Você está na página 1de 49

Periodização

Periodização

Professor Douglas Popp Marin


1
Periodização

Sumário
Introdução 3

1 Síntese histórica 3
1.1 Modelo tradicional 4
1.2 Modelos contemporâneos 5
1.3 Diferenças e problemáticas dos diferentes modelos de periodização 6

2 Importância da periodização no treinamento 7


2.1 Efeitos do treinamento 8
2.2 Carga de treinamento 9
2.2.1 Natureza 10
2.2.2 Componentes 11
2.2.3 Orientação 12
2.2.4 Grandeza da carga 12

3 Recuperação do treinamento 12
3.1 Ciclo de supercompensação 14

4 Organização e estruturação do ciclo anual de treinamento 17


4.1 Macrociclo 17
4.2 Mesociclo 20
4.3 Microciclos 22

5 Modelo em bloco 25

6 Periodização do treinamento de resistência 28


6.1 Programa de treinamento para corrida de 5km 30
6.2 Periodização do treinamento com pesos para o desempenho de resistência 32

7 Periodização do treinamento com pesos 34


7.1 Modelo tradicional (linear) 35
7.2 Modelo linear reverso 39
7.3 Modelo não-linear (ondulatório) 39
7.4 Periodização ondulatória parcial 40
7.5 Periodização ondulatória semanal 40
7.6 Treinamento concorrente: força versus resistência 41

8 Princípios do treinamento de potência muscular 43


8.1 Força máxima 44
8.2 Taxa de desenvolvimento de força 44
8.3 Sobrecarga 45

Referências 48

2
Periodização

Introdução
A periodização do treinamento desportivo não é uma - 3ª fase: de 1970 até os dias de hoje,
novidade ou um descobrimento dos novos tempos, sendo o momento de grande evolução dos
mas está presente desde o Egito Antigo e Grécia conhecimentos da área do treinamento
Antiga até os dias de hoje. As teorias se aperfeiçoam, desportivo, também chamado de período dos
os conhecimentos evoluem e, consequentemente, modelos contemporâneos. (Monteiro e Lopes,
modificam-se as práticas de treinamento desportivo. Os 2009, p. 71).
processos de periodização do treinamento evoluíram,
sempre se adaptando ao corpo de conhecimentos já A periodização do treinamento com pesos também
conquistados durante sua história. pode ser entendida como progressão temporal das
cargas de treinamento. Lembramos que, em relação
No treinamento desportivo, a periodização ao treinamento na musculação, a carga representa
é um processo de estruturação das fases de qualquer variável que pode ser manipulável na
treinamento que busca atingir níveis máximos ou composição de uma sessão de treinamento.
ótimos das capacidades físicas, técnicas, táticas
e psicológicas dos atletas através de avaliações A progressão de cargas é um processo necessário
periódicas. A finalidade é verificar quais são devido à alta capacidade de adaptação (plasticidade)
os pontos que foram bem trabalhados e áreas do organismo aos estímulos do treinamento, tanto em
que devem sofrer alterações na aplicação aspectos estruturais (enzimas, proteínas e organelas
dos treinamentos, porém em ambas as áreas celulares) quanto neurológicos. Podemos observar
de atuação profissional torna-se necessário a plasticidade muscular no desenvolvimento dos
planejar. Segundo Stone (1999), periodizar é parâmetros externos funcionais como força, potência
o método lógico de manipulação das variáveis e resistência muscular.
de treinamento tendo como fim o aumento do
As adaptações estruturais ao treinamento ocorrem
potencial para atingir objetivos de performance.
por meio do aumento da taxa de síntese de proteínas
(Monteiro e Lopes, 2009, p. 71).
observadas em mudanças no RNAm (gráfico 1).
Portanto, as adaptações crônicas ao treinamento
1 Síntese histórica ocorrem pelo incremento da atividade transcricional
e traducional da célula muscular, acompanhado por
A história da planificação ou periodização um novo estado de funcionalidade tecidual.
desportiva pode ser dividida em três períodos:
Uma vez alcançado esse novo limiar, o tecido em
- 1ª fase: desde os primeiros autores até questão requer que os estímulos do treinamento
1950, onde se inicia o conceito de periodização, sejam progressivos e respeitem o principio da
ou também chamado de período dos precursores sobrecarga. Isso se faz necessário para manter
da periodização desportiva. a atividade de síntese de proteínas musculares
envolvidas nas adaptações desejadas com o programa
- 2ª fase: de 1950 até 1970, momento onde de treinamento.
se começam os questionamentos sobre os
modelos clássicos aparecendo novas propostas
de modelos, ou também chamado de período
dos modelos tradicionais.

3
Periodização

Gráfico 1 – Adaptações agudas na expressão gênica em resposta ao treinamento. Fonte: adaptado de Fluck (2003).

1.1 Modelo tradicional Volume moderado e contínuo da aplicação de


estímulos.
Na concepção do modelo tradicional, a preparação
geral era primordial para o rendimento esportivo, Heterogeneidade de estímulos.

onde a forma esportiva só poderia ser mantida por


Preparação global do atleta.
períodos de tempo muito curtos.
Disposição ondulatória das cargas e períodos
Os modelos tradicionais ainda são usados por
de treinamento;
grande número de treinadores na atualidade. Estes
modelos foram criados para atender uma demanda Aumento gradual dos índices funcionais.
específica (mostraram sucesso principalmente em
modalidades cíclicas como o atletismo), não podendo A formação geral cria e amplia as bases e
ser sempre adaptados a todos os desportos. condições necessárias para a especialização
desportiva.
Principalmente na extinta União Soviética (URSS),
em meados da década de 50, muitos foram os autores O volume de trabalho linear e constante faz
responsáveis pelo avanço teórico da periodização do com que o atleta construa um nível de rendimento
treinamento físico, porém, um deles foi considerado capaz de manter-se durante toda temporada.
“o papa” da periodização moderna, Lev Pavlovic
Desenvolvimento simultâneo de diferentes
Matveiev. Em sua concepção da planificação do
capacidades em um mesmo período de tempo.
treinamento, Matveiev classifica os períodos de
treinamento em três níveis, também chamados de Aplica-se bem a atletas de nível médio [e na
ciclos: microciclos, mesociclos e macrociclos. Entre os fase de formação de novos atletas].
benefícios, características e aplicações desta forma
de periodização do exercício, podemos apontar: A interação entre preparação geral e especial
é tão grande que, em alguns momentos, torna-
Cargas distribuídas e uniformes ao longo do se difícil estabelecer os limites entre elas, apesar
ciclo anual. de os meios serem diferentes entre si.

4
Periodização

Apresentação de “picos” reduzidos de forma 19. Introdução de intervalos de caráter


durante uma temporada. profiláticos devido ao uso de altas cargas.

Caracteriza-se como uma proposta analítico- 20. Pouca diferença de carga de trabalho
sintética. (Monteiro e Lopes, 2009, p. 35). entre o período preparatório e específico.

Devido à necessidade de se produzir novas 21. Busca do desenvolvimento e utilização


concepções específicas para determinadas ótima das capacidades determinantes de cada
modalidades desportivas, surgiu a concepção modalidade.
chamada contemporânea. Esta necessidade se
deu principalmente pelas diferenças metabólicas, 22. Utilização do controle de carga durante

mobilização de diferentes grupamentos musculares, todo o processo de treinamento.

gestos mecânicos diferentes e inconstância do


calendário de competições de cada modalidade
desportiva (Verkhoshansky e Siff, 2009). Autor: Verkhoshansky

Assim, Oliveira (2008) destaca como características 23. Utilização de cargas concentradas.
do sistema contemporâneo a individualização,
concentração das cargas de treinamento em um curto 24. Diferenciadas em etapas definidas.
espaço de tempo, tendência a um desenvolvimento
25. Grande volume concentrado de estímulos
consecutivo das capacidades ou objetivos e
de preparação especial.
incremento do trabalho específico.
26. Homogeneidade de estímulos.

1.2 Modelos contemporâneos 27. Cargas na direção unilateral (força).

Um dos autores mais conhecidos desta fase é Yuri 28. Etapas de estímulos específicos
Verkhoshansky. Nesta fase não se utiliza o termo segmentados em blocos definidos.
planificação ou periodização, mas um sistema onde se
encaixam os conceitos de programação, organização 29. Redução persistente dos índices
e controle. Os conceitos dele e de outros autores funcionais, seguida de uma supercompensação.
estão apresentados logo abaixo:
30. A formação geral cria a sustentação para
recuperar a capacidade de rendimento, após
Autor: Tschiene cargas de grande volume.

14. Propõe uma forma ondulatória de carga 31. O rápido aumento e diminuição do
com contínuas fases breves caracterizadas por volume de trabalho produz a intensificação das
alterações frequentes de intensidade e volume. cargas de treinamento e obtenção máxima do
desempenho.
15. Busca de um nível ótimo (não o máximo)
das capacidades biomotoras. 32. Capacidades de diferente orientação
funcional são distribuídas em diferentes estágios
16. Aplicação de um modelo de adaptação de tempo específicos segmentados em blocos
biológica. definidos.

17. Utilização de cargas altas de treinamento. 29. Redução persistente dos índices
funcionais, seguida de uma supercompensação.
18. Predominância do trabalho específico.

5
Periodização

30. A formação geral cria a sustentação para Autor: Bompa


recuperar a capacidade de rendimento, após
cargas de grande volume. 44. Periodização para as modalidades
coletivas.
31. O rápido aumento e diminuição do volume
de trabalho produz a intensificação das cargas de 45. Processo de treinamento como um
treinamento e obtenção máxima dodesempenho. processo complexo organizado sobre várias
fases de forma sequencial.
32. Capacidades de diferente orientação
funcional são distribuídas em diferentes estágios 46. Proposta adaptada às condições do
de tempo. modelo competitivo de longa duração.

47. Previa aquisição da condição física geral.


Autor: Issurin (Monteiro e Lopes, 2009, p. 75).

33. Periodização chamada de ATR.

34. Modelo análogo ao de Verkhoshansky. 1.3 Diferenças e problemáticas dos


35. Foco na concentração de cargas em
diferentes modelos de periodização
capacidades específicas.
O modelo de Matveiev afirma ser necessário uma
36. Baseia-se na superposição dos efeitos do reavaliação do conceito de periodização proposto,
treinamento. considerando que esses conceitos de treinamento
da antiga URSS foram formulados de acordo com
37. Microciclos denominados de acumulação, as concepções de uma sociedade controlada por
transformação e realização. diretrizes rígidas, em um momento onde existiam
poucas competições, com a participação dos atletas
vinculada aos interesses do país.
Autor: Bondarchuck
Rosa (2009, p. 104-105) apresenta a opinião
38. Periodização para as modalidades
de alguns autores importantes, sobre o método de
individuais (em especial lutas).
Matveiev:
39. Caracterização da forma desportiva
Weineck (1989) afirma que a preparação geral
em três fases distintas; desenvolvimento,
tem sentido apenas para elevar o estado geral de
manutenção e descanso.
preparação do atleta, que, por si, já esta elevado
40. Potencialização das fases com o pelos anos de treinamento realizados. Por essa
conhecimento das respostas adaptativas de razão, segundo o autor, não se desencadeiam
cada atleta. nos atletas os processos adaptativos para a
capacidade de conseguir mais resultados.
41. Estabelecimento com exatidão das
diferentes etapas competitivas durante o ano. Para Gambetta (1990), o modelo Matveiev
é válido somente para as primeiras fases de
42. Adaptações conseguidas mediante ao treinamento, considerando-se que ao aumentar
trabalho paralelo das cargas de diferentes o nível de rendimento dos atletas deve-se
orientações. aumentar também a porcentagem de utilização
dos meios de preparação específica.
43. Fase de manutenção da forma do atleta
deve ser por volta de 4 semanas.

6
Periodização

Bompa (1983) argumenta que não existe,


2 Importância da periodização no
com os calendários competitivos atuais,
tempo disponível para a utilização de meios
treinamento
de preparação geral que não correspondem à Os programas de treinamento com pesos e
especificidade concreta do esporte [...]. condicionamento físico promovem alterações
significativas nos componentes da aptidão física
Tschiene (1990) [...] frisa a importância de uma
relacionados à saúde e desempenho. Entretanto,
preparação individualizada e específica, com altos
os praticantes avançados no treinamento ou atletas
índices de intensidade, durante o processo atual
podem eventualmente experimentar períodos
de treinamento desportivo, o que não acontece
de estagnação e platô nos resultados. Isso pode
na periodização tradicional de Matveiev. Tschiene
significar muitas vezes aumento do risco de lesões
afirma que o esquema de Matveiev é muito rígido,
e sintomas associados ao sobretreinamento. Para
referindo-se às diversas fases da preparação
promover incremento no desempenho físico a longo
desportiva, considerando que para diferentes
prazo, os profissionais de Educação Física devem
esportes e atletas elas são iguais e possuem
conduzir um modelo de treinamento planejado, com
relativamente a mesma duração. Também chama
alterações sistemáticas na carga de treinamento em
a atenção para a importância de novas formas
ciclos de curto, médio e longo prazo.
alterna-tivas de estruturação do treinamento
desportivo, surgidas ultimamente [...]. A periodização do treinamento está ligada à
noção de dividir o desempenho atlético em períodos.
Verkhoshansky (1990) aponta que a
Embora a periodização tenha sido desenvolvida para
periodização de treinamento desportivo, quando
o esporte de alto rendimento, os modelos disponíveis
foi desenvolvida, tinha como base resultados
podem ser adaptados para praticantes de exercício
competitivos muito mais baixos e de um nível de
com objetivos estéticos ou de promoção à saúde.
exigência muito menor do que as atuais; assim,
Aplicar os conceitos da metodologia do treinamento
essa forma de estruturar o treinamento deve-se
esportivo é de grande importância para o treinamento
conceber unicamente para atletas de nível médio
personalizado, principalmente no que tange ao
e não para atletas de elite que trabalham com
emprego consciente das cargas de treinamento a
exigências maiores.
longo prazo.
Bonderciuk e Tschiene (1985) [...] afirmam
A periodização do treinamento foi baseada nos
que não há transferência positiva da preparação
estudos da resposta orgânica ao estresse, denominada
especial nos esportes de alto nível.
pelo endocrinologista canadense Hans Seyle como
síndrome geral de adaptação. Esta síndrome constitui
em uma série de reações funcionais não específicas
Matveiev (1990) argumenta com relação às cargas e desencadeadas quando o organismo é exposto a
gerais e altos volumes de trabalho nas fases básicas um estímulo que ameaça a manutenção do equilíbrio
de treinamento, explicando que “[...] esse é um interno do organismo. Esse conjunto de reações foi
fator que não pode ser contestado e muito menos descrito a partir de três fases:
eliminado. Nesse fenômeno, os conteúdos gerais
estão em dependência dos conteúdos específicos e
vice-versa” (Rosa, 2009, p. 105).
- Reação de alarme:

Descreve a resposta ao estresse empregado pela


sobrecarga do treinamento. Quando o organismo
experimenta um novo estresse ou mais intenso

7
Periodização

daquele habitual (por exemplo, maior intensidade ou diversos componentes do sistema funcional do
volume de exercícios), dispara a reação de alarme. organismo.
Esta reação se inicia no sistema nervoso central,
4 - Adaptação psicológica às particularidades
estimulando a síntese de hormônios, os quais incitam
do treinamento físico e de competição. (GOMES,
uma série de reações químicas voltadas a aumentar a
2009, p. 74).
disponibilidade de energia para o trabalho muscular.
Na presença do estresse, cresce a velocidade do
De fato, a obtenção da fase de resistência às
consumo de energia, aumentando a necessidade de
cargas aplicadas constitui o objetivo primário do
ATP. Quando o estímulo do exercício não é removido,
processo de treinamento.
verifica-se o esgotamento gradativo dos recursos de
adaptação aguda, e surge um padrão de reações - Reação de exaustão (esgotamento):
defensivas do organismo percebida pelo indivíduo
como fadiga. Esta fase ocorre quando a ação do agente
estressor não diminui e, dessa maneira, verifica-se o
- Reação de resistência: esgotamento progressivo da capacidade de adaptação
imediata. Nesse momento, surge a reação defensiva do
Descreve as adaptações do organismo que
organismo, percebida subjetivamente pelo indivíduo
substituem os mecanismos de resposta aguda de
como fadiga. Essa fase pode ocorrer quando o nível
urgência pelas mudanças estruturais e funcionais em
de sobrecarga aplicada está acima da capacidade de
longo prazo para satisfazer a demanda de energia.
adaptação do indivíduo ou acima da capacidade de
Nesse momento, não ocorre somente a mobilização
mobilizar sua reserva atual de adaptação.
dos recursos energéticos e plásticos estruturais do
organismo, mas também a redistribuição desses
recursos para o seu sistema dominante responsável
pela adaptação. O aumento da capacidade de
resposta do organismo frente a um agente estressor
é também conhecido como supercompensação.
O tempo de obtenção dessa reação é de semanas
ou meses e depende da capacidade do indivíduo
responder ao estímulo.

A adaptação a longo prazo do organismo ao


processo de treinamento pode ocorrer de diferentes
Gráfico 2 – Síndrome de adaptação geral. Fonte: adaptado de Baechle
maneiras: e Earle, 2008.

1 - Acúmulo de elementos estruturais dos


órgãos e dos tecidos que asseguram o crescimento
2.1 Efeitos do treinamento
de suas reservas funcionais, tais como o aumento
da massa muscular, o crescimento do consumo A influência da carga de treinamento sobre o
máximo de oxigênio, etc. organismo não se restringe ao tempo de execução
do exercício, mas abrange também o período de
2 - Aperfeiçoamento da capacidade
recuperação após o trabalho muscular. De acordo
coordenativa dos movimentos.
com Gomes (2009) o efeito do treinamento pode ser
3 - Aperfeiçoamento dos mecanismos entendido como:
de regulação que asseguram a atividade de
- Imediato: caracterizado pelas alterações
que ocorrem no organismo durante a aplicação

8
Periodização

do estímulo do exercício ou imediatamente após


a sua conclusão. Muitas vezes o efeito imediato
é também denominado como efeito agudo. As
adaptações funcionais do organismo a longo
prazo ocorrem de acordo com os processos de
adaptação imediata (aguda) e o desenvolvimento
dos processos de fadiga.

- Efeito posterior: caracterizado pelas


alterações no organismo durante o período
de recuperação até a próxima sessão de
treinamento. As adaptações ao treinamento
dependem diretamente da qualidade dos
processos de recuperação pós-treino.
Gráfico 4 – Efeito sumário e acumulativo da adaptação. Fonte: adaptado
de Gomes (2009).
- Efeito somatório: representa o resultado
dos efeitos de várias cargas de treinamento.
As alterações funcionais no organismo são 2.2 Carga de treinamento
determinadas pela interação dos efeitos de
diferentes cargas aplicadas. Entendermos o conceito de carga de treinamento
representa um importante passo quando tratamos da
- Efeito acumulativo: é o resultado da soma prescrição do exercício e organização do treinamento
dos efeitos de alguns ciclos de treinamento e a longo prazo.
caracteriza-se pelas consideráveis reestruturações
de adaptação a longo prazo dos sistemas A definição de carga de treino mais utilizada na
funcionais. A eficiência do treinamento está literatura descreve-a como o resultado da relação
condicionada pela compreensão da essência da da quantidade de trabalho (volume) relacionado à
relação entre “carga e o efeito do treinamento”. qualidade (intensidade). Entretanto, outros autores
ainda classificam a carga de treino como a relação
inversa entre o potencial de treinamento e a condição
do indivíduo ou atleta. Ou seja, é a relação funcional
de adaptação que exerce o potencial de treinamento.

De forma geral, existem algumas regras que


norteiam o conceito de carga de treino. Essas regras
levam em consideração a carga em si, os processos
adaptativos e a elevação do rendimento:

a) Os processos de adaptação ocorrem apenas


quando atingimos intensidades ótimas durante as
sessões de treino além, é claro, de um volume
mínimo. Atualmente, existe uma tendência da
literatura para a qualidade de treinamento ao
invés da quantidade (mesmo para estágios iniciais
Gráfico 3 – Efeito imediato e posterior da adaptação. Fonte: adaptado de treinamento em sujeitos destreinados).
de Gomes (2009).

9
Periodização

b) A recuperação é fundamental para uma


boa adaptação. Esse é um pressuposto para
indivíduos interessados em qualidade de vida e
saúde. Devemos pensar ainda que há recuperação
entre as repetições, entre os exercícios e entre
as sessões de treino. No que tange à sessão de
treino, períodos de recuperação de 24 a 48 horas,
em geral, permitem uma boa recuperação ao
indivíduo, porém esses valores podem diferir de
acordo com a grandeza de carga utilizada.

c) Métodos de treino devem ser escolhidos de


acordo com os objetivos específicos do atleta ou
praticante. Aqui devemos considerar o foco do
indivíduo de acordo com suas necessidades e
características. Isso representa que para o idoso,
por exemplo, os métodos de treino escolhidos
(assim como os meios) deverão priorizar os
ganhos de força.

d) A adaptação do organismo sempre será


específica à carga utilizada. Isso quer dizer que, se
estimularmos o trabalho da resistência de força, Figura 1 – Estrutura da carga de treinamento. Fonte: adaptado de
Monteiro e Lopes (2009).
outras manifestações dessa capacidade (como a
força máxima) não irão evoluir no mesmo grau de
treinamento.
2.2.1 Natureza
e) Ao ajustar-se às exigências do meio, todo
organismo pode ter suas adaptações diminuídas A natureza da carga de treino engloba:
em decorrência da carga que recebe. Isso quer
- Especificidade
dizer que, dependo da quantidade de estímulo,
podemos gerar adaptação negativa a uma • Geral: envolve exercícios básicos que visam a
determinada capacidade física. adaptação inicial do indivíduo. As cargas gerais
exercem influência diversificada no organismo,
permitindo aumentos dos sistemas funcionais
Agora que estas regras foram estabelecidas, sem a aplicação de meios e métodos específicos
devemos entender a estrutura da carga de de preparação. Pode ter de dois a três meses de
treinamento. Abaixo podemos visualizar uma figura duração dentro do planejamento, dependendo
que divide didaticamente este conceito. da resposta do indivíduo.

• Especial: tem por intuito o desenvolvimento e


aprimoramento das condições físicas do atleta
ou praticante. As cargas de caráter especial
visam o objetivo primário do indivíduo e devem
ser aplicadas apenas após a fase geral.

10
Periodização

• Competitiva: aplicadas apenas para atletas de A sessão de treinamento personalizado tem 60


rendimento, pois representam a reconstituição minutos (isso representa o volume). Esses 60 minutos
do clima competitivo (que normalmente utiliza serão divididos em:
cargas máximas). Podemos citar as simulações
de jogos ou amistosos como exemplo de cargas • 10’ para resistência aeróbia como parte do
competitivas. aquecimento;

• 30’ para força dinâmica voltada para hipertrofia;

- Potencial de treinamento: • 20’ de flexibilidade como volta à calma.

“Quanto mais treinado for o indivíduo, menos Dessa forma, 10’ para resistência, 30’ para a força
treinável ele é.” Ou seja, quanto maior o potencial e 20’ para a flexibilidade representam a duração de
de treinamento, mais evolução há em relação às cada estímulo. Se somarmos as durações, teremos
melhoras da aptidão física. então o volume.

No caso do iniciante percebemos que há um - Volume: o volume pode ser representado pelo
grande potencial para a evolução (alto potencial de número de movimentos, quilômetros percorridos,
treinamento) enquanto para o avançado a evolução números de séries X número de repetições X carga
será lenta, uma vez que ele já possui boas adaptações levantada, tempo transcorrido etc. O volume de
em relação às cargas de treino (baixo potencial de treino deve ser considerado para que possamos ter
treinamento). o bom desenvolvimento de algumas capacidades
físicas já citadas.

2.2.2 Componentes - Frequência: a frequência se refere ao número


de unidades de treinamento em um determinado
São partes dos componentes do treino:
período que, geralmente, ocorre em uma semana ou
- Intensidade: pode ser mensurada através de microciclo. A frequência semanal que se treina uma
várias formas (frequência cardíaca, percentual de determinada capacidade física define a importância
carga, velocidade de corrida etc.). Além disso, a que é dada para tal. Tipicamente, quanto maior é o
intensidade pode ser mensurada pelas escalas de volume de trabalho em uma sessão de treinamento,
percepção subjetivas de esforço. Se tivéssemos que menor é sua frequência semanal. Além disso, o nível
escolher uma palavra sinônima para intensidade, essa de condicionamento do indivíduo determinará a
palavra seria qualidade. Ela é bastante específica e, frequência em função dos objetivos do programa de
por isso, na escolha dos critérios de intensidade treinamento.
devemos levar em consideração as particularidades e
- Densidade: a densidade pode ser entendida como
necessidades do praticante. A intensidade está ainda
o produto entre o estímulo e o tempo de recuperação
relacionada, do ponto de vista fisiológico, à liberação
entre esses estímulos. Para indivíduos iniciantes
de energia por unidade de tempo ou trabalho
utilizamos, por exemplo, tempos de recuperação
realizado por unidade de tempo.
maiores do que os aplicados a indivíduos avançados.
- Duração: é parte do volume de treino. Em uma Os intervalos de recuperação podem, ainda, ser
mesma sessão de treino podemos trabalhar exercícios divididos em:
que visam mais a resistência, a flexibilidade ou a força.
I - Rígidos: são intervalos bastante curtos
Neste caso, cada um deles terá diferentes durações
com duração média de 30 a 45 segundos. Este
dentro da sessão de treino. Para entendermos melhor
tipo de intervalo é mais bem aplicado em sessões
esse conceito imagine o seguinte:
com objetivo de aumentar a resistência de força

11
Periodização

ou a resistência aeróbia. Neste tipo de intervalo resistência e flexibilidade. Para indivíduos iniciantes
o volume deve predominar sobre a intensidade. recomenda-se o trabalho de cargas complexas
visando o desenvolvimento global do indivíduo.
II - Parciais: os intervalos parciais trabalham
com tempos entre um e dois minutos de
recuperação. São utilizados em exercícios 2.2.4 Grandeza da carga
que envolvam a força dinâmica com intuito
de hipertrofia e a resistência anaeróbia. A A grandeza da carga representa a relação entre a
utilização deste intervalo permite trabalhos de aplicação do exercício e as respostas do organismo.
maior intensidade concomitantes a um volume Platonov (2008) caracterizou a grandeza da carga em
moderado. quatro componentes:

III - Completos: os intervalos completos • Pequena (15-20% do volume): acelera os


giram em torno de 3 a 5 minutos de repouso. processos de recuperação.
Estes intervalos são bastante utilizados no
• Média (40-60% do volume): mantém o nível de
treinamento esportivo de alto rendimento com
condicionamento.
intuito de melhora da força máxima e velocidade.
• Importante (60-80% do volume): estabilização
e aumento do nível de treinamento.
Em relação às características dos intervalos de
recuperação temos: • Grande (80-100% do volume, fadiga evidente):
incremento significativo do nível de treinamento.
• Pausas passivas: definidas por não utilizar
qualquer tipo de exercício durante os trabalhos
intervalados (intermitentes). Este tipo de pausa 3 Recuperação do treinamento
deve ser utilizado quando o objetivo é acelerar
o processo de recuperação do sistema ATP-CP. Os aspectos bioquímicos, fisiológicos e psicológicos
do treinamento físico têm sido bem estudados na
• Pausas ativas: definidas pela utilização de literatura. Entretanto, o treinamento é o tema central
exercícios de baixa intensidade durante os da maioria dos estudos, enquanto as adaptações
trabalhos intervalados/intermitentes. Permitem do organismo que conduzem ao incremento do
acelerar o processo de remoção do lactato desempenho ocorrem durante a recuperação. O
entre os estímulos anaeróbios láticos. Para isso, processo de recuperação, sem dúvida, representa
recomenda-se que o estímulo de recuperação a parte do ciclo de adaptação ao exercício menos
fique em torno de 50% do VO2máx. conhecida. Em uma perspectiva prática, a
recuperação representa a habilidade do organismo
em restabelecer ou mesmo elevar os indicadores de
2.2.3 Orientação
desempenho em uma atividade específica.
A orientação da carga pode ter dois
- Recuperação imediata:
direcionamentos:
Esse processo ocorre em curtíssimo espaço de
I - Seletiva: quando temos por intuito somente um
tempo em relação ao esforço. Um bom exemplo de
objetivo dentro da sessão de exercícios. Exemplo:
recuperação imediata ocorre durante uma caminhada,
trabalhar apenas a força.
onde uma perna está em recuperação imediata a
II - Complexa: quando trabalhamos com mais de cada passada.
um objetivo na sessão. Por exemplo: trabalhar a força,

12
Periodização

- Recuperação a curto prazo:

Este tipo de recuperação é o mais estudado O processo de recuperação do treinamento


na ciência do exercício e representa o período de suporta o processo de adaptação a longo prazo
intervalo entre os esforços. Por exemplo, encontramos com elevação do rendimento atlético. No gráfico
a recuperação imediata no intervalo entre as séries 5 encontramos a representação hipotética de um
do treinamento com pesos ou no treinamento de indivíduo intermediário engajado em programa de
velocidade. treinamento físico sem objetivo de competição.

