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Direito
Processual Penal - 2022 (Pós-Edital)
Autor:
Leonardo Ribas Tavares, Equipe
Materiais Carreiras Jurídicas
21 de Janeiro de 2022
Sumário
Considerações gerais.......................................................................................................................................... 5
Doutrina Complementar................................................................................................................................................. 25
2 - Casuística ................................................................................................................................................ 46
Bons estudos
1255215
-Bons Estudos
Leonardo Ribas Tavares, Equipe Materiais Carreiras Jurídicas
Aula 03
3.1 - Crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis ....................................................................... 81
1 - Conceito................................................................................................................................................. 154
3.4 - Competência por prerrogativa de função x competência do Tribunal do Júri ..................................................... 163
4.2 - Competência em relação aos titulares de foro por prerrogativa de função ........................................................ 176
3 - Juízo colegiado em primeiro grau de jurisdição para julgamento de crimes praticados por organização
criminosa .................................................................................................................................................... 205
3 - Continência............................................................................................................................................ 237
Resumo........................................................................................................................................................... 277
Gabarito.......................................................................................................................................................... 323
CONSIDERAÇÕES GERAIS
De início, cumpre distinguir jurisdição de competência. Para isso, aproveitaremos um pouco daquilo que
dissemos na aula passada com relação à jurisdição, aprofundando o estudo dos institutos.
1 - DEFINIÇÕES E DISTINÇÕES
Jurisdição: CHIOVENDA define como “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da
lei, por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros
órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva” (Tornaghi,
1987). “Como poder jurídico, a jurisdição é manifestação da soberania do Estado e tem por contraposto o
status subjetionis do indivíduo”.
A jurisdição é uma das funções que o Estado exerce, como entidade soberana, dentro de seu
território. Por meio da jurisdição, o Estado atua para fazer justiça, dando, assim, a cada um o que
é seu, sempre que exista situação intersubjetiva litigiosa, ou lide, que deva ser composta ou
solucionada. No exercício da jurisdição o Estado aplica a lei, ou melhor, o direito objetivo. Mas a
aplicação das regras jurídicas não é a causa finalis da jurisdição, e sim, a de compor litígios, para
ser dado a cada um o que é seu (Marques, 1997).
Como traz PACELLI, em remissão a autor estrangeiro e mais na atualidade, jurisdição é “o poder-dever
atribuído, constitucionalmente, ao Estado para aplicar a lei ao caso concreto, compondo litígios e resolvendo
conflitos. Trata-se de um aspecto do exercício da soberania do Estado, que, na sua indestrutível unidade
orgânica, ora se mostra como atividade legislativa, ora como atividade jurisdicional, ora como atividade
executiva” (Pacelli, 2018).
A função jurisdicional (do latim jurisdictione), sob o ponto de vista etimológico, significa ação de
dizer o direito. Pois jus, juris significa direito, e dictio, dictionis, ação de dizer. Jurisdição é a função
estatal de aplicar o direito objetivo a um caso concreto, protegendo um determinado direito
subjetivo, através do devido processo legal, visando ao acertamento do caso penal. [...] A
jurisdição é a atividade do Estado que tem como escopo substituir a vontade das partes. Aliás,
essa substitutividade é uma das suas características principais, pois o Estado só atua porque foi
provocado por uma das partes que não conseguiu, extraprocesso, a solução da controvérsia.
Dessa forma, a vontade do autor e do réu sobre determinado direito será substituída pela
vontade da lei que irá imperar através da sentença. Dada a sentença, será extraída a regra jurídica
que regulará aquela situação litigiosa concreta (Rangel, 2018).
Competência, por outro lado e como há tempos prega a doutrina, é a medida da jurisdição. Apresenta-se
como uma verdadeira limitação da jurisdição, definindo e especificando, por meio de um conjunto de
normas, qual é o juiz que vai atuar nos mais variados casos.
Seria impossível que um só órgão jurisdicional ou uma só autoridade julgasse todos os possíveis e os mais
variados casos que podem bater às portas do Poder Judiciário. Diante dessa inarredável constatação, o
ordenamento jurídico não só concebeu a existência de vários juízos, como também criou critérios normativos
para esclarecer a ‘atribuição’ (competência) de cada qual.
Assim, cada ‘unidade judiciária’ tem um determinado espaço de atuação (ou, tem a sua competência), espaço
que deve ser previamente estabelecido e dentro do qual a jurisdição se exerce e se legitima (e fora dos quais
pode se tornar arbitrária). Todos os juízes têm jurisdição (que é una), mas nem todos, considerando um
determinado caso concreto, têm competência para nele atuar. Quando um juiz, por exemplo, é removido de
uma Vara para outra, pode mudar sua competência, mas nunca deixou de ter jurisdição.
Aliás, são exatamente as regras de competência que devem distinguir, exatamente, qual é o juiz que deve
exercer a jurisdição num determinado processo. Quanto melhores essas regras, mais claras e objetivas, mais
segurança jurídica se terá e menos conflitos surgirão.
Como destaca WALFREDO CUNHA CAMPOS, competência é o “limite qualitativo de jurisdição estabelecido para
cada órgão do Poder Judiciário, como uma forma encontrada de se dividir racionalmente o trabalho entre
seus membros e de se prestar, de maneira eficaz, o serviço público jurisdicional”.
Cada juiz recebe então, da lei, um trecho delimitado de poder jurisdicional, onde poderá exercer
sua atividade; este círculo de atividade jurisdicional, construído abstrata e impessoalmente pela
lei, chama-se competência. [...] jurisdição é o poder genérico e abstrato de aplicar o direito, pelos
membros do Judiciário; já a competência é a forma concreta, estabelecida pela Constituição e
pelas leis, de se dividir entre os magistrados as mais variadas causas (Campos, 2018).
Jurisdição é um poder, enquanto a competência é a permissão legal para exercer uma fração
dele com exclusão do resto, ou melhor, a possibilidade (não o poder, não a potencialidade) de
exercitá-lo por haver a lei entendido que o exercício limitado do poder quadra em determinado
esquema metódico. Todo ato de exercício de poder jurisdicional que não contrarie o plano da lei
é permitido ao juiz. E isso é, exatamente, a simples possibilidade. Possível é tudo que não envolve
absurdo, que não é inconsequente, que não acarreta contrassenso. (...) O conceito de jurisdição
é ontológico, diz respeito ao poder em si, ao poder de julgar. O de competência é metodológico.
Jurisdição é força, é virtude, é princípio criador, algo positivo. Competência é simples
possibilidade, qualidade daquilo que não contradiz, que não ultrapassa os limites impostos por
lei. Aliás, confira-se a redação do art. 69, caput, do CPP, mencionando hipóteses de determinação
de competência jurisdicional, isto é, a medida do exercício jurisdicional de cada juiz (Nucci, 2018).
Imagine a jurisdição como o todo, o círculo externo, e as competências como parcelas desse todo, umas
mais, outras menos abrangentes:
competência
competência
competência
competência
Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional,
conforme as disposições deste Código.
Essa parte em destaque, ao final, “significa, exatamente, os limites estabelecidos pela competência”.
Aliás, este é o título adequado conferido ao Capítulo I do Título II do CPC: “Dos limites da
jurisdição nacional”, quando começa a cuidar das regras de competência. E completa o art. 42:
“as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência...”. Sob
o manto da velhice, o CPP nem toca no termo jurisdição no Título V, preferindo mencionar
Normalmente é o Poder Judiciário que resolve as controvérsias, mas nem sempre. Em situações
extraordinárias a atividade jurisdicional do Estado pode ser exercida pelo Poder Legislativo, ganhando
evidentes contornos políticos. É o que ocorre quando, por exemplo, o Presidente da República é julgado pelo
Senado Federal nos crimes de responsabilidade ou quando um prefeito é julgado pela Câmara Municipal em
crimes de responsabilidade, nos termos do DL 201/1967, in verbis:
Substitutividade – característica essencial da jurisdição, que faz parte da sua própria definição. Traduz a ideia
de que o Estado atua por outrem (em substituição), normalmente a parte ou a vítima que, na maioria das
situações, está proibida de impor sua própria justiça – autotutela vedada.
Unidade – a jurisdição é ‘una’, uma só, exercida com a finalidade de aplicar o direito ao caso concreto, por
órgãos do Poder Judiciário. É “única, pertencente ao Poder Judiciário, diferenciando-se apenas no tocante à
sua aplicação e ao grau de especialização, podendo ser civil – federal ou estadual; penal – federal ou estadual;
militar – federal ou estadual; eleitoral ou trabalhista” (Nucci, 2018).
A jurisdição, como função do poder soberano do Estado de aplicar a lei ao caso concreto, é única
em si e nos seus fins. Não há, como se diz comumente, jurisdição civil e penal ou eleitoral e
trabalhista. O que há é uma única jurisdição, dividida sob o aspecto da natureza da matéria, e aí
surge o caso penal, a lide civil, eleitoral ou trabalhista. Destarte, há uma impropriedade técnica
ao falarmos em conflito de jurisdição, pois, se ela é única, não pode haver conflito dela com ela
mesma. Na realidade, o que se quer dizer é conflito de competência. Se a jurisdição é o poder
que tem o Estado de dar a cada um aquilo que é seu, há a necessidade de se dividir essa prestação
de forma a se atender a todos de forma satisfatória e, para tal, mister se faz a delimitação desse
poder (Rangel, 2018).
Inércia – a atividade jurisdicional só pode se desenvolver quando provocada e, nesse sentido, nenhuma
tutela pode ser concedida por iniciativa do próprio julgador. O início dos processos, a ‘provocação’, deve
partir de outra pessoa ou autoridade que não o juiz. Depois de iniciado o processo o impulso oficial deve
ocorrer, com vistas ao desfecho do procedimento; todavia, ao início (é desse momento que estamos falando)
a jurisdição deve ser invocada por aquele que, nos termos da norma, seja legitimado. Esse princípio foi
concebido em salvaguarda da imparcialidade, partindo-se da premissa de que ela estaria absolutamente
comprometida em caso contrário – caso o próprio julgador pudesse tomar a iniciativa perante o conflito que
ele mesmo julgará. Quanto às exceções, vejamos a divergência de opiniões:
Inércia: o Magistrado depende da iniciativa das partes, não podendo iniciar, ex officio,
uma ação judicial. Esse princípio tem relação com a necessidade de justa composição da
lide e de absoluta imparcialidade do Juiz, garantias estas que restariam comprometidas
se fosse atribuída ao julgador a faculdade de iniciar uma ação penal sem a provocação
dos legitimados constitucionais – Ministério Público, mediante denúncia, e o particular,
mediante queixa-crime. No processo penal, hoje, não há nenhuma exceção a esse
princípio (Avena, 2020).
Os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne procedat
judex ex officio), pois a experiência histórica demonstrou que o exercício espontâneo da
atividade jurisdicional afeta, sobremaneira, a imparcialidade do julgador, que se deixa influenciar
pela iniciativa tomada. Há algumas exceções, como a execução penal das penas privativas de
liberdade e restritivas de direito, em que cabe ao juiz determinar a expedição da carta de guia,
dando prosseguimento à persecução penal (LEP, art. 105), além da possibilidade conferida ao
magistrado de conceder ex officio a ordem de habeas corpus (CPP, art. 654, § 2º), ou, ainda, a
produção de provas de ofício (CPP, art. 156, I) (Capez, 2018).
Indeclinabilidade – no sentido de que nenhum juiz pode se eximir da prestação jurisdicional. A jurisdição
não é um ‘convite’ que admite recusa; traduz não só um poder, mas principalmente um dever do órgão
jurisdicional. A Constituição Federal, no art. 5º, traz o mesmo axioma num enfoque diferente:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Veja, então, que nem mesmo a lei pode impedir ou criar obstáculos de difícil transposição para o acesso à
Justiça. A ideia tem muita lógica: na medida em que se veda a autotutela por parte do cidadão, não pode
nem mesmo a lei (produto do próprio Estado) pretender de algum modo eximir o Poder Judiciário de função
tão relevante para a pacificação social. A partir do momento em que o Estado proíbe a ‘justiça pelas próprias
mãos’, não pode o mesmo Estado se esquivar da incumbência que ele mesmo monopolizou.
Nenhuma das garantias anteriores teria eficácia se fosse permitido ao juiz declinar ou subtrair-
se do dever de julgamento do processo. A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse
possível sua fungibilidade. A inderrogabilidade é garantia que decorre e assegura a eficácia da
garantia da jurisdição, no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade do juízo, assegurando a
todos o livre acesso ao processo e ao poder jurisdicional. Logo, o juiz natural não pode declinar
ou delegar a outro o exercício da sua jurisdição, até porque existe uma exclusividade desse poder,
de modo a excluir a de todos os demais (Júnior, 2021).
(Filho, 2012). A jurisdição não está sujeita à vontade das partes; nesse sentido, não há margem para a recusa
de juiz que não a legalmente admitida (somente nas hipóteses de impedimento ou suspeição, por exemplo).
Veja que não seria absurda uma questão de prova que fizesse a seguinte indagação: quando se expede uma
carta precatória ou uma carta de ordem, ocorre delegação de jurisdição? NÃO é isso, segundo doutrina
majoritária. Nos utilizamos dos ensinamentos de GUILHERME DE SOUZA NUCCI para fundamentar a resposta:
Pensamos que a jurisdição – entendida como o poder jurisdicional de aplicar o direito ao caso
concreto – é sempre indelegável, já que todos os juízes a possuem e não podem repassar a quem
não é magistrado. O que se pode delegar, em verdade, segundo as regras legais, é a
competência, o limite para o exercício jurisdicional. Assim, para que um juiz ouça uma
testemunha residente em outra Comarca, fora de sua competência, expede carta precatória,
delegando a possibilidade de colher a prova a outro magistrado. Este, que possui jurisdição, passa
a ser competente para a oitiva. O mesmo se dá com a carta de ordem. Note-se que são situações
previstas expressamente em lei. Alguns processualistas preferem tratar o tema como “delegação
de jurisdição” [...]. Mantemos o nosso entendimento de que se trata de um aspecto da delegação
de competência. A jurisdição não é delegável, nem transmissível. Somente o seria se um órgão
jurisdicional pudesse delegá-la a quem não a possui, sendo ente estranho ao Poder Judiciário, o
que não ocorre. Por isso, tanto na precatória quanto na carta de ordem transmite-se
possibilidade de realizar atos jurisdicionais que a autoridade deprecada não poderia fazer sem a
autorização do deprecante. Essa transmissão é expressamente autorizada em lei, o que não lhe
retira o caráter de delegável. [...] Lembremos que delegar é transmitir poderes atribuições ou
meramente incumbir alguém de fazer algo, exatamente o que faz o deprecante: transmite o
poder de convocar e ouvir uma testemunha que diz respeito a processo seu, a outro juízo.
Estende-se a competência do juiz em face de delegação autorizada em lei. Por outro lado, se um
desembargador pode ir à Comarca do interior onde se encontra determinada testemunha para
inquiri-la, mas prefere não fazê-lo, deprecando o ato (carta de ordem), está autorizando, por
delegação de competência, que o juiz local o faça. Não é uma questão de transmitir poder
jurisdicional, mas de conferir competência a magistrado que não a possui. Essa parece não ser
a questão central, que autoriza concluir ser delegável apenas a competência, de acordo com os
ditames legais (Nucci, 2018).
Improrrogabilidade / aderência – traduz a ideia de que um juiz não pode usurpar a competência de outro;
um órgão jurisdicional não pode (salvo situações excepcionais disciplinadas) estender sua parcela de
jurisdição, de forma arbitrária e ao arrepio da lei, suplantando as atribuições de outro. Sob outro viés, às
partes também não é lícito querer subtrair o conhecimento da causa do seu juiz natural. Um exemplo de
violação: suponha que numa carta precatória cujo objeto seja inquirição de testemunha o juízo deprecado
resolva julgar, sentenciar o feito – haveria nítida violação desse princípio, caso de nulidade.
Investidura – é a assunção no cargo, ato complexo que se completa com a posse. Segundo DE PLÁCIDO E SILVA,
investidura deriva do latim, investire (revestir), “é empregado na terminologia jurídica, para indicar o ato
jurídico, em virtude do qual se dá a posse à pessoa para desempenho de cargo ou função, para que foi
designada ou nomeada. [...] Refere-se ao ato em que se concede à pessoa um benefício, um poder, uma
autoridade ou um direito” (Silva, 2005). Pois bem. De acordo com esse princípio, só pode exercer jurisdição
a pessoa/autoridade investida no cargo ao qual se atribui jurisdição. A investidura legítima ordinariamente
pressupõe concurso, nomeação, tudo de acordo com as diretrizes constitucionais e legais. Lembre-se,
todavia, do excepcional caso referente ao ‘quinto constitucional’ na composição de alguns tribunais:
CF. Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e
do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de
dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais
de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de
representação das respectivas classes.
Imutabilidade – diferentemente dos atos legislativos e administrativos, apenas os atos jurisdicionais podem
formar a coisa julgada; isto é, tornarem-se imutáveis, impedindo-se a rediscussão da matéria. Veja-se a
Constituição Federal, art. 5º:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
[...] a partir do instante em que o litígio é levado a juízo, diz-se que a coisa litigiosa foi ali
apresentada (res in iudicium deducta est) e que a lide pende de julgamento (daí: litispendência).
Mas chega um momento em que o litígio é resolvido definitivamente, sem possibilidade de ser
de novo proposto à consideração de qualquer juiz e a decisão se torna imutável. Desde então
deve dizer-se que a coisa está julgada (res iudicata est). Coisa julgada, portanto, é a própria coisa
discutida depois que o juiz se pronuncia sem mais qualquer possibilidade de recurso ou de
mudança da decisão (Tornaghi, 1967).
A definição legal, hoje, perfeitamente aproveitável no processo penal (art. 3º, CPP), está no artigo 502 do
Código de Processo Civil1:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a
decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
É fato, todavia, que esse princípio tem sido bastante relativizado no Direito brasileiro. No processo penal,
em especial, há muito tempo a coisa julgada é relativa quando se refere a sentença condenatória, na medida
em que esta pode ser completamente desconstituída pela revisão criminal.
Juiz natural – este é o princípio mais importante dentro do tema que estamos estudando, com previsão na
Constituição Federal, em diversos dispositivos, em particular no art. 5º:
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
Em breves palavras, é traduzido como o direito que toda pessoa tem de saber, previamente, por qual juiz
será julgada caso venha a ser submetida a um processo judicial. “Daí se conclui que juiz natural é aquele
constituído antes do fato a ser julgado, de acordo com a ordem taxativa de competência estabelecida em
conformidade com a lei” (Júnior, et al., 2009).
No peso das tradicionais palavras de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, é “o direito fundamental dos cidadãos a que
uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou
1
Enquanto no processo civil é o dispositivo da sentença que faz coisa julgada, no processo penal são os fatos ou a realidade
histórica. Discutiremos isso no momento oportuno.
tido como competente” (Dias, 1974). Segundo o insigne jurista português, o princípio tem um tríplice
significado:
a) Ele põe em evidência, em primeiro lugar, o plano da fonte: só a lei pode instituir o juiz e fixar-
lhe a competência.
b) Em segundo lugar, procura ele explicar um ponto de referência temporal, através deste
afirmando um princípio de irretroatividade: a fixação do juiz e de sua competência tem de ser
feita por uma lei vigente já ao tempo em que foi praticado o facto criminoso que será objecto do
processo.
c) Em terceiro lugar, pretende o princípio vincular a uma ordem taxativa de competência, que
exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente. Daqui a proibição
de jurisdições de excepção, i. é, jurisdições ad hoc criadas para decidir um caso concreto ou um
determinado grupo de casos, com quebra das regras gerais de competência; o que não obstará
à válida existência de tribunais especiais que a Constituição e as leis prevejam, mas proibirá
terminantemente o desaforamento de qualquer causa criminal, bem como a sua suspensão
discricionária por qualquer autoridade.
A ordem constitucional das jurisdições não poderá ser subvertida nem os imputados poderão ser subtraídos
aos seus juízes naturais (Dias, 1974). É um dos princípios fundamentais, de permanente interação com outros
princípios informadores do processo penal, dentre eles o da imparcialidade. Decorre do devido processo
legal, da isonomia, pois visa garantir um julgamento justo, equânime, realizado, em qualquer grau de
jurisdição, por um juiz constitucionalmente competente. A legalidade e a anterioridade, verdadeiros
postulados, também se relacionam por demais; o juízo natural é constituído previamente por lei, e não criado
post factum.
[...] O princípio da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-
ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e condicionam o
desempenho, pelo Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório, notadamente
quando exercidas em sede judicial. O postulado do juiz natural, em sua projeção político-jurídica,
reveste-se de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por titular,
qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto
limitação insuperável, representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal
incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal. É irrecusável, em nosso sistema
de direito constitucional positivo - considerado o princípio do juiz natural - que ninguém poderá
ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente.
Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição
do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas - que representam limitações expressivas aos
poderes do Estado - consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. [...]
(HC 81963, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 18/06/2002)
O princípio tem previsão em vários tratados internacionais, dentre eles destacamos, respectivamente, a
Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ambos
incorporados ao nosso ordenamento jurídico:
Artigo 8. Garantias Judiciais. 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra
ela, [...].
Artigo 14. 1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa
terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter
penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil.
LUIZ FLÁVIO GOMES, comentando a Convenção, diz que o princípio do juiz natural “tem o significado de juiz
competente” e dele podemos “extrair três garantias: a) ninguém pode ser subtraído do seu juiz natural; b)
irrecusabilidade do juiz natural (salvo motivo legal fundamentado) e c) está proibida pela Constituição
Federal a criação de tribunal ou juízo de exceção” (Gomes, et al., 2009).
O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz, senão um verdadeiro pressuposto para a
sua própria existência. Como explicamos anteriormente, na esteira de MARCON, o Princípio do
Juiz Natural é um princípio universal, fundante do Estado Democrático de Direito. Consiste no
direito que cada cidadão tem de saber, de antemão, a autoridade que irá processá-lo e qual o
juiz ou tribunal que irá julgá-lo, caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento
jurídico-penal. O nascimento da garantia do juiz natural dá-se no momento da prática do delito,
e não no início do processo. Não se podem manipular os critérios de competência e tampouco
definir posteriormente ao fato qual será o juiz da causa. Elementar que essa definição posterior
afetaria, também, a garantia da imparcialidade do julgador, como visto anteriormente. Importa
afastar a criação de tribunais de exceção (post factum) e extinguir os privilégios das justiças
senhorais (foro privilegiado). Na clara definição de COUTINHO, trata-se de definir qual é o “meu
juiz”, pois todos passam a ser julgados pelo “seu juiz”, cuja competência é previamente
estabelecida por uma lei vigente antes da prática do crime.
Conforme ROGÉRIO LAURIA TUCCI, a verdade é que “o indivíduo envolvido numa persecutio criminis só pode ser
validamente processado e julgado por agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal – dito autêntico; assim
concebido quem seja”:
a) legítima e regularmente investido no exercício da jurisdição penal (cf. arts. 93, I; 101, parágrafo
único; 104, parágrafo único; 107, 119 e 123, e seu parágrafo único, da CF); e
b) dotado das garantias ínsitas ao normal e autônomo desempenho da função de seu cargo (cf.,
também, arts. 93, VIII e IX, e 95 da Carta Magna vigente: vitaliciedade, independência política e
jurídica, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos).
isso, aliás, que, incidente ao processo penal a máxima tempus criminis regit iudicem, deve
prevalecer, para o conhecimento e o julgamento das causas criminais, a organização judiciária
preexistente à prática da infração penal; equivalendo, consequentemente, à concepção de juiz
natural as de juiz legal e de juiz competente. [...] Em suma, excluindo-se, necessariamente, em
matéria penal, os órgãos jurisdicionais ad hoc e ex post facto, a garantia do juiz natural, na Justiça
Criminal, presenta-se dupla, a saber:
3 - JURISDIÇÃO – ELEMENTOS
Em atenção à completude do material, cumpre dizer que alguns autores, quando tratam da jurisdição, fazem
referência aos elementos que a compõe. A objetiva e precisa lição de NORBERTO AVENA, em relação ao tema,
merece transcrição e dispensa acréscimos:
4 - JURISDIÇÃO – CLASSIFICAÇÃO
O mesmo autor, de forma breve, ainda consolida a classificação que a doutrina costuma fazer em relação à
jurisdição, da seguinte forma:
inferior
graduação
superior
penal, civil,
matéria
eleitoral etc.
JURISDIÇÃO contenciosa
objeto
voluntária
plena ou
limitada
competênci
a exclusiva ou
cumulativa
a) Quanto à sua graduação: a jurisdição poderá ser inferior, como tal se compreendendo a
primeira instância de julgamento das esferas federal ou estadual; e superior, que abrange as
demais instâncias, isto é, aquelas a que compete o julgamento dos recursos interpostos.
b) Quanto à matéria: a jurisdição leva em conta aqui a natureza da causa a ser julgada,
classificando-se, então, em jurisdição penal, civil, eleitoral etc.
• Plena ou limitada: há a jurisdição plena quando o Juiz possui competência para decidir todos
os casos, o que ocorre na hipótese de Comarcas com vara única. Já a jurisdição limitada dá-se
quando tal competência é restrita a determinadas hipóteses, como nas Comarcas com varas
especializadas.
Há ainda duas outras classificações adotadas por parte da doutrina. Para estes, classifica-se a
jurisdição também quanto ao organismo jurisdicional, dizendo respeito ao órgão que vai exercer
cada espécie de jurisdição (Juiz de Direito, no âmbito da Justiça Comum Estadual; Juiz da Infância
e da Juventude, relativamente aos interesses da criança e do adolescente; Juiz de Família e
Sucessões, na esfera cível e assim por diante); e quanto à função, dividindo-se nesse enfoque em
ordinária ou comum, se integrada por órgãos do Poder Judiciário, e em extraordinária ou
especial, se, por exceção, estiver investido no poder de julgar outro órgão, a exemplo do Senado
no julgamento dos crimes de responsabilidade atribuídos ao Presidente da República (art. 52, I,
CF). Criticamos essas duas classificações, pois a primeira já está inserida na classificação da
jurisdição segundo a matéria (letra b, acima). E, quanto à segunda, pelo fato de não conseguirmos
vislumbrar poder jurisdicional em esfera distinta do Poder Judiciário, sinalando, quanto à
competência do Congresso Nacional para o julgamento de crimes de responsabilidade, que não
se trata essa atividade do exercício de jurisdição, mesmo porque não se está aí diante de uma
ação penal, e sim de um procedimento de natureza política visando à apuração de infrações
político-administrativas (Avena, 2020).
Competência absoluta – seria aquela que não pode ser flexibilizada, que não admite prorrogação, ditada por
critérios de ordem pública e que, por isso mesmo, não poderia ser alterada por questões circunstanciais ou
razões de interesse particular. O vício gerado pela inobservância dessa modalidade de competência não
convalesce, pode ser alegado em qualquer tempo e grau de jurisdição. Ainda, segundo doutrina ortodoxa, o
vício que a ela diz respeito seria de nulidade absoluta, com prejuízo presumido 2.
Diz-se, portanto, que uma competência é absoluta quando ela não puder ser flexibilizada, é
dizer, quando estiver em risco a própria jurisdição como Poder Público, como
constitucionalmente responsável pela tutela da questão penal. Aqui, o interesse é
eminentemente público, indisponível e inafastável por qualquer decisão dos interessados que
concretamente estejam integrando determinada relação processual, sejam eles partes (acusado,
Ministério Público, assistentes de acusação), seja o próprio órgão julgador. Trata-se, pois, de
interesse metaprocessual, então identificado como aquele que ultrapassa a fronteira do
2
Hoje em dia essa concepção está relativamente ultrapassada; falaremos disso em outra oportunidade, quando tratarmos das
nulidades.
interesse dos envolvidos em determinado e específico processo para atingir todo e qualquer
outro processo, já passado, em curso ou, ainda, a ser instaurado. Tal modalidade de
incompetência, como intuitivo, não se submete à preclusão, podendo ser alegada até mesmo
após o trânsito em julgado da sentença condenatória (da absolutória, não, diante da proibição
de revisão pro societate, como vimos nos princípios fundamentais do processo penal) (Pacelli,
2018).
E quais espécies de competência se encaixam nesse perfil, de competência absoluta? Quem nos traz a
resposta, de forma mais direta, é o artigo 62 do Código de Processo Civil:
O raciocínio, amparado por doutrina amplamente majoritária, é o seguinte: se são ‘inderrogáveis’, se não
podem ser alteradas ou modificadas é porque a competência em razão da matéria, da pessoa (por
prerrogativa de função) e a competência funcional são absolutas.
Competência relativa – em sentido inverso, a competência relativa seria aquela que admite prorrogação,
pode ser ‘relativizada’; aquela regulamentada por regras que não são de interesse público – ao contrário, a
disciplina é voltada a atender as pretensões das partes e dos interessados. Segundo a doutrina mais
ortodoxa, o desrespeito às normas dessa modalidade de competência gera apenas nulidade relativa,
dependente, para a invalidação do ato, da demonstração do prejuízo. A inobservância dessa competência
deve ser alegada no momento oportuno, em prazos definidos em lei, sob pena de preclusão,
convalescimento do vício e prorrogação da competência.
Lado outro, tem-se como relativa a hipótese de fixação de competência pelas regras
infraconstitucionais que atende ao interesse preponderante das partes, seja para facilitar ao
autor o acesso ao Judiciário, seja para propiciar ao réu melhores oportunidades de defesa.
Mesmo em se tratando de hipótese de competência relativa, sempre haverá, em certa medida,
algum interesse público [...]. Todavia, terá caráter preponderante o interesse das partes, em
função de, em regra, atribuir-se a elas ônus da prova de suas alegações (CPP, art. 156, caput).
Exatamente por esse motivo, essa espécie de competência admite prorrogação, ou seja, caso não
seja invocada no momento oportuno, um juízo que abstratamente seria incompetente para
processar e julgar o feito passará a ter competência para julgá-lo no caso concreto (Lima, 2021).
Já a competência relativa, ou territorial, é aquela que pode ser flexibilizada ou, de modo mais
simples, relativizada, dependendo do exame concreto de determinada relação processual e do
interesse das partes envolvidas. Explica-se. Como já mencionado, as regras infraconstitucionais
de competência têm em vista a tutela imediata do processo em curso, de modo a conduzir ou
possibilitar um provimento judicial final o mais acertado possível. E, também como já
adiantamos, tais regras dirigem-se à qualidade da instrução criminal e da formação do
convencimento judicial. Ora, desde que observados os princípios fundamentais do contraditório
e da ampla defesa, o fato é que quem deve aferir da qualidade da instrução e da suficiência do
conjunto probatório levado a juízo é, precisamente, e em regra, a quem puder interessar a sua
produção: o acusado e o órgão da acusação (Pacelli, 2018).
3
E quais espécies de competência se encaixam nesse perfil, de competência relativa? Quem nos traz a
resposta, mais uma vez, é o Código de Processo Civil:
Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo
foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
Se as partes podem modificar a competência em razão do território é porque essa modalidade é de natureza
relativa. Assim, portanto, segundo doutrina corrente, a competência em razão do território (ratione loci) é
relativa.
Também seriam relativas as competências relacionadas aos institutos da prevenção, distribuição, conexão e
continência. Sobre a competência por prevenção, há, inclusive, Súmula do STF:
Súmula 706, STF. É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.
RENATO BRASILEIRO traz um quadro sinóptico dos regimes jurídicos das regras de competência absoluta e
relativa:
Aliás, no processo penal (diferente do processo civil), a incompetência relativa pode ser reconhecida de ofício
pelo juiz, independentemente de exceção ou pedido da parte, não tendo aplicação a Súmula 33 do STJ. Assim
estabelece o Código de Processo Penal:
Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente,
declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo
anterior.
Note-se que a norma não distingue sobre a espécie de incompetência que o juiz pode reconhecer, de
maneira que a possibilidade se estende também sobre a incompetência relativa, não só a absoluta.
Importante pontuar que a distinção entre as competências absolutas e relativas, no processo penal, perdeu
muito da sua importância nos últimos anos, isso em razão da mudança jurisprudencial em relação à natureza
das nulidades que sobre elas recaem e a possibilidade ou não de prorrogação e convalidação 3.
6 - CLASSIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Tratando dos critérios determinantes da competência, o art. 69 do CPP assim estabelece:
3
Estudaremos isso no momento oportuno, quando tratarmos das nulidades.
IV - a distribuição; JUÍZO
A competência de foro está nos incisos I e II; a competência de juízo nos incisos III e IV; nos incisos V, VI e VII
temos causas de deslocamento de competência. Mas o art. 69 do CPP não exaure o assunto e há necessidade
de conjugação com outros dispositivos do próprio Código, da Constituição Federal e das leis de organização
judiciária, sobre a função que os juízes são chamados a desempenhar (competência funcional) e sobre as
matérias que devem conhecer (competência material). Tudo sem descuidar das exceções e das normas
especiais que derrogam as gerais (Tornaghi, 1997).
A jurisdição tanto pode ser limitada em sua extensão quanto em seu conteúdo. Quando se lhe
demarca a primeira, já ela não se estende a todos os territórios sujeitos à soberania do Estado
ou todas as matérias submetidas a julgamento. Quando se lhe restringe o outro, já ela não
compreende todos os poderes jurisdicionais. No primeiro caso, surgem a competência territorial
e a material. No segundo, a competência funcional. Naquele, de processos diferentes, conhecem
juízes diversos: neste, no processo, funcionam vários juízes.
Se, por exemplo, dois crimes ocorreram, no lugar A, outro no lugar B, tem competência para
conhecer do primeiro o juiz de A e, do segundo, o juiz de B. O exercício da jurisdição do primeiro
não se estende até B. Para usar uma imagem grosseira: o braço daquele não alcança o lugar B.
Mas se ocorre um só crime, no lugar A, e a lei limita o poder do juízo X a instruir o processo, o do
juízo Y a julgá-lo, o do juízo Z a executar a sentença, então o que se lindou não foi a extensão do
poder jurisdicional, foi sua compreensão, seu conteúdo. O poder foi fracionado entre vários
juízes. Não é que o braço de cada um deles não alcance o fato por ter ocorrido fora de
determinado território, ou por versar matéria estranha, mas é que o primeiro só tem olhos para
ver e ouvidos para ouvir, o segundo só tem cabeça para julgar, e o último só tem braços para
executar. Esta é, a meu ver, a verdadeira diferença entre a competência material e a territorial,
4
Em azul as relativas; em vermelho as absolutas.
de um lado, e a competência funcional, de outro, e creio que este critério é hábil para pôr fim a
todas as vacilações da doutrina no que respeita à competência funcional (Tornaghi, 1997).
A doutrina mais assentada, costuma dizer que existem critérios a serem observados para firmar a
competência:
1) Ratione loci – refere-se aos incisos I e II do art. 69 do Código de Processo Penal, tendo em conta, portanto,
o lugar onde ocorreu a infração penal ou, supletivamente, o lugar de residência do réu. Estamos aqui
verificando a chamada competência de foro.
Competência ratione loci [...]: refere-se ao lugar onde ocorreu a infração penal. A definição, aqui,
é estabelecida a partir da indagação: onde ocorreu o fato delituoso? É pelo exame das normas
de competência ratione loci que se chegará ao foro competente para o processo e julgamento
da ação penal, isto é, o Conselho de Justiça na2esfera da Justiça Militar; a Zona no caso da Justiça
Eleitoral, a Seção/Subseção judiciária no âmbito da Justiça Federal e a Comarca na órbita da
Justiça Estadual. [...] Critério alternativo ou facultativo. Trata-se do domicílio ou residência do
réu (art. 69, II, CPP), que ora funciona como critério alternativo na fixação da competência, ora
atua como critério facultativo. A primeira situação – domicílio do réu como critério alternativo –
tem lugar quando não for conhecido o local onde foi praticada a infração penal (art. 72 do CPP).
Já o segundo caso – domicílio do réu como critério facultativo – incide nas hipóteses de ação
penal exclusivamente privada. Aqui, o uso do domicílio do réu fica na opção exclusiva do
querelante, sendo irrelevante se conhecido ou não o lugar da infração (art. 73 do CPP) (Avena,
2020).
2) Ratione materiae – refere-se ao inciso III do art. 69 do CPP, importando saber, para definir a competência
de juízo, qual a natureza ou espécie do crime praticado.
Competência ratione materiae (art. 69, III, CPP): este critério leva em conta a natureza dos fatos
incriminados. Neste caso, a fixação da competência decorre do questionamento: qual foi o fato
delituoso praticado pelo agente? E a resposta a esta pergunta vai permitir que se estabeleça qual
das seguintes Justiças será a competente para o processo e julgamento da infração: Justiça
especial militar, Justiça especial eleitoral, Justiça comum federal e Justiça comum estadual. Não
se inclui nesse elenco, logicamente, a Justiça do Trabalho, pois o art. 114 da CF não lhe atribui
competência criminal (Avena, 2020).
3) Ratione personae ou ratione funcionae – refere-se ao inciso VII do art. 69 do CPP, importando saber, para
definição e deslocamento da competência, a função desempenhada pela pessoa – é o famoso foro por
prerrogativa de função.
Competência ratione personae (art. 69, VII, CPP): concerne à condição funcional ou à qualidade
das pessoas acusadas, sendo estabelecida a partir da resposta à seguinte indagação: quem
praticou o fato delituoso? É a partir do exame das regras de competência ratione personae que
se define se uma determinada ação penal tramitará perante os juízes singulares ou perante os
Tribunais. A inobservância das regras processuais de competência em razão da prerrogativa de
função impõe a anulação de todo o processo criminal, inclusive da denúncia oferecida por órgão
que não detinha a legitimidade ativa (v.g., denúncia oferecida por Promotor de Justiça em relação
a quem possui prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça e que, por isso mesmo, deveria
ter sido acusado pelo Procurador-Geral de Justiça) (Avena, 2020).
Difícil quem não reconheça, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, esses três (3) primeiros critérios
para definir a competência. Todavia, ao se classificar as competências (é disso que estamos tratando), boa
parte da doutrina ainda refere à competência funcional.
4) Competência funcional – refere-se à “distribuição feita pela lei entre diversos juízes da mesma instância
ou de instâncias diversas para, num mesmo processo, ou em um segmento ou fase do seu desenvolvimento,
praticar determinados atos. Nesse caso, a competência é fixada conforme a função que cada um dos vários
órgãos jurisdicionais exerce em um processo” (Lima, 2021).
A rigor, toda competência é funcional: é uma distribuição de funções entre os juízes. Reserva-se,
entretanto, este nome a determinado tipo de fcompetência. Em princípio, a competência de um
juiz refere-se a todos os poderes da jurisdição: o de conhecer do pedido, o de instruir o processo,
o de decidir e o de executar a sentença. Mas a limitação criada ao poder jurisdicional pelas
normas de competência pode atingi-lo também em seu conteúdo, retirando ao juiz qualquer
daqueles poderes. Assim é, por exemplo, que uma norma especial nega ao juiz da condenação a
competência para executar a própria sentença, deixando-a ao juiz das execuções criminais. Um
caso particular de competência funcional, e o mais importante, é o da competência por graus. O
princípio da devolução do conhecimento da sentença a um órgão diverso do recorrido traz em
consequência a pluralidade de instâncias, isto é, de graus da jurisdição (Tornaghi, 1997).
A competência funcional pode ser determinada de acordo com três (3) critérios, tomando em conta:
i. as fases do processo: de tal modo que, conforme a etapa ou fase do processo (instrução, julgamento,
execução) atuará este ou aquele juízo; as tarefas são atribuídas a um ou outro órgão jurisdicional
conforme o momento e a atividade desenvolvida no processo. É o que ocorre, por exemplo, em
relação a varas de execução penal, com juízo e competência diferenciada das varas criminais.
Também em relação ao procedimento do júri que, não raras vezes, terá um juízo para a primeira fase
e outro para a segunda (após a preclusão da pronúncia atua o juiz presidente do Tribunal do Júri),
onde se realiza o plenário.
ii. os graus de jurisdição: também se fala em competência funcional vertical e as instâncias, aqui, é que
são relevantes. Há um escalonamento entre os graus de jurisdição e isso é relevante para definir a
competência funcional, seja de forma originária (competência por prerrogativa de função), seja em
âmbito recursal (princípio do duplo grau de jurisdição).
iii. os atos do processo ou objeto do juízo: aqui, importa saber qual o ato processual para definir a
competência funcional. Assim, observadas as regras legais, existem atos de competência do relator,
do revisor, do presidente em órgãos colegiados. No Tribunal do Júri, também, existem tarefas que são
do juiz togado (presidir a sessão, aplicar a pena), como tarefas que ficam na incumbência dos jurados
(juízes do fato).
Pois bem. Vistos alguns critérios, há se ponderar que não há, na doutrina, uma forma única ou padronizada
de explanar sobre as competências; preferimos, diante disso, seguir, essencialmente, a ordem dos critérios
estabelecida pelo Código de Processo Penal, conforme veremos a seguir – por mais que ela não represente
a melhor ordem na definição das competências nos casos concretos.
Para um estudo a respeito de competência, torna-se indispensável considerar que existem vários
textos normativos disciplinando a matéria. Portanto, deve-se consultar não somente o Código de
Processo Penal, mas também a Constituição Federal, a Lei de Organização Judiciária do Estado e
os Regimentos Internos dos Tribunais. Com isso, tem-se um quadro amplo e correto da
competência. Por outro lado, é valioso lembrar que, no contexto penal, a regra principal é
garantir a punição do autor da infração penal no lugar onde ela se realizou, até porque, assim
fazendo, mantém-se acesa uma das funções e finalidades da pena, que é o seu caráter
intimidatório geral, ou seja, pune-se o criminoso para sinalizar à sociedade o mal que pode advir
da prática do delito.
E mesmo para aqueles que consideram somente o caráter preventivo geral positivo, isto é, que
a pena é aplicada somente para reafirmar a efetividade e vigência do direito penal, não deixa de
ser fundamental assegurar que tal se dê no local onde a infração penal concretizou-se. Afinal,
onde houve o abalo causado pelo delito, busca-se aplicar a lei penal, reativando os valores
positivos do Direito. De nada adiantaria punir o autor de um furto na cidade de Manaus em uma
Vara Criminal do Rio de Janeiro, distante, pois, do lugar onde a ordem jurídica foi efetivamente
lesada.
Em suma, busca-se, em primeiro plano, o lugar da infração penal (ratione loci). E, a partir disso,
visualiza-se o contexto das exceções à regra: a) quando houver matéria especial a ser cuidada
(ratione materiae), levando-se em conta a natureza da infração (é o que ocorre com a Justiça
Militar ou Eleitoral, para crimes militares ou eleitorais); b) quando houver privilégio especial em
função da pessoa a ser julgada (ratione personae), como ocorre no julgamento de altas
autoridades. Tendo em vista que, muitas vezes, desconhece-se o local da infração, elegeu-se uma
segunda regra geral, embora supletiva, que é o lugar do domicílio ou residência do réu (este foro
pode ser o da eleição do querelante nos crimes de ação privada, conforme art. 73, CPP). A partir
do estabelecimento da competência inicial, em razão do lugar da infração penal ou do
domicílio/residência do réu, passa-se ao critério da seleção sorteada do magistrado, usando-se a
distribuição. Há também exceções com relação à escolha fortuita do juiz: a) em função da matéria
debatida, o que se extrai através da natureza da infração penal. É o caso do delito contra a vida,
que segue diretamente para Vara privativa do Júri – quando existente; b) em função da conexão
ou da continência, motivos que favorecem a colheita da prova, evitando decisões contraditórias;
c) em razão da prevenção, isto é, quando, por situação pretérita, algum juiz já tomou
conhecimento de matéria relevante no processo. Por derradeiro, não havendo condições de
determinar o lugar da infração ou do domicílio do réu, porque a infração penal desenvolveu-se
em várias localidades, ou porque há incerteza quanto às divisas da Comarca, usa-se a regra
subsidiária da prevenção, que é residual (Nucci, 2018).
Doutrina Complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“Verificação da competência: primeira etapa – incidência das regras de competência ratione
personae (arts. 69, VII e 84 a 87 do CPP). O primeiro passo na busca do juízo competente é definir
o Órgão Jurisdicional a que incumbirá o processo e julgamento da infração. Para tanto, é
VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “O legislador,
desde o constitucional até o estadual, utiliza esses critérios, objetivos e funcionais, de maneira
escalonada, ou seja, adotando um sistema de eliminação gradativa segundo a regra da
especia-lidade. Aplicando um a um os critérios, objetivos ou funcionais, que ele entendeu
relevantes, o legislador sucessivamente vai determinando a separação das infrações em grupos,
até chegar à fixação de um juiz para um fato específico. O legislador estabelece grandes cortes
que vão reduzindo as infrações a grupos menores até chegar ao juiz competente. Como se disse,
o princípio é o da especialidade, de modo que as atribuições expressas preferem às mais gerais
ou comuns, até que se alcance a jurisdição penal estadual, que é a mais comum de todas. A
conclusão a respeito do juiz competente, portanto, deve resultar da passagem por várias etapas,
que são as seguintes: 1) verificação da competência internacional, ou seja, se o juiz brasileiro,
genericamente, é competente para processar e julgar a infração. O juiz brasileiro só é
competente para as infrações em que ocorra a aplicação territorial e extraterritorial da lei penal,
nos termos do Código Penal (arts. 5o a 7o); 2) exame da competência originária dos tribunais,
desde que essa competência esteja definida na Constituição Federal. Neste caso, a determinação
precede a qualquer outra. Se, contudo, a competência originária por prerrogativa de função é
estabelecida em lei ordinária, as competências estabelecidas na Constituição têm precedência,
como a competência das justiças especiais e a do júri; 3) verificação da competência das justiças
especiais, que são a militar e a eleitoral, nos termos da Constituição, do Código Penal Militar e
do Código Eleitoral, respectivamente; 4) exame da competência da Justiça Federal, nos termos
do art. 109 da Constituição Federal; 5) definição da competência territorial ou de foro, segundo
a disciplina do Código de Processo Penal; 6) definição da competência de juízo, do júri ou de
juízos especializados segundo as leis de organização judiciária, que podem definir, inclusive, a
competência de varas distritais ou foros regionais. Se no foro, ou comarca, houver mais de um
juízo com a mesma competência, define-se esta pela distribuição. Esse caminho, que às vezes
resulta rápido em face da inexistência de aspectos especiais a serem considerados, contudo, é
inevitável no plano lógico, passando sempre por todas as etapas. A infração que não receber a
definição da competência em etapa anterior deverá passar pelo exame na fase seguinte”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021): “Assim, é lugar-
comum na doutrina vincular o conceito de jurisdição ao de poder-dever. Não negamos que seja
um poder-dever, mas pensamos que a questão exige, à luz da Constituição, um deslocamento.
Assim, pensamos que jurisdição é um direito fundamental, tanto que, ao tratarmos dos
que tudo isso tenha sido definido, a ocorrência de conexão ou continência pode alterar
substancialmente a resposta final [...]”. Especificamente sobre a competência ratione loci, em
posição reconhecidamente minoritária, sustenta: “Com relação à competência em razão do
lugar, ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia, não pode ela ser esvaziada com a
classificação civilista de que é ‘relativa’. Ou seja, a eficácia da garantia do juiz natural não permite
que se relativize a competência em razão do lugar. Assim, também consideramos a competência,
em razão do lugar, absoluta. Contudo, até por honestidade acadêmica, destacamos que não é
essa a posição majoritária na jurisprudência brasileira. Predomina a noção civilista de que a
competência, em razão do lugar do crime, é relativa. Desde a mera leitura do CPP, defendem que
a incompetência em razão do lugar do crime deve ser arguida pelo réu no primeiro momento em
que falar no processo, sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juiz (prorrogatio
fori)”. Ainda, em relação ao reconhecimento dessa incompetência e sua arguição, assevera: “O
julgador, que inicialmente era incompetente em razão do lugar, adquire competência pela
preclusão da via impugnativa. Somente o réu pode alegar a incompetência em razão do lugar,
pois o Ministério Público, ao eleger o local onde ofereceu a denúncia, fez sua opção e, portanto,
preclusa a via para ele. Contudo, ao contrário de alguma doutrina que não descola das categorias
do processo civil, pensamos que a incompetência em razão do lugar pode também ser conhecida
pelo juiz de ofício. Isso porque o art. 109 do CPP não faz nenhuma restrição, todo oposto: [...]
Assim, poderá o juiz de ofício, e até a prolação da sentença, declinar de sua competência,
inclusive em razão do lugar. A distinção está em que, na incompetência em razão da matéria e
pessoa, por serem critérios absolutos e indisponíveis, não se opera nenhuma espécie de
convalidação. Inclusive em grau recursal pode ser declarada a incompetência do juiz. Já em
relação ao lugar, ou a defesa alega através da respectiva exceção ou ela se prorroga. Nesse caso,
somente o juiz poderá fazê-lo, até a sentença, nos termos do art. 109”.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (Teoria Geral do Novo Processo Civil, São Paulo – Malheiros, 2016) faz
uma didática distinção entre certas palavras de uso corriqueiro no trato da competência e da
organização judiciária: “Foro, em direito processual, é o nome que se dá a cada uma das porções
territoriais em que se divide o país para efeito de distribuição da competência, seja em primeiro
grau jurisdicional, seja em grau mais elevado. Há milhares de foros de primeiro grau espalhados
por todo o território nacional, integrantes das várias Justiças. Nas Justiças dos Estados cada foro
de primeiro grau chama-se comarca. Na Federal, subseção judiciária. O foro de cada Tribunal de
Justiça é todo o Estado em que se situa. O dos Tribunais Regionais Federais abrange toda uma
Região. O foro do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é todo o país. Na
disciplina da competência, porém, só se costuma manejar o conceito de foro de primeiro grau
(comarcas ou subseções). [...] Não confundir foro com fórum. Esses dois vocábulos vêm da
mesma origem latina, sendo o vocábulo forum-fori empregado para dizer praça ou, por extensão,
área. Em língua portuguesa o significado desse vocábulo se bifurcou, sendo usada a forma foro
para designar as áreas territoriais da divisão judiciária e fórum para o edifício onde têm sede os
órgãos jurisdicionais de primeiro grau de jurisdição. Mas na linguagem comum em alguns Estados
brasileiros costuma-se dizer foro para designar o prédio ocupado pelo Poder Judiciário. Há
também o péssimo uso do vocábulo foro, especialmente pela mídia mal informada, na expressão
foro privilegiado. Não existe um foro privilegiado. Um tribunal não é um foro, mas um órgão
judiciário. Mas com muita frequência se emprega equivocadamente essa locução para designar
a competência originária de certos tribunais, especialmente do Supremo Tribunal Federal, para
processar criminalmente os ocupantes de algum cargo elevado na hierarquia do Poder Executivo
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018), sobre jurisdição,
sustenta: “A função jurisdicional (do latim jurisdictione), sob o ponto de vista etimológico,
significa ação de dizer o direito. Pois jus, juris significa direito, e dictio, dictionis, ação de dizer.
[...] A jurisdição é a atividade do Estado que tem como escopo substituir a vontade das partes.
Aliás, essa substitutividade é uma das suas características principais, pois o Estado só atua porque
foi provocado por uma das partes que não conseguiu, extraprocesso, a solução da controvérsia.
Dessa forma, a vontade do autor e do réu sobre determinado direito será substituída pela
vontade da lei que irá imperar através da sentença. Dada a sentença, será extraída a regra jurídica
que regulará aquela situação litigiosa concreta”. A respeito do conceito de competência, aduz:
“Competência, assim, é o espaço, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão estatal,
investido do poder de julgar, exerce sua jurisdição. Surge, assim, a competência em matéria cível,
a competência em matéria penal, militar, trabalhista, eleitoral etc. [...] Essa delimitação feita pela
lei visa uma melhor prestação de serviços, pois seria desumano que um único juiz (órgão
investido de jurisdição) fosse o responsável pela solução de todos os conflitos de interesse de
alta relevância social que lhe fossem apresentados”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019),
advertindo sobre a inadequação da utilização do termo ‘jurisdição’ em determinados casos,
pondera: “No plano lógico, o estudo do juízo competente conforme o caso que se apresenta ao
jurista geralmente se inicia pela busca do ‘tipo de jurisdição’ que o ordenamento jurídico
determina como incidente em cada caso. Quanto a isso, costuma-se falar na existência de uma
jurisdição especial, que se contraporia à jurisdição comum. A chamada jurisdição especial seria
exercida pelas ‘justiças’ especiais: a Justiça Militar federal, as Justiças Militares estaduais, onde
houver, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho. Já a jurisdição comum seria exercida pelas
‘justiças’ comuns: a Justiça Federal e as Justiças Estaduais (não militares). A terminologia,
entretanto, é inadequada. O que ocorre é que a Constituição Federal, ao organizar o Poder
Judiciário, instituiu diversos órgãos judiciários, ‘cada um deles constituindo uma unidade
administrativa autônoma e recebendo da própria Lei Maior os limites de sua competência’. As
‘justiças, portanto, são entidades autônomas da Administração Pública, mas não exercem
‘jurisdições’ diferentes. A jurisdição, emanação do poder do Estado, é una; todos os órgãos
judiciais são investidos desse poder. O que varia é a medida em que cada órgão poderá exercê-
la, ou seja, a competência de cada um. A Constituição Federal, ao distribuir competências entre
as ‘justiças’, o faz primordialmente sob o aspecto da natureza das causas das quais poderá cada
uma conhecer. O critério, portanto, diz respeito à natureza da relação jurídica material que
constitui o fato que se apresenta à apreciação do Poder Judiciário (competência ratione
materiae)”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), a respeito das
competências absoluta e relativa e suas possíveis consequências para o processo, assevera:
“Competência absoluta é aquela que não admite prorrogação. Vale dizer: ajuizada a ação perante
juízo absolutamente incompetente, este deve declarar-se como tal e determinar a imediata
remessa do processo ao juiz natural; ao juiz que entenda competente conforme as regras
Constitucionais e processuais penais. Exemplos: competência em razão da matéria e
competência em razão de prerrogativa de função (CPP, art. 69, III e VII). Juiz incompetente é
aquele que não tem jurisdição para o processo e, por isso, se não for feita a remessa dos autos
àquele que for competente, ocorrerá nulidade absoluta; será nula a pseudoprestação
jurisdicional que se verificar em sede imprópria. Competência relativa é aquela que admite
prorrogação. Se a incompetência relativa não for alegada no prazo para a defesa preliminar,
haverá preclusão, decorrendo daí o fenômeno jurídico denominado prorrogação de
competência; com isso, o juiz que inicialmente não era, passa a ser competente, e, portanto,
serão válidos, sob tal enfoque, todos os atos que praticar no processo. Exemplos: competência
pelo lugar da infração e competência pelo domicílio ou residência do réu (CPP, art. 69, I e II). No
processo penal, a declaração de incompetência – absoluta ou relativa – não depende de
provocação de quem quer que seja e, portanto, deve ser feita ex officio pelo juiz (CPP, art. 109)”.
