Você está na página 1de 16

Direito Processual Administrativo

Do contencioso administrativo à justiça administrativa: Os principais


modelos históricos de justiça administrativa
Fazendo aqui referência aos principais modelos históricos de justiça administrativa,
pressupõe-se um sistema de administração executiva ou ato administrativo, dtoado de um
direito especial, diferente do direito comum, em que a lei regula primariamente em termos
substanciais a atividade administrativa e atribui à administração autoridade para tomar
decisões unilaterais obrigatórias para os particulares.

Alternativa entre modelos – objetivismo vs subjetivismo

No contexto histórico dos sistemas de administração, temos a distinção entre objetivismo


e subjetivismo naquilo que entendem pela função do contencioso e no que respeita ao
objeto do processo na impugnação de decisões administrativas.

No que toca ao estado atual das coisas, julgamos ser mais adequado autonomizar a
questão do modelo organizativo.

A grande diferença entre os modelos é a do ponto de partida para a construção do


sistema, isto é, a da função central da justiça administrativa, conforme se vice,
primacialmente, a defesa da legalidade ou juridicidade administrativa, ou se pretenda,
principalmente, assegurar a proteção dos direitos dos particulares.

Modelos organizativos

Na história podemos distinguir 3 modelos de organização conforme a quem estava


atribuída a competência para decidir:

• Modelo administrativista: Chamado de “administrador-juiz” ou de autotutela. A


decisão final dos litígios administrativos compete aos órgãos superiores da
administração ativa.
• Modelo judiciarista ou quase-judicialista: Chamado de “jurisdição delegada” ou
“transferida”. A resolução dos litígios relativos à administração cabe a autoridades
“judiciárias”, que são órgãos administrativos independentes, alheios à orgânica dos
tribunais. É quase como um modelo de transição entre o modelo administrativista e
o modelo judicialista.
• Modelo judicialista: A decisão das questões jurídicas administrativas cabe a
tribunais integrados numa ordem judicial, quer se trate de tribunais comuns ou de
tribunais especializados em razão de matéria. É o modelo atual, que parte do
princípio de que toda a atividade administrativa, mesmo nos momentos
discricionários, está subordinada ao direito e que atribui aos tribunais a
competência para conhecer todos os litígios emergentes de relações jurídicas
administrativas interpessoais.

Há ainda, no entanto 2 modelos mistos:

o Modelo administrativista mitigado


o Modelo judicialista mitigado

A evolução do sistema de justiça administrativa em Portugal


A pré-história do contencioso administrativo

A época liberal trouxe o princípio da separação dos poderes e, consequentemente, o


princípio da legalidade administrativa. Marcou-se aqui o início do contencioso
administrativo, ainda assim, tivemos uma espécie de “pré-história”, em que se
desenvolveram mecanismos e processos destinados a garantir a justiça nas decisões ou a
defesa dos direitos e interesses dos administrados perante os poderes públicos.

Assim, podemos definir 3 épocas marcantes nesta “pré-história”:

1. Época medieval: Aqui, o poder real, com o seu componente predominantemente


jurisdicional, procurava conseguir a imparcialidade decisória e, embora não pudesse
conceber formalmente a sua submissão a um poder judicial autónomo, admitia com a
naturalidade própria do costume, mecanismos “Jurisdicionalizados” (Ex: embargos e
outros remédios cautelares contra a execução de atos administrativos régios),
suscetíveis de defenderem os direitos dos particulares lesados.
2. Época moderna: Mantém-se a ideia da subordinação do poder a regras ou princípios de
direito, que se traduz na existência de diversos mecanismos de controlo judicial de
atividades oficiais
3. Estado de polícia: É imposta uma concentração total dos poderes e uma dimensão
estratégica do direito, ainda assim, mantem-se uma “esfera de direito” justiciável e
admite-se, na “esfera administrativa”, embora por graça régia, a revisão administrativa
de atos da máquina burocrática, em regra, a pedido de particulares lesados
A evolução do modelo organizativo do contencioso administrativo português

Podemos distinguir 3 grandes fases na evolução do contencioso administrativo, consoante as


entidades competentes para a decisão dos litígios.