- Recuperação do treinamento: Conforme apresentado, o indivíduo treina em um


determinado nível de estresse na sessão (reação de
Esse tipo de recuperação ocorre entre as sessões alarme), e então recupera totalmente seu potencial
sucessivas de treinamento ou competições. em algumas horas após a sessão de treinamento.

Gráfico 5 – Exemplo hipotético de recuperação de um atleta amador ou praticante intermediário de treinamento com pesos. Fonte: adaptado de
Bishop et al. (2008).

Em outro exemplo, o gráfico 6 mostra que a recuperação ocorreu imediatamente após o período de
24h entre as sessões, devido ao alto volume ou intensidade empregado no treino. Esse fenômeno pode
explicar, ao menos em parte, o platô ou estagnação dos níveis de desempenho comumente encontrado entre
praticantes avançados e atletas.

Gráfico 6 – Exemplo hipotético de recuperação de um atleta ou praticante avançado de treinamento com pesos. Fonte: adaptado de Bishop et al.
(2008).

13
Periodização

O gráfico 7 mostra o processo hipotético de recuperação quando o atleta entra na reação de exaustão da
síndrome geral de adaptação. Neste caso a recuperação é incompleta, e as sucessivas sessões de treinamento
são iniciadas em sub-recuperação. Se o treinamento prosseguir nestas condições, é possível que o atleta
desenvolva a síndrome do sobretreinamento.

Gráfico 7 – Exemplo hipotético de recuperação incompleta no treinamento de um atleta ou praticante avançado de treinamento com pesos. A linha
reta exemplifica um processo de sub-recuperação entre as sessões de treinamento, ou seja, um efeito negativo sobre os marcadores de desempenho.
Fonte: adaptado de Bishop et al. (2008).

Um bom entendimento do processo de fadiga entre os voluntários (princípio da individualidade


induzida pelo exercício é essencial para a otimização biológica) para os resultados. Entretanto, nenhum
da recuperação do treinamento. A recuperação da dos participantes foi capaz de realizar a mesma
função muscular é essencialmente uma questão sessão de treinamento após 24 horas, sugerindo
de reverter as principais causas de fadiga e reparo um estado de recuperação incompleta. Após 48
do dano muscular induzido pelo exercício. Uma vez horas de recuperação, 40% dos voluntários estavam
que as causas da fadiga são variadas, dependendo recuperados e realizaram o mesmo protocolo, e em
da natureza do exercício, haverá diversos processos 72 e 96 horas 80% dos voluntários apresentavam
envolvidos na restruturação da homeostase muscular. recuperação completa.

Sayers e Clarkson (2001) estudaram a recuperação


durante algumas horas após uma sessão de 3.1 Ciclo de supercompensação
treinamento envolvendo 50 ações musculares
excêntricas. A força muscular determinada pelo teste A recuperação deve ser encarada como um
de contração voluntaria máxima não foi totalmente processo multifatorial que depende de fatores
restabelecida 132 horas após o exercício. intrínsecos e extrínsecos aos aspectos metabólicos,
neurais, sistêmicos e periféricos.
McLester et al. (2003) investigaram a recuperação
após o treinamento com pesos utilizando indivíduos Quando o indivíduo inicia uma sessão de exercício,
treinados. A sessão de treinamento incluiu 3x10 RM uma série de estímulos perturba o organismo,
em 8 exercícios até a exaustão (falha muscular). A principalmente pela depleção dos estoques
recuperação muscular foi avaliada pelo número de energéticos. O aumento da percepção de fadiga
repetições executados após 24, 48, 72 ou 96 horas reduzirá a capacidade funcional do indivíduo se o
de recuperação para os mesmos exercícios. Conforme estímulo não for interrompido. A queda abrupta da
esperado, houve uma importante variabilidade homeostase (gráfico 8) representa a rápida elevação

14
Periodização

dos níveis de fadiga. Após o término da sessão de IV - Destreinamento: se o organismo não é


treinamento, o organismo repõe os estoques de submetido a um novo estímulo do exercício no
energia durante a etapa de recuperação. O retorno momento ideal (durante a fase de supercompensação),
da curva de desempenho na direção do estado inicial então ocorre a regressão das adaptações.
é um processo lento, progressivo e dependente do
tipo do tecido biológico.

No caso dos níveis de energia, a supercompensação


dos estoques de glicogênio ocorre após algumas horas
do exercício. Toda vez que ocorrer uma resposta de
supercompensação, o indivíduo estabelece um novo
e elevado nível de homeostase. Devemos considerar
o fenômeno da supercompensação como a base
para a elevação funcional do desempenho. Se o
período de tempo entre as sessões de treinamento
for muito longo, a supercompensação pode falhar, Gráfico 9 – Ciclo de supercompensação. Fonte: adaptado de Platonov
levando à involução ou estagnação das adaptações (2008).

no treinamento.
O gráfico 10 representa uma relação hipotética
entre o tempo de recuperação necessário para
induzir a supercompensação em função da grandeza
da carga aplicada no microciclo.

Gráfico 8 – Ciclo de supercompensação. A linha exemplifica os marcadores


de desempenho. Fonte: adaptado de Prestes et al. (2010).

O ciclo de supercompensação apresenta as


seguintes etapas (Gráfico 9):

I - Aplicação do estímulo: ocorre depleção das


Gráfico 10 – Efeito das sessões de treinamento de carga recuperativa,
reservas energéticas e percepção de fadiga com
estabilizadora, ordinária e choque. Fonte: adaptado de Platonov (2008).
redução do desempenho físico.
Na montagem da periodização para praticantes do
II - Recuperação após a sessão de treinamento:
treinamento com pesos, deve-se incluir a importante
ocorre restabelecimento das reservas de energia e
fase da recuperação, que envolve microciclos de baixo
retorno da capacidade funcional.
volume ou intensidade reduzida, proporcionando a
III - Supercompensação: o organismo excede os recuperação orgânica geral. Não devemos esquecer
estoques de energia acompanhados de incremento que o planejamento do microciclo de recuperação é
dos níveis de desempenho. baseado na frequência de treinamento do praticante.
Dessa maneira, devemos incluir microciclos

15
Periodização

recuperativos para praticantes regulares e engajados em programas de treinamento intensos. Kraemer e


Fleck (2009) recomendam um microciclo de recuperação para cada 12 semanas de treinamento.

A periodização divide a temporada em ciclos e a interpretação a curto, médio e longo prazo da aplicação da
carga é fundamental para a análise dos efeitos do treinamento. Se a carga de treinamento é adequadamente
estruturada (volume, frequência, intensidade e intervalo de recuperação) e se a próxima sessão de trabalho
coincide com a fase de supercompensação, a condição física do indivíduo aumenta. O gráfico 11 apresenta
diferentes comportamentos da resposta do organismo em relação à aplicação da carga de treinamento.

Gráfico 11 – Resposta do organismo às cargas de treinamento. Fonte: adaptado de Platonov (2008).

16
Periodização

4 Organização e estruturação do ciclo


anual de treinamento
O rendimento esportivo do atleta ou a magnitude
de resposta adaptativa do praticante de exercícios
voltados para a saúde e estética depende, em grande
parte, da distribuição das cargas de treinamento no
ciclo anual. O efeito acumulado das cargas propicia
adaptação funcional no organismo proporcional aos
objetivos do treinamento.

Estruturar a preparação de um atleta ou praticante


avançado de exercício é uma tarefa muito difícil a
ser resolvida pelo professor ou treinador. Selecionar
os conteúdos do treinamento, bem como controlar a Gráfico 12 – Divisão do macrociclo de treinamento. Fonte: adaptado de
Monteiro e Lopes (2009).
influência dos diversos tipos de carga no organismo
do praticante ou atleta, representa um importante
Conforme sugerido por Monteiro (2011), na
desafio para as ciências envolvidas no treinamento
metodologia específica do treinamento personalizado
desportivo.
entendemos que seria coerente utilizar um período
A periodização possui determinados níveis de preparatório, um de manutenção e um transitório.
organização. Podemos organizar a carga de trabalho Nesse caso, o período de manutenção pode ser
por uma semana, um mês, um período de meses aplicado quando os resultados são alcançados e os
ou anos. Os ciclos de treinamento caracterizam um objetivos passam a ser de estabilização dos níveis de
ritmo determinado de estímulos e recuperação, isto aptidão física.
é, verifica-se um aumento progressivo da carga até
Podemos estruturar o macrociclo somente
atingir os valores ótimos, seguido de uma fase de
utilizando os períodos preparatório e transitório.
redução do trabalho muscular total para proporcionar
Isso deve ocorrer quando a duração do macrociclo
ao organismo um período adequado de recuperação.
é insuficiente para atingir os valores desejados com
relação a um determinado nível de adaptação.

4.1 Macrociclo
O macrociclo (do ponto de vista estrutural)
representa o período de adaptação do organismo ao
treinamento. O conteúdo, a organização e a duração
do macrociclo dependem basicamente do calendário
disponível e do tempo necessário para mobilização
da reserva adaptativa do organismo do atleta ou
praticante. O macrociclo é constituído pelo período
Gráfico 13 – Divisão do macrociclo no treinamento personalizado. Fonte:
preparatório, período competitivo e período transitório. adaptado de Monteiro (2011).

17
Periodização

Atualmente o macrociclo tem duração de 12 a 20 A estruturação do macrociclo de treinamento


semanas. Dessa maneira, podemos encontrar dois desportivo deve variar de acordo com a modalidade
ou três macrociclos durante um ano de treinamento. esportiva. As modalidades coletivas (como handebol
Podemos classificar o tipo de periodização por meio e basquetebol) apresentam um período preparatório
do número de macrociclos dentro de um ano de mais curto e um período competitivo longo. Nesse
treinamento: caso, os marcadores de desempenho ainda sofrem
• Periodização simples: 1 macrociclo por ano aumento durante o período competitivo, devido à
ausência de tempo disponível no período preparatório.
• Periodização dupla: 2 macrociclos por ano
• Periodização tripla: 3 macrociclos por ano As curvas de volume e intensidade variam de
• Periodização múltipla: mais que 3 macrociclos acordo com o período e as etapas de treinamento.
por ano O período preparatório é dividido em etapa geral
e especial. Durante a etapa geral o volume é
aumentado acentuadamente enquanto a intensidade
é aumentada de forma bem mais paulatina. Durante
a etapa especial o volume é reduzido e a intensidade
é aumentada de maneira acentuada. É esperado
que os marcadores de desempenho aumentem de
maneira proporcional ao incremento da intensidade
de treinamento.

Para atletas em formação sugere-se que o volume


de treinamento permaneça alto durante todo o
período preparatório (geral e especial), com redução
apenas no período competitivo e transitório.

Gráfico 14 – Divisão do macrociclo de treinamento em forma de


periodização dupla. Fonte: adaptado de Monteiro e Lopes (2009).

Gráfico 16 – Periodização simples para atletas em formação. Fonte:


adaptado de Monteiro e Lopes (2009).

Para atletas bem treinados tem sido sugerido um


ajuste nas curvas de volume e intensidade: aumentos
significativos no volume e na intensidade durante a
etapa geral, seguido por mínima redução, ou mesmo
manutenção do volume e aumento progressivo
da intensidade. Durante o período competitivo o
volume é reduzido, enquanto a intensidade continua
Gráfico 15 – Divisão do macrociclo de treinamento em forma de
periodização tripla. Fonte: adaptado de Monteiro e Lopes (2009). aumentando.

18
Periodização

Gráfico 17 – Periodização simples para atletas especializados. Fonte: adaptado de Monteiro e Lopes (2009).

- Período preparatório observar fadiga acentuada e comprometimento dos


valores de desempenho.
O período preparatório deve garantir o
desenvolvimento das capacidades determinantes e A preparação técnico-tática deve ficar em segundo
predominantes para o esporte e a solução de tarefas plano. Entretanto, devido à alta demanda competitiva
específicas do estado de preparação. No treinamento do esporte atual, e ao curto período disponível
personalizado os objetivos não são diferentes. para preparação, alguns preparadores físicos estão
Esse período é voltado para o incremento do nível optando por compor sessões de treinamento com
de aptidão física, o que inclui a força, resistência e aspectos físicos-técnicos. Essas sessões enfatizam
flexibilidade. Destacamos o período preparatório gestos técnicos e capacidades físicas adequadas para
geral e preparatório especial. aquele momento específico da temporada.