[...] Em relação ao reconhecimento, pelo juiz, de sua incompetência e à arguição desse fato
pelos legitimados, expõe: “Por outro vértice, se não agir da forma anteriormente indicada,
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Nos casos de
competência ratione materiae e personae e competência funcional, cumpre observar que é o
interesse público que dita a distribuição de competência. Assim, por exemplo, no caso da
jurisdição comum e especial, dos juízes superiores e inferiores (competência originária e
competência recursal) e segundo a natureza da infração penal, a competência é fixada muito
mais por imposição de ordem pública do que no interesse de uma das partes. Trata-se, aí, de
competência absoluta, que não pode ser prorrogada nem modificada pelas partes, sob pena de
implicar nulidade absoluta. No caso de competência de foro (territorial), porém, o legislador
pensa preponderantemente no interesse de uma das partes. Costuma-se falar, nesses casos, em
competência relativa, prorrogável, capaz de gerar, no máximo, se comprovado prejuízo, nulidade
relativa. A prorrogação de competência consiste na possibilidade de substituição da competência
de um juízo por outro, sem gerar vício processual. Como já se disse, a competência inderrogável
é chamada de absoluta. Ao contrário, quando a lei possibilitar às partes que se submetam a juiz
originariamente incompetente, a competência é tida como relativa. A competência territorial é
relativa; não alegada no momento oportuno, ocorre a preclusão. Por conseguinte, é prorrogável
(STF, Tribunal Pleno, HC-AgR 88.759/ES, rel. Min. Ellen Gracie, j. 31-3-2008)”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), sobre o
reconhecimento e as exceções de incompetência, aduz: “Há quem entenda, contudo, que, a
partir da adoção do princípio da identidade física do juiz pelo Código de Processo Penal, o
reconhecimento da incompetência relativa de ofício pelo juiz apenas terá lugar até o início da
instrução processual, razão pela qual haveria preclusão pro judicato toda vez que fosse iniciada
a instrução (preclusão para o próprio magistrado). Não nos parece que seja assim, eis que, de um
lado, instrução não se inicia com a audiência, mas com todos os atos probatórios que geralmente
acontece em momento anterior, seja pela realização de perícias, seja pela admissão de
documentos aos autos. De outro lado, a referência preclusiva para que a competência relativa se
fixe alusivamente a um só juiz, evitando incertezas quanto a tal aspecto relevante do processo,
há de ser o primeiro momento seguidamente àquele que a parte tenha para suscitá-la nos autos,
sendo este, para o juiz, a etapa de examinar se é o caso de absolver sumariamente ou não o
acusado (art. 397, CPP). De outro lado, em processo penal, não há óbice para que a arguição de
incompetência absoluta seja feita por meio de exceção: tanto a incompetência absoluta, quanto
a incompetência relativa podem ser fustigadas em exceção de incompetência. O art. 111, CPP,
dispõe que as exceções serão processadas em apartado e não suspenderão, como regra, o
processo principal. O juiz mandará autuar em apartado toda vez que ele não concorde de plano
com a alegação de incompetência, quando haverá necessidade de ser seguido o rito próprio
previsto no Código de Processo Penal. Note-se que o processo penal, no ponto, difere do civil,
que prevê especificamente exceção de incompetência relativa (art. 112, CPC), não cabendo
arguição de incompetência absoluta em exceção apartada. Cabe anotar que tal art. 112,
CPC/1973, prevê exceção de incompetência para as hipóteses de incompetência relativa. Com o
Novo CPC, desaparece a exceção de incompetência na esfera processual civil,
independentemente da natureza relativa ou absoluta da competência do juízo (a regra passa a
ser a de que a incompetência absoluta ou relativa deve ser alegada em preliminar de
contestação, consoante o art. 64, NCPC). Outra mudança relevante, restrita ao direito processual
civil, é a de que não haverá automaticamente a nulidade dos atos decisórios quando a
incompetência reconhecida for absoluta. Tais alterações não repercutem na sistemática do
direito processual penal, que permanece admitindo tanto a exceção, quanto o reconhecimento
de ofício pelo juiz. Aliás, no nosso campo, permanece aplicável a regra do art. 567, do CPP, que
determina a nulidade dos atos decisórios quando do reconhecimento da incompetência
(absoluta, segundo jurisprudência dominante). [...] A incompetência absoluta reconhecida
impõe, segundo o STF e jurisprudência majoritária, a nulidade dos atos decisórios, enquanto a
incompetência relativa só determina a remessa dos autos ao órgão judicante naturalmente
incompetente, sem nulidade de qualquer ato. Como dispõe o art. 567 do CPP, ‘a incompetência
do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade,
ser remetido ao juiz competente’. Embora o STF entenda que, em regra, o recebimento de
denúncia tem a natureza de despacho – e não de decisão –, fato é que entende a Suprema Corte
que a incompetência absoluta reconhecida tem a força de anular inclusive o recebimento da
denúncia, razão pela qual não tem ele o condão de interromper a prescrição, retirando o efeito
decorrente do art. 117, do Código Penal. Na doutrina, prevalece o entendimento de que, em que
pese a lei não ter distinguido entre competência absoluta ou relativa, há de se reconhecer que,
em se tratando de incompetência absoluta, não só os atos decisórios, mas também os
instrutórios devem ser reputados imprestáveis. Se a incompetência é meramente relativa, é que
se aproveitam os atos de prova, restando imprestáveis os atos decisórios. No entanto, com o
princípio da identidade física do juiz, sendo a incompetência relativa, os atos instrutórios devem
ser anulados, já que, nesse caso, a prova produzida se deu perante juiz diverso daquele
competente para julgar o fato. A jurisprudência, contudo, segue a tendência de não anular a
prova produzida perante juiz relativamente incompetente territorialmente só por conta do
princípio da identidade física do juiz, sob o argumento de que é necessária a demonstração de
prejuízo para o réu”.
PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN E JORGE ASSAF MALULY (Curso de processo penal, 9ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2014), a respeito da incompetência relativa e absoluta e sua alegação, asseveram: “Por
outro lado, em que pese judiciosas posições em sentido contrário, entendemos que a
incompetência relativa, mesmo quando não alegada no momento oportuno, não opera a
preclusão. É bem verdade que nesses casos a norma visa tutelar predominantemente o interesse
da parte, não afastando, contudo, o interesse público que é a garantia do Juiz Natural. Portanto,
o reconhecimento da nulidade relativa, ainda que não arguida na forma e no prazo previstos no
art. 108 do CPP, ficará condicionado à prova do prejuízo. Tratando-se, ao reverso, de nulidade
absoluta, independerá de prova do prejuízo (que é presumido), não se aproveitando os atos
então praticados. Questão interessante emerge quando se estuda a ratificação dos atos que não
tenham cunho decisório (art. 567, CPP). O que o legislador pretendeu aí foi preservar alguns atos
processuais, como, por exemplo, a coleta da prova e a instrução do processo. Contudo, oportuna
a indagação se o despacho de recebimento da denúncia é, ou não, um ato decisório. E, sem
dúvida, o é. Inicialmente, a denúncia e, consequentemente, o início da ação penal, por
implicarem a restrição do direito de ir e vir, bem como por representarem sério gravame ao
status dignitatis da pessoa, devem estar embasados em um mínimo de viabilidade fática (indícios
suficientes de autoria e prova da existência do crime), que representam o interesse de agir. Além
disso, devem estar presentes as demais condições da ação (art. 395, CPP), perfeita descrição do
fato (do qual deverá o réu se defender), nos termos do art. 41 do CPP”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “A competência
material é a delimitação de competência ditada por três aspectos: (i) ratione materiae (CPP, art.
69, III): em razão da relação de direito, isto é, em razão da natureza da infração penal; por
exemplo, o Júri popular tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5º,
XXXVIII) e a justiça eleitoral, para o julgamento dos crimes e contravenções eleitorais; (ii) ratione
personae (CPP, art. 69, VII): em razão da qualidade da pessoa do réu, como nos casos de foro
especial por prerrogativa de função; (iii) ratione loci (CPP, art. 69, I e II): em razão do território,
levando-se em conta o lugar da infração ou da residência ou domicílio do réu. Atenção: nesse
critério de classificação, competência material é um termo mais amplo do que competência
ratione materiae. A competência funcional é ditada por outros três aspectos: (i) fase do
processo: pode haver juiz do processo, juiz da execução, juiz do sumário de culpa do Júri etc.; (ii)
objeto do juízo: no Júri, ao juiz presidente incumbe resolver as questões de direito suscitadas no
curso do julgamento (art. 497, X), proferindo sentença condenatória ou absolutória (art. 492) e
fixando a pena, enquanto aos jurados compete responder aos quesitos que lhes são formulados
(arts. 482 a 491); (iii) grau de jurisdição (competência funcional vertical): a competência pode
ser originária (como no foro por prerrogativa de função) ou em razão do recurso (princípio do
duplo grau de jurisdição)”.
Jurisprudência pertinente
Súmula 706, STF: É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.
O princípio da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-
ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e condicionam o
desempenho, pelo Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório, notadamente
quando exercidas em sede judicial. O postulado do juiz natural, em sua projeção político- -
jurídica, reveste-se de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por
titular, qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto
limitação insuperável, representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal
incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal. - É irrecusável, em nosso sistema
de direito constitucional positivo - considerado o princípio do juiz natural - que ninguém poderá
ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária
competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A
nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas - que representam limitações
expressivas aos poderes do Estado - consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental
do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que "ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente". [...] (HC 81963, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 18/06/2002).
Não viola o princípio do Juiz natural o julgamento de apelação por órgão colegiado presidido
por Desembargador, sendo os demais integrantes Juízes convocados. Precedente do Plenário
do STF. 2. Habeas Corpus extinto sem resolução de mérito. (HC 101473, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
16/02/2016).
Um juízo de primeiro grau não pode rescindir um acórdão de instância superior, mesmo na
hipótese de existência de nulidade absoluta, sob pena de violação das normas processuais
penais e constitucionais relativas à divisão de competência. [...] (HC 110358, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/06/2012).
O Tribunal, ao julgar apelação do Ministério Público contra sentença absolutória, não pode
acolher nulidade -- ainda que absoluta --, não veiculada no recurso da acusação. Interpretação
da Súmula 160/STF que não faz distinção entre nulidade absoluta e relativa. Os atos praticados
por órgão jurisdicional constitucionalmente incompetente são atos nulos e não inexistentes, já
que proferidos por juiz regularmente investido de jurisdição, que, como se sabe, é una. Assim,
a nulidade decorrente de sentença prolatada com vício de incompetência de juízo precisa ser
declarada e, embora não possua o alcance das decisões válidas, pode produzir efeitos.
Precedentes. A incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico pátrio, ainda
que sem o caráter de preceito constitucional, vem, na realidade, complementar o rol dos direitos
e garantias individuais já previstos pela Constituição Federal, cuja interpretação sistemática leva
à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do
dever de acusar. Nesse contexto, princípios como o do devido processo legal e o do juízo natural
somente podem ser invocados em favor do réu e nunca em seu prejuízo. Por isso, estando o
Tribunal, quando do julgamento da apelação, adstrito ao exame da matéria impugnada pelo
recorrente, não pode invocar questão prejudicial ao réu não veiculada no referido recurso, ainda
que se trate de nulidade absoluta, decorrente da incompetência do juízo. Habeas corpus deferido
em parte para que, afastada a incompetência, seja julgada a apelação em seu mérito. (HC 80263,
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 20/02/2003).
O Código de Processo Penal prevê expressamente que a incompetência de juízo anula somente
os atos decisórios e que cabe ao juiz que pronunciar a nulidade declarar os atos a que ela se
refere (arts. 567 e 573, par.2.) [...] (RHC 72962, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda
Turma, julgado em 12/09/1995).
Se a denúncia, inicialmente apresentada pelo Ministério Público do Estado, perante Juiz estadual,
foi, posteriormente, ratificada pelo Ministério Público federal, perante Juiz federal, que, com
jurisdição penal, no caso, procedeu a citação e a instrução e proferiu a sentença condenatória,
não e de ser esta anulada, sob alegação de invalidade da ratificação da denúncia. 3. Nessa
ratificação, não há necessidade de o Ministério Público competente reproduzir os termos da
denúncia apresentada pelo Ministério Público incompetente, bastando que a eles se reporte. [...]
(HC 70541, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 09/11/1993).
O art. 83 C.Pr.Pen há de ser entendido em conjugação com o art. 75, parag. único: só se pode
cogitar de prevenção da competência, quando a decisão, que a determinaria, tenha sido
precedida de distribuição: não previnem a competência decisões de juiz de plantão, nem as
facultadas, em caso de urgência, a qualquer dos juízes criminais do foro. 2. A jurisprudência do
STF está consolidada no sentido de que é relativa, no processo penal, não só a competência
territorial de foro, mas também a firmada por prevenção (precedentes): donde a falta de
exceção tempestivamente oposta, o convalescimento, pela preclusão, da incompetência do juiz
que equivocadamente se entendeu prevento. (HC 69599, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1993).
[...] CRIAÇÃO DE NOVA VARA. REDISTRIBUIÇÃO DO FEITO PARA IGUALAR OS ACERVOS ENTRE OS
JUÍZOS COMPETENTES. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.
PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM
DENEGADA. [...] O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido da inexistência de
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
É competência de foro definida ratione loci, firmada nos termos do art. 70 do CPP:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente
o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu
resultado.
causa ocorra no lugar em que houve a violação da norma, em que, via de regra, o delito causa
maior repercussão social. É a melhor forma de o Estado demonstrar à população local a
prevalência da ordem jurídica vigente. O segundo motivo é de ordem instrumental, pois o lugar
da infração é onde mais provavelmente se encontrarão os vestígios e provas do crime (Bonfim,
2015).
Essa regra consubstancia no processo penal a teoria do resultado. Veja-se a crítica pontual de
PACELLI e FISCHER quanto a isso:
Lugar e teoria do resultado: Adotando-se a teoria do resultado, lugar do crime será aquele onde
se consumou a infração e não onde se realizou ou se realizaram os atos de execução, que vem a
ser o local acolhido pela chamada teoria da ação. Diz-se, ainda, teoria da ubiquidade a concepção
pela qual se considera lugar do crime tanto aquele onde se praticaram atos de execução – ação
– quanto aquele onde se produziu ou se produziram os resultados – consumação. A escolha pela
teoria do resultado não é das mais felizes. Com efeito, o local no qual se consuma o crime nem
sempre é favorável à produção da prova, se outro tiver sido o lugar da ação ou dos atos de
execução. A testemunha ocular da prática de um crime, de modo geral, reside ou tem domicílio
naquele local. Assim, se a vítima for deslocada para outra cidade, a fim de receber cuidados
médicos, não resta dúvida de que a instrução criminal, e, por isso, a ação penal, deveriam ter
curso no local onde se praticou a ação e não onde ocorreu o resultado. Certamente por isso, há
sólida jurisprudência endossando a aplicação da teoria da ação, para justificar exceções à regra
do resultado. Correto. Afinal, o lugar do crime não foi o critério escolhido exatamente em razão
da facilitação da prova? No caso de tentativa, isto é, nas hipóteses em que não tenha se
consumado o resultado pretendido, será competente o do lugar em que se realizaram os últimos
atos de execução. Conclusão inevitável, como se vê (Pacelli, et al., 2018).
Vejamos a diferença com o Código Penal, que adota a teoria da ubiquidade, e assim estabelece:
Art. 6º Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou
em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
Diante desse aparente conflito (entre o que diz o Código Penal e o que estabelece o CPP), a
doutrina majoritária verifica no art. 6º do Código Penal “apenas um dispositivo para aplicação da
norma penal no espaço, isto é, quando o crime atingir mais de uma nação”. A teoria da
ubiquidade estaria reservada, então, para as situações em que um crime se iniciou no estrangeiro
e se findou no Brasil ou vice-versa (é o chamado crime à distância). Resguarda-se, assim, a
soberania brasileira para levar o agente a julgamento, “desde que qualquer parte da infração
penal tenha tocado solo nacional, constituindo um prestígio ao princípio da territorialidade”.
Para situações de crimes praticados, integralmente, dentro do território brasileiro, aplica-se o
art. 70 do CPP. “O ideal seria que o legislador tivesse deixado bem clara essa posição, ao cuidar
da redação do art. 6º do Código Penal, ao invés de deixar ao intérprete a tarefa de conciliar as
normas em conflito meramente aparente” (Nucci, 2018).
A definição do art. 6º do Código Penal não se aplica à determinação do foro competente para o
julgamento (regra processual), mas sim à determinação da lei penal (material) nos denominados
crimes à distância, em que a conduta é praticada em um país e o resultado se produz ou deveria
se produzir em outro. Trata-se de verificação da aplicação da lei penal brasileira ao caso concreto.
Daí dizer-se que a lei processual adotou a teoria do resultado, enquanto a lei material adotou a
teoria da ubiquidade. A regra do art. 70, caput, portanto, ao contrário do que chegou a defender
parte da doutrina com o advento da Lei n. 7.209/84 (que implementou a Parte Geral do CP
atualmente vigente), não derrogou o disposto no art. 6º do Código Penal, tampouco se choca
com o art. 4º, também do Código Penal, que disciplina a aplicação da norma penal material no
tempo, adotando a teoria da atividade. Via de regra, portanto, uma vez praticado o crime,
cumpre identificar no território de qual comarca ou seção judiciária (conforme a competência
para o julgamento seja da Justiça Estadual ou da Justiça Federal) consumou-se o delito (Bonfim,
2015).
— Tício posta no correio em Curitiba bombons envenenados que vão matar Caio, o destinatário,
em Buenos Aires. De acordo com o art. 6º do CP, o crime foi praticado no território nacional; e
segundo o art. 70, § 1º, do CPP, é competente o foro de Curitiba;
— Caio põe no correio, em Assunção, uma carta com substância explosiva que serve de cola para
fechar o envelope. Tício recebe a carta no Recife e, ao abri-la, morre. Competente é o foro do
Recife;
— Caio manda de La Paz uma bomba que deverá explodir no Rio de Janeiro, quando Tício, o
destinatário, abrir a caixa. Mas a encomenda tarda a chegar e, quando Tício a recebe, o engenho
já não funciona. A competência é do foro do Rio de Janeiro (Tornaghi, 1997).
Vale o reforço em relação à parte final do art. 70, no sentido de que no caso de crimes tentados, será
competente o foro em que foi realizado o último ato de execução.
Ok, mas além dos crimes à distância (aos quais se aplica a ubiquidade), temos também os chamados crimes
plurilocais – que são aqueles cuja ação ou omissão se dá num determinado local e o resultado sobrevém em
outro, dentro do país. Processualmente falando, a competência para julgamento vai se firmar pelo foro do
resultado.
Nos crimes formais, que se consumam com a mera conduta, competente será o lugar da ação ou
omissão.
é a de que, nos crimes plurilocais, a competência deverá firmar-se pelo foro do local da
consumação (resultado). A aplicação desta disciplina, porém, condiciona-se a que se tratem os
delitos em análise de crimes materiais, isto é, aqueles que produzem um resultado naturalístico
que ocorre em momento visivelmente distinto do ato da ação ou omissão.
Exemplo: Imagine-se um crime de roubo, com execução iniciada na cidade de Guaíba. Sendo o
agente perseguido pela autoridade policial, considere-se que somente vem ele a obter a posse
tranquila da res quando já ingressou no espaço territorial de Porto Alegre. Ora, a jurisprudência
do STJ e do STF tem compreendido que “o crime previsto no art. 157 do Estatuto Repressivo se
consuma com a posse, ainda que breve, do bem subtraído, não sendo necessária que a mesma
se dê de forma mansa e pacífica, ou que a coisa saia da esfera de vigilância da vítima, bastando
que cesse a violência”. A partir desse critério, infere-se, no exemplo citado, que a consumação
ocorreu em Guaíba, pois lá cessou a violência empregada, sendo esse, portanto, o foro
competente para o processo e julgamento do crime. Se se viesse a entender que o roubo se
consuma com a posse mansa e tranquila da res, nesse caso em Porto Alegre deveria ser apurado
o delito. Por outro lado, sendo o caso de crimes formais (cujo resultado coincide com a ação ou
omissão) ou de crimes de mera conduta (delitos sem um resultado naturalístico), evidentemente
estariam consumados no instante de sua prática. É o que ocorre com o crime de falso testemunho
em que o depoimento tenha sido colhido por precatória: tratando-se de crime formal, considera-
se este como consumado no momento e no local em que se deu o falso, sendo competente para
a propositura da ação penal, então, o juízo deprecado (Avena, 2020).
Crimes plurilocais: Como a própria expressão está a indicar, será ainda possível a ocorrência de
crimes que tenham atos de execução e de consumação em diferentes locais do país. É o caso
típico dos denominados crimes permanentes, em que a ação ou conduta típica se prolonga no
tempo, caso, por exemplo, da extorsão mediante sequestro. Outro exemplo seria a hipótese de
crimes que somente se realizam mediante pluralidade de condutas, tal como ocorre nas infrações
que puderem caracterizar os tipos penais definidos como integrantes de organizações criminosas
(Lei nº 12.850/13). Nessas situações, como existirá mais de um local tanto da ação quanto da
execução, a regra será a da prevenção, nos termos do art. 83 do CPP. Prevento será o juiz que,
em concurso com outros juízes igualmente competentes, tiver antecedido o outro na prática de
qualquer ato de conteúdo decisório. Note-se bem: ato de conteúdo decisório e não a prática de
simples atos de movimentação de inquéritos policiais. No caso de início da ação penal, estará
prevento o juiz que receber a denúncia, já que esse é um ato que deve ser considerado decisório,
ainda que não se exija, nele, a declinação de motivação específica. É que, quando nada, o juiz
que recebe uma denúncia afirma a sua competência para a causa, afasta questões relativas aos
pressupostos processuais e às condições da ação (art. 395, CPP) (Pacelli, et al., 2018).
Existe a situação, ainda, de crimes cometidos fora do território nacional (extraterritorialidade), situação
disciplinada no art. 88 do CPP:
Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo
da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no
Brasil, será competente o juízo da Capital da República.
Do citado artigo, duas situações podem ser extraídas, com consequências diversas para a fixação da
competência:
✓ se o acusado em algum momento residiu no Brasil: será competente a Justiça Estadual da Capital do
Estado em que tenha residido por último;
✓ se o acusado nunca residiu no Brasil: será competente a Justiça Estadual da Capital da República.
Em ambas as situações, para que haja a incidência da norma, há se ter presente o interesse na aplicação da
lei brasileira ao caso concreto.
Outrossim, como registra AVENA, não se descura de eventual competência da Justiça Federal acaso presente
hipótese constitucional de sua incidência:
Perceba-se que a competência para o processo e julgamento, em ambos os casos citados [réu
que nunca ou já residiu no Brasil], estará afeta à Justiça Federal apenas nos casos de “crimes
previstos em tratados ou convenções, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha
ocorrido ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente” (art. 109, V, da CF) (Avena,
2020).
Por outro lado, o “Código adota o critério da prevenção (forum preventionis) todas as vezes que, apesar da
aplicação dos demais, possa ainda haver dúvida” (Tornaghi, 1997). Vejamos pela letra da lei, no art. 70 do
Código de Processo Penal:
§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a
jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições,
a competência firmar-se-á pela prevenção.
O artigo, na verdade, contempla duas situações distintas: uma, crime perpetrado em região onde
não há certeza quanto ao limite territorial (hipótese, atualmente, pouco provável); e outra,
quando, embora certo o limite, há dúvida quanto à competência, quer porque praticado o delito
na divisa de duas localidades, quer porque a execução do crime estendeu-se a mais de um local.
Em tais casos, a competência será definida pela prevenção. (Avena, 2020)
Incerteza quantos aos limites territoriais e quanto ao local do crime: Pode ser ainda que o fato
tenha sido praticado ou se consumado na divisa de dois ou mais territórios limítrofes, ou que
haja dúvida quanto aos limites de um e outro território. Em tais situações, aplicar-se-á também
a regra da prevenção, valendo aqui o quanto se disse logo acima: prevento é o juiz que, dentre
aqueles igualmente competentes, tenha antecedido o outro na prática de um ato de conteúdo
decisório. Haverá que ter conteúdo de natureza decisória o ato para que se tenha uma
antecipação do conhecimento efetivo da matéria, aproveitando-se o quanto possível a atividade
jurisdicional já empreendida. Contudo, cumpre assinalar que não se trata de um prejulgamento
da questão, mas de uma análise inicial acerca do fato e do direito, ainda que relativo à matéria
cautelar, isto é, medidas acautelatórias adotadas antes da ação penal, tal a hipótese da
concessão de interceptação telefônica, de busca e apreensão domiciliar, de prisões, liberdade
provisória etc (Pacelli, et al., 2018).
Com relação ao crime permanente ou continuado, a fixação também será firmada pela prevenção, nos
termos do Código de Processo Penal. Mais que isso, “se, no caso de crime continuado, for instaurado mais
de um processo, aplica-se o disposto no art. 82 do Código de Processo Penal, segundo o qual caberá à
autoridade prevalente (aquela que houver primeiro conhecido da ação) avocar os demais processos, que se
reunirão sob a sua competência” (Bonfim, 2015).
Não se confundem os conceitos de crime continuado e crime permanente. Para que se configure
crime continuado, é necessária a existência de várias infrações independentes, todas da mesma
espécie, as quais, por terem sido cometidas em condições semelhantes de tempo, lugar e
execução, são reunidas, por ficção jurídica, como se fossem apenas uma, aplicando-se a pena da
mais grave (se diversas), acrescida de 1/6 até 2/3 (art. 71 do CP). Nesse caso, os momentos
consumativos pertinentes a cada infração ocorrem autonomamente. Exemplo: vários roubos
perpetrados pelos acusados, em concurso de agentes (semelhantes formas de execução), com
intervalo inferior a 30 dias entre cada um (semelhantes condições de tempo), no âmbito da
região metropolitana de Belo Horizonte (semelhantes condições de lugar). Portanto, como a
execução das várias condutas que caracterizaram o crime continuado abrangeu territórios
pertinentes a Comarcas distintas, a competência para o processo e julgamento firmar-se-á pela
prevenção, considerando-se, pois, competente o juízo do lugar onde for praticado o primeiro ato
de jurisdição.
Por outro lado, crimes permanentes são aqueles cuja consumação ocorre com uma única ação,
mas o resultado se prolonga no tempo, como o cárcere privado, a associação criminosa (art. 288
do CP, com a alteração determinada pela Lei 12.850/2013), o porte ilegal de arma etc. Também
nessa hipótese a competência será fixada pela prevenção, devendo ser considerado competente
o juízo que, entre os vários lugares pelos quais passou a vítima, tenha se antecipado aos demais
na prática de ato de jurisdição. A título de exemplo, considere-se um crime de sequestro (art.
148 do Código Penal) ocorrido no território da Comarca de Teresina, sendo a vítima, durante a
ação criminosa, conduzida para o âmbito da Comarca de Buriti dos Lopes, ambas no Estado do
Piauí. Em regra, a competência deveria ser determinada pelo lugar em que se consumou a
infração, nos termos do art. 70 do CPP (locus commissi delicti). Contudo, tratando-se o sequestro
de crime permanente e tendo esse delito se iniciado em Teresina e se estendido até Buriti dos
Lopes, conclui-se que ambos os juízos serão competentes. Logo, a competência para o processo
e julgamento deverá ser determinada pela prevenção (art. 71 do CPP), considerando-se
competente o juízo da Comarca que se anteceder na prática de ato de jurisdição (art. 83 do CPP)
(Avena, 2020).
Devemos lembrar que a competência territorial é relativa e, portanto, admite prorrogação. Deve ser alegada
no momento oportuno, o vício da sua inobservância convalesce se isso não acontecer.
Por fim, confira-se o seguinte diagrama de NORBERTO AVENA que muito bem resume a fixação da competência
territorial (Avena, 2020):
Doutrina complementar
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “A regra geral é que
o processo e o julgamento de toda infração penal ocorra no juízo da comarca em que esta se
consumar, ou, no caso de tentativa, na comarca em que for praticado o último ato de execução.
A competência pelo lugar da infração – competência ratione loci – leva em conta o espaço
geográfico em que o delito se deu: o país, Estado, comarca ou circunscrição (conforme dispuser
a lei de organização judiciária do Estado). Está indicada no art. 69, I, e regulada nos arts. 70 e 71,
todos do CPP. Lugar da infração é o local onde foi praticado o delito. Nada mais razoável do que
fixar, como regra geral e primeira, a competência para o processo e julgamento,
preferencialmente, no lugar em que o delito ocorreu, pois é lá que repercutiu; é lá que a
comunidade sentiu seus efeitos; é lá que estão as provas que interessam ao processo (ou a
maioria delas), de modo que a fixação da competência com base em tal critério atende não só a
uma das finalidades da pena – prevenção geral –, mas também a princípios de economia e
celeridade processual. Existem três teorias para definir o que se deve considerar como lugar do
delito. [...] 1) Teoria da atividade: considera-se lugar da infração o local em que ocorreu a ação
ou omissão delitiva, pouco importando o local em que se tenha produzido o resultado. 2) Teoria
do resultado: considera-se lugar da infração o local em que se produziu o resultado, sendo
irrelevante o local da ação ou omissão delitiva. 3) Teoria da ubiquidade: considera-se lugar da
infração tanto o local da ação ou omissão delitiva quanto o local em que ocorreu o resultado. O
Código de Processo Penal, em seu art. 70, caput, adota a teoria do resultado. De tal sorte, a
competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração. No caso de
delito tentado, é preciso distinguir: (1) se todos os atos foram praticados em uma mesma
comarca; (2) se os atos foram praticados limites territoriais de determinada comarca é de
competência do juízo local; deve ser julgado no juízo da comarca em que foi praticado. No caso
de infração penal tentada, cuja execução se estenda geograficamente, passando por territórios
expostos à competência de juízes diversos – delitos plurilocais –, competente será o juiz do lugar
em que for praticado o último ato de execução”.
2 - CASUÍSTICA
Aqui, neste tópico, analisaremos variadas situações relacionadas à competência territorial, procurando
verificar exceções e o entendimento da doutrina mais abalizada. Nesse sentido, faremos mais remissões que
o normal – até para que o aluno tenha acesso aos mais variados pensamentos com relação à casuística.
Há precedentes, na jurisprudência, no sentido de que em caso de homicídio deve prevalecer o juízo da ação
ou da omissão (teoria da atividade), fugindo, portanto, da regra geral (teoria do resultado). Nesse sentido,
vejam-se notícias dos informativos 715 do STF e 489 do STJ, respectivamente:
COMPETÊNCIA. CRIME PLURILOCAL. VERDADE REAL. In casu, o ora paciente foi denunciado pela
suposta prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, I, III e IV, e no art. 211, ambos do CP, em
concurso material. A denúncia foi recebida em parte pelo juiz singular da vara do júri de
Guarulhos-SP, que, na mesma decisão, decretou a prisão preventiva do paciente. O habeas
corpus impetrado perante o TJ foi denegado. Nesta superior instância, entre outras alegações,
sustentou-se a ocorrência de constrangimento ilegal, pois o juiz que decretou a prisão do
paciente seria incompetente para processar e julgar a causa. Aduziu-se, ainda, não haver como
ser acolhida a tese do crime plurilocal por não existir nos autos nenhuma prova de que o crime
ou os atos preparatórios ter-se-iam iniciado em Guarulhos. A Turma denegou o habeas corpus
por entender, entre outras questões, que, no caso, embora os atos executórios do crime de
homicídio tenham-se iniciado na comarca de Guarulhos, local em que houve, em tese, os disparos
de arma de fogo contra a vítima, e não obstante tenha-se apurado que a causa efetiva da sua
morte foi asfixia por afogamento, a qual ocorreu em represa localizada na comarca de Nazaré
Paulista-SP, sem dúvida o lugar que mais atende às finalidades almejadas pelo legislador ao fixar
a competência de foro é o do local em que foram iniciados os atos executórios, o juízo de
Guarulhos. Observou-se que este é o local onde, em tese, ter-se-ia iniciado o crime, onde reside
a maior parte das testemunhas arroladas tanto pela defesa quanto pela acusação, onde residem
os réus e residia a vítima, onde a exemplaridade da pena mostrar-se-á mais eficaz e onde a
instrução iniciou-se, colhendo-se provas não só testemunhais como técnicas, pelo que o
desenrolar da ação penal nesse juízo, sem dúvidas, melhor atenderá às finalidades do processo
e melhor alcançará a verdade real. Consignou-se, ainda, que eventual nulidade quanto à
competência, no caso, é relativa, cujo reconhecimento exige não só a sua arguição no momento
oportuno como também a demonstração de efetivo prejuízo, o que não ocorreu na espécie.
Ademais, quando se firmou a competência do juízo da vara do júri de Guarulhos, nem sequer se
tinha notícia de que a vítima morrera, sendo, pois, incerto o local da consumação do crime
naquele momento, já que o corpo da ofendida somente foi localizado aproximadamente dezoito
dias após o suposto cometimento do delito. HC 196.458-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 6/12/2011.
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Considerando o teor do dispositivo, indaga-se: como será fixada a competência para o julgamento de crimes
que se qualificam pelo resultado, a exemplo de lesões corporais seguidas de morte, extorsão mediante
sequestro com resultado morte, estupro com resultado morte etc.?
Na hipótese de o resultado ocorrer no mesmo local da prática dos fatos, fica mais fácil: será competente o
juízo do respectivo local (da consumação – regra geral do CPP).
Todavia, a controvérsia se instaura nos casos em que esses locais são distintos. Imagine-se a hipótese de
uma vítima de lesões corporais na cidade ‘X’ que venha a falecer, em decorrência das agressões, na cidade
‘Y’. Afinal, qual será o juízo competente para processar e julgar esse crime de lesões corporais seguidas de
morte, o juízo do local das agressões ou o do local da morte? AVENA sintetiza os dois entendimentos a respeito
do tema:
Não obstante, em face do paradoxo jurídico que poderá decorrer da aplicação ipsis litteris do art.
70 do CPP, duas posições surgiram quanto à definição do foro em casos tais:
• Primeira: Mesmo se o resultado que qualifica o crime ocorrer em outro local, critérios de
razoabilidade e lógica impõem a fixação da competência no lugar onde se deu a ação delituosa.
Segundo essa linha de pensamento, no caso do estupro qualificado pelo resultado morte, em
que a conjunção carnal tenha ocorrido no território de uma Comarca e a morte no território de
outra, o processo e julgamento estarão afetos ao local onde foi praticado o ato sexual forçado –
no exemplo alhures, Gravataí. Trata-se do entendimento a que aderimos. E como justificar essa
conclusão diante dos termos peremptórios do art. 70? Muito simples: primeiro, na conveniência
da instrução criminal, vale dizer, pela maior facilidade na busca de provas no lugar onde a ação
foi praticada; segundo, pela regra do art. 4.º do Código Penal, relativa à lei penal no tempo,
dispondo que “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro
seja o momento do resultado”; e, terceiro, em razão do disposto no art. 6.º do CP, pertinente à
lei penal no espaço, estabelecendo que “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu
a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o
resultado”. Essas duas regras – arts. 4.º e 6.º do CP –, embora conflitem, aparentemente, com a
previsão do art. 70 do CPP, na verdade não o revogam (a despeito da posterioridade do Código
Penal em relação ao Código de Processo Penal), permitindo, apenas, em casos específicos, como
nas hipóteses de crimes qualificados pelo resultado, a interpretação flexível de seus termos
segundo a razoabilidade do caso concreto.
RENATO BRASILEIRO vai pela segunda posição, afirmando textualmente que, “em relação a tais delitos, firma-se
a competência pelo local da produção do resultado qualificador” (Lima, 2021). NUCCI também afirma que a
competência se fixa pelo lugar onde ocorreu o resultado qualificador. Todavia, baseado na jurisprudência
referida em relação ao homicídio, no item anterior, baseada no “lugar de maior facilidade de busca da prova,
podemos admitir que, conforme o caso, o delito qualificado pelo resultado siga a mesma regra, isto é, caso
da conduta (roubo, por exemplo) desenvolva-se em uma cidade, mas o ofendido venha a morrer em outra
localidade – para onde apenas foi levado, objetivando-se o tratamento dos ferimentos sofridos –, o melhor
é que o crime seja apurado no foro do desenvolvimento da conduta” (Nucci, 2018).
Eis, no que interessa, o crime previsto no art. 171 do Código Penal – estelionato:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o
pagamento.
Com relação à fraude no pagamento por meio de cheque (art. 171, § 2º, VI, CP), o entendimento da
jurisprudência havia se consolidado pela súmulas 521 do STF e 244 do STJ, respectivamente:
O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão
dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.
[superada]
Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem
provisão de fundos. [superada]
Os enunciados não traduziam uma exceção ao princípio geral de que o crime deve ser apurado no lugar da
consumação. Estelionato é crime material (não formal), de tal maneira que exige a ‘obtenção da vantagem
ilícita’, a fraude com efetiva lesão patrimonial. Por essa forma de pensar, consuma-se justamente no lugar
onde deveria ter havido o pagamento e o cheque foi recusado, gerando prejuízo para a vítima.
Há se distinguir as situações de estelionato, a forma da sua execução. Nesse sentido e reafirmando a regra
geral, veja-se a súmula 48 do STJ:
Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato
cometido mediante falsificação de cheque.
Ainda, repare na notícia do Informativo 565 desse mesmo Tribunal Superior, em caso de vítima induzida a
depositar em conta do agente criminoso:
[...] Compete ao juízo do foro onde se encontra localizada a agência bancária por meio da qual o
suposto estelionatário recebeu o proveito do crime - e não ao juízo do foro em que está situada
a agência na qual a vítima possui conta bancária - processar a persecução penal instaurada para
apurar crime de estelionato no qual a vítima teria sido induzida a depositar determinada quantia
na conta pessoal do agente do delito. Com efeito, a competência é definida pelo lugar em que se
consuma a infração, nos termos do art. 70 do CPP. Dessa forma, cuidando-se de crime de
estelionato, tem-se que a consumação se dá no momento da obtenção da vantagem indevida,
ou seja, no momento em que o valor é depositado na conta corrente do autor do delito,
passando, portanto, à sua disponibilidade. Note-se que o prejuízo alheio, apesar de fazer parte
do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não propriamente à
conduta. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação
se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o
que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. [...] CC
139.800-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/6/2015, DJe 1º/7/2015.
De um modo geral, portanto, a jurisprudência, nos casos de estelionato, se inclinava pela teoria do resultado.
Interessava, portanto, saber distinguir, em cada caso concreto, onde se consumou o crime com a obtenção
da vantagem ilícita. No caso de cheque verdadeiro, sem provisão de fundos, no local de recusa do
pagamento. No caso de falsificação de cheque ou de indução da vítima em erro, no local de obtenção da
vantagem. Do Informativo STJ/663, ainda, colhia-se a seguinte consolidação:
[..] Anote-se que a melhor solução jurídica seria aquela que estabelece distinção entre a hipótese
de estelionato mediante depósito de cheque clonado ou adulterado (competência do Juízo do
local onde a vítima mantém conta bancária), daquela na qual a vítima é induzida a efetivar
depósito ou transferência bancária em prol do beneficiário da fraude (competência do Juízo
onde situada a agência bancária beneficiária do depósito ou transferência). Assim, se o crime só
se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há
falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente
ingressa na conta bancária do beneficiário da fraude.
§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente
provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante
transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em
caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.
5
Interessante: não recordamos de nenhum outro crime que tenha, como critério definidor de competência, o domicílio da vítima.
Essa é uma ótima alteração legislativa, que tende a trazer mais segurança jurídica, facilitar o papel da vítima
(diante do crime que pretende ver apurado), além de melhorar a colheita das provas. Por outro lado, torna
superadas as Súmulas 244/STJ e 521/STF (que estabeleciam ‘local da recusa’ de pagamento). Em suma,
esquematizando o entendimento mais atual, teríamos o seguinte (em cores para correlação com a norma):
Repare que pelo novo critério, nessas situações pouco importa saber onde o agente ‘obteve a vantagem
ilícita’; interessa sim saber qual a Comarca onde a vítima mora. Exemplos:
✓ agente reside e tem conta em banco (agência sacada) no Rio de Janeiro, mas compra coisas em loja
em São Paulo, pagando com cheque sabidamente sem fundos – competência agora será da Comarca
de São Paulo (sede da empresa vítima);
✓ vítima reside em Curitiba e, enganada, faz transferência de dinheiro para conta de estelionatário que
reside e tem conta em Salvador – competência agora será de Curitiba, não mais de Salvador, como
outrora.
No caso de pluralidade de vítimas (o que é comum em casos de estelionato), a norma estabelece que a
competência será definida pela prevenção, nos termos do art. 83 do CPP; ou seja, dentre vários domicílios
de variadas vítimas, será competente o foro do juízo que primeiro antecedeu aos outros na prática de algum
ato da persecução penal.
Um último ponto que pode gerar controvérsias: essa nova disposição se aplica de imediato,
em relação a investigações e processos em andamento? Em princípio, SIM. Embora se trate de
competência territorial (ratione loci), que teoricamente admitiria prorrogação, há se
reconhecer e dar efetividade ao princípio tempus regit actum (art. 2º do CPP e 1º da Lei de
Introdução ao CPP) e à aplicação imediata da lei tipicamente processual (como se mostra o novo
dispositivo). Não é o caso de perpetuação da jurisdição, nem mesmo de aplicação do princípio
da identidade física do juiz (art. 399, § 1º do CPP), na medida em que não tenha se iniciado a instrução
criminal (produção de provas em fase de processo).
Mas esse é um tema que depende de análise e pacificação pelos tribunais superiores.
Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida
a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação
penal pelos crimes previstos nesta Lei.
O delito de apropriação indébita está previsto no artigo 168 do CP, nos seguintes termos:
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
No que se refere à competência para julgamento desse tipo de crime, eis o que descreve RENATO BRASILEIRO:
Nos casos de prática de ato infracional, a competência será determinada pelo lugar da ação ou omissão,
conforme disposição do § 1º do art. 147 da Lei nº 8.069/90:
§ 1º Nos casos de ato infracional, será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão,
observadas as regras de conexão, continência e prevenção
A questão relativa à competência nos crimes de contrabando e descaminho é sumulada, perante o STJ, no
seguinte sentido:
Súmula 151/STJ. A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho
define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
O local em que o documento falso foi apresentado define a competência para julgamento desse tipo de
crime. Entretanto, tratando-se da utilização do documento pelo próprio falsificador, o crime de uso estará
englobado pelo de falsificação, sendo a competência definida pelo local onde ocorreu a falsificação. Não
sendo conhecido o local onde a falsificação se operou, fixada estará a competência no local do
uso/apresentação do documento falso.
Quando o documento falsificado for passaporte, a questão quanto à competência está sumulada no STJ:
Súmula 200/STJ. O Juízo Federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de
passaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou.
Lembrando, consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que
a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cuja competência é afeta aos Juizados Especiais
Criminais.
Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração
penal.
Diante do termo usado, surgiu a dúvida: lugar onde ocorreu a ação ou omissão ou onde se
consumou a infração penal?
Surgiu, então, a polêmica doutrinária acerca do foro competente para apurar a infração,
tendo em vista a dubiedade do termo “praticada”. Alguns preferem interpretá-lo como o
lugar onde ocorreu a ação ou omissão (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO.
ANTONIO SACARANCE FERNANDES e LUIZ FLÁVIO GOMES), outros veem como certo o local onde ocorreu o
resultado, crendo que o termo “praticada” é sinônimo de “consumada” (TOURINHO FILHO, ROLDÃO OLIVEIRA
DE CARVALHO e ALGOMIRO CARVALHO NETO). Posicionamo-nos pela teoria da ubiquidade, podendo ser tanto
o lugar da ação ou omissão quanto o lugar do resultado. O termo “praticar” quer dizer tanto
“levar a efeito” ou “realizar” – que daria o sentido de consumação -, quanto “executar” –
conferindo a impressão de ser ação, motivo pelo qual o melhor a fazer é acolher a teoria mista,
aceitando como foro competente ambos os lugares, certamente quando a infração penal
comportar essa divisão entre ação e resultado. Havendo conflito, dirime-se pela prevenção, ou
seja, torna-se competente o primeiro juiz que conhecer do feito, No mesmo sentido que
defendemos está a posição defendida por PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY; MARINO PAZZAGLINI
FILHO, ALEXANDRE DE MORAES, GIANPAOLO POGGIO SMANIO e LUIZ FERNANDO VAGGIONE; MIRABETE (A competência dos
juizados especiais criminais, p. 145) (Nucci, 2018)
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016) muito bem
condensa o tema da competência ratione loci relacionada às diversas espécies de infrações, bem
como, pontualmente, aos crimes em espécie: “A teoria do resultado ganha relevância nos delitos
plurilocais, que são aqueles onde os atos executórios ocorrem em local distinto do resultado,
sempre dentro do território nacional. É aplicável tal teoria aos seguintes casos: 1) Imaginemos
uma carta injuriosa que é escrita em Teresina e enviada a João Pessoa, onde a vítima reside.
Nesta hipótese, a competência territorial será de João Pessoa, local onde a infração veio a
consumar-se. 2) Adequando as regras processuais penais à moderna criminalidade, o STJ firmou
o entendimento de que, configurado o crime de furto mediante fraude através de saques
indevidos em conta corrente por meio da internet, o juízo competente será aquele em que se
situa a conta fraudada, por aplicação do art. 70 do CPP. 3) Tratando-se de crimes materiais, ou
seja, delitos que preveem e exigem a produção de resultado naturalístico, a regra é que o juízo
competente seja o da produção do resultado, porquanto geralmente é o local com maior
probabilidade de se apurar mais facilmente o crime. 4) Se o delito for qualificado pelo resultado,
a competência é estabelecida no juízo do local da produção do resultado qualificador. 5) Quando
se cuidar de crime formal, relevante é saber o momento consumativo do crime, que firmará o
foro competente, não sendo capaz que fixar a competência nem o juízo da ação ou da omissão,
nem muito menos onde tiver ocorrido o mero exaurimento da infração penal. 6) Caso o crime
seja permanente, enquanto perdurar a permanência tem-se foro competente, razão pela qual,
havendo pluralidade de juízos igualmente competentes, será utilizado o critério subsidiário: a
prevenção, que atua como norma de encerramento. No caso de contrabando e descaminho, é a
prevenção que resolve a competência territorial, pelo que a Súmula 151, do STJ, reza que a
competência para o processo e julgamento desses delitos é definida pela prevenção do Juízo
Federal onde foram apreendidos os bens. 7) Também a prevenção resolve hipótese de
continuação delitiva, eis que esse instituto é ficção jurídica relativamente a vários delitos que,
por seu turno, podem ser cometidos em foros distintos. 8) Por outro lado, entendemos que em
se tratando de depoimento de testemunha tomado por videoconferência, a competência é do
juízo criminal do local do juízo processante, já que o depoimento é diretamente tomado pelo
juízo onde corre o processo principal, ou seja, pelo juízo da causa. 9) O crime de uso de
documento falso é julgado pelo juízo do local onde o documento foi apresentado (onde se
consumou o delito de uso). Se a falsificação se deu pelo próprio sujeito que usou o documento,
o uso é mero exaurimento do primeiro crime, pelo que a competência é definida pelo lugar onde
se consumou a feitura do documento falso. b) Teoria da atividade: a competência seria fixada
pelo local da ação ou omissão. É adotada nas hipóteses de crime tentado e também nos Juizados
Especiais Criminais (art. 63 da Lei nº 9.099/1995). No crime de homicídio, o STJ tem construído
sólida jurisprudência no sentido de que a competência é fixada pelo local da ação, e não do
resultado. Isso pela facilidade da colheita probatória no lugar em que os atos executórios se
desenvolveram, além da resposta à comunidade que reside onde ocorreu a ofensa ao bem
jurídico tutelado. Ressalta-se que, pelas mesmas razões, o STJ já aplicou este raciocínio ao
latrocínio, espécie de crime contra o patrimônio qualificado pelo resultado morte. Como se
depreende, a regra do art. 70, do CPP, que se aplica aos crimes plurilocais para determinar o
julgamento do delito no local onde se produziu o resultado, é afastada em relação à espécie,
porque a realidade dita que a investigação do delito, bem como a instrução do processo penal
terá mais êxito se correr no local onde aconteceram os fatos (local da ação ou da omissão). Trata-
se de aplicação do princípio do esboço do resultado que, nas palavras de Fernando de Almeida
Pedroso, consiste em se verificar que a conduta delituosa se exauriu em determinado local onde
deveria ter sido também o do momento consumativo do crime, pelo que se adota interpretação
teleológica consistente em considerar que o fato delituoso já havia prenunciado ou esboçado o
seu resultado no local da ação ou da omissão e que sua consumação só ocorreu em outro lugar
por acidente ou casualidade. Já na Lei de Imprensa, a competência territorial era fixada pelo local
de impressão do jornal ou periódico, e pelo local onde estivesse situado o estúdio do
permissionário ou concessionário do serviço de radiofusão, bem como o da administração
principal da agência noticiosa (art. 42, Lei nº 5.250/1967). Todavia, com a não recepção da norma
pela CF (ADPF nº 130-7), passamos a seguir a regra geral, qual seja, local da consumação do delito
(art. 70, caput, CPP), que em última análise, já era o que previa o não recepcionado art. 42 da Lei
nº 5.250/67, que continuará servindo como parâmetro para direcionar a matéria. Atente-se para
o fato de que, na esteira do entendimento do STJ, as ofensas proferidas através da internet são
de competência do juízo do lugar de onde partiu a publicação virtual e não do local onde
ganharam publicidade. Com efeito, em relação a crimes contra a honra praticados através da
rede mundial de computadores (internet), como não é possível definir o local da produção do
resultado, já que se dá em múltiplos locais, a competência será do juízo do local da conduta
delituosa, ou seja, onde o comportamento criminoso foi concluído. Sendo crime de pedofilia
cometido pela internet, mediante divulgação de imagens pornográficas de crianças e de
adolescentes, como não é possível precisar o lugar do resultado, a competência será o do lugar
da ação ou da omissão (momento consumativo do crime), sendo irrelevante o local da sede do
provedor respectivo. Já quanto às hipóteses de crimes de mera conduta, cujo tipo penal não faz
menção a resultado naturalístico, como se dá com o delito de violação de domicílio, o juízo
competente para seu processamento e julgamento é o lugar da ação ou omissão, aplicando-se a
teoria em tela (da atividade). Desse modo, a competência para processamento e julgamento do
falso testemunho, tomado por carta precatória, é do juízo deprecado, pois lá ocorreu a
consumação do delito. c) Teoria da ubiquidade (mista ou eclética): a competência territorial no
Brasil seria estabelecida tanto pelo local da ação quanto pelo do resultado, desde que um ou
outro aqui ocorram. É aplicada nos crimes à distância ou de espaço máximo, que são aqueles
em que os atos executórios se iniciam no Brasil e o resultado ocorre em outro país, ou a ação
delituosa se inicia no estrangeiro, e o resultado, mesmo que parcialmente, ocorre ou deveria
ocorrer no Brasil (§§ 1º e 2º, art. 70, CPP). Não bastam atos preparatórios para definir a
competência da Justiça brasileira, sendo necessário que, ao menos em parte, o iter criminis se dê
no Brasil”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021): “Partindo de uma
necessidade probatória, tem-se feito uma ginástica jurídica, criando-se um conceito de
consumação para o processo penal que não corresponde àquele previsto no Código Penal,
adotando-se na prática a teoria da atividade. Nessa linha, “lugar da infração” passou a ser visto
como aquele onde se esgotou o potencial lesivo da infração, ainda que distinto do resultado. Isso
atende a uma necessidade probatória, pois todos os elementos do crime estão na cidade onde
ocorreu o atropelamento, e não onde a vítima morreu. Lá está o lugar do crime (atropelamento)
para ser periciado, lá será feita a reconstituição simulada, e lá residem as testemunhas
presenciais do fato. [...] Esse entendimento também tem sido empregado para o crime de
homicídio doloso e outros, nos quais a ação criminosa se desenvolve integralmente numa cidade
e apenas o resultado se dá em outra. Noutra dimensão, é importante não esquecer do art. 71 do
CPP. Quando forem vários os crimes, praticados em diferentes cidades, mas que, pelas
circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, constituam uma continuidade delitiva (art.
71 do Código Penal), a competência pelo lugar da infração será definida a partir da prevenção. A
mesma regra também se aplica quando for um crime permanente, praticado em território de
duas ou mais jurisdições. Nesses dois casos, será competente o juiz que tiver antecedido os
demais na prática de algum ato decisório, como o recebimento da denúncia. Mas também será
competente, em razão da prevenção, aquele que tiver praticado, na fase pré-processual, algum
ato decisório, como a homologação da prisão em flagrante, a decretação da prisão preventiva ou
temporária, ou, ainda, tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e
apreensão. E nos crimes contra a honra, praticados pela imprensa: é o local onde ocorreu a
impressão ou, no caso de reportagem veiculada pela internet, no local onde se encontra o
responsável pela veiculação. Nesta linha sinaliza a decisão proferida pelo STJ no Conflito de
Competência n. 106.625/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/05/2010. Neste caso,
a Seção entendeu, lastreada em orientação do STF, que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) não
foi recepcionada pela CF/ 1988. Assim, nos crimes contra a honra, aplicam-se, em princípio, as
normas da legislação comum, quais sejam, os arts. 138 e seguintes do CP e os arts. 69 e seguintes
do CPP. Logo, nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em
periódico de circulação nacional, deve-se fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a
impressão, uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao
conhecimento de outrem, de acordo com o art. 70 do CPP. Quanto aos crimes contra a honra
praticados por meio de reportagens veiculadas na internet, a competência fixa-se em razão do
local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontra o responsável pela veiculação
e divulgação das notícias, indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de
computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários. Precedentes citados do STF: ADPF
130/DF, DJe 06/11/2009; do STJ: CC 29.886/SP, DJ 1º/02/2008. Nos crimes praticados fora do
território nacional, mas em que incida a regra da extraterritorialidade da lei penal, será
competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado e, caso ele
nunca tenha residido no Brasil, será julgado em Brasília, nos termos do art. 88 do CPP.
Recordemos que o simples fato de o crime ter sido praticado no exterior não significa que será
julgado na Justiça Federal. Todo o oposto. A regra é o julgamento pela Justiça Estadual, salvo se
estiver presente alguma das causas do art. 109 da Constituição, conforme explicado
anteriormente. Nos crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves, incidem as regras dos
arts. 89 e 90, com a ressalva de que somente será de competência da Justiça Federal quando se
tratar de navio ou aeronave de grande porte, conforme explicado no item anterior”.
Pode ocorrer, evidentemente, que não se saiba onde a infração penal se consumou; nessa hipótese abre-se
a possibilidade desse foro ser fixado com base na residência do acusado, estabelecido em caráter supletivo
ou subsidiário, conforme caput do art. 72 do CPP:
Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou
residência do réu.
É secundário o critério de eleição de foro até pela localização topográfica (no inciso II e após o inciso I que
trata do lugar da infração) no art. 69 do CPP. Só se utiliza desse critério quando a regra geral não puder ser
aplicada.
A definição do que seja domicílio é resgatada do Código Civil, conforme artigos transcritos a seguir:
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo
definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva,
considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o
lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá
domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde
for encontrada.
Domicílio, na acepção jurídica, tem significação mais estrita. Indica o centro ou sede de
atividades de uma pessoa, o lugar em que mantém o seu estabelecimento ou fixa a sua residência
com ânimo definitivo – gera uma situação de direito. Em matéria processual, o domicílio é
elemento determinante da competência. (Silva, 2005) “Domicílio é o local onde a pessoa habita
com desígnio de permanecer [...]. É a sede jurídica da pessoa, o lugar em que ela assenta a vida.
[...] é o mais alto grau de vinculação da pessoa ao âmbito geográfico-humano em que vive”
(Tornaghi, 1997).
Residência representa situação meramente de fato e traduz o local onde a pessoa vive, sem o
caráter da definitividade ou de centro de atividades. O domicílio pode compreender a residência,
mas esta nem sempre indica o domicílio (Silva, 2005).
Repare que o art. 72 fala em fixar a competência pelo domicílio ou residência do réu. “Nessas condições,
deve entender-se que o critério principal é o do domicílio e, falhando esse, haverá o subsidiário: o da
residência” (Tornaghi, 1997), desprezando o animus permanendi.
Subsidiariamente, caso não seja possível determinar o lugar da infração, a competência será
firmada pelo domicílio ou residência do réu (CPP, art. 72, caput) - forum domicilii. Tem-se aí o
denominado foro supletivo ou foro subsidiário. Talvez o melhor exemplo de crime em que não
seja possível estabelecer-se com precisão o exato local da consumação da infração penal seja a
hipótese de um crime patrimonial cometido no interior de um ônibus durante uma viagem
interestadual. Supondo-se que as investigações tenham obtido êxito na identificação do autor
do crime, sendo inviável a descoberta do local em que se consumou a infração penal, deve o
processo tramitar no foro do domicílio ou residência do réu (Lima, 2021).
§ 2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz
que primeiro tomar conhecimento do fato.
Caso o réu, portanto, tenha mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção. “Apesar do
silêncio da lei, prevalece que o mesmo raciocínio será aplicável ao réu que possua vários domicílios, ou na
hipótese de vários corréus com domicílio e residências diferentes” (Lima, 2021).
Considerando que o fato de a vítima ter residência fora do Brasil não é fator de determinação da
competência jurisdicional, compete à Justiça Estadual, e não à Justiça Federal, processar e julgar
eventual crime de estelionato cometido por particular contra particular, ainda que a vítima resida
no estrangeiro, na hipótese em que, além de os atos de execução do suposto crime terem
ocorrido no Brasil, não haja qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (Lima, 2021).
Outra situação de utilização da prevenção para solucionar conflito surgido entre vários juízos,
que poderiam conhecer do feito, é a hipótese do acusado que não tem residência fixa – pode ser
um andarilho, um sem-teto, um viajante ou um desocupado aventureiro –, razão pela qual
ignora-se onde possa ser encontrado (art. 72, § 2º, CPP) (Pacelli, 2018).
Nos casos de ação penal privada, assim estabelece o Código de Processo Penal:
Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio
ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
“A despeito de ser regra geral para a fixação do foro competente o do lugar da infração penal, tal não se
aplica necessariamente nos casos de ação exclusivamente privada, pois o interesse público, nesses casos, é
secundário; tanto é verdade que a iniciativa da ação penal pertence ao particular” (Nucci, 2018). Na ação
penal privada, então, fica a critério do autor da ação optar entre o foro do lugar da infração (regra geral) e
do domicílio ou da residência do réu.
