentendido, o de que o amor é talvez um interpretação de textos. A figuratividade e a implicitação
estão nos textos independentemente do gênero. Interpretar,
sentimento mais nobre. Essa ideia está subentendida porque
obviamente, envolve muitos outros conhecimentos, como
não conseguimos atestar ter sido de fato a intenção de quem já dito. Quando falamos sobre redação, por exemplo,
elaborou o texto. Socioculturalmente, contudo, a leitura, a explanamos sobre vários conceitos, como tese, argumentos,
interpretação, é permitida. coesão, coerência, fatores de textualidade, etc., tudo de
maneira a concorrer para uma leitura eficaz de textos.
Texto II O importante é que o leitor, quando colocado sob o teste de
questões, fique atento aos aspectos linguísticos e ao recorte
sinalizado pelos enunciados. Quando nos perguntam, por
exemplo, sobre inferência, a análise será mais abrangente
do que se tivessem nos perguntando especificamente sobre
pressuposição. É importante, enfim, estar sempre lendo,
sejam jornais com sua multiplicidade de gêneros, sejam
as manifestações artísticas – cinema, literatura, música,
teatro –, tudo como forma de adquirir amplo repertório
para perceber as figuras, os temas, os pressupostos e os
subentendidos, bem como o universo interpretativo de
informações a que esses conceitos nos conduzem.

OS GÊNEROS TEXTUAIS
Conforme estudamos até agora, a língua é produto das
ações e interações sociais e históricas e materializa-se por
Divulgação

meio de textos, os quais nem sempre são os mesmos para


cada situação sociocomunicativa. Assim, para cada situação
APADRINHE. IGUAL AO JOÃO, MILHARES DE CRIANÇAS de comunicação, há uma organização textual diferente,
TAMBÉM PRECISAM DE UM MELHOR AMIGO, SEJA O tendo em vista a adequação à circunstância de uso, ao
MELHOR AMIGO DE UMA CRIANÇA. propósito comunicativo, ao contexto em que os textos são
produzidos. A essas produções verbais, ilimitadas, como são
Nesse texto, temos a inferência por pressuposição e por as práticas sociais, e consideradas “relativamente estáveis”,
subentendido. O pressuposto é mostrado na ideia de que dá-se o nome de gêneros textuais.
João (metonímia para crianças pertencentes a classes pouco Na prática, porém, o que são gêneros, como funcionam,
abastadas economicamente) tem acesso a bem menos por que são “ilimitados” e “relativamente estáveis”?
pertences físicos, como comida, e abstratos, como carinho, Já observamos que toda a nossa vida é permeada por
que o cachorro Leco. O espaço em branco no suporte é eventos comunicativos e que, para cada um deles, há uma
intenção, um sujeito a quem nos direcionamos, uma situação
marcador do pressuposto, pois, ao compararmos ao espaço
na qual nos inserimos e uma maneira com a qual transmitimos
destinado ao cão, percebemos que este está cheio de itens. a mensagem. Então, sempre que ocorre uma comunicação
Podemos subentender que há uma crítica social mirada verbal, oral ou escrita, ela se enquadra em um gênero.
na forma como as pessoas têm tratado seres humanos e São gêneros textuais orais: a palestra, a aula, o sermão,
animais. Essa crítica é subentendida porque, apesar de ser o discurso político, as reportagens de telejornais, o
possível interpretá-la, não temos garantia de ter sido essa programa de rádio, as conversas telefônicas e outros
que utilizem a forma oral de interação. São gêneros
a intenção efetiva do autor. Por exemplo, ele pode estar
textuais escritos: a carta, um aviso, o relatório, a bula
simplesmente querendo mobilizar no leitor o exercício de de remédio, a receita médica, o extrato bancário, o
alteridade em relação às crianças mais pobres, ao insinuar mapa, o infográfico, a certidão de nascimento, enfim,
que os animais têm mais coisas que elas. uma quantidade ilimitada de possibilidades discursivas.

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