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Revista Científica da FHO|UNIARARAS v. 1, n.

2/ 2013

A FUNÇAO DO BRINCAR PARA A CRIANÇA


COM DEFICIENCIA
THE FUNCTION OF PLAY FOR CHILDREN WITH DISABILITIES

Michele Cristina de Sousa PEDROSO1; 2


1
Graduada em Psicologia pela FHO|UNIARARAS desde 2006 e atualmente Psicóloga Clínica no
Departamento de Saúde da Prefeitura de Conchal, em Clínica Particular, Psicóloga na APAE de
Conchal e Professora convidada na Pós-Graduação em Educação Especial da UNAR. Especialista
em Clínica pelo CEFAS – Centro de Formação e Assistência à Saúde de Campinas.
2
Trabalho apresentado para à conclusão de curso da FHO|Uniararas, como parte da integrante da
avaliação do curso de Psicologia. Orientadora: Profa. Ms. Melissa Picchi Zambon.
Autor responsável: Michele Cristina de Sousa Pedroso. Endereço: Av. Ferdinando Pietro Pavan, n.
100, Jardim Costa Verde – Condomínio Reserva das Araras - Bloco C - Apto. 23. Araras – SP.
CEP: 13606-238. E-mail:michele_psico@hotmail.com

RESUMO ABSTRACT
Na Psicologia existem poucas referências sobre a In Psychology few references exist on playing between
brincadeira entre crianças com deficiência. O objetivo children with deficiency. The general objective of this
geral desta pesquisa foi identificar a importância do research was to identify the importance of playing for
brincar para estas crianças em seus aspectos these children in their psychological aspects, that
psicológicos, que evidenciam vantagens para o seu evidence advantages for their physical, social and
desenvolvimento físico, social e emocional, através de emotional development, through a bibliographical
uma pesquisa bibliográfica em artigos, livros e textos research in scientific articles, books and texts. When
científicos. Ao se desenvolver, a criança passa do develop itself, the child passes from experience to think
experienciar para o pensar e nesta transição a and in this transition playing is basic. Through it is
brincadeira é fundamental. Através dela adquire-se a acquired the necessary experience for sensorial, motor,
experiência necessária para o desenvolvimento perceptual, cognitive, affective and cultural the
sensorial, motor, perceptual, cognitivo, afetivo e development. The act of playing also facilitates the
cultural. O ato do brincar também facilita o processo de learning process, since through it the child explores its
aprendizagem, já que por meio dele a criança explora body and its environment. The children with deficiency,
seu corpo e seu ambiente. As crianças com deficiência, however, many times are private of playing. These
no entanto, muitas vezes são privadas de brincar. Essas privations are based in beliefs of that the child with
privações são embasadas em crenças de que a criança deficiency can’t play and that this activity is only a form
com deficiência não consegue brincar e de que esta to pass the time. However, all child is capable to play,
atividade é apenas uma forma de passar o tempo. No with no importance for how severe is its deficiency. The
entanto, toda criança é capaz de brincar, não importando playful act assists in its healthful development and
quão severa é a sua deficiência. O ato lúdico auxilia em through it, the deficiency is left away and remembers of
seu desenvolvimento saudável e através dele, deixa-se that it is a child. The psychologist, in its practical, must
de lado a deficiência e lembra-se de que ela é uma mobilize itself so that the child with deficiency right to
criança. O psicólogo, em sua prática, deve mobilizar-se play fulfills. Thus, this research raised evidences of how
para que o direito de brincar da criança com deficiência playing is basic for the child with deficiency
se cumpra. Assim, esta pesquisa levantou evidências de development, as well as indicated ways to guarantee
como o brincar é fundamental para o desenvolvimento such practical.
da criança com deficiência, bem como indicou meios Key words:playing, deficiency, development, rights.
para garantir tal prática.
Palavras-chave:brincadeira, deficiência, desenvolvi-
mento, direitos.
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O BRINCAR E A DEFICIÊNCIA No início da década de 50 o termo


A concepção de deficiência tem variado “excepcional” surge e se fortalece para tentar
conforme cada época e sobre ela influem encontrar uma adequação que se referisse à ideia
conhecimentos, os valores sociais e as ideias que de classificar um déficit ou uma deficiência, tor-
prevalecem sobre o Homem, além de ocorrer o nando-se um termo predominante nas décadas de
julgamento moral que advém da condição física e 70 e 80 em diversos contextos geográficos
da projeção para a classificação médica, há o (AMARAL, 1996). Logo, a visão sobre a deficiên-
acarretamento da alienação e da exclusão cia modifica-se de uma causa orgânica para um
(ENUMO, 1998). fenômeno próprio de cada pessoa, a qual dá
O conceito de deficiência remonta ao enfoque aos processos de aprendizagem, a partir
momento da loucura tida como uma forma geral dos anos 60 e mais particularmente nos anos 70,
das várias formas de desatino e estupidez, sob as com um movimento de enorme força, no qual há
quais os indivíduos eram tratados indiscrimina- considerações de diversos campos, como a medi-
damente, levando-se em conta a comparação entre cina, a psicologia e a educação que impulsionaram
as concepções de anormalidade e da natureza uma nova concepção da deficiência e da educação
humana. Isso fez com que ocorresse a oscilação especial (MARCHESI e MARTÍN, 1995).