1. Primeira Fase – Época liberal:


a. Verifica-se, ao nível local, o que designamos por modelo judiciarista ou quase
judicialista. Ou seja, quem decidia os litígios eram órgãos da função
administrativa que detinham uma competência decisória, funcionando como
tribunais, mas fora da ordem judicial. Ao nível central existe um modelo
administrativista mitigado, do tipo de “recurso hierárquico em processo
jurisdicionalizado”. Em termos globais, o modelo pode-se descrever como um
modelo misto, de predominância administrativista, embora mitigada.
2. Segunda fase – Período autoritário-corporativo:
a. Desenvolve-se um sistema de “tribunais administrativos” que representou, para
uns, um modelo quase-judicialista e, para outros, um modelo judicialista
mitigado. O contencioso era protagonizado, a nível local, pelas “auditorias
administrativas” e, a nível central, pelo STA, isto é, órgãos independentes, não
integrados na orgânica dos tribunais comuns. O caráter administrativo ou
jurisdicional destes órgãos é dúbio e divide a doutrina em virtude do poder de
nomeação governamental dos “juízes administrativos” e das deficiências de
autogoverna de “magistratura”, e ainda à força executiva limitada das sentenças.
3. Terceira fase – Atual Constituição:
a. Temos um modelo judicialista, de contencioso integralmente jurisdicionalizado,
atribuído a uma ordem judicial autónoma, sendo que se estabelecem garantias
de autonomia e imparcialidade (art. 212º nº 1 e 2, Art. 216º e art. 217º CPTA)

Assim, o contencioso administrativo português evoluir de um modelo administrativista


mitigado, para um modelo quase judicialista e, por fim, para um modelo judicialista puro.

A evolução do modelo processual de justiça administrativa

Temos aqui 3 épocas:

• 1ª Época – Desde os primórdios do contencioso, em 1832 até 1982/1983, com a


alteração do sistema político-constitucional em 1974/1976. Corresponde ao modelo em
que o contencioso regra se consubstanciava no recurso de anulação de atos
administrativos, de base objetivista. A jurisdição administrativa é concebida como uma
jurisdição limitada. Temos aqui obstáculos no acesso dos administrados á justiça
administrativa, tanto nos meios de acesso, como no processo, em que o particular
estava desprotegido em relação à posição dominante da autoridade administrativa,
sendo o acesso à informação nos processos muito dificultado, para além disso, o
particular tinha de se ver com um formalismo excessivo e desrazoável. Do ponto de vista
funcional, concebia-se a jurisdição administrativa com poderes limitados, quer pela
necessidade de decisão administrativa prévia, quer pela exclusão do controlo judicial do
uso de poderes discricionários, quer pela proibição de condenação e de injunção judicial
contra as autoridades administrativas.
• 2ª Época – Com a revisão constitucional de 1982, temos uma fase transitória, em que há
um alargamento do âmbito do contencioso administrativo e uma intensificação da
proteção dos direitos e interesses dos cidadãos. Houve aqui um claro caminhar no
sentido de uma subjetivização do modelo da justiça administrativa, a fim de assegurar
uma proteção mais adequada dos direitos dos administrados. Numa dimensão
substancial, houve um alargamento dos meios de acesso à justiça administrativa em
1984/1985 como foi determinado pela constituição de 1982, sendo criada a ação de
reconhecimento de direitos e interesses legítimas, bem como a figura impugnatória do
pedido de declaração de ilegalidade de normas, para além disso, criou a existência de
ações não especificadas. No plano processual, temos um aperfeiçoamento da tutela
judicial dos cidadãos, no âmbito do recurso contencioso contra atos. Houve aqui uma
tendência para uniformização as tramitações processuais dos recursos, bem como para
eliminar algumas limitações à proteção dos particulares, prevêem-se, ainda, novos
meios acessórios que asseguram o direito à informação. No plano funcional, temos uma
intensificação dos poderes do juiz administrativo no âmbito dos meios impugnatórias,
apesar dos progressos neste plano, mantem-se a ideia da jurisdição administrativa como
jurisdição limitada, em comparação com a plena jurisdição dos tribunais judiciais.
• 3ª Época – Foi com a constituição de 1989 e com a reforma administrativa de 2002 que
temos esta última fase. Na constituição passou-se a garantir o direito de recurso aos
particulares contra atos administrativos ilegais que os lesem, vem aqui ser reforçado
constitucionalmente a garantia de acesso à justiça administrativa como direito
fundamental dos administrados a uma proteção jurisdicional efetiva, a jurisdição
administrativa foi instituída como obrigatória, tudo isto vai ter repercussões no regime
do contencioso administrativo. Numa dimensão substancial, o entendimento da
jurisdição administrativa como jurisdição comum implica, para que os tribunais possam
cumprir a sua função, a plenitude dos meios de acesso à jurisdição administrativa, que
assim deixa de poder ser entendida, neste plano, como uma jurisdição limitada. No
plano processual, a consagração do princípio da proteção judicial efetiva vinha permitir
ou impor uma aplicação das normas processuais influenciada em conformidade com a
constituição, tornou-se necessário ultrapassar as limitações e foramlismos processuais
que afetassem, desrazoavelmente, a proteção judicial dos cidadãos, garantindo aos
administrados um menor número de obstáculos à justiça administrativa. No plano
funcional, a jurisdição administrativa não é considerada diminuída em comparação com
a jurisdição de outros tribunais, os juízes começaram a poder controlar o uso dos
poderes discricionários, em função de um conjunto de princípios jurídicos fundamentais,
bem como passaram a ter todos os poderes normais de condenação e de injunção.