Critério alternativo ou facultativo. Trata-se do domicílio ou residência do réu (art. 69, II, CPP),
que ora funciona como critério alternativo na fixação da competência, ora atua como critério
facultativo. A primeira situação – domicílio do réu como critério alternativo – tem lugar quando
não for conhecido o local onde foi praticada a infração penal (art. 72 do CPP). Já o segundo caso
– domicílio do réu como critério facultativo – incide nas hipóteses de ação penal exclusivamente
privada. Aqui, o uso do domicílio do réu fica na opção exclusiva do querelante, sendo irrelevante
se conhecido ou não o lugar da infração (art. 73 do CPP) (Avena, 2020).
De um modo geral, não se vislumbra prejuízo para o querelado que só se veria processado no foro ordinário
decorrente do princípio da territorialidade, ou, facilitando-lhe a defesa, no foro do local onde mora.
Doutrina complementar
GUSTAVO BADARÓ (Processo Penal, 8ª ed., São Paulo: RT, 2020. “O art. 72 não trata de um “critério
de competência” em caráter principal ou autônomo. Muito menos, cuida de foro especial. O que
o art. 72 disciplina são regras de foro subsidiário, em primeiro e em segundo graus, que somente
terão incidência se não for possível aplicar o foro geral previsto no art. 70, caput, do CPP. O CPP
prevê, também, um foro supletivo ou subsidiário, para os casos em que não se consegue
determinar o local em que o crime foi cometido e, consequentemente, qual a comarca ou seção
judiciária competente (p. ex.: a vítima percebe que foi furtada durante uma viagem de ônibus,
mas não sabe em que cidade, ao longo do trajeto, ocorreu o crime). Dispõe o art. 72, caput, do
CPP que, “não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio
ou residência do réu”... Trata-se de foro subsidiário em primeiro grau. Finalmente, pode ocorrer
que nem mesmo a regra subsidiária – local da residência – seja suficiente. Em tal hipótese opera
um critério subsidiário em segundo grau: “Se o réu tiver mais de uma residência, a competência
firmar-se-á pela prevenção” (CPP, art. 72, § 1º). Neste caso, porém, trata-se de prevenção entre
uma das comarcas nas quais o réu resida. Por exemplo: o acusado tem residência nas cidades de
São Paulo e Ribeirão Preto. Não se poderá considerar prevento o juiz de uma comarca que não
seja residência do acusado (por exemplo, comarca de Santos). A prevenção também deverá ser
aplicada, diante da lacuna do CPP, no caso de vários corréus com domicílios diferentes.
Finalmente, há ainda o que se pode considerar um terceiro grau de subsidiariedade, definido no
§ 2º do art. 72: “Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será
competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato”. Novamente, o critério subsidiário
será o da prevenção. Aqui, todavia, o âmbito das comarcas em que poderá se firmar a prevenção
é muito mais amplo do que no caso do § 1º do mesmo artigo. No foro subsidiário de segundo
grau, a prevenção deverá ocorrer entre uma das comarcas em que o acusado resida (art. 72, §
1º). Já no foro subsidiário de terceiro grau a prevenção poderá se dar em relação a qualquer
comarca que integre a ‘Justiça’ competente (art. 72, § 2º)”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019): “Se o réu
tiver mais de uma residência, ou quando não tiver residência certa, bem como nos casos em que
for ignorado seu paradeiro, a competência será firmada pela regra da prevenção (§§ 1º e 2º do
art. 72), sendo competente o primeiro juízo que conhecer da causa, no primeiro caso, dentre os
que atuarem nos diversos locais de residência do réu, e, no segundo caso, dentre todos os juízes
abstratamente competentes para o julgamento do delito, em qualquer comarca ou seção
judiciária. Da mesma forma, determina-se a competência pela regra da prevenção quando
houver pluralidade de réus, com domicílios ou residências diferentes. Tratando-se de ação
privada exclusiva, a lei processual faculta ao querelante optar pelo foro do domicílio ou da
residência do réu, mesmo quando conhecido o lugar da infração. A mens legis, ao excepcionar a
regra geral, foi evidentemente no sentido de facilitar a atuação do ofendido. Quanto à questão
de saber se o Código de Processo Penal equiparou os conceitos de domicílio e residência, a
doutrina diverge: para alguns autores, a legislação processual não estabeleceu distinção entre os
conceitos, tomando-os como sinônimos. A maior parte da doutrina entende, entretanto, que os
termos conservam, em sede processual penal, os traços característicos estabelecidos pelo Direito
Civil. Será considerado domicílio, assim, o local em que a pessoa “estabelece a sua residência
com ânimo definitivo” (art. 70 do Código Civil), enquanto residência é ‘relação de fato, é o lugar
em que a pessoa habita ou tem o centro de suas ocupações’. Havendo diversos locais onde
alternadamente viva, considerar-se-á seu domicílio qualquer deles. No que toca às relações
concernentes à sua profissão, será o domicílio o local onde a pessoa a exerce (art. 72).
Finalmente, não havendo residência habitual, o domicílio será qualquer lugar em que seja a
pessoa encontrada (art. 73). Regra de igual teor encontra-se na Lei de Introdução ao Código Civil,
art. 7º, § 8º”.
Jurisprudência pertinente
Súmula 521, STF: O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a
modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do
pagamento pelo sacado.
Súmula 48, STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de
estelionato cometido mediante falsificação de cheque.
Súmula 151, STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho
define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
Súmula 200, STJ: O juízo federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de
passaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou.
Súmula 244, STJ: Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante
cheque sem provisão de fundos.
Súmula 528, STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via
postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.
Em se tratando de competência ratione loci e, portanto, relativa, e não tendo o paciente alegado
o vício no momento oportuno, isto é, na fase da defesa prévia, houve prorrogatio fori em favor
da comarca em que foi ele julgado, não sendo mais possível examinar sua impugnação a respeito,
em razão da incontestável preclusão. Precedentes. [...] (HC 98205 AgR, Relator(a): Min. ELLEN
GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009).
[...] Caso em que se discute competência ratione loci, cuja inobservância, segundo a reiterada
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, implica nulidade relativa, que deve ser arguida,
oportunamente -- no tríduo da defesa prévia ou mediante oposição de exceção (art. 108 do CPP)
-, sob pena de preclusão. Habeas corpus indeferido. (HC 83563, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO,
Primeira Turma, julgado em 18/11/2003).
[...] Crime de homicídio culposo (CP, art. 121, §§ 3º e 4º). Competência. Consumação do delito
em local distinto daquele onde foram praticados os atos executórios. Crime plurilocal.
Possibilidade excepcional de deslocamento da competência para foro diverso do local onde se
deu a consumação do delito (CPP, art. 70). Facilitação da instrução probatória, Precedente.
Recurso não provido. [...] Embora se possa afirmar que a responsabilidade imputada à recorrente
possa derivar de negligência decorrente da falta do exame pessoal da vítima e do seu correto
diagnóstico após a alta hospitalar, é inconteste que esse fato deriva do ato cirúrgico e dos
cuidados pós-operatórios de responsabilidade da paciente, de modo que se está diante de crime
plurilocal, o que justifica a eleição como foro do local onde os atos foram praticados e onde a
recorrente se encontrava por ocasião da imputada omissão (por ocasião da prescrição de
remédios por telefone à vítima). 3. Recurso não provido. (RHC 116200, Relator(a): Min. DIAS
TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 13/08/2013).
casuísticas ou por critérios políticos, ou até mesmo em desacordo com o regramento legal
pertinente, nem sequer acostando aos autos os termos da Portaria por meio da qual foram
designados os Promotores para atuar do feito. 7 - Habeas corpus não conhecido. (STJ - HC:
332583 SE 2015/0195321-0, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 09/08/2016,
T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2016)CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO NO LOCAL DO
CONSTRANGIMENTO. SÚMULA Nº 96/STJ. 1. O crime de extorsão é formal e consuma-se no
momento e no local em que ocorre o constrangimento para se faça ou se deixe de fazer alguma
coisa. Súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Hipótese em que a vítima foi coagida a
efetuar o depósito, mediante ameaça proferida por telefone, quando estava em seu
consultório, em Rio Verde/GO. Independentemente da efetivação do depósito ou do local
onde se situa a agência da conta bancária beneficiada, foi ali que se consumou o delito.
Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª Vara
Criminal de Rio Verde/GO, o suscitado. (CC 115.006/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2011, DJe 21/03/2011).
a honra praticado por meio de publicação impressa de periódico, deve-se fixar a competência
do Juízo onde ocorreu a impressão, tendo em vista ser o primeiro local onde as matérias
produzidas chegaram ao conhecimento de outrem, nos moldes do art. 70 do Código de Processo
Penal. Remanesce, na prática, o resultado processual obtido pela antiga aplicação da regra de
competência prevista na não recepcionada Lei de Imprensa. 3. Crimes contra a honra praticados
por meio de reportagens veiculadas pela internet ensejam a competência do Juízo do local
onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontrava o responsável pela veiculação
e divulgação de tais notícias. 4. Conheço do conflito para declarar competente o Juízo Federal
da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo. (CC 106.625/DF, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010).
quinhentos reais de conta bancária, por meio da "Internet Banking" da Caixa Econômica
Federal, o que ocorreu, por certo, sem qualquer tipo de consentimento da vítima, o Banco. A
fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do Banco sobre os
valores mantidos sob sua guarda. Configuração do crime de furto qualificado por fraude, e não
estelionato. [...] A consumação do crime de furto ocorre no momento em que o bem é subtraído
da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade. No caso em apreço, o desapossamento que
gerou o prejuízo, embora tenha se efetivado em sistema digital de dados, ocorreu em conta-
corrente da Agência Campo Mourão/PR, que se localiza na cidade de mesmo nome. Aplicação
do art. 70 do Código de Processo Penal. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo
Federal de Campo Mourão - SJ/PR. (CC 67.343/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/03/2007, DJ 11/12/2007, p. 170).
Aqui, importa saber qual a espécie de crime que é objeto da persecução penal, qual a sua natureza, enfim,
para relacionar com o nome, qual a ‘matéria’ criminal. A partir
disso, por correspondência, define-se qual será a ‘justiça’
competente para o processo e julgamento “dentre as quatro Eleitoral
Justiça Criminal
existentes na estrutura do Poder Judiciário do Brasil com especial
competência criminal: Justiça Eleitoral, Justiça Militar, Justiça Militar
Federal e Justiça Estadual, as duas primeiras integrantes da
denominada Jurisdição Especial e, as duas últimas, compondo a Federal
chamada Jurisdição Comum” (Avena, 2020). comum
Estadual
De acordo com as lições de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS:
[...] designa-se por competência material aquela parcela de jurisdição que é distribuída às
diferentes espécies de tribunais, tendo em atenção a natureza das causas a resolver; de maneira
que as particularidades decisivas na matéria ou na natureza dos assuntos a tratar correspondam
órgãos jurisdicionais com uma organização e um formalismo que lhes sejam adequados. Trata-
se pois aqui, fundamentalmente, de repartir as causas penais pelas diferentes espécies de
tribunais de 1ª instância (Dias, 1974).
“Esta competência é também chamada de competência de jurisdição ou de justiça. [...] é absoluta, seguindo,
em primeiro lugar, os ditames da Constituição Federal, e, secundariamente, as normas estabelecidas pela
legislação infraconstitucional e pelas Leis de Organização Judiciária” (Campos, 2018).
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes
de direito e das juntas eleitorais.
E qual seria essa lei complementar? O que se deve entender por crime eleitoral, passível de julgamento pela
Justiça Eleitoral?
A resposta deve ser construída – não deve ser diferente – partindo da legislação. Nesse sentido, o Código
Eleitoral (recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar quando trata da competência e da
organização da Justiça Eleitoral) assim estabelece:
II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a
competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;
A maioria dos tipos penais eleitorais estão no Código Eleitoral, mas nem todos. Diversas leis posteriores
introduziram outras condutas típicas, tentando adaptar a realidade jurídica às necessidades, peculiaridades
e tecnologias existentes em cada momento histórico. “É o caso, por exemplo, da Lei 6.091, de 15 de agosto
de 1974; da Lei 6.996, de 7 de junho de 1982; da Lei 7.021, de 6 de setembro de 1982; da Lei Complementar
64, de 18 de maio de 1990; e da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997” (Avena, 2020).
Lançamos uma indagação atual: crime eleitoral é o mesmo que crime político? NÃO. Eis a
fundamentação da resposta, com objetividade, por NORBERTO AVENA:
Não se pode confundir crimes eleitorais com crimes políticos. Os primeiros, como
referimos antes, são aqueles tipificados na legislação eleitoral e que, direta ou
indiretamente, relacionam-se com as votações. Já nos segundos, previstos nos arts.
8º e seguintes da Lei 7.170/1983, enquadram-se as condutas que afetam a segurança nacional e
a ordem política e social, cabendo seu processo e julgamento também à Justiça Federal, agora
por força do art. 109, IV, 1ª parte, da CF (Avena, 2020).
Embora editado como lei ordinária, o Código Eleitoral (Lei D0 4.737/65) foi recepcionado pela
Constituição Federal como lei complementar, mas tão somente no que tange à organização
judiciária e competência eleitorais, tal qual prevê a Carta Magna (CF, art. 121, caput). Portanto,
no tocante à definição dos crimes eleitorais, as normas postas no Código Eleitoral mantêm o
status de lei ordinária. A competência criminal da Justiça Eleitoral é fixada em razão da matéria,
cabendo a ela o processo e julgamento dos crimes eleitorais. Mas o que se deve entender por
crimes eleitorais? Como adverte a doutrina, somente são crimes eleitorais os previstos no Código
Eleitoral (v.g., crimes contra a honra, praticados durante a propaganda eleitoral) e os que a lei,
eventual e expressamente, defina como eleitorais. Todos eles referem-se a atentados ao
processo eleitoral, que vai do alistamento do eleitor (ex: falsificação de título de eleitor para fins
eleitorais – art. 348 do Código Eleitoral) até a diplomação dos eleitos. Crime que não esteja no
Código Eleitoral ou que não tenha a expressa definição legal como eleitoral, salvo o caso de
conexão, jamais será de competência da Justiça Eleitoral. A motivação política ou mesmo
eleitoral não é suficiente para definir a competência da Justiça Especial de que estamos tratando.
Da mesma forma, a existência de campanha eleitoral é irrelevante, pois, de per si, não é
suficiente para caracterizar os crimes eleitorais à falta de tipificação legal no Código Eleitoral ou
em leis eleitorais extravagantes. Assim, por exemplo, a prática de um homicídio, ainda que no
período que antecede as eleições, e mesmo que por motivos político-eleitorais, será julgado pelo
Júri comum, porquanto tal delito não é elencado como crime eleitoral.
Ao discorrer sobre a organização dos crimes eleitorais, JOEL JOSÉ CÂNDIDO apresenta a seguinte
classificação: a) crimes contra a organização administrativa da Justiça Eleitoral: arts. 305 e 306;
arts. 310 e 311; art. 318 e 340 do CE; b) crimes contra os serviços da Justiça Eleitoral: arts. 289 a
293; art. 296; arts. 303 e 304; arts. 341 a 347 do CE; art. 11 da Lei n° 6.091/74; art. 45, §§ 9" e 11,
art. 47, § 4", art. 68, § 2", art. 71, § 3", art. 114, parágrafo único e art. 120, §5°, todos do Código
Eleitoral; c) crimes contra a fé pública eleitoral: arts. 313 a 316; arts. 348 a 354 do CE; art. 15 da
Lei n° 6.996/82 e art. 174, § 3°, do Código Eleitoral; d) crimes contra a propaganda eleitoral: arts.
322 a 337 do CE; e) crimes contra o sigilo e o exercício do voto: art. 295; arts. 297 a 302; arts. 307
a 309; art. 317; art. 339 do CE; art. 5º da Lei no 7.021/82; art. 129, parágrafo único e art. 135, §
5°, do Código Eleitoral; f) crimes contra os partidos políticos: arts. 319 a 321; art. 338 do CE e art.
25 da LC 64/90. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica
não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o
conteúdo material do crime. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade
de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a
legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico,
faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma
visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, à
regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático. Exemplificando,
ainda que conste no Código Eleitoral o crime de destruição de título eleitoral de terceiro (“Art.
339. Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição”), se
restar evidenciado que a conduta fora perpetrada sem guardar qualquer vinculação com pleitos
eleitorais, tendo, na verdade, o intuito exclusivo de impedir a identificação pessoal, não há falar
em crime de competência da Justiça Eleitoral. Havendo infrações conexas de competência da
Justiça Estadual, a Justiça Eleitoral exercerá força atrativa, nos exatos termos do dispositivo
constante do art. 78, inciso IV, do CPP, c/c o art. 35, inciso II, do Código Eleitoral (Lei nº
4.737/65). [...] se discute na doutrina a competência para processar e julgar crime de homicídio
doloso conexo a crime eleitoral. Para SUZANA DE CAMARGO GOMES, “havendo conexão entre crimes
eleitorais e crimes dolosos contra a vida, o julgamento de todos eles está afeto à Justiça Eleitoral,
e não ao Tribunal do Júri. (...) Nesses casos não há que se cogitar nem mesmo a hipótese da
criação de um Tribunal do Júri de natureza eleitoral, posto que não previsto na lei que define a
organização dessa instituição, nem tampouco na justiça eleitoral. É que não autoriza a lei a
constituição de Tribunal do Júri no âmbito da Justiça Eleitoral [...]”. Uma segunda corrente
(majoritária) sustenta que os crimes eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral,
respeitando-se a previsão constitucional, o que, no entanto, não afeta a competência do Tribunal
do Júri para julgar o crime doloso contra a vida, haja vista não ser esse um crime tipicamente
eleitoral. Como ambas as competências estão previstas na Constituição Federal - a da Justiça
Eleitoral para o processo e julgamento dos crimes eleitorais e a do Tribunal do Júri para o
processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5", XXXVIII, ‘d’) - somente a
separação dos processos será capaz de garantir o respeito à competência estabelecida pela
Constituição Federal para ambas as situações. De modo algum seria possível admitir-se que a
conexão, norma de alteração de competência prevista na lei processual penal, pudesse afastar a
competência constitucional do júri e da Justiça Eleitoral (Lima, 2021).
Ao dispor que à Justiça Eleitoral compete processar e julgar os crimes eleitorais e os crimes
comuns que lhes forem conexos, o art. 35, II, do Código Eleitoral harmoniza-se com a regra do
art. 78, IV, do CPP, quando refere que, nos casos de conexão ou continência, a jurisdição
especial prevalecerá sobre a jurisdição comum, não interessando, quanto a estes, se,
isoladamente, concernem à Justiça Estadual ou à Justiça Federal. A Justiça Eleitoral atrai, enfim,
o julgamento do crime eleitoral e dos que lhe forem conexos, independentemente da natureza.
E se for o caso de crime eleitoral conexo com delito doloso contra a vida? Há divergências, muitos
entendendo no sentido de que, de qualquer modo, a Justiça Eleitoral é prevalente, ressalvando-
se, então, aqui, a competência constitucional do Tribunal do Júri. Não comungamos dessa
orientação e, na esteira da orientação prevalente, entendemos que, nesses casos, deve ocorrer
a cisão, ficando o crime eleitoral a cargo da Justiça Eleitoral e o crime comum afeto ao Tribunal
do Júri (Avena, 2020).
A Justiça Eleitoral, em sua natureza, classifica-se como uma Justiça Federal. Isso significa que, ao
exercerem funções eleitorais, Juízes e Promotores, por exemplo, são considerados como no
exercício de uma função federal. Logo, encontrando-se nessa condição – a serviço da União,
portanto –, crimes contra eles praticados serão julgados no âmbito da Justiça Federal (ressalvada,
por óbvio, a hipótese de a conduta estar tipificada como crime eleitoral, caso em que a
competência estará afeta à Justiça Eleitoral), ex vi do art. 109, IV, 2ª parte, da CF.
Perceba-se, finalmente, que a jurisdição criminal na órbita eleitoral pode ser exercida no âmbito
das seguintes instâncias (observadas as regras de competência originária e os pressupostos
recursais de admissibilidade): Juízes Eleitorais, Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal Superior
Eleitoral e Supremo Tribunal Federal. Descabe recurso especial das decisões do TRE para o STJ,
mas sim para o TSE. Isto porque, de acordo com o art. 105, III, da CF, o STJ possui competência
para julgar recurso especial apenas contra decisões de Tribunais de Justiça e de Tribunais
Regionais Federais. Enseja-se, contudo, recurso extraordinário para o STF, pois o art. 102, III, da
CF, ao disciplinar esta insurgência, não faz qualquer restrição a respeito (Avena, 2020).
Doutrina complementar
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021): “A competência da
Justiça Eleitoral está prevista no art. 121 da Constituição, cuja redação não é das melhores. Sua
competência, diante da lacunosa previsão constitucional, acaba sendo dada pelo Código
Eleitoral, que prevê ainda quais são os crimes eleitorais. Assim, sempre que tivermos um crime
eleitoral conexo com um crime comum, previsto no Código Penal, a competência para
julgamento de ambos (reunião por força da conexão) será da Justiça Eleitoral (art. 78, IV). Os
únicos crimes em que tal reunião dá ensejo a grande discussão são aqueles de competência do
Tribunal do Júri (previstos no art. 74, § 1º, do CPP), especialmente o de homicídio doloso. Nesses
casos, tem prevalecido atualmente a posição de que, quando o crime eleitoral for conexo com
o homicídio doloso (ou outro de competência do júri), haverá cisão: o crime eleitoral será
julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio, no Tribunal do Júri. Isso porque a competência do júri
é constitucional, prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias (como o Código Eleitoral e o
CPP). Em primeiro grau, a Justiça Eleitoral é composta pelos juízes eleitorais, que são, na verdade,
juízes estaduais investidos temporariamente dessa função. Em segundo grau estão os Tribunais
Regionais Eleitorais e, acima deles, o Tribunal Superior Eleitoral”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019): “De início,
quanto à definição do que sejam crimes eleitorais, existem duas correntes: a) há autores que
enquadram os crimes eleitorais entre os comuns, que se distinguem dos crimes de
responsabilidade; b) outros consideram os crimes eleitorais delitos de natureza especial
(juntamente com os crimes militares). Por esse motivo, a competência da Justiça Eleitoral
excluiria a possibilidade de que os crimes eleitorais fossem julgados pelas outras ‘justiças’. A Lei
n. 4.737/65 (Código Eleitoral), em seu art. 35, II, confere aos juízes eleitorais a competência para
processar e julgar os crimes eleitorais e, também, os crimes comuns que lhes forem conexos,
ressalvada a competência do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais. Na hipótese de
concurso de competências, portanto, prevalece a competência da Justiça Eleitoral em
detrimento da competência dos demais órgãos judiciários (art. 78, IV, do Código de Processo
Penal). Dúvida exsurge, entretanto, na hipótese em que ocorra concurso entre crime eleitoral e
crime doloso contra a vida, já que a competência do Tribunal do Júri é fixada em sede
constitucional. Parte da doutrina entende que, nesse caso, a competência da Justiça Eleitoral se
prorroga, tornando-se esse órgão, excepcionalmente, competente para o julgamento do crime
doloso contra a vida conexo a um crime eleitoral. Segundo essa corrente, constituir-se-ia aí,
portanto, uma exceção constitucional à competência do Tribunal do Júri. Em sentido contrário,
há quem entenda que nessa hipótese à Justiça Eleitoral caberá processar e julgar tão somente o
crime eleitoral, competindo ao Tribunal do Júri julgar o crime doloso contra a vida, em respeito
ao art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “São
crimes eleitorais somente os definidos na lei eleitoral, ou seja, os crimes eleitorais ratione legis.
São crimes que ferem bens jurídicos alusivos ao pleito eleitoral e que estão dispostos, em regra,
no Código Eleitoral ou em lei que o defina como eleitoral. A Justiça Eleitoral tem competência
para julgar os delitos eleitorais, mas também infrações penais comuns que lhe sejam conexas.
[...] É irrelevante, para a configuração da competência dessa Justiça Especializada, o fato de haver
motivação política ou de ter sido o crime praticado em época de campanha eleitoral”. Se a
infração eleitoral ou aquela comum que lhe seja conexa estiver dentro do patamar de menor
potencial ofensivo, admite-se a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95,
como a composição civil (art. 74) e a transação penal (art. 76), dentro do respectivo
procedimento eleitoral. É também cabível a suspensão condicional do processo, que tem
aplicação aos delitos com pena mínima de até um ano (art. 89)”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 2, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010), a
respeito da estrutura da Justiça Eleitoral, aduz: “São Órgãos Jurisdicionais da Justiça Eleitoral: o
Tribunal Superior Eleitoral, que é seu órgão de cúpula, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Juízes
eleitorais. Cada Estado-Membro está dividido em pequenas circunscrições territoriais que, de
regra, coincidem com as ‘comarcas’, chamadas zonas eleitorais. Conforme vimos anteriormente,
os Juízes eleitorais são os próprios Juízes de Direito (da Justiça Comum Estadual). Sempre foi
assim. A propósito, o § 7º do art. 82 da Carta de 1934: “Cabem a juízes locais vitalícios, nos termos
da lei, as funções de juízes eleitorais, com jurisdição plena”. Assim também o art. 117 da Carta
de 1946: ‘Compete aos juízes de direito exercer, com jurisdição plena e na forma da lei, as
funções de juízes eleitorais’. Em cada zona eleitoral haverá um Juiz eleitoral. Se na zona eleitoral
houver mais de uma Vara, o Tribunal Regional designará um dos Juízes, ou mais de um, para
exercer as funções jurisdicionais eleitorais. Por outro lado, na Capital de cada Estado haverá um
Tribunal Regional Eleitoral que funciona como órgão de 2º grau com jurisdição em todo o
território estadual”.
A referida Emenda Constitucional, no que pertinente à matéria criminal, deixou dessa forma a competência
da Justiça do Trabalho:
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver
matéria sujeita à sua jurisdição;
Cuida-se de uma competência em matéria criminal muito restrita e pontual; não para julgar crimes de um
modo geral, mas sim para apreciar ação autônoma defensiva que questiona ato coator que envolva matéria
trabalhista.
Aliás, em razão dessa competência muito restrita e específica, muitos autores continuam sustentando que a
Justiça do Trabalho não tem competência criminal.
Assim é que os juízes do trabalho não têm jurisdição penal genérica, para processar e julgar ações penais,
mesmo que digam respeito a temas das relações trabalhistas. Isso foi definido pelo próprio Supremo Tribunal
Federal, na ADI 3684:
Não se deve esquecer, como leciona BRASILEIRO, que “um juiz de direito também pode exercer competência
trabalhista, ex vi do art. 112 da Constituição Federal. Logo, da mesma forma que o habeas corpus contra juiz
do trabalho está afeto ao respectivo Tribunal Regional do Trabalho, a este Tribunal também caberá o
julgamento do writ, se, e somente se, o ato questionado do juiz de direito estiver relacionado ao exercício
de competência da Justiça do Trabalho” (Lima, 2021).
Doutrina complementar
Eugenio Pacelli & Douglas Fischer (Comentários ao código de processo penal e sua
jurisprudência, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2021) “Noutras palavras, todas as questões envolvendo
crimes (aí insertos os habeas corpus) que atinjam diretamente bens, serviços ou interesses da
Justiça Trabalhista deverão ser processadas perante a Justiça Federal em primeiro grau
(ressalvados unicamente os delitos em que os seus autores tenham o chamado foro por
prerrogativa de função, situações em que deverá ser observada a regra ratione muneris). Extrai-
se daí que a única hipótese em que os Tribunais do Trabalho poderiam apreciar habeas corpus
serão aquelas em que o writ seja apresentado contra decisão que prive ou ameace de privação
a liberdade exarada por Juiz do Trabalho e relacionada com questões civis, notadamente a prisão
(ou ameaça de) por depósito infiel. Entretanto, como já referido alhures, o Supremo Tribunal
Federal (posteriormente ao que decidido na ADI nº 3.684-DF) assentou ser inconstitucional a
privação de liberdade do depositário infiel (vide Recurso Extraordinário nº 463.343-SP, Rel. Min.
Cezar Peluso, Plenário, julgado em 3.12.2008, publicado no DJ em 5.6.2009). É importante referir
que, antes mesmo dessa novel disposição constitucional, muitos regimentos internos de
Tribunais Regionais do Trabalho dispunham ser de suas competências o julgamento de todos os
habeas corpus apresentados contra ato de Juízes do Trabalho. Com todas as vênias, nada mais
precisa ser aditado para se ver que esses dispositivos regimentais eram e são manifestamente
contrários à Constituição, mesmo antes da EC nº 45/2004, pois habeas corpus impetrados contra
atos de Juiz Federal, Juízes Militares Federais e Juízes do Trabalho (art. 108, I, a, CF), se
envolverem questões de natureza penal, serão sempre de competência do respectivo Tribunal
Regional Federal”.
Temos duas ‘modalidades’ de Justiça Militar no nosso país, a Federal e a Estadual; tanto uma quanto outra,
genericamente falando, tem competência exclusiva para o julgamento de crimes militares que sejam
definidos em lei. Eis a previsão constitucional:
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Dizer que compete à Justiça Militar processar e julgar crimes militares não representa nada se não definirmos
o que seja, propriamente, crime militar. A definição vem do Código Penal Militar, artigo 9º (em tempo de
paz) e artigo 10 (em tempo de guerra), que contém vários dispositivos – exigindo interpretação.
NORBERTO AVENA sustentava (obra de 2017) que a caracterização de uma conduta como crime militar
condicionava-se à observância de dois requisitos:
Todavia, a Lei 13.491, publicada em 16/10/2017, fez relevantes alterações e acréscimos no Código Penal
Militar, com reflexos imediatos na competência, ampliando-a significativamente.
Essa nova Lei aumentou o rol dos crimes militares e, na visão de RONALDO JOÃO ROTH, trouxe uma nova
categoria de crimes militares, os crimes militares por extensão:
Conforme estabelece a Constituição Federal, crime militar é aquele definido por lei (arts. 5º, LXI,
124 e 125, §4º), ou seja, como diz JORGE CESAR DE ASSIS, lembrando as lições do Professor IVO
D’AQUINO, “o legislador adotou o critério ratione legis; isto é, ‘crime militar’, é o que a lei
considera como tal. Não define: enumera. Não quer dizer que não se haja cogitado dos critérios
doutrinários ratione persone, ratione loci, ou ratione numeris. Apenas não estão expressos. Mas
o estudo do art. 9º do Código revela que, na realidade, estão todos ali contidos.”
Na lição de JORGE ALBERTO ROMEIRO crime militar é o que a lei define como tal. Para ÁLVARO
MAYRINK DA COSTA “a expressão delitos militares do preceito constitucional quer dizer, pura e
simplesmente, crimes dessa natureza, previstos e colhidos pela legislação militar.” Como leciona
JOSÉ CRETELLA JR., citando o voto do Ministro PAULO BROSSARD, do STF, “crime militar é somente
aquele que a lei militar, que é o Código Penal Militar, define como tal. O delito penal é típico e
todo conceito de qualquer figura iuris militar deve partir do Direito positivo. Crime militar é
aquele que o Código Penal define como tal. Nem mais, nem menos”, e ainda: “crime militar não
se confunde, assim, com crime de militar.”
Precedente do Supremo Tribunal Federal retrata bem o critério a ser observado para a definição do que seja
crime militar:
A competência penal da Justiça Militar da União não se limita, apenas, aos integrantes das Forças
Armadas nem se define, por isso mesmo, “ratione personae”. É aferível, objetivamente, a partir
da subsunção do comportamento do agente – de qualquer agente, mesmo o civil, ainda que em
tempo de paz – ao preceito primário incriminador consubstanciado nos tipos penais definidos
em lei (o Código Penal Militar). – O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os
crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, “tout court”. E o crime militar,
comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua
nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a
possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil,
mesmo em tempo de paz. (HC 110185, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma,
julgado em 14/05/2013)
É correto consignar, conforme ROTH, que a “Justiça Militar existe para conhecer dos crimes militares e não
os crimes dos militares”. Crimes militares são aqueles definidos no Código Penal Militar, in verbis:
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou
nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições
militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II,
nos seguintes casos:
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza
militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública,
administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência
a determinação legal superior. [...]
A nova Lei acaba com a ideia de que crimes militares serão somente aqueles com tipificação no Código Penal
Militar. Aquele primeiro requisito (antes transcrito), trazido da obra de NORBERTO AVENA, não é mais
necessário; ou seja (e até sendo redundante), para que uma conduta seja considerada crime militar não é
mais necessário que tenha sua tipicidade prevista no Código Penal Militar, basta que se enquadre na
caracterização nele constante, de acordo com as circunstâncias nele apresentadas.
Quer saber se uma determinada conduta típica é crime militar? Então veja se ela se enquadra em uma das
disposições/situações do art. 9º do Código Penal Militar – critério objetivo da lei, taxativo, observando-se a
segurança jurídica. Não há razão para avaliar critérios subjetivos, como a motivação e o interesse militar.
Não há se confundir crime militar com crime comum, como também não há se confundir crime político com
crime eleitoral - a exigência de motivação do crime recai tão somente no crime político.
A maior inovação da Lei 13.491 operou-se em relação ao inciso II do art. 9º do CPM, norma
que estende a caracterização dos crimes militares também para aqueles previstos na
legislação penal (comum), nas situações que especifica. Assim é que crimes até então tidos
por comuns, com previsão típica no Código Penal e em leis penais não militares, hoje (desde
16/10/2017) podem ser considerados militares, se praticados, por exemplo, por militar em
serviço ou atuando em razão da função (art. 9º, II, ‘c’), ou em lugar sujeito à administração
militar (art. 9º, II, ‘b’).
Na lição de ROTH:
Ao alterar a redação do art. 9º do CPM, a Lei 13.491/17 alargou a definição de crime militar para
albergar figuras típicas inexistentes no CPM, mas existentes na legislação penal comum, quando
praticados pelos militares federais e por civis quando se trata da competência da Justiça Militar
da União (JMU) e pelos militares estaduais, no âmbito da competência da Justiça Militar Estadual
(JME), numa das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM. De todas as hipóteses previstas no
inciso II do art. 9º do CPM, a de maior incidência é aquela praticada pelo militar em serviço ou
em razão da função, porquanto são as situações em que o militar pratica um fato típico
penalmente no exercício de sua atribuição constitucional e legal, cuja apuração dos fatos deve
ser realizada pela Polícia Judiciária Militar que tem atribuição constitucional para tanto (art. 144,
§ 4º, in fine) e o processo e julgamento será realizado perante a JMU (art. 124, CF), ou perante a
JME (art. 125, § 4º, CF).
Agora, com a novel Lei, além dos crimes previstos no CPM, também os delitos previstos na
legislação penal comum - como por exemplo, abuso de autoridade, tortura, disparo de arma de
fogo e outros crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, homicídio culposo ou lesões
corporais culposas na direção de veículo automotor e outros crimes previstos no Código de
Trânsito Brasileiro, crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Licitações
etc. -, quando praticado pelo militar numa das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM, são,
desde a publicação da Lei 13.491 de 16.10.17, considerados crimes militares. [...]
Agora, até mesmo o delito de induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (art. 122, CP), não
previsto no CPM, se ocorrido entre militares, por força da nova redação do inciso II do artigo 9º,
que engloba também os crimes previstos na legislação comum, conjugando-se com a alínea “a”
do citado dispositivo penal, será um crime militar e, portanto, de competência da JMU ou da JME,
conforme o jurisdicionado. Em relação ao crime militar de entorpecente que vincula sua prática
ao lugar sob administração militar (art. 290, CPM), algumas condutas nele tipificadas, como
“importar” e “exportar”, mas previstos no art. 33 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), se praticados
numa das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM, serão crimes militares, bem como todas as
outras condutas típicas previstas naquela Lei de Drogas quando estas sejam praticadas (art. 9º,
inciso II, alínea “c”, do CPM). Nestes casos, o agente será submetido à pena de 5 a 15 anos de
reclusão, bem superior àquela prevista para outras modalidades de tráfico de entorpecentes
previstas no CPM (1 a 5 anos de reclusão).
Os exemplos acima já nos revelam a dimensão do quanto a competência das Justiças Militares –
da União (JMU) e dos Estados (JME) -, foi ampliada, de forma que, agora, as instituições militares
por seus mecanismos de prevenção e repressão ao crime, em especial de seus integrantes, serão
mais atuantes na repressão dos crimes militares, pois se o militar vier a praticar crime militar -
não só os já previstos no CPM, mas também os crimes militares por extensão -, será incumbência
da Polícia Judiciária Militar (PJM - arts. 7º e 8º do Código de Processo Penal Militar (CPPM), por
meio do IPM (art. 9º a 28 CPPM) ou do Auto de Prisão em Flagrante Delito Militar (APFD - art.
243 a 251, CPPM), reprimir o crime exercendo a persecução penal, na fase da polícia,
correspondentemente, tudo com amparo constitucional (art. 144, § 4º, in fine). Frise-se, mais
uma vez, que quaisquer dos crimes acima, só serão considerados crimes militares por extensão,
se, e somente se, preenchidas uma das circunstâncias do artigo 9º, inciso II, alíneas “a, b, c, d ou
e”, do CPM, caso contrário continuarão considerados crimes comuns. Exemplo: Se um menor de
14 anos for obrigado a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso (art. 217-A, CP), por ação
de um militar, em hora de folga e fora do quartel, tratar-se-á de crime comum; se houver uma
pesca, em período de defeso, por um militar de folga e fora de local sob administração militar
(art. 34 da Lei 9.605/98), será um crime comum. Em consequência, é de se reconhecer, também,
que das novas figuras de crime militar (crimes militares por extensão), algumas são consideradas
crimes hediondos na forma da Lei 8.072/90, logo, teremos, ainda que de forma diminuta, em
alguns poucos crimes militares por extensão, uma subcategoria de crimes militares hediondos,
desde que praticadas numa das hipóteses do art. 9º, inciso II, do CPM, tais como estupro de
vulnerável (art. 217-A do CP), favorecimento a prostituição (art. 218-B, caput, §§ 1º e 2º) etc., o
que implicará e possibilitará uma série de efeitos penais e processuais, dentre eles, o
cumprimento da pena em regime inicialmente fechado, a progressão do regime prisional mais
severa, prisão temporária com prazo de trinta dias, prorrogáveis por mais trinta dias etc.6
Arremata o mesmo autor que ao “ampliar o rol de crimes militares, abarcando também os crimes
exclusivamente previstos na legislação comum (crimes militares por extensão), mas que se tornam militares
em face da tipicidade indireta das alíneas do inciso II do art. 9º do CPM, reflexamente promoveu a ampliação
da competência da Justiça Militar para essa nova categoria de crimes militares”.
RENATO BRASILEIRO faz a ressalva de que não será todo e qualquer crime previsto na legislação especial que
será considerado militar, acaso praticado nas condições do art. 9º, II (parte final) do CPM. Na visão do autor,
deve prevalecer a norma especial:
Ao fazer referência aos crimes previstos na legislação penal, o art. 9º, inciso II, in fine, do CPM,
não faz qualquer ressalva. Poder-se-ia concluir, então, que todo e qualquer crime previsto na
legislação penal será considerado crime militar, ainda que referida competência seja outorgada
a outra Justiça por norma constitucional ou por outra lei ordinária. Com tal assertiva não
podemos concordar. A uma porque, como espécie de lei ordinária, a Lei n. 13.491/17 não pode
se sobrepor à Constituição Federal no tocante à fixação de competência. A título de exemplo, se
a Constituição Federal dispõe que à Justiça Eleitoral compete o processo o julgamento dos crimes
eleitorais (CF, art. 121), é de todo evidente que o fato de um crime eleitoral ser praticado por
militar em serviço jamais terá o condão de atrair tal competência para a Justiça Militar. A duas
porque a Lei nº 13.491/17 e o Código Penal Militar hão de ser tratados como normas gerais em
relação à competência. Logo, se a própria legislação especial em questão outorgar a competência
para o processo e julgamento dos crimes nela previstos à outra Justiça, parece-nos indevido o
deslocamento da competência para a Justiça Militar.
Enfim, eventual norma especial sobre competência prevista na própria legislação penal deve
prevalecer sobre a norma geral leia-se, ao Código Penal Militar. É o que ocorre, por exemplo,
com os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Se a própria Lei n. 7.492/86 (art. 26) dispõe
que recai sobre a Justiça Federal a competência para o processo e julgamento de tais delitos, o
que faz com base no permissivo do art. 109, VI, da Constituição Federal, é de se concluir que tal
6
https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/2018/01/20/Os-delitos-militares-por-extens%C3%A3o-e-a-nova-
compet%C3%AAncia-da-justi%C3%A7a-militar-Lei-1349117
dispositivo funciona como norma especial sobre o art. 9º, inciso II, do CPM. Destarte, sem
embargo de opiniões em sentido contrário, a leitura mais adequada do inciso II do art. 9º do CPM
deve ser a seguinte: “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, mas
desde que não haja previsão constitucional e/ou legal outorgando referida competência à outra
Justiça, quando praticados:” (Lima, 2021).
3.1 - Crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares
contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares
das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados
no contexto:
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não
beligerante; ou
Há se perceber a distinção operada pela lei no que se refere ao crime doloso contra a vida cometidos por
militares contra civis: se o agente for militar das Forças Armadas, em determinados contextos (bastante
abrangentes), a competência será da Justiça Militar da União; ao contrário, nos demais casos, em especial
de agente militar estadual, a competência será do Tribunal do Júri.
Significa dizer que a lei criou um tratamento diferenciado conforme o militar seja estadual ou
membro das forças armadas. O policial militar estadual – em atividade – que cometa crime
doloso contra a vida de civil, segue sendo julgado no tribunal do júri. A nova lei atinge apenas os
militares das forças armadas que, nas chamadas “missões de garantia da lei e da ordem”,
cometam crimes dolosos contra a vida de civis. Neste caso, eles serão julgados na justiça militar
da União e não no tribunal do júri. É verdade que parte da doutrina e inclusive da jurisprudência
A competência do Tribunal do Júri nos casos dos militares dos Estados encontra guarida na própria
Constituição Federal, que excepciona, de forma expressa, essa espécie de infração penal no art. 125:
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Importante perceber que o art. 90, § 20, do CPM, incluído pela Lei n. 13.491/17, outorga essa
competência para o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por
militares contra civis exclusivamente à Justiça Militar da União. E nem poderia ser diferente, sob
pena de manifesta inconstitucionalidade. Afinal, ao tratar da competência da Justiça Militar
Estadual, a própria Constituição Federal já ressalva a competência do Júri quando a vítima for
civil (art. 125, § 40). Por isso, o novel dispositivo do CPM faz referência apenas à Justiça Militar
da União e aos militares das Forças Armadas. Aliás, mesmo que um crime doloso contra a vida
de civil seja cometido em coautoria por um militar do Exército e outro da Polícia Militar em
serviço — como, por exemplo, durante uma atuação conjunta da Força Nacional de Segurança -,
a separação dos feitos será de rigor. Aquele será julgado pela Justiça Militar da União; este pelo
Tribunal do Júri. A uma porque a Constituição Federal é explícita ao ressalvar a competência do
júri em relação aos militares estaduais. A duas porque o art. 90, § 20, do CPM, incluído pela Lei n.
13.491/17, é categórico ao conferir essa competência apenas em relação aos militares das Forças
Armadas. A outorga dessa nova competência à Justiça Militar da União para o processo e
julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra
civis não se revela incompatível com a competência constitucional do Júri. Por mais que a
Constituição Federal atribua ao Tribunal do Júri a competência para o processo e julgamento dos
crimes dolosos contra a vida (CF, art. 50, XXXVIII, "d"), essa mesma Constituição também dispõe
que compete à Justiça Militar da União o julgamento dos crimes militares definidos em lei (art.
124, caput). Logo, por força do princípio da especialidade, se a Lei n. 13.491/17 optou por
outorgar essa competência à Justiça Castrense Federal, não há falar em inconstitucionalidade
por tal motivo. De mais a mais, como exposto anteriormente, diversamente do que ocorre em
relação à Justiça Militar Estadual (CF, art. 125, § 40), ao tratar da competência da Justiça Militar
da União, a Constituição Federal não faz nenhuma ressalva quanto à competência do júri quando
a vítima for civil. A Lei n. 13.491/17 não instituiu um Tribunal do Júri no âmbito da Justiça Militar
da União. Na verdade, se o crime doloso contra a vida cometido por militar das Forças Armadas
contra civil for cometido num dos contextos elencados nos incisos do § 20 do art. 90 do CPM, tal
delito continuará sendo julgado por um Conselho de Justiça (Permanente ou Especial). A nosso
juízo, nada impede a criação de um Tribunal do Júri Militar. Porém, para tanto, há necessidade
de alteração legislativa. Afinal de contas, é a própria Constituição Federal que reconhece a
instituição do júri, com a organização que lhe der a lei (art. 50, XXXVIII). Diversamente da Justiça
Estadual (CPP, arts. 406 a 497) e da Justiça Federal (art. 40 do Dec. Lei n. 253/67), a organização
do Júri no âmbito da Justiça Militar não foi objeto de organização pela Lei n. 13.491/17. Logo,
não se pode concluir que a outorga de competência para o processo e julgamento de crimes
dolosos contra a vida tenha o condão de suprir tal lacuna (Lima, 2021).
Quanto à competência criminal, como dito, ambas atuam somente em relação aos crimes militares, embora
tenham uma organização judiciária diferenciada. Justiça Militar estadual, em relação aos militares dos
Estados, nos termos do art. 125, § 4º da Constituição Federal.
Diante dessa específica competência, em havendo conexão de crime militar com crime comum deve se
operar a separação dos processos, nos termos do CPP:
Nesse sentido a Súmula nº 90 do STJ: compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar
pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.
Ainda em relação à distinção entre as duas Justiças Militares no tocante à competência criminal,
é de todo conveniente destacar que a Justiça Militar Estadual não tem competência para o
processo e julgamento de eventual crime doloso contra a vida cometido por militar estadual,
ainda que em serviço, contra civis. É nesse sentido, aliás, o art. 125, § 4º, da Constituição Federal,
com redação determinada pela EC n. 45/04, segundo o qual compete à Justiça Militar Estadual
processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações
judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for
civil.
Em sentido diverso, ao tratar da competência da Justiça Militar da União, o art. 124 da Carta
Magna não contempla ressalva semelhante. Não por outro motivo, a Lei n. 13.491/17 deliberou
por ampliar a competência da Justiça Militar da União para o processo e julgamento de crimes
dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civis (Lima, 2021).
Sintetizando algumas questões relevantes, mas sem o aprofundamento que seria mais apropriado no estudo
do processo penal militar, trazemos um quadro comparativo, de autoria de RENATO BRASILEIRO (2021), entre a
Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual:
Por outro lado, com olhos no inciso III do art. 9º do CPM, é importante notar que mesmo uma pessoa comum,
um civil, pode ser julgado pela Justiça Militar da União, mas não pela Justiça Militar do Estado. Essa distinção
começa pela Constituição Federal, art. 125:
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei [...].
A própria Constituição restringiu a competência da Justiça Militar estadual para os militares (dos Estados),
de maneira que qualquer norma que a ampliasse para os civis seria inconstitucional. A situação é diferente
para a Justiça Militar da União, para a qual (art. 124 da Constituição Federal) não se faz essa restrição, falando
apenas em crimes militares.
AURY LOPES JR. levanta um questionamento importante: pode um civil ser julgado pela Justiça Militar Federal?
Antes da Constituição de 1988 não havia essa possibilidade, porque era adotado um critério
objetivo e subjetivo (exigia-se que o agente fosse militar e tivesse praticado um crime militar).
Após a Constituição de 1988 a situação mudou, num grave retrocesso por vacilo do legislador
constituinte. Como o art. 124 da Constituição remete para “crimes militares definidos em lei”,
acaba por transferir para o art. 9º, III do Código Penal Militar a definição da matéria e pessoa, e
como o art. 9º prevê a possibilidade de um civil cometer um crime militar, a resposta agora é:
sim, pode um civil ser julgado na Justiça Militar da União, desde que presentes as situações
previstas no art. 9º do CPM. Exemplo: um grupo de pescadores foi surpreendido dentro de uma
área militar (exército). Foram julgados e condenados pela Justiça Militar Federal pela prática do
delito de ingresso clandestino em área de manobras militares (art. 302 do CPM). [...] Pode um
civil ser julgado na Justiça Militar Estadual? Não. Ao contrário da justiça militar federal, aqui a
Constituição adotou um critério objetivo-subjetivo. Ou seja, deve ser crime militar praticado por
militar do Estado (policiais militares bombeiros ou policiais rodoviários estaduais), descartando
completamente a possibilidade de um civil ser julgado na Justiça Militar Estadual (Júnior, 2021).
Como o civil não pode ser processado e julgado pela Justiça Militar Estadual, caso pratique
determinado delito contra as instituições militares estaduais, será processado na Justiça comum
se os fatos por ele praticados encontrarem definição na lei penal comum. É nesse sentido o teor
da súmula nº 53 do STJ (“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de
prática de crime contra instituições militares estaduais”). Na mesma linha, eis o teor da súmula
nº 30 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Conexos os crimes praticados por policial militar
e por civil, ou acusados estes como coautores pela mesma infração, compete à Justiça Militar
Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime militar (CPM, art. 9º) e à Justiça Comum,
o civil”. Dessa forma, como a competência da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal
está circunscrita aos militares estaduais ou distritais, mesmo que determinado delito seja
praticado em coautoria, deverá haver a separação de processos, sendo o militar estadual julgado
pela prática do crime militar perante a Justiça Militar, e o civil pela prática do crime comum
perante a Justiça Comum.
agente pela prática de um crime militar. Essa condição de militar estadual deve ser aferida por
ocasião da prática do crime (tempus delicti). Assim, caso um policial militar da ativa pratique um
crime militar, eventual exoneração antes da instauração do inquérito policial militar não terá o
condão de alterar a competência da Justiça Militar Estadual. A competência deve ser fixada,
portanto, em relação à qualidade que o agente apresentava no momento do cometimento do
fato, não podendo ser alterada por conta de alteração fática posterior (v.g., exoneração) (Lima,
2021).
Súmula nº 6 do STJ: compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de
trânsito envolvendo viatura de polícia militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação
de atividade. Entendimento superado (overruling). Eis a explicação:
Ora, como a nova competência da Justiça Militar passou a abranger os crimes previstos na
legislação especial, se o militar estiver em serviço e praticar, por exemplo, um crime de homicídio
culposo na direção de veículo automotor, deverá ser denunciado perante a Justiça Militar pela
prática do crime do art. 302 da Lei n. 9.503/97 c/c o art. 9º, II, alínea “c”, do Código Penal Militar,
pouco importando se a vítima é civil ou militar (Lima, 2021).
Súmula nº 75 do STJ: compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de
promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal.
Até a vigência da Lei nº 13.491/17, referido enunciado era interpretado no seguinte sentido: se
o militar em serviço promovesse ou facilitasse a fuga de preso de estabelecimento penal de
natureza militar (v.g., o presídio militar Romão Gomes abriga policiais militares presos em São
Paulo), o agente seria processado perante a Justiça Militar pela prática do crime do art. 178 do
CPM; se o estabelecimento penal em questão não fosse militar (v.g., Centro de Detenção
Provisória de Guarulhos), o delito seria o do art. 351 do Código Penal Comum, logo, de natureza
comum. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 13.491/17, esse crime previsto na legislação
penal, in casu, no art. 351 do Código Penal, também poderá ser julgado pela Justiça Militar, se
acaso praticado numa das condições do inciso II do art. 9º do CPM. Portanto, com as mudanças
produzidas pela Lei n. 13.491/17, a súmula n. 75 do STJ deve ser lida nos seguintes termos:
“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime de promover
ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal (CP, art. 351), mas desde que o agente não
se encontre em uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. (Lima, 2021).
Súmula nº 90 do STJ: compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do
crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele. Continua válida, todavia,
BRASILEIRO recomenda cautela na sua interpretação:
Antes da Lei n. 13.491/17, justificava-se a separação dos processos porque nem sempre esse
crime era simultâneo ao delito militar que estava previsto no Código Penal Militar. Logo, se o
militar praticasse em serviço, por exemplo, um crime de lesão corporal e outro de abuso de
autoridade, dar-se-ia a separação dos processos. Por se tratar de crime previsto no CPM (art.
209), a lesão corporal era julgada pela Justiça Militar. Por se tratar de crime que não estava
previsto no CPM, mas sim na legislação especial (Lei n. 4.898/65), o abuso de autoridade era
crime comum, logo, da competência da Justiça Comum. Com as mudanças produzidas pela Lei n.
13.491/17, essa conduta delituosa – no nosso exemplo, abuso de autoridade – simultânea ao
crime militar (v.g. lesão corporal) também passa a funcionar como crime militar. Deveras, se o
militar praticou um crime militar, é porque provavelmente se encontra em uma das hipóteses do
inciso II do art. 9º do CPM (v.g. militar em serviço). Logo, dificilmente este crime simultâneo não
terá sido praticado nas mesmas condições. Destarte, se esse crime simultâneo ao crime militar
for praticado numa das condições do inciso II do art. 9º, é de se concluir que a Lei n. 13.491/17
passou a lhe conferir a natureza de crime militar. Por conseguinte, não haverá mais a necessidade
de desmembramento dos feitos, porque ambas as condutas delituosas passaram a ser crimes
militares. De todo modo, é possível que esse crime simultâneo ao crime militar continue
ostentado natureza comum, mesmo após o advento da Lei n. 13.491/17. É o que ocorre, por
exemplo, com os crimes de lavagem de capitais, porquanto a própria lei n. 9.613/98 (art. 2º, III)
outorga competência para o processo e julgamento desses delitos à Justiça Estadual, salvo se
praticado em detrimento do sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, ou quando a infração penal antecedente for da competência da Justiça
Federal. Supondo, assim, que um militar pratique um crime militar de peculato em detrimento
do patrimônio sob a administração militar (CPM, art. 303, c/c, art. 9º, II, “e”), eventual lavagem
subsequente jamais poderá ser tratada como crime militar, porquanto a própria Lei n. 9.613/98
outorga a referida competência à outra Justiça. Logo, por se tratar de crime comum, continuam
válidos os dizeres da súmula n. 90 do STJ. É dizer, a lavagem será julgada pela Justiça Comum, ao
passo que o crime militar de peculato deverá ser julgado pela Justiça Militar. Afinal, da mesma
forma que a Justiça Militar não pode julgar um crime comum, ainda que conexo ao crime militar,
a Justiça Comum também não pode julgar um delito militar, ainda que conexo ao ilícito comum
(Lima, 2021).
Súmula 172 do STJ: compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade,
ainda que praticado em serviço.
Este verbete foi superado com a ampliação do rol de crimes tidos por militares. O abuso de autoridade não
está previsto no CPM, mas, quando praticado por militar em serviço, por força da nova redação do inciso II
do art. 9º, será considerado um crime militar por extensão, cuja competência, agora, é da Justiça Militar e
não mais da Comum.
Logo, se praticado por militar em serviço, por exemplo, abuso de autoridade consubstanciado
em atentado à liberdade de locomoção, o agente deverá ser denunciado pela prática do agora
crime militar do art. 3º, “a”, da Lei n. 4.898/65, c/c art. 9º, II, “c”, do CPM, perante a Justiça Militar
da União – se militar das Forças Armadas -, ou perante a Justiça Militar dos Estados – se militar
estadual (Lima, 2021).
A lei em referência trata tanto de questões de direito material (quando amplia o rol de crimes militares, por
exemplo) quanto de questões de direito processual (quando estende a competência); nessa condição, com
natureza mista, opera o fenômeno da heterotopia, na medida em que mesmo estando num diploma de
feição material (Código Penal Militar) acaba por regulamentar aspectos processuais.
Quando se verifica dos seus efeitos, portanto e como adverte ROTH, há se ter isso em mente:
Assim, por exemplo, em relação ao aspecto penal haverá incidência do princípio constitucional
da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5º, XL, CF), e, em relação ao aspecto processual
haverá a aplicação imediata da lei (pelo princípio tempus regit actum), independentemente de
ser ou não mais benéfica ao réu, devendo os atuais inquéritos e processos da justiça comum
serem remetidos para a justiça militar, como ocorreu inversamente à época da edição da Lei
9.299/96, cujos processos da justiça militar foram remetidos para a Vara do Júri. Destarte, desde
a edição da Lei 13.491/17, as infrações penais da legislação penal comum praticadas pelo agente
militar numa das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM se converteram em crimes militares por
extensão. [...] Ainda sob o aspecto processual, quanto ao Juiz Natural dos crimes militares por
extensão, se já houver sentença sobre o crime, fixado estará o Juiz Natural perante o Tribunal
correspondente da Justiça Comum (federal ou estadual), como já decidiu o STJ no HC 21.579-SP,
Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, J. 18/3/2003.
