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Oil Fantasy

Manifesto Oil Fantasy #08: Promovendo


amplitude de soluções pt.01 - Ilusionismo
postado por Rafael Balbi em fevereiro 09, 2023

Sabe quando você tem uma situação a ser resolvida no RPG, mas
absolutamente nada dá certo? Você começa a tentar uma solução e o mestre
nem deixa você desenvolver o pensamento e já sacode a cabeça dando uma
risadinha de leve? E aí você percebe: seu objetivo não é superar os problemas
apresentados no jogo, mas ler a mente desse DM com síndrome de esfinge: só
há uma resposta para seu desafio.

Vamos analisar o caso.

Para que criar todo um contexto para o seu desafio, se nenhuma das soluções
que os jogadores trarão servirão para resolvê-lo? É importante entender o que
rola e o que não rola e que o mestre não bloqueie todas as idéias que não sejam
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as suas.

Se as únicas soluções possíveis para os desafios que o DM propõe são as que


pensou previamente, uma única solução que preparou, mesmo que haja um
bom contexto, com oportunidades e riscos paralelos, seu jogo corre certos
perigos.

Problemas com poucas soluções possíveis

Quando o mestre talha um desafio com apenas uma solução possível, mesmo
que ele deixe pistas e dicas, a possibilidade dos jogadores não descobrirem essa
única resposta é alta. E se isso acontece, o jogo simplesmente empaca e,
conforme o grupo cansa, vai aumentando a sensação de um fracasso ruim, que
fica na conta do desafiador, que não deu liberdade aos jogadores para agirem
fora de seu ideal de ação. E é aquilo: se uma das coisas mais legais do RPG é
compartilhar a ficçãoo e a narrativa emergente do grupo, o mestre está abrindo
mão de infinitas possbilidades de jogo ao pautar as soluções previamente.

Aí, para não sacanear o grupo, o DM acaba pegando leve. Induz os jogadores à
única solução que admite ou arruma um NPC para resolver, para não ficar com
o fracasso dos jogadores em suas mãos e empurrar o jogo pra frente. Pensar em
apenas duas ou três soluções estanques carrega o mesmo problema, que no
fundo é esta postura que não admite uma amplitude de resoluções para além
das previamente concebidas.

Problemas em admitir qualquer solução

Por outro lado, tem mestre que admite no sigilo, orgulhosamente, que qualquer
solução que os jogadores trouxerem resolverá o problema. Esse mestre se sente
curado da necessidade de se sentir no controle da aventura, mas no fundo
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também impõe sua vontade sobre os outros.

Afinal de contas, se qualquer coisa que os jogadores fizerem vai dar certo, o
sucesso já foi determinado pelo mestre, sem que eles tenham a chance de
falhar, o que desconfigura um desafio. Mesmo que eles tenham a impressão de
que suas decisões causaram impacto na ficção, não foi o caso, uma vez que o
sucesso já estava decidido.

Tal mestre ilusionista pode até alegar que se os jogadores não souberem que
qualquer solução serviria, o impacto sentido se manteria, então em teoria tudo
bem. O que ele não percebe é que, neste ponto, ele deixou de ser responsável
apenas por apresentar um bom desafio, mas também por entreter os jogadores
com seu ilusionismo, o que começa a demandar uma série de expedientes e
desafios que estão para muito além do jogo. Com isso, o mestre acaba buscando
cada vez mais controle dentro do jogo, porque não pode deixar a ilusão cair e,
com isso, toda relação lúdica se abala.

Falta de informação por conta de improviso


É comum também, sobretudo durante o improviso, que o mestre não tenha
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material suficiente para informar os jogadores, porque ainda está processando
o desafio em sua mente, então resolve aproveitar tudo que os jogadores trazem,
aceitando não só a solução mas adequando os obstáculos e problemas para
abraçá-la.

Uma vez, jogando em um evento interpretando um personagem ladrão, notei


que sempre que eu procurava uma armadilha em alguma porta, o mestre dizia
que tinha. Se eu perguntava se havia algum tipo de pino no chão, em frente ao
batente, lá estava o pino. Se perguntasse sobre um fio na tampa do baú, lá
estava ela. No início me senti um gênio da masmorra, mas logo entendi que não
era bem assim.

Muita gente vai dizer "Mas isso é ótimo, é a verdadeira narrativa


compartilhada!".

Talvez seja ótimo mesmo, mas em jogos focados em contar história. Segundo
Ron Edwards, a agenda narrativista se importa com o impulso narrativo que
vem da falha ou do sucesso do personagem. Em jogos de foco em desafio, como
os da Oil Fantasy, não é isto que dá signficado ao jogo, mas sim como o desafio
será superado e o resultado da aposta do jogador, ao medir risco e recompensa

O Mestre de Oil Fantasy deve ter domínio sobre o


problema que imprime, para poder reagir,
proporcionalmente e com segurança, às
investigações dos jogadores. Se este domínio não
existe, não há porque propor desafio agora.
Voltando ao exemplo do jogo no evento, eu testei não procurar mais por
armadilhas e elas sumiram da dungeon para sempre. Era uma masmorra
improvisada e o mestre não tinha informações suficientes para que eu me
informasse sobre o desafio. Como compensação ele me deu a ilusão de um
desafio e fingiu que eu estava mandando super bem em achar todas as
armadilhas quando, na verdade, minhas decisões não importavam. Poderia ser
algo funcional para uma agenda narrativista, mas para Oil Fantasy, focado em
Oil Fantasy
desafio, há perda de liberdade: Eu estava fadado a estar certo.