Atual sistema de justiça administrativa

Quadro constitucional da justiça administrativa

A constituição põe o acento tónico na garantia dos direitos dos administrados, limitando a
própria garantia do recurso de anulação aos titulares dessas posições jurídicas subjetivas, tal
não deve ser interpretado como imposição constitucional de um modelo estritamente
subjetivista de justiça administrativa. A constituição quis estabelecer as garantias dos
administrados, mas não pretendeu impor um modelo processual determinado. A concretização
desse modelo compete ao legislador, o Art. 268º CRP não estabelece um regulamento global da
justiça administrativa, define, apenas, garantias dos administrados.

Reforma do modelo legal

Em 2000/2001 houve uma reforma que veio a introduzir o Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (ETAF) e do CPTA, esta reforma alterou o modelo de justiça
administrativa num sentido subjetivista, embora mantendo traços objetivistas, alguns dos
aspetos mais relevantes desta reforma foram:

a) Atribuiu-se aos tribunais administrativos a competência para administrar a justiça “Nos


litígios emergentes das relações jurídicas administrativas” (Art. 1º e 4º ETAF)
b) Consagrou-se o princípio da tutela jurisdicional efetiva, incluindo a tutela cautelar,
afirmando-se os direitos e interesses dos administrados pelo Art. 2º nº1 CPTA, sendo
ainda elencados os conteúdos das pretensões possíveis junto dos tribunais e os poderes
do juiz (Art. 2º nº2 CPTA)
c) Altera-se a definição dos meios processuais principais, criando 2 formas processuais, a
ação administrativa comum e a ação administrativa especial:
a. O recurso de anulação deixa de ser considerado o meio normal do contencioso
administrativo e passa a chamar-se impugnação de atos, passa a constituir um
dos pedidos a formular na ação administrativa especial (Art. 46º CPTA)
b. A ação para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos
deixa de constituir um meio autónomo e, desdobrada em pedidos declarativos e
condenatórios, integra, juntamente com as ações tradicionais, a ação
administrativa comum (Art. 37º CPTA)
d) Admite-se a cumulação de pedidos (Art. 4º CPTA
e) Consagra-se o princípio da igualdade de armas entre o recorrente e a administração, no
sentido da consagração de um verdadeiro “processo de partes”, incluindo o pagamento
de custas pela administração (Art. 189º nº1)

Apreciação global do modelo

A reforma estabeleceu um modelo subjetivista, consagrando o processo administrativo como


um processo de partes e alargando os poderes de cognição e decisão do juiz perante a
administração.

São, ainda assim, visíveis os momentos objetivistas do regime, seja no que respeita à
legitimidade ativa, seja quanto à previsão de litígios inter-administrativos-

Revisão de 2015

A revisão do CPTA e do ETAF em 2015 não trouxe alterações ao modelo desenhado em 2002, a
não ser quanto ao desaparecimento da distinção entre a ação administrativa comum e a ação
administrativa especial, passando todos os processos principais não-urgentes a tramitarem sob
uma única forma de ação, que corresponde, no essencial, ao da anterior ação administrativa
especial. Houve ainda modificações significativas que visaram aperfeiçoar processualmente o
modelo.

Mini-reforma de 2019/2020

Em 2019, houve modificações do regime da jurisdição administrativa e fiscal que alterou o CPPT
e o CPTA.
As principais alterações ao ETAF tiveram lugar em matéria de organização territorial da
administração e gestão dos tribunais de primeira instância e, por outro lado, na previsão da
especialização dos tribunais administrativos de círculo.
No que respeita ao regime processual, as alterações incidiram, em especial, sob o
processo tributário.
Quanto ao processo administrativo, temos algumas mudanças, como a regra da
aplicação retrospetiva do CPTA a todos os processos pendentes, a obrigatoriedade da
tramitação eletrónica nos processos...
O domínio substancial da justiça administrativa
O critério de delimitação

A consideração da dimensão substancial revela-se na medida em que a justiça administrativa


tem uma matéria própria: integra os processos “que tenham por objeto dirimir os litígios
emergentes de relações jurídicas administrativas”.