entre a assistência e a repressão, entre os séculos Com isso, a deficiência fundamentada na
XVI e XIX (FOUCAULT, 1978; PERRON, 1971; resposta intelectual, deixa de ser uma categoria
PESSOTTI, 1981,1984 apud ENUMO, 1998, p. com perfis clínicos estáveis e, “o sistema
348). educacional pode, portanto, intervir para favorecer
Já na primeira metade do século XX as o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos
pessoas eram deficientes por causas (...)” (MARCHESI e MARTÍN, 1995, p. 9). A
fundamentalmente orgânicas, que eram deficiência deixa de ser uma doença incurável e
produzidas no início do desenvolvimento, traz possibilidades para que esta seja vista como
sendo dificilmente modificadas posterior- um detalhe, mas um detalhe que faz toda diferença
mente. (...) o distúrbio era um problema
e promove uma mudança na forma de olhar o
inerente à criança, com poucas
possibilidades de intervenção. No fundo sujeito. Por isso, no contexto atual Amaral (1996)
desta perspectiva jazia uma concepção de- propõe que seja utilizado o termo “pessoa com
terminista do desenvolvimento, sobre a deficiência”, visto que adjetivos acabam se
qual se baseava qualquer tipo de tornando substantivos, como é o caso de “o
aprendizagem (MARCHESI e MARTÍN, deficiente”. Essa nova designação “recupera a
1995, p. 7). pessoa como ‘sujeito da frase’; coloca a
Essa concepção organicista trouxe duas deficiência não como sinônimo da pessoa (...); tem
consequências importantes. A primeira foi à caráter mais descritivo que valorativo e,
necessidade de detectar precisamente o distúrbio, finalmente, sublinha a unicidade do indivíduo”
dando forças gigantescas ao desenvolvimento dos (AMARAL, 1996, p. 5).
testes de inteligência, que mensuravam e A partir da modificação da concepção de
delimitavam os diversos níveis de atraso mental. E deficiência, da visão determinista para uma visão
a segunda nasce da conscientização e necessidade mais ampla, segundo a qual a incapacidade é
de uma atenção educacional especial, que fosse definida socialmente, a pessoa com necessidades
distinta e separada da instituição escolar regular, especiais ganha a possibilidade de ser educada.
assim surgem às escolas de educação especial Desta forma, a criança com deficiência ganha um
(MARCHESI e MARTÍN, 1995, p. 7). Essas novo recurso que é a implantação dos jogos e
instituições possuíam um sistema brinquedos que começam a ser utilizados nas
multidimensional, que se compunha de aspectos instituições de educação especial, visto que
conceituais, metodológicos e políticos, tentando apresentam cores, dimensões e formas que os
aproximar-se o máximo possível de ambientes tornam tanto atraentes quanto educativos (SILVA,
educacionais normais (SILVA, 2003, p. 42), ou 2003).
seja, ignoravam as peculiaridades de cada pessoa. Assim, inicia-se na década de 60 um
enorme movimento em diferentes países, em
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benefício da integração educacional de alunos desmembramento do conceito de deficiência pela


com algum tipo de deficiência (MARCHESI e OMS, em 1980, em três sub-conceitos:
MARTÍN, 1995). Esse movimento tem como Impedimento como qualquer
objetivo reivindicar condições educacionais anormalidade da função ou estrutura psicológica,
adequadas para todos os alunos com deficiência física ou anatômica; deficiência, enquanto
dentro do ensino regular, em que são preparados qualquer restrição ou falta – resultante de um
para se adaptarem à escola, não havendo impedimento – da habilidade para desempenhar
necessariamente uma perspectiva de mudança por uma atividade de maneira normal para um ser
parte da escola para acomodar a diversidade de humano; e finalmente incapacidade como uma
cada aluno (MARCHESI e MARTÍN, 1995; desvantagem, resultante de um impedimento ou de
MITTLER, 2003). Atualmente, com a Declaração uma deficiência, que limita ou impede a realização
de Salamanca, em 1994, que postula que toda de um papel considerado normal – dependendo da
pessoa com deficiência tem o direito à educação e idade, sexo e fatores culturais – para um indivíduo
deve ser parte integrante do sistema educacional (SILVA, LLERENA JR. e CARDOSO, 2002).
(ONU, 1994), surge o movimento de inclusão que, “Esse desmembramento permite a grande
implica uma reforma radical nas escolas inovação qualitativa mencionada, pois inclui (...) as
em torno do currículo, avaliação, dimensões sociais da deficiência, ultrapassando-se
pedagogia e formas de agrupamento dos a camisa-de-força da biologização estrita dessa
alunos nas atividades de sala de aula. Ela condição” (AMARAL, 1996, p. 7). No entanto,
é baseada em um sistema de valores que
muitas críticas e sugestões surgiram desde a
faz com que todos se sintam bem-vindos e
elaboração dessa classificação, fazendo com que a
celebra a diversidade que tem como base
o gênero, a nacionalidade, a raça, a OMS repensasse e discutisse por meio de reuniões
linguagem de origem, o background anuais, com a participação de entidades
social, o nível de aquisição educacional representativas dos deficientes. Enfim, em 1994 a
ou a deficiência (MITTLER, 2003, p. 34). OMS com parceria destas entidades, conseguiu
O conceito de inclusão faz com que se classificar o modelo social da deficiência para
pense exclusivamente nas diferentes origens da definir incapacidade como resultado da
aprendizagem e das dificuldades de interação entre uma pessoa com impedimento ou
comportamento, modificando-se a ideia de deficiência e o ambiente social, cultural ou físico
“defeito” que centraliza na criança as origens da que a circunda. A mudança do enfoque no
dificuldade para a de um “modelo social”, que indivíduo para a ênfase ambiental no que toca à
preconiza uma sociedade mais tolerante e deficiência fez surgir o conceito de rejeição zero,
assertiva à participação da pessoa com deficiência ou exclusão zero, que consiste em não rechaçar
no universo coletivo (MITTLER, 2003). Mas o qualquer pessoa, para qualquer finalidade –
que se vê na prática é que a sociedade e as emprego, terapia ou educação – com base no fato
instituições, que se baseiam nas diversas de ela possuir uma deficiência. Posteriormente
concepções de deficiência, ainda oprimem e esse conceito ampliou-se para abranger as
incapacitam as pessoas com deficiência, necessidades independente de suas causas
construindo obstáculos atitudinais que impedem a (SILVA; LLERENA JR. e CARDOSO, 2002).
