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RI é a abreviatura para o campo acadêmico das relações internacionais. Este pode ser
definido como o estudo das relações e interações entre países, incluindo as atividades e
politicas de governos nacionais, organizações governamentais internacionais (OGIs),
organizações não governamentais (ONGs) e corporais es multinacionais (CMNs). Pode
ser tanto um assunto teórico quanto um tema prático ou politico, e abordagens
acadêmicas que o tenham como foco podem ser empíricas, normativas ou mesmo
ambas. O campo das RI é frequentemente considerado um ramo da ciência política, mas
também é um tema estudado por historiadores (vinculados à história internacional ou
diplomática) economistas (economia internacional) E ainda um campo dos estudos
jurídicos (direito público internacional) e uma área da filosofia (ética internacional)
Dessa perspectiva mais ampla, as RI constituem claramente um campo interdisciplinar.
Aspectos das relações internacionais, particularmente a guerra e a diplomacia, têm sido
explorados e comentados pelo menos desde o antigo historiador grego Tucidides, mas
as RI só se tornaram uma disciplina acadêmica propriamente dita no início do século
XX.
A principal razão para o estudo das RI é o fato de a população mundial estar dividida
em comunidades políticas distintas, Estados independentes que influenciam
profundamente o modo de vida de todas as pessoas. Os Estados-nação estão envolvidos
conosco, assim como nós com eles. Naqueles mais bem-sucedidos, a maioria das
pessoas se identifica, com muita frequência fortemente, com o país do qual são cidadãs.
Elas têm orgulho da bandeira de seu país. Cantam o hino nacional, e não o de outros
países. Veem a população do mundo como dividida e organizada em termos de Estados
nacionais distintos. "Eu sou americano, você é francês, ele é alemão, ela é japonesa,
aquele homem é do Brasil, aquela mulher é da África do Sul, o outro sujeito é russo..."
E assim se dá em todo o mundo.
Do ponto de vista prático, é difícil, se não impossível, para a maioria das pessoas
escapar dos diversos efeitos dos Estados-nação sobre suas vidas cotidianas, mesmo que
quisessem. O Estado está comprometido em protegê-las e fornecer-lhes segurança, tanto
pessoal quanto nacional, em promover sua prosperidade econômica e seu bem-estar
social, em lhes cobrar impostos, em educá-las, em licenciá-las e regulamentá-las, em
mantê-las saudáveis, em construir e preservar a infraestrutura pública (estradas, pontes,
portos, aeroportos ere), entre muitas outras coisas. Esse envolvimento entre pessoas e
Estados é frequentemente tido como favas contadas. Mas é uma relação profunda. As
pessoas são moldadas, de modo muito significativo, por essa realidade.
As RI têm como foco as várias atividades dos Estados-nação em suas relações externas.
Para dar conta disso, alguns conceitos básicos se fazem necessários. Um Estado
independente pode ser definido como um território dotado de fronteiras e contornos
distintos, com uma população permanente, sob a jurisdição de um governo supremo
constitucionalmente separado - isto é, independente - de todos os governos estrangeiros:
um Estado soberano. Em conjunto, esses Estados formam um sistema de Estados
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internacional de extensão global. Atualmente, há quase duzentos Estados independentes.
A maioria das pessoas, com poucas exceções, não apenas vive, como também é cidadã
de pelo menos um desses países e, muito raramente, de mais de um deles, embora essa
possibilidade esteja aumentando à medida que o mundo se torna cada vez mais
interdependente. Praticamente, todos nós estamos ligados a um Estado particular e, por
meio deste, nos conectamos ao sistema de Estados que afeta nossas vidas de maneiras
importantes, mas que talvez nem tenhamos consciência.
Os Estados são independentes uns dos outros, pelo menos legalmente: eles têm
soberania. No entanto, isso não significa que estejam isolados. Pelo contrário, se unem e
se influenciam e, portanto, devem encontrar meios de coexistir e de lidar uns com os
outros. Em outras palavras, eles formam um sistema de Estados, que é o tema central de
RI. Ademais, estão geralmente incorporados aos mercados internacionais, que geram
efeitos sobre as políticas dos governos e sobre a riqueza e o bem-estar de seus cidadãos.