Esta noção de relação jurídica administrativa abrange a generalidade das relações jurídicas
externas ou intersubjetivas de caráter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os
particulares e os entes administrativos, sejas as que ocorram entre sujeitos administrativos.

O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, pode ser
entendido, num sentido subjetivo qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração,
designadamente uma pessoa coletiva pública, independentemente da veste em que atua. Mas
também pode entender-se, em termos predominantemente objetivos, como as relações
jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito
Administrativo. Há ainda outro entendimento, que faz corresponder o caráter administrativo da
relação ao âmbito substancial da própria função administrativa, ou seja, abrange as relações
jurídicas que correspondam ao exercício da função administrativa, entendida em sentido
material.

Sendo esta uma questão importante que não é definida pelo legislador, será mais prudente
partir do entendimento do conceito de relação jurídica administrativa, no sentido estrito
tradicional, com exclusão das relações de direito privado em que intervém a administração. Ou
seja, a terminação passa pela distinção entre direito privado e direito público, que é aquela em
que um dos sujeitos é uma entidade público ou particular no exercício de poder público com
vista à realização de um interesse público legalmente definido. Importa lembrar que, no que
toca às situações em que intervenham órgãos ou entidades que não integram a administração
em sentido organizatório, pelo Art. 212º nº3 CRP, as questões relativas a qualquer atividade
pública em matéria administrativa, mesmo que proveniente de entidades não administrativas
integram substancialmente a justiça administrativa. Sendo certo ainda que o CPA adotou uma
definição substancial de ato administrativo (Art. 148º CPA)

Relações Jurídicas administrativas

No contexto da justiça administrativa, vamos ver aqui o caso das relações administrativas
interpessoais ou intersubjetivas, dado que, por razões de delimitação funcional, os tribunais
administrativos, salvo quando previsto na lei, só podem conhecer litígios entre partes ligadas
por uma relação jurídica externa. As relações externas não são apenas as que se estabelecem
entre a Administração e os particulares, abrangendo igualmente as relações jurídicas entre
pessoas coletivas públicas. Deve ter-se em conta que a diversificação funcional dentro de
pessoas coletivas públicas mais complexas leva a que as decisões tomadas por alguns órgãos
possam comprometer o exercício da competência por outros órgãos, facto que justifica a
impugnabilidade de atos ou a condenação à prática de ato devido nas relações entre ´órgãos da
mesma pessoa coletiva (Art. 51º nº2 b), 55º e 68º nº1 d)).

Para efeito de exclusão do âmbito da justiça administrativa, são de considerar relações jurídicas
administrativas internas ou intrapessoais:

• As relações entre órgãos administrativos dentro da mesma pessoa coletiva


• Relações entre os órgãos administrativos e os respetivos membros ou titulares, salvo
quando estejam em causa direitos próprios destes últimos, enquanto tais
• Relações entre os ´órgãos de uma instituição e os funcionários ou trabalhadores, utentes
ou sujeitos de relações especiais de direito administrativo ligados a essa instituição, na
medida restrita do respetivo vínculo funcional

Para efeitos de inclusão no contencioso administrativo, podemos considerar relações jurídicas


administrativas externas:

a) As relações jurídicas entre a administração e os particulares, incluindo:


a. Relações entre as entidades administrativas e os cidadãos
b. Relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou
pessoas funcionalmente ligadas a essas organizações
c. Relações entre sujeitos privados que atuem no exercício de poderes
administrativos e os particulares
b) As relações jurídicas interadministrativas, incluindo
a. Relações entre entes públicos administrativos
b. As relações jurídicas entre entes administrativos e outros entes que atuem em
substituição de órgãos de administração, no exercício da função administrativa,
mesmo que não tenham personalidade jurídica
c. Certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entre públicos, quando a
circunstância de se tratar de órgãos de pessoas coletivas distintas puder ser
considerada decisiva ou dominante para a caracterização da relação, por estarem
em causa interesses públicos diferentes.

Posições jurídicas subjetivas dos particulares e da administração

A constituição define as garantias dos cidadãos a partir de posições jurídicas subjetivas


daqueles. Impõe-se, assim, analisar as posições jurídicas subjetivas dos particulares em face da
administração, para determinar o significado destas categorias jurídicas e, por consequência, o
alcance da tutela prevista.
No processo administrativo podem estar em causa posições desfavoráveis de particulares,
designadamente nas ações postas contra estes, bem como posições jurídicas substantivas da
administração, em especial nas relações interadministrativas.

