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TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E DEPENDÊNCIA


AFETIVA: UM ESTUDO DE CASO

Renan Gustavo de Souza; Tatiana de Abreu Braga; Mariana Fortunata Donadon


Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto

RESUMO

A dependência emocional é entendida por padrões comportamentais, aspectos


cognitivos, emocionais e motivacionais, que são orientados um para o outro em busca de
fonte de satisfação e segurança pessoal, gerando crenças errôneas sobre o amor, a vida
conjugal e a si próprio. A terapia cognitivo-comportamental (TCC), entende que a
percepção do indivíduo em relação a tríade cognitiva, ou seja, a percepção do eles, do
outro e do futuro, produzem pensamentos, emoções e até comportamentos disfuncionais.
O presente trabalho expõe um caso de dependência afetiva, onde os objetivos
terapêuticos foram identificar e corrigir as distorções cognitivas da paciente em relação
a ela mesma, o relacionamento com o marido e futuro. Para tanto foram utilizadas
técnicas de identificação e questionamento de crenças disfuncionais, vantagens e
desvantagens, técnicas de relaxamento e respiração, quadro de atividades e ativação
comportamental. O caso ilustra como indivíduos dependentes emocionais, podem se
beneficiar das intervenções, as quais aumentam a ativação comportamental ou nível de
atividade dos pacientes, além de redução de sintomas fisiológicos, diminuição de
pensamentos automáticos disfuncionais que contribui para a melhora na sensação de
bem estar, a flexibilização cognitiva tratou os pensamentos disfuncionais, que contribuiu
para ganhos comportamentais.

Palavras-chave: Terapia Cognitivo-Comportamental, Dependência Emocional,


Crenças Disfuncionais.

ABSTRACT

Emotional dependence is understood by behavioral patterns, cognitive, emotional and


motivational aspects, which are oriented towards each other in search of a source of
satisfaction and personal security, generating erroneous beliefs about love, married life
and oneself. Cognitive-behavioral therapy (CBT), understands that the individual's
perception of the cognitive triad, that is, the perception of them, the other and the future,
produce thoughts, emotions and even dysfunctional behaviors. The present work
exposes a case of affective dependence, where the therapeutic objectives were to identify
and correct the patient's cognitive distortions in relation to herself, the relationship with
her husband and future. For this purpose, techniques for identifying and questioning
dysfunctional beliefs, advantages and disadvantages, relaxation and breathing
techniques, activities and behavioral activation techniques were used. The case
illustrates how emotionally dependent individuals can benefit from interventions, which
increase the patients' behavioral activation or activity level, in addition to reducing
physiological symptoms, decreasing dysfunctional automatic thoughts that contribute to
improving the feeling of well-being, cognitive flexibility eased dysfunctional thoughts,

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which contributed to behavioral gains.

Keywords: Cognitive-Behavioral Therapy, Emotional Dependence, Dysfunctional


Beliefs.

1. INTRODUÇÃO

A dependência emocional é entendida através de um padrão que envolve


aspectos cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais que são orientados
um para o outro em busca de fonte de satisfação e segurança pessoal, gerando crenças
errôneas sobre o amor, a vida conjugal e a si próprio. As crenças desenvolvidas por esses
indivíduos os levam a pensar, para aqueles que apresentam esse padrão disfuncional, que
a vida só pode ser concebida dentro de um relacionamento, mesmo quando gera dor e
insatisfação, uma vez que não consegue atender às necessidades emocionais não
resolvidas ou produz sentimentos de insegurança diante de alguém (CASTELLÓ, 2005;
HIRSCHFELD et al., 1977; LEMOS; LONDOÑO, 2006; NORWOOD, 1985).
A extrema necessidade emocional de que o individuo apresenta em relação ao
parceiro é a principal característica da dependência emocional (CASTELLÓ, 2000).
Além do medo da solidão, a ansiedade de separação, também foi identificada como
principal ameaça percebida que acaba por desencadear estratégias de controle
interpessoal para manter o casal ao seu lado: modificação de planos, busca te atenção,
expressão afetiva e emocional impulsiva (Lemos & Londoño, 2006).
O presente estudo apresenta intervenções psicoterapêuticas, realizadas com base
na Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), de um caso em que a paciente buscou
atendimento psicológico diante da necessidade de decidir entre romper ou manter o ciclo
da dependência afetiva. No caso apresentado será enfatizada a dependência afetiva. A
TCC tem suas origens na década de 1960, quando o psiquiatra e psicanalista Aaron T.
Beck iniciou uma série de estudos sobre o método terapêutico anteriormente usado. Para
que a psicanálise fosse aceita pela comunidade médica,suas pesquisas precisariam ter
demonstração de validação empírica. No entanto, os resultados de seus experimentos
levaram-no a buscar outras explicações para a depressão. Ele identificou cognições
negativas e distorcidas como característica primária da depressão e desenvolveu um
tratamento de curta duração, no qual um dos objetivos principais era o teste de realidade
do pensamento depressivo do paciente (BECK, 2013).