Logo, como se trata de lei processual que altera regras de competência, a Lei n. 13.491/17
deve ter aplicação imediata aos processos em andamento, salvo se já houver sentença
relativa ao mérito, hipótese em que o processo deve seguir na jurisdição em que ela foi
prolatada, ressalvada a hipótese de supressão do Tribunal que deveria julgar o recurso.
Enfim, como se trata de norma processual que altera a competência em razão da matéria, não
se pode admitir a perpetuação da competência. Afinal, como preceitua o art. 43 do novo CPC,
subsidiariamente aplicável ao processo penal comum e militar, “determina-se a competência no
momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do
estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário
ou alterarem a competência absoluta”. Por consequência, se o crime praticado por militar em
serviço previsto na legislação penal, outrora considerado crime comum, estava em tramitação
perante a Justiça Comum (Estadual ou Federal), a entrada em vigor da Lei n. 13.491/17 deverá
provocar a imediata remessa do feito à Justiça Militar da União (ou dos Estados).
A ressalva a esse deslocamento imediato da competência fica por conta dos feitos nos quais, à
época da vigência da Lei n. 13.491/17 (16/10/2017), já havia sentença relativa ao mérito. Nesses
casos, o processo deverá continuar tramitando na Justiça de origem, sob pena de violação à
competência recursal. Exemplificando, se um crime previsto na Lei de Licitações cometido por
militar das Forças Armadas em serviço já contava com sentença relativa ao mérito proferida pela
1ª instância da Justiça Federal no dia 16 de outubro de 2017, eventual apelação deverá ser
apreciada pelo respectivo Tribunal Regional Federal, jamais pelo Superior Tribunal Militar, sob
pena de se admitir que o órgão de 2ª instância da Justiça Militar da União funcione como Tribunal
de Apelação no âmbito da Justiça Federal.
Noutro giro, no caso da Justiça Militar Estadual, a controvérsia só terá relevância naqueles
Estados da Federação que são dotados de Tribunal de Justiça Militar — Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e São Paulo —, vez que, em relação aos demais Estados, o juízo ad quem é o mesmo para
a Justiça Comum Estadual e para a Justiça Militar Estadual, qual seja, o respectivo Tribunal de
Justiça. Assim, se já houvesse sentença relativa ao mérito proferida pela Justiça Comum Estadual
de Minas Gerais, por exemplo, pela prática de crime de porte ilegal de arma de fogo por militar
estadual em serviço, eventualapelação interposta contra a referida decisão deverá ser apreciada
pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e não pelo Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais,
sob pena de violação da competência funcional por grau de jurisdição.
Esse deslocamento imediato da competência à Justiça Militar (da União ou dos Estados) haverá
de ser feito sem prejuízo da observância do princípio da irretroatividade da lex gravior (ou
ultratividade da lei penal mais benéfica) pelo Juiz de Direito do Juízo Militar Estadual ou pelos
respectivos Conselhos de Justiça. Explica-se: a depender do caso concreto, o tratamento
dispensado a determinado fato delituoso, se considerado crime comum, é mais benéfico sob o
ponto de vista do direito do que aquele que lhe é conferido se tratado como crime militar. Tome-
se como exemplo o delito de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, que tem pena
privativa máxima de 6 (seis) meses (art. 6º, § 3º, "b"). Antes da vigência da Lei n. 13.491/17, ainda
que o referido delito fosse cometido por militar em serviço, ter-se-ia crime da competência da
Justiça Comum (súmula n. 172 do STJ), porquanto referida conduta delituosa não era considerada
crime militar pelo fato de não estar prevista no Código Penal Militar. Como crime comum que era
- na verdade, trata-se de verdadeira infração de menor potencial ofensivo, já que a pena
cominada não é superior a dois anos —, o autor do delito faria jus a inúmeros benefícios, tais
como a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95 (v.g., transação penal,
suspensão condicional do processo, etc.), substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos na eventualidade de uma condenação, etc. A partir do momento em que tal
se transforma em crime militar, o tratamento dispensado pelo Direito Castrense material lhe é
bem mais gravoso. Primeiro, porque não se admite a aplicação da Lei dos Juizados aos crimes
militares (Lei n. 9.099/95, art. 90-A). Segundo, porque o Código Penal Militar não prevê a
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O que fazer,
então, nessas hipóteses? Permitir que um crime militar continue sendo julgado na Justiça
Comum? Não parece ser a melhor solução, sob pena de se admitir que uma mudança de
competência em razão da matéria, logo, absoluta, não tenha aplicação imediata aos processos
em andamento, o que viria de encontro ao princípio do juiz natural. Revela-se mais adequada,
portanto, a aplicação imediata do novo regramento acerca da competência, com o consequente
deslocamento dos feitos para a Justiça Militar, sem prejuízo da aplicação da lex mitior pelo Juiz
de Direito do Juízo Militar (ou pelos Conselhos de Justiça). Assim, no exemplo acima narrado, o
agente seria julgado pela Justiça Militar. Porém, faria jus a todos os benefícios do direito material
acima descritos, respeitando-se, assim, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa
(Lima, 2021).
Doutrina complementar
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “À Justiça Militar da
União compete o julgamento dos militares pertencentes às forças armadas (exército, marinha e
aeronáutica), que possuem atuação em todo o território nacional. Essa Justiça está constituída
da seguinte forma: 1º grau – auditorias e conselhos permanentes de justiça e conselho especial
de justiça. 2º grau – é o Superior Tribunal Militar. A competência dessa Justiça Especial está
prevista no art. 124 da Constituição: (...). [...] A competência da Justiça Militar Estadual está
prevista no art. 125, § 4º, da Constituição: (...). [...] E se o militar do Estado (PM, bombeiro ou
policial militar estadual) praticar, em situação de atividade, um crime doloso contra a vida de um
civil, será julgado pelo tribunal do júri ou pela justiça militar estadual? Será julgado na justiça
comum estadual pelo tribunal do júri. Quanto à sua estrutura, em primeiro grau os crimes serão
julgados pelos juízes de direito do juízo militar, desde que praticados contra civis. Quando for
crime militar praticado contra militar, caberá a competência ao Conselho de Justiça, presidido
pelo juiz de direito (militar). Em segundo grau, o julgamento caberá aos Tribunais de Justiça
Militar ou, na sua falta, aos Tribunais de Justiça dos estados”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), a respeito da
mudança legislativa e os efeitos que esta produziu na competência do Tribunal do Júri em relação
aos militares, assevera: “Ainda, no § 1º do art. 9º, a Lei n. 13.491/2017 reafirmou a competência
constitucional (art. 125, § 4º, CF) do Tribunal do Júri para o processamento e julgamento dos
crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civil: ‘§ 1º Os crimes de que trata
este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da
competência do Tribunal do Júri’. Vale registrar que o dispositivo em comento reforça o disposto
no art. 82, § 2º, do Código de Processo Penal Militar: ‘§ 2º: Nos crimes dolosos contra a vida,
praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça
comum’. Dessa forma, o crime será apurado pela polícia judiciária militar, através do Inquérito
Policial Militar, com o encaminhamento dos respectivos autos à justiça militar, que então fará a
posterior remessa para a justiça comum. Atenção: o termo ‘militares’ empregado pelo
dispositivo legal refere-se aos militares estaduais, ou seja, policiais e bombeiros militares.
Finalmente, no § 2º do art. 9º, temos outra mudança significativa, haja vista que o citado
dispositivo legal amplia a competência da justiça militar federal, senão vejamos. Dispõe o § 2º:
‘Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das
Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no
contexto:(...)’. Note-se que a aplicação deste dispositivo refere-se especificamente às Forças
Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea), uma vez que, no caso dos militares estaduais, a
competência continua sendo do Tribunal do Júri, conforme alhures explicitado. Nesse caso, antes
da mudança promovida pela Lei n. 13. 491/2017, a competência era da justiça comum (tribunal
do júri), sendo que com a atual redação, a competência passou a ser da Justiça Militar da União
(ampliação da competência da Justiça Militar da União), devendo observar que a conduta deve
ter sido praticada no contexto dos incisos I-III e respectivas alíneas do parágrafo em tela, pois, do
contrário, a competência é do Tribunal do Júri”. [...] Sobre outros pontos da competência
criminal da Justiça Militar, pontua: “Excepcionando-se o quanto alterado pela Lei n.
13.491/2017, já exposto, temos que a justiça militar também é a competente para: (i) processar
e julgar os integrantes das polícias militares nos delitos assim definidos em lei, bem como as
ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada, nos crimes dolosos contra a vida, a
competência do júri quando a vítima for civil (apenas nos casos dos militares estaduais, já que no
caso das Forças Armadas a competência será da Justiça Militar da União, conforme já
mencionado – alteração dada pela Lei n. 13.491/2017), cabendo ao tribunal competente decidir
sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (CF, art. 125, § 4º).
Excetuados os crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, de competência do júri
popular (militares estaduais) ou da Justiça Militar da União (Forças Armadas), os demais crimes
militares serão julgados pela própria Justiça Militar, observando-se que: (i.1) se cometidos contra
militar (militar × militar), caberá o julgamento em primeiro grau ao Conselho de Justiça, órgão
colegiado heterogêneo composto por juízes de carreira (togados) e juízes fardados; (i.2) sendo o
crime militar cometido contra vítima civil, a decisão de primeira instância competirá,
exclusivamente, aos juízes militares de carreira, singularmente, nos termos do § 5º do art. 125,
ou seja, em decisão monocrática, afastando-se a participação do órgão colegiado e, portanto,
sem a participação de militares de carreira no julgamento (apenas para militares estaduais); (ii)
processar e julgar os delitos cometidos em lugares sujeitos à Administração militar (nesse
sentido: STJ, 3ª Sec., CComp 5.524-0/RS, rel. Min. José Dantas, v. u., DJ, 18 mar. 1996); (iii) julgar
os crimes de favorecimento pessoal, mas somente quando se imputa ao favorecido um crime
militar (nesse sentido: STJ, 3ª Sec., CComp 10.250-0/SP, rel. Min. Edson Vidigal, v. u., DJ, 30 out.
1995)”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), acerca da
composição da Justiça Militar, aduz: “1) Justiça Militar dos Estados: é constituída pelos juízes de
direito e pelos Conselhos de Justiça, e em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por
Tribunal de Justiça Militar nos Estado em que o efetivo seja superior a vinte mil integrantes (§ 3º,
art. 125, CF), tendo competência para apreciar os crimes militares praticados por policiais
militares e bombeiros militares. Logo, não julga civil. Neste sentido, a súmula nº 53 do STJ:
‘Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra
instituições militares estaduais’. * Competência territorial da Justiça Militar Estadual: é definida
pelo local onde o policial estadual desempenha as suas funções, independente do Estado da
federação onde o crime veio a consumar-se. Assim, um PM do Estado da Bahia que pratica crime
militar em Sergipe, será julgado pela Justiça Militar Estadual baiana – súmula nº 78 do STJ:
‘compete à Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito
tenha sido praticado em outra unidade federativa’. 2) Justiça Militar Federal: é composta pelos
Conselhos de Justiça, especial e permanente, sendo órgão colegiado que atuará nas sedes das
Auditorias Militares. Como órgão de instância superior, temos o Superior Tribunal Militar (STM).
A Justiça Castrense Federal tem competência para julgar os membros das Forças Armadas, e além
deles, os civis que incorram em crime militar”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018) elabora e responde alguns
questionamentos em relação à competência da Justiça Militar após o advento da lei 13.491/2017,
exemplificando e elucidando o estado atual dessa questão: “1º Caso. Militar estadual, no
exercício da função ou não, que comete crime de homicídio doloso contra civil. Qual o órgão
jurisdicional que irá julgá-lo? Resposta. Tribunal do Júri (art. 9º, § 1º, do CPM). § 1º Os crimes de
que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão
da competência do Tribunal do Júri. (Incluído pela Lei no 13.491, de 2017). 2º Caso. Militar
estadual, no exercício da função, que comete crime de homicídio doloso contra militar em
atividade. Resposta. Auditoria da justiça militar (art. 9º, § 1º, do CPM). A regra do parágrafo é
clara: contra civil. No caso em tela, a pergunta se refere a militar. 3º Caso. Militar das Forças
Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) que comete crime doloso contra a vida contra civil
por discussão de trânsito (ou discussão de vizinhança no condomínio em que moram; ou por
motivos pessoais num bar, isto é, fora do exercício da função). Qual o órgão jurisdicional
competente para julgá-lo? Resposta. Justiça comum estadual: tribunal do júri. A hipótese não se
amolda ao § 2º do art. 9º do CPM. 4º Caso. Militar das Forças Armadas (Exército, Marinha e
Aeronáutica) que comete crime doloso contra a vida de civil no contexto especificado no § 2º do
art. 9º do CPM. Qual o órgão jurisdicional competente para julgá-lo? Resposta. Justiça Militar da
União. Nesse caso está a novidade da Lei no 13.491/2017: os militares das Forças Armadas serão
julgados pela Justiça Militar da União e não mais pelo tribunal do júri, como era por força da Lei
nº 9.299/1996”. A respeito das mudanças provocadas pela lei 13.491/2017 sobre os crimes
militares, sustenta: “A Lei no 13.491/2017 ampliou o conceito de crime militar impróprio, isto é,
não são mais apenas aqueles previstos no Código Penal Militar, embora também o fossem com
igual definição na legislação penal comum, mas sim também todo e qualquer crime previsto na
legislação penal (Estatuto do Desarmamento, Lei de Drogas, Abuso de Autoridade, Lei Maria da
Penha etc.). Nesse sentido, se o policial militar, em serviço, cometer um crime de porte ou posse
de arma previsto no Estatuto do Desarmamento, ele será investigado pela corporação policial
militar, por meio do competente inquérito policial militar, e processado e julgado perante a
auditoria da justiça militar, e não mais perante a justiça comum estadual. Da mesma forma, se,
em serviço, o policial militar praticar o crime de abuso de autoridade, antes afeto à justiça comum
estadual, agora será investigado pela corporação policial militar, por meio do competente
inquérito policial militar, e julgado perante a auditoria da justiça militar, doravante chamada de
AJM. Tudo porque a lei fala em “e os previstos na legislação penal”, remetendo o intérprete para
os crimes previstos fora do âmbito do Código Penal Militar, o que antes, pela redação do CPM,
não era feito”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Primeiramente, a
referida lei altera substancialmente o artigo 9º do Código Penal Militar, dando nova definição aos
crimes militares, ampliando o rol desses delitos e deslocando a competência da justiça comum
para a justiça militar estadual, aumentando, portanto, sua competência. Senão, vejamos. A
antiga redação dispunha: ‘Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes
previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum,
quando praticados: (...)’, ao passo que a redação atual consigna que ‘art. 9º Consideram-se
crimes militares, em tempo de paz: II- os crimes previstos neste Código e os previstos na
legislação penal, quando praticados: (...)’ (grifo nosso). Daí se infere que, pela redação original,
somente seria crime militar e, consequentemente, investigado, processado e julgado pela justiça
militar, a conduta que estivesse tipificada no Código Penal Militar, embora também pudesse
estar prevista aquela mesma conduta na legislação penal comum. Assim, crimes praticados por
militares que estavam previstos apenas na legislação penal comum e extravagante ficavam fora
do alcance daquela justiça especializada, sendo apurados (via inquérito policial), processados e
julgados pela justiça comum. Atualmente, crime militar, e portanto investigado, processado e
julgado pela justiça militar seria não só aquele previsto na legislação específica (CPM), mas
também o previsto na legislação penal comum e em lei extravagante, abarcando, por exemplo,
os crimes de tortura, abuso de autoridade, associação em organização criminosa, etc. Ou seja, o
art. 9º, com redação alterada pela Lei n. 13.491/2017, deu uma nova definição aos crimes
militares, bem como ampliou o rol desses delitos”.
A ideia que fundamentou a criação de uma competência específica criminal para a Justiça Federal
é a de que deveria existir uma Justiça Especializada quando, em determinadas causas
expressamente previstas na Lei Maior, estivesse em jogo os interesses da União, afetados pelo
cometimento de crimes em detrimento de seus órgãos centralizados ou descentralizados; os
crimes políticos que possam colocar em risco as Instituições do Estado Democrático de Direito,
ou ainda para que se dê efetividade ao teor das convenções e tratados internacionais celebrados
pelo Brasil. Essa é a fonte inspiradora que originou a previsão da competência criminal da Justiça
Federal (Campos, 2018).
A Justiça Federal (composta por TRFs e juízes federais, art. 106 da CF) está dentro da modalidade de Justiça
Comum, mas no âmbito da União. Julga uma generalidade de infrações penais, que não sejam específicas e
não estejam dentro da alçada de uma Justiça Especializada (Eleitoral, Militar). É comum por não ser especial,
por não estar voltada a um tipo de matéria.
“Todavia, os critérios de determinação de sua competência são, também, de direito estrito, porque guardam
um certo grau de especialidade em relação à Justiça Estadual, que é a mais comum de todas, e tem, em
relação a ela, precedência” (Jardim, 2003).
Em outros termos, podemos compreender que a competência da Justiça Federal é expressa e taxativa, ao
passo que a competência da Justiça Estadual é residual.
A competência da Justiça Federal é estabelecida na Constituição Federal, nos artigos 108 e 109. No que diz
respeito à primeira instância criminal, a competência é estabelecida nas seguintes disposições
constitucionais, com destaque para o inciso IV que dá conta da maior parte dos casos:
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o
sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
Antes de começar a analisar as situações de competência federal (com base na Constituição Federal), vale
transcrever o alerta de NORBERTO AVENA:
[...] nem todas as Comarcas são, também, sedes da Justiça Federal. Pelo contrário. A maioria
delas não é atendida por Juízes Federais. Tal circunstância, por si, não significa que os crimes da
alçada da Justiça Federal serão julgados pela Justiça Estadual. A competência permanece federal.
Logo, a definição da Subseção Judiciária Federal a que está vinculado o município em que o crime
ocorreu condiciona-se ao exame dos Regimentos Internos e provimentos editados pelo Tribunal
Regional Federal na respectiva área de atuação. Por exemplo, um crime federal ocorrido na
cidade de Piratini, no Rio Grande do Sul, será processado e julgado perante a Subseção Judiciária
localizada na cidade de Pelotas. Já um delito federal praticado em Rolândia, no Paraná, será
processado e julgado perante a Subseção Judiciária localizada em Londrina. E assim por diante.
Em termos de estrutura da Justiça Federal, tem-se o seguinte: Os Órgãos de Primeiro Grau são
os Juízes Federais que oficiam nas respectivas varas. Estas varas são distribuídas em subseções
judiciárias (cidades-sede de Justiça Federal), as quais integram seções judiciárias (Estados). Das
decisões dos Juízes Federais, havendo previsão, cabe recurso para o Tribunal Regional Federal. E
as decisões desse Tribunal, nos casos previstos, comportam recursos para o Superior Tribunal de
Justiça e para o Supremo Tribunal Federal (Avena, 2020).
Crimes políticos – ao largo de controvérsias, seriam os crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional
(7.170/1983) e, mais que isso, praticados por motivação política, enquadrando-se também, portanto, nos
requisitos do art. 2º da Lei 7.170/1983:
Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
Art. 2º - Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal
Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:
Nesse contexto, importante destacar a compreensão do STF em relação ao tema (conforme precedente
abaixo), que destaca:
✓ a mudança de competência operada com a Constituição de 1988 (Justiça Militar para Justiça Federal);
✓ a alteração da denominação desses crimes (contra a segurança nacional para ‘crime político’);
✓ a sistemática recursal própria, com o STF atuando como órgão de segundo grau de jurisdição (para
julgar eventuais apelações);
✓ a necessidade de i) tipificação e de ii) especial fim de agir (dolo específico, motivação política) para
caracterização do crime político.
Sob a égide da Constituição Federal anterior, incumbia à Justiça Militar a competência para
julgamento dessa ordem de delitos. Entretanto, com o advento da atual Carta Política,
estabeleceu-se que competem à Justiça Federal o processo e o julgamento dos crimes contra a
segurança nacional, conforme se observa do inciso em exame. Assim, não recepcionada a norma
do art. 30 da Lei 7.170/1983.
Observe-se que o art. 102, II, “b”, da Constituição Federal dispõe que compete ao Supremo
Tribunal Federal julgar em recurso ordinário o crime político. Da exegese dessa disposição
depreende-se que, mesmo no tocante à sentença proferida por Juiz federal em relação a crime
político, não caberá recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal, mas sim recurso ordinário
constitucional ao Supremo Tribunal Federal (Avena, 2020).
A doutrina define como crimes políticos “os dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra
o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais. São os crimes contra a segurança
nacional” (Rangel, 2018).
Infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas – toda infração penal, à exceção das contravenções, que atingir o
patrimônio da União, suas autarquias e empresas públicas serão da competência federal.
[...] a questão não oferece maiores dificuldades pelo fato de ser extremamente simples a
identificação do patrimônio de tais entes públicos, necessariamente objeto de registro e
cadastramento particularizado junto à respectiva Administração. Embora não haja referência
expressa no texto constitucional, deve aí ser incluída a fundação pública federal, já que, em
última análise, a lesão atingirá o interesse da União, instituidora e mantenedora daquela. Quanto
à identificação dos serviços, a solução pode não ser tão simples, mas ainda assim é perfeitamente
acessível. Por exemplo: o assassinato de um policial federal (ou de um auditor da Receita Federal
ou do INSS) em razão de sua função, isto é, motivado pelo simples fato de sua atuação funcional,
reclama a competência do Tribunal do Júri Federal. É certo que o bem jurídico protegido pela
norma penal é a vida e não a Administração. Entretanto, não há como negar a lesão, indireta que
seja, ao serviço público federal, atingido em sua finalidade pública. E mais: não há também como
negar a relevância da motivação do crime até mesmo para fins de tipificação penal, o que
também contribui para realçar a importância da identificação do serviço público federal. É nesse
sentido a redação da Súmula 147 do STJ: “Compete a Justiça Federal processar e julgar os crimes
praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.”
(Pacelli, 2018)
[...] por bens, serviços e interesse, tal como previstos no inciso em análise, compreendem-se
aqueles que possuem relação com os fins institucionais das entidades referidas – União, suas
entidades autárquicas ou empresas públicas –, e não aqueles relacionados pessoalmente aos
dirigentes. Outra coisa: a definição da competência federal exige apenas a ofensa a bens, serviços
ou interesse das entidades públicas referidas no art. 109, IV, da CF, não sendo relevante se houve
ou não o prejuízo efetivo à União e suas entidades. Na esteira dessa disciplina, tomando-se como
exemplo a hipótese de crime de roubo perpetrado contra uma agência da Caixa Econômica
Federal, que possui natureza jurídica de empresa pública, deverá ser processado e julgado
perante a Justiça Federal. Do mesmo modo, um latrocínio perpetrado contra policiais federais
durante o exercício de suas funções. Em ambos os casos é inequívoco o interesse da União nos
feitos mencionados, o que justifica o reconhecimento da competência da Justiça Federal para
processar e julgar as respectivas demandas. No caso do crime contra servidor federal em
exercício das funções, cabe abrir um parêntese para explicitar que a atração do foro federal
motiva-se na circunstância de que, nessa atividade, o servidor encontra-se agindo como
representante da União. Daí se depreende que o simples fato de o crime ter sido praticado contra
servidor público não atrai a competência federal, sendo necessário que o crime tenha sido
praticado no exercício da função e relacionado a esta função. Isto, aliás, é o que consta da Súmula
147 do STJ [...] (Avena, 2020).
Sobre a questão que envolve crime contra servidor público federal, PACELLI faz alusão e crítica sobre
precedente do STJ em relação a crimes praticados contra um juiz federal:
Com o devido respeito aos ilustres julgadores, e, particularmente, ao seu douto Relator, a decisão
não encontra qualquer fundamento na ordem jurídica nacional. Não bastasse, contraria súmula
do próprio Tribunal (Súmula 147). Na realidade, tem-se ali verdadeira personificação do cargo
público, como se este (o cargo) fosse inseparável da pessoa que o exerce. Na hipótese concreta,
a vítima não era o cargo, mas a pessoa! Não teria havido lesão ao serviço, mas à individualidade
da pessoa humana. Não vemos como acompanhar o aludido entendimento. E mais: ousamos
afirmar que ele não se sustentará diante da jurisprudência da Suprema Corte, sobretudo no que
diz respeito à fixação de competência por prerrogativa de função: o efetivo exercício do cargo é
pressuposto indeclinável da afirmação do foro privativo. Já veremos essas e outras mazelas
(Pacelli, 2018).
pessoal ou da família do Exmo. Sr. Presidente da República não tem o condão de atrair a
competência da Justiça Federal, justamente por não se enquadrar na previsão constitucional”
(Avena, 2020).
No caso de crimes cometidos contra sociedades de economia mista, como por exemplo o Banco do Brasil,
a competência para o processo e julgamento será da Justiça Estadual, uma vez que não previstas essas
sociedades entre as entidades mencionadas no precitado inciso IV do art. 109 da Constituição Federal. Eis o
teor da Súmula 42 do STJ:
Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte
sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.
“E quanto às fundações públicas federais? Apesar de não previstas no art. 109, IV, da CF, prevalece o
entendimento de que os crimes praticados em seu detrimento sujeitam-se, igualmente, à competência da
Justiça Federal”.
Compreendeu-se, por outro lado, que a competência para proteger o meio ambiente (florestas, fauna e flora)
não é exclusiva da União, mas comum da União e dos Estados, nos termos do art. 23, incisos VI e VII da
Constituição Federal, razão pela qual se cancelou a Súmula 91 do STJ (Alves, 2017).
E os crimes contra a fauna? Dispunha a Súmula 91 do STJ que “compete à Justiça Federal
processar e julgar crimes praticados contra a fauna”. Ocorre que essa súmula foi cancelada em
08.11.2000. Logo, inexistindo qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União, afasta-se a
competência da Justiça Federal, incumbindo à Justiça Estadual o processo e julgamento de crimes
cometidos contra o meio ambiente, nos quais se compreendem os delitos praticados contra a
fauna e a flora (Avena, 2020).
Por falta de previsão legal, também não são de competência federal crimes praticados em detrimento de
bens, serviços ou interesse de concessionária de serviço público, sindicatos e entidade particular de ensino
superior. Por outro lado, se forem contra conselhos de fiscalização profissional, a exemplo da OAB, deve ser
julgado pela Justiça Federal, pois tais entes têm natureza de autarquia, consoante estabelecido pelo STF no
julgamento da ADIN nº 1.717-DF (Alves, 2017).
As contravenções penais, assim como os crimes militares e eleitorais, são expressamente excluídas da
competência da Justiça Federal e, nesse sentido, já se editou a Súmula 38 do STJ:
Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção
penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
Daí se infere que, se, porventura, houver um crime de competência federal conexo com uma
contravenção penal, deverá ser realizada a cisão do processo: o crime federal será processado e
julgado pela Justiça Federal enquanto a contravenção penal será processada e julgada pela
Justiça Estadual. Apesar da simplicidade da regra, é preciso atentar a um detalhe: nos termos do
art. 109, IV, da CF, o processo e o julgamento das contravenções penais são excluídos da
competência dos Juízes Federais, e não dos Tribunais Regionais Federais. Portanto, se
determinado detentor de cargo público com prerrogativa de função praticar uma contravenção
penal, tal infração penal poderá sim ser julgada no âmbito desses Tribunais (Avena, 2020).
Súmula 224/STJ - Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da
competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito.
Súmula 254/STJ - A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser
reexaminada no Juízo Estadual.
Considere-se que o ex-prefeito de determinada cidade seja indiciado pela autoridade policial por
desvio de verbas públicas ocorrido no curso de seu mandato, entre as quais verbas sujeitas à
prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União. Remetido o inquérito à Justiça
Estadual, sobrevém manifestação do Ministério Público no sentido da incompetência do juízo
tendo em vista o disposto no art. 109, IV, da CF. Acolhendo este pronunciamento, o Magistrado,
com fundamento na Súmula 122 do STJ, encaminha os autos à Justiça Federal. Neste âmbito,
porém, o Ministério Público Federal manifesta-se no sentido de que não existem elementos que
apontem o cometimento do crime relacionado às verbas federais, promovendo, com relação a
esta conduta, o arquivamento do inquérito policial. Ora, se for acolhida esta manifestação pelo
Juiz Federal, caberá a este, com base na Súmula 224 do STJ, em vez de suscitar conflito de
jurisdição, simplesmente restituir os autos do procedimento investigatório à Justiça Estadual,
decisão esta que, por força da Súmula 254 daquela mesma Corte, não pode ser reexaminada no
âmbito dessa Justiça. Logo, se dela discordar, deverá, aqui sim, o Juiz Estadual suscitar conflito
de jurisdição (Avena, 2020).
Não basta que o crime simplesmente esteja previsto em tratado ou convenção internacional para que a
competência seja da Justiça Federal. Segundo o STF, para “fins de preenchimento do terceiro requisito, é
necessário que, do exame entre a conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido,
se extraia o atributo de internacionalidade dessa relação”.
Perceba-se:
Ementa: habeas corpus. Alegação de vício procedimental. Competência para processar e julgar
crime de incitação à discriminação cometido por meio da internet. Ofensas dirigidas a pessoas
determinadas. 1. Não se declara a nulidade do ato processual que não houver influído na decisão
da causa. 2. É da Justiça estadual a competência para processar e julgar o crime de incitação à
discriminação racial por meio da internet cometido contra pessoas determinadas e cujo
resultado não ultrapassou as fronteiras territoriais brasileiras. 3. Ordem denegada. (HC 121283,
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014)
Crimes previstos em tratados/convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, por força do art. 7º,
II ‘a’ do Código Penal, sujeitam-se à lei brasileira ainda que praticados integralmente no exterior, desde que
presentes alguns requisitos. É o que se denomina extraterritorialidade condicionada. Perceba-se:
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: [...] II - os crimes: a)
que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; [...]
Essas infrações deverão ser processadas e julgadas pela Justiça Estadual, salvo se houver internacionalidade
(art. 109, V) ou se praticadas contra bens, serviços ou interesses da União, empresas públicas ou autarquias
federais (art. 109, IV, CF).
Exemplos:
Previsão normativa: Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias
Psicotrópicas (Decreto Legislativo 162/1991 e Decreto 154/1991).
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços,
se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do
fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se
caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.
Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara federal serão
processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.
Súmulas sobre o tema: 522/STF - Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a competência
será da justiça federal, compete à justiça dos estados o processo e julgamento dos crimes relativos a
entorpecentes.
528/STJ - Compete ao juízo federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal
processar e julgar o crime de tráfico internacional.
OBS 1. É desnecessária a efetiva transposição de fronteiras para que se caracterize o tráfico transnacional.
OBS 2. Para que haja tráfico internacional é imprescindível que a droga seja ilícita tanto no Brasil como no
país de origem/destino.
Previsão normativa: Convenção Interamericana contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo,
munições, explosivos e outros materiais correlatos (Decreto Legislativo 58/1999 e Decreto 3229/1999).
Previsão normativa: Convenção das Nações Unidas destinada à repressão do tráfico de pessoas e do
lenocínio (Decreto Legislativo 6/1958 e Decreto 46981/1959); Protocolo adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de
pessoas, em especial mulheres e crianças (Decreto Legislativo 231/2003 e Decreto 5017/2004); Protocolo de
Emenda da Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e da Convenção para Repressão
do Tráfico de Mulheres Maiores (Decreto Legislativo 7/1950 e Decreto 37176/1955).
Previsão normativa: Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto Legislativo 28/1990 e Decreto
99710/1990); Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (Decreto Legislativo
105/1996 e Decreto 2740/1998).
Pornografia infantil
Previsão normativa: Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto Legislativo 28/1990 e Decreto
99710/1990); Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças,
prostituição e pornografia infantis (Decreto Legislativo 230/2003 e Decreto 5007/2004).
Em relação a este ponto, o STF fixou a seguinte tese, em agosto de 2020 (RE 628.624), referente
ao Tema 393 - repercussão geral:
Havendo grave violação de direitos humanos, é possível que o Procurador-Geral da República, em qualquer
fase do inquérito ou processo, suscite perante o STJ incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal, isso com o objetivo de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos de que o Brasil seja signatário.
Prevalece na doutrina que para que haja a federalização, imprescindível que dois pressupostos se
verifiquem:
Outrossim, perceba que o fato de haver o deslocamento de competência não implicará a nulidade dos atos
até então praticados, até porque não há qualquer previsão constitucional ou legal nesse sentido. Com efeito,
se os órgãos de persecução penal e o órgão judicante eram legalmente dotados de atribuição/competência
e agiram regularmente até o deferimento do incidente, não haveria qualquer nulidade a ser invocada quanto
às atuações pretéritas.
Em análise aos julgados do STJ que admitiram o incidente (a exemplo dos IDCs nº 2 e 5), nota-se que a Corte
se limitou a determinar a remessa das investigações e/ou ações penais aos novos órgãos federais
competentes, nada dizendo a respeito de eventual nulidade de atos praticados:
12. Incidente de deslocamento de competência julgado procedente, para que seja determinada
a imediata transferência do Inquérito Policial n. 07.019.0160.00158/2013-1.1 para a Polícia
Federal, sob o acompanhamento e controle do Ministério Público Federal, e sob a jurisdição, no
que depender de sua intervenção, da Justiça Federal, Seção Judiciária de Pernambuco. Ainda,
determinação para que a tramitação do feito corra sob o regime de segredo de justiça, observada
a Súmula Vinculante n. 14, do Supremo Tribunal Federal. (IDC 5/PE, Rel. Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/08/2014).
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o
sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
A competência pertencerá à Justiça Federal quando violados os direitos dos trabalhadores considerados
coletivamente. Sobre a questão, confira-se o teor da Súmula 115 do TFR: Compete à Justiça Federal processar
e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do
trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente.
O crime de redução à condição análoga à de escravo está previsto no art. 149 do Código Penal, inserido no
capítulo ‘dos crimes contra a liberdade individual’. Para o STF, isso não significa que a infração não possa ser
considerada crime contra a organização do trabalho. Confira-se:
EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO Á
CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e
efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob
escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação
de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam
ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para
proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores,
atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção
máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se
praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art.
149 do Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra
a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça federal (art. 109, VI da
Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE
398041, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2006)
Enfim, o importante é avaliar se o crime atinge os direitos dos trabalhadores considerados coletivamente e
ter em mente que o fato de a infração não estar topologicamente classificada como crime contra a
organização do trabalho não significa que como tal não possa ser considerada para fins de fixação de
competência.
Insistimos. A compreensão desses pontos é de grande importância. A propósito, há uma ‘famosa’ questão
do concurso para ingresso na carreira de Delegado de Polícia/PCPR, do ano de 2007, que comumente causa
confusões aos alunos a respeito desse tema. Vejamos o seu teor, para melhor delinearmos a matéria:
Segundo a atual Constituição Federal, o autor de homicídio preterdoloso decorrente de ação violenta
consumada em situação de greve deve ser processado e julgado:
Em primeiro lugar, note-se que não há crime doloso contra a vida. O enunciado é claro ao dispor que se trata
de um ‘homicídio preterdoloso decorrente de ação violenta’, que nada mais é do que uma lesão corporal
seguida de morte, com culpa no resultado. Assim, não há se falar em competência do Tribunal do Júri, mas
em competência da Justiça Estadual (alternativa B); todavia, não foi essa a orientação da banca.
A alternativa D foi considerada correta. Com efeito, levando-se apenas em consideração as disposições
constitucionais acerca do tema – em uma leitura deveras superficial, diga-se –, cogitar-se-ia em competência
da Justiça Federal em razão do previsto no art. 109, VI da CF.
Ocorre que, segundo a jurisprudência dos tribunais superiores, só serão de competência da ‘JF’ os crimes
contra a organização do trabalho que transcenderem a individualidade do direito do empregado:
O enunciado da questão é sintético demais para se avaliar acerca desses detalhes e circunstâncias. Aliás,
sequer se sabe se a lesão corporal foi praticada para fins de frustração do direito trabalhista ou apenas
ocorreu no contexto da greve, o que impede a efetiva capitulação jurídica do delito.
Enfim, não obstante o gabarito oficial, o mais importante é que se saiba que, pela jurisprudência dos tribunais
superiores, nem toda infração contra a organização do trabalho ensejará a competência da Justiça Federal;
há se constatar um prejuízo efetivamente coletivo pela conduta do agente.
Seguimos. A competência para a apuração e julgamento dos crimes contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira somente pertencerá à Justiça Federal se assim a lei dispuser. Caso a lei nada
estabeleça, possível concluir pela competência federal se presente alguma das hipóteses do inciso IV do art.
109 da Constituição Federal:
As Leis nº 1.521/51, 4.595/64 e 8.137/90 nada dispõem a respeito da competência. Isso conduz à conclusão
de que, via de regra, as infrações nelas previstas serão apuradas pela Justiça Estadual. Sobre a matéria,
confira-se o entendimento da Súmula 498 do STF:
Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a
economia popular.
A Lei nº 7.492/86, por sua vez, prevê expressamente a competência da Justiça Federal em relação aos crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional nela previstos (art. 26). A Lei nº 9.613/98, a seu turno, estabelece as
hipóteses em que o crime passará à competência da Justiça Federal (art. 2º, III).
O supramencionado dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o que estabelece o art. 108, I, ‘a’ e
‘d’ da Constituição Federal:
Assim é que, v.g., tratando-se de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção praticado por
um delegado da Polícia Federal, como referida autoridade não está sujeita à competência do
Tribunal Regional Federal, eventual habeas corpus contra ele impetrado deve ser apreciado por
um juiz federal pertencente à respectiva seção judiciária. Por sua vez, caso esse delegado da
Policia Federal tenha instaurado um inquérito policial a partir de uma requisição de Procurador
da República, tem-se que a autoridade coatora, para fins de impetração de habeas corpus, será
o órgão do Parquet Federal. Nessa hipótese, questiona-se: a quem compete o julgamento de
habeas corpus contra membro do Ministério Público? Tem prevalecido o entendimento de que
o habeas corpus deve ser processado e julgado pelo Tribunal no qual o membro do Ministério
Público tem foro por prerrogativa de função. Isso porque, do julgamento do writ pode resultar o
reconhecimento da prática de um crime, razão pela qual somente o respectivo Tribunal poderia
dizer se essa autoridade praticou ou não a infração penal. Destarte, se a autoridade coatora é
um Procurador da República, ao respectivo Tribunal Regional Federal caberá o julgamento do
habeas corpus (CF, art. 108, I, "a"). Caso a autoridade coatora seja um Procurador Regional da
República, sobre o Superior Tribunal de Justiça recairá a competência (CF, art. 105, I, "a").
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados
os casos de competência dos tribunais federais;
c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;
Do cotejo das duas regras constitucionais tem-se que o TRF terá competência, no que diz respeito ao
mandado de segurança, quando o ato coator for do próprio Tribunal ou de juiz federal; e, ao contrário, serão
os juízes federais que julgarão os mandados de segurança nas hipóteses de autoridade coatora federal (que
não esteja sujeita à competência do Tribunal).
Da leitura do art. 5°, LXIX, da Carta Magna, depreende-se que a abrangência do mandado de
segurança é determinada por exclusão, somente sendo cabível sua impetração quando o direito
não for amparado por habeas corpus ou habeas data. Logo, no âmbito criminal, sua utilização se
dá de maneira subsidiária, pois, havendo constrangimento à liberdade de locomoção, o habeas
corpus prevalece sobre o mandado de segurança. Como exemplos de mandados de segurança
no âmbito criminal cuja competência recai sobre um juiz federal, podemos citar: a) para o
advogado ter vista dos autos de inquérito policial, que lhe é negada por um delegado federal; b)
para o advogado acompanhar seu cliente em diligência em inquérito policial em curso perante a
Polícia Federal; c) para obter restituição de coisas apreendidas pela autoridade policial federal,
etc. Em relação à negativa de acesso do advogado aos autos do inquérito policial, diante da
elaboração da súmula vinculante n° 14 pelo Supremo Tribunal Federal, também é possível se
cogitar do ajuizamento de reclamação-perante a Suprema Corte, de modo a se assegurar a
preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (CF, art 102, I, "l", c/c
art. 988, IV, do novo CPC).
O mandado de segurança individual tem seu procedimento regulamentado pela Lei n° 12.016,
de 7 de agosto de 2009. Segundo o art. 2º da referida Lei, considerar-se-á federal a autoridade
coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado
houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada (Lima, 2021).
Em primeiro lugar, convém rememorar alguns pontos referentes à territorialidade da lei penal brasileira –
art. 5º do Código Penal:
Art. 5º Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito
internacional, ao crime cometido no território nacional.
Pois bem. Uma vez verificadas as aludidas condições para atração da lei penal brasileira, há se perquirir
acerca da competência, ou não, da Justiça Federal para o julgamento dessas infrações. Neste ponto,
imperioso que se identifique o significado dos termos ‘navios’ e ‘aeronaves’ para fins de adequação ao art.
109, IX da CF.
Navios
Embarcação é gênero do qual navio é espécie. A primeira é deveras abrangente, englobando uma vasta
gama de construções, como se extrai das disposições das Leis nº 9.537/1997 (sobre segurança no tráfego
aquaviário) e nº 2.180/1954 (sobre o Tribunal Marítimo):
Lei 9.537/1997. Art. 2º Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e
definições:
Lei 2.180/1954. Art. 11. Considera-se embarcação mercante toda construção utilizada como
meio de transporte por água, e destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas
características e lugar de tráfego.
O conceito de navio – mormente para os fins do art. 109, IX da CF (que nos interessa) –, por sua vez, não
encontra previsão legislativa.
É na jurisprudência do STJ, há muito consolidada, que reside a resposta para o adequado enquadramento de
uma embarcação como efetivamente ‘navio’7, a ensejar os rigores da previsão constitucional para fixação da
competência da Justiça Federal.
Para a Corte Superior, dois requisitos hão de ser cumpridos para que haja a atração da competência da JF
nos crimes cometidos em navios:
Em verdade, ambos os requisitos convergem em um ponto, que é o tamanho e autonomia suficientes para
deslocamento em águas internacionais. Quanto à análise a respeito desse ‘potencial deslocamento’, Sua
Excelência assim consignou:
A par da dificuldade de se delimitar a ideia de ‘potencial deslocamento’, cuja análise, a meu juízo,
impõe seja feita de maneira casuística, revela-se ponto comum na interpretação dada pela
jurisprudência desta Corte o fato de que a embarcação deve estar apta a realizar viagens
internacionais, tal como ocorre na hipótese (CC 118.503/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015)
A título de exemplo, uma embarcação de grande porte em deslocamento por águas brasileiras a um destino
também brasileiro, em tese, poderia caracterizar o conceito de ‘navio’ para os fins do art. 109, IX da CF;
desde que constatada a potencialidade de seu deslocamento internacional.
7
A propósito, um conceito mais pragmático e simplificado, que não aborda definições mais técnicas e específicas, como
navegabilidade e flutuabilidade, mais atinentes ao campo do Direito Marítimo.
Aeronaves
O conceito de aeronave está contido no Código Brasileiro de Aeronáutica, que, em seu art. 106, estatui:
Art. 106. Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e
circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.
A interpretação, aqui, é mais simples. Para a fixação da competência da JF, basta que o crime de fato seja
praticado a bordo da aeronave, cujo conceito acima transcrito, como se vê, é também abrangente.
Em tempo: perceba que o fato de a aeronave se encontrar em solo (pousada), quando da prática do crime,
não afetará a fixação da competência:
2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "É da competência da Justiça Federal
processar e julgar delitos cometidos a bordo de aeronaves, nos termos do inciso IX do art. 109 da
Constituição Federal. Devendo-se ressaltar ser despiciendo se a aeronave encontra-se em solo
ou sobrevoando." (CC 143.343/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, DJe
30/11/2016) (CC 143.400/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
24/04/2019)
A fortiori, eventual deslocamento da aeronave em espaço aéreo brasileiro também não terá o condão de
influir nessa definição. Novamente, basta que a prática se dê a bordo de aeronave.
Note-se, ademais, que o próprio dispositivo constitucional ressalva a competência da Justiça Militar, na sua
parte final. Assim, eventuais crimes militares praticados a bordo de navios e aeronaves não implicarão
deslocamento da competência à Justiça Federal; continuarão a ser julgados perante a Justiça Castrense.
Ao demais, ainda em relação a aparelhos aéreos, BRASILEIRO minudencia algumas questões específicas:
Segundo NÁDIA DE ARAÚJO, "não pode ser considerada aeronave o paraquedas, que tem por
finalidade amortecer uma queda utilizando-se da resistência do ar, nem hovercraft, já que ele
não circula no espaço aéreo deslocando-se através de um colchão de ar, por ele próprio
produzido. Quanto aos planadores, são considerados aeronaves, mesmo porque a definição não
exige que estas possuam motor, apenas que tenham aptidão para sustentar-se circular no
espaço, e que sejam manobráveis. São também aeronaves o helicóptero e os hidroaviões. Ainda
com respeito ao Space Shuttle Columbia, acreditamos tratar-se de uma aeronave que acumula,
além das características básicas desta, a qualidade de efetuar, no espaço epiatmosférico, a
atividade executada por naves espaciais. " Conquanto a Convenção de Tóquio, promulgada pelo
Decreto n° 479/69, estabeleça que um crime praticado a bordo de uma aeronave sobre qualquer
território estrangeiro, por exemplo, o território brasileiro, somente seria da jurisdição brasileira
se a infração produzisse efeitos no território brasileiro, se a infração tivesse sido cometida por
ou contra um nacional do Brasil ou se a pessoa tivesse residência permanente no Brasil, tal
dispositivo não pode prevalecer sobre o disposto no art. 109, inciso IX, da Constituição Federal,
segundo o qual compete à Justiça Federal processar e julgar qualquer crime cometido a bordo
de navio ou aeronave, independentemente da posição dos sujeitos ativo e passivo, ressalvada a
competência da Justiça Militar.
Analisando conflito positivo de competência entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual relativo
ao acidente aéreo envolvendo o jato executivo legacy com o Boeing 737-800 da Gol Transportes
Aéreos, que resultou na queda dessa última em solo no Estado do Mato Grosso, decidiu o
Superior Tribunal de Justiça que a competência seria da Justiça Federal. Ponderou a Min. Relatora
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA que, qualquer que seja o resultado final das investigações, no
tocante à prática de qualquer ilícito penal, seja doloso ou culposo, haverá a competência da
Justiça Federal (art. 109, IV e IX, da CF/1988). Anotou que o tipo penal provisoriamente
capitulado seria o do art. 261 do CP (crime de atentado à segurança do transporte aéreo), que
busca tutelar bem cuja exploração (direta ou mediante autorização, concessão ou permissão) é
da União (art. 21, XII, c, da CF/1988), o que impõe a competência da Justiça Federal (art. 109, IV,
da CF/1988), também obrigatória no caso de admitir-se a prática de crime a bordo de aeronave
(art. 109, IX, da CF/1988). (Lima, 2021).
Para fins criminais, interessa-nos a primeira parte do inciso X do art. 109 da Constituição Federal,
referente à competência criminal da Justiça Federal para processar e julgar os crimes de ingresso
ou permanência irregular de estrangeiro. Tal dispositivo é interpretado no sentido de que
compete aos juízes federais o processo e julgamento de todo e qualquer crime, previsto na
legislação comum ou especial, cometido pelo estrangeiro com o intuito de regularizar o seu
ingresso e permanência no Brasil.
Inicialmente, cabe ressaltar que o simples fato de um delito ter sido praticado por um estrangeiro
não atrai a competência da Justiça Federal. Com efeito, a condição de estrangeiro, para fins de
fixação de competência criminal, só tem relevância quando se trata de crime relacionado ao
ingresso ou permanência irregular no país.
É importante notar que o ingresso irregular no território nacional sem estar autorizado configura
mera infração administrativa punida com deportação, tal qual dispõe o art. 109, inciso I, da Lei
n° 13.445/17 (Lei de Migração). Da mesma forma, permanecer em território nacional depois de
esgotado o prazo legal da documentação migratória também constitui infração administrativa,
punida com pena de multa, por dia de excesso e deportação, caso o infrator não saia do País ou
não regularize a situação migratória no prazo fixado (Lei 13.445/17, art. 109, II).
O art. 338 do Código Penal, por sua vez, dispõe que a conduta de reingressar no território
nacional o estrangeiro que dele foi expulso será punida com pena de reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena. Por sua vez, versa o
art. 309 do CP acerca do crime de fraude de lei sobre estrangeiro, caracterizando-se pela conduta
de usar o estrangeiro, para entrar ou permanecer no território nacional, nome que não é o seu
(caput do art 309 do CP). O parágrafo único do art. 309 do CP dispõe acerca da conduta de atribuir
a estrangeiro falsa qualidade para promover-lhe a entrada em território nacional. Lado outro, o
art. 310 do CP prevê como crime as condutas de prestar-se a figurar como proprietário ou
possuidor de ação, título ou valor pertencente a estrangeiro, nos casos em que a este é vedada
por lei a propriedade ou a posse de tais bens, condutas estas que podem ser praticadas com a
finalidade precípua de garantir a permanência irregular do estrangeiro no território nacional
(Lima, 2021).
Segundo o disposto no art. 109, inciso XI, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal
processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas. Nos exatos termos do art. 3º da Lei nº
6.001/73 (Estatuto do Índio), índio ou silvícola é todo indivíduo de origem e ascendência pré-
colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas
características culturais o distinguem da sociedade nacional (inciso I), e comunidade indígena ou
grupo tribal é um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de
completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos
intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados (inciso II).
Nessas circunstâncias, não se pode querer atribuir a competência à Justiça Federal pelo simples
fato de recair sobre a FUNAI a tutela sobre os índios, nem tampouco pelo fato de o art. 37 da LC
75/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público da União) atribuir ao MPF a defesa de direitos
e interesses dos índios e das populações indígenas, nem tampouco pelo fato de caber à FUNAI a
tutela sobre os índios. Como visto anteriormente, a competência criminal da Justiça Federal
deriva da própria Constituição Federal, não podendo o legislador infraconstitucional pretender
fazê-lo por via indireta ao atribuir funções à FUNAI ou ao Ministério Público Federal. Se, no
entanto, o delito cometido por ou contra índio envolver a disputa sobre direitos indígenas, ter-
se-á crime de competência da Justiça Federal. Por "direitos indígenas" deve se atentar para o
disposto no art. 231, caput, da Carta Magna, segundo o qual são reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos
os seus bens. Assim, se o chefe de uma tribo indígena for vítima de um crime doloso contra a
vida, estando a infração relacionada à disputa sobre terras ocupadas pelos índios, estará fixada
a competência do Tribunal do Júri Federal para o processo e julgamento do feito. Em relação aos
crimes cometidos em detrimento de terras indígenas, não há como se afastar a competência da
Justiça Federal. A uma porque são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios (CF, art. 20, inciso XI). A duas porque tal delito envolve direitos indígenas, haja vista os
direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam (CF, art. 231, caput).
Destarte, seja com fundamento no inciso IV do art. 109 da Constituição Federal, seja com base
no inciso XI do art. 109, crimes envolvendo terras indígenas deverão ser processados e julgados
pela Justiça Federal. Por isso, crime contra o meio ambiente praticado no interior de reserva
indígena deve ser julgado pela Justiça Federal. Este o motivo pelo qual, em caso concreto
atinente a crimes de homicídios praticados por índios cuja motivação teria sido a disputa pela
posse de terras entre índios e produtores rurais locais, concluiu o Superior Tribunal de Justiça
pela competência da Justiça Federal.
Não obstante ser esse o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, ao apreciar o RMS
30,675/AM, a 5ª Turma do STJ concluiu- estranhamente, a nosso ver- que, mesmo em se tratando
de índio integrado à sociedade, haveria a necessidade de intervenção da FUNAI, o que,
consequentemente, acarretaria a fixação da competência da Justiça Federal. O caso concreto
referia-se à prática de crime de tráfico de drogas por acusado pertencente à etnia Kokama. Nas
instâncias ordinárias, a intervenção da FUNAI foi indeferida pelo fato de o acusado ter sido
considerado integrado à sociedade, já que possuía documentos comuns aos não índios (CPF, RG,
título de eleitor etc.). No entanto, sob o argumento de que o normativo da Convenção OIT nº
169 adota, como critério de identificação, a autoidentificação, sendo indígena quem se sente,
comporta-se ou afirma-se como tal, de acordo com os costumes, organizações, usos, língua,
crenças e tradições indígenas da comunidade a que pertença, seria obrigatória a intervenção da
FUNAI daí por que o processo devia ter tramitado perante a Justiça Federal. A nosso juízo,
laborou em equívoco a 5º Turma do STJ, porquanto ausente interesse da FUNAI no caso concreto.
Com efeito, por força do art. 4º da Lei n° 6.001/73, classifica-se o índio em: a) Isolados: quando
vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de
contatos eventuais com elementos de comunhão nacional; b) Em vias de integração: quando, em
contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservem menor ou maior parte
das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns
aos demais setores da comunhão nacional; c) Integrados: quando incorporados à comunhão
nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos,
costumes e tradições características da sua cultura. Compete à União, através da FUNAI (órgão
federal de assistência aos silvícolas), dentre outras, prestar assistência aos índios ainda não
integrados à comunhão nacional (art. 2°. Lei 6001/73), garantindo a ele a igualdade de armas na
disputa travada no processo penal. A sua intervenção, portanto, só se justifica quando o índio
necessitar da tutela, e isso se dá apenas quando não totalmente integrado (art. 7", da Lei
6001173). Quando se trata de índio integrado (com registro civil, inclusive), cessa toda e qualquer
restrição à capacidade (art. 10 da Lei 6001/73), mas nunca sua condição de índio. Dentro desse
espírito, sentir-se, comportar-se ou afirmar-se índio, de acordo com os costumes, organizações,
usos, língua, crenças e tradições indígenas da comunidade a que pertença, não impede que seja
etiquetado como capaz e, como tal, dispensar a tutela do órgão de assistência federal (repise-se:
índio, integrado ou não, continua índio). Ora, no caso concreto apreciado pelo STJ, o acusado,
índio, claramente integrado, possuindo registro civil, comercializou, fora da sua comunidade,
drogas. Logo, não há falar em tutela da FUNAI, muito menos em fixação da competência da
Justiça Federal para o processo e julgamento do feito. Devia ter sido mantida, pois, a
competência da Justiça Estadual.
Genocídio contra índios. O crime de genocídio está previsto na Lei nº 2.889/56. Da leitura do art.
1º da Lei no 2.889/56 depreende-se que o bem jurídico tutelado pelo genocídio é a existência de
grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Não se trata, pois, de crime doloso contra a vida.
Conclui-se, também, que referido delito pode ser praticado por meio de homicídios, lesões
corporais, maus-tratos, esterilização forçada, aborto e sequestro ou cárcere privado.
Inicialmente, cumpre analisar a competência de Justiça para processar e julgar o delito de
genocídio: Justiça Estadual ou Justiça Federal? É bem verdade que o delito de genocídio está
previsto em tratado ou convenção internacional - o Decreto n° 30.822, de 6 de maio de 1952,
promulgou a Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio, concluída em
Paris, em 11 de dezembro de 1948, por ocasião da III Sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas. No entanto, como visto anteriormente, de acordo com o art. 109, inciso V, da
Constituição Federal, o simples fato de o delito estar previsto em tratado ou convenção
internacional assinada pelo Brasil não enseja, por si só, a competência da Justiça Federal. Para
além disso, é imprescindível que o delito se revista do caráter de internacionalidade, ou seja, que
reste caracterizada a internacionalidade territorial do resultado relativamente à conduta
delituosa. Ora, como o delito de genocídio, pelo menos em regra, não preenche esse segundo
pressuposto, tem-se que o crime de genocídio é da competência da Justiça Estadual.