• Preparatório geral Durante a preparação geral a ênfase deve ser


dada ao volume de trabalho muscular, enquanto
Compreende o treinamento com alta ênfase a intensidade vai sendo aumentada ao longo dos
nos processo de adaptação biomotora geral. Neste microciclos de preparação.
período, observa-se ênfase na preparação física
voltada para desenvolver as capacidades gerais. • Preparatório específico (especial):
Estas capacidades servirão de alicerce para que o
atleta consiga suportar alto volume e intensidade O principal objetivo desse período é dar ênfase
do treinamento. Os exercícios de condicionamento adaptativa às capacidades específicas e determinantes
iniciam com intensidade relativamente baixa e alto para o desempenho da modalidade esportiva. Neste
volume de trabalho como: corrida de longa duração momento, devemos voltar às sessões de treinamento
(métodos contínuos), exercícios pliométricos de para o desenvolvimento das capacidades físicas que
baixa intensidade, treinamento com pesos voltado são determinantes nas ações motoras da modalidade.
para resistência de força (altas repetições).
Por exemplo, na modalidade handebol, durante
O alto volume deve promover alterações profundas o período preparatório específico devemos enfatizar
nos sistemas orgânicos, e dessa maneira, pode-se os treinos de velocidade, agilidade, força explosiva
e resistência anaeróbia. Do ponto de vista técnico-

19
Periodização

tático, o objetivo é a assimilação da técnica nas 4.2 Mesociclo


ações competitivas. Durante este período, a
intensidade deve ser priorizada ao invés do volume O mesociclo representa o elemento intermediário
de treinamento, principalmente, devido a grande da estrutura de preparação que inclui uma série de
atenção voltada para a recuperação para manter um ciclos menores (microciclos).
alto nível de concentração e motivação dos atletas.
O mesociclo geralmente é composto por um
período de 2-6 semanas, ou microciclos, onde
se aplica a organização e a dinâmica das cargas
- Período competitivo de treinamento dentro do macrociclo. A função
principal dos mesociclos é garantir a progressão
Durante o período competitivo o treinamento deve
contínua dos estímulos de treinamento, e devem
estar focado nos processos de aperfeiçoamento da
ser voltados para a resolução de tarefas específicas.
preparação desportiva. Os objetivos são:
A construção adequada dos mesociclos leva em
• Manutenção das adaptações obtidas no período consideração dois grandes aspectos: inicialmente,
de preparação. o calendário competitivo ou o apresentado pelo
indivíduo (na hipótese de um cliente de treinamento
• A carga de treinamento deve ter o volume personalizado), e então define-se os objetivos de
reduzido, mas com a manutenção da cada etapa do treinamento.
intensidade.
É esperado que o atleta ou praticante inicie
A preparação física está fortemente inserida no um novo mesociclo sempre em ótimo estado de
trabalho técnico-tático e apresenta-se com caráter recuperação. Isso pode ser acessado por meio de
de manutenção dos níveis adquiridos. avaliações físicas e de desempenho ao final de cada
mesociclo.

Podemos classificar os mesociclos de acordo com


- Período transitório
(Gomes, 2009):
Esta etapa da temporada contribui para os
• a principal tarefa a ser resolvida pelo mesociclo
processos de recuperação completa do potencial
no sistema de preparação;
adaptativo do organismo e serve como elo de
conexão entre os macrociclos. A recuperação do • o momento do mesociclo na estrutura do
atleta deve ocorrer ao nível físico, técnico, tático e macrociclo;
psicológico. Os microciclos de treinamento adquirem
caráter de descanso ativo ou passivo para propiciar • a composição dos meios e métodos de
baixa incidência de dano muscular, o que promove a treinamento aplicados;
regeneração tecidual e elevação da síntese proteica.
• os tipos de microciclos que compõem o
Geralmente o período transitório é organizado conteúdo predominante do mesociclo
de 2-4 semanas, a fim de proporcionar recuperação estabelecido;
das reservas energéticas. Possivelmente, o critério
• a grandeza da carga e sua dinâmica no
principal da determinação da duração do período
mesociclo.
transitório deve ser o calendário desportivo ou o grau
de estresse dos períodos anteriores.

20
Periodização

As ênfases no treinamento das capacidades físicas distribuição das cargas de treinamento no mesociclo
dentro do mesociclo podem ser atribuídas da seguinte de desenvolvimento pode ocorrer em uma dinâmica
maneira, de acordo com Ide et al. (2010): crescente ou decrescente, oscilatória e horizontal.

• Alta ênfase adaptativa: +++

• Média ênfase adaptativa: ++

• Manutenção ou baixa ênfase adaptativa: +

- Mesociclo de incorporação ou introdutório

Geralmente é utilizado para iniciar o período


Gráfico 19 – Mesociclo de desenvolvimento crescente/decrescente
preparatório no macrociclo. A sua principal tarefa
é assegurar a transição gradativa do organismo do
indivíduo do estado reduzido de treinamento (após
o período transitório) para o nível de treinamento
voltado para a elevação das capacidades físicas.
Tipicamente, o mesociclo de incorporação é
composto de 2-4 semanas de treinamento de baixa
intensidade com aumento gradual do volume da
carga de caráter geral.

Gráfico 20 – Mesociclo de desenvolvimento oscilatório

- Mesociclo estabilizador

O mesociclo estabilizador busca a assimilação das


modificações obtidas no mesociclo anterior, que são
asseguradas pela redução discreta ou estabilização
das cargas atingidas anteriormente. O mesociclo
estabilizador deve ser utilizado também para as fases
Gráfico 18 – Mesociclo de incorporação. Fonte: elaborado pelo professor. de manutenção dos níveis de aptidão ou quando a
disponibilidade para o treinamento é reduzida.

- Mesociclo de desenvolvimento

Representa a estrutura principal de organização


das influências de treinamento que visam a obtenção
do efeito acumulativo das cargas de trabalho. Na
verdade, é o mesociclo que busca a elevação o nível de
aptidão do indivíduo aos valores ótimos programados.
Para realização deste mesociclo utilizam-se cargas
elevadas quanto ao volume e intensidade para
promover modificações profundas no organismo. A Gráfico 21 – Mesociclo estabilizador

21
Periodização

- Mesociclo pré-competitivo - Mesociclo recuperativo

Destaca-se como um componente estrutural O mesociclo recuperativo tem como finalidade


que garante a preparação imediata do atleta para favorecer a recuperação do organismo, ou seja,
a competição principal do macrociclo. Os conteúdos as cargas são diminuídas e assim é propiciado um
deste mesociclo abrangem os meios voltados para estado de recuperação e uma possível capacidade
recuperação após a etapa anterior composta de de melhora dos resultados. Mesociclos inteiros com
cargas elevadas para obtenção da forma física, assim cargas recuperativas são recomendados apenas em
como a manutenção do estado de aptidão atingido. programas para atletas. O conteúdo neste mesociclo
O mesociclo pré-competitivo caracteriza-se pela deve promover um descanso ativo inespecífico
redução de carga de trabalho, onde os exercícios são através de volume baixo e intensidade reduzida.
de alta intensidade e alteram-se com recuperação
completa. Esta é uma forma eficaz de mensurar a
recuperação do treinamento, que em geral tem
duração de uma a quatro semanas.

Gráfico 24 – Mesociclo recuperativo

Gráfico 22 – Mesociclo pré-competitivo


4.3 Microciclos
Os microciclos representam estruturas de
organização de cargas ao longo de uma sequência
- Mesociclo competitivo
de sessões de treinamento. Possui geralmente
Representa a base do período competitivo. A 3-14 sessões de trabalho realizadas em 5-14 dias.
sua estrutura e seus conteúdos são determinados Encontramos os microciclos de 7 dias como os mais
pela especificidade da modalidade esportiva, pelo comuns, que, por coincidirem com o calendário
sistema de preparação competitiva, pelo calendário semanal, ajustam-se adequadamente à vida social
de competições e pelo nível de qualificação do atleta. dos indivíduos.

No planejamento dos microciclos devemos


discriminar o nível de solicitação de carga e conteúdos
por meio da distribuição das sessões de treinamento
em cada dia da semana, assim como descrever
detalhadamente a sequência dos procedimentos
metodológicos de cada sessão. A metodologia da
construção dos microciclos depende de uma série
de fatores. Está relacionada, em primeiro lugar,
com a particularidade dos processos de fadiga e
recuperação resultantes das cargas de diferentes
Gráfico 23 – Mesociclo competitivo

22
Periodização

orientações funcionais. Para construir os microciclos


corretamente, é necessário saber como as cargas –
de acordo com sua grandeza e orientação – atuam
sobre o organismo do indivíduo e qual é a dinâmica e
a duração dos processos de recuperação. Além disso,
entendemos a necessidade de compreensão do efeito
acumulativo das cargas a curto e médio prazo.

Os microciclos de treinamento devem indicar os


objetivos de preparação, assim como estabelecer
o grau de importância de cada capacidade física
Gráfico 25 – Microciclo de choque. Fonte: elaborado pelo professor.
treinada. O grau de importância de cada capacidade
física dentro do microciclo (ênfase adaptativa) pode
ser expresso da seguinte maneira:
- Microciclo ordinário
I - Alto grau de adaptação
Compreende cargas moderada-altas, por volta de
II - Médio grau de adaptação 60-80% da capacidade máxima apresentada pelo
indivíduo. Esse microciclo é a estrutura que visa o
III - Baixo grau de adaptação ou manutenção
incremento da aptidão, para diferentes objetivos,
O grau de importância ou ênfase do treinamento principalmente para o cliente do treinamento
sobre cada capacidade física ocorre pelo número personalizado.
de sessões que ela será treinada no microciclo em
questão. Os microciclos, conforme sua característica
e posicionamento no macrociclo, são classificados em
microciclos de treinamento, controle, pré-competitivo
e competitivo (Monteiro e Lopes, 2009).

- Microciclos de treinamento

Os microciclos de treinamento têm como objetivo


principal criar um efeito adaptativo somatório das
cargas, aumentando o nível de adaptação e aptidão
física. Podemos classificá-los de acordo com seu
conteúdo predominante. Gráfico 26 – Microciclo ordinário. Fonte: elaborado pelo professor.

- Microciclo de choque

Basicamente, o microciclo de choque é composto de - Microciclo estabilizador


cargas máximas ou próximas das máximas (por volta
O microciclo estabilizador deve ser aplicado
de 80-100%). Esse microciclo é bem empregado para
quando o objetivo for assimilar os níveis de aptidão
atletas de alto rendimento. O objetivo do microciclo
física, utilizando cargas moderadas (40-60% do
de choque é realizar a sessão de treinamento sob
máximo). Podemos aplicá-lo no início do macrociclo
fadiga residual ou sub-recuperação em progressão
ou após um período de aplicação de cargas de
de uma sessão para a outra.
elevado volume ou intensidade, onde as cargas
médias favorecem as adaptações.

23
Periodização

acompanhar o comportamento nas competições.


Quando o propósito for avaliar diferentes componentes
da aptidão física, recomenda-se distribuir os testes
ao longo do microciclo de forma que a aplicação de
um determinado teste não influencie o resultado do
outro. Segue um exemplo de microciclo de controle
no gráfico 29:

Gráfico 27 – Microciclo estabilizador. Fonte: elaborado pelo professor.

- Microciclo recuperativo

Esse microciclo tem como tarefa principal a


restauração completa dos sistemas. Utiliza-se
cargas predominantes entre 10-40% do máximo. Gráfico 29 – Microciclo de controle. Fonte: elaborado pelo professor.
Normalmente, os microciclos recuperativos são
planejados para atletas de alto rendimento, pois no
cliente do treinamento personalizado a frequência de
- Microciclo pré-competitivo
treinamento e as cargas de trabalho são inferiores.
O microciclo pré-competitivo é construído
em função da aproximação das competições no
calendário desportivo, sendo normalmente planejado
5 a 10 dias antes. Esse microciclo deve assegurar a
recuperação completa do organismo e a prontidão
competitiva do atleta. Para isso, devemos ajustar as
cargas de trabalho em função das particularidades de
cada atleta, evitando a aplicação de cargas próximas
às máximas.

Gráfico 28 – Microciclo recuperativo. Fonte: elaborado pelo professor.

- Microciclo de controle

O microciclo de controle envolve um processo de


avaliação do desempenho formado por testes ou
competições de controle. Geralmente, os microciclos
de controle são projetados para a conclusão de cada
etapa de treinamento e são destinados à avaliação Gráfico 30 – Microciclo pré-competitivo. Fonte: elaborado pelo professor.
da aptidão geral para conceber novas metas ou

24
Periodização

- Microciclo competitivo

O principal objetivo deste microciclo é sustentar no decorrer das competições a forma desportiva adquirida
no período preparatório. Os gráficos 31 e 32, abaixo, apresentam um microciclo competitivo com uma ou
duas competições, respectivamente.

Gráfico 31 – Microciclo competitivo com uma competição. Fonte: Gráfico 32 – Microciclo competitivo com duas competições. Fonte:
elaborado pelo professor. elaborado pelo professor.

A tabela abaixo apresenta um resumo da classificação e particularidades dos microciclos de acordo com
Monteiro e Lopes (2009):

Tabela 1 – Classificação dos microciclos

MICROCICLO CARGA CARACTERÍSTICAS PERÍODO


Choque 80 - 100% 2 a 5 sessões de choque no microciclo Preparatório
Ordinário 60 - 80% 2 a 6 sessões ordinárias no microciclo Preparatório
Estabilizador 40 - 60% Estabilizar as cargas após os microciclos de choque e ordinário Todos os períodos
Recuperativo 10 - 20% Recuperação após aplicação de cargas elevadas Todos os períodos
Controle Avalia a eficiência da preparação Todos os períodos
Pré-competitivo 5 a 10 dias antes da competição com Após a preparação
intensidade elevada e baixo volume
Competitivo Principais competições do calendário Competitivo
Fonte: adaptado de Monteiro e Lopes (2009).