Sendo assim, o relacionamento entre Estados é necessário - ou seja, o isolamento total
não é uma opção. Quando um país é isolado e excluído do sistema de Estados, seja
devido às ações do seu próprio governo ou de poderes externos, o resultado geralmente
é o sofrimento da população local - os exemplos mais recentes são Birmânia
(oficialmente, República da União de Mianmar), Líbia, Coreia do Norte, Iraque, Irã e
Síria. Assim como na maioria dos outros sistemas sociais, o sistema de Estados
apresenta vantagens e desvantagens para os Estados envolvidos e seus povos. Em outras
palavras, RI foca a natureza e as consequências dessas interações.
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precisavam vir a existir, tornar-se uma realidade prática, antes que pudessem ser
teoricamente estudados.
Por que estudar RI? É importante, antes de começar a responder a esta questão, avaliar
nossa vida diária como cidadãos de Estados particulares e nossas expectativas quanto a
esses Estados. Há, no mínimo, cinco valores sociais básicos que os Estados
supostamente devem defender: segurança, liberdade, ordem, justiça e bem-estar. Por
serem tão fundamentais ao bem-estar humano, tais valores sociais precisam ser
protegidos e garantidos. É claro que outras organizações sociais, além do Estado, podem
assumir tal responsabilidade: como a família, o clã ou as organizações étnicas ou
religiosas. Na Era Moderna, contudo, o Estado tem sido, em geral, a principal
instituição a cumprir esta função e espera-se que o próprio garanta estes valores básicos.
Por exemplo, as pessoas costumam achar que o Estado deveria financiar a segurança,
responsável pela proteção dos cidadãos com relação a ameaças internas e externas. Esta
é uma preocupação ou um interesse fundamental dos países. No entanto, a própria
existência de Estados independentes afeta o valor da segurança: vivemos em um mundo
de muitos países, quase todos minimamente armados. Dessa forma, os Estados tanto
defendem como ameaçam a segurança das pessoas - este paradoxo do sistema de
Estados é geralmente conhecido como "dilema de segurança". Portanto, assim como
qualquer outra organização humana, os Estados apresentam problemas e soluções.
Além disso, para garantir que nenhuma grande potência consiga alcançar uma posição
hegemônica de dominação total, com base na intimidação, na coerção ou no uso
absoluto da força, é necessário construir e manter uma balança de poder militar. Essa
abordagem para o estudo da política mundial é típica das teorias realistas das RI
(Morgenthau 1960), que partem do pressuposto de que as relações dos países podem ser
mais bem caracterizadas como um mundo no qual os Estados que possuem armas são
rivais competidores e, de tempos em tempos, iniciam guerras interestatais.
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Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, mesmo quando um
país é livre, sua população pode não ser, mas pelo menos o problema da liberdade está
nas próprias mãos dos cidadãos. A guerra ameaça e, algumas vezes, destrói a liberdade.
A paz, pelo contrário, promove a liberdade, tornando possíveis a mudança internacional
progressiva e a criação de um mundo melhor. A paz e a mudança progressiva estão,
certamente, entre os • valores mais fundamentais das relações internacionais. Essa
abordagem sobre a política mundial é típica das teorias liberais das RI (Claude 1971).
Opera a partir da suposição de que as relações internacionais podem ser mais bem
caracterizadas como um mundo no qual os Estados cooperam entre si, com o objetivo
de manter a paz e a liberdade, além de buscar a mudança progressiva.
O terceiro e o quarto valor básico sob responsabilidade dos Estados são a ordem e a
justiça. Para que os países possam coexistir e interagir com base na estabilidade, na
certeza e na previsibilidade, é fundamental que tenham o interesse comum no
estabelecimento e na manutenção da ordem internacional.
Para isso, é obrigatório defender o direito internacional: manter compromissos com
tratados e cumprir as regras, convenções e hábitos da ordem legal inter-nacional. Além
disso, espera-se que aceitem práticas diplomáticas e apoiem as organizações
internacionais. O direito internacional, as relações diplomáticas e as organizações
internacionais só podem existir e operar de modo bem-sucedido caso estas expectativas
sejam, em geral, cumpridas pela maioria dos Estados durante a maior parte do tempo.