Como se trata de crime que envolve grave violação aos direitos humanos, afigura-se possível o
incidente de deslocamento da competência para a Justiça Federal (CF, art. 109, inciso V-A, c/c
art. 109, § 5º, o qual, todavia, fica condicionado à demonstração concreta de risco de
descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil,
resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-
membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. Assim, imaginando-se
um massacre baseado em intuito genocida, e confirmada a negligência do Estado-membro em
proceder à persecução penal, estará o Procurador-Geral da República autorizado a propor
perante o Superior Tribunal de Justiça o incidente de deslocamento da competência pleiteando
a remessa do feito à Justiça Federal. Em que pese o fato de o delito de genocídio ser, em tese, da
competência da Justiça Estadual, caso esse genocídio seja praticado contra índios, não há como
se afastar a competência da Justiça Federal. Isso porque, como o delito teria o condão de atingir
potencialmente a Própria existência de uma determinada etnia indígena, inegável tratar-se de
crime praticado contra índios envolvendo a disputa sobre direitos indígenas, afastando-se, assim,
a aplicação da súmula n° 140 do STJ. Mas ainda deve ser analisado se esse delito de genocídio
contra índios deve ser julgado por um juiz singular federal ou por um tribunal do júri federal.
Como visto anteriormente, como o delito de genocídio não é crime doloso contra a vida, eventual
delito de genocídio contra índios deve ser processado e julgado, pelo menos em regra, perante
um juiz singular federal. Assim, v.g., se determinado indivíduo, fazendo-se se passar por cientista,
e agindo com intuito genocida, entregar pílulas anticoncepcionais a índias, dizendo tratar-se de
remédios contra a gripe, deverá responder pelo delito do art. 1°, alínea "d", da Lei nº 2.889/56,
perante um juiz singular federal. Todavia, esse mesmo delito de genocídio contra índios pode ser
praticado mediante morte de membros do grupo. Nesse caso, se o agente resolver matar vários
índios, em circunstâncias semelhantes de tempo e de lugar, e com o mesmo modus operandi,
deverá responder pelos diversos homicídios (em continuidade delitiva) e pelo crime de
genocídio, em concurso formal impróprio, não sendo possível a aplicação do princípio da
consunção. Nesse caso, como os crimes dolosos contra a vida de índios envolvem a disputa sobre
direitos indígenas, a série de continuidade delitiva dos homicídios deverá ser processada e
julgada perante um Tribunal do Júri Federal, que exercerá força atrativa em relação ao crime
conexo de genocídio, tal qual dispõe o art. 78, inciso I do Código de Processo Penal (Lima, 2021).
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016):
“Competência territorial da Justiça Federal. A competência territorial da Justiça Federal é ditada,
como regra, pelas normas gerais afetas à esfera estadual, prevalecendo o local da consumação
da infração como determinante para identificação do foro competente (art. 70, CPP). Vale
destacar apenas, com arrimo na CF, que nas comarcas que não forem sede de vara federal, e
havendo previsão legal, poderá ocorrer o processamento e julgamento de crime federal perante
a própria justiça estadual (§ 3º, art. 109, CF). Eventuais recursos serão endereçados ao
competente Tribunal Regional Federal”. Acerca das diversas matérias criminais atinentes à
competência da Justiça Federal, assevera: “Compete, portanto, aos juízes federais julgar (art.
109, CF): a) Os crimes políticos (inciso IV, primeira parte). Em razão da omissão da Carta Magna
em definir o que seja crime político, ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência definir sua
abrangência para fins de fixação da competência da Justiça Federal. Somar-se-ia assim à
necessidade de contemplação legal instituindo o crime político, a intenção de atentar contra a
soberania nacional e a estrutura política brasileira. Atualmente, temos como paradigma a Lei nº
7.170/1983, tratando dos crimes contra a segurança nacional, que serão processados e julgados
perante a Justiça Federal. O art. 30 deste diploma legal informa que a competência seria da
Justiça Militar, não foi recepcionado pela Constituição Federal. A jurisprudência do STF, na
maioria dos casos, tem se posicionado no sentido de não reconhecer como crimes políticos
condutas definidas na Lei de Segurança Nacional quando faltar a eles motivação política tendente
a comprometer a soberania nacional. Entende necessária para tanto a contemplação legal
instituidora do crime político, bem como a intenção de atentar contra a estrutura política
brasileira. [...] A ideia majoritariamente aceita pela doutrina e jurisprudência é a de reconhecer
a existência de crime político, cuja espécie, nas palavras de Roberto Luchi Demo, ‘somente se
caracteriza quando presentes os pressupostos cristalizados no art. 2º, da Lei nº 7.170/1983:
motivação política e lesão real ou potencial aos bens juridicamente tutelados’. b) Infrações
penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades
autárquicas, empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (inciso IV, parte final). b.1) Infrações abrangidas: Tão
somente os crimes são apreciados pela Justiça Federal. As contravenções estão terminantemente
excluídas. O julgamento de contravenção que afete ente federal será de competência dos
juizados especiais na esfera estadual. [...] b.2) Bens, serviços ou interesses pertencentes a ente
federal. Esta trilogia é o termômetro para a fixação da competência federal. Deve haver
correlação direta entre a conduta delituosa e a afetação a um destes elementos. Os bens são o
patrimônio do ente federal, sendo que a Constituição rotulou os bens pertencentes à União no
art. 20, incisos I a XI. Atenção especial merece a definição de competência para processamento
e julgamento de crimes praticados em detrimento de bens que compõe órgão do Distrito Federal:
ainda que organizado e mantido pela União, os seus bens não são da União, pelo que a
competência para seu processamento e julgamento é da Justiça do Distrito Federal e Territórios
e não da Justiça Federal. Quanto aos serviços, passamos a focalizar a própria atividade do ente
federal, a sua finalidade, ao passo que o interesse, talvez a expressão de significação mais ampla,
abarca aquilo que está ligado ao ente federal, aquilo que lhe diz respeito. Não é suficiente o
simples interesse genérico ou indeterminado para atrair a competência da Justiça Federal,
imprescindível, para tanto, existir interesse direto e imediato da União, afastando-se ofensas
indiretas, reflexas, que não se coadunem com o parâmetro restritivo para a definição da
competência da Justiça Federal. [...] b.3) Entes contemplados. 1) União: engloba todos os órgãos
da Administração direta, tal como ministérios, departamentos, abrangendo seus serviços,
interesses e patrimônio. 2) Autarquias: as autarquias são “pessoas jurídicas de direito público,
com capacidade exclusivamente administrativa, criadas por lei específica para exercerem, em
caráter especializado e com prerrogativas públicas, atividades típicas referentes à prestação de
certos serviços públicos”342. Ex: Banco Central do Brasil; INSS; Agências Reguladoras (ANATEL,
ANEL, etc.). 3) Empresas públicas: entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,
com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade
econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência
administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito (art. 5º, inciso
II do Decreto-lei nº 200/67). Ex: Caixa Econômica Federal; Correios. Dessa forma, um crime contra
a agência brasileira de correios e telégrafos é de competência da Justiça Federal porque esta,
ente da administração indireta federal, explora atividade de interesse federal. Caso se trate de
exploração de serviço postal por particulares, a competência é da Justiça Estadual. O STJ tem
entendido que se o crime é praticado em prejuízo de agência de correios comunitária operada
mediante convênio firmado entre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) e a
municipalidade, também é fixada a competência da Justiça Federal, em razão de haver não só
interesse da prefeitura do município, mas também interesse público federal da EBCT, relativo ao
funcionamento do serviço postal. 4) Fundações públicas: entidade dotada de personalidade
jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para
o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito
público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de
direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes (art. 5º, inciso IV do
Decreto-Lei nº 200/67). Em que pese a omissão do texto constitucional, é prevalente o
entendimento que os crimes praticados em detrimento de fundação pública federal são
apreciados pela justiça federal, ao argumento de que estas seriam espécies do gênero autarquia.
[...] c) Os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução
no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (inciso
V). Sendo da União a atribuição de manter relação com Estados estrangeiros, o que engloba a
celebração de tratados e convenções de ordem internacional (art. 21, I, CF), resta à Justiça
Federal a apreciação das infrações assim contempladas. Contudo, além da existência do tratado
ou convenção, é essencial que a infração praticada transcenda as fronteiras de mais de um país,
ou seja, a internacionalidade da conduta é requisito objetivo para a fixação da competência
federal. Logo, em que pese a existência de tratado ou convenção internacional, se a infração
limitar-se às fronteiras brasileiras, a competência será, de regra, da Justiça Estadual. [...] d) As
causas relativas a direitos humanos (inciso V-A). Este inciso foi acrescentado pela EC nº 45/2004,
movida pela federalização dos crimes que afrontem direitos humanos. Não se pode perder de
vista a necessária conjugação do dispositivo em enfoque com o § 5º do art. 109 da CF: (...). [...]
Temos a previsão de um incidente processual para que se preserve a competência da Justiça
Federal. Resta-nos saber em que circunstâncias ele teria cabimento. A nosso sentir, sendo a
competência federal de ordem material, e por consequência absoluta, os juízes e delegados de
polícia estadual deveriam, de ofício, declinar de sua competência e atribuição respectivamente,
remetendo os autos para a esfera federal, sempre que estiverem diante de infração que afete
direitos humanos contemplada em tratado internacional que o Brasil seja signatário. [...] O
incidente em estudo foi invocado no caso da missionária americana Dorothy Stang, assassinada
no Estado do Pará, quando então o Procurador Geral da República manifestou-se pelo
deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Federal, por aplicação do inciso V-A c/c
§ 5º da CF. O incidente não teve êxito, por entender o STJ que além da violação de direitos
humanos e da existência de tratado ou convenção internacional, seria necessário que a polícia
ou justiça estaduais não cumprissem o seu mister, ou seja, haveria o condicionamento à
existência de algum obstáculo na esfera estadual, que dificultasse ou impedisse o êxito das
investigações ou do processo. [...] Em que pese a autoridade da posição, corroborada pela
jurisprudência do STJ, ousamos discordar. A competência da Justiça Federal, a nosso sentir, não
pode estar condicionada à eficiência na órbita estadual, afinal, o próprio texto constitucional não
fez e nem poderia fazer tal ressalva, que depõe contra a própria autonomia da Justiça Estadual.
Nem se diga que tal expediente é similar ao desaforamento no âmbito do procedimento do Júri,
pois lá, diferente daqui, deslocamos apenas a sessão de julgamento para a comarca mais
próxima, em expediente que afeta a competência meramente territorial, que, diga-se de
passagem, é meramente relativa, em prol de um bem maior que é a regularidade do julgamento
em plenário (arts. 427 e 428, CPP). [...] e) Crimes contra a organização do trabalho (inciso VI,
primeira parte). Tais crimes estão previstos nos arts. 197 a 207 do CP, sendo que, só serão
julgados na Justiça Federal se houver ofensa à coletividade de trabalhadores. Ofensas que afetem
interesses individuais resolvem-se na Justiça Estadual. Nesse sentido, a súmula nº 115 do TFR,
averbando competir ‘à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do
trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos
trabalhadores considerados coletivamente’. A posição prevalente (do STF e STJ) continua sendo
a de exigir, em regra, para a atração da competência da Justiça Federal, que haja ofensa pelo
menos a um dado grupo de trabalhadores, excluindo-se do leque daquela Justiça o delito
praticado contra o trabalhador, considerado individualmente. No que toca ao crime de redução
à condição análoga a de escravo, o STJ pacificou seu entendimento, seguindo o STF, que fixou
sua posição no sentido de que o crime de redução à condição análoga à de escravo é de
competência da Justiça Federal, mesmo que perpetrado contra o ‘homem trabalhador’. [...] f)
Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira (inciso VI, parte final).
Iniciaremos pelo tratamento dos crimes contra o sistema financeiro nacional (SFN), que é
composto pelas instituições financeiras públicas e particulares, e as pessoas a elas equiparadas
(parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.492/1986). [...] Ocorre que, não basta que a conduta afete
o SFN. Para que a competência seja da esfera federal, é fundamental que a lei ordinária,
disciplinando a infração, preveja expressamente a competência federal, como manda o inciso VI
do art. 109 da CF. Precisamos de contemplação expressa no texto do diploma normativo. [...] No
que tange à ordem econômico-financeira, da mesma forma, necessita-se de previsão expressa
na legislação ordinária para que haja a apreciação perante a Justiça Federal. As Leis nºs
8.137/1990 e 8.176/1991 tratam da matéria, contudo, por ausência de previsão nos respectivos
textos, os crimes nelas previstos serão apreciados, em regra, na Justiça Estadual. [...] g) O habeas
corpus e o mandado de segurança em matéria criminal (incisos VII e VIII). Neste momento,
tratando da competência para apreciação destas ações, especificamente na seara federal, é por
demais importante dar enfoque ao papel da autoridade coatora, ou seja, a autora da ilegalidade
ou do abuso de poder a ensejar a impetração do HC ou do mandado de segurança. Se esta estiver
sob o manto da jurisdição federal, leia-se, não se encontrando vinculada diretamente a outra
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017), a
respeito das várias hipóteses de competência criminal da Justiça Federal, pontua: “Dito isto,
passa-se ao exame das competências federais determinadas com base no art. 109, da
Constituição Federal. Incumbe, assim, aos Juízes Federais, processar e julgar: IV – os crimes
políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e
ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral: a) Quanto aos crimes
políticos: considera-se como crime político a conduta que preenche os requisitos previstos no
art. 2. º da Lei 7.170/ 1983, quais sejam, motivação política e lesão real ou potencial aos bens
juridicamente tutelados. b) Quanto às infrações praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas: por bens, serviços e interesse, tal
como previstos no inciso em análise, compreendem-se aqueles que possuem relação com os fins
institucionais das entidades referidas – União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas
–, e não aqueles relacionados pessoalmente aos dirigentes. Na esteira dessa disciplina, tomando-
se como exemplo a hipótese de crime de roubo perpetrado contra uma agência da Caixa
Econômica Federal, que possui natureza jurídica de empresa pública, este deverá ser processado
e julgado perante a Justiça Federal. Do mesmo modo, um latrocínio perpetrado contra policiais
federais durante o exercício de suas funções. Em ambos os casos é inequívoco o interesse da
União nos feitos mencionados, o que justifica o reconhecimento da competência da Justiça
Federal para processar e julgar as respectivas demandas. [...] E no caso de crimes contra
sociedades de economia mista (v.g., o Banco do Brasil)? Nesta hipótese, a competência para o
processo e julgamento será da Justiça Estadual, uma vez que não previstas estas sociedades entre
as entidades mencionadas no precitado inciso IV do art. 109 da Carta Política. Confirmando este
raciocínio, estabelece a Súmula 42 do STJ que ‘compete à Justiça Comum Estadual processar e
julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em
seu detrimento’. [...] V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente; A prática de crime previsto em tratado ou convenção internacional, por si, não
atrai, necessariamente, a competência da Justiça Federal para o respectivo processo e
julgamento. Para tanto, será necessário que se trate de delito com repercussão internacional e
não meramente interna ao País. Tome-se a hipótese de tráfico internacional de drogas. Trata-se
de crime que exige, para que se reconheça a competência da Justiça Federal para seu processo
e julgamento, a demonstração da internacionalidade. Na falta dessa demonstração, firma-se a
competência da Justiça Estadual, pois considerada ocorrente hipótese de tráfico interno. Neste
sentido, a Súmula 522 do Supremo Tribunal Federal, dispondo que, ‘salvo ocorrência de tráfico
para o exterior, quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos
Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes’. [...] V-A – as causas
relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; Trata-se de dispositivo
introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004, federalizando os crimes perpetrados contra os
direitos humanos a que se refere o § 5º do art. 109 da Carta da República. [...] Questão relevante
refere-se a como caracterizar determinado delito como atentatório ou não aos direitos humanos.
Como se observa, tendo em vista a amplitude do termo ‘direitos humanos’, optou o legislador
constituinte por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça
Federal, razão pela qual o enquadramento de uma conduta como grave violadora dos direitos
humanos e exigente do deslocamento da competência para a esfera federal requer a análise de
cada situação de fato, de suas circunstâncias e de suas peculiaridades. Como exemplo claro de
delito que se enquadra nessa definição pretoriana, pode ser citado o episódio envolvendo a
Penitenciária Carandiru, quando mais de cem apenados restaram mortos em conflito com as
forças de segurança do Estado de São Paulo. [...] VI – os crimes contra a organização do trabalho
e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
Crimes contra a organização do trabalho: independentemente da amplitude do dispositivo
constitucional, é firme a jurisprudência no sentido de que a competência da Justiça Federal para
o processo e julgamento dos crimes contra a organização do trabalho exige que haja lesão aos
direitos dos trabalhadores considerados coletivamente, pois, tratando-se de simples lesão a
direito individual, remanesce a competência residual da Justiça Estadual. [...] Crimes contra o
sistema financeiro: em razão da exigência inscrita no art. 109, VI, última parte, da Constituição
Federal, limitando a competência da Justiça Federal nesta ordem dos delitos aos casos
determinados em lei, depreende-se que que serão de competência da Justiça Federal apenas os
crimes tipificados em leis que dispuserem expressamente no sentido dessa competência. É o que
ocorre na Lei 7.492/1986, que, ao definir os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,
estabelece no art. 26, caput, que ‘a ação penal, nos crimes previstos nesta Lei, será promovida
pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal’. Crimes contra a ordem econômico-
financeira: também aqui, por imposição do art. 109, VI, da Constituição Federal, a competência
da Justiça Federal exige que haja expressa previsão legal neste sentido. Tome-se como exemplo
os delitos previstos na Lei 8.137/ 1990, que define os crimes contra a ordem tributária,
econômica e contra as relações de consumo. Neste diploma, não existe atribuição de
competência à Justiça Federal. Logo, os delitos nele previstos devem ser processados e julgados
perante a Justiça Estadual. VII – os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou
quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos
a outra jurisdição; O inciso prevê regra simétrica à constante no art. 650, § 1. º, do CPP, dispondo
que “a competência do Juiz cessará sempre que a violência ou coação provier de autoridade
judiciária de igual ou superior jurisdição.” Assim como no âmbito estadual compete ao Juiz de
direito julgar um habeas corpus impetrado contra ato do delegado de polícia, na esfera federal,
a teor do dispositivo em exame, competirá ao Juiz federal a decisão do writ em relação a
constrangimento [...] IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar; Para a definição da competência federal basta que o crime tenha
VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “Considerações
diversas: “1. A Justiça Federal, por ser justiça comum, julga, também, os crimes conexos e é
prevalente em relação a eles, ou seja, ocorrendo conexão, a Justiça Federal tem poder de
atração, julgando todos. [...] 2. Ressalvadas as contravenções, a Justiça Federal julga as infrações
contra o patrimônio público de interesse nacional, como as florestas e os animais silvestres. Não
as matas locais ou animais domésticos. [...] 3. Se um crime seria, em tese, da competência da
Justiça Federal, mas ele é crime-meio que fica absorvido pelo crime-fim, da competência da
Justiça Estadual, esta é que se aplica, inexistindo competência da Justiça Federal. É o que
acontece, por exemplo, com uma falsificação de documento federal, exclusivamente feita para a
prática de crime de estelionato. Sendo este da competência da Justiça Estadual, esta é que
prevalece. [...] 4. Quanto à competência para julgamento dos crimes contra a organização do
trabalho, aplica-se ela somente às infrações contra as instituições do trabalho e não em
detrimento de direitos individuais do trabalho, que são da competência da Justiça Estadual. [...]
5. Em se tratando de norma de direito estrito, a competência da Justiça Federal não se estende
a crimes praticados contra sociedades de economia mista, como, por exemplo, o Banco do Brasil,
já que o texto constitucional menciona, apenas, as entidades autárquicas e as empresas públicas.
[...] 6. A Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça, assim como já dispunha a Súmula 98 do
antigo Tribunal Federal de Recursos, considera da competência da Justiça Federal os crimes
praticados contra servidor público federal, no exercício de suas funções com estas relacionados.
PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN E JORGE ASSAF MALULY (Curso de processo penal, 9ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2014), especificamente sobre a federalização de competência para julgamento de
crimes contra os direitos humanos e a discussão envolvendo a matéria, muito bem retratam as
visões a favor e contra o instituto: “Os defensores desta providência modificadora da
competência (cf. Schreiber e Costa, 2002; Piovesan, 1999) apresentam, em especial, os seguintes
argumentos: a) o Estado Brasileiro pode ser responsabilizado perante Cortes Internacionais por
violação de direitos humanos e, contudo, não detém a responsabilidade nacional para investigar,
processar e punir os autores da violação; b) o sistema judicial federal pode dispor de melhores
instrumentos para enfrentar a impunidade e a afronta à ordem jurídica, muitas vezes ausentes
nos órgãos estaduais de repressão criminal. Com entendimento diverso, os opositores do
deslocamento da competência destacam que esta fere os princípios do juiz e do promotor natural
e possibilita a criação de tribunais de exceção, além de lesar o pacto federativo, porque ressuscita
o antidemocrático instituto da avocatória. Assim, ocorreria uma intervenção da União nos
Estados fora das situações previstas no art. 34 da Constituição Federal, violando-se, portanto,
cláusula pétrea, que não pode sofrer uma modificação por meio de emenda (cf. Rocha, 2005).
Importante destacar, em desfavor da modificação da competência, que o texto da Lei n.
10.446/2002 admitiu a realização da investigação pela Polícia Federal de infrações penais que
resultem grave violação de direitos humanos. Essa lei assegura a efetividade da apuração policial
dos casos previstos em tratados internacionais, sem que se impeça a atuação das polícias
estaduais. Desse modo, quando a investigação realizada pela Polícia Civil dos Estados não se
mostra satisfatória, a Polícia Federal sempre pode atuar em conjunto ou não para esclarecer o
fato criminoso e sua autoria. Nessa hipótese, se não há comprometimento do Ministério Público
ou da Justiça Estaduais, torna-se desnecessária a federalização da competência para processar e
julgar tais delitos. Outra crítica importante sobre o incidente de deslocamento da competência é
apresentada pelo eminente advogado José Carlos Dias (2004), que entende que a então proposta
de emenda constitucional feria o princípio da legalidade, porque não esclarecia o que eram as
graves violações aos direitos humanos e como se mediria tal gravidade, pelo impacto social, pelo
estrépito na sociedade ou na opinião pública”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021), sobre os crimes
ambientais e a competência da Justiça Federal, sustenta: “Como decidiu a Terceira Seção do STJ
(Informativo do STJ, 23/ 09/ 2002), como regra geral, a competência para processar e julgar os
crimes contra o meio ambiente é da Justiça Estadual, salvo os que vierem a lesar bem, serviço ou
interesse da União ou suas entidades, de acordo com o art. 109, IV, da Constituição Federal. Se
o crime ocorrer, por exemplo, em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), a
competência é da Justiça Federal. Assim, o crime ambiental é de competência da Justiça Estadual,
salvo quando praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias
ou Empresa Pública, situação em que será de competência da Justiça Federal, mas não por força
do inciso XI, senão pela incidência do inciso IV do art. 109 da Constituição. É o caso dos crimes
ambientais praticados no interior de áreas de proteção ambiental, parques e/ ou reservas
nacionais, situação em que a competência será da Justiça Federal. [...] Assim, crimes ambientais
praticados em detrimento da Floresta Amazônica brasileira, da Mata Atlântica, da Serra do Mar,
do Pantanal Mato-Grossense e da Zona Costeira deverão ser julgados na Justiça Federal, pois se
trata de patrimônio nacional. Mas a questão não é pacífica e existe entendimento diverso na
jurisprudência no sentido de que o interesse da União tem de ser direto e específico, não sendo
considerado o interesse genérico. Nesta linha: ‘Não é a Mata Atlântica, que integra o patrimônio
nacional a que alude o art. 225, § 4º, da CF, bem da União. Por outro lado, o interesse da União
para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Carta Magna tem
de ser direto e específico, e não, como ocorre no caso, interesse genérico da coletividade,
embora aí também incluído genericamente o interesse da União’ (RE 300.244, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 20/11/2001, 1ª Turma, DJ 19/ 12/2001). No mesmo sentido: RE 349.184,
Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 03/12/2002, 1ª Turma, DJ 07/03/2003. No mesmo
sentido, também existem manifestações do STJ. Também já se decidiu pelo interesse da União
quando o crime ambiental afetou um rio interestadual, deslocando a competência para a Justiça
Federal. Nesse sentido decidiu o TRF 3ª Região, 1ª Turma, Recurso em Sentido Estrito n.
2002.61.02.002904-2/SP, Rel. Des. Vesna Kolmar, j. 13/2/2007”. Também tece, o autor,
considerações sobre a competência dos Juizados Especiais Criminais Federais: “Por fim, cumpre
tecer algumas considerações sobre o Juizado Especial Criminal Federal, cuja competência está
prevista no art. 2º da Lei n. 10.259/2001, posteriormente alterada pela Lei n. 11.313: Art. 2º
Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da
Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de
conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o
tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os
institutos da transação penal e da composição dos danos civis. A referida Lei apenas define a
competência dos JECs federais, cabendo à Lei n. 9.099 disciplinar a estrutura, funcionamento e
institutos aplicáveis. Trataremos dessas questões posteriormente. Agora nos interessa apenas a
questão da competência. Para que um crime seja de competência dos JECs federais, deverão ser
observados dois critérios cumulativos: que o delito praticado seja de competência da Justiça
Federal, logo, que se encaixe numa daquelas situações previstas no art. 109 da Constituição;
que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente
com multa. Presentes esses dois requisitos, o caso penal deverá ser remetido ao JEC federal. É o
que ocorre com o delito de dano contra o patrimônio da União ou qualquer crime praticado por
ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2
anos, tais como: peculato culposo, art. 312, § 2º; prevaricação, art. 319; condescendência
criminosa, art. 320; advocacia administrativa, art. 321; resistência, art. 329; desobediência, art.
330; desacato, art. 331, entre outros. No seu parágrafo único, prevê a lei que em caso de conexão
(ou continência, se for o caso) entre um crime de competência do JEC e outro que, por sua
gravidade, extrapole essa competência, haverá a reunião fora do JEC, mas mantidas as
possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor
potencial ofensivo”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), sobre os casos
conexos envolvendo a Justiça Federal e Justiça Estadual, assinala: “Não há graduação entre
Justiça Estadual Comum e Justiça Federal Comum, mas a jurisprudência é no sentido de que,
havendo conexão envolvendo essas duas esferas de jurisdição, prevalece a competência da
Justiça Federal, cuja delimitação é encontrada na Constituição Federal (art. 109), enquanto a
Estadual, não. Bem por isso a Súmula 122 do STJ, que tem o seguinte teor: ‘Compete à Justiça
Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e
estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal’.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018), ao tratar sobre a conexão
de crimes afetos à competência das justiças federal e estadual, pondera acerca da diferença
entre esse instituto e o Incidente de Deslocamento de Competência, os quais não se confundem:
“O instituto da conexão entre crimes de competência da justiça federal e crimes de competência
da justiça estadual não pode ser confundido com o IDC, pois a previsão da Súmula 122 do próprio
STJ não pode autorizar o entendimento de que há uma espécie de deslocamento de
competência, in verbis: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes
conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código
de Processo Penal. Não podemos confundir a conexão, ou seja, a ligação, o liame, o nexo entre
dois fatos, com o IDC. Na conexão, prevista na Súmula 122 do STJ, um dos crimes é de
competência da justiça federal e outro da competência da justiça estadual. Nesse caso, a regra é
de que prevalece a competência da Justiça Federal para processar e julgar os dois fatos. Logo,
não há ‘deslocamento de competência’, mas sim prevalência da justiça federal sobre a estadual.
Trata-se de entendimento jurisprudencial, através da súmula, da regra processual insculpida no
art. 78, II, a, do CPP. Os princípios da celeridade e economia processual autorizam a unidade de
processo e julgamento, além, é claro, de impedir decisões conflitantes. Na conexão, são dois (ou
mais) os fatos, um de competência da justiça estadual e o outro de competência da justiça
federal. No IDC, temos um único fato, que é da competência da justiça estadual (ou distrital),
sendo apreciado pelo STJ e deslocado para a justiça federal, que não é competente para conhecer
daquela matéria”.
Não por outro motivo que a Justiça Estadual tem o maior número e variedade de crimes dentro da sua
competência. O raciocínio é basicamente o seguinte: tudo aquilo que não se encaixar em matéria de
competência especial ou na esfera da Justiça Federal ficará, por exclusão, na alçada da Justiça dos Estados.
Tribunal, havendo previsão, comportam recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o
Supremo Tribunal Federal (Avena, 2020).
Furto, roubo, tráfico, estelionato e tantos outros crimes comuns serão de competência da Justiça Estadual,
desde que, por alguma norma de especialização, não sejam atribuídos a outra Justiça. Por exemplo: um furto
praticado contra a Caixa Econômica Federal (empresa pública federal) será de competência da Justiça Federal
(CF, art. 109, IV); um furto contra um cidadão comum será processado e julgado na esfera estadual.
Doutrina complementar
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019): “Não
sendo o caso de infração penal que por sua natureza deva ser julgada por uma das Justiças
Especiais ou pela Justiça Federal, caberá à Justiça Comum dos Estados o processo e julgamento
do feito. Por essa razão, diz-se que a Justiça Comum Estadual tem, no que tange ao critério
ratione materiae, competência residual”.
Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar
a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação
até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça
comum. [...]
de voto no caso de empate. A escolha desse Tribunal será feita - a dos membros do legislativo,
mediante eleição pela Assembleia: a dos desembargadores, mediante sorteio. [...]
Art. 79. Parágrafo único. Os Secretários de Estado, nos crimes conexos com os dos governadores,
serão sujeitos ao mesmo processo e julgamento.
Doutrina complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 12ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2021),
concernente à justiça política exercida pelo Senado Federal, aduz: “Prerrogativas constitucionais
do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente
da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade
(Constituição, arts. 86, 89, § 2. º, e 100): Incide, neste caso, o que se denomina de jurisdição
política, impondo que determinadas condutas não sejam processadas e julgadas pelo Poder
Judiciário, mas sim por órgãos do Poder Legislativo. Relativamente às categorias aqui
mencionadas, o art. 52, I e II, da Carta Política atribuiu ao Senado Federal a competência privativa
para processar e julgar: • O Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; • Os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional
do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes
de responsabilidade. Embora se refira, impropriamente, o dispositivo a ‘crimes de
responsabilidade’, essa previsão respeita, na verdade, às chamadas infrações político-
administrativas, as quais, no que concerne ao Presidente da República, ao Vice-Presidente da
República, aos Ministros de Estado, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao Procurador-
Geral da República, ao Advogado-Geral da União e aos Governadores e Secretários dos Estados,
estão definidas na Lei 1.079/ 1950. Não se trata, assim, de crimes no sentido comum, visto que
não há pena de prisão ou de multa cominadas, mas sim perda do cargo e inabilitação temporária
para o exercício de cargo ou função pública. No tocante a tal ordem de infrações, o processo
penal será regulado pela referida Lei 1.079/ 1950, pela Constituição Federal e pelo disposto no
regimento interno do Senado Federal, sendo esta a razão pela qual a hipótese em apreço é
considerada uma exceção ao princípio da territorialidade inerente à lei processual penal”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “A Justiça
Política, exercida por órgãos diversos do Poder Judiciário (de forma extraordinária), tem a
competência de julgar só crimes de responsabilidade no sentido estrito do termo, tratando-se de
atividade jurisdicional exercida por órgãos da estrutura política do Legislativo (órgão político,
conforme denominação doutrinária imprópria). Crimes de responsabilidade não se confundem
com crimes comuns. Os crimes de responsabilidade impõem sanções diversas de pena privativa
de liberdade. Os crimes de responsabilidade em sentido estrito são, em verdade, infrações
político-administrativas que podem conduzir ao afastamento das funções, a um impeachment.
De todo modo, tais crimes e respectivas sanções precisam estar tipificados em lei, porém não
deságuam em processo criminal convencional com imposição de penas privativas de liberdade,
mas em sanções de ordem política. [...] A autorização para processamento de determinadas
autoridades e o julgamento dos crimes de responsabilidade que, tecnicamente, são infrações
político-administrativas, é levado a cabo por órgãos do Poder Legislativo: 1) o art. 51, I, da CF,
dispõe que compete privativamente à Câmara dos Deputados autorizar, por dois terços de seus
membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os
Ministros de Estado; 2) o art. 52, I, da CF, prevê que compete privativamente ao Senado Federal:
(a) processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (b) processar e julgar os
JURISPRUDÊNCIA PERTINENTE
STF
Súmula Vinculante 36: Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes
de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e
Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.
Súmula 498, STF: Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos
crimes contra a economia popular.
Súmula 522, STF: Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a competência será da justiça
federal, compete à justiça dos estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.
Súmula 555, STF: É competente o Tribunal de Justiça para julgar conflito de jurisdição entre Juiz de Direito
do Estado e a Justiça Militar local.
Súmula 603, STF: A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do
tribunal do júri.
STJ
Súmula 6, STJ: Compete a Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de
trânsito envolvendo viatura de polícia militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação
de atividade.*
Súmula 38, STJ: Compete a Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por
contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de
suas entidades.
Súmula 42, STJ: Compete a Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte
sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.
Súmula 47, STJ: Compete a Justiça Militar processar e julgar crime cometido por militar contra civil, com
emprego de arma pertencente a corporação, mesmo não estando em serviço.
Súmula 53, STJ: Compete a Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime
contra instituições militares estaduais.
Súmula 59, STJ: Não há conflito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida
por um dos juízos conflitantes.
Súmula 62, STJ: Compete a Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na carteira de
trabalho e previdência social, atribuído a empresa privada.
Súmula 75, STJ: Compete a Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de
promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal.*
Súmula 78, STJ: Compete a Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o
delito tenha sido praticado em outra unidade federativa.
Súmula 90, STJ: Compete a Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime
militar, e a comum pela prática do crime comum simultâneo aquele.*
Súmula 104, STJ: Compete a Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de
documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino.
Súmula 107, STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de estelionato praticado
mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrente
lesão à autarquia federal.
Súmula 140, STJ: Compete a Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure
como autor ou vítima.
Súmula 147, STJ: Compete a Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário
público federal, quando relacionados com o exercício da função.
Súmula 165, STJ: Compete à justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no
processo trabalhista.
Súmula 172, STJ: Compete a Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade,
ainda que praticado em serviço.* 8
8
Vide nota 1.
Súmula 192, STJ: Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a
sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a
Administração Estadual.
Súmula 208, STJ: Compete a Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba
sujeita a prestação de contas perante órgão federal.
Súmula 209, STJ: Compete a Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e
incorporada ao patrimônio municipal.
Súmula 546, STJ: A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em
razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação
do órgão expedidor.
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 114, I, IV e IX, da CF, na redação dada pela Emenda
Constitucional 45/2004. 3. Competência Criminal da Justiça do Trabalho. Inexistência. 4. Medida
cautelar deferida pelo Plenário e confirmada no julgamento de mérito. 5. Interpretação
conforme ao disposto no art. 114, I, IV e IX, da Constituição da República, de modo a afastar a
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações penais. 6. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3684, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal
Pleno, julgado em 11/05/2020).
Uma vez reconhecida a competência da Justiça Estadual para julgar o feito, cabia a ratificação
da denúncia pelo Ministério Público local ou o oferecimento de nova peça, o que, no caso, não
ocorreu. Não se pode acatar o argumento do acórdão impugnado no sentido de que houve
ratificação implícita da peça acusatória. Habeas corpus deferido para anular o processo a partir
da denúncia, inclusive. (HC 77024, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em
02/06/1998).
A decisão que declarou extinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com
suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito em julgado e produz efeitos.
A Justiça Militar estadual não dispõe de competência penal para processar e julgar civil que
tenha sido denunciado pela pratica de crime contra a Policia Militar do Estado. Qualquer
tentativa de submeter os réus civis a procedimentos penais-persecutórios instaurados perante
órgãos da Justiça Militar estadual representa, no contexto de nosso sistema jurídico, clara
violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5., LIII). - A Constituição Federal, ao
definir a competência penal da Justiça Militar dos Estados-membros, delimitou o âmbito de
incidência do seu exercício, impondo, para efeito de sua configuração, o concurso necessário de
dois requisitos: um, de ordem objetiva (a pratica de crime militar definido em lei) e outro, de
índole subjetiva (a qualificação do agente como policial militar ou como bombeiro militar). A
competência constitucional da Justiça Militar estadual, portanto, sendo de direito estrito,
estende-se, tão-somente, aos integrantes da Policia Militar ou dos Corpos de Bombeiros Militares
que hajam cometido delito de natureza militar. (HC 70604, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Primeira Turma, julgado em 10/05/1994).
cujas disposições não mais estão previstas na Constituição. 2ª) Incompetência da Justiça Militar:
a Carta de 1969 dava competência à Justiça Militar para julgar os crimes contra a segurança
nacional (artigo 129 e seu § 1º); entretanto, a Constituição de 1988, substituindo tal
denominação pela de crime político, retirou-lhe esta competência (artigo 124 e seu par. único),
outorgando-a à Justiça Federal (artigo 109, IV). 3ª) [...] Só há crime político quando presentes os
pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/82), ao qual se integram
os do artigo 1º: a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a
perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada no
artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe agregue a motivação política. Precedentes. 3. Recurso
conhecido e provido, em parte, por seis votos contra cinco, para, assentada a natureza comum
do crime, anular a sentença e determinar que outra seja prolatada, observado o Código Penal.
(RC 1468 segundo, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO
CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2000).
[...] Apuração de crimes praticados contra a Companhia Docas do Pará, que, utilizando-se
também de recursos da União, administra e explora as instalações portuárias do referido Estado.
Atividades atribuídas pelo constituinte originário exclusivamente ao ente federal. Artigo 21,
inciso XII, alínea f, da Constituição da República. Interesse jurídico direto e específico da União
amplamente demonstrado. Competência da Justiça Federal. [...] o interesse jurídico direto e
específico da União revela-se incontroverso na espécie, pois a Companhia Docas do Pará tem
por ofício, utilizando-se também de recursos da União, administrar e explorar as instalações
portuárias do referido Estado. Atividades atribuídas pelo constituinte originário
exclusivamente ao ente federal, conforme preleciona o art. 21, inciso XII, alínea f, da
Constituição da República. 3. Agravos regimentais não providos. (RE 614115 AgR,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/09/2014).
Min. Carlos Velloso; HC 56.444, Rel. Min. Cunha Peixoto; HC 71.849, Rel. Min. Ilmar Galvão; e o
HC 77.717, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, em caso que muito se assemelha ao presente.
[...] (RE 429171, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 14/09/2004).
[...] Competência para processar e julgar crime de incitação à discriminação cometido por meio
da internet. Ofensas dirigidas a pessoas determinadas. [...] É da Justiça estadual a competência
para processar e julgar o crime de incitação à discriminação racial por meio da internet
cometido contra pessoas determinadas e cujo resultado não ultrapassou as fronteiras
territoriais brasileiras. 3. Ordem denegada. (HC 121283, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO,
Primeira Turma, julgado em 29/04/2014).
[...] CONTRABANDO DE ARMA DE FOGO (CP, ART. 334, § 1º, C). DESCLASSIFICAÇÃO PARA
RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180). PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A norma do art. 81, caput, do CPP, ainda que busque privilegiar a
celeridade, a economia e a efetividade processuais, não possui aptidão para modificar
competência absoluta constitucionalmente estabelecida, como é o caso da competência da
Justiça Federal. 2. Ausente qualquer das hipóteses previstas no art. 109, IV, da CF, ainda que
isso somente tenha sido constatado após a realização da instrução, os autos devem ser
remetidos ao Juízo competente, nos termos do § 2º do art. 383 do CPP. 3. Ordem concedida.
(HC 113845, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 20/08/2013).
[...] Tráfico internacional de crianças. Artigo 239 da Lei nº 8.069/90. Nulidade do processo.
Reconhecimento pretendido. Alegada incompetência funcional do juiz estadual que declinou da
competência para a Justiça Federal. [...] Questão, ademais, irrelevante e superada, diante da
remessa do processo à Justiça Federal, competente para processar e julgar o crime descrito no
art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 109, V, Constituição Federal). [...] (HC
121472, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014).
praticado por militar em serviço, ou no exercício da função. Inteligência da alínea 'c' do inciso II
do art. 9º do CPM." (CC 157.328/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA
SEÇÃO, DJe 05/06/2018) 3. "A Terceira Seção do STJ, no julgamento do Conflito de Competência
n. 161.898/MG, da relatoria do Ministro SEBASTIÃO REIS JUNIOR, DJe de 20/2/2019, firmou o
entendimento de que a alteração de competência promovida pela Lei n. 13.491/2017 é de
natureza processual, motivo pelo qual deve ser aplicada imediatamente aos processos em
curso, mesmo que o fato tenha ocorrido antes da vigência da nova lei, como é o caso dos autos.
Diante das alterações de direito material previstas na Lei n. 13.491/2017, caberá à Justiça Militar
processar e julgar os crimes previstos na legislação penal comum, bem como aplicar os institutos
típicos do direito penal e processual penal comum mais benéficos ao tempo do crime." (AgRg no
CC 165.536/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 26/02/2020)
4. No caso em análise, embora um dos três policiais militares envolvidos encontrava-se de folga,
o crime de tortura foi praticado em razão da função por ele exercida, submetendo a vítima, que
estava sob a sua autoridade, a intenso sofrimento físico, em lugar sujeito à administração militar,
qual seja, no quartel da Polícia Militar de Chapada Gaúcha/MG. Nesse contexto está
caracterizado crime militar, nos termos do art. 9º , inciso "b" e "c" do Código Penal Militar.
Precedente. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Auditor da Auditoria da
2ª Circunscrição Judiciária Militar do Estado de Minas Gerais, o suscitante. (CC 163.365/MG, Rel.
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2020, DJe 27/11/2020).
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. CRIME MILITAR COMETIDO POR POLICIAL
MILITAR DO ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. DEMISSÃO ANTERIOR À
INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. IRRELEVÂNCIA. JUÍZO NATURAL QUE SE FIXA À ÉPOCA
DO FATO. 2. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Crime militar cometido por militar no
exercício da função. Em homenagem à garantia do juízo natural, a competência deve ser fixada
sempre em relação à qualidade que o recorrente apresentava no momento do cometimento
do fato, não podendo ser alterada por conta de alteração fática posterior (exoneração). 2.
Recurso a que se nega provimento. (RHC 20.348/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/06/2008).
CRIMINAL. HC. FURTO. ROUBO. DELITO COMETIDO POR MILITAR CONTRA MILITAR, AMBOS
FORA DO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA O
JULGAMENTO DO FEITO. ORDEM DENEGADA. Hipótese em que o paciente – policial militar –,
juntamente com outro co-réu, praticou o delito de roubo contra vítima qualificada como
soldado do exército. Evidenciado o cometimento de crime de roubo fora do exercício da função
militar do envolvido, em razão de interesse alheio à sua atividade de policial militar, sendo que
a vítima, apesar de ser soldado do exército, também não se encontrava no desempenho de seu
ofício, sobressai a competência da Justiça Comum para o julgamento do feito. Precedentes.
Ordem denegada. (HC 40.241/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
26/04/2005, DJ 23/05/2005, p. 319).
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. CRIME MILITAR COMETIDO POR POLICIAL
MILITAR DO ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. DEMISSÃO ANTERIOR À
INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. IRRELEVÂNCIA. JUÍZO NATURAL QUE SE FIXA À ÉPOCA
DO FATO. 2. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Crime militar cometido por militar no
exercício da função. Em homenagem à garantia do juízo natural, a competência deve ser fixada
sempre em relação à qualidade que o recorrente apresentava no momento do cometimento
do fato, não podendo ser alterada por conta de alteração fática posterior (exoneração). 2.
Recurso a que se nega provimento. (RHC 20.348/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/06/2008).
eventual crime eleitoral conexo. (CC 107.913/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2012, DJe 31/10/2012).
Federal da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Uruguaiana, o suscitante. (CC 101.444/RS, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010).
Esta Corte Superior tem posição definida quanto à competência para processar e julgar crimes
praticados contra agências Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), fundando-se
suas decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração
indireta federal - caso em que a competência seria da Justiça Federal, nos termos do artigo 109,
inciso IV, da Constituição Federal - ou se objeto de franquia, isto é, a exploração do serviço por
particulares - quando então se verificaria a competência da Justiça Estadual [...] (HC 39.200/SP,
Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 19/12/2005,
p. 475).
declarar a competência do Juízo Federal e Juizado Especial de Brusque - SJ/SC, o suscitante. (CC
122.596/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012,
DJe 22/08/2012).
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DO ART. 273, §§ 1º e 1º-B, INCS. I E II, DO CÓDIGO
PENAL. APREENSÃO DE ANABOLIZANTES DE ORIGEM ESTRANGEIRA SEM O DEVIDO REGISTRO
NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. NÃO
CARACTERIZAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. "De ordinário, o crime do art. 273
do Código Penal não é cometido 'em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de
suas entidades autárquicas ou empresas públicas'. Salvo se houver provas ou fortes indícios da
transnacionalidade da conduta delitiva ou de conexão instrumental ou probatória com crime
da competência da Justiça Federal, a competência para processar e julgar a ação penal a ele
correspondente é da Justiça estadual" (CC 127.307/SP, Terceira Seção, julgado em 10/06/2015).
[...] (CC 128.668/SP, Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/SC), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2015).
Ofende diretamente interesse da União Federal, atraindo a competência da Justiça Federal (art.
109, IV da CF), a conduta de Policiais Federais que mesmo fora do exercício funcional, mas
vestindo a farda, portando o distintivo da corporação, as identidades e as armas e no uso de
viatura oficial da DPF, praticam crimes contra pessoas alheias à Administração Pública. [...]
(REsp 1102270/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em
23/11/2010, DJe 06/12/2010).
e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso/MG, o Suscitado. (CC 150.564/MG, Rel. Min.
REYNALDO SOARES DA FONSECA, 3ª SEÇÃO, j. em 26/04/2017).
[...] É entendimento pacificado por esta Corte o de que as contravenções penais são julgadas
pela Justiça Comum Estadual, mesmo se cometidas em detrimento de bens, serviços ou
interesses da União ou de suas entidades. Súmula n.º 38 desta Corte. 2. Até mesmo no caso de
conexão probatória entre contravenção penal e crime de competência da Justiça Comum
Federal, aquela deverá ser julgada na Justiça Comum Estadual. Nessa hipótese, não incide o
entendimento de que que compete à Justiça Federal processar e julgar, unificadamente, os
crimes conexos de competência federal e estadual (súmula n.º 122 desta Corte), pois tal
determinação, de índole legal, não pode se sobrepor ao dispositivo de extração constitucional
que veda o julgamento de contravenções por Juiz Federal (art. 109, inciso IV, da Constituição
da República). [...] (AgRg no CC 118.914/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 29/02/2012, DJe 07/03/2012).
instrumento processual adequado para tal fim. 3. Afasta-se a competência da Justiça Federal,
pela não-ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas no art. 109 da Constituição Federal,
mormente pela não-configuração de crime cometido a bordo de aeronave. 4. Não existe
qualquer óbice legal para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias
brasileira e paraguaia, tendo em vista a regra constante do art. 8º do Código Penal. 5. Ordem
denegada. (HC 41.892/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em
02/06/2005).
"b", da Lei 9.613/1998, o crime de lavagem de dinheiro será da competência da Justiça Federal
quando praticado contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas; ou quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça
Federal. Não havendo prova de que o delito antecedente é de competência da Justiça Federal,
nem tampouco indícios de que os crimes investigados têm potencial para afetar o sistema
financeiro nacional ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, é inviável
o reconhecimento da competência da Justiça Federal. [...] (CC 155.351/GO, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 28/02/2018).
127.706/RS, de relatoria do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, esta egrégia Terceira Seção
pacificou o entendimento no sentido de que "o sujeito passivo primário do crime omissivo do
art. 297, § 4.º, do Diploma Penal, é o Estado, e, eventualmente, de forma secundária, o
particular, terceiro prejudicado, com a omissão das informações, referentes ao vínculo
empregatício e a seus consectários da CTPS. Cuida-se, portanto de delito que ofende de forma
direta os interesses da União, atraindo a competência da Justiça Federal, conforme o disposto
no art. 109, IV, da Constituição Federal" (DJe 9/4/2014). [...] (CC 145.567/PR, Rel. Ministro JOEL
ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016).
excluído da Corporação Militar. [...] (CC 109.355/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2011, DJe 30/05/2011).
1 - CONCEITO
A depender da função ou cargo que determinado indivíduo exerça – notadamente os de significativo
prestígio, influência e importância nos quadros do Poder Público – sofrerá a competência para o julgamento
de suas respectivas causas penais diametrais mudanças.
E isso não é a esmo. EUGENIO PACELLI muito bem esclarece o propósito pretendido pelo legislador constituinte
quando da positivação e implementação desse instituto:
E continua o autor:
Optou-se, então, pela eleição de órgãos colegiados do Poder Judiciário, mais afastados, em tese,
do alcance das pressões externas que frequentemente ocorrem em tais situações, e em atenção
também à formação profissional de seus integrantes, quase sempre portadores de mais alargada
experiência judicante, adquirida ao longo do tempo de exercício na carreira. (Pacelli, 2017).
Por vezes se ouve, mundo afora – mormente nos noticiários –, menções ao famoso e erroneamente
denominado “foro privilegiado” (embora alguns doutrinadores também utilizem), referindo-se, em verdade,
à competência por prerrogativa de função. Para a doutrina majoritária, não se trata de privilégio concedido
à pessoa, mas de uma prerrogativa, constitucionalmente assegurada, que concerne única e exclusivamente
à função ou cargo exercido. Nesse sentido, bem assevera FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:
É verdade que a Lei Maior, no art. 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei”.
Sendo, como efetivamente são, esse direito concedido a tais pessoas não conflitaria com aquela
igualdade? Obviamente não. Não se trata (conforme dissemos) de um privilégio, o que seria
odioso, mas de uma garantia, de elementar cautela, para amparar, a um só tempo, o responsável
e a Justiça, evitando, por exemplo, a subversão da hierarquia, e para cercar o seu processo e
julgamento de especiais garantias, protegendo-os contra eventuais pressões que os supostos
responsáveis pudessem exercer sobre os órgãos jurisdicionais inferiores. Observe-se que esse
foro não é concedido à pessoa, mas lhe é dispensado em atenção à importância ou relevância
do cargo ou função que exerça (Filho, 2011).
A propósito, EDILSON MOUGENOT BONFIM assenta a impropriedade da denominação “foro privilegiado”, não
apenas em relação ao dito ‘privilégio’, mas também em relação ao próprio termo ’foro’:
Contudo, para fins didáticos e a fim de se evitar confusão terminológica entre os autores que foram e serão
citados ao decorrer deste tema, utilizar-se-á o termo “foro” para se lhe referir. Fica o registro e a ressalva,
de qualquer modo.
Convém assinalar que esse critério para fixação de competência não escapa de críticas, as mais variadas.
GUILHERME DE SOUZA NUCCI, por exemplo, posiciona-se contra a manutenção dessa prerrogativa no
ordenamento jurídico:
A doutrina, de maneira geral, justifica a existência do foro privilegiado como maneira de dar
especial relevo ao cargo ocupado pelo agente do delito e jamais pensando em estabelecer
desigualdades entre os cidadãos. Entretanto, não estamos convencidos disso. Se todos são iguais
perante a lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o criminoso do seu juiz
natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi
praticado. Não vemos motivo suficiente para que o Prefeito seja julgado na Capital do Estado,
nem para que o juiz somente possa sê-lo pelo Tribunal de Justiça ou o desembargador pelo
Superior Tribunal de Justiça e assim por diante. Se à Justiça Cível todos prestam contas
igualmente, sem qualquer distinção, natural seria que a regra valesse também para a Justiça
Criminal. O fato de se dizer que não teria cabimento um juiz de primeiro grau julgar um Ministro
de Estado que cometa um delito, pois seria uma “subversão de hierarquia” não é convincente,
visto que os magistrados são todos independentes e, no exercício de suas funções jurisdicionais,
não se submetem a ninguém, nem há hierarquia para controlar o mérito de suas decisões. Logo,
julgar um Ministro de Estado ou um cidadão qualquer exige do juiz a mesma imparcialidade e
dedicação, devendo-se clamar pelo mesmo foro, levando em conta o lugar do crime e não a
função do réu (Nucci, 2015).
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal voltou a tratar (em caráter definitivo) sobre o tema. Trata-se da Ação
Penal (AP) 937/RJ, de relatoria do Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, cuja decisão final data de 03 de maio de 2018.
Em linhas gerais, referida decisão acabou por limitar significativamente a abrangência da prerrogativa de
foro. Mas como ficou, então?
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, resolveu questão de ordem no
sentido de fixar as seguintes teses: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos
crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii)
Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para
apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será
mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que
ocupava, qualquer que seja o motivo”, com o entendimento de que esta nova linha interpretativa
deve se aplicar imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos
praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência
anterior, conforme precedente firmado na Questão de Ordem no Inquérito 687 (Rel. Min. Sydney
Sanches, j. 25.08.1999), e, como resultado, no caso concreto, determinando a baixa da ação
penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro para julgamento, tendo em vista que (i)
os crimes imputados ao réu não foram cometidos no cargo de Deputado Federal ou em razão
dele, (ii) o réu renunciou ao cargo para assumir a Prefeitura de Cabo Frio, e (iii) a instrução
processual se encerrou perante a 1ª instância, antes do deslocamento de competência para o
Supremo Tribunal Federal. Vencidos: em parte, os Ministros Alexandre de Moraes e Ricardo
Lewandowski, que divergiam do Relator quanto ao item (i); em parte, o Ministro Marco Aurélio,
que divergia do Relator quanto ao item (ii); em parte, o Ministro Dias Toffoli, que, em voto
reajustado, resolveu a questão de ordem no sentido de: a) fixar a competência do Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente
quanto aos crimes praticados após a diplomação, independentemente de sua relação ou não
com a função pública em questão; b) fixar a competência por prerrogativa de foro, prevista na
Constituição Federal, quanto aos demais cargos, exclusivamente quanto aos crimes praticados
após a diplomação ou a nomeação (conforme o caso), independentemente de sua relação ou
não com a função pública em questão; c) serem inaplicáveis as regras constitucionais de
prerrogativa de foro quanto aos crimes praticados anteriormente à diplomação ou à nomeação
(conforme o caso), hipótese em que os processos deverão ser remetidos ao juízo de primeira
instância competente, independentemente da fase em que se encontrem; d) reconhecer a
inconstitucionalidade das normas previstas nas Constituições estaduais e na Lei Orgânica do
Distrito Federal que contemplem hipóteses de prerrogativa de foro não previstas expressamente
na Constituição Federal, vedada a invocação de simetria; e) estabelecer, quando aplicável a
competência por prerrogativa de foro, que a renúncia ou a cessação, por qualquer outro motivo,
da função pública que atraia a causa penal ao foro especial, após o encerramento da fase do art.
10 da Lei nº 8.038/90, com a determinação de abertura de vista às partes para alegações finais,
não altera a competência para o julgamento da ação penal; e, em parte, o Ministro Gilmar
Mendes, que assentou que a prerrogativa de foro alcança todos os delitos imputados ao
destinatário da prerrogativa, desde que durante a investidura, sendo desnecessária a ligação com
o ofício, e, ao final, propôs o início de procedimento para a adoção de Súmula Vinculante em que
restasse assentada a inconstitucionalidade de normas de Constituições Estaduais que disponham
sobre a competência do Tribunal de Justiça para julgar autoridades sem cargo similar
contemplado pela Constituição Federal e a declaração incidental de inconstitucionalidade dos
incisos II e VII do art. 22 da Lei 13.502/17; dos incisos II e III e parágrafo único do art. 33 da Lei
Complementar 35/79; dos arts. 40, III, V, e 41, II, parágrafo único, da Lei 8.625/93; e do art. 18,
II, “d”, “e”, “f”, parágrafo único, da Lei Complementar 75/93. Presidiu o julgamento a Ministra
Cármen Lúcia. Plenário, 3.5.2018. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado
em 03/05/2018.
Por força dessa decisão, assentaram-se duas premissas, concomitantes, para adoção do foro por prerrogativa
de função, uma temporal e outra material:
É dizer: se o crime foi praticado durante o exercício do cargo, mas não tem qualquer relação com as
respectivas funções (v.g. deputado federal que pratica crime de lesão corporal em âmbito doméstico e
familiar contra sua esposa), será competente para o processamento e julgamento do delito o juízo de
primeira instância. Da mesma forma, se um senador pratica um crime comum anteriormente à sua
diplomação como parlamentar, também será competente o juízo de primeira instância (desconsiderando-se
a prerrogativa).
Portanto, somente será julgado perante o STF, no caso dos parlamentares federais, o crime praticado após
a diplomação, na constância do mandato, tendo esse crime efetiva relação com as funções exercidas.
Por outro lado, fixou-se um marco temporal, um limite, a ser observado dentro de cada procedimento, até
quando ainda será possível alterar-se a competência: a publicação do despacho de intimação das partes para
a apresentação de alegações finais.
