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São Paulo - Nunca houve tantas condições favoráveis para a

expansão do setor imobiliário brasileiro como hoje. Com estandes


cheios de compradores e crédito farto, as cinco maiores construtoras
do país sextuplicaram suas receitas nos últimos quatro anos.
Também não faltaram investidores — o setor foi o que mais levantou
dinheiro na bolsa de 2006 a 2010, mais de 24 bilhões de reais.

Mesmo com demanda forte e bancos com linhas de crédito mais


amplas, os resultados de algumas das maiores companhias do setor
despencaram no início deste ano — e, de acordo com analistas, os
dados do segundo trimestre, ainda não divulgados, devem confirmar
essa tendência.

Com expressivas quedas no lucro, três construtoras lideram as


perdas nos últimos 12 meses — Gafisa, Trisul e Cyrela, com queda de
45%, 44% e 32%, respectivamente . No mesmo período, o Ibovespa
encolheu 6%.

Boa parte do problema decorreu justamente da efervescência do


mercado. Para atender à demanda em ebulição e cumprir metas
ambiciosas acertadas com investidores, as maiores construtoras
diversificaram tanto o perfil de empreendimento quanto sua
abrangência regional.
Entrar em mercados até então desconhecidos mostrou-se uma
manobra cara, especialmente pelo momento do mercado. A profusão
de obras pelos país levou à alta de quase 10% nos custos de insumos
e mão de obra no ano passado. Logo veio outro efeito colateral do
crescimento acelerado — o aumento do time de clientes insatisfeitos.

As queixas contra as construtoras no Procon de 24 estados brasileiros


dobraram nos últimos 12 meses e incluem de atrasos a mau
atendimento de corretores. "As construtoras estão pagando o preço
do mau planejamento", diz Marcelo Motta, analista do banco J.P.
Morgan.

Um dos desvios de rota mais notáveis foi o da Gafisa. Terceira maior


do setor, a empresa faturou 4 bilhões de reais em 2010 — 23% mais
em relação ao ano anterior. No primeiro trimestre deste ano, porém,
as vendas caíram 7,5%, e o lucro, 79%. O revés se deve, segundo
seus executivos, ainda a resquícios da compra da Tenda, em outubro
de 2008.

Na época, a companhia mineira tinha uma dívida de 73 milhões de


reais e uma operação deficitária voltada para imóveis de baixo custo.
Para frear os prejuízos, o ritmo das obras da Tenda caiu à metade a
partir de 2009 — o que ajudou a levá-la nos últimos meses à
liderança de reclamações na Justiça paulistana, segundo o advogado
Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário.

De janeiro a junho, 250 processos foram abertos contra a Gafisa (a


empresa não divulga o dado e não confirma a informação). "Achamos
que a recuperação viria antes, mas o aumento dos custos do setor
atrasou os planos", diz Alceu Duilio Calciolari, presidente da Gafisa.
"Os resultados devem melhorar até dezembro."

Para as grandes construtoras, o que parecia um atalho para a


expansão — formar alianças com parceiros locais — também se
mostrou um caminho tortuoso. Ao deixar o projeto nas mãos de um
terceiro, muitas perderam o controle dos custos. Nos últimos meses,
a maioria está revendo essa estratégia.

A Cyrela, segunda maior construtora do país, com vendas de 4,9


bilhões de reais em 2010, fez o movimento mais expressivo nesse
sentido. A companhia intensificou a contratação de parceiros,
sobretudo em 2007 e 2008, com a missão de expandir os negócios
para outras regiões.

Sem acompanhamento próximo, 30 de seus 209 canteiros espalhados


pelo país custaram até 5% mais que o previsto — e 19 têm mais de
seis meses de atraso. Para reverter o cenário, a construtora
anunciou, em abril, a redução das parcerias.
Até então, 65% de suas obras estavam nas mãos de construtoras
locais. Agora, apenas 30% delas serão terceirizadas. "Com a medida,
a rentabilidade deve aumentar", afirma Guilherme Vilazante, analista
da Barclays Corretora.

Outras empresas restringiram o perfil dos empreendimentos que


lançam. É o que fez a paulista Trisul, com vendas de 816 milhões de
reais em 2010. O lucro líquido da empresa recuou 167% no primeiro
trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, e ela perdeu
mais de 40% do valor de mercado nos últimos 12 meses.

"Não estávamos preparados para atuar na baixa renda", diz Jorge


Cury Neto, presidente da Trisul. Hoje, até 60% de seus
empreendimentos são dedicados a esse público. Neste ano, dos
lançamentos previstos pela companhia — que somam até 300
milhões de reais —, apenas 20% serão destinados à baixa renda, que
deve ser extinta do portfólio a partir de 2012. "Vamos voltar a
atender o público que conhecemos bem: a média e alta renda
paulistana", diz Cury Neto.

Algumas empresas que adiantaram a depuração de seu portfólio já


viram os resultados. A PDG, maior construtora do país, já diminuiu o
número de parceiros regionais ao longo de 2010. No primeiro
trimestre deste ano, a empresa faturou 1,5 bilhão de reais, 30% mais
que o obtido no mesmo período do ano passado.

O lucro cresceu no mesmo ritmo. De acordo com analistas ouvidos


por EXAME, os resultados no setor devem melhorar até 2012. "A
demanda dos compradores permanece, o que ajudará na
recuperação", diz Marco Aurélio Barbosa, da corretora Coinvalores.
Para ganhar dinheiro nesse contexto, as empresas já aprenderam
pelo menos o que não fazer.
Fonte: Revista Exame edição 996 – Ano 45.

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