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Sobre a questão das fases de desenvolvimento social após a tomada dos meios de produção

por parte do proletariado.

A divisão da sociedade socialista em fases é ainda hoje uma questão teórica de grande significado
prático. Esta problemática, que tem vindo a ser estudada desde os anos sessenta, requer uma análise
profunda por si só.

A problemática surge com duas passagens específicas de duas obras diferentes, a primeira sendo a
Crítica ao Programa de Gotha de Karl Marx, e a segunda O Estado e a Revolução de Vladimir
Lénine. Marx diz-nos: “Entre a sociedade capitalista e a comunista fica o período da transformação
revolucionária de uma na outra. Ao qual corresponde também um período político de transição cujo
Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado.” Por outro lado Lenine diz: “A
passagem da sociedade capitalista para a sociedade comunista é impossível sem um "período de
transição política" em que o Estado não pode ser outra coisa senão a ditadura revolucionária do
proletariado.”

Na análise teórica e também na criação propagandística do nosso país existem diferentes opiniões
sobre como interpretar estas duas passagens. A definição popular, e muito conclusiva, é a de
interpretar a “sociedade comunista” à qual fazem referência Marx e Lénine como algo que sucede
“a transição entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista”, ou seja, uma fase avançada do
comunismo. Sendo assim, o “período transitório” é a linha que separa o socialismo daquilo que se
considera como a fase avançada do comunismo, que é o mesmo que dizer que este “período
transitório”, acaba na véspera da instauração do comunismo. Com esta definição, conclui-se que a
sociedade socialista que se afirma a partir da sociedade capitalista e em direção à sociedade
comunista, não passa de um período de transição à qual nos referimos como ditadura do
proletariado.

Neste contexto, as visões de Marx e de Lénine fazem referência a uma primeira fase da sociedade
socialista em transição para a sociedade comunista. Esta visão é apelidada de revisionista pois leva-
nos à conclusão de que aqueles países que não cheguem a essa fase da pré-ditadura do proletariado
vão acabar por morrer antes de chegar ao estádio avançado do sistema comunista. Quem está certo
ou errado em relação a este assunto? E quem vai ser aquele que vai responder a estas duas questões?

Em primeiro lugar, Marx e Lénine dizem-nos que “a sociedade capitalista transitou para a
sociedade comunista”. A “sociedade comunista” à qual se referem aqui faz referência ao estádio
avançado do comunismo ou apenas a uma primeira fase da sociedade socialista em busca da
sociedade comunista? Em segundo lugar, depois do proletariado assumir o poder político, seria
aceitável dividir esta fase socialista (na qual o proletariado já detêm o poder mas ainda não se
chegou ao comunismo) em sub-fases?

Seguindo a linha do “período de transformação” em direção à fase avançada da sociedade


comunista, ou seja uma primeira fase da sociedade socialista dentro da sociedade comunista, se
aquilo a que Marx e Lénine denominam de “sociedade comunista” pode ser apenas interpretado
como “o estádio avançado de desenvolvimento da sociedade comunista”. Esta visão é inconsistente
com as visões de Marx e de Lénine.

É verdade que Marx fala em: “período de transformação revolucionária do antes para o depois da
sociedade capitalista e a sociedade comunista”. Ele não usa a expressão “sociedade socialista” no
seu livro Critica do Programa de Gotha. Lénine não só falou em “transição da sociedade orientada
segundo o capital para a sociedade socialista”, como também falou sobre a transição “da sociedade
burguesa para a sociedade socialista”. A sociedade comunista em si inclui tanto as fases iniciais
como as fases mais avançadas do socialismo, por tanto a “sociedade comunista” pode ser
compreendida tanto como o início como o final do seu desenvolvimento. A questão gira então sobre
como interpretar inteiramente e com precisão o que Marx e Lénine queriam dizer em suas obras.

Voltando à Critica do Programa de Gotha, Marx diz o seguinte acerca da primeira fase do
socialismo dentro da sociedade comunista: “Aquilo com que temos aqui a ver é com uma sociedade
comunista, não como ela se desenvolveu a partir da sua própria base, mas, inversamente, tal como
precisamente ela sai da sociedade capitalista; portanto, que, sob todos os aspetos — económicos, de
costumes, espirituais —, ainda está carregada das marcas da velha sociedade, de cujo seio proveio.”
Ele também indica as características próprias desta sociedade: “No interior da sociedade co-
operativa, fundada no património comum dos bens de produção, os produtores não trocam os seus
produtos; tão-pouco aparece aqui o trabalho empregue nos produtos como valor desses produtos,
como uma qualidade material [sachlich] possuída por eles, uma vez que agora, em oposição à
sociedade capitalista, os trabalhos individuais não existem mais enviesadamente, mas
imediatamente, como partes componentes do trabalho total. As palavras «provento do trabalho»,
rejeitáveis hoje em dia também por causa da sua ambiguidade, perdem, assim, todo o sentido.” “Por
exemplo, o dia social de trabalho consiste na soma das horas de trabalho individuais. O tempo de
trabalho individual do produtor individual é a parte do dia social de trabalho por ele prestada, a sua
participação nele. Ele recebe da sociedade um certificado em como, desta e daquela maneira,
prestou tanto trabalho (após dedução do seu trabalho para o fundo comunitário) e, com esse
certificado, extrai do depósito social de meios de consumo tanto quanto o mesmo montante de
trabalho custa. O mesmo quantum de trabalho que ele deu à sociedade sob uma forma, recebe-o ele
de volta sob outra.”