participação total por meio da discriminação Com isso, transpõe-se para a criança com
(MITTLER, 2003). Isso faz com que fique cada deficiência que o seu desenvolvimento acontece
vez mais a margem do processo caracterizando e dentro de suas habilidades e possibilidades,
solidificando a exclusão. mesmo que esta necessite de auxílio para poder
Na década de 90 a Organização Mundial trilhar esse caminho. Esse caminhar acontece
da Saúde (OMS) promove grandes saltos independente de sua condição física, mental ou
qualitativos que se referem à necessidade de psíquica, ou seja, a deficiência pela qual ela é
distinção entre doença e deficiência, sendo esta acometida não impede que possa ter uma vida
última consequência com sequelas de uma doença saudável e produtiva como a de outras crianças
(AMARAL, 1996). Outra grande contribuição é o ditas normais.
O brincar é importante para aproximar a
criança com deficiência do seu meio e fazê-la
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interagir socialmente, possibilitando com que ela está inserida, fazendo-a viver e experienciar
não seja tida como incapaz. A deficiência não possibilidades diversas de ser apenas e
determina a incapacidade e, por isso, a pessoa com exclusivamente criança, além de favorecer o
deficiência deve interagir com o seu meio, no qual autoconhecimento e o fortalecimento da
irá imprimir a sua marca pessoal, mostrando-se autoestima que ajuda a criança descobrir que sua
singular e estabelecendo relações por meio de suas vida é cheia de possibilidades e de sucesso
experiências (TAKATORI, 2003). Essa (LEMOS, s/d). Essas possibilidades ultrapassam a
importância foi retomada por Bruner que acredita forma como as crianças andam, se comunicam,
que o brincar possui um papel fundamental no veem e compreendem o mundo e a autoestima
desenvolvimento infantil e que a brincadeira é a fortalecida traz conquistas tanto físicas, sociais
oficina da criança. Porém, antes mesmo de Bruner, quanto psicológicas, que a fazem deixar de olhar
Vigotsky e Leontiev, dedicaram-lhe atenção por para a deficiência e ir além das limitações que
considerá-la uma oportunidade inestimável de oferecem condições de descobrirem que são parte
aprendizagem. Piaget, nesse mesmo período, importante do todo (LEMOS, s/d). Portanto, para
apresentou uma outra leitura, na qual há o Takatori(2003),
surgimento do símbolo e o desenvolvimento do na assistência com crianças, o brincar e os
comportamento moral (ROSE e GIL, 2003). brinquedos sempre devem estar presentes.
Desta forma, o ato lúdico traz uma outra O brincar faz parte do processo evolutivo
dimensão para a sua vida, ou seja, deixa-se de neuropsicológico da criança, auxilia-a na
organização das realidades interna e
lado a deficiência e lembra-se que ela é uma
externa, estabelece uma comunicação,
criança, visto que muitas vezes ela se prende introduz a criança no universo sócio-
numa rotina desgastante de tratamentos, trazendo histórico-cultural e favorece o processo de
privações de oportunidades que acabam por ensino aprendizagem. Ao brincar, a criança
dispensar não só a necessidade, como também o põe seu corpo em movimento, elabora seu
seu direito de brincar. Essas privações são pensamento, investe afetivamente naquilo
embasadas em crenças de que a criança com que está fazendo e desenvolve a capacidade
deficiência não brinca e que brincar é apenas uma de estabelecer relações com o outro sujeito.
forma de passar o tempo, porém toda criança A importância de considerar o sujeito no
brinca, não importando quão severa é a sua seu contexto fica ainda mais evidente se
deficiência, sendo ainda uma atividade que a lembrarmos que a deficiência e as
auxilia a se desenvolver (SILVA, 2003, p. 54). incapacidades dela decorrentes por si só não
impedem o desenvolvimento e a vida
É necessário ainda que ela tenha saudável, mas a deficiência secundária,
possibilidades de intervenções como a da relacionada com as dificuldades de
psicologia, da fisioterapia, da terapia ocupacional, participação social (TAKATORI, 2003),
da educação, entre outras, com as quais deverá “pode impedir esse desenvolvimento e essa
entrar em contato com os aspectos lúdicos, como a vida plena, ao aprisionar a pessoa numa
brincadeira e o brincar que a faça servir-se de sua rede (...) constituída e constitutiva de
imaginação e criatividade. Dessa forma, torna-se barreiras atitudinais” (AMARAL, 1995
importante que ao intervir, o psicólogo apud TAKATORI, 2003, s/n).