Mas como promover amplitude de soluções, então?

Sempre dá certo, só que não

A postura do mestre de Oil Fantasy é: partir do princípio que a ação do jogador


sempre dará certo, mas exercendo uma crítica que pode apontar riscos e
impossibilidades na linha de ação tomada pelo jogador.

Se só é possível fruir de um jogo, em sua plenitude,


com o conhecimento de seu funcionamento, é
necessário que o mestre entenda seus próprios
critérios para avaliar se uma solução apresentada
pelos jogadores resolve ou não problema
apresentado, e que eles se tornem ciente desta lógica.
É provável que você já esteja sacudindo sua sacolinha de dados:

- "Façamos um teste de perícia! Vamos de teste de atributo! São eles que vão
nos dizer se uma solução apresentada resolve ou não o problema! São eles os
árbitros verdadeiramente imparciais de que precisamos!"

Certo?
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Falso! Se num jogo Oil Fantasy, o mestre desenhou um problema e o jogador


declarou uma ação que o soluciona, está tudo resolvido. Não há nada a ser
rolado. Deixe o jogador saborear a vitória. Se ficou simples demais, comece a
aprontar o próximo obstáculo e dê o seu pior, desde que dentro dos parâmetros
do bom desafio.

Sabe o que isso evita?

- Evita rolagens vazias, porque a falha não traria nenhuma consequência


significativa, levando a perda de contraste com rolagens realmente carregadas
de drama, que colocam em cheque algo importante.

- Evita que uma rolagem ruim, sem consequências significativas, prejudique a


execução de uma idéia que não tinha nenhum motivo para não funcionar além
de uma eventual lambança forçada ao personagem, em uma cena digna dos
Trapalhões. Não é essa textura que buscamos com Oil Fantasy.

- Evita que se afunile todo impasse que acontece no jogo a uma questão de
testar os atributos e perícias; a ficção costuma ser bem mais vasta e diversa que
isto e podemos aproveitá-la melhor em toda sua pluralidade.

- Evita que atributos e perícias, por conta desse afunilamento, ganhem grande
gravidade no jogo, de forma que, ao tentar resolver um problema, os jogadores
busquem o acionamento mecânico da rolagem de atributo ou perícia em que é
melhor, o tempo todo, em vez de descrever sua intenção e sua interação com a
ficção, que é justamente o que vai deixaria claro o que está em jogo caso seja
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necessário rolar um dado.

- Evita que essa gravidade narrativa em cima dos atributos e perícias seja
punitivo caso o jogador não tenha uma boa ficha de personagem, ou que seja
quase uma garantia de sucesso em níveis muito altos, cortando pela raiz
inflação de poder e corrida por equilíbrio por parte do mestre, ao fazer
manutenção do desafio.

Vamos entender os parâmetros pra se decidir o que pode dar errado nas soluções dos
jogadores? Veja na parte 2 deste post!

Ícaro Agostino 10 de fevereiro de 2023 às 05:47

Muito bom, recentemente tive um caso assim na mesa, resumidamente o grupo se


infiltrou para resgatar um npc bardo que tinha sido sequestrado por um facção de
ladrões, o desfecho provavel era o combate, que seria desfavoravel para o grupo pela
quantidade de oponentes. Eles tomaram o caminho de negociar a vida do bardo e
propuseram se tornar "agentes" da facção de ladrões, e assim fizeram um "acordo com
diabo", conseguiram a vida do bardo de volta e sairam vivos, mas agora precisam fazer
algo bem pesado para essa facção para pagarem essa "divida". Eles estão enrolados até o
pescoço por essa decisão, mas foi uma solução que eu não tinha previsto e que fez todo
o sentido na hora. Ah, e toda essa cena tensa de negociaçao foi resolvida sem nenhuma
rolagem
Rafael Balbi 10 de fevereiro de 2023 às 10:16
Oil Fantasy
Que maneiro, cara! É sempre bom colher esses depoimentos porque significam
muito pro estudo do estilo. Valeu! =)

RESPONDER

Dehumanizer 10 de fevereiro de 2023 às 07:44

Muito bom! Totalmente verdade.

Rafael Balbi 10 de fevereiro de 2023 às 10:17

Valeu Dehumanizer tmj

RESPONDER

Xikowisk 5 de julho de 2023 às 16:29

Eu não sou contrário ao uso de habilidades (perícias) no jogo. Acho uma bússola
interpretativa importante para o infante JIPista, carente de referências da literatura,
gibis, filmes e seriados ou, até mesmo, jogatinas. Porém a dosagem do número de lances
feitos é imprescindível para uma boa diegese.

Rafael Balbi 14 de julho de 2023 às 18:03

Legal. Faça um blog e escreva sobre isso, vai ser legal. Ou linka o que tive pra
gente ler =)

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