Em resumo, a implementação planejada de mesociclos e microciclos dentro do macrociclo representa


a base para promover as alterações nas variáveis agudas de montagem de programa, especialmente a
intensidade e o volume de treinamento.

5 Modelo em bloco
Os modelos de periodização contemporâneos surgem a partir da necessidade de concepções específicas
a respeito de determinadas modalidades esportivas. As diferenças metabólicas, biomecânicas e a maior
demanda competitiva do desporto atual suportaram a necessidade do surgimento de novos modelos de
estruturação e organização o treinamento.

25
Periodização

Os modelos contemporâneos são caracterizados intensificação das cargas de treinamento e a


pela individualização, pela concentração das cargas máxima obtenção do desempenho funcional
de treinamento em um curto período do tempo e pela
tendência a um desenvolvimento consecutivo das • Capacidades de diferentes orientações
capacidades específicas. funcionais são distribuídas a em diferentes
etapas do ciclo de treinamento
Verkhoshansky não utiliza o termo periodização,
mas um sistema que abrange os conceitos de Em virtude dos atletas de elite apresentarem um
organização, programação e controle. Esse modelo nível de preparação especial extremamente alto, o
implica o emprego de um grande volume concentrado emprego de cargas complexas e não específicas pode
de preparação física especial aliado à redução da supor mudanças negativas nas funções fisiológicas
magnitude dos diferentes marcadores funcionais (efeitos concorrentes). Vale lembrar que esse
(desempenho), com o objetivo de provocar uma efeito concorrente não ocorre em atletas de nível
alteração profunda e prolongada na homeostase intermediário, devido à grande reserva de adaptação
do organismo. Na sequência, deve ser programado (treinabilidade).
um período de redução dos volumes de carga para
Como estratégia geral, pode-se destacar a
propiciar condições ótimas para que o organismo
necessidade de aplicação de cargas de direção
se recupere e, consequentemente, manifeste o
unilateral, em oposição ao princípio tradicional de
fenômeno EPDT (efeito posterior duradouro de
preparação global do atleta.
treinamento).
Siff e Verkhoshanski (2008) destacaram as
É importante observar que essa forma de adaptação
condições fundamentais de ocorrência do EPDT, para
compensatória decorrente da concentração da carga
atletas de alto rendimento:
de força, estruturada para desportistas de alto nível,
deve ser aplicada de maneira controlada, dando • Necessidade de uma etapa de força de alto
atenção para que a magnitude e a duração de volume concentrada em um espaço limitado
alteração negativa não ultrapassem os níveis ótimos. de tempo, de modo que garanta um efeito
profundo e específico sobre o organismo do
Abaixo encontramos algumas características do
atleta.
modelo proposto pelo autor:
• Quanto maior (entre limites ótimos) é a
• Utilização de cargas concentradas diferenciadas
redução dos níveis de força explosiva na etapa
em etapas definidas
de cargas concentradas de força, maior é o seu
• Grande volume de concentração de estímulos aumento no momento do EPDT.
de preparação especial
• Na utilização das cargas de força dirigidas à
• Homogeneidade de estímulos obtenção do EPDT, os meios de treinamento
(exercícios) não necessitam ter características
• Cargas de direção unilateral (expressões da excessivamente intensivas. A estratégia de
força) colocação das cargas concentradas de força
deve ter como base critérios racionais de
• Redução significativa dos indicadores de estabelecimento do volume, que por si já
desempenho, seguido por supercompensação representam uma intensificação dos estímulos
de treinamento. Por isso, não convém
• O rápido aumento da intensidade e a
aumentar a carga de trabalho por meio da
diminuição do volume de trabalho produzem a
elevação da intensidade.

26
Periodização

• A obtenção do EPDT da carga concentrada II - Concentração das cargas de treinamento de


de força decorre de um trabalho de mesma orientação funcional em um período de curta
desenvolvimento geral de moderado volume duração, conduzindo a redução do desempenho nas
combinado com um trabalho de característica capacidades treinadas durante o mesociclo (bloco).
específica e de intensidade gradualmente
III - O desenvolvimento das capacidades ocorre
crescente.
pela apresentação do efeito residual das cargas já
trabalhadas. Nesse momento, observamos o efeito
• A duração da manifestação do EPDT é
somatório e acumulativo das cargas de treinamento.
determinada pelo volume e pela duração da
carga concentrada de força. A princípio, a IV - O modelo baseia-se em trabalhos específicos
duração estável do EPDT é igual à duração da do ponto de vista biomecânico e metabólico, buscando
etapa de treinamento concentrado de força. adaptações especiais ao desporto.

Após a aplicação das cargas concentradas de


força de determinado volume, os atletas devem
receber um período adequado de recuperação. O macrociclo é dividido em blocos de treinamento:
Nesse momento, a recuperação é necessária para
• Bloco A:
permitir a manifestação do EPDT, uma vez que
o organismo do atleta foi submetido a condições Tipicamente ocorre em 12 semanas e se constitui
extremamente desfavoráveis, com predomínio das em cargas concentradas voltadas para o treinamento
reações catabólicas devido a sessões de treinamento da força especial (exercícios de salto, potência
realizadas em sub-recuperação. muscular e treinamento com pesos de cargas
mistas). Utiliza-se o maior volume de trabalho da
No período de manifestação do EPDT, o organismo
temporada com objetivo de desestabilizar os níveis
suporta as cargas de alta intensidade, porém reage
de desempenho da temporada anterior. Além disso,
negativamente a um treinamento de alto volume.
o bloco A deve criar condições necessárias para uma
O modelo em bloco foi construído pelo professor elevação do potencial competitivo na etapa posterior.
Yuri Verkhoshanky por meio do argumento de que o
• Bloco B:
treinamento desportivo deveria seguir as adaptações
biológicas e não pedagógicas. Esse modelo baseia-se A concentração das cargas de treinamento ocorre
em um sistema em que se definem os conceitos de em direção do treinamento de velocidade esportiva.
programação, organização e controle. Classicamente, o bloco B se apresenta com duração
de 8 a 12 semanas, com redução progressiva do
A programação consiste em uma primeira
volume de treinamento. As cargas de trabalho
determinação da estratégia do conteúdo e da
assumem caráter competitivo.
forma de construção do processo de treinamento.
A organização é a realização prática do programa, • Bloco C:
levando em conta as condições concretas e os objetivos
reais do atleta. Por fim, o controle representa um Abrange o período de competição. O volume de
seguimento do processo de treinamento, com base treinamento nesta fase é significativamente baixo,
nos critérios estabelecidos previamente. Podemos priorizando os mecanismos de recuperação das
dividir o modelo em bloco em quatro etapas: reservas energéticas e psicológicas do atleta. O
treinamento físico é voltado para manutenção do
I - Individualizacão das cargas de trabalho desempenho. Por exemplo, o treinamento físico é
justificada pelas diferenças fisiológicas de adaptações.
inserido em sessões de treinamento com caráter
técnico-tático.

27
Periodização

• Possíveis desvantagens
• Pode promover o destreinamento das
capacidades físicas treinadas inicialmente
• Representa um modelo de difícil aplicação
em modalidades esportivas complexas
(esportes coletivos)
• Promove grande estresse no mesmo
sistema, o que pode inviabilizar a
recuperação de cargas sucessivas
Gráfico 33 – Representação gráfica do modelo simples da periodização • O modelo original proposto por
em bloco. Fonte: adaptado de Verkhoshansky e Siff (2009).
Verkhoshanky é muito longo, podendo
não haver tempo hábil para aplicação dos
blocos. Nesse caso, seria necessária uma
Em geral, a ordem de treinamento das capacidades adaptação do modelo para a realidade
físicas no treinamento com o modelo em bloco ocorre competitiva atual: reduzir o tempo das
da seguinte maneira: etapas e priorizar as capacidades físicas
determinantes.
• Força geral

• Resistência de força
6 Periodização do treinamento de
• Potência muscular e velocidade resistência
• Potência específica e tática O objetivo central dos programas de treinamento
de resistência bem planejados é auxiliar o
Segundo Ide et al. (2010, p. 197), as vantagens e atleta ou praticante a obter as adaptações
desvantagens do modelo em bloco são: fisiológicas necessárias por meio do treinamento
e recuperação, além de ajudá-lo a alcançar o pico
• Principais vantagens de desempenho para a competição. Os programas
• Permite maior controle das cargas de bem desenhados e planejados reduzem o risco de
treinamento lesão musculoesquelética e proporcionam períodos
adequados de recuperação, evitando o aparecimento
• Caracteriza-se por sessões de treinamento
da síndrome de sobretreinamento. Podemos
específico
elaborar um programa de treinamento de resistência
• Permite maior individualização do periodizado percorrendo quatro etapas:
treinamento
I - Coletar informações
• Evita concorrência do processo de
adaptação entre capacidades físicas, II - Focar nos componentes iniciais da planificação
principalmente força e resistência III - Examinar o programa de treinamento em
detalhes
• Permite a recuperação do atleta no bloco B,
pois o volume de trabalho é reduzido, com IV - Planejar a periodização de cada ciclo
manutenção simultânea da intensidade
A coleta de informações inclui a organização das
(efeito de polimento – taper)
competições pelo estabelecimento de prioridades
e objetivos a curto, médio e longo prazo. Esta
etapa também inclui a determinação do estado

28
Periodização

de treinamento do indivíduo, histórico de lesões, deve ao acúmulo crescente das cargas de trabalho
desequilíbrios musculares, indicadores fisiológicos e no mesociclo. Portanto, uma semana de recuperação
bioquímicos de desempenho e o tempo real disponível é necessária para promover a supercompensação e
para o treinamento. manifestar o efeito acumulativo do treinamento.

A segunda etapa é voltada para a seleção do tipo


e da frequência das sessões de treinamento de alta
qualidade de esforço, o tempo e o tipo de recuperação
entre as sessões e a taxa de progressão da carga de
treinamento.

Na terceira etapa inicia-se o processo de


planejamento do treinamento em detalhes. Isto Gráfico 33 – Progressão das cargas de treinamento de resistência de
acordo com o modelo clássico Fonte: adaptado de Reuter (2012).
inclui os meios, métodos e técnicas específicas para
cada fase específica dos mesociclos e microciclos de
Atletas amadores ou competitivos de elite investem
treinamento.
tempo e esforço durante várias semanas e meses do
A última etapa inclui o planejamento de cada período preparatório para elevar ao máximo seu nível
ciclo da periodização. Seguindo o modelo tradicional de desempenho. Entretanto, para obter o sucesso
de periodização, o período preparatório é realizado competitivo o desafio é muitas vezes a planificação
entre 12 a 16 semanas, o que permite ao atleta ou do período de polimento ou taper.
praticante construir uma base sólida no treinamento
O polimento pode ser definido de várias maneiras,
das capacidades de resistência aeróbia, força e
mas de forma geral se refere à redução progressiva
flexibilidade necessárias para a progressão do
da sobrecarga de treinamento. Esta redução de
treinamento nas fases subsequentes.
sobrecarga é destinada para diminuir os estressores
No período pré-competitivo, a estrutura do físicos e psicológicos do treinamento empregados
treinamento e a dinâmica das cargas devem estar durante as etapas anteriores.
voltadas para o desenvolvimento da velocidade,
A principal variável de carga de treinamento a ser
potência, economia de movimento e resistência
considerada no polimento é a intensidade. Nesse
específica da prova. Normalmente, a duração desta
caso, a intensidade deve ser mantida durante a etapa
fase pode variar entre 2 a 8 semanas.
de polimento para evitar a redução da qualidade ou
O gráfico 33 apresenta um exemplo da construção força do estímulo, o que, invariavelmente, conduzirá
do volume e intensidade dentro de um modelo ao destreinamento. Por outro lado, a frequência de
tradicional de progressão das cargas. O exemplo treinamento deve ser mantida por volta dos 80% em
abaixo representa um mesociclo com cargas relação ao período preparatório, e o volume deve ser
crescentes de 3 semanas que deve ser seguido de reduzido em torno de 60 a 90%.
uma semana de recuperação.
A duração do polimento requer um planejamento
Esta estratégia pode ser bem aplicada em atletas detalhado, pois a duração deve variar conforme a
ou praticantes intermediários que apresentam modalidade, tipo de prova de resistência, a duração
menos de cinco anos de treinamento de resistência. do período preparatório e o nível de treinamento
Conforme esperado, este método conduz a uma do atleta ou praticante. Tipicamente, aplica-se o
elevada fadiga no final da terceira semana, isto se polimento em um período de 4 a 28 dias.

29
Periodização

6.1 Programa de treinamento para corrida de 5km


O programa de treinamento a seguir (quadro 1) busca desenvolver as capacidades físicas envolvidas no
desempenho de uma corrida de 5 km durante um macrociclo de 18 semanas. Neste exemplo, as primeiras
6 semanas são de dedicadas a desenvolver a resistência aeróbica geral (base). Nas primeiras 3 semanas,
o atleta ou praticante deverá treinar com frequência mínima de 4 vezes por semana, em intensidade leve-
moderada. A duração recomendada para cada sessão de treinamento é de 30 minutos, realizada através do
método contínuo-constante. A duração e a intensidade do esforço nas sessões de treinamento deste período
dependerão do nível de condicionamento do indivíduo.

Nas últimas 3 semanas do período preparatório geral, a frequência de treinamento semanal deverá
aumentar para 5-6 dias, enquanto exercícios de técnica de corrida deverão ser incorporados em 2-3 sessões
por semana. Neste período, uma sessão de treinamento semanal deverá incluir uma corrida de longa duração
em baixa intensidade, sendo que o volume da sessão deverá ser por volta de 25% da distância total do
microciclo.