proporcione um espaço para a brincadeira, pois ela Desta forma, Takatori (2003, p. 9) afirma
oferece à criança com deficiência uma visão que essas crianças
diferente do que lhe é oferecido. Sendo que na encontram-se privadas das experiências
maioria das vezes a deficiência toma proporções do brincar em virtude das barreiras físicas,
sociais, pessoais e ambientais, o que pode
que a fazem ser e vivê-la intensamente,
levá-las à aquisição de outras incapacida-
esquecendo que é apenas uma criança. O recurso des de ordem social e emocional. A
lúdico dá possibilidade ao psicólogo de explorar necessidade de ajuda (...), posicionamento
tanto a imaginação quanto a criatividade, além de ou acesso ao brinquedo implica a pre-
fazê-la desenvolver as suas capacidades e sença de um adulto (...) que estruture o
potencialidades por meio do brincar. meio, física e socialmente, facilitando o
O brincar possibilita ao psicólogo o brincar da criança.
conhecimento do cotidiano em que essa criança
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Por isso, é fundamental evidenciar as cirurgia, Pedrinho brincava no balanço, na


experiências ocorridas por meio do brincar de gangorra, no escorregador, com pipa e
crianças com deficiência. quando ia ao campo de futebol com o pai.
Ao chegarmos à residência dos sujeitos, Entre as brincadeiras apreciadas pelo filho,
geralmente conversávamos sobre os fatos segundo ela mesma relatou, estavam
do dia-a-dia com a finalidade de aquelas com carrinho (miniatura) e com
descontrair o ambiente. Valorizando as bola” (LORENZINI, 2002, p. 59).
alternativas do cotidiano da mãe e do filho, Mas além de brincar ele também tinha uma
a partir da análise dos dados obtidos na agenda lotada com outros compromissos, como
primeira entrevista, que serviu para o relata a mãe
mapeamento inicial da realidade familiar e Ia a fisioterapia todos os dias de manhã,
para levantarmos as características de cada chagava em casa às 10 horas e à tarde ia
criança, iniciamos as orientações, na hidroterapia três vezes por semana e
aproveitando ao máximo as situações do depois na fisioterapia e chegava em casa
momento. Introduzíamos e organizávamos às cinco horas. Eu ia fazer janta e ele
as oportunidades de brincadeiras para a ficava brincando, ia na casa dos
mãe e o filho, seja perguntando para a amiguinhos. Quando não ia na fisioterapia
criança do que ela gostaria de brincar, seja e hidro, ele dormia das duas às quatro
sugerindo uma determinada atividade. horas, acordava, tomava leite e brincava
Algumas vezes, aproveitávamos o que com as crianças, dois amiguinhos que
estava acontecendo quando chegávamos vinha aqui em casa. Agora ele só faz
ou as brincadeiras aconteciam de forma hidroterapia e fisioterapia em um período,
espontânea. (...). O brincar acontecia de todos os dias (LORENZINI, 2002, p. 60).
acordo com o interesse e a necessidade Isto demonstra que além da rotina
ditados pela etapa do desenvolvimento da estafante de tratamento, Pedrinho ainda tinha a
criança, sem normas rígidas e obrigatórias, possibilidade e a permissão de não ser apenas a
mas sim, criativamente (LORENZINI, sua deficiência, mas sim uma criança que quer se
2002, p. 57-58).
divertir.
Essas experiências fazem parte de um Ao final dos encontros, pôde ser
estudo que aconteceu com o intuito de intervir no comprovado por meio da fala da mãe uma maior
que se refere ao modo de como a criança com segurança em brincar sozinha com o filho e a
deficiência brinca e também de encontrar estimulação de sua criatividade, trazendo uma
alternativas para que esse brincar acontecesse. melhor interação com ele. Percebeu-se também que
Já em outra experiência, a mãe relata que, Pedrinho se tornou mais independente e participante
o filho brincava com água, com areia, de
no seu processo de crescimento, superando as
esconder e aparecer e na frente do espelho,
sem explicar como fazia. Além disso, ele dificuldades de sua deficiência (LORENZINI,
não gostava de fazer bolinhas de sabão, 2002). “Ela sabia os movimentos que deviam ser
desenhar e ouvir histórias. O fato de a realizados, tentava-os e, mesmo não conseguindo,
criança não gostar de fazer bolinhas de não desistia, inventava uma forma toda sua para
sabão provavelmente relacionava-se com fazer o que queria, sentindo prazer pela ação”
alterações da coordenação óculo-manual e (LORENZINI, 2002, p. 84).
nos movimentos dos lábios, dificultando o Já com Frederico de sete anos, com
assoprar. Quanto ao desinteresse pelas diagnóstico de paralisia cerebral do tipo
histórias e pelos desenhos, acreditamos que tetraparesia espástica-atetóide,
estava ligado a fatores culturais, pois, até Ele frequenta, no período da tarde, uma
aquele momento, não havíamos visto escola pública voltada para criança com
nenhum livro ou revista na casa. No deficiência, que conta com profissionais
brincar de imitar e de faz-de-conta, a das áreas de fisioterapia, fonoaudiologia e
criança gostava especialmente de psicologia, além da equipe pedagógica.
