Ao apresentar sua declaração de imposto de renda, Luke Skywalker
insere inúmeros gastos forjados de despesas médicas, fazendo com
que sua restituição passe de R$ 200,00 para R$ 20.000,00. A declaração, entretanto, cai na malha fina e Luke é convocado para apresentar comprovantes dos gastos exorbitantes com saúde. Apresenta, então, recibos que, posteriormente, verifica se serem falsos, levando a Receita Federal a proceder à retificação de ofício da declaração e, consequentemente, evitando a restituição indevida. Esses fatos são noticiados ao Ministério Público que oferece denúncia imputando a Luke o crime de estelionato qualificado (art. 171, §3o, Código Penal). Citado, Luke procurou o advogado Darth Vader, que ofereceu uma resposta escrita na qual sustenta que houve erro na capitulação jurídica dos fatos e que o tipo penal adequado seria o art. 1o, inc. I, da Lei no 8.137/90 na modalidade tentada (art. 14, inciso II, Código Penal). Durante a instrução, os fatos narrados restaram provados. Nas alegações finais, o MPF, sustenta que o crime praticado, na verdade, é aquele previsto no art. 2o, I, da Lei no 8.137/90, ao passo que o novo advogado de Luke, Han Solo, postula a aplicação do art. 171, §3o, Código Penal, na forma tentada (art. 14 II, Código Penal), já que se trata da menor pena.
Como não houve, efetivamente, a supressão ou redução do
imposto, haja vista a atuação da Receita, houve crime? Qual? Responda como se fosse o juiz do caso.
Mesmo que não tenha havido, de maneira efetiva, a supressão ou
redução do imposto, em decorrência da atuação da Receita Federal, houve sim crime. Para se chegar à conclusão, do crime cometido pelo sujeito ativo, primeiramente será feita daqueles apresentados no caso, os quais não podem ser. Sustentado em cátedra de José Paulo Baltazar Júnior (2017, p. 824): Ao contrário do que se dava no regime da Lei 4.279/65, os crimes do art.1º da Lei 8.137, com exceção daquele previsto em seu parágrafo único, são materiais e de dano, consumando-se quando todos os elementos do tipo estão reunidos. Exige-se, então, para a consumação, a efetiva supressão ou redução de tributo ou contribuição social (STF, HC 75.945, Pertence, 1ª T., u., DJ 13.2.98; STJ, RHC 5912, C. Scartezzini, 5ª T., u., 5.11.96; STJ, RESp 172375, Arnaldo, 5ª T., u., 21.9.99; TRF4, AC 97.04.61829-8, Rosa, 1ª T., u., DJ 9.6.99). Com relação ao crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal), também trazido pelo caso na hipótese de seu § 3º, Luiz Régis Prado traz que (2019, p.393): Em sede valorativa material, o delito de fraude de incentivo fiscal ou subvenção distingue-se do estelionato por apresentar uma finalidade de fomento de setores prioritários, vinculado ao patrimônio público e, desse modo, não tutela o patrimônio em si, mas o objeto institucional funcionalizado que se direciona ao cumprimento do fim mencionado. Em outras palavras: o bem jurídico protegido no delito de estelionato é o patrimônio individual, enquanto vinculado ao seu titular; no art. 2.º, IV, da Lei 8.137/1990, trata-se do patrimônio não individual, afetado e instrumentalizado em relação ao cumprimento de determinados fins sociais. (g/n)
Importante, ainda, retornar à obra de Baltazar, pois:
A tentativa, de rara ocorrência, é punida na modalidade do inc. I do
art. 2º, em lugar de utilizar-se o art. 14 do CP para adequação típica de subordinação mediata que caracterizava a tentativa, há um delito autônomo para os raríssimos casos em que o agente não logre, efetivamente, suprimir ou reduzir o tributo. Essa a interpretação compatibilizadora encontrada pela doutrina para dar algum sentido ao inc. I do art. 2º, o qual, em seus elementos objetivos, é tanto ou até mais abrangente que o art. 1º, distinguindo-se deste por ser formal e não material, de modo que a tentativa se enquadra no art. 2º, com apenamento menor (Eisele; 60).