No período de treinamento entre a semana 7 a 12 devemos considerar a etapa de desenvolvimento


(construção), onde a intensidade do estímulo deve ser elevada. A distância percorrida (volume) também é
aumentada respeitando o limite de 10% a cada 3 semanas. Neste momento, a recuperação no treinamento
torna-se muito importante. Portanto, as corridas leves e os métodos passivos de recuperação devem ser
enfatizados.

No treinamento das últimas 5 semanas (13 a 18), a intensidade do estímulo deve ser aumentada
suavemente pela ênfase do trabalho no limiar de ritmo de corrida e pelo treinamento intervalado de longa
duração.

Quadro 1 – Exemplo de treinamento para corrida de 5km

Período Semana Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3


Base 1a6 Desenvolver a resistência aeróbia em intensidade leve-moderada 3-6 vezes/semana
Fartlek:
2 min. vigoroso
3x400m em velocidade de 5km
1 min. moderado
com 400m recuperação ativa; 3-6 x 3-5min. de corrida em
7 1 min. vigoroso
4-6x200m em intensidade vigorosa aclive com recuperação ativa 30 seg. moderado
com 200m recuperação ativa 30 seg. vigoroso
2 min. recuperação ativa
Repetir até totalizar 5km
4-6 x 400m em velocidade de 5km
Desenvolvimento com 400m recuperação ativa; Corrida contínua 30 Corrida longa: intensidade
8 min. em intensidade moderada para distância
5-8 x 200m em intensidade vigorosa moderada-vigorosa superior a 10km
com 200m recuperação ativa
Intensidade próxima à máxima: 3-6 x 1,5 km em intensidade
vigorosa com 2 min. de
2-4x 200m – 200m recuperação ativa 4-6 x 3 min. em ritmo de
recuperação ativa;
9 1-2x 400m – 400m recuperação ativa corrida para 5km com 3
1x 800m – 400m recuperação ativa 3-6x 6-8 min. em intensidade min. de recuperação ativa
1-2x 400m – 400m recuperação ativa vigorosa com 2 min. de
2-4x 200m – 200m recuperação ativa recuperação ativa

30
Periodização

Período Semana Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3


Base 1a6 Desenvolver a resistência aeróbia em intensidade leve-moderada 3-6 vezes/semana
Corrida em intensidade
próxima à máxima – 2-4x: Corrida contínua 30 - 40 Corrida de longa
Recuperação 10 200m – 200m recuperação ativa min. em intensidade duração moderada com
400m – 400m recuperação ativa moderada-vigorosa duração de 50-60 min.
800m – 400m recuperação ativa
Fartlek:
Fartlek: 2 min. vigoroso
1 min. leve
5 km moderado
1 min. vigoroso
5-8x Corrida em aclive 1 min. em 3 min. leve
30 seg. leve
11 intensidade vigorosa, seguido de 3 km moderado
30 seg. vigoroso
recuperação ativa leve em declive 3 min. leve
2 min.
2 km moderado - vigoroso
Recuperação ativa
Recuperação ativa
Repetir até completar
a distância de 5km
Corrida em intensidade 20 min. em intensidade
próxima à máxima – 2-4x: moderada-vigorosa;
Corrida de longa
Desenvolvimento
12 200m – 200m recuperação ativa 5 min. leve; duração moderada com
400m – 400m recuperação ativa duração de 50-65 min.
Corrida em intensidade
800m – 400m recuperação ativa moderada-vigorosa
Fartlek:
2 min. vigoroso
Intervalado:
1 min. leve
4 min. vigoroso 1 min. vigoroso
3x 3km vigoroso com 2
13 3 min. leve-moderado 30 seg. leve
min. de recuperação ativa
30 seg. vigoroso
Repetir até completar a
2 min. leve
distância de 5km
Repetir até completar
a distância de 5km
Intervalado:
6-8x Corrida em aclive 5 min. moderado-
Recuperação 8-10x 400m em velocidade de 5km 1 min. em intensidade vigoroso com 2 min.
14
(baixo volume) com 400m recuperação ativa vigorosa, seguido de de recuperação ativa
recuperação ativa leve
Repetir até completar
a distância de 5km
20 min. em intensidade
moderada-vigorosa;
3-5x 200m – 200m recuperação ativa 2-4x 2,5km em intensidade
15 1x 400m – 400m recuperação ativa vigorosa com 2 min. de 5 min. leve
1x 800m – 400m recuperação ativa recuperação ativa
Corrida em intensidade
moderada-vigorosa
3x 1,5km vigoroso
12 min. vigoroso com recuperação
6-8x 400m vigoroso com 400m
16 3 min. leve referente à metade
Desenvolvimento de recuperação ativa;
12 min. vigoroso do tempo necessário
para percorrer 1,5km
1x 800m – 400m
Intervalado:
recuperação ativa
4 min. vigoroso com 3 min.
3-4x 10 min. vigoroso com 2x 400m – 400m
17 recuperação ativa;
2 min. recuperação ativa recuperação ativa
Repetir até completar a
4x 200 – 200m
distância de 5km
recuperação ativa

31
Periodização

Período Semana Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3


Base 1a6 Desenvolver a resistência aeróbia em intensidade leve-moderada 3-6 vezes/semana
Intervalo:
4 min. vigoroso com 3 min. 4-6x 400m em velocidade
Competição 18 recuperação ativa; de ritmo de corrida com PROVA
400m de recuperação ativa
Repetir até completar a
distância de 5km

Fonte: adaptado de Reuter (2012).

6.2 Periodização do treinamento com pesos para o desempenho de resistência


Tradicionalmente, os atletas de resistência são relutantes quanto ao treinamento de força como parte dos
programas de treinamento. Esta relutância é sustentada pela crença de que o treinamento com pesos resultará
em hipertrofia muscular substancial e ganho de massa corporal, os quais poderão afetar negativamente
o desempenho. Entretanto, recentes estudos refutam essa crença e oferecem argumentos sólidos para
aplicação do treinamento com pesos nos programas de treinamento de resistência.

O papel do treinamento de força para o desempenho de resistência ainda causa muita confusão. Nesse
caso, o objetivo é aumentar a força muscular sem comprometer as adaptações obtidas com as cargas de
resistência. Quando olhamos para os fatores que determinam o desempenho de resistência, vários deles
podem ser destacados como o consumo máximo de oxigênio, limiar de lactato e economia de movimento.
Abaixo, a figura 2 apresenta os efeitos do treinamento de força e de resistência sobre o desempenho.

Figura 2 – Influência do treinamento com pesos e de resistência sobre o desempenho de resistência. Fonte: adaptado de Reuter (2012).

32
Periodização

O treinamento de resistência aeróbica exerce Caso contrário, se o objetivo for elevar os


uma forte influência tanto na potência quanto na indicadores de desempenho para uma competição
capacidade aeróbica, mas não oferece estímulo para principal, o período a ser selecionado deverá ser o
o desenvolvimento das adaptações neuromusculares. de pico ou polimento. Quando o atleta ou praticante
Por outro lado, o treinamento de força representa um opta pelo pico ou polimento de desempenho em
potente estímulo para as adaptações neuromusculares uma determinada competição, o programa de
e metabolismo anaeróbio, enquanto oferece somente treinamento deve incluir de 40 a 60% de redução
efeito mínimo sobre o metabolismo aeróbico. de sobrecarga durante um período de 8 a 14 dias
antes da competição, permitindo a dissipação da
O papel do treinamento de força no incremento fadiga acumulada nos ciclos anteriores. A redução da
do desempenho de resistência é provavelmente sobrecarga de treinamento resultará em maximização
relacionado com adaptações ao nível fisiológico e do desempenho.
biomecânico. De acordo com o modelo tradicional
de periodização, muito utilizado por atletas e Sequência básica do treinamento de força:
treinadores de resistência, o desenvolvimento da
resistência de força deve ser programado no início Resistência de força Força máxima
do período preparatório como ferramenta para as Potência Pico ou manutenção
adaptações gerais (base). Nesta fase, o volume
de treinamento deve ser o mais elevado por até 4 A principal preocupação em adicionar o
semanas, geralmente. treinamento de força nos programas de treinamento
de atletas ou praticantes de resistência é a de integrar
A segunda fase dentro do período preparatório adequadamente os dois tipos de treinamento. Para
é a fase de força básica. Nesta etapa, o volume gerenciar os processos de fadiga, um cuidado
de treinamento é significativamente reduzido especial no planejamento deve ser tomado ao
e a intensidade aumentada proporcionalmente modular as cargas de treinamento de ambas as
durante um período de uma a 4 semanas. Embora orientações funcionais.
a construção do programa de treinamento de força
básica esteja voltada para o período preparatório, Quando o treinador optar por adicionar o
este mesmo protocolo deverá ser aplicado no treinamento de força no programa de treinamento
período pré-competitivo. O incremento da força de resistência, deverá ter em mente a necessidade
auxiliará no desenvolvimento da potência muscular de redução do volume de trabalho para acomodar a
nas fases subsequentes. carga adicional de trabalho. Por exemplo, durante o
período preparatório – onde o treinamento de força
Podemos incluir a fase de potência muscular no é voltado para o desenvolvimento da resistência de
treinamento de força durante o período competitivo. força, e, portanto, necessita de maior frequência de
Esta fase geralmente tem duração de uma a 4 treinamento – as cargas de resistência podem ser
semanas, e é marcada por uma redução acentuada reduzidas de 20 a 35%.
do volume de trabalho, seguido por aumento da
intensidade de estímulo. No período competitivo, por sua vez, o volume de
trabalho de resistência pode ser diminuído em somente
A próxima fase do treinamento depende da decisão 20 a 25%, devido ao menor volume e frequência do
do treinador em função do calendário competitivo. Se treinamento de força (sobrecarga total). Durante o
o atleta ou praticante possui um período competitivo pico ou polimento, parece ser mais adequado reduzir
que requer um alto nível de desempenho por um o volume de treinamento nas sessões individuais do
período prolongado, então o treinador deverá optar que reduzir a frequência de treinamento.
por um período de manutenção.

33
Periodização

Quadro 2 – Modelo de planejamento para o treinamento de força voltado para o desempenho de resistência

Fonte: adaptado de Reuter (2012).

7 Periodização do treinamento não variados, principalmente se


comparados a longo prazo. Programas de treinamento
treinamento com pesos não periodizados que utilizam cargas fixas, como
A periodização do treinamento com pesos pode ser muitas vezes observado em academias de ginástica,
definida como as variações planejadas das variáveis também promovem adaptações neuromusculares
agudas de montagem de programa em intervalos e na composição corporal. Porém, tais adaptações
de tempo regulares, cuja intenção é induzir ganhos se manifestam por períodos limitados (por volta de
ótimos das expressões da força muscular (Fleck, 4-5 meses). Desse modo, periodizar o treinamento
1999). Está bem esclarecido que os programas de por meio de alterações do volume e intensidade
treinamento periodizado apresentam adaptações (associando-o com períodos programados de
superiores quando comparados a modelos de recuperação muscular e psicológica) pode reduzir

34
Periodização

a estagnação dos resultados, o que diminui a refere normalmente a uma semana de treinamento.
probabilidade de sobretreinamento e potencializa os No entanto, de acordo com o formato do programa
ganhos de força, potência e hipertrofia muscular. podemos programar microciclos de 1-4 semanas.

A periodização do treinamento com pesos É importante chamar a atenção de que os


torna-se um ferramenta importante para facilitar e mesociclos estão dispostos ao longo do macrociclo
tornar mais eficaz a organização do programa de com objetivos definidos e voltados para resolução
treinamento. Cada fase específica e suas variáveis de tarefas específicas do treinamento. Dessa forma,
são adequadas para alcançar os objetivos propostos a duração de cada mesociclo deve variar conforme
em momentos planejados. Os resultados superiores o tempo necessário para atingir determinadas
com o treinamento periodizado parecem ocorrer adaptações no treinamento. Em resumo, para a
devido à melhor organização da variedade de organização das fases existe a necessidade da
métodos e sistemas de treinamento disponíveis e pela determinação do objetivo. Podemos incluir entre os
implementação estratégica das fases e das cargas objetivos de cada fase: resistência, força, hipertrofia,
de trabalho. Na verdade, periodizar o treinamento definição muscular, potência etc.
exige conhecimento teórico nos aspectos biológicos e
pedagógicos do treinamento físico, e não se trata em
somente selecionar as variáveis do treinamento com 7.1 Modelo tradicional (linear)
pesos de forma aleatória. A periodização deve ser
O modelo tradicional de periodização – também
construída sobre conceitos específicos da fisiologia do
chamado de linear – é caracterizado pelo alto volume
exercício, em respeito às adaptações do organismo
e baixa intensidade de treinamento na fase inicial de
aos ciclos programados de forma consciente.
preparação. Esse modelo caracteriza a progressão de
Os principais objetivos da periodização do cargas com redução gradual do volume e aumento da
treinamento com pesos incluem maximizar o princípio intensidade, aplicando ênfases para adaptações de
da sobrecarga e garantir uma melhor relação entre força máxima e potência muscular. Geralmente, cada
estresse e recuperação (heterocronismo). Vale mesociclo é designado para enfatizar uma adaptação
relembrar que o princípio da sobrecarga se refere neuromuscular em particular, como a hipertrofia
ao processo de aplicação das cargas de treinamento ou a força. As mudanças no número de repetições
acima das quais o organismo está adaptado por série contribuem para as maiores alterações na
(“acostumado”). intensidade e no volume de treinamento.