Outro dever dos países é defender os direitos humanos. Hoje, já existe uma estrutura
legal internacional de direitos humanos - direitos civis, políticos, sociais e econômicos -
desenvolvida desde o término da Segunda Guerra Mundial. Certamente, a ordem e a
justiça estão entre os valores mais fundamentais das relações internacionais. Esta
abordagem com relação ao estudo da política mundial é típica das teorias da sociedade
internacional das RI (Bull 1995). De acordo com esta linha de raciocínio, as relações
internacionais podem ser mais bem caracterizadas como um mundo no qual os Estados
são atores socialmente responsáveis e compartilham o interesse de preservar a ordem
internacional e promover a justiça internacional.
O último valor básico que se espera que os Estados defendam é a riqueza e o bem-estar
socioeconômico da população. Os cidadãos acreditam que o seu governo deva adotar
políticas apropriadas a fim de incentivar um alto índice de emprego, baixa inflação,
investimento constante, fluxo ininterrupto de comércio, e assim por diante. Uma vez
que as economias nacionais raramente estão isoladas umas das outras, a maioria das
pessoas também espera que seu país atue no ambiente econômico internacional de
forma a elevar ou, no mínimo, defender e manter o padrão de vida nacional.
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mercado global pode gerar um aumento da liberdade e da riqueza, por meio de mais
distribuição, especialização, eficiência e produtividade. Já outros teóricos entendem a
interdependência econômica como algo negativo, porque promove a desigualdade ao
permitir que países ricos e poderosos, ou com vantagens financeiras e/ou tecnológicas,
dominem países pobres e fracos que não detêm tais vantagens. Outros, ainda,
consideram o protecionismo nacional preferível à interdependência econômica como
melhor forma de reagir às crises financeiras e econômicas que periodicamente
perturbam a economia mundial. Mas, independentemente dessa discussão, a riqueza e o
bem-estar estão entre os valores mais fundamentais das relações internacionais. Essa
abordagem da política mundial é típica das teorias de economia política internacional
(EPI) (Gilpin 1987). Para os defensores dessa corrente de pensamento, as relações
internacionais podem ser mais bem caracterizadas como um mundo fundamentalmente
socioeconômico e não simplesmente político e militar.
A Segunda Guerra Mundial não apenas enfatizou a realidade dos perigos da guerra entre
grandes potências. Ela revelou também a importância de se impedir qualquer potência
de escapar do controle, assim como a imprudência de seguir uma política de
apaziguamento - adotada pela Grã-Bretanha e pela França em relação à Alemanha
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nazista, um pouco antes da guerra, e que provocou consequências desastrosas a todos,
inclusive ao povo alemão.
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sistema de Estados uma valiosa instituição da vida moderna. Neste livro, as teorias
tradicionais das RI apresentadas tendem a adotar esse ponto de vista positivo (ver
Tabela 1.1).
Mas se os Estados não forem bem-sucedidos nesse aspecto, o sistema de Estados pode
ser facilmente entendido pela ótica oposta: enfraquecendo em vez de sustentar os
valores e as condições sociais básicas. Mais do que isso, alguns Estados podem não
assegurar qualquer um deles. Esse é o caso, por exemplo, de muitos Estados no mundo
não ocidental, especialmente na África subsaariana e no Oriente Médio. As condições
em alguns desses países são tão ruins, tão adversas ao bem-estar humano, que as
pessoas são levadas a fugir para países vizinhos em busca de segurança. São forçadas a
se tornarem refugiadas. A situação de vida degradada de inúmeros homens, mulheres e
crianças nesses países coloca em questão a credibilidade e, às vezes, até mesmo a
legitimidade do sistema de Estados. Esse contexto estimula o argumento de que o
sistema internacional promove ou, no mínimo, tolera o sofrimento humano, e, sendo
assim, deve-se mudá-lo para que as pessoas em todo o mundo - não apenas nos países
desenvolvidos - possam levar à frente os seus afazeres da vida. Essa é a base de teorias
de RI mais críticas, que consideram o Estado e o sistema de Estados uma instituição
menos benéfica e mais problemática. Neste livro, discutiremos as teorias alternativas de
RI, que tendem a adotar essa visão crítica (ver Tabela 1.2).
