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RELATÓRIO REFLEXIVO – METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA

PORTUGUESA
Discente: Lucas Gesteira

Relato de experiência de leitura compartilhada

Realizei esta experiência de mediação literária com a minha tia Tina (60
e poucos anos) e com minha irmã Bárbara (31 anos), que foram as duas
pessoas que moram na minha casa e que estavam disponíveis para fazerem
esta leitura comigo na terça-feira (05/03), à tarde.
Escolhi para esta atividade o livro "O Homem que Amava Caixas", de
Stephen Michael King, por alguns motivos. Primeiro, porque estava disponível
em versão física na minha casa; segundo, porque trata-se de um livro curto,
com muitas imagens e poucas palavras, de modo que sua leitura não iria
requisitar muito tempo das outras pessoas, que tem seus afazeres; terceiro,
porque entre as três opções de livros que eu selecionei, este foi o que minha
irmã escolheu.
Este livro conta a história de um homem que era aficionado por caixas, e
por fazer coisas com caixas. O homem tinha um filho, que o amava, mas o
homem tinha dificuldade de dizer ao filho que amava ele também. Então, ele
resolve construir brinquedos para seu filho usando caixas, e descobre nisso,
uma forma de demonstrar o amor que tem pelo filho. O tema do livro é, então, o
amor de um pai pelo filho, e sua busca por expressar este afeto, a partir do que
ele mesmo gosta e sabe fazer – ainda que seja algo um tanto quanto estranho
para a maioria das pessoas.
Na realidade, este livro não é uma novidade para nenhum de nós três.
De fato, todos nós o lemos não somente uma, mas várias vezes, pois este livro
pertenceu a mim e à minha irmã, quando éramos pequenos. Em nossa edição,
consta até o nome da minha irmã, e o ano em que o livro foi adquirido: 1999!
Ou seja, embora seja um livro conhecido por nós todos, devia fazer pelo menos
uns 20 anos que nenhum de nós o lia integralmente, como fizemos a partir
desta atividade. Exatamente por este motivo, coloquei como objetivo de leitura:
ler para relembrar essa história, e ver que impressões ela nos traz hoje, após
tantos anos desde que a lemos pela última vez. Objetivo este que explicitei,
antes de começar a fazer algumas perguntas preliminares à leitura
propriamente dita.
Antes de ler, perguntei à Bárbara e Tina se elas lembravam algo sobre
esta história, com a intenção de ativar seus conhecimentos prévios sobre a
leitura. Tina só lembrava que comprou esse livro pra mim quando eu era
pequeno, porque eu gostava muito de construir coisas com caixas, então achou
que eu iria gostar (e realmente, eu brincava muito com caixas, quando era
pequeno). Bárbara também lembrava disso, mas trouxe alguns elementos da
narrativa, dos quais conseguia se recordar. Falou que o livro abordava a
relação entre um pai e seu filho; que o pai só queria saber de caixas, e que
havia uma espécie de "vazio" dentro da caixa, que o pai precisava suprir.
Então, o pai encontrava um jeito de se conectar com o filho através das caixas.
Ainda no momento pré-leitura, procurei facilitar o estabelecimento de
previsões sobre a leitura, e para isso observamos a imagem de capa do livro.
Então eu perguntei a Bárbara e Tina as impressões delas a respeito. Elas
observaram que o pai aparece entretido, olhando para uma caixa, enquanto
seu filho olha para o outro lado. Os dois parecem distantes, e até um pouco
tristes. Em seguida, lhes perguntei qual seria o tema do livro, para elas, e
ambas responderam: o amor.
Por fim, a última pergunta antes do início da leitura consistiu na
formulação da pergunta pelo autor do livro, e se Bárbara e Tina conheciam
algum outro livro dele, ao que elas responderam que não. Lendo mais uma vez
o nome do escritor, Bárbara pensou se tratar de Stephan King, famoso
romancista norte-americano.
Durante a leitura do livro, houve pouco espaço para intervenções, fora a
leitura propriamente dita. É que este livro é um livro com poucas palavras,
muito silêncio e belas imagens, que precisam ser contempladas. Minhas
interferências foram mais no sentido de chamar atenção para detalhes das
imagens – algo que Bárbara e Tina também fizeram, mostrando inclusive
alguns detalhes que eu mesmo não havia observado, mostrando assim seu
interesse pela narrativa. Em certo ponto da história, há um momento em que o