Para iniciarmos a construção de um modelo de Do ponto de vista fisiológico, a progressão do


periodização aplicado ao treinamento personalizado, treinamento tem como objetivo um incremento
inicialmente devemos ter a noção da divisão do gradativo no recrutamento de unidades motoras,
processo de treinamento com pesos em ciclos de transição do metabolismo glicolítico para o ATP-CP
adaptação específica. A divisão ocorre a partir de um e redução da incidência de dano muscular e dor
macrociclo com duração variável em função do nível muscular de início tardio. A progressão das cargas
de aptidão física e calendário do atleta ou praticante. de treinamento ocorre tipicamente em ciclos de 1 a
Tradicionalmente, nos modelos de periodização do 4 semanas. Tradicionalmente, dentro dos mesociclos
treinamento com pesos em atletas de levantamento a intensidade e o volume são mantidos constantes,
de pesos, os mesociclos eram determinados por ou seja, o aumento da sobrecarga de treinamento só
períodos de 2-3 meses. ocorrerá após o término do ciclo proposto (mesociclo).

Atualmente, procuramos programar a duração A seguir descrevemos as fases do modelo de


dos mesociclos com base em ciclos mensais, ou periodização linear:
seja, com duração de 4-6 semanas. O microciclo se

35
Periodização

- Fase de hipertrofia

Ocorre nas semanas iniciais do período preparatório, em aproximadamente 6 semanas. Nesta fase busca-
se desenvolver a massa muscular e uma boa base metabólica para suportar o treinamento mais intenso nas
fases posteriores.

- Fase de força básica

No final do período preparatório a fase de força básica é treinada com objetivo de aumentar a força
muscular até níveis ótimos para os objetivos específicos do programa de treinamento.

- Fase de força e potência

O último estágio do período preparatório é a fase de força e potência. O treinamento com pesos é
direcionado para a execução de exercícios de levantamento olímpico e exercícios explosivos de sobrecarga
elevada e baixo volume.

Gráfico 34 – Modelo linear aplicado ao treinamento de força/potência. Fonte: adaptado de Baechle e Earle (2008).

36
Periodização

Tabela 2 – Aplicação do volume e intensidade no modelo linear clássico

Fonte: adaptado de Baechle e Earle (2008).

Willoughby (1993) realizou um elegante estudo


para investigar o efeito da periodização linear
sobre os ganhos de força nos membros inferiores
e superiores. Os gráficos 36 e 37 apresentam os
resultados encontrados. As sessões de treinamento
foram executadas 3 vezes por semana durante 16
semanas de treinamento.

O estudo apresentou dois modelos não


periodizados que consistiam em 5x10 repetições
com cerca de 79% de 1RM, e 6x8 repetições com
cerca de 83% de 1RM. O programa de treinamento
periodizado foi composto de 4 fases de 4 semanas.
Gráfico 35 – Exemplo de periodização linear de 14 semanas com objetivo
de hipertrofia muscular . Fonte: adaptado de Prestes et al. (2010). As fases consistiam em 5x10 (79% 1RM), 6x8 (83%
1RM), 3x6 (88% 1RM) e 3x4 (92% 1RM).
Artigos científicos qualitativos (Fleck, 1999),
concluíram que a maioria dos programas de No exercício de supino reto, o programa linear
treinamento periodizado linear proporcionam maiores mostrou superioridade a partir da oitava semana
ganhos de força e potência se comparados com de treinamento (entre a oitava e a décima sexta
programas não periodizados. Os mesmos trabalhos semana), quando comparado com os dois programas
supracitados também demonstraram modificações não periodizados, que atingiram o platô entre a
favoráveis na composição corporal, principalmente quarta e a décima segunda semana.
com relação ao incremento da massa muscular.
Porém, a quantidade de estudos de investigação dos
efeitos da periodização na composição corporal é
pequena e, desse modo, as conclusões referentes a
este tópico devem ser analisadas com cautela.

37
Periodização

Gráfico 36 – Efeito do treinamento com pesos no incremento de desempenho no exercício de supino reto após 16 semanas de treinamento em jogadores
de futebol americano. Fonte: adaptado de Willoughby (1993).

Para o exercício de agachamento, o modelo de periodização linear e o programa não periodizado de


6x8 repetições proporcionaram ganhos significativos na força muscular. A superioridade do modelo linear
somente foi observada na décima sexta semana.

Os resultados revelaram que o comportamento no incremento da força muscular não é similar entre
os grupos musculares ou no mesmo período de tempo do programa de treinamento. Os programas de
periodização requerem um longo período de treinamento para mostrarem sua superioridade nos processos
de adaptação no organismo.

Isso ocorre devido à necessidade de tempo suficiente das adaptações fisiológicas (hipertrofia muscular e
adaptações neurais) para se manifestarem em níveis ótimos e em períodos específicos.

Gráfico 37 – Efeito do treinamento com pesos no incremento de desempenho no exercício de agachamento após 16 semanas de treinamento em
jogadores de futebol americano. Fonte: adaptado de Willoughby (1993).

38
Periodização

7.2 Modelo linear reverso


Existe uma variação interessante do modelo linear, a periodização linear reversa. Conforme a
nomenclatura sugere, as alterações na intensidade e no volume ocorrem de maneira inversa. Na prática, o
modelo implica no aumento gradual do volume com redução progressiva da intensidade em cada ciclo. Da
mesma maneira que o modelo linear, a periodização linear reversa sustenta o padrão de sobrecarga durante
o mesociclo em questão, promovendo alteração somente nos ciclos subsequentes.

Gráfico 38 – Periodização linear reversa com objetivo de hipertrofia muscular. Fonte: adaptado de Prestes et al. (2010).

7.3 Modelo não-linear (ondulatório)


O modelo ondulatório fundamenta-se na premissa que alterações mais frequentes nas variáveis agudas
de montagem de programa no treinamento com pesos potencializam o desenvolvimento da força muscular.
Recentemente, os modelos ondulatórios têm sido aplicados para manter a variação do estímulo de treinamento
durante os ciclos programados. Esse modelo parece ser eficaz em situações onde o calendário ou a demanda
de competições são limitantes para a variação dos estímulos de forma sequencial.

Basicamente, ao contrário das modificações realizadas dentro de um período de semanas e meses, o


modelo ondulatório é construído por variações no volume e na intensidade em períodos de 7-14 dias. Essas
modificações podem ser programadas de forma semanal ou mesmo diárias (cada sessão de treinamento).
Quando o professor ou treinador optar pela periodização ondulatória diária, é importante ressaltar que
a variação do volume e da intensidade deve ser realizada para cada grupo muscular, ou seja, quando o
indivíduo repetir o protocolo de treinamento para um determinado grupo muscular, muda-se o estímulo.

Na concepção do modelo de periodização ondulatória voltada para o treinamento personalizado, geralmente


são selecionadas três zonas de sobrecarga. Entretanto, isso não significa que ao longo do programa zonas
de treinamento diferentes não possam ser incorporadas. Desse modo, dependendo da fase da periodização,
pode-se dar mais ênfase a uma determinada carga ou zona de RMs para que o objetivo deste ciclo de
treinamento seja atingido.

39
Periodização

Gráfico 39 – Modelo de periodização ondulatória diária. Fonte: adaptado de Prestes et. al. (2010).

Quadro 3 – Modelo de periodização ondulatória diária com frequência de 6x/semana

6x / semana SEG TER QUA QUI SEX SÁB


Treino A Treino B Treino C Treino A Treino B Treino C
Semana 1
4 - 6 RM 4 - 6 RM 4 - 6 RM 12 - 15 RM 12 - 15 RM 12 - 15 RM
Treino A Treino B Treino C Treino A Treino B Treino C
Semana 2
8 - 10 RM 8 - 10 RM 8 - 10 RM 4 - 6 RM 4 - 6 RM 4 - 6 RM
Treino A Treino B Treino C Treino A Treino B Treino C
Semana 3
12 - 15 RM 12 - 15 RM 12 - 15 RM 8 - 10 RM 8 - 10 RM 8 - 10 RM
Treino A Treino B Treino C Treino A Treino B Treino C
Semana 4
4 - 6 RM 4 - 6 RM 4 - 6 RM 12 - 15 RM 12 - 15 RM 12 - 15 RM
Fonte: elaborado pelo professor.

7.4 Periodização ondulatória parcial


Na proposta original, a periodização ondulatória apresentava quatro zonas de treinamento: força,
hipertrofia, resistência de força e potência. No modelo parcial, são utilizadas duas variações de sobrecarga
(RMs) durante o microciclo. Esse modelo pode ser vantajoso quando o professor busca desenvolver uma
expressão da força muscular em especial.

Além disso, utilizar menos zonas de RMs promove alterações menos abruptas na sobrecarga do treinamento,
possibilitando maior facilidade de adaptação ou recuperação e menor magnitude da fase de alarme. Por
exemplo, o indivíduo treinará utilizando somente duas zonas de RMs voltadas para desenvolver a hipertrofia
muscular. Na primeira sessão ele realiza o treinamento com cargas de 10-12RMs e, na próxima sessão para
o mesmo grupo muscular, o indivíduo executa o treinamento com cargas de 6-8RMs.

Quadro 4 – Modelo de periodização ondulatória parcial com frequência de 3x/ semana

3 x / semana SEG TER QUA QUI SEX SÁB


Microciclo 1 e 3 Treino A -- Treino A -- Treino A --
12-15 RM 12-15 RM 12-15 RM
Microciclo 2 e 4 Treino A -- Treino A -- Treino A8-10 RM --
8-10 RM 8-10 RM
Fonte: elaborado pelo professor.

7.5 Periodização ondulatória semanal


A variação semanal da periodização ondulatória propõe que a intensidade das sessões de treinamento seja
mantida durante todo o microciclo, ou seja, o indivíduo deve realizar todas as sessões na mesma zona de
RMs. Desse modo, a intensidade do treinamento deve ser modificada semanalmente ou por microciclo. Em
academias de ginástica, esse modelo parece ser bem aplicável e de fácil controle e planejamento.

40
Periodização

Em comparação à periodização ondulatória diária (tradicional), o modelo semanal requer menor dinâmica
nas cargas de treinamento, permitindo maior recuperação e possibilidade de adaptação, pela exposição mais
frequente ao estímulo.

Quadro 5 – Modelo de periodização ondulatória semanal com frequência de 3x/semana

3 x / semana SEG TER QUA QUI SEX SÁB


Treino A Treino A Treino A
Semana 1 -- -- --
4-6 RM 4-6 RM 4-6 RM
Treino A Treino A Treino A
Semana 2 -- -- --
12-15 RM 12-15 RM 12-15 RM
Treino A Treino A Treino A
Semana 3 -- -- --
8-10 RM 8-10 RM 8-10 RM
Fonte: elaborado pelo professor.

Quadro 6 – Modelos de periodização no treinamento com pesos

Periodização no treinamento com pesos


Periodização Linear
Microciclo 1 Microciclo 2 Microciclo 3 Microciclo 4
3-5 x 12-15 RM 4-5 x 8-10 RM 3-4 x 4-6 RM 3-5 x 1-3 RM
Periodização Linear Reversa
Microciclo 1 Microciclo 2 Microciclo 3 Microciclo 4
3-5 x 1-3 RM 3-4 x 4-6 RM 4-5 x 8-10 RM 3-5 x 12-15 RM
Periodização Ondulatória
Segunda-feira Quarta-feira Sexta-feira Segunda-feira
2 x 12-15 RM 6 x 1-3 RM 3 x 4-6 RM 4 x 8-10 RM
Fonte: adaptado de Prestes et al. (2010).

7.6 Treinamento concorrente: força versus - Fatores neurais

resistência Podemos encontrar estudos que sugerem uma


limitação na taxa de ativação de unidades motoras de
Em muitos esportes de características
alto limiar de excitação com o treinamento concorrente.
intermitentes (esportes coletivos como basquetebol,
Vale lembrar que a ativação destas unidades motoras
futsal e handebol), no treinamento personalizado
é determinante para o desenvolvimento da força
ou indivíduos engajados em programas de exercício
máxima e potência muscular. Entretanto, nenhum
voltado para a saúde, encontramos combinações do
mecanismo neurológico específico foi sugerido.
treinamento de força e resistência.
- Fatores metabólicos ou moleculares
Quando as duas valências físicas são treinadas
ao mesmo tempo, uma potencial interconexão ou Sessões sucessivas de treinamento de alta
interferência no desenvolvimento da força e hipertrofia intensidade podem cronicamente reduzir o conteúdo
pode ocorrer. Tal fenômeno tem recebido muita de glicogênio muscular e, dessa forma, reduzir a
atenção na literatura especializada e recebeu o nome oferta energética para o exercício. A redução crônica
de treinamento concorrente. Alguns mecanismos do conteúdo de glicogênio muscular pode, ao menos
fisiológicos foram propostos para explicar as possíveis em parte, prejudicar a sinalização intracelular em
limitações nas adaptações neuromusculares durante resposta a uma sessão aguda de treinamento com
o treinamento concorrente. Discutiremos alguns pesos e dificultar a resposta anabólica e de reparo
desses mecanismos nas sessões abaixo. tecidual induzida pelo treinamento.

41
Periodização

Com relação às vias moleculares, o treinamento de resistência estimula adaptações ao nível energético
por meio da ativação da proteína AMPK. Essa proteína atua como sensor energético da célula, pois sua
atividade é modulada principalmente pela redução do conteúdo de creatina fosfato, da razão ADP/ATP e
níveis de glicogênio muscular. Embora os ajustes metabólicos ocorram durante o exercício mediado pelas
reações de alarme, o treinamento crônico pode modular a expressão de genes envolvidos no controle da
homeostase energética (figura 3).

IGF-I = Fator de crescimento semelhante à insulina I;


AMP = Adenosina monofosfato;
AKT = Proteína quinase B;
TSC2 = Proteína 2 de Esclerose Tuberose;
mTOR-Raptor = Alvo mamífero da rampamicina-subunidade raptor;
P = Fosforilação

Figura 3 – Respostas moleculares adaptativas ao treinamento com pesos e de resistência. Fonte: adaptado de Coffey e Hawley (2007).