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O modelo cognitivo em questão pressupõe que o pensamento disfuncional é


comum em todos os transtornos psicológicos. Quando as pessoas aprendem a avaliar seu
pensamento de forma mais realista e adaptativa, elas obtêm uma melhora em seu estado
emocional e em seu comportamento (BECK, 2013). Pesquisas já demonstraram o
impacto que os pensamentos, crenças e atitudes têm na saúde. Pesquisas recentes sobre
o cérebro identificaram que o efeito placebo em parte ocorre porque as crenças são um
tipo de atividade cerebral e podem provocar mudanças realistas nas respostas físicas
(GREENBERGER; PADESKY, 2017). Diversos pesquisadores demonstraram que
existem alterações neurobiológicas associadas ao tratamento com TCC para vários
transtornos (BECK, 2013).
O modelo da TCC pressupões que as mudanças cognitivas e comportamentais são
moduladas por meio de processos biológicos e que as medicações psicotrópicas e outros
tratamentos biológicos influenciam as cognições (WRIGHT et al., 2003).
Os dez princípios da terapia cognitivo-comportamental são: 1) A TCC se baseia
em uma formulação em contínuo desenvolvimento do paciente e de seus problemas em
termos cognitivos; 2) A TCC requer uma aliança terapêutica segura; 3) Enfatiza
colaboração e participação ativa; 4) É orientada em metas e focalizada em resolução de
problemas; 5) Enfatiza o presente inicialmente; 6) É uma abordagem educativa, que visa
ensinar os pacientes a serem seus próprios terapeutas e enfatiza prevenção de recaídas;
7) Visa um tempo limitado; 8) As sessões são estruturadas; 9) Ensina o paciente a
identificar, avaliar e a responder seus pensamentos e crenças disfuncionais e 10) Sua
variedade de técnicas tem como objetivo a mudança de pensamentos humor e
comportamentos (BECK, 2013).
A TCC foca em dois pilares de intervenção: a reestruturação cognitiva e a
resolução de problemas. Prioritariamente, foca em uma conceituação cognitiva, na qual
os sintomas estão relacionados a um estilo negativo de pensamento em três domínios: si
mesmo, mundo e futuro (tríade cognitiva) (BECK, 2013).
A proposta de Beck era reestruturar uma terapia com as metas de reversão das
cognições disfuncionais e dos comportamentos relacionados (WRIGHT et al, 2008). No
primeiro pilar, a reestruturação cognitiva, objetiva-se a primeira meta, observando- se
que o pensamento disfuncional ativo a emoção disfuncional exagerada, que resulta no
comportamento disfuncional. Reestruturando esses pensamentos, não haveria o
resultado de emoções e comportamentos disfuncionais. No entanto, para viabilizar uma
sólida reestruturação cognitiva, é necessário desenvolver habilidades as quais o
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indivíduo possa apresentá-las inicialmente reduzidas. Dessa maneira, modifica-se o


comportamento para um nível mais funcional.
O presente trabalho teve como objetivo analisar um estudo de caso de
dependência afetiva visando identificar e corrigir as distorções cognitivas da paciente
em relação a ela mesma, ao relacionamento com o marido e ao futuro.