acompanhar a mãe nas atividades (...). Na casa havia poucos brinquedos, em
domésticas (escolher feijão e passar roupa) sua maioria quebrados: bonecas, vaquinha
e fazia de conta que estava polindo o carro de pano, uma espécie de máquina
igual ao irmão. Segundo Tereza, antes da registradora, máquina de lavar roupa e
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telefone. O contexto de brincar, contudo, 72). Entretanto, para que isso ocorra é
era enriquecido por diferentes objetos fundamental que os pais e professores tenham
como o pente, almofada, andador, pilha, criatividade, além de se apoiarem em materiais
entre outros (TAKATORI, 2003, p. 42). que exemplifiquem e facilitem as adaptações. Esse
Nessa situação foi presenciado por várias material para apoio está disponível nos Parâmetros
vezes, que durante a brincadeira, a irmã mais nova Curriculares Nacional do MEC (2003).
de Frederico queria pegar seus brinquedos e ele se O espaço ocupado pela brinquedoteca pode
via na necessidade de se colocar e defender com ser simples ou sofisticado. O importante é
os seus próprios recursos, o seu espaço que, através das instalações, móveis,
(TAKATORI, 2003). decoração e disposição dos brinquedos, as
Como não consegue agarrar os objetos crianças sintam vontade de brincar e de se
numa disputa com outra pessoa, ele utiliza expressar, individualmente ou em grupos.
o movimento do corpo – um movimento Ou seja, deve estimular a criatividade e as
aprendido a partir de um controle de um práticas sociais (VAZ, 1994).
reflexo patológico, tônico cervical “Tornar-se capaz de brincar envolve a
simétrico, que se tornou funcional. O que aquisição de competências que parecem abrir um
antes o impedia de realizar movimentos, amplo espectro de possibilidades de adquirir e
hoje é utilizado em seu proveito, nem refinar capacidades e habilidades sociais, aqui
sempre com sucesso, como ocorre com analisadas na forma do controle instrucional
qualquer criança que ora vence ora perde
presente na brincadeira conjunta” (ROSE e GIL,
nas diversas situações. (...). Através do
brincar, Frederico parece viver de modo 2003, p.388). Dessa forma, pode-se pensar que as
fértil e criativo, exercitar suas crianças com deficiência além de serem
potencialidades e enfrentar suas incentivadas a brincar, devem ter a oportunidade
dificuldades; ele explora os brinquedos e de acreditar que são capazes dentro de suas
tudo o que encontra no caminho, com um potencialidades e capacidades de construir um
investimento de tempo e envolvimento mundo de imaginação e diversão. Por isso, ela
como se, naquele instante, o resto não ousa tentar novas alternativas, toma iniciativas, se
tivesse importância. (...). A dificuldade mostra mais ativa, não se prendendo a
não paralisa Frederico; ele utiliza os preocupação de alcançar um resultado, mas sim de
recursos que possui para obter ou
experimentar e vivenciar novas situações (SILVA,
preservar uma situação que deseja. Ele
2003, p.56). Deixa-se, no entanto, de focalizar e
recorre tanto à linguagem corporal quanto
à fala para comunicar-se e relacionar-se explicitar a sua deficiência dando lugar às
com o mundo, muitas vezes uma vontades e desejos de crescerem por meio da
comunicação silenciosa baseada no gesto brincadeira e ainda compreender as razões que
que expressa a necessidade e a resposta motivam o seu brincar (SILVA, 2003, p.56).
que resulta num efeito: a confiabilidade
(TAKATORI, 2003, p. 44). O BRINCAR E CRIANÇA COM
Além das experiências de brincar diretas e DEFICIÊNCIA
individuais de crianças com deficiência, é O ato de brincar é fundamental não
importante salientar que as brinquedotecas podem somente para as crianças sem deficiência, mas
ser uma outra alternativa que possibilita, incentiva também para aquelas com deficiência, pois
e valoriza o ato lúdico. Desta maneira, uma mesmo que precise ser mediada, a ação lúdica traz
brinquedoteca deve conter brinquedos adaptados uma gama de benefícios a elas.
às necessidades de crianças com ou sem O brincar é importante para aproximar a
deficiência (VAZ, 1994). Como no caso da criança com deficiência do seu meio e fazê-la
criança com deficiência visual, é necessário que os interagir socialmente, possibilitando que ela não
materiais tenham texturas diferentes e em alto se sinta ou tenham-na como incapaz
relevo e formas bem definidas e para a criança Além de preparar pais, familiares e todas
com comprometimento na coordenação motora é as pessoas que convivem com essa criança,
preciso que os brinquedos sejam grandes para que conscientizando-os, que há a necessidade de
facilite a sua manipulação (SIAULYS, 2003, p.

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estimular e apoiar o ato de brincar (UNICEF que se percebe é que ela continua sendo subordinada
BRASIL, 2001, p. 11). ao adulto, que tem como pretensão fazê-la passar
A seguir, serão relatados trechos do livro pela infância o mais rápido possível, no entanto, a
Brincando a Brincadeira com a Criança criança é um ser de direito desde que nasce. Ela é
Deficiente – Novos rumos terapêuticos. Essa um ser que já é e que necessita ter o seu direito de
experiência foi realizada pela fisioterapeuta participação (NASCIMENTO, 2006).