42
Periodização

Aparentemente, parecem ocorrer reações - Potência mecânica


antagônicas entre a sinalização anabólica do músculo
mediada pela via da mTOR e a modulação energética A potência mecânica é muitas vezes definida como
desencadeada pela ativação de AMPK. Nesse caso, a a taxa de produção de trabalho e é calculada pelo
ativação de AMPK pode inibir o anabolismo muscular produto da força pela velocidade:
devido ao decréscimo da atividade de mTOR.
Isso pode ocorrer devido ao potente estímulo do
Potência = trabalho / tempo
treinamento de resistência para atividade de AMPK
imediatamente após a sessão. = força x distância / tempo

Resumidamente, quando treinamentos com pesos = força x velocidade


e de resistência são realizados simultaneamente,
uma potencial interferência pode ser observada.
Baseado na equação matemática, os dois
componentes centrais que podem influenciar a
produção de potência muscular são a habilidade
8 Princípios do treinamento de potência
de aplicar elevados níveis de força rapidamente e
muscular expressar alta velocidade de contração muscular. A
A grande maioria dos esportes requer a relação inversa básica entre a força e a velocidade é
habilidade de gerar altos níveis de força em períodos mostrada no gráfico 40.
relativamente curtos de tempo. A habilidade de
expressar alta taxa de desenvolvimento de força
está muitas vezes relacionada aos níveis de força
geral do atleta e a capacidade de produzir potência
e, provavelmente, represente o principal requisito
motor do esporte de alto rendimento.

Classicamente, existem três grandes linhas de


raciocínio para o treinamento de potência muscular.
A primeira sugere a utilização de cargas leve-
moderadas (<50% 1RM), enquanto a segunda linha
propõe cargas somente cargas moderadas (50-70%
1RM). A terceira linha disponível na literatura sugere
métodos mistos de treinamento, nos quais variam os
Gráfico 40 – Relação força-velocidade, força-potência, velocidade-
níveis de sobrecarga e o tipo de exercício utilizado potência e ótima carga de treinamento. Fonte: adaptado de Haff (2012).
durante a periodização.
Esta relação demonstra que uma determinada
Até o momento, a literatura especializada não quantidade de força que pode ser produzida por
foi capaz de definir a melhor linha de trabalho para uma ação muscular concêntrica diminui conforme
desenvolver a potência. O propósito das sessões a velocidade de movimento aumenta. A produção
a seguir será discutir os fatores críticos para o de máxima de potência muscular, evidentemente,
desempenho de potência muscular e como os ocorre em função da manipulação ótima entre a força
métodos podem ser incorporados no treinamento em aplicada e a velocidade de movimento. Um ótimo
um contexto periodizado. exemplo para esse fenômeno é o salto vertical, onde
a potência máxima não ocorre nem no ponto máximo
da força nem no ponto máximo de velocidade.

43
Periodização

Três elementos devem ser considerados para devido a sua importante participação na habilidade
o desenvolvimento da potência máxima. Primeiro, de produzir elevados níveis de potência em diferentes
é essencial que a força muscular seja maximizada gestos esportivos.
devido a sua direta relação com a habilidade de
expressar altas taxas de produção de força e a potência
muscular. Segundo, é importante desenvolver a 8.2 Taxa de desenvolvimento de força
habilidade de expressar altos níveis de força em
A taxa de desenvolvimento de força descreve a taxa
curto período de tempo. Finalmente, é necessário
na qual a força é expressa durante um determinado
desenvolver a habilidade de expressar altos níveis de
movimento. Tipicamente, esta habilidade é avaliada
força conforme a velocidade de movimento aumenta.
pela produção de força em função de um determinado
tempo (Δ força/ Δ tempo). Por exemplo, tempos de
8.1 Força máxima contração muscular entre 50-250 milissegundos são
muitas vezes associados com movimentos rápidos,
A importância do incremento da força muscular tais como saltos, corridas em velocidade (sprints) ou
torna-se evidente quando analisamos atletas mudança de direção. Nestas situações, a produção
amadores que não possuem níveis adequados de de força máxima é limitada pela disponibilidade
força muscular para produzir elevados valores de de tempo (> 300 milissegundos). Alguns autores
potência muscular. Para esses atletas, simplesmente sugerem que o treinamento com exercícios balísticos
aumentar sua força muscular já estimula um deve ser realizado com cargas leves submáximas
resultante aumento da produção de potência. Por para otimizar a taxa de produção de força, e,
outro lado, uma vez que o atleta tenha atingido portanto, a potência muscular.
valores adequados para a força muscular, eles devem
ser capazes de maximizar seus efeitos, incorporando No gráfico 41 observamos que o treinamento
o treinamento específico (exercícios pliométricos, com pesos com cargas elevadas pode aumentar
balísticos e complexos) designado para otimizar o significativamente a força máxima e a taxa de
treinamento de potência muscular. desenvolvimento de força, em comparação com
indivíduos destreinados. Por outro lado, o treinamento
A determinação dos níveis de força requeridos com exercícios explosivos balísticos parece ser superior
para o treinamento de potência representa um para o incremento da taxa de desenvolvimento de
grande desafio para treinadores e preparadores força (principalmente em indivíduos bem treinados),
físicos. Algumas evidências na literatura sugerem mas não é superior para desenvolver a força máxima.
que atletas que são capazes de realizar 1RM de
agachamento com 2x sua própria massa corporal
podem expressar maiores valores de potência no
salto vertical, em comparação com atletas cujo 1RM
representa somente 1,4-1,7x sua massa corporal.

Portanto, atletas que atingem este determinado


nível de força são capazes que acessar maiores
benefícios no treinamento voltado para o
desempenho de potência. Coletivamente, a relação
entre força máxima e potência deve ser considerada
no planejamento dos programas de treinamento.
Nesse caso, técnicos e preparadores físicos nunca
devem negligenciar o desenvolvimento da força Gráfico 41 – Curva força-tempo. Fonte: adaptado de Haff (2012).

44
Periodização

8.3 Sobrecarga
A sobrecarga ótima para o treinamento de potência
muscular é definida pela sobrecarga que potencializa
a produção de potência em um movimento
específico. Embora a velocidade de movimento seja
comprometida com a aplicação de cargas elevadas
no treinamento (gráfico 42), o objetivo é sempre
a produção de velocidade máxima de movimento
(potência) para qualquer nível de força em situações
de treinamento ou competição.

Para a maioria dos atletas, uma variedade de


sobrecarga deve ser empregada no processo de
treinamento de potência muscular com o objetivo Gráfico 42 – Curva força-tempo apresentando a taxa de desenvolvimento
de desenvolver a ótima relação entre a força e a de força e a produção máxima da força. Fonte: adaptado de Haff (2012).
velocidade em diferentes movimentos e em diferentes
expressões da força muscular.

Recentemente, a literatura especializada aponta para a utilização de métodos mistos de treinamento para
o incremento simultâneo da força, potência e capacidade de desempenho esportivo. Teoricamente, o uso de
sobrecarga baixa em movimentos de alta velocidade pode impactar na área de alta velocidade da curva força-
velocidade. Ao contrário, exercícios com alta sobrecarga aumentam o desempenho em esforços na porção
alta da curva força-velocidade.

Assim, métodos mistos permitem adaptação mais completa em toda amplitude da curva. Uma estratégia
possível é aplicarmos uma variedade de sobrecargas de treinamento (diferentes % de 1RM). Por exemplo,
no agachamento a potência máxima ocorre entre 30-70% de 1RM, enquanto sobrecargas superiores a 75%
de 1RM são úteis para desenvolver a força muscular.

45
Periodização

Gráfico 43 – Efeito de diferentes intervenções no treinamento sobre a curva força-velocidade. Fonte: adaptado de Haff (2012).

A tabela 3 apresenta algumas sugestões para o desenvolvimento da potência muscular dos membros
inferiores. Ao utilizar exercícios pliométricos no treinamento, o principal objetivo passa a ser o desenvolvimento
da potência muscular na porção mais baixa da curva força-velocidade. Exercícios balísticos como os de
levantamento olímpico entre 70-90% de 1RM podem desenvolver potência muscular em diferentes parâmetros
de força e velocidade.

Tabela 3 – Diferentes métodos para desenvolver a potência muscular

Exemplos de métodos para desenvolver a potência muscular dos membros inferiores


Exercício Séries X Repetições Sobrecarga (% 1RM) Tipo de exercício
Arremesso 3x5 75-85 Alta força / Alta velocidade
Agachamento 3x5 80-85 Alta força / Baixa velocidade
Salto com agachamento 3x5 0-30 Baixa força / Alta velocidade
Salto em profundidade 3x5 Massa Corporal Alta força / Alta velocidade
Fonte: adaptado de Haff (2012).

Tem sido documentado que o treinamento tradicional com pesos pode também ser contraprodutivo
no desenvolvimento da potência muscular em função das fases de desaceleração em algumas partes dos
movimentos (24-40% da amplitude de deslocamento). Notavelmente, este percentual pode aumentar
quando o executante move a resistência mais rapidamente, no esforço de deixar a execução do movimento
em velocidade máxima.

46
Periodização

A tabela 4 a seguir traz as sugestões do American College of Sports Medicine para o treinamento de
potência.

Tabela 4 – Recomendação do American College of Sports Medicine para o treinamento de potência muscular
Velocidade
Ação Seleção do Ordem dos Intervalo
Sobrecarga Volume de Frequência
Muscular Exercício Exercícios de repouso
movimento
Grandes < 30-60% 1-3 séries 2-3 x /
Iniciante EXC e CON Multiarticular 2-3 min moderada
Pequenos 1RM 8-12 reps semana
Grandes < 30-60% 1-3 séries 2-4 x /
Intermediário EXC e CON Multiarticular 2-3 min rápida
Pequenos 1RM 3-6 reps semana
Grandes < 30-60% 1-3 séries 4-6 x /
Avançado EXC e CON Multiarticular 2-3 min rápida
Pequenos 1RM 3-6 reps semana
Fonte: American College of Sports Medicine (2009)

47
Periodização

Referências

American College of Sports Medicine. Guideline for exercise prescription. 7th ed. Lippincott Williams &
Wilkins; 2007.

American College of Sports Medicine. Position Stand: progression models in resistance training for healthy
adults. Med Sci Sports Exerc. 2009;41(3):687-708.

American College of Sports Medicine. Position Stand: the recommended quantity and quality of exercise
for developing and maintaining cardiorespiratory and muscular fitness, and flexibility in healthy adults. Med
Sci Sports Exerc. 1998;30(6):975-91

Baechle TR, Earle RW. Essentials of Strength Training and Conditioning of NSCA. 3rd ed. Illinois: Human
Kinetics; 2008.

Bishop PA, Jones E, Woods K. Recovery from training: A brief review. J Strength Cond Res. 2008;22(3):1015-
24.

Chandler TJ, Brown LE. Treinamento de força para o desempenho humano. Porto Alegre: Artmed; 2010.

Coffey VG, Hawley JA. The molecular bases of training adaptations. Sports Med. 2007;37(9):737-63.

Fleck SJ, Kraemer WJ. Fundamentos do treinamento de força muscular. 3a ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

Fleck SJ. Periodized training: A critical review. J Strength Cond Res. 1999;13(1):82-9.

Fluck, M. et al. Transcriptional profiling of tissue plasticity: role of shits in gene expression and technical
limitations. J Appl Physiol. 2005;99(2):397-413.

Gomes AC. Treinamento desportivo: Estruturação e periodização. 2ª Edição. Porto Alegre: Artmed; 2009.

Haff G. Training principles for Power. Strength Cond J. 2012;34(6):2-12.

Howley ET, Franks BD. Manual do condicionamento físico. 5a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.

Ide BN, Lopes CR, Sarraipa MF. Fisiologia do treinamento esportivo: treinamento de força, potência,
velocidade e resistência, periodização e habilidades psicológicas no treinamento esportivo. São Paulo: Phorte;
2010.

Kraemer WJ, Fleck SJ. Otimizando o treinamento de força – Programas de periodização não-linear. São
Paulo: Manole; 2009.

Kraemer WJ, Ratamess N. Fundamentals of resistance training: Progression and exercise prescription. Med
Sci Sports Exerc. 2004;36(4):674-88.

Lourenço TF. Estudo de caso e análise crítica das metodologias de treinamento utilizadas para fundista
e meio-fundista e maratonista. Campinas. Monografia [Graduação em Educação Física] – Faculdade de
Educação Física da UNICAMP; 2005.

48
Periodização

McLester JR. et al. A series of studies: A practical protocol for testing muscular endurance recovery. J
Strength Cond Res. 2003;17(2):259-73.

Monteiro AG. Treinamento personalizado. São Paulo: Manole; 2011.

Monteiro AG, Lopes CR. Periodização esportiva: estruturação do treinamento. São Paulo: Ag; 2009.

Oliveira PR. Periodização contemporânea do treinamento desportivo. São Paulo: Phorte; 2008.

Platonov VN. Tratado geral do treinamento desportivo. São Paulo: Phorte; 2008.

Plisk SS, Stone MH. Periodization strategies. Strength Cond J. 2003;25(6):19-37.

Prestes J, Foschini D, Marchetti P, Charro M. Prescrição e periodização do treinamento de força em


academias. São Paulo: Manole; 2010.

Reuter B. Developing endurance. Illinois: Human Kinetics; 2012.

Rosa AF. Treinamento desportivo: carga, estrutura e planejamento. 2a ed. São Paulo: Phorte; 2009.

Sayers SP, Clarkson PM. Force recovery after eccentric exercise in males and females. Eur J Appl Physiol.
2001;84(1-2):122-6.

Souza Jr TP, Guedes DP, Rocha AC. Treinamento personalizado em musculação. São Paulo: Phorte; 2008.

Stone MH, et al. Periodization: Effects of manipulating volume and intensity. Part 1. Strength Cond J. 1999;
21(3): 54-60.

Verkhoshansky Y, Siff MC. Supertraining. 6th ed. Rome: UAC; 2009.

Willoughby DS. The effects of meso-cycle-length weight training programs involving periodization and
partially equated volume on upper and lower body strength. J Strength Cond Res. 1993;7(1):2-8.

49

Você também pode gostar