2. HISTÓRIA DO CASO

C. T., 33 anos, sexo feminino, branca, casada, evangélica, ensino superior


completo em Design, atua como fotógrafa e editora na empresa que mantém com seu
marido, natural de Bauru/SP. T., procurou atendimento por recomendação psiquiátrica.
Apresentava humor deprimido, sintomas ansiosos (dores de cabeça, taquicardia,
dificuldades com sono, e dificuldades de concentração e atenção), perda de prazer no
trabalho, nas atividades rotineiras, como lazer e atividade física, antes do início dos
sintomas fazia atividade física regularmente.
Relatou não ter mais momentos de lazer e contato social: “as vezes até combino
algo, mas depois desisto”. Dizia ter dificuldade de sair com as amigas também pelo fato
delas falarem de seus relacionamentos e isso a lembrava de toda sua relação com seu
parceiro. Profissional: alegava gostar do que fazia, porém a empresa ficava no andar de
cima de casa e passava o dia todo lá, não tinha hora para trabalhar e além de seu marido
ficar junto o tempo todo, ainda a cobrava quando a via parada, reclamava que não
acordava cedo para trabalhar, não era organizada e não se dedicava.
A maior queixa de C. T. era na área conjugal, casada há 3 anos com R. 5 anos
mais velho, relatava que o mesmo a culpava de tudo, reclamava que ela não fazia nada
direito, dizia que a empresa não ia bem por culpa dela e a cobrava que trabalhasse o
tempo todo, enquanto ele ficava assistindo vídeos, que nada tinha a ver com a empresa,
além disso algumas vezes saía durante o período de expediente e demorava horas para
voltar.
Segundo a paciente, R. não demonstrava carinho e nem afetividade, no sexo era
egoísta, frio e as vezes um pouco agressivo. “ele diz que o sexo é só pra cumprir
protocolo, mas não temos mais nada a ver e que não terminou comigo ainda porque tem
dó de mim e a empresa não está muito bem”, “ele diz que nossa relação está assim por
minha causa, que se eu fizesse tudo, do jeito que ele fala, estaria tudo bem”. Paciente
dizia saber de mais de vinte traições, conversas no aplicativo de relacionamento, com
uma amiga do casal, com uma funcionária da empresa e até mesmo com clientes. Mesmo

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com provas e fatos ele sempre negava, algumas vezes confessou e culpou a paciente,
dizia que tentaria mudar, mas que a mudança maior deveria partir dela “ele me culpa de
tudo e diz que eu tenho que mudar, eu faço de tudo para ele e a relação, levo café da
manhã na cama e ele nem me agradece”.

2.1 História da doença atual

- Sintomas Emocionais: ansiedade, tristeza e irritabilidade.


- Sintomas Cognitivos: pensamentos recorrentes sobre ser fraca, viciada e
dependente da relação. Ruminação sobre as traições do marido e acreditava que
ele ainda mantinha relações extraconjugais. Pensamentos de inutilidade e
incapacidade.
- Sintomas Comportamentais: dificuldades de posicionamento, esquiva
social, evita discussões com marido, chora todos os dias e redução das
atividades.
- Reações Fisiológicos: dores de cabeça, dificuldades com o sono, dificuldades
de concentração e atenção.
- Fatores Estressores Ambientais: ser repreendida e cobrada/culpada pelo
marido, carga extensa de trabalho, estar longe do marido, deixar o marido
sozinho em casa, ver ele conversando em aplicativo e/ou com mulheres.
- Tratamentos Prévios: apesar de relatar sentir os sintomas há
aproximadamente dois anos, nunca havia procurado ajuda. Procurou terapia
assim que a psiquiatra a psicoeducou sobre relacionamentos abusivos.

CT é filha mais velha e tem um irmão 3 anos mais novo. Seu pai é falecido, tem
boa relação com a mãe, porém a considera uma pessoa “bem difícil”, reclama de tudo, é
compulsiva e vive se endividando. A mãe mora em uma casa que é da paciente e o carro
também é de propriedade dela. A paciente relata que a relação ficou mais difícil quando
na sua adolescência, seus pais mudaram de cidade e deixaram ela e o irmão morando
juntos em Bauru. Após esse período foi fazer intercâmbio na Austrália, acredita que
esses fatores tenham afastado um pouco da mãe apesar de terrem uma boa relação. Já
com o irmão a relação é bem melhor, entretanto, após o casamento dele se afastaram um
pouco.
A empresa fica no mesmo local onde C. T. reside, por esse motivo acaba saindo