Para que se tenha ideia, veja o curioso contexto da situação fática referente à mesma AP 937:
A discussão se deu no julgamento da questão de ordem na AP 937, que teve início em maio do
ano passado. O caso concreto é de ação ajuizada pelo MP eleitoral contra o ex-deputado Federal
Marquinho Mendes, por suposta compra de votos nas eleições municipais de 2008, quando foi
eleito prefeito de Cabo Frio/RJ.
Em 2015, Mendes foi diplomado deputado, então o processo subiu para o Supremo. Mas, nas
eleições municipais de 2016, Marquinho Mendes foi eleito novamente prefeito de Cabo Frio e
renunciou ao mandato de deputado para assumir a prefeitura. Com isso, a competência voltaria
para o TRE. Com as mudanças de competência e o risco de prescrição da pena, o relator decidiu
remeter a questão de ordem ao plenário.
Com a decisão, foi determinada a baixa da ação penal ao juízo da 256ª zona eleitoral do RJ para
julgamento, tendo em vista que o crime imputado ao réu não foi cometido no cargo de deputado
Federal e em razão dele, e ainda que o réu renunciou ao cargo para assumir ao cargo de prefeito,
tendo a instrução processual se encerrado na 1ª instância, antes do deslocamento do processo
(MIGALHAS. STF limita foro privilegiado a crimes durante e em função do cargo. Disponível em:
<https://bit.ly/2NpPobf>. Acesso em: 27 mar. 2019).
Assim, encerrada a instrução criminal, publicado o despacho intimando as partes para apresentarem as
alegações finais, a competência não mais se alterará, independentemente do cargo eventualmente
ocupado/alterado pelo réu. A regra da atualidade, portanto, foi mitigada.
Essa nova orientação acerca do instituto passou a surtir efeito imediatamente (em 03 de maio de 2018),
incidindo sobre todos os processos em curso, sem prejuízo dos atos praticados anteriormente à decisão.
Por fim, vale registrar que a real abrangência da decisão do STF ainda não está completamente delimitada.
A priori, entendia-se que a decisão valia apenas para os parlamentares federais (senadores e deputados
federais). Inclusive, a extensão dos efeitos aos demais cargos e funções públicas chegou a ser proposta no
voto do Min. DIAS TOFFOLI, o que não acabou por constar da tese final.
Apesar disso, o STJ já decidiu (APn 857/DF) pela aplicação do entendimento exarado pelo STF a todos os
cargos e funções elencados no art. 105 da CF (in casu, a governadores e conselheiros de tribunais de contas)
- o que indica uma provável e gradual extensão dos efeitos aos demais cargos e funções:
dos Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Jorge Mussi, no mesmo sentido, a
retificação de voto do Sr. Ministro Relator no sentido de que a competência penal originária do
Superior Tribunal de Justiça em relação a todas as autoridades listadas no art. 105 da Constituição
é restrita aos delitos praticados no período em que o agente ocupa a função e deve ter relação
intrínseca às atribuições exercidas e estabelecendo, ainda, outras premissas, segundo o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, bem como determinando a imediata remessa dos
autos à Primeira Instância, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Og Fernandes, a Corte
Especial, por maioria, entendeu, preliminarmente, que cabe ao STJ interpretar a sua competência
constitucional, e, no caso concreto, por unanimidade, determinou a baixa dos autos ao juízo de
primeiro grau. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Petição Nº IJ1148/2018
- QO na APn 857 (3001)
Trata-se, segundo o STJ, de interpretação simétrica àquela dada pelo STF, a fim de que se mantenha a
coerência, integridade e unidade da Constituição Federal. A adoção do entendimento pelo STJ acabou por
constar do seu Informativo 630, de 30/08/2018, cujo destaque é: “As hipóteses de foro por prerrogativa de
função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício
do cargo ou função”.
Por outro lado – e, aqui, perceba a insegurança na matéria –, o próprio STJ, depois, em Questão de Ordem
levantada na Ação Penal 878/DF, decidiu pela manutenção do foro por prerrogativa de função (no STJ) para
julgamento de crime de lesão corporal praticado por desembargador, mesmo não havendo sido cometido
em razão do seu cargo. Segundo se entendeu, não obstante a tese fixada pelo STF por ocasião da AP 937/RJ,
não se poderia admitir fosse o desembargador julgado por magistrado de primeiro grau vinculado ao mesmo
tribunal, porquanto isso representaria risco à independência na atividade judicante. Confira a ementa:
2. O crime que é imputado ao réu não tem relação com o exercício do cargo de Desembargador,
de modo que, a princípio, aplicando-se o precedente produzido pelo Supremo Tribunal Federal
no julgamento da QO na AP 937, não teria o réu foro no Superior Tribunal de Justiça.
4. Para além disso, nos casos em que são membros da magistratura nacional tanto o acusado
quanto o julgador, a prerrogativa de foro não se justifica apenas para que o acusado pudesse
exercer suas atividades funcionais de forma livre e independente, pois é preciso também que o
julgador possa reunir as condições necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de
forma imparcial.
Fato é que o último julgado constitui situação excepcional. Como regra geral, só haverá se falar em foro por
prerrogativa de função quando o crime for praticado pela autoridade durante o exercício do cargo/mandato
eletivo e em razão desse cargo ou mandato.
Por fim, e a título de complementação, no que se refere às ações de improbidade administrativa, nas lições
de BRASILEIRO, não haveria se falar nesse foro por prerrogativa de função:
Ação de improbidade administrativa: não há falar em foro por prerrogativa de função, haja vista
a declaração da inconstitucionalidade do art. 84, § 2º, do CPP. Tratando-se de ação civil por
improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição da
competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de
mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá
ser ajuizada perante magistrado de primeiro grau (Lima, 2021).
Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797, o STF, em 15.09.2005, por maioria,
declarou inconstitucionais precitados §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, o que implicou no
entendimento desde então vigorante no sentido de que não mais existe foro privilegiado para
ação de improbidade administrativa. Não obstante, recomenda-se cautela aos operadores do
Direito no enfrentamento do tema e o acompanhamento atento da jurisprudência, pois o STJ, a
partir do julgamento da Reclamação 2.790/ SC (DJ 04.03.2010), tem oscilado, ora entendendo
que o foro privilegiado presente na esfera criminal também deve ser aplicado às ações civis
públicas de improbidade administrativa quando houver a possibilidade de a autoridade
investigada perder o cargo ou o mandato, ora seguindo a mesma orientação do STF e
compreendendo que não existe prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa.
Para ilustrar o alcance dessa divergência, considere-se que, em determinada hipótese concreta,
pretenda o Ministério Público responsabilizar um Prefeito Municipal tanto criminalmente como
na esfera da improbidade administrativa. Seguindo-se a primeira corrente (maioria), a ação penal
contra ele deverá ser movida junto ao tribunal competente, e a ação de improbidade
administrativa, perante o juiz singular. Por outro lado, trilhando-se a segunda orientação, tanto
uma como outra ação devem ser propostas no tribunal (Avena, 2020).
Perceba, no entanto, que esse é apenas o primeiro passo para que se firme a competência. Configurada a
incidência desse foro especial, várias outras questões devem ser consideradas para que se saiba, ao final,
qual será o órgão do Poder Judiciário competente para o processamento e julgamento desses processos.
Vejamos, pois, alguns aspectos gerais que envolvem o tema.
3 - CONSIDERAÇÕES GERAIS
O tema é terreno fértil para várias considerações acerca das inúmeras situações que podem envolvê-lo.
Em relação à investigação policial e indiciamento de pessoas detentoras de foro por prerrogativa de função,
RENATO BRASILEIRO DE LIMA aponta posicionamento já adotado pelo Supremo Tribunal Federal referente a essa
questão:
Em questão de Ordem suscitada no Inq. 2.411, o Plenário do Supremo Tribunal Federal passou a
entender que, tratando-se de investigado titular de foro por prerrogativa de função, a autoridade
policial não pode proceder ao indiciamento sem prévia autorização do Ministro-Relator, sendo
que esta autorização também é necessária para a própria instauração do inquérito originário
(Lima, 2021).
Trata-se de extensão da garantia para a fase pré-processual, conferindo-lhe mais robustez e efetividade,
garantindo-se aos detentores da prerrogativa de foro que todo o desdobramento investigativo se dê perante
o órgão competente para o julgamento ou que, ao menos, referido órgão manifeste ciência e autorize
expressamente a investigação local.
Nesse julgado, o Min. RIBEIRO DANTAS consigna que “nas hipóteses de haver previsão de foro por prerrogativa
de função, pretende-se apenas que a autoridade, em razão da importância da função que exerce, seja
processada e julgada perante foro mais restrito, formado por julgadores mais experientes, evitando-se pois
persecuções penais infundadas. Da prerrogativa de função, contudo, não decorre qualquer condicionante à
atuação do Ministério Público, ou da autoridade policial, no exercício do mister investigatório, sendo, em
regra, despicienda a admissibilidade da investigação pelo Tribunal competente”.
Particularmente, pensamos que o STJ está correto em sua maneira de pensar: o foro deveria ser reservado
à fase de processo, na medida em que relacionado à competência e ao juiz natural. Todavia, não podemos
nos afastar do entendimento da Suprema Corte, que decidiu em sentido contrário.
Impende relembrar que, em se tratando de crimes cometidos por magistrados e membros do Ministério
Público, conforme já assentado em outras oportunidades, por expressa previsão dos artigos 33, parágrafo
único da LOMAN e 41, parágrafo único da LONMP, a autoridade policial deverá imediatamente promover a
remessa dos autos ao Tribunal ou Procurador-Geral de Justiça, respectivamente, para a condução das
investigações.
Uma peculiaridade atinente à competência por prerrogativa de função é a ausência de duplo grau de
jurisdição. Nesses casos, tem-se como juízo a quo uma instância que, para os casos comuns, costuma ser a
ad quem; ou seja, o processo inicia e é diretamente julgado por órgão que, via de regra, é a instância recursal.
Dessa forma, não há ocasião ou oportunidade para reanálise da matéria fática por órgão diverso daquele
que originariamente competente. A esse propósito, AURY LOPES JR. muito bem elucida a questão:
Assim, um deputado estadual, julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça, somente terá
recurso especial e extraordinário dessa decisão, e, em ambos, está vedado o reexame da “prova”
do processo, limitando-se a discutir eventual violação de norma federal ou constitucional (essas
questões serão vistas posteriormente). Imagine-se então quem é julgado originariamente pelo
Supremo Tribunal Federal; o duplo grau de jurisdição é inexistente (Júnior, 2021).
Diga-se, por outro lado, que a competência originária se exerce em uma única instância. Não
haverá recurso contra as decisões proferidas numa causa da competência originária por
prerrogativa de função, salvante as hipóteses de recurso extraordinário, recurso especial, os
excepcionais casos de denegação de habeas corpus e os recursos referidos no art. 102, II, b, da
Magna Carta (Filho, 2011).
Essa peculiaridade (que é prejudicial ao destinatário) constitui um argumento quanto ao foro especial
constituir uma prerrogativa da função, e não uma garantia da pessoa.
No que se refere ao local de prática do crime, é se de observar que a regra de fixação da competência
territorial presente no art. 70 do CPP fica obsoleta perante a prerrogativa de função; prevalecerá esta, como
bem assinala BRASILEIRO DE LIMA:
Tratando-se de competência por prerrogativa de função, todavia, pouco importa o local onde o
crime foi cometido, recaindo a competência sobre o Tribunal ao qual se encontrar vinculada a
respectiva autoridade. Se o agente faz jus a foro por prerrogativa de função, será julgado pelo
respectivo tribunal, mesmo que o local do crime não esteja dentro dos limites territoriais de sua
competência (Lima, 2021).
A título de exemplo, se um juiz de direito do Estado do Rio de Janeiro praticar um crime comum em Porto
Alegre/RS, o juízo competente para processar e julgar esse crime será o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Entretanto, há se consignar que, em relação aos membros do Ministério Público e magistrados, a prática de
crimes eleitorais enseja regra especial, por expressa ressalva legal, como bem pondera AVENA:
Sem embargo de toda esta disciplina, é necessário atentar a um detalhe: tanto o art. 96, III quanto
o art. 108, I, a, da CF, ao estabelecerem a competência dos Tribunais de Justiça e Tribunais
Regionais Federais para processo e julgamento de Juízes e membros do Ministério Público,
ressalvam a competência da Justiça Eleitoral. Logo, se um Juiz de Direito ou um Juiz Federal
praticar um crime eleitoral, não será ele processado e julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado
ou pelo Tribunal Regional Federal da Região a que vinculado, mas sim perante o Tribunal Regional
Eleitoral do Estado onde exerce suas funções.
Exemplos: a) Juiz Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, comete um crime eleitoral. Não será
processado junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mas sim perante o Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul. b) Promotor de Justiça de Florianópolis, em Santa Catarina, pratica
um delito eleitoral. Seu processo e julgamento correrão perante o Tribunal Regional Eleitoral de
Santa Catarina, e não diante do Tribunal de Justiça desse Estado.
A propósito da Justiça Eleitoral, cabe mencionar que as ressalvas apostas nos arts. 96, III, e 108,
I, a, da CF, excluindo da competência dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais
Regionais Federais o processo e julgamento dos crimes eleitorais, incidem nas hipóteses de
conexão e continência. Logo, se um Juiz de direito, por exemplo, praticar crime comum conexo
com crime eleitoral, a competência da Justiça Eleitoral será prevalente, atraindo para o TRE o
processo e julgamento de ambos os delitos. E quanto aos Prefeitos Municipais? O regramento
não é diferente (Avena, 2020).
Questão interessante surge quando confrontada a competência por prerrogativa de função com a
competência constitucional do Tribunal do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentados
ou consumados. Indaga-se: em tendo sido cometido um crime doloso contra a vida por sujeito detentor de
foro por prerrogativa de função, qual o órgão competente para processá-lo e julgá-lo?
A resposta para a indagação depende da análise do status dessa prerrogativa; é dizer, de qual diploma
normativo ela se origina.
Como se sabe, a competência do Tribunal do Júri advém de expressa previsão constitucional, conforme art.
5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
Assim, é de lógica percepção que, acaso o foro por prerrogativa de função conte exclusivamente com
previsão em Constituição Estadual, por exemplo, não terá o condão de afastar a competência do Tribunal do
Júri, porquanto se trata de norma hierarquicamente inferior à Constituição Federal.
Não bastasse essa natural constatação, o Supremo Tribunal Federal entendeu por sumular a matéria,
conforme enunciado 721 – posteriormente convertido na Súmula Vinculante nº 45 –, fulminando eventuais
dúvidas restantes:
Súmula Vinculante 45. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por
prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.
Por outro lado, em estando a prerrogativa de foro prevista na própria Constituição Federal, entende-se que
deverá ela prevalecer sobre o Tribunal do Júri. Para AURY LOPES, essa prevalência se dá em razão da
superioridade de jurisdição dos tribunais:
Em que pese a competência do júri ser constitucional, se a prerrogativa de foro também estiver
prevista na Constituição, prevalece a prerrogativa de função. Isso porque, quando ambas as
competências forem constitucionais, prevalece a jurisdição superior do tribunal. Nesse caso, um
órgão de primeiro grau, como o Tribunal do Júri, jamais prevalece sobre um tribunal (jurisdição
superior prevalente). Mas, destaque-se, a prerrogativa deve estar prevista na Constituição
Federal (Júnior, 2021).
Para RENATO MARCÃO, prevalece em virtude de sua especialidade em relação à competência do Tribunal do
Júri: “Se a previsão se encontrar na Constituição Federal, prevalecerá a competência originária nesta
indicada, pois especial em relação à competência do Tribunal do Júri, que também é prevista na Constituição
Federal” (Marcão, 2017).
Então, por exemplo, um deputado federal que, durante e em razão do cargo (prerrogativa de função
estabelecida na CF, art. 102, I, ‘b’), comete um homicídio, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal e não
pelo Tribunal do Júri (CF, art. 5º, XXXVIII, ‘d’).
Também é ponto de importante observação o concurso de agentes e a sua consequência para a fixação da
competência criminal.
Como regra geral, vinha prevalecendo o entendimento de que a competência por prerrogativa de função
que um réu porventura detenha se estendia aos demais coautores e partícipes, independentemente de
ocuparem cargo ou função que lhes assegure foro especial.
Trata-se, inclusive, de matéria sumulada pelo Pretório Excelso, conforme enunciado nº 704/STF:
Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência
ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
Todavia, mais recentemente, diante da tendência jurisprudencial pela redução do alcance do foro por
prerrogativa de função, o mesmo STF vem entendendo pela não aplicação do foro às hipóteses de conexão
e continência (contrariando o enunciado). Por essa compreensão mais atual, o foro somente seria extensível
quando o fato típico fosse único e indivisível para todos os agentes (AP 937 QO/RJ, 23/11/2017). Em outros
termos, a ideia que vem se consolidando, então, é pela separação dos processos sempre que isso seja
possível.
Situação que pode ocorrer é a coexistência de foros por prerrogativa de função distintos a que fazem jus
alguns dos autores de um mesmo fato delituoso. Em casos envolvendo foros diversos previstos na
Constituição Federal e outro(s) em Constituição Estadual, FERNANDO CAPEZ pondera:
Na hipótese de um dos agentes ter seu foro especial fixado diretamente pela CF e o outro,
exclusivamente, pela Constituição estadual, os processos também deverão ser reunidos. Assim,
se um deputado federal praticar crime em concurso com um deputado estadual, ambos serão
julgados perante o STF (...). É que a competência estabelecida pela CF exerce força atrativa sobre
qualquer outra fixada em escala normativa diversa (Constituições estaduais e leis).
Ou seja, prevalece o foro especial previsto na Constituição Federal. De outro lado, em havendo foros
especiais diversos, mas todos previstos na Constituição Federal, assevera o autor:
A questão complica-se um pouco quando ambos os agentes tiverem o foro especial fixado
diretamente pela CF. É o caso, por exemplo, de um senador que comete um crime em concurso
com um juiz federal. O primeiro é da competência do STF, enquanto o segundo, do TRF da sua
região. [...] O entendimento sumular do Pretório Excelso não faz distinção, afirmando que em
qualquer caso os processos deverão ser reunidos. [...] No exemplo citado, ambos, senador e juiz
federal, deverão ser julgados perante o STF. Essa posição jurisprudencial, aparentemente
firmada de modo irreversível, pode ser criticada pelo fato de que uma regra meramente
processual, como é a da conexão e da continência, não deveria ter o condão de afastar o juiz
natural fixado pela própria CF (Capez, 2018).
Na visão de VICENTE GRECO FILHO, é prevalente “o tribunal de maior hierarquia, se houver um ou mais de um
acusado com prerrogativa de função” (Filho, 2012).
Por “simetria” ou “paralelismo”, entende-se que as disposições de constituições estaduais em relação a essa
matéria devem ser harmônicas às fixadas na Constituição Federal. É dizer, não possuem os legisladores
constituintes estaduais irrestrita liberdade para estabelecerem, como bem entenderem, foros diferenciados
a qualquer função ou cargo dentro do âmbito estadual.
Para ser estabelecida prerrogativa de função pela Constituição Estadual é necessário que seja
respeitado o princípio da simetria ou do paralelismo. Deve haver relação de semelhança
relativamente à prerrogativa de função conferida pela Constituição Federal em razão de exercício
de determinado cargo, para ser válida a regra do constituinte estadual que estabelece
prerrogativa de função em face de cargo que guarda correspondência na esfera estadual, ou seja,
com atribuições similares ao cargo que conta com previsão de foro privilegiado na Carta Magna
(Távora, 2017).
Cumpre registrar, contudo, que o Supremo Tribunal Federal já relativizou o referido princípio no julgamento
da ADI nº 2.587/GO, transferindo a discussão, que era sobre a simetria com a Constituição Federal, para a
aferição de essencialidade da função tratada. PACELLI resume o a conclusão do julgamento:
Ali [STF], no julgamento da ADI nº 2.587/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa (vencido), reconheceu-
se, por maioria, a constitucionalidade da criação, na Constituição do Estado de Goiás, de foro
privativo por prerrogativa de função aos Procuradores de Estado e da Assembleia Legislativa e
aos Defensores Públicos, rejeitando-a, porém, em relação aos delegados de polícia. Argumentou-
se que as referidas funções seriam essenciais ao Estado Democrático de Direito, ao contrário do
que ocorreria com os delegados de polícia, funcionalmente subordinados aos Governadores
estaduais e submetidos a controle externo pelo Ministério Público. Curiosidade: acaso não
seriam também subordinados à chefia do Estado os Procuradores (advogados) do Estado, e à
chefia da Assembleia, os respectivos Procuradores? (Pacelli, 2017).
A jurisprudência da mais Alta Corte, em relação ao tema, é vacilante. Vários julgados, em relação a várias
Constituições estaduais, já reconheceram, com base no art. 125, § 1º da CF, a possibilidade de as Assembleias
Legislativas estabelecerem foros por prerrogativa de função. Todavia, num último julgado (que tratava
somente de algumas carreiras, em destaque abaixo), os próprios Ministros reconheceram isso e acabaram
definindo no seguinte sentido:
Essa ação não representa ‘pacificação’ na matéria, mas indica uma tendência de mudança de entendimento,
restringindo-se o foro e impedindo-se atuação discricionária das Assembleias Legislativas dos Estados em
criá-los. Os parâmetros e contornos desse entendimento ainda não foram consolidados.
Por fim, é de se observar que, como regra, os foros por prerrogativa de função previstos em Constituição
Estadual apenas são oponíveis perante os crimes de competência da Justiça Estadual, e não perante os juízos
naturais previstos na CF, como os juízos federais e eleitorais. Entretanto, em determinada oportunidade, já
decidiu o Supremo Tribunal Federal estendendo a simetria da jurisdição nesses casos também a matérias
afetas à Justiça Federal e Eleitoral. PACELLI, novamente, ilustra bem o caso:
Com efeito, no julgamento da QO-Inq. nº 2051-6/TO, Relator o eminente Min. Gilmar Mendes,
aquela Corte entendeu que Secretário de Estado teria foro privativo junto ao Tribunal Regional
Federal, quando se tratar de crime federal, precisamente pelo critério da simetria. É dizer:
embora se saiba que o art. 109 da Constituição da República estabelece a competência do Juiz
Federal para o processo relativo a crimes praticados em detrimento da União, autarquias e
empresas públicas federais – juiz natural para tais causas! – entendeu-se possível estender a
referidas funções o foro privativo reservado aos tribunais de segunda instância (no caso, o
Tribunal Regional Federal) (Pacelli, 2017).
Note-se, portanto, que, para além da simetria em relação aos cargos e funções contemplados, a Suprema
Corte entendeu, também, pela observância da simetria do próprio grau de jurisdição ao qual os detentores
das prerrogativas de função estabelecida em Constituição Estadual têm direito. Ou seja, se lhes foi concedida
a prerrogativa de julgamento por crimes comuns perante o segundo grau de jurisdição da Justiça Estadual
(como os Tribunais de Justiça), também lhes teria sido concedida para serem processados e julgados, em
crimes federais e eleitorais, perante as respectivas segundas instâncias (Tribunais Regionais Federais e
Tribunais Regionais Eleitorais).
É nesse sentido que pondera TOURINHO FILHO, ao comentar acerca da decisão do Conflito de Jurisdição nº
6.113/MT, instaurado entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso. Na ocasião,
discutia-se a competência para o julgamento de um deputado estadual pela prática de crime eleitoral; ao
final, considerou-se competente o TRE/MT para o processamento do feito. Nas palavras do autor:
Ao que nos parece, é em decorrência não só de situar o foro pela prerrogativa de função,
necessariamente, no 2º grau de jurisdição, como reconhecido naquela v. decisão retrocitada,
como também, ante a omissão legislativa, e por se tratar de garantia, e não de privilégio, que a
Suprema Corte, por força de compreensão, tem admitido, tranquila e remansosamente, a
competência dos Tribunais Regionais Federais e Eleitorais para o processo e julgamento de
Prefeitos Municipais, Deputados Estaduais, Secretários de Estado e de outras pessoas que têm o
foro privativo fixado exclusivamente nas Constituições locais, nas infrações da alçada da Justiça
Comum Federal e da Justiça Eleitoral (Filho, 2011).
Art. 85. Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a
Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele
ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade.
A exceptio veritatis é a peça por meio da qual o querelado se presta a demonstrar que as imputações por ele
feitas em relação ao querelante condizem com a realidade e, portanto, não o sujeitariam à responsabilização
penal por crime contra a honra.
Pois bem. Em primeiro lugar há se notar que a redação do artigo 85 é primitiva e desatualizada; hoje, a regra
desse dispositivo é aplicável aos querelantes com foro privativo no STF, STJ, TRFs, TREs ou Tribunais de
Justiça.
Assim, em se tratando de exceção de verdade (ou exceptio veritatis) admitida em processo-crime relacionado
a crime contra a honra no qual figura, como querelante, detentor de foro por prerrogativa de função, o
julgamento dessa exceção caberá ao respectivo tribunal.
Para MOUGENOT, a “providência se justifica, já que a admissão da exceção da verdade pode ensejar o
reconhecimento da prática, pela autoridade querelante, da infração penal a ele imputada pelo querelado, o
que ensejará o ajuizamento de ação penal contra aquela autoridade” (Bonfim, 2013).
Há de se tomar cautela, contudo. Embora o artigo supracitado preveja a expressão “processos por crime
contra a honra”, doutrina e jurisprudência têm apresentado o entendimento de que o dispositivo apenas se
aplica aos crimes de calúnia (art. 138 do CP), ou seja, nos casos em que se imputa falsamente a alguém fato
definido como crime. Nesse sentido, as lições de TÁVORA:
O crime contra honra que admite o deslocamento do julgamento da exceção da verdade pelo
tribunal com competência para julgar a suposta vítima que detém prerrogativa de função é o
crime de calúnia, que consiste em imputar a alguém, falsamente, fato definido como crime (art.
138, caput, CP). Como a difamação não consiste em imputação de fato definido como crime –
podendo se tratar de imputação de contravenção –, o entendimento majoritário é que a exceção
da verdade não é remetida ao tribunal competente para julgar crimes imputados ao agente com
prerrogativa de foro. Isso significa dizer que o art. 85, do Código de Processo Penal, é objeto de
exegese restrita (...) (Távora, 2017).
Considerando que, como vimos, a exceção da verdade é oponível apenas no caso de imputação
de calúnia e de difamação praticada contra funcionário público no exercício de suas funções, uma
interpretação literal do referido art. 85 permite concluir que é ele aplicável a ambos os casos,
vale dizer, tanto nos processos por crime de calúnia quanto nos processos por crime de
difamação. Não é esse, porém, o entendimento da jurisprudência dominante, que compreende
o deslocamento da competência previsto no citado dispositivo unicamente na hipótese de
exceção da verdade oposta em processo criminal por calúnia, não ocorrendo, portanto, quando
a imputação for de difamação.
Agora, sendo o caso de exceção da verdade proposta nos autos de queixa-crime imputativa de
difamação, não se justifica o deslocamento da competência de seu julgamento para o tribunal. É
que, nesse caso, a procedência da exceção não implicará no reconhecimento de que o querelante
praticou infração penal de forma a possibilitar o ajuizamento de ação penal contra ele. Mas
atenção: embora, de fato, a regra seja a de que a aplicação da disciplina do art. 85 do CPP ocorra,
unicamente, quando se trata de processo criminal por calúnia, não se pode esquecer que tal
delito contra honra perfaz-se, apenas, na hipótese de falsa imputação de crime, não se
consubstanciando na hipótese de falsa imputação de contravenção. Neste caso, conforme ilustra
Renato Brasileiro de Lima, “imaginando-se que a vítima dessa difamação seja funcionário público
titular de foro por prerrogativa de função, e que tal delito guarde relação com o exercício de suas
funções, é possível, então, que o julgamento da exceptio veritatis nessa hipótese fique a cargo do
respectivo Tribunal, aplicando-se a regra do art. 85 do CPP, pois, aí, ter-se-ia espécie de infração
penal” (Avena, 2020).
Questão que pode surgir é: acaso admitida a exceptio veritatis, ocorrerá o deslocamento integral do processo
ou apenas da exceção?
Para GRECO FILHO, a conclusão é de que haveria deslocamento total, porquanto a exceção diz respeito ao
próprio mérito da causa, e, portanto, inseparável do resto; embora não seja esse o entendimento
jurisprudencial sobre a matéria:
conexos, por exemplo, também pessoas não sujeitas à jurisdição de determinado tribunal por ele
são julgadas (Filho, 2012).
Com efeito, tem prevalecido no STF o entendimento segundo o qual, nos processos em que o excepto (polo
passivo da exceção; polo ativo da ação penal privada) disponha de foro por prerrogativa na Suprema Corte,
caberá a ela julgar tão somente o mérito da exceptio veritatis, devendo o magistrado de primeira instância
inclusive efetuar o juízo de admissibilidade dessa espécie de defesa e exaurir a respectiva instrução
probatória antes de remeter a exceção para o julgamento.
Não obstante, a questão que se põe nos presentes autos é outra, qual seja, é saber se o juízo
criminal, responsável pela instrução da exceção da verdade, pode perfazer um juízo negativo de
admissibilidade da exceptio veritatis, sem adentrar no mérito. E, segundo precedentes desta
Corte e do Excelso Supremo Tribunal Federal, a competência por prerrogativa de foro é só para
o julgamento do mérito da exceção, cabendo ao juízo de origem a admissibilidade e a instrução
do feito" (Voto no Rcl 7.391/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em
19/06/2013)
4 - CASUÍSTICA
Para além das questões gerais, atenção especial deve ser dada às regras de casuística para a fixação do foro
competente; afinal, é por meio delas que efetivamente se fixará a competência.
Todavia, confira as seguintes regras tendo em mente, de antemão, o atual entendimento do STF. É dizer,
para fins didáticos, parta do pressuposto, aqui, de que o foro por prerrogativa de função está configurado
(i.e., crime praticado durante o cargo/mandato e em razão do cargo/mandato), para, aí sim, considerar as
regras de casuística.
As especificidades do foro por prerrogativa de função podem ser estudadas em relação à competência dos
tribunais e em relação aos cargos e funções exercidos.
A competência do STF é estabelecida pelo art. 102 da Constituição Federal. Vejamos os incisos e alíneas que
interessam à matéria ora tratada:
d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o
mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-
Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; [...]
Convém trazer à baila a advertência de CAPEZ a respeito do termo infrações penais comuns utilizado no
dispositivo: “Atenção: o STF já firmou o entendimento de que a expressão ‘infrações penais comuns’ do art.
102, I, b e c, abrange todas as modalidades de infrações penais, inclusive os crimes eleitorais e as
contravenções penais” (Capez, 2018).
AURY LOPES corrobora a afirmação, relembrando, ainda, a prevalência dessa prerrogativa sobre as demais:
“(...) se qualquer das pessoas do art. 102, I, “b”, “c”, da Constituição, cometer um crime comum, eleitoral ou
militar, será julgado pelo STF. Prevalece a prerrogativa sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição”
(Júnior, 2021).
O STJ tem sua competência penal fixada pelo art. 105, I, a e c da CF. Veja-se o que ele dispõe:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que
oficiem perante tribunais; [...]
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na
alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou
Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral; [...]
O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) estabelece a competência criminal do TSE no seu art. 22, I, d:
d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus próprios juízes
e pelos juízes dos Tribunais Regionais;
Entretanto, cotejando-se as disposições desse artigo com os supracitados artigos 102 e 105 da Constituição
Federal, é de se perceber que ele não foi recepcionado pela Lei Maior, porquanto as competências outrora
conferidas ao TSE agora o são expressamente ao STF e STJ. Nesse sentido, o magistério de TOURINHO FILHO:
A competência para julgamento de crimes pelo STM está prevista no art. 6º, I, a da Lei nº 8.457/92 (Lei de
Organização Judiciária da Justiça Militar da União), que dispõe:
a) os oficiais generais das Forças Armadas, nos crimes militares definidos em lei; [...]
TOURINHO FILHO, todavia, entende que a ressalva feita quanto à competência da Justiça Eleitoral abrange
apenas os membros do Ministério Público da União:
Ademais, como bem realça BRASILEIRO, “também compete aos Tribunais Regionais Federais o julgamento dos
prefeitos e de outras autoridades estaduais com foro por prerrogativa de função previsto nas Constituições
Estaduais, quando cometerem crimes da esfera federal” (Lima, 2021).
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes
de direito e das juntas eleitorais.
Em virtude da não existência da referida lei complementar até hoje, entende-se ainda vigente o que dispõe
o Código Eleitoral sobre o assunto. Aludido diploma prevê, em seu art. 29, I, d:
É pacífico na doutrina que, embora silente o dispositivo nesse quesito, os promotores de justiça no exercício
de função eleitoral também são julgados pelos TREs. Nas lições de TOURINHO FILHO:
Desse modo, como atualmente a competência para o processo e julgamento dos membros do
Ministério Público Estadual vem fixada na Lei Maior, ressalvada apenas a competência da Justiça
Eleitoral, é de entender que, se Juízes e Promotores de Justiça, nas funções eleitorais, cometerem
crimes eleitorais, a competência se desloca para o TRE, ficando portanto alterada, por força
constitucional, a disposição do art. 29, I, d, do Código Eleitoral (Filho, 2011).
Ademais, GONÇALVES et al. assinalam o entendimento jurisprudencial acerca da competência dos TREs
também para o julgamento de crimes eleitorais praticados por prefeitos:
Por fim, BRASILEIRO aduz, de maneira mais extensiva, sobre a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais
para o “julgamento dos crimes eleitorais praticados por juízes e promotores eleitorais, assim como Prefeitos,
Deputados Estaduais e outras autoridades com foro por prerrogativa de função previsto nas Constituições
Estaduais” (Lima, 2021).
Em primeiro lugar, observa-se que, conforme art. 29, X da CF, em expressão genérica, o julgamento de
prefeitos se dá perante os Tribunais de Justiça:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo
de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e
os seguintes preceitos: [...]
Tal dispositivo, contudo, deve ser analisado em conjunto com a Súmula 702 do STF, que dispõe:
A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da
justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de
segundo grau.
Dessa forma, apenas quanto à prática de crimes afetos à competência comum estadual, os prefeitos serão
julgados perante os Tribunais de Justiça.
Além disso, também há previsão de competência originária dos Tribunais de Justiça para o julgamento de
crimes perpetrados por juízes e promotores da Justiça Estadual, de acordo com o art. 96, III da CF:
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como
os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a
competência da Justiça Eleitoral. [...]
Por derradeiro, note-se que os Tribunais de Justiça também serão competentes para julgar autoridades com
foro por prerrogativa de função caso assim prevejam as respectivas Constituições Estaduais. Essa
possibilidade é estampada na própria Constituição Federal, em seu art. 125, § 1º:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
A esse propósito, não se olvide das regras atinentes ao princípio da simetria anteriormente tratadas em
relação a esse ponto.
Em relação aos crimes de responsabilidade praticados por Governadores, a Lei 1.079/50, em seu art. 78, §
3º estabelece a composição de um tribunal misto entre Legislativo e Judiciário para julgá-los:
de voto no caso de empate. A escolha desse Tribunal será feita - a dos membros do legislativo,
mediante eleição pela Assembleia: a dos desembargadores, mediante sorteio.
É de bom alvitre ressaltar a expressão inicial “Nos Estados, onde as Constituições não determinarem o
processo nos crimes de responsabilidade dos Governadores”. Ou seja, a depender das disposições a esse
respeito contidas nas Constituições Estaduais respectivas, o julgamento dos Governadores por essas
infrações poder-se-ia dar em Tribunal Especial com formação diversa da prevista no referido artigo ou
mesmo se dar em órgão diverso (como ocorre em Minas Gerais, onde há previsão para julgamento perante
a Assembleia Legislativa (art. 91, § 3º da CE-MG).
Não obstante a clara expressão no texto legal, CAPEZ apresenta decisão exarada pelo STF, em sentido
contrário, suspendendo o § 1º do art. 49 da Constituição Estadual de São Paulo, que previa uma composição
diversa para esse Tribunal Especial (sete deputados estaduais e sete desembargadores), na ADIn 2.220-2:
Súmula 722. São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o
estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento.
Portanto, em que pese a forma subsidiária pela qual se apresenta o artigo 78, § 3º da Lei 1.079/50, não
detêm os Estados competência para tratar sobre o processo nos crimes de responsabilidade, conforme
enunciado acima transcrito.
No que se refere aos crimes de responsabilidade, o Presidente da República é julgado pelo Senado Federal,
conforme prevê o art. 52, I da CF:
Os crimes de responsabilidade estão previstos no art. 85 da Constituição Federal e compõem rol meramente
exemplificativo:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra
a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
Em relação aos crimes comuns, dispõe o art. 86 da CF acerca do procedimento a ser adotado. O processo
desenvolve-se em duas fases: a primeira diz respeito à admissão da acusação pela Câmara dos Deputados; a
segunda, sobre o efetivo julgamento pelo STF (art. 102, I, b, da CF). Veja o que prevê o art. 86:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos
Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações
penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal
Federal;
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o
afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
A propósito, como bem frisa CAPEZ: “Se for crime de ação penal pública, caberá ao procurador-geral da
República oferecer a denúncia; sendo de iniciativa privada, o inquérito aguardará a provocação do ofendido”
(Capez, 2018).
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por
atos estranhos ao exercício de suas funções.
[...] quanto aos crimes não-funcionais do Presidente da República, cuja persecução penal fica
sobrestada até o término do mandato por força do art. 86, § 4º, da Constituição Federal, quando
então poderão ser ajuizadas as ações penais por infrações cometidas antes do exercício do
mandato ou durante o seu exercício, mas que não guardem vinculação com as suas funções, a
competência não segue as regras especiais da prerrogativa de função. Isso porque, como visto
antes, cessado o exercício funcional, não há mais falar em foro por prerrogativa de função (Lima,
2021).
Como já analisado por ocasião do estudo das competências do STF, cumpre à Suprema Corte julgar os
membros do Congresso Nacional pelos crimes comuns que porventura pratiquem (art. 102, I, b da CF). Note-
se, por oportuno, que o foro por prerrogativa de função lhes é conferido no momento da diplomação como
Deputados Federais ou Senadores, conforme art. 51, § 1º da Magna Carta:
Embora o caminho natural seja o desdobramento desse processo perante o Supremo Tribunal Federal com
o seu derradeiro julgamento, a Constituição Federal confere à respectiva Casa do Congresso Nacional,
através de votação pelos seus membros, a possibilidade de suspender o andamento da ação penal e de seu
prazo prescricional. É o que dispõe o § 3º do citado artigo:
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação,
o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político
nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação.
No que tange aos crimes de responsabilidade, o processo e julgamento correrá perante a respectiva Casa.
Por fim, cabe a advertência de BRASILEIRO acerca da situação dos parlamentares licenciados e o atual
entendimento sobre a matéria nesse ponto:
encontre no exercício de outra função para a qual não haja a previsão de foro por prerrogativa
de função (Lima, 2021).
Em relação aos Ministros de Estado, conclui-se, conforme os já citados artigos 102, I, b e 52, I da Constituição
Federal, que compete ao STF o julgamento dos crimes comuns e de responsabilidade por eles praticados;
entretanto, havendo conexão do crime de responsabilidade com o praticado pelo Presidente da República,
a competência recairá ao Senado Federal.
4.2.4 - Membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
Compete ao Senado Federal julgar os membros no CNJ e CNMP pelos crimes de responsabilidade (art. 52, II
da CF).
Referente aos crimes comuns praticados por esses membros, considerando o silêncio da Constituição
Federal a esse respeito, convém transcrever as pertinentes ponderações de BRASILEIRO:
Destarte, como as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas de
maneira restritiva, ressalvados os integrantes dos Conselhos que tenham foro por prerrogativa
de função previsto na Constituição Federal (v.g., Juiz Estadual perante o respectivo Tribunal de
Justiça; Desembargador de Tribunal de Justiça perante o STJ), os demais integrantes que não o
tenham – advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e
cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal – deverão ser processados e julgados na 1ª instância (Lima, 2021).
Nos crimes comuns, será competente para julgá-lo o STJ, conforme art. 105, I, a da Lei Maior.
Já se entendeu pela necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para que o chefe do Poder
Executivo estadual pudesse ser processado (aplicando-se simetricamente o art. 86 da CF que versa sobre a
autorização da Câmara dos Deputados para o processamento do Presidente da República9).
Todavia, mais recentemente, o “Supremo Tribunal Federal (STF) alterou o entendimento a respeito da
necessidade de autorização prévia das assembleias legislativas para instauração de ação penal. Afirmou que
9
Conforme assentado no AgRg na APn 836/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/10/2016).
a orientação anterior, que privilegiava a autonomia dos Estados-membros e o princípio federativo, entrou
em linha de tensão com o princípio republicano, que prevê a responsabilização política dos governantes.
Verificou que, ao longo do tempo, as assembleias legislativas bloquearam a possiblidade de instauração de
processos contra governadores” (Informativo 863).
Não há, também, simetria a ser observada pelos Estados-membros. No ponto, o relator
considerou que, se o princípio democrático que constitui nossa República (CF, art. 1º, “caput”)
se fundamenta e se concretiza no respeito ao voto popular e à eleição direta dos representantes
do povo, qualquer previsão de afastamento do presidente da República é medida excepcional e,
como tal, é sempre prevista de forma expressa e taxativa, sem exceções.
Diante disso, verifica-se a extensão indevida de uma previsão excepcional válida para o
presidente da República, porém inexistente e inaplicável a governador. Sendo a exceção prevista
de forma expressa, não pode ser transladada como se fosse regra ou como se estivesse
cumprindo a suposta exigência de simetria para governador. As eventuais previsões em
Constituições estaduais representam, a despeito de se fundamentarem em suposto respeito à
Constituição Federal, ofensa e usurpação das regras constitucionais.
A exigência viola, ainda, a separação de poderes, pois estabelece condição não prevista pela CF
para o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Assim, o STJ fica impedido de exercer suas
competências e funções até a autorização prévia do Poder Legislativo estadual. Esse tipo de
restrição é sempre excepcional e deve estar expresso na CF. Além disso, a previsão do
estabelecimento de condição de procedibilidade para o exercício da jurisdição penal pelo STJ
consiste em norma processual, matéria de competência privativa da União (CF, art. 22, I),
portanto impossível de ser prevista pelas Constituições estaduais.
O relator afirmou que estabelecer essa condição de procedibilidade equivale a alçar um sujeito
à condição de desigual, supostamente superior por ocupar relevante cargo de representação. No
entanto, tal posição deveria ser, antes de tudo, a de servidor público. A autorização prévia de
assembleias estaduais para o processamento e julgamento de governador por crime comum
perante o STJ é, portanto, afronta cristalina à cláusula geral de igualdade estabelecida na CF.
Destacou que a Emenda Constitucional (EC) 35/2001 alterou a redação do art. 53, § 1º, da CF e
aboliu a exigência de autorização prévia das casas legislativas para o processamento e
julgamento de deputados federais e estaduais. O mesmo entendimento de valorização da
igualdade e “accountability” dos representantes do povo deve ser aplicado aos governadores,
sem as exigências prévias que consubstanciam privilégios e restrições não autorizados pela CF.
Por fim, sustentou inexistir inconstitucionalidade na expressão “ou queixa”, por considerá-la
coerente com o disposto no art. 105, I, “a”, da CF. Explicou que a CF não fez nenhuma distinção
ao se referir a “crimes comuns”, ou seja, não fez diferenciação entre crimes de ação penal pública
ou crimes de ação penal privada.
Vencidos os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que julgaram improcedente a ação, na linha
da jurisprudência até então prevalecente na Corte no sentido de considerar legítimas as normas
de Constituições estaduais que subordinam a deflagração formal de um processo acusatório
contra o governador a um juízo político da assembleia legislativa local. ADI 5540/MG, rel. Min.
Edson Fachin, julgamento em 3.5.2017. (ADI-5540)
Nessa linha de raciocínio, mudando a concepção, compreendeu o STF que é “vedado às unidades federativas
instituir normas que condicionem a instauração de ação penal contra governador por crime comum à previa
autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispor, fundamentadamente,
sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo” (Informativo 863).
4.2.6 - Desembargadores dos Tribunais de Justiça e membros dos Tribunais Regionais Federais
Conforme art. 105, I, a da CF, tanto os crimes comuns quanto os crimes de responsabilidade são julgados
pelo Superior Tribunal de Justiça.
Conforme já tratado quando da análise da competência dos Tribunais de Justiça, dispõe o art. 96, III da Carta
Magna que juízes e promotores da Justiça Estadual serão processados e julgados perante aqueles órgãos
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como
os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a
competência da Justiça Eleitoral. [...]
Oportuno relembrar, como já fora também assentado, que a competência dos Tribunais de Justiça, nesses
casos, prevalece ainda que se trate de crime afeto à Justiça Federal, ao Tribunal do Júri ou que tenha sido
praticado em Estado diverso àquele em que desempenha suas funções.
Se ao juiz de direito acusado pela prática de um crime tiver sido aplicada, em processo
administrativo, a pena disciplinar de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais
ao tempo de serviço (LOMAN, art. 42, inciso V), perde-se o direito ao foro por prerrogativa de
função (Lima, 2021).
Observando as disposições da Constituição Federal em relação aos membros do MPU, pode-se vislumbrar
que, a depender do grau de jurisdição no qual exercem as suas funções, diverso será o órgão competente
para processar e julgá-los por eventuais crimes.
Inicialmente, referente aos membros do MPU que atuam perante à primeira instância, será competente o
respectivo Tribunal Regional Federal para julgar crimes comuns e crimes de responsabilidade, conforme art.
108, I, a da CF:
Os membros do MPU que oficiam na primeira instância são: Procuradores da República (MPF); Promotores
e Procuradores da Justiça Militar da União; Procuradores do Trabalho (MPT); Promotores de Justiça do
Distrito Federal (MPDFT) (Lima, 2021).
Por outro lado, em se tratando dos membros do MPU que oficiem nos tribunais, por expressa previsão
constitucional, serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme art. 105, I, a da CF – que vale ser
transcrito novamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,
os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou
Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante
tribunais;
Como membros do MPU atuantes perante os tribunais estão compreendidos: Procuradores Regionais da
República; Procuradores Regionais do Trabalho; Procuradores de Justiça do Distrito Federal que oficiem
perante o TJDF; Subprocuradores-Gerais da República; Subprocuradores-Gerais do Trabalho e Procurador-
Geral da Justiça do Trabalho, que oficiem nos tribunais superiores (Lima, 2021).
Quanto ao chefe do Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República (PGR), caberá ao Supremo
Tribunal Federal processar e julgá-lo pela prática de crimes comuns; e ao Senado Federal fazê-lo pelos crimes
de responsabilidade (arts. 102, I, a e 52, II da Constituição Federal).
O status que possui o foro por prerrogativa de função conferido aos deputados estaduais é objeto de
divergência doutrinária.
Embora, em regra, o foro especial desses membros do Poder Legislativo seja fixado nas Constituições
Estaduais, uma parte da doutrina sustenta que, em razão do que dispõe o art. 27, § 1º da CF e o princípio da
simetria, também teria essa prerrogativa status de norma constitucional federal:
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta
Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
Desta forma, o foro por prerrogativa de função estaria compreendido na “inviolabilidade” ou “imunidade” a
que faz menção o citado dispositivo. Considerando-se como simétricas as prerrogativas dos deputados
federais e estaduais, a competência para o julgamento de crimes praticados pelos parlamentares estaduais,
nas lições de AURY LOPES, ficaria assim:
[...] se [Deputado Estadual] cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual, será
julgado pelo Tribunal de Justiça; em se tratando de crime de competência da Justiça Federal, será
julgado no TRF; por fim, sendo crime eleitoral, será julgado no TRE. Em se tratando de crime de
competência do Tribunal do Júri, continua prevalecendo a prerrogativa de função, pois está
assegurada na Constituição, sendo julgado no Tribunal de Justiça (ou TRF se for o caso de
competência federal) (Júnior, 2021).
O autor cita um julgamento pelo STJ, em sede de habeas corpus, balizado justamente nesse entendimento,
oportunidade em que se decidiu ser o Tribunal de Justiça competente para o julgamento de crime doloso
contra a vida praticado por deputado estadual, afastando-se, expressamente, a incidência da Súmula 721
do STF em relação a esses parlamentares10. Relembre o que a Súmula dispõe:
Súmula 721. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de
função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.
De outro lado, parcela da doutrina sustenta não ter sido o foro por prerrogativa de função expressamente
contemplado pelo supracitado art. 27, § 1º da CF; além de que também não se encaixaria nos termos
“inviolabilidade” e “imunidade” empregados pelo legislador constituinte. Nesse sentido, BRASILEIRO:
Com a devida vênia, preferimos nos filiar à segunda corrente. E isso porque, a nosso ver, foro por
prerrogativa de função não pode ser considerado uma espécie de inviolabilidade, nem tampouco
de imunidade. Logo, se deputados estaduais têm foro por prerrogativa de função, o têm por força
das Constituições Estaduais, que, a partir do princípio da simetria, asseguram a seus
parlamentares referida prerrogativa (Lima, 2021).
Assim, como já tratado quando do estudo do ‘princípio do paralelismo’, a simetria entre as prerrogativas dos
deputados estaduais e federais conferiria àqueles serem julgados pelo segundo grau da Justiça
correspondente ao crime (comum estadual, federal, eleitoral ou militar), ressalvando-se os crimes afetos ao
Tribunal do Júri por incidência inafastável da Súmula 721 do STF. Assim, para essa corrente, deputado
estadual que praticasse crime doloso contra a vida seria processado e julgado perante o Tribunal do Júri.
Entendida a discussão, BRASILEIRO DE LIMA esclarece a visão que tem prevalecido nos tribunais superiores sobre
o tema (a primeira):
Tem prevalecido nos Tribunais Superiores o entendimento de que o foro por prerrogativa de
função de Deputados Estaduais está previsto na Constituição Federal. Logo, deve prevalecer a
competência do Tribunal de Justiça para processar e julgá-los pela prática de crimes dolosos
contra a vida. Nesse sentido, em caso concreto apreciado pela 5ª Turma do STJ envolvendo vários
acusados, concluiu-se pelo desmembramento do processo, devendo ser fixada a competência do
Tribunal de Justiça para processar o deputado estadual, cabendo ao Tribunal do Júri o julgamento
dos demais coautores (Lima, 2021).
4.2.10 - Prefeitos
Conforme art. 29, X da CF, cabe aos respectivos Tribunais de Justiça dos Estados o julgamento dos prefeitos:
10
(HC 109.941/ RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, QUINTA TURMA, julgado em 02/ 12/ 2010, DJe 04/ 04/ 2011).
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo
de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e
os seguintes preceitos: [...]
Como já observado por ocasião do item “Tribunais de Justiça”, a esses órgãos apenas cabe processar e julgar
os prefeitos pelos crimes afetos à justiça estadual comum, conforme Súmula 702, que vale ser transcrita
novamente:
A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da
justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de
segundo grau.
Desta forma, por exemplo, praticado crime afeto à Justiça Federal por prefeito, será este processado e
julgado perante o Tribunal Regional Federal correspondente; acaso perpetre crime eleitoral, será julgado
pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral.
Referente aos crimes dolosos contra a vida, os prefeitos também serão julgados pelo Tribunal de Justiça,
por estar essa competência prevista na própria Lei Maior e se tratar de norma especial em relação à
competência do Júri. Nesse sentido, CAPEZ:
Como a competência especial do Tribunal de Justiça para o julgamento de Prefeito está prevista
diretamente pela Constituição Federal (CF, art. 29, X), ela prevalecerá sobre a do júri popular.
Deste modo, o Prefeito deverá ser julgado perante o Tribunal de Justiça local mesmo nos crimes
dolosos contra a vida (Capez, 2018).
Súmula 208. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a
prestação de contas perante órgão federal.
Súmula 209. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e
incorporada ao patrimônio municipal.
Ressalte-se que, por “Justiça Federal” e “Justiça Estadual” se está referindo, conforme entendimento da
Súmula nº 702 – parte final –, ao Tribunal Regional Federal e Tribunal de Justiça, respectivamente.
Por derradeiro, note-se que, nas infrações político-administrativas praticadas pelos chefes do Poder
Executivo municipal, o julgamento será realizado pela Câmara dos Vereadores, conforme art. 4º, caput do
Decreto-Lei 201/67:
Essas infrações estão dispostas ao longo dos incisos do referido dispositivo, e vão, desde o comportamento
“incompatível com a dignidade e o decoro do cargo” até a ausência do prefeito “do município por tempo
superior ao permitido em lei”.
4.2.11 - Vereadores
Os vereadores não foram contemplados com foro por prerrogativa de função na Constituição Federal,
apenas lhes foi conferida inviolabilidade no exercício da sua função em relação às suas opiniões, palavras e
votos, conforme art. 29, VIII da CF:
VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato
e na circunscrição do Município;
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016):
“Determinadas pessoas, em razão da alta relevância da função que desempenham, têm direito
ao julgamento por órgão de maior graduação. Permite-se, assim, enaltecer a função
desempenhada, e evitar as pressões indiretas que poderiam ocorrer se as diversas autoridades
fossem julgadas pelos juízes de primeiro grau. Para proteger o exercício do cargo ou da função
que tenha relevância constitucional estatal, contra investidas de toda a ordem, para assegurar
ao acusado detentor de prerrogativa de função um julgamento com menor suscetibilidade a
pressões externas (porque colegiado), bem como para proteger o julgamento contra ameaças de
pressões do próprio acusado, prevê o ordenamento jurídico a prerrogativa de função. Nesse
sentido se diz que o foro por prerrogativa de função é uma garantia dúplice, bilateral, que, de
um lado, tem um caráter favorável ao acusado (outorga a ele o direito de ser julgado por órgão
coletivo, que tem menor chance de ser objeto de constrangimentos por terceiros que o juízo
singular) e, de outro, manifesta-se contra o réu (eis que também é menor o risco de coação
efetuada pelo próprio réu relativamente a um órgão judicial coletivo, que a um órgão singular)”.
Alexandre Cebrian Araújo Reis et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2017), sobre a relação entre alguns foros por prerrogativa de função e o local da prática
do crime: “Estende-se a competência do Tribunal de Justiça sobre seu jurisdicionado, qualquer
que tenha sido o local do delito no território nacional. Assim, se um juiz de direito de São Paulo
comete um furto em Pernambuco, responde pelo crime perante o Tribunal de Justiça de São
Paulo. [...] A regra supracitada vale também no que se refere à competência originária dos
Tribunais Regionais Federais. Suponha-se um juiz federal de São Paulo (3ª Região) que cometa
crime de estelionato no Rio Grande do Sul (4ª Região). Será julgado perante o Tribunal Regional
Federal de São Paulo”. Conexão ou continência entre crime praticado por detentor e não
detentor de foro por prerrogativa de função: “Em tal caso, ambos serão julgados perante o
Tribunal, já que a questão é solucionada pelo art. 78, III, do Código de Processo Penal, segundo
o qual no concurso entre jurisdições de categorias diversas, prevalece a mais graduada. Aliás, a
Súmula n. 704 do Supremo Tribunal Federal dita que “não viola as garantias do juiz natural, da
ampla defesa e do devido processo legal, a atração por continência ou conexão do processo do
corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”. Lembre-se, outrossim, que,
ainda que o Tribunal absolva aquele que tem foro especial, deverá julgar também o outro,
tratando-se aqui de hipótese de perpetuatio jurisdicionis (art. 81, caput, do CPP). Se, entretanto,
for rejeitada a denúncia em relação a quem tem o foro por prerrogativa de função, por entender
o Tribunal que não há indícios suficientes em relação a ele, mas que existem tais indícios em
relação ao comparsa, os autos deverão ser remetidos ao juízo comum para apreciação em
relação a este”. Coexistência de foros especiais em órgãos diversos do Poder Judiciário: “Nesses
casos, o Supremo Tribunal Federal tem também entendido que prevalece o órgão jurisdicional
mais graduado. Por isso, se um juiz e um Senador cometem juntos um crime, respondem
conjuntamente perante o Supremo”. Período de exercício da função x tempo do crime: “Se a
infração é praticada antes de o agente possuir o cargo ou função, deverão ser o inquérito ou ação
penal remetidos, no estado em que se encontram, ao Tribunal, tão logo o agente os assuma. [...]