Posições jurídicas substantivas dos particulares em face da administração

Posições de vantagem

Temos a considerar as posições de vantagem a que corresponde obrigações, deveres e sujeições


da Administração e/ou limitações ou condicionamentos da atividade administrativa.

A fronteira a estabelecer com nitidez deve ser a que delimita, de um lado, as posições jurídicas
substantivas (direitos e interesses legalmente protegidos) e, do outro lado, os interesses simples
ou de facto

• As posições jurídicas substantivas implicam sempre uma intenção normativa de proteção


efetiva de um bem jurídico próprio de determinado particular
• Os interesses simples ou de facto representam vantagens genéricas para os
administrados ou vantagens específicas de pessoas determinadas, mas que, encaradas
do ponto de vista da norma reguladora, são vantagens ocasionais.

Posições de desvantagem

Considerando agora as situações em que os particulares aparecem numa posição desfavorável


em face da Administração, há que distinguir, na esteira da doutrina do direito privado, entre
sujeições, deveres e obrigações e ónus.

a) Sujeições: Posições jurídicas passivas dos particulares, que surgem nas relações jurídicas
administrativas em correspondência com direitos potestativos da administração, mas
que são sobretudo características enquanto posições correspetivas de poderes jurídico-
públicos gerais ou especiais.
b) Deveres: Incluem as obrigações dos particulares decorrentes da lei, de regulamento de
ato ou de contrato administrativo, mas também os meros deveres. Estes deverem têm
de resultar ou de se fundar na lei ou, no caso das obrigações, de contrato
c) Ónus: Posição mista, existem sempre que o titular de um poder ou faculdade tem a
necessidade prática de adotar um certo comportamento, caso pretenda assegurar a
produção de um efeito jurídico favorável ou não perder um efeito útil já produzido.

Os status ou situações jurídicas estatutárias

Posições jurídicas complexas, no contexto de relações jurídicas dissimétricas ou polissimétricas,


que formam um conjunto ordenado de direitos e deveres, derivados de um único facto ou ato
jurídico. São caracterizados por formarem um conjunto ordenado de posições jurídicas que
resulta da sua definição genérica pela lei e da sua aplicação em bloco a todos os que se
encontrem em determinadas circunstâncias ou ingressem em determinado grupo ou categoria.

As posições jurídicas da administração

A capacidade jurídica de direito público da administração é uma capacidade delimitada pelo


princípio da especialidade. Nos termos do princípio da legalidade, a capacidade jurídica de
direito público, mesmo no domínio contratual, ao incluir poderes de autoridade, identifica-se e
é, por isso, também delimitada pela competência que a lei atribui aos respetivos órgãos.

a) A administração pública dispõe de poderes públicos de índole geral que são poderes-
deveres ou poderes funcionais, porque visam sempre a prossecução de interesses
público.
b) A administração é ainda titular de direitos e deveres públicos concretos, muitas vezes
decorrentes do exercício dos seus poderes.
c) Nas relações interadministrativas, os entes públicos podem surgir em posição de
dominância-dependência mais ou menos intensa, hipóteses em que essas relações se
podem aproximar das que ligam a Administração aos particulares
d) Os órgãos ou os entes públicos são também titulares de posições jurídicas
procedimentais ou processuais.

A dimensão funcional da justiça administrativa


Se utilizarmos agora um critério funcional de delimitação, a justiça administrativa não abrange
todo e qualquer tipo de resolução de controvérsias emergentes das relações jurídicas
administrativas, referindo-se apenas aqueles processos que, visando exclusivamente a solução
de uma “questão de direito”, implicam o exercício da função jurisdicional, isto é, aos litígios que
se apresentem como questões jurídicas a solucionar, através de um processo jurisdicional, por
um tribunal.

Esta perspetiva funcional vai contribuir para a delimitação material do âmbito da justiça
administrativa, relativamente a outros instrumentos ou formas de composição de litígios, seja
quanto ao respetivo objeto, seja quanto aos meios de resolução

As delimitações materiais negativas decorrentes da perspetiva funcional da justiça


administrativa

Deve começar por referir-se, como delimitação material negativa, a exclusão da justiça
administrativa das questões relativas a atos internos da administração ou a litígios que relevam
exclusivamente da organização ou das relações administrativas internas.
Além disso, a delimitação da justiça administrativa pelo caráter jurisdicional da função exercida,
leva a que não possa hoje incluir a resolução de questões administrativas, quando esta se
realize através de meios administrativos de impugnação. Embora o recurso hierárquico, com um
procedimento mais ou menos jurisdicionalizado, primeiro, e a intervenção de autoridades
administrativas independentes depois tenham constituído as formas típicas do contencioso
administrativo tradicional, hoje elas estão fora do âmbito próprio da justiça administrativa.