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pouco de casa, apenas para trabalhos externos e fazer comprar, relata ter pouco contato
com os amigos, situação que era bem diferente antes do casamento. Não sai para eventos
sociais e deixou de fazer treino funcional que fazia antes.
CT apresentava rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da
atividade. Alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse,
diminuição da capacidade de concentração, associadas em geral à fadiga importante,
mesmo após um esforço mínimo. Dificuldades com sono e aumento do apetite, comendo
compulsivamente em alguns momentos e apresentava ganho de peso.
Diminuição da autoestima, autoconfiança e sentimento de culpa. Foi observado
também, sintomas ansiosos, consciente, orientada, desatenta, pensamento e falar
coerente, organizado e chorava bastante.
Foi observado, que a paciente apresentava, sintomas de depressão e ansiedade,
de acordo com o DSM V. Sendo eles: dores de cabeça, taquicardia, dificuldades com
sono, aumento de peso, choro constante, dificuldades de atenção e concentração, perda
de prazer no trabalho e atividades rotineiras, como lazer e atividade física.

2.2 Formulação de Caso

No caso de CT, os precipitantes começaram há cerca de 2 anos, quando a paciente


pegou a primeira traição do marido. A partir de então ela passou a ter alguns sintomas
ansiosos todas as vezes que o marido saía de casa ou estava conversando com alguém
em aplicativos de relacionamento, sempre que isso acontecia ficava pensando que ele
poderia a estar traindo novamente. Além do gatilho já citado, observou-se os que já
teriam engatilhado episódios prévios, como cobrança e imposição do marido em relação
alguns comportamentos da paciente, por exemplo: alimentação e atividade física,
trabalho, culpa pela relação, gastos e quando ela fica doente, pois aumentavam as
cobranças e acusações do marido.

A. Visão em corte de cognições e comportamentos atuais

Sempre que seu marido saía a paciente apresentava pensamentos como: “deve estar
me traindo de novo”, “deve estar com outra mulher” e “preciso checar o cartão pra ver
se ele passou em algum lugar suspeito”. Quando quem saía de casa era a paciente e o
marido ficava em casa, além de ficar olhando constantemente na câmera de vigilância da
casa pra ver o que o marido estava fazendo ou se recebeu alguém, começava ruminar

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“por que preciso passar por isso”, “sou fraca”, “sou idiota” e “não consigo sair disso”
Em relação ao comportamento do seu marido de questionar muito as coisas que a
paciente fazia, controlar o que ela comia, sua prática de atividade física, a organização
no trabalho e até as críticas que ele fazia em relação a ela, os pensamentos eram: “eu
não sei me impor”, “não posso comer o que quero”, “ele é mais inteligente do que eu”,
“sou uma fraca com ele e não sei me impor”, “faço tudo errado”, “preciso mudar”, “ele
não se importa comigo” e “não aguento mais isso”.
Quando a paciente via o marido conversando com alguém em aplicativos de
relacionamento ou nas festas em que faziam cobertura fotográfica, surgiam pensamentos
como: “sou idiota”, “estou fazendo papel de palhaça”, “todo mundo deve estar rindo de
mim”, “ele não me respeita”, “não aguento mais isso” e “preciso sair disso”.

B. Visão longitudinal de cognições e comportamentos

Quando CT iniciou a terapia, observou-se que as cognições principais mediante as


situações gatilhos remetiam as de "sou idiota", "sou fraca", "não vou aguentar a dor",
"ele não me respeita", "nunca mais vou me relacionar", "ficarei sozinha", "ninguém vai
me querer" "e se eu me arrepender" e "não vou saber viver sem ele". As cognições para
as situações gatilhos citados indicam crenças centrais de "Não serei amada" - esquema
de desamor e "Não sou boa suficiente" - esquema de desvalor.
Para as crenças centrais de ambos os esquemas, verificou-se que a principal
estratégia compensatória era de fuga/esquiva, sempre que acontecia algum gatilho,
paciente evitava uma conversa com marido por exemplo, evitava sair de casa, deixava de
realizar algumas atividades e passava a ficar mais tempo na cama.
Foi observado também os ciclos de manutenção de fuga/esquiva, redução de
atividade e ruminação bastante intensos que acabavam por dificultar a ativação
comportamental e a melhora do humor da paciente.