É bastante comum a hipótese em que o sujeito, após cometer o crime no exercício de cargo ou
função, deixe de exercê-los (demissão de Ministro, aposentadoria de Desembargador, não
reeleição de Prefeito etc.). Teria ainda direito ao foro especial? [...] Em suma, em razão da decisão
do Supremo Tribunal Federal, o ex-ocupante de cargo ou mandato não tem direito ao foro por
prerrogativa de função”. Órgão acusador: “Nos casos de foro especial, o oferecimento da
denúncia cabe ao representante do Ministério Público que exerce suas atribuições junto ao
Tribunal. Por isso, denúncias criminais contra Prefeitos ou Juízes são oferecidas pelo Procurador-
Geral de Justiça e denúncias contra Deputados Federais são apresentadas pelo Procurador-Geral
da República.” Duplo grau de jurisdição: “Os julgamentos dos tribunais nos casos de sua
competência originária não podem ser reformados por tribunais superiores por ser irrecorrível a
decisão quanto ao seu mérito. É o que determina a própria Constituição que, neste aspecto, não
reconheceu o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que o julgamento já é feito por órgão
colegiado e de superior graduação”. Excepctio veritatis: “O art. 85 do Código de Processo Penal
estabelece que, nos crimes contra a honra que admitem exceção da verdade, caso esta seja
oposta contra querelante que tenha foro por prerrogativa de função, deverá a exceção ser
julgada pelo Tribunal, e não pelo juízo por onde tramita a ação. Assim, suponha-se que um
prefeito, sentindo-se caluniado, ingresse com ação penal contra o ofensor, na Comarca de
Presidente Prudente. O ofensor, então, resolve ingressar com exceção da verdade, dispondo-se
a provar que a imputação feita contra o prefeito é verdadeira. Pois bem, nesse caso a exceção da
verdade será julgada pelo Tribunal de Justiça. A doutrina entende que apenas a exceção é julgada
pelo Tribunal, devendo os autos retornar à comarca de origem para a decisão quanto ao processo
originário. Entende-se, também, que o Tribunal limita-se a julgar a exceção, sendo colhidas as
provas no juízo de primeira instância”.
Edilson Mougenot Bonfim (Curso de processo penal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019), tratando
sobre alguns pontos específicos da matéria, assevera: “Competência por prerrogativa de função
determinada em Constituição Estadual. As Constituições Estaduais também podem fixar foro por
prerrogativa de função para as autoridades do Estado. A competência por prerrogativa de função
estabelecida exclusivamente na Constituição Estadual, entretanto, não excepciona a
competência do Tribunal do Júri, pois não se concebe que possa prevalecer norma
consubstanciada na Constituição Estadual sobre norma de sede constitucional [...] Conexão ou
continência. Sendo o crime praticado em concurso de pessoas, a competência por prerrogativa
de função alcança o corréu que não goza de igual prerrogativa, pois o foro especial prevalece
sobre o geral. [...] Duplo grau de jurisdição. Vale recordar, ainda, que o julgamento dos Tribunais
no exercício de competência originária ratione personae não estará sujeito ao duplo grau de
jurisdição (...). Lei n. 10.628/2002. Prevalência da competência especial após a cessação do
exercício funcional. Nos termos do art. 84, caput, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei
n. 10.628/2002, a competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante tais cortes
por crimes comuns e de responsabilidade. A competência por prerrogativa de função abrange
tão somente os delitos praticados na duração do exercício funcional que a ensejar. Esse o
entendimento consolidado na Súmula 451 do Supremo Tribunal Federal, que determina que “a
competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a
cessação definitiva do exercício funcional”. Questão que se colocava controvertida na
jurisprudência, entretanto, dizia respeito à extensão da competência ratione personae no que
tange aos processos que, instaurados em razão de delitos praticados durante o exercício
funcional, permaneciam em trâmite após a cessação desse exercício. Sobre a matéria, o Supremo
Tribunal Federal editara a Súmula 394, determinando que, nessa hipótese específica, o processo
deveria continuar tramitando perante o mesmo juízo originalmente competente. Tal súmula, no
entanto, foi cancelada, de modo que, uma vez cessado o exercício da função, o processo ainda
não julgado deveria ser remetido ao juízo comum, deixando a autoridade de gozar da
prerrogativa. A Lei n. 10.628/2002, no entanto, veio restabelecer o disposto na súmula
cancelada, dispondo, em seu art. 84, § 1º, que a competência especial por prerrogativa de
função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação
judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. A citada lei foi além,
atribuindo, em seu art. 84, § 2º, competência originária por prerrogativa de função para os delitos
de improbidade administrativa, previstos na Lei n. 8.429/92. No entanto, em 15 de setembro de
2005, no julgamento da ADIn 2797/DF, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, julgou
inconstitucionais os §§ 1º e 2º do art. 84, acrescentados pela Lei n. 10.628/2002. Dessa forma,
fica consolidado o entendimento de que não prevalece o foro por prerrogativa de função para o
inquérito ou ação penal iniciados após a cessação do exercício da função pública, mantendo-se
o entendimento pretoriano desde a revogação da Súmula 394. [...]
Renato Marcão (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017) também traça alguns
parâmetros gerais a respeito da competência por prerrogativa de foro: “A competência originária
por prerrogativa de função, ademais, atrai o julgamento de corréu que não disponha de igual
garantia. De tal sorte, basta que um dos envolvidos desfrute de ‘foro privilegiado’, para que todos
respondam, em conjunto, num mesmo processo, originariamente, na instância judiciária que
determinar a prerrogativa de foro. Exemplo bastante conhecido é o que ocorreu no famoso
julgamento do ‘caso mensalão’, ação penal n. 470, processada e julgada em única e última
instância no STF. [...] É cabível a separação de processos, tantas vezes recomendada com vistas
a evitar tumulto e morosidade processual, de modo a permitir que somente aquele que desfrutar
da prerrogativa de foro seja processado na instância originária. ‘A doutrina e a jurisprudência são
uníssonas no sentido de aplicar o art. 80 do Código de Processo Penal nos processos criminais em
que apenas um ou alguns dos acusados detêm a prerrogativa de foro. Não há, no caso, qualquer
excepcionalidade que impeça a aplicação do artigo 80 do CPP’ (STF, Inq 2.443 QO/ SP, Tribunal
Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 1º-7-2008, DJe de 26-9-2008)”.
Nestor Távora (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), sobre o
indiciamento e sua relação com o foro por prerrogativa de função, expõe: “A Lei nº 12.830/2013
dispõe que o indiciamento é ato privativo do delegado de polícia, que deve se dar por ato
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), em relação à previsão
de foro por prerrogativa de função em Constituição Estadual e à abrangência dos seus efeitos,
assevera, citando a situação dos deputados estaduais: “É oportuno observar, com apoio em
Mirabete, que “o foro por prerrogativa de função estabelecido nas Constituições estaduais e leis
de organização judiciária é válido apenas em relação às autoridades judiciárias estaduais e locais,
não podendo ser invocado em face do Poder Judiciário Federal. Nesse sentido, a orientação
formulada na Súmula 3 do STF: ‘A imunidade concedida a Deputado Estadual é restrita à Justiça
do Estado-membro’. Assim, nos crimes eleitorais, a competência originária é do TRE, nos crimes
contra as instituições militares a competência é dos Conselhos de Justiça de primeira instância”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), sobre a situação dos
deputados estaduais, afirma: “Poderíamos assim resumir essa questão: (i) se a competência
especial por prerrogativa de função estiver estabelecida na Constituição Federal, prevalecerá
sobre a competência constitucional do Júri, em razão da matéria; (ii) se o foro especial estiver
previsto em lei ordinária ou lei de organização judiciária, prevalecerá a competência
constitucional do Júri; (iii) se o foro especial estiver previsto em Constituição estadual,
prevalecerá a competência constitucional do Júri”. Em relação aos magistrados e membros do
Ministério Público estaduais, assevera: “são julgados sempre pelo tribunal de justiça de seu
Estado, não importando a natureza do crime (se federal ou doloso contra a vida) ou o local de
sua prática (em outra unidade da federação), ressalvados apenas os crimes eleitorais, caso em
que o julgamento caberá ao Tribunal Regional Eleitoral (CF, art. 96, III)”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), sobre o
foro por prerrogativa de função dos prefeitos, afirma: “Os prefeitos, como já visto, serão julgados
perante o Tribunal de Justiça (art. 29, X, CF). Contudo, de acordo com a súmula nº 702 do STF, ‘a
competência do TJ para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça
comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de
segundo grau’. Diante do verbete, nos crimes contra a União, suas autarquias e empresas
públicas, quem julgará o prefeito é o TRF, e nos crimes eleitorais, o TRE. Aplicamos também este
entendimento aos Deputados Estaduais”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), ainda sobre os
prefeitos, assevera: “o tratamento dado pelo art. 29, X, da Constituição é pouco representativo
do alcance da prerrogativa. Assim, se o prefeito cometer um crime de competência da Justiça
Comum Estadual, será julgado no Tribunal de Justiça, mesmo que se trate de um crime de
competência do Tribunal do Júri. Contudo, se for um crime eleitoral, será julgado pelo TRE. Se o
delito for de competência da Justiça Federal será julgado pelo TRF. Nesse sentido afirma a Súmula
n. 702 do STF: a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes
de competência da Justiça Comum Estadual; nos demais casos, a competência originária caberá
ao respectivo tribunal de segundo grau”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), ao expor
sobre a competência do Supremo Tribunal Federal e as questões envolvendo os Ministros de
Estado e o Presidente do Banco Central, pondera: “Questão relevante é a previsão constitucional
que atribui ao STF a competência para processar e julgar os Ministros de Estado, os Comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, tanto nas infrações penais comuns, quanto nos crimes
de responsabilidade. A definição de quem é Ministro de Estado é ditada por lei federal, que cria
o cargo e o ministério correspondente. A Lei nº 10.683/2003, alterada pela Lei nº 12.462/2011,
é a que indica quais são os Ministérios e quem são os Ministros de Estado (art. 25, parágrafo
único). Os dois diplomas legislativo decorreram de conversão de medidas provisórias. No ponto,
foi questionada a constitucionalidade da inclusão do Presidente do Banco Central do Brasil como
Ministro de Estado (inciso VII, do parágrafo único, art. 25, da Lei nº 10.683/2003). O STF, por
maioria, rejeitou duas ações diretas de inconstitucionalidade contra esse dispositivo. Entendeu
justificada a relevância e urgência da medida provisória, aduzindo que o cargo apontado é dotado
de importância para a atribuição de prerrogativa de função, a fim de proteger as instituições.
Comparativamente, averbou que previsões no direito internacional colimam proteger o exercício
Jurisprudência pertinente
Súmula Vinculante 45: A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por
prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.
Súmula 451, STF: A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido
após a cessação definitiva do exercício funcional.
Súmula 702, STF: A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de
competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo
tribunal de segundo grau.
Súmula 164, STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime
previsto no art. 1. do Decreto-lei n. 201, de 27/02/67.
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. AGENTE QUE
NÃO MAIS OCUPA CARGO A ATRAIR A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
INVESTIGAÇÃO ENCERRADA COM PROPOSITURA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
(ANPP). LEI 13.964/2019. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PRECEDENTES. 1. O Plenário desta CORTE, no julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal
937, fixou as seguintes teses: "(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o
final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de
alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em
razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que
seja o motivo". 2. Em virtude da celeridade processual e da efetiva prestação jurisdicional, a
PRIMEIRA TURMA passou a aplicar o referido entendimento definido pelo PLENÁRIO quanto a
prorrogação de competência do STF também para as hipóteses de encerramento da investigação
criminal, com o término do inquérito policial e eventual denúncia ou arquivamento apresentados
(Inquérito 4.641 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 16/8/2018). O posicionamento
supracitado tem sido adotado também pela SEGUNDA TURMA desta CORTE. 3. A partir da Lei
13.964/19, com o encerramento do inquérito policial ou investigação penal, a PGR passou a ter
uma terceira possibilidade de atuação, pois, além do oferecimento de denúncia ou promoção de
arquivamento, poderá propor ‘acordo de não persecução penal’ (ANPP). São três hipóteses
possíveis ao titular da ação penal, após o encerramento do inquérito policial, e que devem, de
maneira isonômica, prorrogarem a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para análise
de ato processual do Procurador Geral da República, enquanto ainda detentor de atribuição
perante a CORTE. 4. No caso em análise, a Procuradoria-Geral da República, em 3/8/2020,
encaminhou termo de acordo de não persecução penal, firmado pelo Ministério Público Federal
com ONYX LORENZONI. Dessa maneira, no momento processual adequado – encerrada a
investigação criminal pelo inquérito – a competência do STF, também nessa hipótese, deverá
ficar prorrogada, nos mesmos moldes da análise da denúncia ou da promoção de arquivamento
da investigação. 5. Agravos regimentais providos assentando a competência do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL para a análise do acordo de não persecução penal proposto nestes autos.
(Pet 7990 AgR-segundo, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE
MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2021).
ampliação direta e expressa por meio de edição de lei ordinária. 2. Possibilidade excepcional de
processamento e julgamento conjunto de pessoas sem prerrogativa de foro quando os fatos
típicos forem únicos ou indivisíveis. 3. No caso dos autos, investiga-se fato único, em que as
condutas imputadas aos denunciados teriam sido essenciais para a prática do delito, o que torna
a apuração dos fatos indissociável. 4. Agravo regimental provido. (Inq 4506 AgR, Relator(a): Min.
MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado
em 14/11/2017).
COMPETÊNCIA CRIMINAL. Ação penal. Membro do Ministério Público estadual. Condição de co-
réu. Conexão da acusação com fatos imputados a desembargador. Pretensão de ser julgado
perante o Tribunal de Justiça. Inadmissibilidade. Prerrogativa de foro. Irrenunciabilidade. Ofensa
às garantias do juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal.
Inexistência. Feito da competência do Superior Tribunal de Justiça. HC denegado. [...] (HC 91437,
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 04/09/2007).
Segundo entendimento afirmado por seu Plenário, cabe ao Supremo Tribunal Federal, ao exercer
sua prerrogativa exclusiva de decidir sobre a cisão de processos envolvendo agentes com
prerrogativa de foro, promover, em regra, o seu desmembramento, a fim de manter sob sua
jurisdição apenas o que envolva especificamente essas autoridades, segundo as circunstâncias
de cada caso (Inq 3515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
13/02/2014). Ressalvam-se, todavia, situações em que os fatos se revelem “de tal forma
imbricados que a cisão por si só implique prejuízo a seu esclarecimento” (AP 853, Relator(a): Min.
ROSA WEBER, DJe de 22/5/2014), como ocorre no caso. [...] (Inq 3983, Relator(a): Min. TEORI
ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016).
o fato imputado na denúncia tenha sido praticado durante o exercício do cargo público e tenha
com ele relação. 2. Na situação dos autos, o Acusado se aposentou do cargo de Procurador da
República em 19/04/2011. A suposta prática dos crimes imputados na denúncia, tipificados no
art. 339 do Código Penal, ocorreu em 07/11/2012 e teriam sido cometidos no exercício da
advocacia privada. A reversão de sua aposentadoria, com o retorno à condição de membro do
Ministério Público Federal, no mesmo cargo que anteriormente ocupava, ocorreu em
09/05/2018. 3. Se, na ocasião em que cometido o delito, o Acusado não ocupava nenhum cargo
público que lhe conferisse prerrogativa de foro, a competência para processamento e
julgamento da ação penal é do Juiz de primeiro grau. A circunstância de que reverteu a
aposentadoria e retornou ao cargo de Procurador da República não desloca a competência para
o Tribunal Regional Federal. [...] (CC 168.620/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020).
n. 267560/RS; Rel. Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe 22/05/2012; AI n. 26717/MG,
Rel. Min. ARNALDO VERSIANI, DJe de 19/04/2010, v.g.). É necessário consignar, todavia, que em
julgado colegiado, o TSE não apontou ilegalidade em hipótese na qual o crime de falso
testemunho cometido em processo judicial eleitoral foi apurado em inquérito instaurado por
requisição de Juízo Eleitoral (REspE n. 166034, Rel. Ministro HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe
14/05/2015, v.g.). 7. No âmbito da Justiça Militar ocorre igual dificuldade, pois o Superior
Tribunal Militar também reconhece a atribuição da Justiça Castrense para o crime de falso
testemunho (art. 346 do Código Penal Militar) cometido em processos de sua jurisdição
(Apelação n. 7000825-65.2019.7.00.0000, Rel. para o Acórdão: Ministro PÉRICLES AURÉLIO LIMA
DE QUEIROZ, DJ 07/08/2020; Revisão Criminal n. 7000931-61.2018.7.00.0000, Rel. Ministro
FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO, DJ 04/10/2019, v.g.). 8. O Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, ao contrário da Justiça Trabalhista, detém atribuições criminais
(como também as Justiças Eleitoral e a Militar). Todavia, diferentemente de todos outros
braços do Poder Judiciário da União, o TJDFT possui natureza híbrida, pois sua competência
jurisdicional corresponde à dos Tribunais estaduais (ou seja, não se trata de Justiça
especializada). Por isso, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgados nos quais consignou que
outros crimes (diversos do falso testemunho) cometidos contra o MPDFT ou o TJDFT não são
processados e julgados na Justiça Comum Federal. 9. Em conclusão, não cabe a aplicação do
entendimento que resultou na edição da Súmula nº 165/STJ ao TJDFT em razão da índole sui
generis da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, distinta por guardar competência criminal
e por sua atribuição jurisdicional equivalente à dos Tribunais estaduais impedir o
reconhecimento de interesse direto da União na causa 10. Conflito de competência conhecido
para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal e Tribunal do Júri do Recanto
das Emas/DF, ora Suscitado. (CC 166.732/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020).
COMPETÊNCIA DE JUÍZO
Inicialmente, o art. 74 do CPP estabelece um critério para a fixação do juízo competente, qual seja, a natureza
da infração:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização
judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
Assim, ressalvada a competência do Tribunal do Júri (porquanto prevista na Constituição Federal), a lei
processual penal conferiu liberdade aos tribunais para que organizem seus juízos criminais criteriosamente.
Permitiu a lei, portanto, sejam criadas varas especializadas para julgamento de determinadas espécies de
crime, a depender das peculiaridades e necessidades verificadas nos específicos contextos das diversas
comarcas espalhadas pelo Brasil.
Exemplificando, podem existir varas específicas para processo e julgamento de crimes de trânsito, tráfico de
drogas, crimes patrimoniais, juizados de violência doméstica etc. A tendência é: quanto maior e mais
populosa uma comarca/região, mais especializados os seus juízos criminais, a fim de que se otimize, ao
máximo, a prestação jurisdicional.
A fim de se coibir de maneira mais austera a perpetração de atos violentos contra as mulheres nos âmbitos
doméstico e familiar – pressionado que estava o Brasil, internacionalmente, para que tomasse medidas
eficazes no combate a esse tipo de violência11 –, fora publicada a Lei nº 11.340/2006 (mais conhecida por
“Lei Maria da Penha”), que cria mecanismos para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher,
dentre outras providências.
Dentre essas outras providências está a criação dos denominados Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, que nada mais são do que juízos especializados. Veja o que dispõe o art. 14 da Lei a esse
propósito:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça
Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal
e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Desta forma, constatada a prática de crime com violência doméstica e familiar contra a mulher, será
competente para o processo e julgamento dessa infração o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, caso esteja instituído no âmbito da respectiva competência territorial. Caso não esteja, deve-se
observar as disposições do art. 33:
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as
causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as
previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o
julgamento das causas referidas no caput.
Esse art. 33 da Lei nº 11.340/06 não ofende os artigos 96, I, a, e 125, § 1º, ambos da CF, porquanto
a Lei Maria da Penha não implica obrigação, mas mera faculdade de criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme disposto nos artigos 14, caput, e 29,
do mesmo diploma. [...] O art. 33 da Lei Maria da Penha não teria criado varas judiciais, não teria
definido limites de comarcas e não teria estabelecido o número de magistrados a serem alocados
11
Havia sido, inclusive, condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Relatório 54/01 – pela insuficiência e
ineficiência de mecanismos aptos a combatê-la
nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. Apenas facultara a criação desses juizados e
atribuíra ao juízo da vara criminal a competência cumulativa de ações cíveis e criminais
envolvendo violência doméstica contra a mulher, haja vista a necessidade de conferir tratamento
uniforme, especializado e célere, em todo território nacional, às causas sobre a matéria.
No que diz respeito às espécies de infrações que podem ser submetidas a julgamento perante esses juizados,
o mesmo autor bem pondera:
Ao contrário do Tribunal do Júri, que tem sua competência voltada para o processo e julgamento
dos crimes dolosos contra a vida, a violência doméstica normatizada pela Lei Maria da Penha não
guarda correspondência com qualquer delito específico tipificado no Código Penal e na
Legislação Especial. Na verdade, desde que praticados no contexto de violência doméstica e
familiar contra a mulher, infrações penais diversas poderão ser julgadas pelo Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher. Evidentemente, se a infração penal praticada no contexto
de violência doméstica e familiar contra a mulher referir-se a crime doloso contra a vida, a
competência para o processo e julgamento do feito será do Tribunal do Júri, e não do Juizado
Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher (Lima, 2021).
Percebe-se, pois, que o cerne da questão referente à fixação (ou não) da competência dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é justamente a caracterização dessa violência.
Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou
se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que
vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter
ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao
aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou
injúria.
Note-se, então, as diversas formas de violência que podem ensejar a competência dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, com especial atenção para a patrimonial e moral, espécies menos
difundidas, mas igualmente relevantes para esse fim.
É digno de registro que, aos crimes praticados nesse contexto, independentemente da pena, não serão
aplicados os dispositivos da Lei 9.099/1995 – Lei dos Juizados Especiais –, por expressa previsão nesse
sentido. Note o que prevê o art. 41:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Quanto à extensão, não há dúvidas: a lei se aplica a toda mulher, qualquer que seja o regime ou
o fundamento da união, desde que caracterizada a vida em comum, e, assim, as relações
domésticas, ainda que seja a do mesmo espaço físico. Já em relação às mulheres adolescentes e
crianças, há normas protetivas na Lei nº 8.069/90. A Lei nº 11.340/06, portanto, não se aplica à
vítima do sexo masculino. O que não significa qualquer demérito ou desvalia em relação a este;
já há legislação suficiente para a proteção das pessoas em geral (Código Penal) (Pacelli, 2018).
Até o advento da Lei 12.850/2013, não havia definição legal para o que seria uma “organização criminosa”.
A antiga lei que tratava sobre o assunto, Lei 9.034/1995, não trazia em seu bojo qualquer conceito dessa
expressão, de modo que o “referido diploma normativo sempre teve aplicação restrita às quadrilhas (CP,
antiga redação do art. 288) e às associações criminosas (v.g., Lei nº 11.343/06, art. 35; Lei nº 2.889, art. 2º)”
(Lima, 2021).
Com a entrada em vigor da Lei 12.850/2013, passou-se a ter uma clara definição legal do que são as
organizações criminosas. Veja o que dispõe o seu art. 1º, § 1º:
Observe-se a especificidade dos elementos que integram a sua definição. Oportuna é, nesse contexto, a
transcrição do magistério de NESTOR TÁVORA, a respeito de cada um desses requisitos:
1) associação de 4 (quatro) ou mais pessoas: não basta que haja coautoria momentânea, é
necessário um caráter de estabilidade da organização; 2) estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente: embora não se imponha uma
espécie de “estatuto” da organização criminosa (admite-se a informalidade), o caso concreto
deve evidenciar organização mínima, com estruturação que dê ideia de hierarquia entre os
componentes ou de unidade de comando. A divisão de tarefas deve ser demonstrada pela
repartição de funções entre os componentes da organização, diante de objetivos pré-definidos;
3) com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza: o intuito
de locupletamento deve ser evidenciado pelos sinais externos que caracterizam o interesse dos
membros na empreitada delituosa. Não necessariamente a vantagem deve ser patrimonial,
podendo ser vantagens de naturezas diversas, como sexual, por exemplo, na hipótese de crimes
de pedofilia; 4) mediante a prática de infrações penais cujas penas sejam superiores a 4 (quatro)
anos, ou que sejam de caráter transnacional: para efeito de aferir a pena máxima em abstrato,
deve ser considerado cada crime visto isoladamente, porém fazendo incidir qualificadoras,
causas de aumento e de diminuição de pena, nos casos de tipos penais derivados. A quantidade
de pena se torna irrelevante quando os delitos tenham caráter transnacional, para o fim de
definir a associação como organização criminosa. Como a nova lei menciona “infrações penais”,
é possível, embora remotamente, que sejam tanto crimes como contravenções penais –
independentemente do quantitativo da pena –, quando o delito envolver elemento de
internacionalidade (caráter transnacional) (Távora, 2017).
Outrossim, imperioso notar que a aludida lei alçou ao status de crime o próprio ato de promover, constituir,
financiar ou mesmo integrar organização criminosa. Trata-se de outra importante inovação proveniente
desse diploma legal, conforme prevê o seu art. 2º:
Art. 2º. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa,
organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às
demais infrações penais praticadas.
Fala-se em ‘inovação’ porque, pela legislação anterior, as condutas elencadas acima não constituíam crime;
a organização criminosa compunha mera circunstância, mero modo de agir, e sua verificação no caso
concreto ensejava poucas consequências práticas, como bem assenta TÁVORA:
Antes do advento da Lei nº 12.850/2013, “organização criminosa” não era, por si só, crime, ou
seja, não havia definição de crime de organização criminosa. Organização criminosa era o modus
de cometimento de outros crimes, sendo tal conceito usado como parâmetro de outras medidas
restritivas à liberdade ou a direitos do indiciado ou acusado (a exemplo de aplicação da sanção
de regime disciplinar diferenciado ao preso provisório ou definitivo ou da possibilidade de
interrogatório por videoconferência) (Távora, 2017).
Quanto mais passa o tempo, mais evidente fica o crescimento, fortalecimento e aperfeiçoamento das
organizações criminosas; e, conjuntamente, o seu nível de periculosidade, ofensividade e influência. Esse
fenômeno pôde ser observado com clareza nos últimos anos no Brasil, mas não se limita ao país; trata-se de
uma realidade mundial.
As atividades das organizações deixaram de se restringir à prática dos ilícitos almejados quando de suas
criações; passaram a atingir, também, órgãos, instituições e seus membros, notadamente os detentores da
função judicante na esfera criminal: os magistrados de primeira instância responsáveis pelo julgamento e
responsabilização dos integrantes dessas organizações.
Esse cenário propiciou a publicação da Lei 12.694/2012, que dispõe sobre a formação de colegiados
compostos por três juízes em primeiro grau de jurisdição para o processamento e julgamento de crime
praticados por organizações criminosas, como forma de diluir a responsabilidade dos atos decisórios
praticados entre todos os integrantes.
Cautela: não há se confundir esse colegiado com a figura do “juiz sem rosto”. Neste, é desconhecida
qualquer informação a respeito do julgador, não se sabe seu nome, nem se conhece seu rosto (figura que
inexiste no Brasil); naquele, os três integrantes do colegiado são conhecidos e todos assinam as decisões
exaradas pelo colegiado.
O colegiado pode ser formado para a prática de diversos atos processuais, que vão desde a fase pré-
processual (inquérito), passando pelo processo, até o juízo de execução criminal, conforme se percebe do
rol exemplificativo do art. 1º da Lei 12.694/12:
Art. 1º. Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por
organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de
qualquer ato processual, especialmente:
III - sentença;
Para PACELLI, todavia, a formação do colegiado apenas poderia acontecer depois de instaurado o processo-
crime, ou durante a execução penal, mas não no momento das investigações. Assevera o autor:
Voltando aos Colegiados, observe-se que a formação do Colegiado somente será possível na fase
de processo e de execução penal, vedada a sua instituição na fase preliminar, de investigação,
segundo se vê do quanto disposto no art. 1º, caput, que faz referência expressa ao processo e
procedimento, indicando a formação do colegiado para a prática de qualquer ato processual e
não de investigação. Talvez tenha sido outro o desejo do legislador, já que a remissão feita ao
ato de concessão de liberdade provisória (art. 1º, II) poderia demonstrar a intenção de abranger
todos os atos tipicamente judiciais, independentemente da fase (investigação ou processo) em
que praticados. É que a imposição (e não a concessão!) de liberdade provisória, isto é, a aplicação
de alguma cautelar diversa da prisão ou mesmo a restituição pura e simples da liberdade após a
prisão em flagrante, se realiza muito antes do oferecimento da peça acusatória e, por isso, antes
da fase de processo. Todavia, o art. 1º, § 2º, da citada lei, estabelece que o Colegiado será
formado pelo juiz do processo e por mais dois magistrados com competência criminal no primeiro
grau, sorteados aleatória e eletronicamente. É dizer, mais uma vez a referência foi ao processo e
não à investigação. E a interpretação nesse sentido, ou seja, da limitação do colegiado aos atos
do processo, encontra conforto na excepcionalidade intrínseca da medida. Assim, somente após
já formado o juízo de convencimento do Ministério Público é que se legitimaria a instauração de
semelhante modalidade de jurisdição de primeiro grau (Pacelli, 2018).
E de TÁVORA:
O juiz terá a faculdade de decidir pela formação do colegiado de forma preparatória ou incidental
ao processo criminal. Preparatória quando se estiver na fase investigativa, com a existência de
inquérito policial ou procedimento investigativo criminal. Incidental quando já existir denúncia
oferecida, isto é, com a instauração de processo criminal. De acordo com a finalidade, é possível
intuir que o colegiado de primeiro grau poderá ser instaurado em qualquer fase da persecução
penal estatal, seja ela fase da investigação preliminar (decidindo o colegiado sobre decretação
de prisão, concessão de liberdade provisória e imposição de medidas cautelares), do processo
penal (decisões de toda ordem e prolação de sentença) ou da execução penal (decisões sobre
benefícios penais, progressão de regime e livramento condicional) (Távora, 2017).
§ 2º O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por
sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de
jurisdição.
Percebe-se, então, que a formação do colegiado ocorre por iniciativa do próprio magistrado de primeiro grau
de jurisdição competente, segundo os critérios de definição de competência estudados nessa aula, para o
julgamento do crime perpetrado por organização criminosa. Cabe-lhe, logo após tomada a decisão, apenas
comunicar tal fato ao órgão correicional, medida essa que tem cunho fiscalizatório, impedindo-se que a
faculdade legal seja utilizada sem o esmero que lhe deve ser inerente.
Entretanto, para que seja válida essa iniciativa de formação do colegiado, deverá o juiz fundamentar a
decisão, detalhando concretamente as razões que o levaram a optar por essa atitude, conforme § 1º acima
transcrito.
Nas palavras de TÁVORA, deve ser demonstrada a “existência de motivos e circunstâncias que acarretem risco
à integridade física do juiz. A existência deve ser concreta, não sendo suficientes meras conjecturas. Em
outros termos, o juiz competente deverá justificar a situação que reputa ameaçadora, apontando, por
exemplo, existência de ameaças ou de periculosidade dos agentes. O simples receio não é apto a legitimar a
formação do colegiado (Távora, 2017).
No que diz respeito à composição do colegiado, conforme se observa do § 2º acima colacionado, ter-se-á um
juiz natural da causa (que decidiu pela formação do colegiado) e mais outros dois magistrados de primeiro
grau, com competência criminal, escolhidos mediante sorteio eletrônico.
O instituto do colegiado de primeiro grau, em razão das peculiaridades que envolvem a sua formação e
composição, não escapa de críticas; alega-se, por vezes, a sua inconstitucionalidade, porquanto constituiria
desrespeito à garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII, CF), criando-se verdadeiros “tribunais de exceção”.
Para BRASILEIRO, as disposições da Lei 12.694/2012 são harmônicas com o referido princípio, haja vista a
cautela administrada pelo legislador quando do estabelecimento do critério para escolha dos magistrados
componentes do colegiado:
[...] o critério de escolha adotado pela Lei nº 12.694/12 está em plena consonância com o
princípio do juiz natural, porquanto se revela objetivo, apriorístico e impessoal, impedindo
qualquer discricionariedade na formação do colegiado. A nosso ver, o sorteio eletrônico preserva
o princípio do juiz natural, vez que impede a escolha post factum dos juízes que irão compor o
órgão colegiado, afastando-se, assim, o perigo de prejudiciais condicionamentos de processos
por meio de designação hierárquica dos magistrados competentes para apreciá-los (Lima, 2021).
Com efeito, trata-se de instância judiciária (o Colegiado) devidamente prevista em lei, com
competência instituída antes da prática do delito, o que, por si só, já afastaria a exceção do
tribunal, conforme consta da citada cláusula constitucional. E, mais. O juiz do processo, isto é, o
juiz legal (competência territorial) e constitucional (em razão da matéria), não será afastado do
processo. Juiz ou Tribunal de exceção é aquele instituído para o julgamento de um ou mais fatos,
cuja instalação não só se opera após o fato como também não se submete a quaisquer critérios
legais previamente existentes. No tribunal de exceção, a exceção é da própria jurisdição; no
Colegiado de primeiro grau, o que é excepcional é a circunstância de risco que lhe fundamenta a
instauração (Pacelli, 2018).
Ademais, cabe registrar que, conforme o § 4º da referida Lei, é possibilitado ao colegiado realizar reuniões
sigilosas, desde que evidenciado risco que a sua publicidade ofereça à eficácia dos atos praticados:
§ 4º As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em
prejuízo à eficácia da decisão judicial.
Por derradeiro, o art. 1º, § 6º estabelece que, conquanto sejam todas as decisões subscritas por todos os
integrantes do colegiado, não se fará menção ao voto divergente de qualquer membro:
§ 6º. As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos
os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer
membro.
Esse dispositivo também é alvo de críticas, uma vez que representaria clara inobservância à obrigação
constitucionalmente positivada de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX da CF).
Para os adeptos da constitucionalidade do artigo, tal medida tem o condão de conferir efetividade às demais
disposições da lei; afinal, cairia por terra o intuito legal de diluir a responsabilidade pelas decisões do
colegiado aos três juízes se, ao mesmo tempo, fosse registrado o voto divergente, atribuindo-lhe a respetiva
autoria. No mínimo já se teria a redução dessa “diluição” do decisum de três para dois magistrados; sem
contar na evidente atribuição do voto em sentido diverso ao magistrado restante.
[...] conclui-se que, até mesmo como forma de se preservar a independência de cada um dos
julgadores, não deve haver menção a voto divergente de qualquer um de seus integrantes. Afinal,
fosse obrigatória a menção individualizada a cada um dos votos, esvaziar-se-ia o próprio escopo
da criação de um órgão colegiado. Como não deve haver referência a votos divergentes, o
conteúdo da decisão tomada no colegiado não pode ser imputado a um único juiz. Isso torna
difusa a responsabilidade de seus membros, o que acaba por mitigar alguns riscos inerentes ao
processo e julgamento de crimes praticados por organizações criminosas (Lima, 2021).
O autor continua, e admite que, embora deva o conteúdo do voto divergente ser divulgado, seria justificável
a não identificação do magistrado ao qual pertence o aludido voto:
Três votos podem até se tornar um, quando de acordo todos os votantes. Mas três consciências
e inteligências não se transformam jamais em uma única. Um por todos e todos por um fica bem
na literatura de Dumas (o Alexandre e seus mosqueteiros), mas não é realizável no plano da
existência personalíssima. O que se pode aceitar, na medida em que justificada até mesmo pela
instauração do Colegiado, é a não referência ao nome do juiz divergente, por razões de ampliação
da proteção. Jamais, porém, o conteúdo de seu voto, esteja ele em que direção estiver (Pacelli,
2018).
Aqui andou muito mal o legislador. É direito das partes terem integral conhecimento da decisão
de cada um dos membros do colegiado e de todos os fundamentos utilizados, para acolher ou
rechaçar o pedido. Decorre da garantia da motivação das decisões previsto no art. 93, IX, da
Constituição. De nada serviria o mandamento constitucional de que “todas as decisões devem
ser fundamentadas” se as partes não tivessem amplo acesso à fundamentação. Ademais,
determina o mesmo dispositivo legal que “todos os julgamentos serão públicos”. Mais do que
uma mera publicidade do ato, no sentido de acessibilidade física, o que está determinando a
Constituição é a “possibilidade” do conteúdo do julgamento. As decisões devem ser motivadas e
acessíveis os fundamentos para os interessados. Não há como conciliar a garantia constitucional
com essa “ocultação” do voto divergente (Júnior, 2021).
Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território
Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de
Processo Penal.
Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça
Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.
Há se notar que, atinente aos condenados por crimes pela Justiça Federal, Justiça Eleitoral ou Justiça Militar,
a competência do juízo de execução dependerá da natureza do estabelecimento em que se encontre
recolhido o apenado. Tal entendimento advém da Súmula 192 do STJ:
Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela
Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a Administração
Estadual.
Ou seja, desde que o apenado esteja recolhido em estabelecimento penitenciário estadual, nada impede
seja lá cumprida pena referente a crime da alçada federal. A recíproca também é verdadeira.
Concernente à competência da Justiça Castrense como juízo de execução penal, RENATO BRASILEIRO traz à baila
peculiaridades interessantes atinentes aos benefícios e incidentes de execução:
Perceba-se que a Justiça Militar também terá competência para funcionar como juízo da
execução na hipótese em que o acusado tiver sido condenado pela Justiça Castrense e estiver
cumprindo pena em estabelecimento a ela subordinado. Nesse caso, os incidentes da execução
penal não são decididos por um Conselho de Justiça, mas monocraticamente pelo Juiz-Auditor
(no âmbito da Justiça Militar da União) ou pelo juiz de direito do juízo militar (no âmbito da Justiça
Militar dos Estados), ex vi dos arts. 588 e 590 do CPPM. Ainda em relação ao cumprimento da
pena do militar em estabelecimento prisional castrense, convém destacar que, a despeito da
falta de previsão legal no CPPM e no CPM acerca da progressão de regimes, o Supremo vem
entendendo que, em fiel observância ao princípio da individualização da pena, revela-se
inconstitucional a imposição do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Por
isso, tem considerado válida a avaliação das condições objetivas e subjetivas para progressão de
regime prisional, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código Penal e da Lei de
Execução Penal (Lima, 2021).
No que diz respeito à competência territorial dos juízos de execução, necessário se faz analisar o art. 65 da
LEP:
Art. 65. A execução penal competirá ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na
sua ausência, ao da sentença.
É dizer, compete ao juiz da Vara de Execuções Penais do local em que se encontra recolhido o apenado o
processamento da execução penal e o julgamento dos incidentes que surjam durante o cumprimento da
reprimenda. Se tal juízo não existir na comarca em que esteja recolhido o sentenciado, sendo a mesma à
qual pertence o juízo sentenciante, competirá ao próprio juiz prolator da sentença a condução e julgamento
do processo de execução.
I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;
e) livramento condicional;
f) incidentes da execução.
V - determinar:
i) (VETADO);
Deve-se dar destaque ao inciso I do referido artigo, qual seja, a competência para a aplicação retroativa de
lex mitior aos apenados.
Como é cediço, a lei penal é irretroativa, salvo para beneficiar o réu. Trata-se de norma constitucional,
elencada como direito fundamental no art. 5º, XL da CF:
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando
em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Desta forma, com o advento de eventual lei que beneficie, de qualquer forma, o apenado, caberá ao juízo
da execução a sua aplicação (nos casos com sentença condenatória transitada em julgado). Aliás, trata-se de
matéria sumulada pelo STF:
Súmula 611. Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação
de lei mais benigna.
A propósito, esta incumbência, em específico, ganhou especial relevo com a Lei 13.654/2018, publicada em
23/04/2018. A pretexto de recrudescer, principalmente, o combate às ações criminosas relacionadas ao
furto de explosivos e seus componentes e a sua utilização em crimes patrimoniais, por falta de técnica
legislativa, referida lei acabou por revogar o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. Esse inciso previa o
“emprego de arma” como majorante ou causa de aumento de pena do crime de roubo.
Prevalecia tanto na doutrina quanto na jurisprudência que o termo ‘arma’, em razão da falta de especificação
por parte do legislador sobre qual tipo de instrumento era apto a ensejar a aplicação da majorante,
compreendia tanto as armas de fogo quanto as armas brancas (facas, foices, punhais e afins) e demais
instrumentos que pudessem causar intimidação à vítima, mesmo que produzidos sem finalidade bélica.
Pois bem, o emprego de arma de fogo está especificamente contemplado no inciso I do atual § 2º-A;
contudo, na oportunidade, não houve qualquer menção aos outros tipos de armas; excluiu-se, pois, essa
figura do ordenamento jurídico (ao menos em relação ao crime de roubo, porquanto o art. 158 do CP –
extorsão – permaneceu com a majorante referente ao “emprego de arma”). Mais um indicativo da falta de
técnica legislativa.
Indaga-se: mas enfim, qual a consequência disso? O resultado é que todos os condenados como incursos
nas sanções do artigo 157, § 2º, I do CP (redação antiga) em razão de terem empregado armas brancas, ou
outros instrumentos acima referidos, para a prática de roubos, passaram a ter o direito de remoção dessas
majorantes com a devida readequação, a menor, da pena. Essa tarefa cabia, como acabamos de ver, aos
respectivos juízos de execução penal, em relação aos condenados por sentença penal condenatória
transitada em julgado. Se o processo estivesse em grau recursal, caberia aos próprios tribunais a aplicação
da lei.
Detalhe: o problema foi contornado (em relação aos casos futuros) pelo Pacote Anticrime. Houve a inclusão
de uma majorante pelo emprego de arma branca no inc. VII do § 2º do art. 157 do CP.
Por fim, cabe o pertinente registro de NUCCI concernente à execução de pena de apenados detentores de
foro por prerrogativa de função. Leciona o autor:
Nada mais é a distribuição, portanto, do que um critério para o estabelecimento da competência do juízo e
da sua competência interna. Em outras palavras, se existem diversas varas criminais em determinada
comarca, é pela distribuição (dos autos/processo) que se fixará a competência de uma delas, assim como a
competência entre juízes com atribuição em um mesmo juízo/vara (juiz titular e juiz substituto).
Assim, trata-se de mero critério para repartição, divisão de serviço dentre varas de mesma competência,
utilizando-se da aleatoriedade dos sistemas de distribuição a fim de que não haja nenhum direcionamento
indevido de processos.
É possível que ocorra uma distribuição por dependência, ou seja, que um juízo encontre-se
prevento para processar e julgar determinado feito, havendo o oferecimento de denúncia em
relação a crime conexo àquele. Nesse caso, o processo seguirá diretamente para o juízo
prevalente sem necessidade de novo sorteio, hipótese em que deverá ocorrer ulterior
compensação entre os juízes.
Ainda, o autor pondera acerca das situações em que não deve ser adotado o critério da distribuição para a
fixação de competência:
Não se procede à distribuição nas seguintes hipóteses: a) em virtude da matéria, pela natureza
da infração, se for crime de competência do júri popular, o processo não poderá ser distribuído
normalmente entre os juízes do local, pois o julgamento fica afeto a um órgão jurisdicional
especial (CPP, art. 74, § 1º); b) em razão da conexão ou continência, as infrações devem ser
apuradas em processo já afeto à autoridade judiciária prevalente (CPP, arts. 76 a 78); c) em razão
da prevenção, deva a ação penal ser submetida à apreciação de autoridade judiciária, que já
tenha, de algum modo, tomado conhecimento do caso (CPP, art. 83); É comum que, antes da
conclusão do inquérito policial, venha o magistrado a praticar atos jurisdicionais. Por tal razão,
dispõe o art. 75, parágrafo único, do CPP, que a distribuição realizada para o efeito da concessão
de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia
ou queixa prevenirá a da ação penal. Nessa hipótese, em que o magistrado praticou um ato
jurisdicional, evidentemente com prévia distribuição, o inquérito não será novamente
distribuído, devendo sim ser enviado àquele juiz que praticou referidos atos jurisdicionais. Na
verdade, o dispositivo é mal redigido, porque o que ele pretende dizer é que a distribuição para
aquelas medidas dispensará a distribuição da ação penal e prevenirá o juízo (Lima, 2021).
VI - a prevenção;
Nas palavras de BADARÓ, prevenção “vem do latim prae-venire, que significa chegar antes”. “Prevenção é,
portanto, a concentração, em um órgão jurisdicional, da competência que abstratamente pertencia a mais
de um órgão, inclusive a ele próprio, por ter atuado, previamente no processo” (Badaró, 2017).
CAPEZ:
Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que houver dois ou mais juízes igualmente
competentes, em todos os critérios, para o julgamento da causa. Neste caso, a prevenção surge
como uma solução para determinar qual o juízo competente (Capez, 2018).
NUCCI assevera:
Dessa forma, quando a infração espalhar-se por mais de um local, não se encontrando o domicílio
do réu, inexistindo o critério da natureza do delito, nem tampouco houver condições de se
distribuir o feito, visto que os magistrados estão em Comarcas diversas, além de não estar
presente regra alguma de conexão ou continência, deve-se usar a regra residual: quem primeiro
conhecer do feito, é competente para julgá-lo (art. 83, CPP) (Nucci, 2015).
A inobservância desse critério de fixação de competência, que tem cunho territorial (competência relativa),
enseja a declaração de nulidade, também, relativa. Trata-se de questão sumulada pelo STF:
Um juízo será considerado prevento com a prática de qualquer ato de cunho decisório pelo respectivo
magistrado, antecedendo-se a outros juízos, mesmo que antes do recebimento da denúncia.
Especificamente em relação aos atos praticados anteriormente à denúncia, BRASILEIRO concebe duas
condições para que, nesses casos, seja possível a determinação de competência pela prevenção:
a) existência de prévia distribuição: o art. 83 do CPP deve ser compreendido em conjunto com o
art. 75, parágrafo único, ou seja, só se pode cogitar de prevenção da competência quando a
decisão, que a determinaria, tenha sido precedida de distribuição, por isso que não previnem a
competência decisões de juiz de plantão, nem as facultadas, em caso de urgência, a qualquer dos
juízes criminais do foro; b) deve a medida ou diligência apresentar o mesmo caráter cautelar ou
contra cautelar (a fiança é exemplo de contracautela) encontrado nas hipóteses exemplificadas
na regra contida no parágrafo único do art. 75 do CPP. Vejamos alguns exemplos de diligências
que previnem o juízo: b.1) concessão de fiança (arts. 321 a 350); b.2) conversão da prisão em
flagrante em preventiva ou temporária (CPP, art. 310, II); b.3) decretação de prisão preventiva
(arts. 311 a 316 do CPP) ou de prisão temporária (Lei nº 7.960/89); b.4) pedidos de medidas
assecuratórias dos arts. 125 a 144 do CPP; b.5) pedidos de provas, como expedição de mandado
de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de sigilo bancário; b.6) manifestação
do juízo acerca da regularidade da prisão em flagrante delito, quando comunicado nos termos
do art. 5º, inciso LXII, da Carta Magna (Lima, 2021).
Note-se, portanto, que não é toda e qualquer atuação do magistrado em sede pré-processual que tem o
condão de prevenir o juízo; apenas os pronunciamentos judiciais com cunho efetivamente decisório. Nessa
esteira, o autor supracitado elenca medidas que não tornam o juízo prevento:
a) habeas corpus em primeiro grau (v.g., quando um habeas corpus é impetrado contra ato de
um delegado), por se tratar de matéria especificamente constitucional; b) quando o juiz remete
cópia dos autos ao MP (art. 40 do CPP); c) atos do juiz de plantão não tornam o juízo prevento –
após o fim do plantão, o processo deve ser objeto de distribuição; d) a simples antecedência de
distribuição de inquérito policial, ou mesmo de ação penal ainda não despachada, também não
gera a prevenção do juízo, por não conterem nenhuma atuação jurisdicional (Lima, 2021).
a) quando não se souber onde se deu a consumação do delito, bem como quando não se tiver
ciência do local de domicílio ou residência do réu, a prevenção funciona como foro subsidiário
(art. 72, § 2º, CPP); b) quando houver incerteza entre os limites territoriais de duas ou mais
Comarcas, bem como quando não se souber onde foi cometido exatamente o delito e, ainda,
quando se tratar de infração continuada ou permanente, a prevenção serve como regra de
fixação da competência (arts. 70, § 3º, e 71, CPP) (Da competência em matéria penal, p. 206)
(Nucci, 2015).
Ou seja, funciona a prevenção como foro subsidiário quando não é possível especificar e fixar a competência
pelos demais critérios legais; evitando-se, assim, um “vácuo” de competência. Por outro lado, funciona como
regra de fixação quando não se tem certeza dos limites territoriais ou quando os atos delituosos tenham sido
perpetrados em mais de uma comarca.
Havendo incerteza no tocante ao limite territorial entre duas ou mais Comarcas, ou mesmo
quando incerta a competência por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas
ou mais Comarcas, resolve-se pela prevenção (art. 70, § 3º, CPP). E nesse aspecto, pode ocorrer
a situação denominada perpetuação da jurisdição (o ideal seria falar perpetuação da
competência), significando que, uma vez iniciada a ação penal em determinado foro, mesmo que
alterada a competência por regra de organização judiciária posterior, firma-se a competência do
juiz prevento. [...] Vale, igualmente, a regra da prevenção para os casos de crime continuado e
de delito permanente (art. 71, CPP).
Crime continuado é uma ficção jurídica, criada para beneficiar o agente que comete mais de uma
ação ou omissão, com mais de um resultado, mas que, por circunstâncias objetivas fixadas em
lei, fazem com que as condutas subsequentes sejam consideradas uma continuação da primeira.
Nessa hipótese, como a execução abrangeu vários lugares, qualquer deles torna-se competente
para apurar a infração penal, firmando-se a competência pela regra da prevenção.
O crime permanente é aquele que se consuma através de uma única conduta, embora a situação
antijurídica criada prolongue-se no tempo até quando queira o agente, significando, pois, a
consumação estendida no tempo. Exemplo disso é o sequestro ou cárcere privado, que priva a
liberdade da vítima até quando o agente a solte. Enquanto está em poder do sequestrador,
encontra-se o delito em plena consumação. Por isso, é possível que se estenda por vários lugares,
imaginando-se a hipótese do ofendido que é colocado em vários cativeiros, até lograr alcançar a
sua liberdade. Qualquer dos lugares por onde passou, justamente por estar em franca
consumação o delito, é foro competente para apurar o ocorrido. Assim, firma-se a competência
pela prevenção (Nucci, 2015).
Por fim, pertinente a transcrição do magistério de GONÇALVES et al. a respeito das hipóteses em que a
prevenção é critério norteador de fixação da competência:
1) Quando há mais de uma vara para a qual o inquérito pode ser direcionado, porém, antes da
distribuição, algum juiz pratica ato relevante relacionado ao delito investigado, fica ele prevento.
Neste caso, a prevenção define o juízo, a vara onde a ação penal tramitará (art. 83 do CPP). 2)
Quando for cometido crime permanente no território de duas ou mais comarcas (art. 71 do CPP).
3) Quando for cometido crime continuado no território de duas ou mais comarcas (art. 71 do
CPP). 4) Infração praticada em local incerto entre duas ou mais comarcas (art. 70, § 3º, do CPP).
5) Infração cometida em lugar que não se tem certeza se pertence a uma ou outra comarca (art.
70, § 3º, do CPP). 6) Se for desconhecido o lugar da infração e o réu tiver duas residências (art.
72, § 1º, do CPP). 7) No caso de conexão quando não houver foro prevalente, por serem os delitos
da mesma categoria de jurisdição e tiverem as mesmas penas (art. 78, II, c, do CPP). Observação:
Nas hipóteses dos tópicos 2 a 7 a prevenção é utilizada para a fixação do foro competente,
enquanto na hipótese do tópico 1 tal critério serve para fixar o juízo competente (Gonçalves, et
al., 2017).
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016) tece
algumas considerações sobre aspectos dos crimes de violência doméstica e familiar contra a
mulher: “(...) são julgados pelos órgãos especializados da Justiça Estadual, criados conforme
preconiza a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Vislumbra-se a possibilidade de ser
deslocada a competência para a Justiça Federal na hipótese de existir grave violação aos direitos
humanos e de ineficiência dos órgãos locais de persecução penal (polícia, Ministério Público e
Justiça), fazendo incidir o art. 109, § 5º, da Constituição. Para a definição da competência do
juizado ou vara especializada no processamento e julgamento de crimes de violência doméstica
e familiar contra a mulher, é relevante destacar que o crime que se ajusta aos seus limites: 1)
não pode ser delito doloso contra a vida, porquanto este encontra previsão constitucional para
ser julgado pelo tribunal do Júri; 2) o sujeito ativo da infração penal pode ser tanto homem
quanto mulher; 3) o sujeito passivo da infração penal há de ser pessoa do sexo feminino,
independentemente da orientação sexual; 4) a agressão tem que guardar relação com as
relações afetivas da seara doméstica ou familiar, podendo ser cometida tanto no âmbito da
unidade doméstica, quanto fora da residência, mas em razão de relação familiar ou de afeto; 5)
a vítima deve ser econômica ou fisicamente mais frágil (hipossuficiência em sentido amplo), em
situação de maior vulnerabilidade, evidenciando opressão à mulher; e 6) a agressão pode ocorrer
nas relações de parentesco diversas de um casal, ou de companheiros, podendo se dar entre
irmãos por exemplo, mas sempre tendo como pessoa ofendida uma mulher”. A respeito do
conceito e dos elementos da organização criminosa, assevera: “Em síntese, o conceito de
organização criminosa tomado como parâmetro para a possibilidade de formação do órgão
colegiado de primeiro grau de jurisdição é formado pelos seguintes elementos: 1) associação de
4 (quatro) ou mais pessoas: não basta que haja coautoria momentânea, é necessário um caráter
de estabilidade da organização; 2) estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente: embora não se imponha uma espécie de ‘estatuto’ da
organização criminosa (admite-se a informalidade), o caso concreto deve evidenciar organização
mínima, com estruturação que dê ideia de hierarquia entre os componentes ou de unidade de
comando. A divisão de tarefas deve ser demonstrada pela repartição de funções entre os
componentes da organização, diante de objetivos pré-definidos; 3) com o objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza: o intuito de locupletamento deve ser
evidenciado pelos sinais externos que caracterizam o interesse dos membros na empreitada
delituosa. Não necessariamente a vantagem deve ser patrimonial, podendo ser vantagens de
naturezas diversas, como sexual, por exemplo, na hipótese de crimes de pedofilia; 4) mediante a
prática de infrações penais cujas penas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional: para efeito de aferir a pena máxima em abstrato, deve ser considerado
cada crime visto isoladamente, porém fazendo incidir qualificadoras, causas de aumento e de
diminuição de pena, nos casos de tipos penais derivados. A quantidade de pena se torna
irrelevante quando os delitos tenham caráter transnacional, para o fim de definir a associação
como organização criminosa. Como a nova lei menciona ‘infrações penais’, é possível, embora
remotamente, que sejam tanto crimes como contravenções penais – independentemente do
quantitativo da pena –, quando o delito envolver elemento de internacionalidade (caráter
transnacional). Antes do advento da Lei nº 12.850/2013, ‘organização criminosa’ não era, por
si só, crime, ou seja, não havia definição de crime de organização criminosa. Organização
criminosa era o modus de cometimento de outros crimes, sendo tal conceito usado como
parâmetro de outras medidas restritivas à liberdade ou a direitos do indiciado ou acusado (a
exemplo de aplicação da sanção de regime disciplinar diferenciado ao preso provisório ou
definitivo ou da possibilidade de interrogatório por videoconferência). Agora, é crime punido
com reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos a conduta de ‘promover, constituir, financiar ou integrar,
pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa’ (art. 2º, caput, da Lei nº
12.850/2013). Quanto a problemas de direito intertemporal, há quem entenda que a formação
do colegiado de primeiro grau está restrita às persecuções penais relativas a crimes ocorridos
após a vigência da Lei nº 12.694/2012, qual seja, a data de 23 de outubro de 2012. O autor se
arrima na ideia do juiz natural e entende que o colegiado estaria sendo instituído após a prática
do fato delituoso, como se fosse um juízo de exceção. Com a devida vênia, não pensamos que a
instituição do colegiado para processos em andamento chegue a tal ponto. Isso porque se trata
de lei processual, sem conteúdo material. De outro lado, fosse levar às últimas consequências,
mesmo para os processos instaurados após o advento da lei, a formação superveniente do
colegiado não deixaria de ser um provimento concreto de juízes que não estariam previstos
abstratamente na lei. Ademais, o juiz natural da causa não fica afastado do julgamento. Daí que
deve ser aplicado o art. 2º, do CPP, estabelecendo a vigência plena da Lei nº 12.694/2012, para
os processos em curso, mesmo que relativo a fato anterior a sua vigência”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “A Lei no 12.694, de 24
de julho de 2012, inovou no cenário jurídico nacional criando a figura do juiz sem rosto, isto é, a
impossibilidade de se identificar o magistrado que adotou esta ou aquela medida de natureza
cautelar, meritória ou de execução penal. Em verdade, a lei vem a reboque de acontecimentos
graves que ocorreram no País envolvendo juízes, como, por exemplo, a morte da juíza Patrícia
Acioli em 11 de agosto de 2011. Mas se a lei quis impedir que se soubesse quem é o juiz que
decidiu dessa ou daquela forma, ela NÃO conseguiu porque o juiz irá assinar a decisão junto com
outros dois colegas, isto é, não se trata de lei do juiz sem rosto, mas de lei da decisão coletiva.