Por todo o exposto, caso eu fosse o juiz do caso em tela, enquadraria a
conduta de Luke Skywalker no art. 2º da Lei dos Crimes Tributários (Lei n.º 8.137/90), mais precisamente em seu inciso primeiro. Ainda que seja este o tipo penal com o apenamento mais brando, é necessária análise das elementares do tipo, as quais se encaixam perfeitamente nas condutas praticadas pelo sujeito ativo, portanto. Logo, a atitude esperada de todos magistrados - ainda que não ocorra em sua maioria - é não se cegar ao caso concreto, atentando a análise fática e sua tipificação legal. Em tempo, cabe trazer julgado em que se reconhece a formalidade da conduta prevista no artigo 2º da Lei nº, 8.137/90, pautando-se, inclusive na súmula vinculante n.º 24 do STF (Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo): PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/90. CRIME FORMAL. PRESCRIÇÃO PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ART. 20 DA LEI Nº 10.522/2002. INAPLICABILIDADE. 1. O tipo penal do art. 2º da Lei nº 8.137/1990 constitui crime omissivo próprio e formal, que se consuma com a ausência de repasse do tributo descontado ou cobrado de terceiros, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, prescindindo, para sua consumação, da constituição definitiva do crédito ou da retenção física das importâncias pelo agente, pois a conduta nele incriminada é "deixar de recolher". Diante disso, tal delito não se sujeita à orientação contida na Súmula Vinculante nº 24. 2. Tendo em vista a absolvição sumária e, consequentemente, a ausência de imposição de pena, a prescrição da pretensão punitiva deve ser calculada com base na pena abstratamente prevista pelo art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. 3. Considerando o prazo prescricional fixado pelo art. 109, V, do Código Penal e os marcos prescricionais do caso concreto, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva estatal de parte das condutas atribuídas ao acusado. 4. Consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância exige: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 5. A orientação do Superior Tribunal de Justiça, fixada em recurso representativo da controvérsia, é de que o princípio da insignificância aplica-se quando o valor dos tributos incidentes não ultrapassa o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), previsto no art. 20 da Lei nº 10.522 /2002. Precedentes. 6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exclui multa e juros de mora para aferir se o valor objeto de delito de natureza tributária é abrangido ou não pelo princípio da insignificância. Precedentes. 7. Apelação parcialmente provida.
CONVOCADO ALESSANDRO DIAFERIA, Data de Julgamento: 26/09/2017, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/09/2017) Fundamenta-se, ainda, a diferença entre o artigo primeiro e o segundo das lei dos crimes tributários com base no artigo de Hugo de Brito Machado (Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.13): [...] a omissão de informação às autoridades fazendárias, com escopo de eximir total ou parcialmente o pagamento do tributo, pode caracterizar o delito presente no artigo 1º da referida Lei, bem como a infração penal prevista no artigo 2º da mesma Lei. A distinção será feita em razão do resultado danoso aos cofres públicos. Pode-se distinguir o tipo penal previsto no artigo 2º do previsto no artigo 1º, apenas porque a configuração do crime do artigo 2º não exige a efetiva ocorrência do resultado desejado pelo agente, ou seja, a supressão ou a redução de tributos. A possibilidade de lesão ao bem jurídico protegido é elemento do tipo penal do artigo 2º, I, da Lei nº 8.137/90. O bem jurídico protegido é a ordem tributária, assim o aperfeiçoamento do tipo penal somente acontece quando a conduta descrita neste inciso for capaz de produzir o resultado, ou seja, supressão ou a redução do tributo [...]
Na condição de advogado de Luke Skywalker, qual a capitulação
jurídica que você sustentaria, como mais vantajosa, para seu cliente? Por quê?
Ao agir como advogado, há de se ter em mente, de modo preliminar, a
possibilidade, mesmo que remota, de previsão do comportamento do juiz responsável pelo caso. Essa pode ser constatada por uma análise da forma como vem decidindo em casos semelhantes, se mais punitivista, como a maioria dos magistrados tupiniquins, ou se mais garantista. Pelo destacado no questionamento anterior, a pena-base mais branda é a do artigo segundo da lei dos crimes tributários (detenção, de seis meses a dois anos), em comparação à do crime de estelionato (reclusão, de um ano a cinco anos), majorada pela hipótese do parágrafo terceiro em um terço, assim como com vista ao artigo primeiro da lei n.º 8.137/90 (reclusão, de dois a cinco anos). Dessa forma, de forma lógica, qualquer causídico tentaria enquadrar a conduta de Luke Skywalker nas hipóteses do artigo 2º. Porém, deve-se considerar duas importantes variáveis: tentativa e princípio da insignificância. A primeira deve ser, de pronto, descartada, pois, como visto na questão de número um, dentre os três destacados no primeiro parágrafo, o único que é formal é o do artigo 2º, pois a ocorrência da efetiva supressão ou redução de tributo (resultado naturalístico) não se faz necessária para a consumação do delito, não havendo, portanto, como se falar em tentativa (artigo 14, II, do Código Penal). Portanto, partindo-se do pressuposto de que nos três enquadramentos, fixaria-se a pena mínima para Luke (no caso do estelionato majorada de um terço, pela hipótese do parágrafo terceiro), além de não se ter acesso a informações acerca de aplicação de circunstâncias legais e judiciais, mesmo na melhor das hipóteses, isto é, que a tentativa reduziria a pena em dois terços, a menor pena aplicada, ainda seria a do artigo 2º da Lei n.º 8137/90, além de tratar-se de uma pena de detenção: o regime inicial de cumprimento de pena, apenas, pode ser o semiaberto ou o aberto. Todavia, agora que entra a questão de análise de comportamento do magistrado, pois, se punitivista, enquadrar a conduta de Luke na menor das penas possíveis e, ainda por cima, considerar o princípio da insignificância, seria algo impossível. Conforme traz Baltazar (2017, p. 813): O princípio da insignificância tem como fundamento o fato de a tipicidade não se esgotar na mera adequação formal do fato à norma, ou seja, tem que haver um mínimo de lesão ao bem jurídico protegido. O reconhecimento do princípio da insignificância afasta a tipicidade material, o que acarreta a rejeição da denúncia com fundamento no inc. I do art. 43 do CPP.