ENFOQUES
Segurança
política de poder, conflito e guerra
Liberdade cooperação, paz e progresso
Ordem e justiça interesses compartilhados, regras e instituições
Bem-estar riqueza, pobreza, igualdade
TEORIAS
Realismo
Liberalismo
Sociedade internacional
Teorias de EPI
VISÃO TRADICIONAL
Estados são instituições valiosas: proporcionam segurança, liberdade, ordem,
justiça e bem-estar
As pessoas se beneficiam do sistema de Estados
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Para resumir: os Estados e o sistema de Estados são organizações sociais baseadas em
territórios, cuja principal responsabilidade é estabelecer, manter e defender valores e
condições sociais básicas, como a segurança, a liberdade, a ordem, a justiça e o bem-
estar. Essas são as principais razões de sua existência. Muitos Estados e certamente
todos os países desenvolvidos defendem essas condições e valores, pelo menos, nos
padrões mínimos e, muitas vezes, em um nível superior. Na verdade, o dever foi
cumprido nos últimos séculos de modo tão bem-sucedido que os padrões aumentaram e,
hoje, são mais altos do que nunca. Esses países estabeleceram o padrão internacional
para todo o mundo. No entanto, muitos Estados e a maioria dos países subdesenvolvidos
ainda não conseguiram cumprir os padrões mínimos e, consequentemente, sua presença
no sistema de Estados contemporâneo levanta sérias questões não somente sobre esses
países, mas também sobre o sistema de Estados do qual são parte importante. Tal
situação provocou um debate em RI entre os teóricos tradicionais, que aceitam o sistema
de Estados existente, e teóricos radicais, que o rejeitam.
Uma vez que os Estados e o sistema de Estados são características tão básicas da vida
política moderna, assumimos com facilidade que são aspectos permanentes: sempre
estiveram presentes e sempre estarão. No entanto, esta premissa é falsa. É importante
enfatizar que o sistema de Estados é uma instituição histórica, ou seja, não foi
determinado por Deus nem pela natureza, mas configurado por algumas pessoas em
uma determinada época. Trata-se, portanto, de uma organização social. Como todas as
organizações sociais, o sistema de Estados apresenta vantagens e desvantagens que
mudam com o passar do tempo. Apesar de a existência humana não depender do
sistema de Estados, sua estrutura oferece uma série de benefícios que permitem
melhores condições de vida. O esboço da história internacional que apresentamos
abaixo sublinha esse fato.
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Antes do século XVI, quando os Estados começaram a ser instituídos na Europa
ocidental, eles não eram reconhecidamente soberanos. Mas, durante os últimos três ou
quatro séculos, os Estados e o sistema de Estados estruturaram as vidas políticas de um
número cada vez maior de pessoas em todo o mundo, tornando-se, assim,
universalmente populares. Hoje em dia, é possível afirmar que o sistema é global em
extensão. Durante esse mesmo período, muitas formas alternativas de organização da
vida política foram deixadas de lado ou se tornaram obsoletas. Outras subsistem ou
reaparecem ocasionalmente.
Isso aconteceu recentemente no Oriente Médio, onde se cometeram atentados violentos
com o objetivo de restabelecer os califados. Mas mesmo quando isso acontece, o Estado
e o sistema de Estados são os principais pontos de referência na vida das pessoas.
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Certamente, há evidências de sistemas políticos similares aos Estados soberanos bem
antes da Era Moderna, que muito provavelmente mantinham relações entre si. A origem
histórica das relações internacionais, nesse sentido mais geral, é muito antiga, e, por
isso, é apenas possível se especular acerca do tema. Mas, conceitualmente, o início das
interações entre as organizações políticas coincide com um período no qual as pessoas
começaram a se estabelecer nas terras, formando comunidades políticas distintas de
base territorial. Os primeiros exemplos têm mais de 5 mil anos (ver Tabela 1.3).