C. Pontos fortes e recursos

C.T. demonstrava bastante motivação e interesse em melhorar, relatava sair da


sessão sempre mais encorajada, porém sabia que ainda precisava de mais segurança e
flexibilizar as cognições para tomada de decisão. A paciente era comprometida com a
melhora, bastante assídua e pontual nas sessões. Tinha uma condição no trabalho que
facilitava a saída em qualquer horário para ir à terapia. Possuía recursos financeiros e

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apoio de familiares, amigos e da própria psiquiatra que a encaminhou, para que


continuasse a terapia.

D. Hipótese de trabalho

Quando C. T. estava com 16 anos, sua mãe foi transferida de cidade a trabalho e
deixou a mesma com irmão três anos mais novo, momento em que passaram diversas
dificuldades.
Na escola sempre se sentia diferente das outras meninas, feia e tímida, porém
conseguia lidar com a situação de uma maneira relativamente tranquila, pois tinha um
círculo social bastante amplo. Fez intercambio fora do país e relata que ao final do
intercambio começou a sentir algo diferente, "um sentimento de vazio", que se repetiu ao
terminar o ensino médio, em estágios, trabalhos e faculdade.
Aos 26 anos começou a namorar o atual marido e em menos de 1 ano, já estavam
trabalhando e morando juntos, com isso C. T. foi deixando de ter vida social, saindo de
casa cada vez menos e passava a maior parte do tempo trabalhando (o escritório fica na
própria casa) e com o marido.
Com dois anos de relacionamento a paciente relata que pegou a primeira traição
e a partir de então, apareceram as crenças nucleares de desemparo e desamor. Se sentia
“incapaz e “incompetente”, posteriormente descobriu outras traições, o que contribuiu
para o desenvolvimento dos ciclos de manutenção de hipervigilância e de ruminação,
sempre que o marido ficava em casa sozinha, C. T. ficava olhando pelas câmeras da casa,
tentava olhar o celular dele para ver se existia conversar nos aplicativos e forte ruminação
como: "ele está me traindo", "ele está me fazendo de boba", "as pessoas estão rindo de
mim', “estou fazendo papel de palhaça” e "ele vai largar de mim".
Com o tempo relata ter sentindo-se cada vez mais deprimida, sem energia,
desmotivada, ganhou peso e desenvolveu outros ciclos de manutenção: redução de
atividades e fuga/esquiva quanto mais ruminava, menos tinha vontade de fazer
atividades, recusava convites, marcava com os amigos e desmarcava.
Com medo do fim do relacionamento C. T. foi aceitando fazer coisas que não
gostava, pois acreditava que se fizesse o que o marido pedia ele melhoraria sua atenção
e carinho com ela e com isso ficariam bem, a mesma aceitou a fazer sexo com outro
homem e o marido e até a fazer sexo na webcam, instalou-se um ciclo de passividade.
O marido passou a cobrar cada vez mais que ela fizesse atividade física, se
dedicasse mais em relação a alimentação e que trabalhasse mais, porém a mesma já

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trabalhava cerca de 12 a 14 horas por dia, isso foi aumentando cada vez mais o
sentimento de culpa de C. T., mas ela se esforçou e cada vez que não conseguia se
deprimia ainda mais.
Com base em todo o funcionamento cognitivo da paciente a hipótese foi em
primeiro momento, realizar uma ativação comportamental, para que aumentasse o nível
de atividades e melhorasse seu humor.
Na sequência, realizar um quadro de atividades para organizar melhor sua
agenda, registar e questionar pensamentos automáticos disfuncionais, para a
reestruturação cognitiva e depois intervir nas crenças de desamor e desamparo.