A reclamação e os recursos administrativos permitem o exercício do direito dos particulares de


solicitarem a revisão ou de reagirem contra a omissão ilegal de atos ou regulamentos
administrativos perante os respetivos autores.

Estes meios complementam a garantia dos particulares de acesso ao tribunal e, quando a lei
expressamente o determine, a sua utilização pode mesmo constituir um pressuposto processual
da ação judicial.

Por razões semelhantes, fica igualmente fora da justiça administrativa a resolução de


controvérsias relativas à atuação da administração pública por meios políticos, na sequência do
uso de instrumentos petitórios dos particulares dirigidos ao provedor de justiça ou ao
parlamento.

Também não integrará a justiça administrativa a resolução de questões administrativas através


de mecanismos, mais ou menos informais, de autocomposição de conflitos, através de
conciliação, de mediação ou de transação, aqui a resolução de conflitos baseia-se na vontade
das partes, que são quem acaba por decidir a controvérsia, ainda que haja a intervenção de um
terceiro e este seja um juiz.

Os centros de arbitragem permanente (Art. 187º CPTA) destinam-se à composição de litígios


em algumas matérias de direito administrativo, podendo exercer funções de conciliação,
mediação ou consulta. Todas estas são instrumentos e formas de composição não jurisdicional
dos conflitos (Art. 202º nº4 CRP) e são exteriores à justiça administrativa.

Ainda assim, está incluída na justiça administrativa a resolução de litígios de direito


administrativo por tribunais arbitrais. A jurisdição arbitral nas matérias em que é admitida pelo
CPTA enquadra-se no domínio da arbitragem voluntária. O Art. 182º CPTA confere, em geral, aos
interessados o direito de exigirem da administração a celebração de compromissos arbitrais no
âmbito dos litígios legalmente arbitráveis.

No que se refere a várias matérias administrativas, o Art. 187º CPTA prevê ainda, e parece
promover a possibilidade de os ministérios, através de portaria, se vincularem à jurisdição dos
centros de arbitragem permanentes para a resolução de pequenos litígios, legalmente
suscetíveis de arbitragem, estabelecendo o respetivo “tipo” e “valor máximo”
Seja qual for a sua génese, os tribunais arbitrais constituem, nos termos do Art. 209º nº2 CRP,
categorias reconhecidas de tribunais, que exercem a função jurisdicional.

Os limites funcionais da justiça administrativa

Dentro do domínio material definido pelas relações jurídicas administrativas públicas, a ordem
judicial administrativa vai julgar os litígios entre os interessados, dando-lhes uma solução de
caráter jurisdicional.

No entanto, essa atividade exercida pelos tribunais administrativos sofre limitações funcionais
específicas, na medida em que se apresenta como uma atuação que envolve um juízo sobre a
legitimidade do exercício de um outro poder público: O poder administrativo (Executivo).
De facto, do princípio da divisão dos poderes, na dimensão que separa o poder judicial
dos outros poderes públicos, há-de resultar alguma limitação para a justiça administrativa, visto
que o juiz não pode ignorar, nem substituir-se à competência e à autoridade própria das
decisões jurídico-públicas da administração.

Os limites relativos ao conteúdo da fiscalização

De início, retirava-se da separação de poderes a proibição dos tribunais se substituírem


ou controlarem a atividade de direito público da Administração, reservando-se a órgãos
políticos ou administrativos.
Na sequência de uma evolução mais ou menos gradual, o relevo do princípio da divisão
dos poderes exprime-se, nesta matéria, através das limitações próprias de uma atuação judicial
concebida tipicamente como atividade de fiscalização.

a) Um primeiro desses “limites à eficácia da proteção jurisdicional administrativa” resulta


da distinção entre autoria e fiscalização.
a. A função de decidir exige um conhecimento completo de todas as circunstâncias
relevantes da situação de facto e de direito, uma ponderação real entre as
alternativas e os respetivos efeitos e a escolha da solução que melhor realize o
interesse público
b. Para fiscalizar bem, a entidade, neste caso o tribunal, deve elaborar o paradigma
normativo até onde este seja determinável na situação concreta, e submeter a
decisão sujeita a controlo a testes de juridicidade considerados fundamentais.
b) Um outro limite decorre da autocontenção do juiz administrativo perante a reserva de
discricionariedade da administração. No respeito pelo princípio da separação dos
poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das
normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da
sua atuação. (Art. 182º nº5 CPTA)
A necessidade de decisão administrativa prévia