livro mostra o estranhamento e até certa rejeição que outras pessoas nutriam
pelo protagonista. Nesse momento, questionei: "por que será que as outras
pessoas achavam o homem tão estranho?". E Bárbara respondeu: "é porque
ele é diferente: ele ama caixas!". Penso que isto constitui já uma inferência,
ainda que de caráter bem simples, pois o texto não explicita verbalmente que é
este o motivo da rejeição das pessoas pelo homem. Isto só fica visível quando
situamos este trecho no conjunto da narrativa, e especialmente, quando
fazemos a leitura das imagens que acompanham esta parte da história.
Observei que, em algumas páginas, nas quais me detive um pouco na
análise das imagens, foi preciso retomar o texto das páginas anteriores para
avançar na narrativa – especialmente quando o texto era continuação direta da
mesma frase, que estava na página que havia acabado de passar. A partir
desta experiência, observo a pertinência das observações de Colomer e
Camps (2000, p. 34), que falam da memória de curto prazo como uma
capacidade limitada de reter a informação por um determinado tempo
(aproximadamente, 18 segundos). Os autores sinalizam ainda que, na leitura, a
memória de curto prazo facilita a construção de sentidos relacionados ao texto.
Por isso, quando ocorre a interrupção de uma frase (por exemplo, para fazer a
contemplação de uma imagem) se faz necessário ler novamente o texto, a fim
de completar a frase, construindo assim uma unidade de sentido, que poderá
ser propriamente compreendida pelo leitor. Este foi um conhecimento que se
provou útil na experiência de mediação de leitura em questão, pois sabendo
disto, pude evitar uma eventual dispersão do encadeamento narrativo,
retomando a frase segmentada, quando foi preciso – algo que favoreceu uma
experiência de leitura mais fluida e agradável.
Ao terminar a leitura da narrativa, voltei para o início do livro, onde tem
uma minibiografia do autor – momento em que ficou claro que este não se trata
do autor de best-sellers, Stephen King. Mas vimos algumas informações
interessantes sobre o autor, que enriqueceram ainda mais a narrativa do livro.
Após a leitura, perguntei a Bárbara e Tina o que elas acharam da
história, e as duas disseram que gostaram muito. Bárbara, inclusive, disse que
chorou com a história, que foi para ela muito emocionante. Para mim também,
foi uma leitura bem emocionante, considerando toda a memória afetiva que o
livro me traz, além da beleza das imagens e da narrativa em si. Então eu
perguntei às duas o que essa história tem de especial e em que essa história
as tocou, e elas disseram que o livro mostra como o amor pode ser sentido por
gestos, muito mais do que por meras palavras, que em si, podem ser vazias. "É
mais fácil dizer que ama", disse Bárbara "do que ir lá e demonstrar esse amor
por alguma ação". Bárbara disse ainda que a história a toca, porque a faz
refletir sobre a importância da expressão desse amor de um pai pelos seus
filhos, pensa em quantas crianças tristemente não recebem amor de seus pais.
Quando as perguntei novamente qual o tema do livro, as duas reiteraram,
dizendo "é o amor". Para elas, com essa narrativa o autor quis dizer que nem
sempre precisamos de palavras para expressar nossos sentimentos; que o
amor pode ser expressado de muitas formas, e que cada um pode encontrar
sua forma de demonstrar esse amor. Chegando ao final de minhas
intervenções, perguntei a elas por qual motivo o homem tinha dificuldade em
dizer que amava o filho, na opinião delas. Tina respondeu que tem pessoas
que são assim, introspectivas ou tímidas, e que não costumam falar essas
coisas para as outras. Bárbara disse que acha que isso pode estar relacionada
à construção social do estereótipo de masculinidade, que entre outras coisas
reprime a expressão de emoções. Para ela, este estereótipo infelizmente é
tomado por muitos homens como parâmetro para construção da sua própria
subjetividade, e pode ser esta uma das causas do silêncio do homem, na
história que lemos. Por fim, questionei ambas sobre se elas acham que o amor
cabe em palavras, ou se a gente o percebe pelas ações, e elas concordaram,
dizendo: "é bom também quando uma pessoa diz que ama a outra, mas o mais
importante mesmo é dizer pelas ações. Não adianta nada dizer, sem