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na necessidade de impor seu poder, de tempos em tempos, sobre alguns de seus
territórios remotos. Sendo assim, a Idade Média chama atenção por ter sido a era do
império e de relações e conflitos entre agrupamentos políticos diferentes (ver links 1.03,
1.04 e 1.05). Mas o contato entre os impérios era, na melhor das hipóteses, intermitente:
a comunicação era lenta e o transporte, difícil. Consequentemente, a maioria dessas
organizações, na época, formava um mundo centrado em si mesmo.
Sabe-se também que a Era Medieval foi marcada por desordem, tumulto, conflito e
violência, cuja origem, acredita-se, é a falta de controle e organização política territorial
claramente definidos. Não havia uma distinção clara entre guerras civil e internacional.
As guerras medievais eram motivadas, principalmente, por questões relativas a acertos e
erros: lutas com o objetivo de defender a fé, resolver conflitos sobre herança dinástica,
punir criminosos ou cobrar impostos, entre outras (Howard 1976: c.1). Diferentemente
dos conflitos civis, tais guerras raramente estavam associadas às disputas com relação
ao controle exclusivo do território ou sobre o Estado ou aos interesses nacionais. Na
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Europa medieval, não havia nenhum território com controle exclusivo e nenhuma
concepção clara da nação ou do interesse nacional.
Um dos principais efeitos da ascensão do Estado moderno foi seu monopólio sobre os
meios de operação militar (ver Quadro 1.2). O rei primeiro estabeleceu a ordem interna
e, em seguida, se tornou o único centro do poder dentro do país. Cavaleiros e barões
que, em tempos passados, controlavam os seus próprios exércitos, passaram a obedecer
às ordens do rei. Assim, muitos monarcas decidiram investir na expansão de seus
territórios, seja por ambição, seja por medo de que um governante vizinho invadisse
suas terras e as conquistasse. Consequentemente, houve um estímulo ao
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desenvolvimento de rivalidades internacionais, que muitas vezes resultaram em guerras
e na ampliação de alguns países à custa de outros. Frequentemente, Espanha, França,
Áustria, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Holanda, Prússia, Polônia, Rússia e outros
Estados do novo sistema de Estados europeu estavam em guerra. Nesse sentido, a
guerra se tornou uma instituição internacional de peso para a resolução de desavenças
entre os Estados soberanos (ver Quadro 1.3).
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O acordo vestfaliano legitimou uma comunidade de Estados soberanos. Marcou o
triunfo do stato (o Estado) no controle de suas questões internas e na independência
externa. Essa era a aspiração de príncipes (governantes) em geral — e em especial dos
príncipes germânicos, ambos protestantes e católicos, em relação ao império (Sagrado
Romano ou Habsburgo). Os tratados de Vestfália estabeleceram muitas regras e
princípios políticos da nova sociedade de Estados ... O acordo foi promovido para gerar
um estatuto abrangente de toda a Europa.
Watson (1992: 186)
Essas interpretações conflitantes não são apenas distintos pontos de vista ou seleções de
evidências. São, mais que isso, abordagens e pressupostos metodológicos diferentes. Os
tradicionalistas são historicistas e empiristas, no sentido de perceberem evidências
existenciais do nascimento do Estado moderno no episódio de Vestfália. Para eles, é a
ocasião histórica em que o Estado soberano e o sistema de Estados anárquico começam
a existir como característica política predominante no mundo europeu: soberania do
Estado, poder militar por este controlado, interação e negociação diplomáticas, acordos
de paz, tratados etc. (ver Parte 2). Os revisionistas, por outro lado, são construtivistas e
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teóricos críticos (ver Parte 3). Veem Vestfália como uma concepção ou construção de
estudiosos de RI que promove seus vieses teóricos. Para eles, a realidade histórica, a
verdadeira Vestfália, foi um mundo ambíguo de ideias e crenças confusas e
contraditórias, distante de uma ruptura profunda e decisiva com o passado. Temas
metodológicos como este são examinados na Parte 3.