Por isso, na Critica do Programa de Gotha, Marx refere-se apenas à primeira fase da sociedade
socialista dentro da sociedade comunista, não à fase avançada do comunismo.

Lénine explica o significado desta expressão de Marx no seu livro O Estado e a Revolução: “Os
meios de produção já não são propriedade privada de indivíduos. Os meios de produção pertencem
a toda a sociedade.”“A primeira fase do comunismo ainda não pode, pois, realizar a justiça e a
igualdade; hão de subsistir diferenças de riqueza e diferenças injustas; mas, o que não poderia
subsistir é a exploração do homem pelo homem, pois que ninguém poderá mais dispor, a título de
propriedade privada, dos meios de produção, das fábricas, das máquinas, da terra.”“O Estado
extingue-se na medida em que não há mais capitalistas, já não há classes e por isso não se pode
reprimir nenhuma classe. Mas, o Estado ainda não se extinguiu completamente, pois permanece a
proteção "direito burguês" que consagra a desigualdade de fato. Para que o Estado se extinga
completamente é necessário o comunismo completo.”

Lénine deixa bem claro que vê a ditadura do proletariado como uma fase especial no período
transitório da sociedade capitalista para a sociedade socialista. Diz-nos então: “Nós sempre
soubemos, dissemos e enfatizamos o facto de que o socialismo não pode ser “introduzido”, que ele
se forma no decurso da mais intensa, da mais aguda luta de classes -que atinge dimensões frenéticas
e desesperantes- e de guerra civil; nós sempre dissemos que há um longo período de “dores de
parto” entre o capitalismo e o socialismo; que a violência é sempre a parteira da velha sociedade;
que um estado especial (isto é, um sistema coercivo organizado de uma classe definida) corresponde
ao período transitório entre a sociedade burguesa e a socialista, nomeadamente, a ditadura do
proletariado. O que a ditadura implica e o que significa é um estado de guerra fervente, um estado
de medidas militares de luta contra os inimigos do poder proletário.” Lénine também explica no
Estado e a Revolução como a extinção do Estado é um processo e não algo repentino.
Partindo dos textos já abordados de Marx e Lénine, existem todas as razões para acreditar que a
primeira fase da sociedade socialista, dentro da sociedade comunista, idealizada por Marx e Lénine
é caracterizada pelo facto de que toda a sociedade têm um único sistema público e social de
propriedade, não existem meios de produção em mãos privadas e tão pouco trocas de mercadorias.
Sem a existência de classes, a função repressiva do Estado acaba por desaparecer, mas o Estado em
si ainda não deixou de existir. Este, ainda têm de assegurar a proteção da distribuição de bens
proporcional ao trabalho. No entanto, não pode ser chamada de Estado como tal, pois deixa de
cumprir as funções políticas estatais. Ainda que alguns camaradas acreditem e defendam que
inclusive na sociedade socialista, mesmo que o Estado já não cumpra funções repressivas, este
ainda têm que cumprir uma função de defesa face a agressores imperialistas tanto à nossa, como a
outras nações sobre eminente ataque imperialista, Estaline, que também se pronunciou acerca desta
matéria, deixou claro que, no seu ponto de vista, estas funções defensivas não recaem sobre uma
classe que se deve focar em oprimir outra, e por tanto não deve recair sobre a ditadura do
proletariado.

A transição de uma sociedade capitalista para uma comunista, segundo os ensinamentos de Marx e
Lénine, é a transição em primeiro lugar para a sociedade socialista, a primeira fase do
desenvolvimento da sociedade comunista. Isto é o mesmo que dizer que, quando esta sociedade
socialista é implementada, o período transitório acaba. Lénine diz-nos o seguinte no texto Sobre o
Imposto em Espécie: “Mas o que significa a palavra transição? Não significará, aplicada à
economia, que no regime atual existem elementos, partículas, pedaços de capitalismo e de
socialismo? Todos reconhecem que sim.” O estabelecimento duma sociedade socialista, segundo as
palavras de Marx e Lénine, já não têm componentes, partes ou fatores do capitalismo. O
estabelecimento desta sociedade acaba por tanto com o período transitório.

II

A nossa sociedade socialista na atualidade é diferente daquela idealizada por Marx e Lénine. Isto
porque nos encontramos numas condições distintas. Existe hoje em dia um ponto de vista popular
no qual se olha para a transição da sociedade capitalista para a sociedade comunista como um
período histórico inteiro, que se conhece como sociedade socialista, que está também ela mesma
dividida em fases. Esta visão requer um estudo próprio. O desenvolvimento das coisas vai sempre
da mudança quantitativa para a qualitativa, e eventualmente para a mudança qualitativa final. Se
esta mudança qualitativa final for usada como um indicativo de uma divisão dentro duma fase
maior, então também uma mudança quantitativa pode ser usada como um indicativo de divisão
dentro de fases menores. A transição de uma sociedade capitalista para a fase avançada da sociedade
comunista, ou seja, a fase que se segue a seguir ao estabelecimento da ditadura do proletariado,
deve também ser dividida em várias fases.

A sociedade comunista seria dividida em duas fases. Marx tinha já estabelecido este raciocínio nos
Manuscritos Económico-Filosóficos. Engels, por outro lado, começou nos Princípios do
Comunismo

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