Marlene Lorenzini (2002), tendo como No Brasil, esse direito de participação foi
participantes crianças com deficiência. instituído pelo Estatuto da Criança e do
Esse relato demonstra as contribuições do Adolescente (ECA), que assegura uma doutrina de
brincar para a criança com deficiência e o auxilio proteção integral, reconhecendo a criança como
em seu desenvolvimento global. cidadã e também como sujeito de Direito, que é
A Associação Brasileira de Brinquedotecas explicitado no Art. 15:
(ABB) conceitua brinquedotecas como A criança e o adolescente têm direito à
espaços mágicos destinados ao brincar das liberdade, ao respeito e à dignidade como
crianças e alerta para o fato de que não pessoas humanas em processo de
podem ser confundidas com um conjunto de desenvolvimento e como sujeitos de direitos
brinquedos ou depósito de crianças, pois a civis, humanos e sociais garantidos na
criação de uma brinquedoteca está sempre constituição e nas leis (MARCÍLIO, s/d,
ligada a objetivos específicos tais como s/p; BRASIL, 1990, p. 7).
sociais, terapêuticos, educacionais, lazer, etc. Para ter o seu direito de cidadã garantido,
(RAMALHO e SILVA, 2003/2004, p. 2). ela primeiramente tem de ser vista como uma
Essas instituições garantem a criança um criança, que para se engajar no mundo dos adultos
espaço facilitador do ato lúdico, no qual há um necessita experenciar e vivenciar as diversas
conjunto de brinquedos, jogos e brincadeiras que situações que lhes são apresentadas. Essas
proporcionam um ambiente agradável, alegre e situações serão experimentadas através do ato de
colorido, tendo como objetivo o aflorar da brincar, que a faz elaborar e encontrar soluções no
ludicidade por meio dos brinquedos. Esse ambiente âmbito do imaginário, transportando-a para o real.
é criado especialmente para estimular a criatividade, Por isso, o ato de brincar é mais um direito
o desenvolvimento da imaginação, a comunicação e adquirido e que está garantido no ECA, no Art. 16
a expressão, como também incentivar a brincadeira parágrafo IV - “O direito à liberdade compreende
de faz-de-conta, a dramatização, a construção, a os seguintes aspectos: brincar, praticar esportes e
solução de problemas, a socialização e o desejo de divertir-se;” (BRASIL, 1990, p. 7). Assim, pode-
inventar (RAMALHO e SILVA, 2003/2004, p. 1). se compreender que toda criança independente da
Estes espaços devem, através de seus mó- sua condição física, psíquica ou cognitiva tem o
veis, cores, decoração e disposição dos brinquedos, direito de brincar, ou mesmo, de ser simplesmente
estimular a vontade da criança brincar, se expressar, criança (SILVA, 2003, p. 54). Isso se aplica
ser criativa e interagir com outras crianças. As também ao Art. 31, da Convenção sobre os
brinquedotecas têm fundamental importância Direitos da Criança de 1989, que reassegura á
quando instaladas em hospitais e centros de criança o direito de brincar (MARCÍLIO, s/d).
reabilitação, locais que muitas vezes relacionam-se Diversas organizações governamentais e
ao medo e a dor (VAZ, 1994). não-governamentais têm como objetivo fazer
É fundamental para que a criança possa valer os direitos da criança. Nasce em 1990, após
brincar e que os brinquedos e brincadeiras sejam a promulgação do ECA a Fundação Abrinq pelos
adaptados às suas necessidades. Direitos da Criança e o Adolescente, que é uma
organização “amiga da criança”, sem fins
O DIREITO DE BRINCAR E O NOVO lucrativos, visando promover a defesa dos direitos
OLHAR DA PSICOLOGIA e o exercício da cidadania da criança. Há o
Ao se falar de brincar é importante sempre reconhecimento da criança como sujeito de suas
lembrar que ele traz para a criança com deficiência própria história e que possui o direito de viver
contribuições inestimáveis para o seu dignamente, com respeito e liberdade, com saúde,
desenvolvimento global e psicológico. Contudo, o com alimentação adequada, com educação de

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qualidade, acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à deficiência uma parte importante do seu
profissionalização. (FUNDAÇÃO ABRINQ, s/d). tratamento médico (UNICEF BRASIL, 2006).
As ações práticas realizadas pela Fundação Algumas das ações da UNICEF se baseiam
Abrinq têm como foco a melhoria da Educação, no apoio a projetos, como os que fizeram parte da
para que toda criança tenha o direito de frequentar agenda nacional nas eleições 2006, promovendo
uma escola pública de qualidade, que promova o um debate das questões relativas aos direitos da
aprendizado, a brincadeira, o crescimento e a criança nos programas de partidos políticos, para
convivência. Além, de possuir professores que haja um acompanhamento do orçamento
capacitados, instalações e equipamentos limpos, público na área da infância. Essa ação faz com que
completos e modernos, dando-lhes recursos Os principais instrumentos dessa
necessários para desenvolver o conteúdo mobilização são a capacitação e a oferta
pedagógico adequado às necessidades e à regular de informações e subsídios para
realidade de cada criança (FUNDAÇÃO jornalistas sobre os direitos das crianças
(...), políticas públicas voltadas para a
ABRINQ, s/d).
infância e os principais desafios do Brasil,
Já no que se refere à proteção, toda criança (...). Constam ainda do projeto o acompa-
tem o direito de uma vida digna e saudável, tendo nhamento e análise das propostas e
como primeira iniciativa à luta pela erradicação do programas de governo dos candidatos à
trabalho infantil, através de parcerias com presidência da República e o monitora-
empresas que se comprometem a não contratarem mento da cobertura jornalística sobre
e ainda a criar ações e apoiarem projetos que se infância e adolescência, especialmente no
empenham em defender os direitos da criança. A que se refere às matérias que exerçam
Fundação Abrinq defende os Direitos da criança, efetivamente o papel de controle social
apoiada no ECA, ao qual obriga a sociedade, a sobre os agentes governamentais. (...)
família e os governos a protegerem a criança e a (UNICEF BRASIL, s/d, s/p).