2.3 Plano de Tratamento

Dificuldade: Em relação aos sintomas ansiosos


Meta: Diminuir a ansiedade
Submetas:
 RPD e Desafio de PAD
 Atividade Física
 Mindfulness e Técnicas de Relaxamento (respiração controlada, diafragmática
e RMP)
 Cartões de Enfrentamento

Dificuldade: com sintomas


depressivos Meta: melhorar os
sintomas depressivos Submetas:
 RPD e Desafio de PAD
 Chamar algumas amigas para sair
 Responder as amigas no whats
 Visitar a sobrinha com mais frequência
 Escala de Satisfação e Prazer
 Cartão de enfrentamento com todas as situações que já superou e tudo quejá
conquistou

Área Conjugal:

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Dificuldade: em tomar a decisão de sair de casa


Meta: conseguir me sentir segura para sair de
casa Submetas:
 RPD e Desafio de PAD
 Vantagens/Desvantagens
 Lista dos motivos pelos quais eu penso em ir embora
 Viver mais minha vida e desapegar dessa relação
 Ler o Livro “Amar ou Depender”
 Assistir o Vídeo sobre Relacionamentos Abusivos

2.4 Área Profissional:


Dificuldade: definir com o que vou trabalhar quando sair de casa
Meta: conseguir pensar no que fazer quando sair de casa
Submetas:
 Continuar fazendo os trabalhos de Design sem que o marido saiba e guardar
esse dinheiro
 Consultar uma advogada para saber quais direitos ela tem na empresa
 Falar com a mãe e o irmão sobre a mudança pra casa da mãe
 Se necessário pedir ajuda para o irmão
 Oferecer mais trabalho de Design

 Fazer e enviar currículos


 Mindfulness

2.5 Plano de Tratamento

A fase inicial, teve como objetivo psicoeducar a paciente em relação adepressão,


ansiedade e dependência afetiva para que a mesma pudesse compreender o que de fato
estava ocorrendo, já que apenas relatava os sintomas e sentia-se angustiada sem entender
a causa. Além de psicoeducar, colocou-se como objetivo ativação comportamental e
redução dos sintomas depressivos e ansiosos. Foi abordada a dificuldade de voltar para
as atividades rotineiras, atividade física e contato social, além de trabalhar restruturação
cognitiva, para que C.T. respondesse aos pensamentos automáticos disfuncionais de
maneira mais racional.
Na fase intermediária, o objetivo foi psicoeducar a paciente sobre suas crenças e ciclos de

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manutenção apresentados e o quanto esses processos mentais interferiam nas dificuldades


trazidas para teraia. Foi o momento de questionar e modificar as crenças centrais do
esquema de desamor e desamparo, além de romper os ciclos de manutenção,
fuga/esquiva, redução de atividades e ruminação.
O caso se encontrava ainda em fase intermediária, porém estava previsto para
fase final, trabalhar prevenção de recaídas e manutenção de ganhos

2.6 Relação Terapêutica


Foi a primeira vez que CT, procurou por terapia; desde o início do processo
psicoterapêutico foi assídua e pontual, devido ao trabalho, precisou mudar algumas
vezes o horário, mas sempre demonstrou preocupação em não perder a sessão semanal.
Demonstrou-se sempre motivada e receptiva ao método terapêutico. Participou
ativamente do processo, respondendo aos questionários e inventários, relatou algumas
dificuldades com as tarefas de casa e atribuiu tal dificuldade ao humor deprimido e a
ruminação que ocorria quando estava em casa.

2.7 Intervenções/Procedimentos

1. Utilizou-se o registo de pensamento automático disfuncional e depois o


questionamento para os pensamentos como: "ele é mais inteligente do que
eu", "sou uma fraca com ele e não sei me impor", "todo mundo deve estar
rindo de mim", "não vou aguentar a dor", entre outros.
2. O quadro de atividade ajudou para entender melhor a rotina e organizar os
horários da paciente.
3. Com a escala de SATISFAÇÃO/PRAZER, foi possível perceber as
atividades que davam a sensação de satisfação e as que davam prazer, além
das atividades que ela deixou de fazer.
4. Ativação comportamental ajudou no aumento de atividades prazerosas e que
causam bem-estar, como atividade física e sair/conversar com amigas.
5. A técnica de resolução de problemas ajudou para que a paciente pensasse o
que fazer para se sustentar quando conseguisse sair de casa, a mesma
conseguiu pensar em algumas formas de continuar seu trabalho como design,
iniciou um poupança, busco orientação de uma advogada que orientou sobre

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seus direitos e conseguiu se abrir com o irmão, que propôs ajudá-la


financeiramente.
6. O questionário de Vantagens/Desvantagens, contribuiu para a paciente
avaliar de forma mais racional as vantagens e desvantagens de sair de casa e
de manter esse relacionamento.
7. Foram feitos cartões de enfrentamento para serem utilizado quando viessem
pensamentos automáticos disfuncionais.