Apesar do destacado, nesta questão, considerar-se-á que o juiz é
garantista e, como causídico do caso, eu sustentaria o princípio da insignificância e, alternativamente, o enquadramento da conduta no artigo 2º da lei dos crimes tributários, com fulcro nos seguinte entendimento: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 2º, II, DA LEI 8.137/90. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA PRATICADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que rejeitou a denúncia oferecida em desfavor de Doroty de Melo Vaz e Ediner Mesquita Vaz, pela suposta prática do crime disposto no art. 2º, II, da Lei 8.137/90. 2. Narra a peça inicial que os acusados, com vontade livre e consciente, deixaram de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeitos passivos de obrigação e que deveriam recolher aos cofres públicos, conduta que se amolda ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. 3. Segundo o juízo, a denúncia não pode ser recebida, uma vez que se trata de conduta materialmente atípica, tendo em vista a incidência do princípio da insignificância, pois, no caso, a elisão fiscal relativa ao delito de apropriação indébita objeto da presente investigação foi da ordem de R$1.799,07 (um mil, setecentos e noventa e nove reais, e sete centavos). 4. No caso, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido no âmbito da Terceira Seção, nos Recursos Especiais n. 1.709.029/MG e 1.688.878/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmou o entendimento de que incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00, a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. 5. Para o STF, a aplicação do postulado deve se dar em observância conjunta com os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, tendo por base os seguintes vetores cumulativos: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, HC n. 84.412-0/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU 19.11.2004). 6. Não procede a alegação de que a conduta dos denunciados em razão da reiteração delitiva, pois, conforme afirmado pelo próprio representante do Ministério Público Federal, com assento neste Tribunal, não há no processo qualquer elemento ou informação para comprovar a afirmação. 7. A Procuradoria Regional da República, em parecer, manifestou-se no sentido de que merece ser mantida a sentença que rejeitou a denúncia. 8. Recurso em sentido estrito a que se nega provimento.
(TRF-1 - RSE: 00175719820194013800, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, Data de Julgamento: 01/12/2020, QUARTA TURMA)
Há de se destacar que o valor indevido que Luke gostaria de se
apropriar estava no importe de R $19.800,00, ou seja, duzentos reais abaixo do patamar de vinte mil reais acima destacado.
Caso Skywalker tivesse obtido êxito na empreitada e fosse
descoberto um ano depois, poderia pagar o tributo e ter extinta sua punibilidade. Porém, como não há imposto a pagar, ficaria ele numa situação esdrúxula de não ter como extinguir sua punibilidade pelo pagamento?
Em um primeiro momento, há de se ter em mente o caso concreto.
A restituição de imposto de renda diz respeito a um imposto de renda pago a mais, ou seja, a maior. Luke Skywalker mentiu para a Receita Federal, falando que pagou a mais. Hipoteticamente: Luke pagou x de imposto de renda, que era obrigação legal de ele pagar, mas ludibriou a Receita Federal, informando que pagou x + y. O artigo 34 da Lei n.º 9.249/95 é claro em seu caput: “[...] quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social [...]”.Ora, Luke não tem imposto a restituir, ele já pegou aquilo que era devido, o crime dele foi ter mentido para Receita, de maneira dolosa, falando que pagou mais do que pagou daquilo que era, a ele, legalmente devido. O bem jurídico que Luke Skywalker afrontou foi, segundo Baltazar (2017, p. 798): {...] a integridade do erário (TRF4, AC 19997.00013749-2, Rosa, 7ª T., u., 11.02.03), a arrecadação (STJ, CC 96497, Lima, 3ª S., u., 23.09.09) ou a ordem tributária, entendida como interesse do Estado na arrecadação dos tributos, para a consecução de seus fins. Cuida-se de bem macrossocial, coletivo. Secundariamente, protegem-se a Administração Pública, a fé pública, o trabalho e a livre-concorrência, consagrada pela CF como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV), uma vez que o empresário sonegador poderá ter preços melhores do que aquele que recolhe seus tributos, caracterizando uma verdadeira concorrência desleal.
Em síntese, mesmo que Luke estorne aquilo que recebeu de modo
indevido, além do âmbito patrimonial, Luke FRAUDOU a sociedade como um todo, na medida em que o imposto é (deveria ser) usado para fomentar a saúde e a educação públicas, por exemplo. O entendimento fica evidente por meio de recente julgado do nosso tribunal inconfidente, que tem a ementa abaixo transcrita, considerando a existência da extinção da punibilidade,apenas, com relação aos incursos no artigo 1º da lei dos crimes tributários:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. ART. 1º, II E V, DA LEI 8.137/90. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. OCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO. Comprovado o integral pagamento do débito tributário decorrente das condutas imputadas, tipificadas pelo art. 1º da Lei 8.137/90, declara-se a extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03.