promoverem o seu bem-estar físico, mental, Desenvolvem ainda, o Projeto Juventude
moral, espiritual e social. Para que isso se Positiva, que promove ações formativas e
concretize, essa organização busca desenvolver informativas entre crianças que vivem e não
políticas públicas municipais, respaldadas pelos vivem com o vírus da Aids, que visa à educação
Estados e pela União que priorizam o bem-estar de pares dentro de instituições escolares atendidas
da criança (FUNDAÇÃO ABRINQ, s/d). pelo projeto. Esse projeto faz com que possam
Da mesma forma, a UNICEF, uma perceber as suas potencialidades, se tornando
organização internacional que atua no Brasil conhecedores e formadores de opinião frente aos
(Fundo das Nações Unidas para a Infância), trata problemas atuais que envolvem as drogas, as
especificamente do direito de brincar da criança DSTs e a Aids. Além disso, há também o Projeto
com deficiência, visto que brincando com outras Tecer o Futuro, que desenvolve ações que
crianças, ela aprende e se desenvolve, além de contribuem para a inclusão de crianças soro-
deixar de lado o preconceito e a discriminação positivas na sociedade. Para a sua efetivação, são
(UNICEF BRASIL, s/d). Entretanto, para esta criadas atividades que objetivam proporcionar a
organização a “brincadeira é coisa séria, busca pelos direitos, informação e proteção da
principalmente para a formação do caráter, da criança (UNICEF BRASIL, s/d).
personalidade e da vida social da criança, além do O direito de brincar da criança, em
desenvolvimento do seu cérebro” (UNICEF especial da criança com deficiência, deve ser
BRASIL, 2006, p. 2). A brincadeira também ajuda estendido ao trabalho do psicólogo. Para isso é
“a criança a movimentar-se, relacionar-se, necessário que os profissionais de Psicologia
expressar-se, aprender sobre o ambiente, dominar estejam cientes de que esse direito deve ser
o espaço, conhecer a si própria e aos outros, cumprido no que tange a sua intervenção, tendo
desenvolver a sua afetividade e autoestima, tornar- como base a importância do ato lúdico, que faz
se criativa, participante e ativa” (SIAULYS, 2003, parte do processo de desenvolvimento e educação
p. 73). Com isso, o hábito de brincar desenvolve da criança (SIAULYS, 2003). Para tanto, além de
suas potencialidades, sendo para a criança com conhecer os direitos relativos ao brincar e sua
importância para o desenvolvimento da criança,
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também é necessário o conhecimento de aspectos comuns. Hoje nos dedicamos a criar


práticos, como a função e os objetivos dos brinquedos que sejam alegres para todas
diferentes jogos e brincadeiras. É essencial que o as crianças e que permitam às crianças
psicólogo tenha definido os objetivos para que com deficiência visual brincar junto com
as outras, integrando-as e estimulando sua
saiba como conduzir o ato lúdico, mas também
participação na vida familiar e na
que isso não restrinja o seu olhar, que deve ser comunidade (SIAULYS, 2003, p. 74).
sensível para perceber outros objetivos que Em outra experiência com duas crianças
surgirão ao longo da brincadeira. Assim, ater-se cegas congênitas e três com baixa visão, em uma
demais a objetivos pré-determinados pode fazer EMEI no Estado de São Paulo, foram utilizados
com que o brincar perca a sua magia e função. recursos como livros, vídeos e CDs de literatura
Além disso, o psicólogo deve valorizar o infantil. Estes visaram o desenvolvimento da
brincar pelo simples brincar, ou seja, algo que linguagem oral, o estímulo da imaginação, a
incita a imaginação da criança e possibilita ao formação de conceitos básicos e representações
profissional a observação de informações para melhor desenvolvimento cognitivo e também
espontâneas estão emergindo naquele momento. a conquista de independência (GARCIA;
Bem como há necessidade de se fazer adaptações MACHADO E MAZZARO, 2003).
para o engajamento efetivo da criança com Contamos histórias para as crianças, lemos
deficiência, para não esbarrar-se na crença de que livros escolhidos por elas, previamente
a criança com deficiência não brinca ou brinca selecionados por nós, (...). Isso facilita o
apenas para passar o tempo (SILVA, 2003, p. 54). envolvimento das crianças (...). Utilizamos
Quanto aos materiais, brinquedos e também fantoches e marionetes e nos
brincadeiras, na maioria das vezes fica clara a colocamos entre as crianças para que todos
necessidade de adaptações, já que eles viabilizam pudessem observar e tocar os bonecos,
uma nova forma de aprender por meio de métodos quando necessário, para sua leitura. Outras
adequados que abrem possibilidades de interagir e vezes, apresentamos a mesma história em
participar em seu meio de forma efetiva. Essas vídeo e CD para a criança conhecer as
diferentes linguagens. Depois de ouvirem
adaptações devem ser feitas a partir da ou assistirem à história, pedimos para que
convivência e do conhecimento das necessidades recontassem oralmente ou a representassem
expressas pela criança (SIAULYS, 2003). de várias formas: em peças teatrais, no
Como exemplo de formas de adaptações pátio, com os recursos da natureza (terra,
de material e brinquedo, pode-se evidenciar o árvore, pedras) e os brinquedos ali
Projeto Brincanto – Garantindo o Prazer de presentes. Tal prática faz com que a criança
Brincar da Associação Brasileira de Assistência ao perceba que, ao contar uma história
Deficiente Visual – Laramara, que tem como base oralmente, ela precisa descrever algumas
de um projeto transdisciplinar a convicção de que paisagens, ações e fazer alguns sons para
o brinquedo e as brincadeiras são recursos para a torná-la compreensível. Já no vídeo, é
interação e facilitação do desenvolvimento da desnecessário, ‘esse é feito de imagens e o
CD tem os sons’ (fala das crianças). Mais
criança, além de garantir-lhe o acesso adequado à tarde, quando forem alfabetizadas,
sua educação (SIAULYS, 2003). escreverão com maior facilidade e suas
Os brinquedos adaptados ou produções escritas apresentarão melhor
especialmente criados para as crianças coesão e coerência. Incentivar a narrativa é
cegas e com baixa visão que possam ser também uma prática importante para
reconhecidos pelo tato e pelos outros aprenderem elaborar com sequência suas
sentidos tornam seu aprendizado alegre, próprias criações, conhecer a história, novos
significativo e prazeroso. Eles vão ambientes, objetos, costumes e outros.