Ainda que este limite tenha vigorado no nosso ordenamento durante muito tempo, hoje é
completamente ultrapassado

Limites à plena jurisdição do tribunal administrativo

Outro limite que foi ultrapassado, sendo ainda assim certo que, o juiz não pode determinar
aquilo que a administração há-de fazer num caso concreto, e muito menos substituir-se a ela,
quando esteja em causa o conteúdo discricionário de um ato de autoridade, devendo limitar-se
a uma condenação genérica ou diretiva. Do mesmo modo, o juiz tem de respeitar a força de
caso decidido de ato administrativo, quando este, ainda que inválido, se tenha tornado
inimpugnável pela queda do prazo de impugnação, embora possa conhecer incidentalmente
essa eventual ilegalidade do ato, quando a lei o permite, em regra para efetivação da
responsabilidade civil da administração.

O âmbito orgânico da justiça administrativa: A jurisdição administrativa


Segundo um critério orgânico, a justiça administrativa compreende exclusivamente a
resolução das questões de direito administrativo que sejam atribuídas à ordem judicial dos
tribunais administrativos. Tal dimensão só tem influência na determinação do âmbito da justiça
administrativa se à jurisdição administrativa não for atribuída a competência para conhecer de
todas as questões de direito administrativo e exclusivamente dessas questões

Temos de determinar o âmbito da jurisdição administrativa ao nível das opções da


legislação ordinária que regula a competência dos tribunais administrativos, desde logo no ETAF,
que contém as regras gerais dessa competência, mas também na legislação especial que, a
propósito de matérias específicas, acaba por conter normas que podem significar uma
atribuição ou uma subtração relativamente a essas competências comuns.

O alcance da reserva constitucional da jurisdição administrativa

A primeira questão que se coloca é a da interpretação do art. 232 nº3 CRP, para saber se aí se
consagra uma reserva material absoluta de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos, no
duplo sentido de que, por um lado, os tribunais administrativos só poderão julgar questões de
direito administrativo e de que, por outro lado, só eles poderão julgar tais questões.

A jurisprudência do TC parecia apontar para uma reserva negativa em que estes tribunais
especiais só poderiam julgar as questões que lhe fossem constitucionalmente atribuídas, nesta
linha, deveriam ser consideradas inconstitucionais as leis que conferissem aos tribunais
administrativos competência para o conhecimento de questões que não fossem emergentes de
relações jurídicas administrativas.
No entanto, a doutrina desenvolveu-se para admitir a atribuição legal aos tribunais
administrativos da resolução de litígios referentes à atividade da administração, ainda que
respeitassem a relações ou incluíssem aspetos do direito privado.

Essa possibilidade tornava-se tanto mais aceitável quanto mais se verificava uma crescente
utilização de mecanismos de direito privado pela Administração no exercício da função
administrativa. Foi neste sentido que a reforma de 2002 optou por atribuir aos tribunais
administrativos a resolução de alguns litígios não incluídos no Art. 212º nº3 CRP.

Quanto ao segundo aspeto da questão, a doutrina dividiu-se, sendo que o STA e o TC assumiram
a posição que não lê o preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma
proibição absoluta, mas como uma regra definidora de um modelo típico, suscetível de
adaptações ou desvios em casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo
caracterizador do modelo

A delimitação legal do âmbito da jurisdição administrativa

O âmbito da justiça administrativa não se determina simplesmente no plano substancial e no


plano funcional, essa definição realiza-se no plano legal, a par de normas que visam concretizar
o conteúdo da cláusula geral estabelecida pela CRP, os preceitos que implicam a subtração ou
atribuição de questões.

O âmbito da jurisdição administrativa segundo o ETAF

O ETAF reafirma no nº1 a cláusula da CRP, desde 2015 o preceito remete a definição do âmbito
da jurisdição administrativa para o Art. 4º que inclui a alínea o) do nº1. Nesta matéria, o ETAF
entra por uma enumeração positiva, onde elenca questões que fazem parte deste âmbito da
justiça administrativa e uma enumeração negativa, onde elenca questões que não fazem parte.