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negócio ruim e sem credibilidade; (3) que não poderíamos deixá-los por si próprios -
eles eram inadequados para se autogovernar - e logo formariam uma anarquia, e um
governo ruim na região seria pior do que era na Espanha; e (4) não restava outra opção a
não ser levá-las ... [e] inserir as Filipinas no mapa dos Estados Unidos.
Bridges et al. (1969: 184)
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global)
Atualmente, o sistema é uma instituição global que afeta a vida de quase todos na Terra,
quer percebamos ou não. Ou seja, as RI são agora mais do que nunca uma disciplina
acadêmica universal. Ademais, isso significa que a política mundial, no início do século
XXI, deve conciliar uma variedade de Estados bem mais heterogêneos — em termos de
cultura, religião, língua, ideologia, forma de governo, capacidade militar, complexidade
tecnológica, níveis de desenvolvimento econômico etc. - do que antes. Essa é uma
mudança fundamental para o sistema de Estados e um grande desafio para os
acadêmicos de RI no desenvolvimento de suas teorias.
No entanto, não há dúvidas de que devemos estar atentos ao fato de que o Estado
soberano é um conceito teórico contestado. Quando perguntamos "o que é o Estado?" e
"o que é o sistema de Estados?" as respostas vão variar dependendo da abordagem
teórica adotada: a realista divergirá da liberal, que por sua vez será diferente daquela da
sociedade internacional e das teorias de EPI. Nenhuma dessas respostas está
completamente correta ou totalmente errada, porque a verdade é que o Estado é uma
entidade complexa e, de certo modo, confusa. Não é uma coisa em si. É uma ideia e
uma instituição históricas abertas a uma variedade de interpretações e compreensões.
Existem diferentes conceitos de Estado. E ainda não há um consenso em relação a sua
dimensão e seu propósito. O sistema de Estados não é, consequentemente, um assunto
de fácil compreensão e pode ser entendido por meio de muitas formas e ênfases.
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Mas isso tudo pode ser simplificado. Vale a pena refletir sobre o Estado com duas
dimensões diferentes, sendo cada uma dividida em duas categorias extensas. A primeira
é o Estado como governo e o Estado como país. Visto de dentro, o Estado é o governo
nacional: é a principal autoridade governante no país, ou seja, possui soberania
doméstica. Esse é o aspecto interno do Estado. Questões fundamentais com relação ao
aspecto interno envolvem relações de Estado-sociedade: como o governo administra a
sociedade nacional, os meios para exercer seu poder e as fontes de sua legitimidade,
como lida com as demandas e preocupações de indivíduos e grupos que estabelecem a
sociedade nacional, como gerencia a economia nacional, quais suas políticas nacionais,
e assim por diante.
Isso nos leva à segunda dimensão do Estado, que divide o aspecto externo da natureza
do Estado soberano em duas categorias extensas. A primeira é o Estado visto como uma
instituição formal ou legal em sua relação com outros Estados. Nesse sentido, é uma
entidade constitucionalmente independente dos demais Estados, reconhecida como
soberana ou independente pela maioria desses Estados, membro de organizações
internacionais e detentora de vários direitos e obrigações pelo direito internacional.
Devemos nos referir a esta primeira categoria como condição "jurídica" de Estado. A
independência constitucional e o reconhecimento são elementos essenciais da condição
de Estado do ponto de vista jurídico. A independência constitucional indica que nenhum
país estrangeiro reivindica ou tem qualquer autoridade legal sobre um Estado. A
constituição de um país independente pertence exclusivamente a esse país. O
reconhecimento certifica o fato da independência. Isso abre caminho para a participação
na sociedade internacional, incluindo as Nações Unidas. A ausência de independência
constitucional e de reconhecimento nega essa possibilidade. Nem todos os países são
independentes e como tal reconhecidos: um exemplo é Quebec, uma província do
Canadá. Para se tornar independente, é preciso que se separe do Canadá e seja
reconhecido como tal pelos Estados soberanos atuais, entre os quais os mais importantes
para Quebec são o Canadá e, em segundo lugar, os Estados Unidos (ver Tabela 1.4 e
links 1.31 e 1.32).