facilitar a aquisição de conceitos e Além disso, contar e ouvir história é uma
habilidades, ajudá-la a desenvolver os boa estratégia para que as crianças
sentidos, introduzir muitos objetos e interajam, troquem experiências e tenham
materiais diferentes e dar à criança cega a espaços para exporem suas ideias, o que
oportunidade de ter contato com o braile pensam, e ainda aprenderem a ouvir
desde pequena, da mesma forma como as
crianças que enxergam têm com as letras
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(GARCIA; MACHADO E MAZZARO, se constitui em uma forma feliz, simples e efetiva


2003, p. 65). de interação com a criança e que a brincadeira a
Ainda exemplificando as adaptações nos faz se desenvolver de forma espontânea
brinquedos e brincadeiras, para criança surdocega (SIAULYS, 2003, p. 71).
é preciso que a brincadeira seja antecipada com o
objeto a ser utilizado, como uma bola com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
chocalho, brinquedos de causa e efeito, ou seja,
que ao serem apertados produzam sons, luzes, AMARAL, L. A. Deficiência: Questões Conceituais
vibrações ou movimentos. Isso contribui para a e Alguns de seus Desdobramentos. Cadernos de
interação da criança em um grupo, a qual ela deve Psicologia, São Paulo, v. 1, p. 3-12, 1996.
ser orientada pelo professor de como participar e
do momento em que deve começar (MEC, 2003). _______. Psicologia, Educação e as Temáticas da
A UNICEF tem incentivado pelo mundo o Vida Contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.
uso de brinquedos confeccionados pela
própria comunidade como forma de
BENJAMIN, W. Reflexões: A criança, o brinquedo,
conservar as culturas locais e incentivar a
a educação. São Paulo: Summus Editorial, 1984.
criatividade dos educadores no
aproveitamento de seus próprios recursos.
Além disso, há a dissociação BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990.
enganosamente estabelecida de que uma Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
boa educação somente se realiza com Adolescente e dá outras providências. Diário
recursos de custo elevado. Brinquedos Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
podem ser confeccionados por professores e
pela família, em comunidades carentes ou ENUMO, S. R. F. Uma análise da evolução do
não, a partir de materiais como madeira, conceito de deficiência mental. São Paulo: Casa do
utensílios domésticos, sucata etc. Cuidados Psicólogo, 1998.
especiais na confecção de brinquedos
devem ser sempre tomados, como garantir
FUNDAÇÃO ABRINQ. Disponível em:
sua perfeita higiene e bom acabamento de
modo a não oferecer riscos para a criança <www.fundabrinq.org.br>. Acesso em: 21 ago.
como pontas ou farpas, e não devem ser 2006.
pintados com tinta que contenha chumbo, e
devem ser seguros de modo a não GARCIA, N.; MACHADO, E. V.; MAZZARO, J.
desmancharem facilmente causando lesões L. Criando espaços para brincadeiras, imaginação e
ou liberando peças pequenas que possam criação. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
obstruir a respiração da criança ou Secretaria de Educação Especial. Dificuldade 7 –
machucá-la. Os brinquedos devem ser Saberes e práticas da Inclusão. Dificuldades
adequados ao nível de desenvolvimento da comunicação e sinalização – Deficiência Visual.
criança, e ao serem confeccionados devem Brasília, 2003.
ser cuidadosamente feitos de modo a
poderem ser utilizados como recursos de
aprendizagem, até mesmo em níveis mais GIL, J. P. A. et al.O Significado do Jogo e do
elevados (MEC, 2003, p. 20-21). Brinquedo no Processo Inclusivo: Conhecendo
Portanto, o brincar traz a possibilidade da novas Metodologias no Cotidiano Escolar. Revista
criança poder imaginar, sonhar e criar, além de do Centro de Educação, Rio Grande do Sul, n. 20,
fazê-la entrar em contato com objetos e 2002. Disponível em: <www.ufsm.br>. Acesso em:
brinquedos que a faz desfrutar de inúmeras 21 ago. 2006.
perspectivas. Essas perspectivas a auxilia no
processo de aprendizagem e também a leva a LEMOS, E. Ciranda de Rodas, vamos
provar diversas formas de experiências brincar?[Artigo de Opinião]. Disponível em:
imaginárias que se concretizam por meio do real <www.psicologia.com.pt>. Acesso em: 21 ago.
(GARCIA, MACHADO E MAZZARO, 2003). 2006.
Cria-se, desta forma, a convicção de que o brincar

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