2.8 Obstáculos

O marido insistia para que a paciente parasse a terapia, reclamava da situação


financeira e do custo do tratamento, tentou algumas vezes atrapalhar financeiramente e a
sobrecarregando de trabalho para que ela não conseguisse continuar a terapia.
Por fotografar partos e casamentos, tinha uma rotina pesada, os horários não
eram fixos e precisou fazer algumas viagens a trabalho.

3. RESULTADOS

C. T. teve uma redução significativa em relação aos sintomas ansiosos, depressivos e


desesperança, que podem ser observados a partir de seus escores BAI (Beck Anxiety
Inventory) que eram de 38 na sessão de avaliação e na sessão 39 estava em 10, BDI
(Beck Depression Inventory) pontuou 36 e 8 e BHS (Beck Hopelessness Scale)
respectivamente 5 e 1.

Figura 1: Gráfico dos Inventários de Humor

C.
4
0
3
5
3
0
2
5
2
AI 1a 1b 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
BD BA BH

Fonte: Os autores (2020).

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A paciente por vários momentos iniciava atividade física e parava, pois, o


comportamento era mantido pelo ciclo de manutenção de redução de atividade,
atualmente segue tentando novamente, procurou uma assessoria para emagrecimento,
com a crença de que não está fazendo atividade por que foi algo que ele sempre cobrou,
mas sim porque vai melhorar a sua autoestima. Buscou sair com as amigas e procurou
um grupo de empreendedorismo para mulheres, o qual acontece reuniões uma vez por
mês.
Em relação ao medo do que faria para se sustentar quando sair de casa conseguiu
flexibilizar bem os pensamentos, consegue pensar em algumas estratégias para lidar com
a situação financeira, já sabe que tipo de trabalho poderá desempenhar e está fazendo uma
poupança pensando no futuro. C. T. buscou orientação de uma advogada, pois de acordo
com o que o marido falava, ela acreditava que não teria direito a nada, a profissional
esclareceu que ela tem direitos e passou todas as orientações necessárias, fato que deixou
a paciente um pouco mais tranquila.
A crença central de desamor: "jamais encontrarei alguém", foi flexibilizada para
"talvez eu não queira ninguém nesse momento". A expectativa em relação a melhora do
relacionamento mudou de: "se eu fizer tudo o que ele pede, vamos ficar bem" para
"mesmo que ele mude agora não vai apagar tudo o que ele já fez e todas as traições, "não
mereço ser tratada assim" e "não vou perder nada deixando essa relação". A crença do
esquema de desamor "não vou resistir se ficar sem o amor dele" e de desamparo “sou
incapaz de aguentar a dor do fim", mudaram para "talvez não seja tão dolorido assim,
pode até sair um peso das minhas costas".
Embora ainda tenha crenças a serem flexibilizadas, o esquema de desemparo foi
flexibilizado, o que contribuiu para isso foi o aumento do apoio social, conseguir ter uma
conversar e abrir tudo o que estava ocorrendo para o irmão e sentir que tem o apoio da
família, além das técnicas como cartão de enfrentamento e vantagens e desvantagens.
No quadro de vantagens e desvantagens, paciente concluiu que não tem vantagens em
manter essa relação e a desvantagem principal é acabar com sua saúde e continuar
desmotivada e deprimida.
O caso está em fase intermediária, paciente relata que já entendeu que a relação
acabou, que o melhor a se fazer é ir embora e que suas forças estão acabando, porém
precisa sentir-se um pouco mais segura e com auto estima mais elevada, mas relata que
não consegue mais ver uma perspectiva de futuro para a relação.