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Há um número menor de países independentes do que poderia haver. Quebec, Escócia
(parte da Grã-Bretanha) e Catalunha (parte da Espanha) poderiam ser independentes.
Referendos realizados em Quebec (1995) e na Escócia (2014) não obtiveram votos
suficientes pela independência. A Catalunha ainda não conseguiu que o governo
espanhol realizasse um referendo sobre a independência dessa parte do país. A maioria
dos países se recusa a admitir uma secessão. Em muitos isso seria impensável. O
sistema de Estados internacional é geralmente avesso à ideia de dividir o território de
países. Os Estados existentes perderiam território, e, assim, população, recursos, poder,
status etc. A divisão também estabeleceria um precedente capaz de desestabilizar o
sistema de Estados se um número crescente de países atualmente subordinados, mas
potencialmente independentes, se unisse na demanda por soberania como Estados ou
pela união com um país estrangeiro. Essa última demanda é vista por muitos como
particularmente perigosa. Isso é notadamente evidente na generalizada preocupação
internacional, em particular da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos, com
respeito à anexação da Crimeia pela Rússia e à intervenção desta na guerra civil no leste
da Ucrânia. O sistema de Estados internacional revela maior predileção, ou inclinação,
pela preservação das fronteiras entre países atualmente existentes. Isso é amplamente
percebido como um elemento essencial da ordem internacional.
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podemos nos referir a estes Estados como quase-Estados: possuem condição jurídica de
Estado, mas são extremamente deficientes na condição empírica (Jackson 1990).
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responsáveis por eles devido a uma questão de política nacional em vez de externa
(Tabela 1.6).
É claro que esses fenômenos produzem efeitos opostos, pois as pessoas altamente
qualificadas não aceitam que digam a elas o que pensar ou fazer.A mudança de ideias e
valores culturais afetou não só a política externa de determinados Estados, mas também
a configuração e o rumo das relações internacionais. Por exemplo, as ideologias contra
o racismo e o imperialismo, articuladas primeiro pelos intelectuais nos países
ocidentais, finalmente enfraqueceram os impérios estrangeiros ocidentais na Ásia e na
África e contribuíram com o processo de descolonização ao tornar a justificativa moral
do colonialismo cada vez mais inadequada e, com o tempo, impossível de ser
sustentada.
As mudanças sociais levantam uma questão ainda mais fundamental. Será que
deveríamos esperar que com o tempo os Estados mudem tanto de modo a não serem
mais Estados no sentido discutido aqui (ver links 1.21, 1.25, 1.26 e
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1.27)? Por exemplo, se o processo de globalização econômica continuar e tornar o
mundo um único local de mercado e de produção, o sistema de Estados será então
obsoleto? Pensamos nas seguintes atividades que devem ultrapassar os Estados:
comércio e investimento cada vez maiores, aumento da atividade empresarial
multinacional, ampliação das ações das ONGs, elevação da comunicação regional e
global, crescimento da internet, expansão e ampliação constante das redes de transporte,
intensificação das viagens e do turismo, migração humana maciça, poluição ambiental
acumulada, integração regional ampliada, expansão global da ciência e da tecnologia,
contínua redução do governo, privatização elevada e outras atividades que
propulsionam a interdependência através das fronteiras.
Conclusão
O sistema de Estados foi, preferencialmente, um sistema de Estados europeu.
Durante a era do imperialismo ocidental, o resto do mundo foi dominado pelos europeus
e pelos americanos, seja politicamente, seja economicamente, ou em ambas as esferas.
Somente com a descolonização asiática e africana, após a Segunda Guerra Mundial, o
sistema de Estados se tornou uma instituição global. A globalização do sistema de
Estados ampliou muito a variedade de seus Estados-membros e, consequentemente, sua
diversidade. A diferença mais importante está entre os Estados fortes com um alto nível
de condição empírica de Estado e os quase-Estados fracos, que, apesar da soberania
formal, apresentam pouca condição substancial de Estado. Isto é, a descolonização
contribuiu para uma profunda divisão interna do sistema de Estados entre o Norte rico e
o Sul pobre; entre países desenvolvidos no centro, que dominam o sistema política e
economicamente, e países subdesenvolvidos nas periferias, com influência econômica e
política limitada.