demonstrar o amor também de outras formas".
Concluo assim este breve relato testemunhando o quanto foi prazeroso
e gratificante para mim desenvolver esta atividade de mediação de leitura.
Prazeroso, não somente porque tenho um especial carinho pela história em
questão, mas também porque proporcionou a mim, à minha tia Tina e à minha
irmã Bárbara, um momento muito especial de (re)leitura e conexão uns com os
outros, a partir de uma narrativa que foi importante para todos nós há 20 anos,
em um momento totalmente distinto de nossas vidas, e que é também
ressignificado, a partir desta experiência. Foi também gratificante realizar este
trabalho, porque pude perceber minha própria habilidade para realizar este tipo
de mediação – algo que acredito muito mais agora, depois de ver os bons
resultados que pude atingir, com um pouco de planejamento, cuidado e
atenção na execução. Por fim, esta atividade constituiu ainda uma
oportunidade de observar a utilidade dos estudos que esta disciplina veio nos
proporcionando, pois através desta experiência, foi possível mobilizar na
prática uma série de categorias teóricas com as quais viemos trabalhando.
Assim, foi possível observar como, ao mediar uma leitura, os conhecimentos
teóricos contribuem para reconhecer e valorizar as estratégias de leitura,
partindo do reconhecimento da sua própria natureza, enquanto um ato de
raciocínio e de interpretação, que mobiliza produção de sentidos, fazendo para
isto uso da memória, tendo em vista promover a compreensão por parte do
leitor, daquilo que efetivamente consta em um escrito (Colomer e Camps,
2000). Nesta experiência percebi ainda a leitura como um movimento que
oscila entre processamentos de informação em sentido ascendente e
descendente, em que cada informação é interpretada, necessariamente, como
um elemento relacionado a um contexto específico, onde encontra-se situada.
Consegui identificar a ocorrência de todos estes processos cognitivos na
experiência de leitura descrita, contudo, além dos fatores propriamente
cognitivos, me chamaram atenção nesta experiência os fatores emocionais, e
sua influência sobre o ato da leitura. Com efeito, é notável que, mesmo depois
de 20 anos, alguém que ainda era uma criança da última vez em que leu tal
livro, consiga se lembrar com precisão a temática da narrativa – que não é
óbvia nem pelo título, nem pela imagem de capa do livro. Creio que esta
experiência nos indica a presença do fator emotivo como um potencializador da
leitura, capaz de fazer com que esta se assente em uma memória de longo
prazo de modo muito mais perene, do que se o fator emotivo não tivesse tido aí
uma significativa parcela de participação. Emoção e cognição parecem,
portanto, andar juntas, e a leitura aparece como uma experiência potente para
a vivência de emoções, que poderão assim favorecer, também, processos
cognitivos de processamento de informações, raciocínio, elaboração de sentido
e interpretação.

Referências

COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. São


Paulo: Artmed, 2000.
Apêndice – Planejamento de leitura do livro “O homem que amava
caixas”, de Stephen Michael King

ANTES DA LEITURA

Objetivo de leitura:
Ler para relembrar essa história, e ver que impressões ela nos traz hoje, após
tantos anos desde que a lemos pela última vez

Ativação de conhecimentos prévios:


Vocês lembram de alguma coisa da história?

Estabelecimento de previsões:
Lendo o título do livro e a imagem de capa, qual a impressão que vocês têm
sobre a história que será contada?
De qual tema será que o livro fala?

Formulação de perguntas:
Vocês conhecem algum outro livro desse autor?

DURANTE A LEITURA

Inferências
Por que será que as pessoas achavam o homem assim, tão estranho?

APÓS A LEITURA

Perguntas
O que vocês acharam da história?
O que essa história tem assim, de tão especial?
O que nessa história toca vocês?
Ideia principal
Qual vocês acham que é o tema desse livro?
O que será que o autor quis dizer com essa história?

Mais perguntas...
Por que será que o homem tinha dificuldade em dizer que amava o filho?
Será que o amor é algo que cabe em palavras? Ou a gente percebe o amor
pelas ações, no que as pessoas fazem umas pelas outras?

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