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4. DISCUSSÃO
A ativação comportamental, foi de fundamental importância para que a paciente
entendesse que a mudança de comportamentos poderia impactar na mudança de humor
e na resolução de quadros depressivos e também para diminuir o comportamento de
fuga/esquiva e melhorar o ciclo de manutenção de redução de atividades
gradativamente. A aplicação de um processo de ativação comportamental, pode variar
desde a utilização de protocolos e estruturas específicas para cada sessão terapêutica
(LEJUEZ et al., 2011), à protocolos que fornecem uma estrutura flexível para as sessões
de acordo com a demanda de cada cliente, sempre mantendo o foco na análise de
contingências e na ativação de comportamentos (MARTELL; ADDIS; JACOBSON,
2001).
O processo da ativação comportamental é eficaz para o tratamento da depressão
e validado experimentalmente. porém, apesar da eficácia, é importante considerá-lo
como uma possibilidade de intervenção, e não apenas como a única alternativa. Em
casos de depressão moderada e grave, por exemplo, os pacientes podem ser beneficiados
de um tratamento psiquiátrico paralelamente ao tratamento psicológico, pois o processo
de psicoterapia pode demandar tempo, o que seria perigoso considerando que alguns
casos têm risco de suicídio, e também pelo fato de que a depressão pode ser decorrente
de alterações biológicas (WIELENSKA, 2014).
Quando iniciado a identificação e questionamento dos pensamentos automáticos
disfuncionais da paciente em questão, o humor melhorou, ela passou a questioná-los e
entender melhor o comportamento disfuncional que ocorria e compreender o que ainda
há mantinha naquela relação. Além de questionar os pensamentos automáticos
disfuncionais, existia um problema para ser resolvido: de que forma a paciente
conseguiria se sustentar após o do relacionamento, respondendo melhor as distorções
presentes nesse momento, a mesma conseguiu pensar em estratégias de resolução do
problema.
O modelo cognitivo em questão pressupõe que o pensamento disfuncional é
comum em todos os transtornos psicológicos. Quando as pessoas aprendem a avaliar seu
pensamento de forma mais realista e adaptativa, elas obtêm uma melhora em seu estado
emocional e em seu comportamento (BECK, 2013).
A TCC foca em dois pilares de intervenção: a reestruturação cognitiva e a
resolução de problemas. Prioritariamente, foca em uma conceituação cognitiva, na qual
os sintomas estão relacionados a um estilo negativo de pensamento em três domínios: si

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mesmo, mundo e futuro (tríade cognitiva) (BECK, 2013). A proposta de Beck era
reestruturar uma terapia com as metas de reversão das cognições disfuncionais e dos
comportamentos relacionados (WRIGHT et al, 2008). No primeiro pilar, a
reestruturação cognitiva, objetiva-se a primeira meta, observando-se que o pensamento
disfuncional ativo a emoção disfuncional exagerada, que resulta no comportamento
disfuncional. Reestruturando esses pensamentos, não haveria o resultado de emoções e
comportamentos disfuncionais. No entanto, para viabilizar uma sólida reestruturação
cognitiva, é necessário desenvolver habilidades as quaiso indivíduo possa apresentá-las
inicialmente reduzidas.
Durante o processo terapêutico, a meta de diminuir os sintomas ansiosos e
depressivos foi alcançada, isso ocorreu com a redução das ativações das crenças.
Estratégias para quebrar os ciclos de manutenção e flexibilização das crenças
disfuncionais de desamor e desamparo. Como no caso em questão as distorções eram
fundamentais para compreender o que mantinha o problema, as distorções identificadas
foram: abstração seletiva, catrastrofização, leitura mental, filtro mental, rotulação e
personalização.

5. CONCLUSÃO
O caso apresentado ilustra a eficácia da TCC no tratamento de pacientes que
sofrem de dependência afetiva, pois através de suas técnicas é possível trabalhar a
resolução de problemas como por exemplo, ajudar o paciente identificar e pensar
estratégias para solucionar questões que ocorrerão durante e após a separação, como por
exemplo direitos e divisão de bens.
A TCC ainda intervém nas crenças que o indivíduo tem acerca da tríade
cognitiva: eu, outro e futuro; essas ativadas causam mal-estar e comportamentos
disfuncionais perante a separação. Com o trabalho de restruturação cognitiva, é possível
ajudar os pacientes a compreender de forma racional o problema da dependência afetiva,
bem como o que o mantém e as distorções sobre orompimento da relação. Auxilia
também numa nova possibilidade de reorganizar a vida.

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REFERÊNCIAS

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Ilustrado. Artmed Editora, 2018.

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