Recentemente, essa divergência entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos tem
assumido um viés mais complexo e preocupante. Surgiram Estados fracassados,
particularmente no Oriente Médio e na África, que sentiram o efeito não intencional do
fato de cumprirem as agendas de política externa e militar de países avançados. A
erosão e por vezes o colapso do poder e da autoridade do governo nessas áreas têm
criado vácuos de poder e autoridade. Isso tem proporcionado condições para o
surgimento de organizações terroristas armadas, particularmente hostis não apenas a
seus próprios governos, ou aos governos do Ocidente, mas à própria noção de governo
moderno, avançado e humanista. Isso se evidenciou primeiramente na chamada guerra
ao terror travada pelos Estados Unidos e seus aliados no Iraque e no Afeganistão. Um
efeito indesejado dessas guerras — e de outras no Chifre da África, no norte da África e
na África ocidental - foi o aparecimento de formas mais extremas de terrorismo.
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A mais radical delas, até agora, foi a ascensão do EI, o Estado Islâmico.
Trata-se de uma forma de terrorismo profundamente bárbara e violenta, mas também a
mais capaz e determinada, que atingiu os próprios alicerces do Estado e da sociedade
civil modernos empregando os métodos e táticas mais chocantes possíveis. Suas
incursões assassinas contra populações inocentes, incluindo crianças, as cruéis
decapitações públicas de prisioneiros civis, sua indiferença aparentemente insensível ao
sofrimento causado e muito mais têm chocado pessoas em todo o mundo. Mais que isso,
também têm feito com que governos muito diferentes colaborem e realizem ações
comuns em termos políticos, diplomáticos e militares. No momento em que se escreve
este texto, estamos testemunhando o que pode tornar-se verdadeiramente uma guerra
antiterrorista travada por Estados ocidentais e não ocidentais contra o EI. Essa nova
forma de barbárie nos relembra os valores básicos cuja defesa é a razão de ser dos
Estados e do sistema de Estados. Relações internacionais são, evidente-mente, uma
questão de poder. Mas o terrorismo revela que as RI são mais do que isso. As pessoas
esperam que os Estados sustentem certos valores-chave: segurança, liberdade, ordem,
justiça e bem-estar social. Os Estados nem sempre os defendem. Alguns atacam esses
valores em determinados momentos ou lugares. Hitler, Stálin e a ditadura militar
japonesa os golpearam intensamente durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os valores
permanecem. Os estudos de RI devem, portanto, concentrar-se neles. É, portanto,
irônico que o El se intitule um "Estado", quando de fato é não somente um ator não
estatal de um tipo particularmente violento e malévolo, mas também um ator que trava
uma guerra terrorista contra o próprio sistema de Estados moderno. Isso também é
indicado pela reação de alarme que provoca em muitos países, ocidentais ou não, e pela
determinação destes em fazer o que for necessário para derrotá-lo.
Esse episódio recente revela, tão claramente quanto possível, os valores que são
associados ao Estado e ao sistema de Estados moderno e que estes estão preparados para
defendê-los, se necessário, pela força das armas.
Isso nos leva a uma questão mais ampla, ou seja, se vale a pena sustentar e defender o
sistema de Estados ou se deveríamos substituí-lo por outro sistema.
As teorias de RI não estão de acordo sobre isso, mas a disciplina de RI se baseia na
convicção de que Estados soberanos e seu desenvolvimento são de importância
fundamental para a compreensão do modo como os valores básicos da vida humana
estão sendo ou não garantidos às pessoas mundo afora.
Os capítulos seguintes apresentarão mais a fundo as tradições teóricas das
RI. Ao passo que este capítulo se preocupou com o desenvolvimento atual dos Estados e
do sistema de Estados, o próximo se concentrará em como as RI, enquanto disciplina
acadêmica, evoluíram ao longo do tempo.
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