A relação intra-jurisdicional entre tribunais administrativos e fiscais

Embora exista uma relativa unidade de jurisdição entre a justiça administrativa e a fiscal estas
são distinguíveis e, para tal, a jurisprudência tem adotado a “tese ampliativa”, pela qual são
“questões fiscais” para o efeito “todas as questões cuja resolução exija a interpretação de quais
disposições de direito fiscal, desde que se situem no campo da atividade tributária.
Ver também art. 179º CPPT
Garantia da tutela jurisdicional efetiva
O direito de acesso aos tribunais administrativos e o princípio da tutela jurisdicional efetiva

Aqui costumamos destacar, primeiro o direito de acesso ao direito e aos tribunais, depois o
direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo e, por
fim, o direito à efetividade das sentenças proferidas.

O Direito à proteção judicial

O Art. 20º CRP garante o direito de acesso ao direito e aos tribunais, bem como à informação e
consulta jurídica e ao patrocínio judiciário.
Estes direitos podem ser agregados num direito geral à proteção jurídica, que constitui um
direito-garantia dos cidadãos.

O núcleo essencial é constituído pelo direito à proteção pela via judicial, e é ainda reforçado, ao
nível constitucional, pelo Art. 205º CRP

O princípio da tutela jurisdicional efetiva em matéria administrativa

A CRP consagra no Art. 268º nº4 CRP o princípio da tutela judicial efetiva dos cidadãos perante a
AP. Este princípio é reafirmado com o princípio da justiciabilidade ou acionabilidade da
atividade administrativa lesiva dos particulares no Art. 2º nº2 CPTA.

A tutela judicial efetiva há-se de ser assegura numa tripla dimensão, sejam quanto à
disponibilidade de ações ou meios principais adequados, seja no plano cautelas e executiva,
quanto às providências indispensáveis para a garantia da utilidade e efetividade das sentenças.

O princípio aparece densificado na exemplificação de algumas das pretensões admissíveis,


completada na enumeração dos possíveis objetos de litígio feito a propósito dos diversos
processos principais (Art. 37º nº1), bem como às providências cautelares (Art. 112º nº2) e aos
processos executivos (Art. 162º e ss.)

A tutela judicial efetiva não se refere apenas aos direitos dos cidadãos, mas estende-se à
proteção do interesse público e dos valores coletivos.

O princípio da plenitude dos poderes judiciais

A tutela judicial efetiva é garantida pela plena jurisdição do tribunal que lhe permite tomar as
decisões justas e adequadas à proteção dos direitos dos particulares e assegurar a eficácia
dessas decisões.
Formas de processo principal

Ação administrativa

Em 2002 estabeleceu-se uma forma de processo comum e alguns processos especiais, sendo
que estes processos especiais englobavam 3 tipos fundamentais de pedidos: impugnação de
atos, a condenação à prática de ato legalmente devido e a impugnação e a declaração de
ilegalidade da omissão de normas. Em 2015, acabou este regime dualista, passando todos os
processos não-urgente do contencioso administrativo a tramitar sob uma única forma de ação,
a ação administrativa.

Processos urgentes

Art. 97º e ss. Abrangem 3 tipos de ações administrativas urgentes, relativos ao contencioso
eleitoral, procedimentos de massa e ao contencioso pré-contratual e 2 tipos de intimações, para
prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e para proteção dos
direitos, liberdade garantias.

Ações administrativas especiais ou avulsas

Ações administrativas que não sejam reguladas no CPTA, mas constituam objeto de regulação
especial em legislação avulsa:

• Ações para declaração de perda de mandato local


• Algumas ações urbanísticas
• Ação de indemnização contra magistrados

Ações populares

São espécies qualificadas. A ação popular local é uma espécie qualificada de impugnação,
admissível apenas a este pedido e corresponde ao alargamento da legitimidade impugnatória,
visto que a dimensão comunitária típica da ação popular não se manifesta nos valores ou
interesses defendidos, bastando-se com o vínculo à pertença à autarquia local. A ação popular
social pode tomar qualquer das formas e integrar qualquer dos pedidos previstos no CPTA.

Cumulação de pedidos

É admitida com a maior das aberturas no Art. 4º CPTA, só é admissível quando haja conexão
entre os pedidos: quando seja a mesma causa de pedir ou a procedência do pedido dependa da
apreciação dos mesmos factos ou da aplicação das mesmas normas. O CPTA passou a admitir a
possibilidade de cumular pedidos, mesmo quando aos pedidos cumulados correspondam
diferentes formas de processo ou tribunais de hierarquia distinta.

Você também pode gostar