Todos os magistrados do colegiado serão identificados. A figura do ‘juiz sem rosto’ é quando a
sociedade não sabe quem é o magistrado que está à frente daquele processo, assegurando a
integridade física dele a fim de resguardar os atos que serão praticados no curso do processo. É
perigoso e atentatório das regras processuais da imparcialidade, que são asseguradas através da
incompatibilidade (suspeição e impedimento), não se saber quem é o juiz que está à frente do
processo”. A respeito da formação desse colegiado, assevera: “O colegiado é criado em
decorrência de um risco à integridade física do juiz em decisão fundamentada, ou seja, não pode
ser criado porque o juiz acha que pode ser ameaçado, ou, simplesmente, porque está com medo
do exercício da profissão. A ameaça deve ser concreta, real e histórica (ter conexão com os fatos
objeto de julgamento nas mãos do juiz). [...] § 2º O colegiado será formado pelo juiz do processo
e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência
criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição (sem grifos no original). A questão levantada
pela doutrina quanto a ofensa ao princípio do juiz natural é resolvida pelo parágrafo acima. O juiz
do processo não é afastado. Há respeito ao juiz natural, pois ele integra o colegiado. [...] E mais:
a formação do colegiado é pontual, ou seja, é para a prática de um ato específico, determinado
(§ 3o A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado), em regra,
processual (decretar prisão ou medidas assecuratórias, conceder liberdade, revogar prisão) ou
meritório (sentença, progressão ou regressão de regime, liberdade condicional). A figura do juiz
sem rosto (em verdade, da decisão coletiva), como se quer chamar esta lei, não terá aplicação
nos tribunais pela razão de já serem órgão colegiado”. A respeito do sigilo e publicidade das
atividades do colegiado, pondera: “A publicidade do ato processual é restringida para que se
possa alcançar a eficácia do ato a ser praticado, sob pena de, uma vez tomando-se conhecimento
de que será praticado, tornar-se ineficaz. Todavia, o sigilo da reunião é até a prática do ato.
Depois que o ato se realizar, o réu terá conhecimento do seu inteiro teor, dando-se total
publicidade, sob pena de afronta ao disposto no art. 5º, LX, da CR. [...] A lei extirpou qualquer
possibilidade da defesa de conhecer do inteiro teor do voto divergente que, de certa forma, a
beneficia violando, flagrantemente, o direito à ampla defesa e ao contraditório. Se há um juiz,
no colegiado, que discorda da adoção daquela medida extrema de prisão, por exemplo, e o faz
de forma fundamentada, não é razoável que a lei impeça o réu de conhecer do teor da decisão
para que possa, com base nela, interpor a medida judicial cabível a espécie (habeas corpus,
mandado de segurança, revisão criminal, agravo em execução etc.). Chega a ser contraditório: se
a lei quer que a decisão seja devidamente fundamentada, como esconder a decisão divergente?
Não faz nenhum sentido. É como se o bom direito fosse, unicamente, aquele que prejudica o réu.
É MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL a previsão de que o voto divergente não possa constar
da decisão colegiada”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), ao tratar sobre
julgamento colegiado para os crimes praticados por organização criminosa e a formação desse
colegiado, aduz: “Portanto, a abrangência da lei vai desde antes do recebimento da denúncia até
após o trânsito em julgado, ou seja, tanto a fase pré-processual (inquérito policial), como
também o processo (de conhecimento) e a execução da pena. Inclusive, não se exclui a
possibilidade de ser instaurado o colegiado para proceder a instrução e as audiências
necessárias. [...] A primeira ressalva que se faz é acerca da possibilidade de um juiz decidir sobre
a ‘criação de órgão colegiado’ com poder decisório. Trata-se de uma autorização legal até então
desconhecida pelo sistema nacional e que tem sido objeto de severas críticas, na medida em que
pode representar a violação da garantia do juiz natural. Isso porque o órgão julgador tem que ser
definido previamente à prática do crime. Ou seja, é a garantia de ser julgado por um juiz cuja
competência é preestabelecida em lei e não por um órgão colegiado criado ad hoc, ou seja, para
aquele caso penal e aquele ato procedimental, conforme a discricionariedade de um outro juiz.
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
[...] Outra questão importante que emerge da disciplina legal respeita à proibição de que, na
publicação das decisões, haja referência a eventual voto divergente de qualquer dos membros
do colegiado (art. 1. º, § 6. º, 2. ª parte). A partir desta regra, conclui-se que a decisão externada
pelo órgão julgador será apenas aquela que representar o entendimento da maioria dos juízes,
muito embora, repita-se, deva estar firmada por todos os integrantes, inclusive pelo autor do
voto divergente. Com este regramento, mais uma vez objetivou o legislador impedir a influência
de organizações criminosas sobre os membros do colegiado, evitando que se tornem alvo de
ameaças ou de pressões de qualquer natureza. [...] Por fim, alerta-se que, no âmbito doutrinário,
tem sido muito discutida a constitucionalidade dos colegiados de primeiro grau, entendendo
alguns que as únicas situações que viabilizam a sua instituição ocorrem em relação aos
julgamentos pelo tribunal do júri e no âmbito da justiça militar, conforme autorizam os arts. 5. º,
XXXVIII, e 125, § 3. º, da Constituição Federal, respectivamente. Além disso, a atuação de outros
juízes implicaria violação ao princípio do juiz natural. Não obstante esta orientação,
compreendemos no sentido da possibilidade jurídica de instituição dos referidos colegiados, pois
não existe qualquer norma constitucional estabelecendo que o exercício da jurisdição em
primeiro grau seja, necessariamente, reservado ao juiz monocrático. Consideramos, além disso,
que a formação dos colegiados traz garantias adicionais ao acusado ou condenado, pois há menor
risco de erro judicial nas decisões tomadas por vários juízes em conjunto do que naquelas
proferidas por apenas um magistrado. Este último entendimento – constitucionalidade dos
colegiados – foi agasalhado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.414/ AL (j. 31.05.2012), ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, contra a Lei 6.806/ 2007, do Estado de Alagoas, que, ao criar Vara Criminal
Especializada para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas, atribuiu a
titularidade coletiva de vários juízes. Por outro lado, quanto ao princípio do juiz natural, também
não vislumbramos violação. Afinal, este postulado decorre do art. 5. º, LIII, da Constituição
Federal, e tem por objetivo assegurar ao acusado o direito de ser submetido a processo e
julgamento por órgão do Poder Judiciário regularmente investido, imparcial e previamente
conhecido segundo regras objetivas de competência. Em consequência, fica proibida a criação
de tribunais ou juízos de exceção, assim como a designação de magistrado para atuar em um
caso específico e determinado. Essas situações, porém, não se confundem com os colegiados de
primeiro grau previstos no art. 1. º da Lei 12.694/ 2012, em que o juiz originário do processo
continua atuando mesmo após convocado o colegiado e, quanto aos demais integrantes, não
serão indicados ou designados a partir de critérios políticos (o que efetivamente enfraqueceria a
instituição e afastaria a garantia constitucional do juiz natural), mas sim escolhidos
abstratamente por meio de sorteio eletrônico entre juízes que exerçam a jurisdição criminal”.
PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN E JORGE ASSAF MALULY (Curso de processo penal, 9ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2014): “Depois de fixado o foro competente em razão do lugar da infração ou da
matéria, quando houver mais de um juiz igualmente competente na mesma repartição
(circunscrição) judiciária, o feito será distribuído para um deles (art. 75, CPP). A distribuição é um
critério objetivo de fixação do foro competente, que busca evitar a interferência subjetiva (STJ,
6ª Turma, RHC n. 5.318/CE, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU, 25.08.97, p. 39). [...]
Conforme o parágrafo único do art. 75 do CPP, a prática de um ato jurisdicional, em decorrência
da distribuição prévia de um pedido relativo a um processo a ser instaurado (de prisão preventiva
ou temporária, de liberdade provisória, de busca e apreensão etc.), torna prevento o juízo. A
ação penal (iniciada por denúncia ou queixa-crime), por conseguinte, dispensará nova
distribuição e será imediatamente remetida ao juízo já determinado”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Havendo mais de
um juiz competente no foro do processo, a competência será determinada pelo critério da
distribuição. Nesse caso, existem dois ou mais juízes igualmente competentes, por qualquer dos
critérios, para o julgamento da causa. A distribuição de inquérito policial e a decretação de prisão
preventiva, a concessão de fiança ou a determinação de qualquer diligência (p. ex.: busca e
apreensão), antes mesmo da distribuição do inquérito, tornam o juízo competente para a futura
ação penal”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 1, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010):
“Determinado o lugar por onde deva correr o processo, seja ratione loci, seja ratione domicilii,
cumpre indagar se nesse lugar há um único Juiz, caso em que não haverá nenhum problema: o
processo correrá perante ele. E se houver dois ou mais Juizes? É preciso ver se um deles, de
acordo com a Lei de Organização Judiciária, tem competência para conhecer de determinadas
infrações e se a causa penal que se pretende ajuizar é ou não da sua competência. Se for da sua
competência, perante ele correrá o processo E se no lugar onde o processo deva ser instaurado
houver dois ou mais Juizes igualmente competentes? Perante um deles, é óbvio, deverá ser
intentada a ação penal. Qual deles será o competente para o processo e julgamento? Nessa
hipótese, a competência é determinada pela distribuição, e esta nada mais é que um simples
instituto disciplinador de serviços. Distribuir é repartir, dividir. Logo a distribuição, como critério
para determinação da competência, é uma repartição, uma divisão de processos entre Juizes
igualmente competentes. Percebe-se, com facilidade, que a distribuição não é critério para
fixação de foro, mas, sim, para determinação de Vara”.
Jurisprudência pertinente
[...] O art. 83 C.Pr.Pen há de ser entendido em conjugação com o art. 75, parag. único: só se
pode cogitar de prevenção da competência, quando a decisão, que a determinaria, tenha sido
precedida de distribuição: não previnem a competência decisões de juiz de plantão, nem as
facultadas, em caso de urgência, a qualquer dos juízes criminais do foro. [...] (HC 69599,
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1993).
primeiro, portanto, a praticar atos relativos ao processo, tornando-se, pois, prevento, na dicção
do dispositivo legal acima referido. 4. Recurso improvido. (RHC 0014325-73.2016, Min. Rel. Jorge
Mussi, DJ em 27/03/2018).
[...] Ressalvada a competência do Júri para julgamento do crime doloso contra a vida, seu
processamento, até a fase de pronúncia, poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, em atenção à Lei 11.340/06. [...] (HC 73.161/SC, Rel. Ministra JANE
SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 29/08/2007).
atenção ao art. 1º, § 1º, da Resolução nº 557/07 do Conselho da Justiça Federal, (redação similar
ao artigo 4º, § 1º da Lei nº 11.671/2008), que determina: "A execução penal da pena privativa de
liberdade, no período em que se efetivar a transferência, ficará a cargo do juízo federal
competente." 3. Para o fiel cumprimento da execução penal deve-se levar em conta, diante das
circunstâncias do caso concreto, não apenas as conveniências pessoais e familiares dos presos,
bem como os da Administração Pública, sobretudo quando relacionadas com o efetivo
cumprimento da pena, uma vez que se reconheça a impossibilidade do Juízo que solicitou o
deslocamento dos apenados de se fazer presente no local do cumprimento da pena para
acompanhá-la e tratar de incidentes que surjam no decorrer da execução. Exegese do Enunciado
Sumular 192 desta Corte, a corroborar a regra disposta no art. 66, III da Lei de Execuções Penais.
4. Conflito conhecido para determinar competente o suscitante, Juízo Federal da Seção de
Execução Penal de Catanduvas da Seção Judiciária do Estado do Paraná.(CC 90.702/PR, Rel.
Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 13/05/2009).
MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA
A competência, intimamente relacionada com o princípio do juiz natural, deve ser disciplinada por regras
próprias que traduzam segurança jurídica e que permitam ao jurisdicionado, de antemão, saber qual o juiz
competente para processo e julgamento no caso da prática de infrações penais.
Todavia, considerando que a jurisdição é una, existem determinadas situações que podem justificar,
recomendar e legitimar a modificação das competências previamente estabelecidas, diante de critérios
relacionados a um melhor funcionamento da Justiça, por economia processual, para maior eficácia e,
inclusive, para se evitar decisões judiciais conflitantes.
1 - CONEXÃO E CONTINÊNCIA
A conexão e a continência, institutos existentes tanto no processo civil quanto no processo penal,
representam formas de alteração da competência. “Não obstante dispor o art. 69, inciso V, do CPP, que a
competência jurisdicional será determinada pela conexão ou continência, tem-se que, em regra, tanto a
conexão quanto a continência não são critérios que fixam a competência. Funcionam, sim, como critérios
que alteram a competência” (Lima, 2021).
NUCCI também vai no sentido de que a conexão e a continência “são regras de modificação da competência
– e nunca de fixação”. Faz alusão ao Código de Processo Civil para confirmar a compreensão:
Art. 54. A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência,
observado o disposto nesta Seção.
Diz que “eventualmente, como exceção à regra, a conexão e a continência podem ser utilizadas para fixação
inicial da competência, desde que já se saiba de antemão que um processo liga-se a outro, sendo um deles
já distribuído. Dessa forma, quando se distribuir o segundo, pode-se requerer ao juiz que determine a
remessa para a mesma Vara, por existência de conexão ou continência” (Nucci, 2018).
É costume dizer que a conexão e a continência modificam a competência. Essa afirmação, porém,
somente é válida no que concerne à competência em abstrato, ou seja, no caminho que se
desenvolve antes da fixação definitiva, em concreto. O desaforamento, sim, modifica a
competência em concreto, depois de definida. A conexão e a continência atuam antes dessa
definição (Filho, 2012).
Resume o autor da seguinte forma: “lato sensu, a conexão e a continência fazem parte das regras de fixação
de competência, embora, stricto sensu, elas modifiquem as convencionais regras de escolha do juiz natural,
por atenderem a critérios de ordem puramente instrumental” (Nucci, 2018).
Na lição de VICENTE GRECO FILHO, “a conexão e a continência são fatos, resultantes de vínculos entre as
infrações penais ou seus agentes, que alteram o caminho ordinário de determinação da competência,
impondo a reunião, num mesmo processo, de mais de uma infração ou mais de um agente” (Filho, 2012).
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: [...]
Poderíamos indagar: quais são os critérios que justificam essa alteração de competência? Essa modificação
viola o princípio do juiz natural? A resposta é dada pelas palavras do mestre português JORGE DE FIGUEIREDO
DIAS:
A particular relacionação intercedente entre vários crimes – seja em nome da sua proximidade
material e objectiva, ou pessoal e subjectiva, ou uma e outra – pode plenamente justificar a
conveniência do seu julgamento conjunto. [...] A razão justificativa desta competência por
conexão será, antes de tudo, de economia processual. Mas não só, pois a ela acrescem – quando
não mesmo se sobrepõem – razões de boa administração da justiça penal (juntando processos
conexos será provavelmente mais esgotante a produção probatória e respectiva cognição) e
mesmo de prestígio das decisões judiciais (pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de
decisões sobre infrações conexas se contradizerem materialmente). O que tudo se alcança,
anote-se ainda, sem prejuízo do conteúdo ínsito na garantia da juiz natural, por isso que os
critérios de conexão estão contidos em lei anterior e elegem, de forma geral e abstracta, o
tribunal em definitivo competente (Dias, 1974).
TORNAGHI destaca a distinção dos conceitos do processo civil se comparados com os do processo penal:
Resume o renomado autor da seguinte forma: “quando com vários fatos se pratica um só crime, há unidade
(crime continuado, crime progressivo, crime plurisubsistente); quando com vários fatos se cometem vários
crimes, há conexão (desde que haja o elemento comum [...], é claro); quando com um só fato se praticam
vários crimes, há continência” (Tornaghi, 1977).
Em síntese: as regras de conexão são aplicáveis a causas que, em princípio, seriam examinadas
em separado e que, verificada a conexão entre os feitos, deve-se recorrer aos critérios de
modificação ou prorrogação das competências. Se incabíveis as regras modificativas da
competência, as atribuições jurisdicionais originárias devem ser mantidas, porquanto a
competência absoluta não se modifica ou prorroga. Logo, só se admite que a conexão possa
alterar competências de natureza relativa, tornando competente para o caso concreto juiz que
não o seria sem ela. De acordo com a jurisprudência, eventual violação às regras que
determinam a reunião dos processos por conexão ou continência dará ensejo tão somente a
uma nulidade relativa, cujo reconhecimento fica condicionado à arguição em momento
oportuno, sob pena de preclusão, além da necessária comprovação de prejuízo.
Assim, a título de ilustração, caso haja conexão entre crimes de competência da Justiça Federal
e Estadual, preceitua a súmula no 142 do STJ que deve prevalecer a competência da Justiça
Federal. Não obstante, caso o crime estadual seja processado e julgado perante a Justiça
Estadual, e o crime federal perante a Justiça Federal, ambos os processos serão considerados
válidos, efetuando-se a soma das penas quando da execução da pena. Da leitura dos arts. 76 e
77 do CPP, depreende-se que a lei processual penal trata das hipóteses de unidade de processos,
deixando de fazer qualquer menção ao inquérito policial. Logo, ainda que haja conexão e
continência entre infrações penais, nada impede que inquéritos policiais instaurados por
autoridades policiais distintas possam prosseguir normalmente, sem necessidade de reunião
das investigações. Obviamente, caso a reunião dos procedimentos investigatórios em um só seja
útil ao esclarecimento dos fatos, pensamos ser possível a unificação dos procedimentos
investigatórios mediante autorização judicial, ouvido previamente o órgão do Ministério Público
(Lima, 2021).
Doutrina complementar
Norberto Avena (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“Examinando-se as hipóteses contempladas nos arts. 76 e 77 do CPP, verifica-se que a diferença
substancial entre tais institutos está no fato de que, enquanto na conexão há necessariamente
pluralidade de condutas, na continência há uma só conduta, gerando um ou vários resultados.
De qualquer forma, em que pese existam, nos incisos dos arts 76 e 77, situações que exigem
pluralidade de sujeitos ativos, a verdade é que, em regra, para fins de enquadramento em um ou
outro caso, é irrelevante o número de agentes envolvidos na prática criminosa, isto é, se um ou
mais”.
Aury Lopes Jr. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Todas as regras
anteriormente explicadas [de fixação de competência] podem ser profundamente alteradas ou
mesmo negadas quando estivermos diante de conexão ou continência, verdadeiras causas
modificadoras da competência e que têm por fundamento a necessidade de reunir os diversos
delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo processo, para julgamento simultâneo. Na
conexão, o interesse é evidentemente probatório, pois o vínculo estabelecido entre os delitos
decorre da sua estreita ligação. Já na continência, o que se pretende é, diante de um mesmo fato
praticado por duas ou mais pessoas, manter uma coerência na decisão, evitando o tratamento
diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse desmembrado e os agentes julgados em
separado”.
Edilson Mougenot Bonfim (Curso de processo penal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019): “Certas
causas são tão intimamente relacionadas entre si que se torna desejável, por questões de
economia processual — pois que a prova a produzir e os argumentos a deduzir em um poderiam
ser aproveitados nos demais — e de efetividade jurisdicional — porquanto processos
relacionados clamam por decisões harmônicas, a fim de satisfazer a finalidade de pacificação
social, que permeia a função jurisdicional —, sua reunião sob a competência de um único juízo.
A esses casos se aplicam as regras relativas à conexão e à continência. Verificando-se, portanto,
a relação entre duas ou mais infrações penais, independentes entre si, deverão elas ser reunidas
em um único processo (simultaneus processus). Não obstante a letra da lei refira-se à conexão e
à continência como causas de determinação da competência, a doutrina as considera critérios
de modificação da competência”.
Gustavo Badaró (Curso de processo penal, 8ª ed., São Paulo: RT, 2020): “Não se desconhece que,
na prática, a conexão também pode modificar a competência em abstrato, fazendo com que um
processo seja distribuído, diretamente, para o juiz que se tornou competente em razão da
conexão. Por outro lado, há situações em que a conexão ou a continência somente são alegadas
no curso do processo, por exemplo, por meio de exceção de incompetência. Neste caso,
reconhecido pelo juiz que ele não era competente, uma vez que o crime que lhe competia julgar
é conexo a outro, de competência de juiz diverso, que é o foro de atração, deverá remeter o feito
a tal juiz. Nesta última hipótese, a conexão implicará a modificação da competência em concreto
e não apenas em abstrato. De qualquer forma, mesmo no primeiro caso, as regras sobre conexão
e continência nunca serão bastantes em si, para determinar o juiz competente. As regras de
competência em razão da matéria, competência por prerrogativa de função e competência
territorial, são suficientes para determinar o juiz competente. Já as regras sobre conexão e
continência não prescindem de outras regras de competência que, originariamente,
determinariam o órgão competente, mas que, somadas ou integradas a tais regras de
modificação e dos critérios de determinação do órgão prevalecente, indicarão outro órgão
competente”.
2 - CONEXÃO
Vários autores já criticaram a distinção existente entre conexão e continência, dizendo-a errônea. Todavia,
o Código de Processo Penal faz a diferenciação, tanto que trata uma e outra separadamente, nos artigos 76
e 77.
Conforme FREDERICO MARQUES “Na conexão, há pretensões punitivas paralelas que se unem processualmente
em virtude de traços comuns que ligam umas às outras: as infrações são distintas, embora presas entre si
por determinados liames que aconselham o julgamento em simultaneus processos, por unum et idem judex.
[...] Pressupõe um laço ou liame que estabelece ligação entre as infrações praticadas e as pessoas nela
envolvidas” (Marques, 1997).
GUILHERME DE SOUZA NUCCI define a conexão com olhos na lei (art. 76, CPP):
Trata-se de ligação, nexo ou união, segundo o vernáculo. No processo penal, no entanto, ganha
contornos especiais, querendo significar o liame existente entre infrações, cometidas em
situações de tempo e lugar que as tornem indissociáveis, bem como a união entre delitos, uns
cometidos para, de alguma forma, propiciar, fundamentar ou assegurar outros, além de poder
ser o cometimento de atos criminosos de vários agentes reciprocamente. Enfim, o vínculo surge,
também, quando a produção escorreita e econômica das provas assim o exige (Nucci, 2018).
Segundo TOURINHO FILHO, a conexão “é o nexo, a dependência recíproca que a coisas e os fatos guardam entre
si [...] existe quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo que aconselha a junção
dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro probatório e, de consequência,
melhor conhecimento dos fatos, de todos os fatos, de molde a poder entregar a prestação jurisdicional com
firmeza e justiça” (Filho, 2011).
A realidade dos fenômenos da vida nos mostra que pode haver, entre dois ou mais fatos de
relevância penal, alguma espécie de liame, de ligação, seja de natureza subjetiva, no campo das
intenções, motivações e do dolo, seja ainda de natureza objetiva, em referência às circunstâncias
de fato, como o lugar, o tempo e o modo de execução da conduta delituosa. Sem falar na
eventual relação entre os autores dos fatos. Em outras palavras, pode haver entre eles conexão,
hipóteses concretas de aproximação entre um e outro evento, estabelecendo um ponto de
afinidade, de contato ou de influência na respectiva apuração (Pacelli, 2018).
A “conexão provoca a reunião de ações penais num mesmo processo, funcionando como causa de
modificação da competência relativa mediante a prorrogação de competência” (Lima, 2021).
[...] de regra, a jurisdição não se prorroga. O juiz não pode sair dos limites que lhe foram traçados
em lei para conhecer de uma causa ocorrida em outra comarca. Ele não poderá prorrogar seu
poder de jurisdição além daquela área que lhe for delimitada em lei. O Juiz de Bauru somente
processa e julga as infrações cometidas em sua comarca. Todavia, se duas ou mais infrações
forem cometidas em Bauru e em outra ou outras comarcas, e houver entre elas uma relação de
conexidade, dependendo do caso poderá o Juiz de Bauru conhecê-las em sua totalidade.
Percebe-se, pois, que a conexão não determina a competência, antes a altera e modifica (Filho,
2011).
Espécies de conexão
De acordo com a doutrina corrente a conexão pode ser intersubjetiva, objetiva e instrumental.
Intersubjetiva – “como intuitivo, ocorre entre sujeitos, exigindo, portanto, pluralidade de pessoas, ligadas
por quaisquer dos pontos de afinidade a que nos referimos” (Pacelli, et al., 2018); “envolve vários crimes e
várias pessoas obrigatoriamente” (Lima, 2021). Dessa espécie de conexão cuida o inciso I do art. 76 do CPP:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, {1} ao mesmo tempo, por
várias pessoas reunidas, ou por {2} várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o
lugar, ou por {3} várias pessoas, umas contra as outras;
A conexão intersubjetiva se subdivide (conforme os três itens destacados na transcrição da norma) e pode
ser:
{1} por simultaneidade, também chamada de ocasional ou subjetiva-objetiva – ocorre quando duas ou mais
infrações são praticadas por pessoas ocasionalmente reunidas; isto é, sem qualquer vinculação entre elas:
[...] o que efetivamente revela o ponto de contato, a ligação entre eles é a circunstância objetiva
do tempo e do lugar. Daí se falar em conexão intersubjetiva por simultaneidade. Exemplo
tradicional seria a hipótese de diversas infrações praticadas no interior de um local de diversões
públicas, ao mesmo tempo, por pessoas ali reunidas. Não seria o caso, por exemplo, do crime de
rixa, já que aqui o delito é único, não havendo por que falar em conexão (Pacelli, 2018).
{2} por concurso, também chamada de subjetiva concursal – haverá esse tipo de conexão intersubjetiva
quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas em concurso (mancomunadas,
vinculadas entre si), mesmo que em condições de tempo e lugar diversas:
Exemplo: associação criminosa, com seis integrantes, organiza-se para a prática de roubos de
veículos. Assim, previamente conluiados, dois indivíduos subtraem um automóvel em Porto
Alegre; outros dois, em Canoas, e, por fim, os dois últimos, em Gravataí. Ao final, vendidos os
automóveis a desmanches da região, repartem o lucro obtido (Avena, 2020).
[...] o que realmente há de ser realçado, para que se identifique a conexão, é o elemento
subjetivo inerente a todas as ações, de modo a permitir a atribuição de responsabilidade penal a
todos os agentes para todos os crimes, pela concreta participação em cada um deles, ainda que,
pela divisão de trabalho, a respectiva presença não tenha sido física. Aqui o dado essencial é o
concurso de agentes na prática de várias infrações. Trata-se, de fato, de conexão intersubjetiva
por concurso (Pacelli, 2018).
A título exemplificativo, suponha-se a existência de três indivíduos que tenham praticado quatro
crimes de roubo no intervalo de dois meses. Haverá conexão intersubjetiva por concurso entre
os 04 (quatro) crimes de roubo praticados pelos agentes, devendo todos eles responder pelos
crimes em um único processo, salvo existência de causa impeditiva (v.g., um dos roubos ser crime
militar) (Lima, 2021).
{3} por reciprocidade – duas ou mais infrações são cometidas por várias pessoas, umas contra as outras:
É o caso, por exemplo, de dois indivíduos, rivais, um objetivando matar o outro, desferirem-se
tiros reciprocamente. Veja-se que nessa espécie de conexão é necessário que estejam
identificados os autores de cada conduta. Destarte, refoge à conexão por reciprocidade o crime
de rixa, pois, nesse caso, vários indivíduos agridem-se mutuamente, sem que se possa precisar
quem agrediu quem (Avena, 2020).
[...] a ser aferida pelo exame do histórico de fatos e de motivações entre pessoas que, entre si,
praticam crimes umas contra as outras. O exemplo típico é o de crimes envolvendo famílias ou
grupos antagônicos, cujas ações delituosas estejam relacionadas com suas condutas anteriores,
de modo a permitir o exame da motivação de cada uma das infrações. Como a reunião de
processos somente ocorrerá até a sentença – a finalidade é o proveito probatório, como vimos –
, será preciso certa contemporaneidade entre os fatos; do contrário, a motivação terá que ser
analisada em cada processo isoladamente (Pacelli, et al., 2018).
[...] ocorre quando duas ou mais infrações tiverem sido cometidas por diversas pessoas umas
contra as outras (CPP, art. 76, I, parte final). Por exemplo, dois grupos rivais combinam entre si
uma briga em determinado ponto da cidade, hipótese em que os diversos crimes de lesões
corporais estarão vinculados em razão da conexão intersubjetiva por reciprocidade. Como a
conexão intersubjetiva demanda a presença de duas ou mais infrações vinculadas, não se pode
citar o delito de rixa como um de seus exemplos, pois aí haverá crime único (Lima, 2021).
Objetiva, material, – ao contrário da conexão intersubjetiva, não se exige, aqui, a pluralidade de agentes,
mas apenas que o(s) crime(s) seja(m) praticado(s) para facilitar, ocultar, conseguir a impunidade ou a
vantagem de outro crime. “Na conexão objetiva, as infrações ligadas entre si, ou se derivam da mesma causa,
ou são engendradas umas pelas outras. Para existir a conexão objetiva, não há necessidade de mais nada
que a relação de causalidade, não se cogitando, por isso, de concomitância, pluralidade de agentes ou
concerto prévio. Isso quer dizer que nesse conjunto de fatos que se encadeiam uns aos outros, pelos elos da
relação de causa e efeito, podem ser vários os autores, ou haver um só agente” (Marques, 1997). É aquela
prevista no inciso II do artigo 76 do CPP:
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para {1} facilitar ou {2} ocultar as outras,
ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
A conexão objetiva se subdivide (conforme os dois itens destacados na transcrição da norma) e pode ser:
Como exemplo, a hipótese de lesões corporais contra os pais de uma criança com o objetivo de
facilitar o sequestro desta. Também se pode ilustrar essa conexão com a hipótese de clonagem
de cartão de crédito com a subsequente prática de vários estelionatos. Gize-se que, nessa
situação, não se pode cogitar de absorção da clonagem pelos estelionatos, já que o cartão
falsificado poderá ou ao menos poderia continuar sendo utilizado para o cometimento de outros
delitos, diferindo da hipótese de uma folha de cheque com assinatura falsificada, que é utilizável
apenas uma vez (Avena, 2020).
[...] quando um crime ocorre para facilitar a execução do outro (conexão objetiva teleológica) -
ex: mata o segurança para facilitar o sequestro da vítima (Lima, 2021).
{2} consequencial – o crime é praticado com o fim de ocultar, conseguir a impunidade ou vantagem de outra
infração penal cometida.
Um [crime] para ocultar o outro, ou um [crime] para garantir a impunidade ou vantagem do outro
(conexão objetiva consequencial) - ex: estupra a vítima e, um mês depois, mata a única
testemunha do fato, de modo a eliminar as provas do crime (CPP, art. 76, inciso, II). Como o inciso
II menciona expressamente "se, no mesmo caso, houverem sido praticadas", há doutrinadores
que entendem que, também nesta hipótese de conexão, exige-se a presença de várias pessoas.
Mesmo caso significaria a existência de várias pessoas, tal qual o exige o inciso I do art. 76 do
CPP. Preferimos fazer uma interpretação extensiva desse dispositivo, no sentido de que no
mesmo caso significa ocorrendo duas ou mais infrações penais, e não necessariamente várias
pessoas (Lima, 2021).
Conexão objetiva: o vínculo entre os agentes caracteriza-se pelo elo existente entre os crimes
cometidos, sendo, portanto, objetivo. NUCCI ilustra tal situação com o assalto cometido por
determinado indivíduo, que, depois, percebe a existência de uma testemunha, relatando isto a
seu irmão, o qual, por conta própria, visando à impunidade do crime praticado pelo primeiro,
vem a matar dita testemunha. Nesse caso, jamais houve acerto prévio entre eles, sendo objetivo
o vínculo existente entre os agentes de crimes diversos: o roubo inicialmente realizado. Os
processos, então, deverão ser reunidos, para que haja julgamento simultâneo.
E se for o caso de o próprio agente do crime anterior praticar outro fato visando à impunidade ou
vantagem desse delito? Embora haja divergências, e apesar de o inciso II incorporar a expressão
“se no mesmo caso” (referindo-se, obviamente, ao inciso I, que se refere a situações envolvendo
várias pessoas), entendemos que nada impede o enquadramento, nesse mesmo inciso II, da
infração praticada por um agente visando à impunidade do crime que cometeu anteriormente.
Exemplos: o assaltante que vem a matar a testemunha presencial do roubo (conexão entre o
roubo e o homicídio); indivíduo que vem a ocultar o cadáver da pessoa que matou momentos
antes (conexão entre o homicídio e a ocultação de cadáver) (Avena, 2020).
Instrumental, probatória ou processual – “os nexos e laços entre duas ou mais infrações estão apenas nos
elementos destinados a trazer ao processo os dados instrutórios sobre os fatos delituosos. A reunião dos
processos, em tal hipótese, depende em muito do prudente critério do juiz” (Marques, 1997). É a hipótese
do inciso III do art. 76 do CPP:
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir
na prova de outra infração.
[...] quando a prova de um crime influencia na existência do outro (CPP, art. 76, III). Note-se que,
para a existência de conexão probatória, não há qualquer exigência de relação de tempo e espaço
entre os dois delitos. Basta que a prova de um crime tenha capacidade para influir na prova de
outro delito. O exemplo sempre citado pela doutrina é a prova do crime de furto auxiliando na
prova do delito de receptação; ou do delito de destruição de cadáver em que o de cujus foi vítima
de homicídio, afigurando-se necessário a prova da ocorrência da morte da vítima, ou seja, de que
foi destruído um cadáver. Outro exemplo bem atual é o da prova da infração antecedente
auxiliando na prova do delito de lavagem de capitais (Lima, 2021).
Adverte TOURINHO FILHO, ainda, que “parte da doutrina prefere denominar aquelas hipóteses tratadas nos
incs. I e II do art. 76 do CPP conexão material, e a prevista no inc. III, conexão processual, sob o fundamento
de que, nas primeiras hipóteses, o nexo se dá, propriamente, entre as infrações, e, na última, em face de a
prova influir em outra prova, matéria nitidamente processual”.
Doutrina complementar
Paulo Rangel (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018) bem leciona sobre o
instituto da conexão, tratando-a nas suas diversas facetas, valendo a transcrição de suas lições:
“Conexão significa dizer união, nexo, ligação, relação entre um fato e outro”. Em análise aos
incisos I a III do art. 76 do CPP, assevera o autor: “O inciso I prevê a chamada conexão
intersubjetiva, que se subdivide em três subespécies: a) intersubjetiva por simultaneidade; b)
intersubjetiva concursal; e c) intersubjetiva por reciprocidade. A primeira (letra a) exige que as
duas ou mais infrações sejam praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas, por isso
simultâneas. O que se exige é a unidade temporal do acontecimento complexo (cf. MARQUES,
Frederico. Da competência em matéria penal – atualizado: José Renato Nalini. São Paulo:
Millenium, 2000. p. 365). Exemplo: várias pessoas assistem ao sinistro de um avião em
determinada região e, sem que combinassem nada, passam a saquear a referida aeronave.
Haverá um único processo e um único julgamento de todos os envolvidos (art. 79 do CPP). A
segunda (letra b) exige que as várias pessoas estejam ligadas entre si por um liame subjetivo, ou
seja, que haja entre elas um concerto prévio, a vontade livre e consciente de, unidas pelo mesmo
propósito, praticar crimes. Trata-se de concurso de agentes. Exemplo: A, B, C e D acordam de
praticar crimes, sendo que A vai furtar um veículo; B vai roubar algumas armas de fogo; C vai
falsificar documentos para nova identidade do grupo; e D vai furtar roupas para o disfarce do
grupo. Nesse caso, não serão instaurados quatro processos, um para cada integrante do grupo.
Haverá um único processo, apurando a conduta de todos (art. 79 do CPP), mesmo que os crimes
sejam praticados em lugar e tempo diferentes. Na conexão intersubjetiva concursal o único nexo
existente é o concerto anterior entre os autores (MARQUES, Frederico. Da competência..., p. 367).
A terceira (letra c) exige que as várias pessoas pratiquem crimes umas contra as outras, com
condutas recíprocas. Por isso, por reciprocidade. Exemplo: o estádio do Maracanã, no Estado do
Rio de Janeiro, é o exemplo típico, onde Fla x Flu se encontram com as suas torcidas organizadas
e há briga entre os torcedores (lesões corporais, injúrias e, quiçá, homicídios). O inciso II prevê a
chamada conexão objetiva ou lógica, em que uma infração é praticada para facilitar ou ocultar a
outra; ou ainda, quando uma é praticada para obter impunidade ou vantagem em relação a
outra. Exemplo de facilitar: Tício, para cometer o estupro contra Etelvina, tranca o marido desta
dentro de um quarto por várias horas. O crime de constrangimento ilegal foi praticado para
facilitar a prática do estupro. Exemplo de ocultar: Tício, após subtrair grande quantidade de
remédios de uma farmácia, coloca fogo na mesma para ocultar o crime de furto. O crime de
incêndio foi para ocultar o crime de furto. Exemplo de impunidade: Tício, após adentrar de
madrugada na residência de Caio e furtar todos os objetos, verifica que Etelvina, vizinha, a tudo
observava. Mata Etelvina para assegurar a impunidade do furto. E, por último, exemplo de
vantagem: Tício e Caio combinam um assalto a banco, com a divisão pela metade do que for
roubado. Roubam R$ 100.000,00 (cem mil reais), porém Tício, não querendo dividir o valor com
Caio, confisca a vida deste para assegurar a vantagem em relação ao crime de roubo. Em todas
as hipóteses exemplificadas, haverá um único processo e um único julgamento (art. 79 do CPP).
O inciso III prevê a chamada conexão instrumental ou probatória, em que a prova de uma
infração influencia na prova de outra. Exemplo típico é o da receptação e do roubo (ou furto),
em que a prova de existência do crime de roubo (ou furto) influencia a prova de existência da
receptação. Da mesma forma que no crime de favorecimento real (art. 349 do CP), a existência
de crime anterior influencia na sua prova, pois, se a coisa não é proveito de crime, não há
favorecimento real. Assim, Tício rouba (ou furta) um veículo na cidade do Rio de Janeiro e o leva
para Caio na cidade de Niterói, que já o aguarda e sabe da origem criminosa do automóvel. Nesse
caso, haverá conexão probatória ou instrumental entre ambas as infrações penais. Em todas as
hipóteses de conexão acima estudadas, importante é saber que haverá um único processo e um
único julgamento (art. 79 do CPP)”.
Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo penal, vol. 2, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010): “A
conexão existe quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo que
aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro
probatório e, de consequência, melhor conhecimento dos fatos, de todos os fatos, de molde a
poder entregar a prestação jurisdicional com firmeza e justiça”. “Conclui-se, com facilidade,
dessas noções, que a conexão tem como efeito a unidade dos processos, isto é, todas as infrações
interligadas ratione conexitatis devem correr em um simultaneus processus, e, por consequência,
deflui daí outro efeito, que é a prorrogatio fori. De fato. Se um crime foi cometido em Mogi-
Guaçu e outro em São João da Boa Vista, havendo entre eles conexão, ambos serão apreciados
em um só processo, e, assim, é evidente que, se o processo tramitar pelo juízo de São João da
Boa Vista, este terá, em relação à infração cometida em Mogi, sua competência prorrogada
(prorrogatio fori). Com sua aguda visão de jurista, ensina Frederico Marques que a conexão e a
continência não são causas determinantes da competência, como o lugar da infração, o domicílio
do réu etc., mas motivos que determinam sua alteração”.
José Carlos G. Xavier de Aquino e José Renato Nalini (Manual de processo penal. 3ª ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009): “De acordo com o nexo de vinculação, se decorrente da união
das vontades dos agentes ou da interdependência entre as infrações, a conexão pode ser
subjetiva ou moral e objetiva ou material. Dá-se a conexão subjetiva ou moral: ‘a) quando várias
pessoas combinam previamente a execução de infrações de mesma ou diferente espécie, e as
executam com uma ação conjugada, para a obtenção de um fim comum, que foi o móvel
determinante da deliberação em comum; b) quando várias pessoas, ocasionalmente reunidas,
resolvem e executam, ao mesmo tempo, diversas infrações, impulsionadas por um sentimento
comum que as une; c) quando várias pessoas, por circunstâncias predeterminadas ou ocasionais,
entram em conflito e cometem diversas infrações, umas contra as outras’. Já a conexão objetiva
ou material é verificada: a) quando uma infração é cometida para facilitar a realização de outra;
b) quando, cometida uma infração, outra é praticada a fim de ocultar a primeira; c) quando
cometida uma infração, outra é praticada no propósito de conseguir a impunidade da anterior,
ou alguma vantagem que a favoreça”.
3 - CONTINÊNCIA
Muitos autores criticam a distinção entre conexão e continência, alegando que não existe um interesse
prático em extremá-las. No Direito italiano não se faz tal distinção. As hipóteses que, entre nós, são
consideradas como de continência, lá recebem a denominação de conexão subjetiva ou conexão objetiva
(Filho, 2011).
Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às
partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais.
Na continência, como o próprio nome está a indicar, uma causa está contida na outra, não sendo devida
cisão. Todavia, como critica PACELLI, o “processo penal brasileiro adota uma conceituação de continência
absolutamente inadequada. Não há na continência processual penal, com efeito, nenhuma relação de
continente para conteúdo, tampouco identidade de partes, remanescendo apenas, do paradigma do
processo civil (art. 104, CPC/1973 e art. 56, CPC/2015), a identidade de causa de pedir” (Pacelli, 2018).
Citando DENILSON FEITOZA, BRASILEIRO transcreve o seguinte: “Cuida-se, pois, de um vínculo jurídico entre duas
ou mais pessoas, ou entre dois ou mais fatos delitivos, de forma análoga a continente e conteúdo, de tal
modo que um fato delitivo contém as duas ou mais pessoas, ou uma conduta humana contém dois ou mais
fatos delitivos, tendo como consequência jurídica, salvo causa impeditiva a reunião das duas ou mais
pessoas, ou dos dois ou mais fatos delitivos, em um único processo penal, perante o mesmo órgão
jurisdicional” (Lima, 2021).
Subjetiva, concursal ou por cumulação subjetiva – é aquela onde há pluralidade de agentes e unidade de
infração, prevista no inciso I do art. 77 do Código de Processo Penal:
[...] ocorre quando duas ou mais pessoas são acusadas pela mesma infração penal – é o que
ocorre no concurso eventual de pessoas (art. 29 do CP) e no concurso necessário de pessoas
(crimes plurissubjetivos). Atente-se para a diferença entre a conexão intersubjetiva e a
continência subjetiva: na conexão, são vários crimes e várias pessoas; na continência, são várias
pessoas e um único crime. Como exemplo de continência por cumulação subjetiva, imagine-se
um crime de homicídio praticado por dois agentes (Lima, 2021).
É a que ocorre quando for a infração praticada em concurso de agentes. Difere da conexão por
concurso, pois nesta há várias pessoas cometendo vários fatos criminosos, ao passo que, aqui, o
fato é apenas um, sendo ele cometido por vários indivíduos. Exemplos: 1) Crime de furto
perpetrado por vários agentes conluiados; 2) Para expressiva parcela doutrinária, a rixa, que
incorpora hipótese de coautoria necessária, enquadra-se na continência concursal, pois há um
crime perpetrado por várias pessoas, umas aderindo e encorajando a ação de outras no embate
(Avena, 2020).
Por cumulação objetiva – quando uma única conduta delituosa do agente produz mais de um resultado,
prevista no inciso II do art. 77 do CPP: ==13272f==
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1º, 53, segunda parte, e
54 do Código Penal.
Depois da reforma de 1984 do Código Penal, as remissões do dispositivo correspondem aos “arts. 70, 73 e
74, 2ª parte, do mesmo Código, que se referem, respectivamente, às hipóteses de concurso formal de crimes,
de aberratio ictus e de aberratio delicti” (Avena, 2020).
a) Concurso formal (art. 70 do CP): perfaz a situação em que o agente, mediante uma só conduta
(ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes. Exemplo: dirigindo imprudente e
negligentemente, o motorista de um ônibus vem a tombar o veículo, ferindo vários passageiros
e matando outros tantos. Nesse caso, todos os eventos típicos serão apurados conjuntamente,
sendo, ao final, no caso de condenação, aplicada a pena de um só crime (se idênticas) ou a do
crime mais grave (se diversas), acrescida, em qualquer caso, de um sexto até a metade.
b) “Aberratio ictus” complexa (art. 73, 2ª parte, do CP): também chamada de “aberratio ictus”
com resultado duplo ou múltiplo, traduz a hipótese em que o agente, por erro na execução,
atinge não apenas a pessoa que desejava, mas, também, outra que não pretendia atingir.
Exemplo: desejando matar Pedro, o agente desfere-lhe um tiro, o qual, além de Pedro, atinge,
também, o transeunte João. A regra a ser aplicada é a mesma do concurso formal. E se fosse
atingida apenas a pessoa não pretendida pelo agente? Nesse caso, a hipótese caracterizaria
aberratio ictus simples ou com resultado único, não havendo que se falar na continência prevista
no art. 77, II, do CPP, já que o agente responderá por um só crime (art. 73, 1.ª parte, do CP), e
não por dois crimes em concurso formal.
c) “Aberratio delicti” (art. 74, 2ª parte, do CP): ocorre quando o agente objetiva determinado
resultado, vindo a alcançá-lo, e, também, outro que não estava nos seus planos. Exemplo: pedra
desferida contra a vidraça de uma casa, visando a danificá-la (crime de dano), mas que atinge,
também, uma pessoa que, no momento, passava pelo local (crime de lesões corporais).
Igualmente, aplicável a regra do concurso formal. E se fosse apenas alcançado o resultado
diverso? Simetricamente à hipótese anterior, também aqui não se falará na continência prevista
no art. 77, II, do CPP, pois o agente responderá por apenas um crime (art. 73, 1.ª parte, do CP), e
não por dois crimes em concurso formal (Avena, 2020).
RENATO BRASILEIRO lembra que “nas hipóteses de crime continuado, a competência não será determinada pela
conexão, nem tampouco pela continência, mas sim pela prevenção, nos exatos termos do art. 71 do CPP”
(Lima, 2021).
Doutrina complementar
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Continência é a
relação de interdependência que ocorre quando uma coisa está indissociavelmente contida em
outra. Por força dela, uma situação não pode ser separada da outra, daí a necessidade de análise
conjunta. Na hipótese, implica simultaneus processus; um só processo para a análise conjunta e
julgamento único dos fatos, de modo a traduzir economia processual e evitar decisões
conflitantes. [...] Primeira hipótese: concurso de agentes. Regulada no inc. I, reclama pluralidade
de agentes em concurso (CP, art. 29) e apenas um delito. Não se confunde com a conexão
intersubjetiva concursal, na qual é imprescindível pluralidade de agentes e de delitos. [...]
Segunda hipótese: concurso formal de delitos. Haverá continência sempre que ocorrer concurso
formal de delitos, o que pressupõe uma só conduta ilícita com pluralidade de resultados. Com a
reforma introduzida no Código Penal pela Lei n. 7.209/84, as matérias tratadas nos arts. 51, § 1º,
53, segunda parte, e 54 passaram a ser reguladas nos arts. 70, 73, 2ª parte, e 74, segunda parte.
Haverá, portanto, continência por (1) concurso formal simples ou puro; por (2) concurso formal
decorrente de erro na execução (aberratio ictus), e por (3) concurso formal com resultado diverso
do pretendido (aberratio delicti ou aberratio criminis). Note-se uma vez mais que é
imprescindível, em qualquer caso, tenha ocorrido concurso formal”.
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 12ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020):
“Continência concursal ou por cumulação subjetiva (art. 77, I, do CPP – ‘duas ou mais pessoas
forem acusadas pela mesma infração’). É a que ocorre quando for a infração praticada em
concurso de agentes. Difere da conexão por concurso, pois nesta há várias pessoas cometendo
vários fatos criminosos, ao passo que, aqui, o fato é apenas um, sendo ele cometido por vários
indivíduos. Exemplos: 1) Crime de furto perpetrado por vários agentes conluiados; 2) Para
expressiva parcela doutrinária, a rixa, que incorpora hipótese de coautoria necessária, enquadra-
se na continência concursal, pois há um crime perpetrado por várias pessoas, umas aderindo e
encorajando a ação de outras no embate. Continência por cumulação objetiva (art. 77, II, do CPP)
– ‘no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1. º, 53, segunda parte, e
54 do CP)’. As remissões aos arts. 51, § 1. º, 53, 2. ª parte, e 54 do Código Penal, com a reforma
da Parte Geral pela Lei 7.209/ 1984, correspondem, na atualidade, aos arts. 70, 73 e 74, 2. ª parte,
do mesmo Código, que se referem, respectivamente, às hipóteses de concurso formal de crimes,
de ‘aberratio ictus e de ‘aberratio delicti’. Em todos estes casos uma única conduta delituosa do
agente produz mais de um resultado, impondo-se, portanto, a apuração conjunta de todos eles.
a) Concurso formal (art. 70 do CP): perfaz a situação em que o agente, mediante uma só conduta
(ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes. Exemplo: dirigindo imprudente e
negligentemente, o motorista de um ônibus vem a tombar o veículo, ferindo vários passageiros
e matando outros tantos. Neste caso, todos os eventos típicos serão apurados conjuntamente,
sendo, ao final, no caso de condenação, aplicada a pena de um só crime (se idênticas) ou a do
crime mais grave (se diversas), acrescida, em qualquer caso, de um sexto até a metade. b)
‘Aberratio ictus’ complexa (art. 73, 2. ª parte, do CP): também chamada de ‘aberratio ictus’ com
resultado duplo ou múltiplo, traduz a hipótese em que o agente, por erro na execução, atinge
não apenas a pessoa que desejava, mas, também, uma outra que não pretendia atingir. Exemplo:
desejando matar Pedro, o agente desfere-lhe um tiro, o qual, além de Pedro, atinge, também, o
transeunte João. A regra a ser aplicada é a mesma do concurso formal. E se fosse atingida apenas
a pessoa não pretendida pelo agente? Neste caso, a hipótese caracterizaria aberratio ictus
simples ou com resultado único, não havendo que se falar na continência prevista no art. 77, II,
do CPP, já que o agente responderá por um só crime (art. 73, 1. ª parte, do CP), e não por dois
crimes em concurso formal. c) “Aberratio delicti” (art. 74, 2. ª parte, do CP): ocorre quando o
agente objetiva determinado resultado, vindo a alcançá-lo, e, também, outro que não estava nos
seus planos. Exemplo: pedra desferida contra a vidraça de uma casa, visando a danificá-la (crime
de dano), mas que atinge, também, uma pessoa que, no momento, passava pelo local (crime de
lesões corporais). Igualmente, aplicável a regra do concurso formal. E se fosse apenas alcançado
o resultado diverso? Simetricamente à hipótese anterior, também aqui não se falará na
continência prevista no art. 77, II, do CPP, pois o agente responderá por apenas um crime (art.
73, 1. ª parte, do CP) e não por dois crimes em concurso formal”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 2, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010): “Na
continência, como o próprio nome está a indicar, uma causa está contida na outra, não sendo
possível a cisão. Como a continência se verifica na hipótese de concurso de pessoas (coautoria e
participação) — e aí a causa petendi é a mesma — e nos casos em que se aplique a regra contida
na primeira parte do art. 70 do CP — arts. 73, segunda parte, e 74 — conclui-se que, como o fato
é o mesmo (no caso de coautoria e participação) ou a conduta é uma só (é a hipótese do concurso
formal), podemos afirmar que a continência está em função da identidade da causa petendi ou
da unidade da conduta. Por essas razões, não se concebe pluralidade de processos quando a
causa de pedir é a mesma. Tampouco quando houver unidade de conduta, nada obstante daí
decorram duas ou mais infrações. Por que apreciar a mesma conduta em diversos processos?
Por que apreciar o mesmo fato, a mesma causa de pedir em processos distintos? Não seria
atentar contra o princípio da economia processual? Não haveria a possibilidade de provas
conflitantes? Por esses motivos, havendo continência, haverá, também, o simultaneus processus.
A continência, à semelhança do que ocorre com a conexão, não é causa determinante da
competência, mas, sim, de alteração, de modificação”.
Essa reunião dos casos, com eventual prorrogação de competência, para que sejam processados e julgados
conjuntamente, por um único juízo, é uma consequência natural e adequada às próprias razões da criação e
da existência dos institutos – não é por outro motivo que a legislação concebe a conexão e a continência,
senão para viabilizar o julgamento simultâneo (simultaneus processus).
Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência
ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
BRASILEIRO pondera que caso “haja conexão e continência entre crimes de ação penal pública e privada,
estabelecer-se-á litisconsórcio ativo entre o Ministério Público e o titular do jus querelandi” (Lima, 2021).
Identificadas a afinidade, ligação, influência ou identidade entre dois ou mais fatos, a lei haveria
de atribuir alguma consequência a essa realidade, não podendo ignorar o enorme proveito que
a apuração conjunta ou simultânea deles poderia gerar. A principal delas, praticamente comum
a todas as modalidades de conexão e continência, diz respeito à grande utilidade probatória que
a reunião de processos conexos ou continentes permite. Isso no plano da utilidade estritamente
processual. Mas também em outra dimensão revela-se necessária a reunião de processos
conexos ou continentes, como se pode constatar, por exemplo, na conexão por concurso,
quando somente o julgamento conjunto de todas as infrações é que permitirá a demonstração
completa da participação individualizada de todos os réus em todos os fatos delituosos, e não
apenas naquele em que determinado acusado praticara atos típicos de execução. Aqui, o
proveito situa-se no âmbito do direito material, no campo da punibilidade. Na hipótese do art.
77, I, a reunião de processos para unificação do julgamento é absolutamente indispensável, como
meio de impedir a divergência judicial sobre um único e mesmo fato criminoso, funcionando,
então, como estratégia de controle da efetividade e eficácia da jurisdição penal. Nesse passo, o
expediente da unidade de processo e de julgamento assume dimensão não só jurisdicional, mas
até de política criminal, sem falar no princípio geral da igualdade com que devem ser tratados
todos os cidadãos. No entanto, nem o Supremo Tribunal Federal, que manteve a reunião de
processos no caso do famoso “Mensalão” (AP 470), e tampouco o STJ estão seguindo semelhante
orientação. E por razões injustificadas, já que ali não se faz a necessária distinção que deve haver
entre a continência e a conexão. A continência, como visto, por cuidar de unidade de conduta
deve, em regra, receber o mesmo tratamento jurisdicional: o princípio da igualdade o impõe! Já
na conexão a hipótese não é a mesma, exatamente pela pluralidade de ações que a caracteriza.
A reunião de processo nesses casos (de conexão) visa apenas ao melhor proveito da instrução
(Pacelli, 2018).
Diante dessa junção dos processos, cumpre verificar qual o juízo/foro que será o competente e terá sua
competência prorrogada. Qual será o foro prevalente ou qual juízo terá força atrativa. “Por juízo prevalente
deve-se entender o juízo de domínio, ou seja, o juízo que deverá fazer prevalecer a sua jurisdição quando
em concurso (ou em concorrência) com outras, em razão da conexão e da continência” (Pacelli, 2018).
[...] força atrativa (forum attractionis ou vis attractiva): o juízo competente vai trazer para si o
processo e julgamento único. Tem-se aí uma hipótese de prorrogação de competência, tomando-
se competente o juízo que, em abstrato, não o seria, caso se levasse em consideração o lugar da
infração, o domicílio do réu, a natureza da infração e a distribuição. Seu efeito é a sujeição dos
acusados ou dos diversos fatos delituosos a um só juízo, a fim de serem julgados por uma única
sentença, sem que disso resulte qualquer alteração da natureza das infrações penais cometidas.
Em relação à avocatória, dispõe o art. 82 do CPP: "se, não obstante a conexão ou continência,
forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os
processos que corram perante outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste
caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação
de penas". Se um dos processos já foi sentenciado, não mais haverá razão para a reunião dos
processos na medida em que o objetivo maior da conexão/continência - simultaneus processos
como fator de produção probatória mais eficaz e de se evitar julgamentos conflituosos – não
mais será passível de ser atingido. Nessa linha, dispõe a súmula n° 235 do STJ que a conexão não
determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado. Quando a súmula diz ''já foi
julgado", de modo algum se refere à decisão com trânsito em julgado. Na verdade, quando o art.
82 do CPP diz sentença definitiva, refere-se à decisão de mérito recorrível que comporta
apelação, e não à sentença com trânsito em julgado. Perceba-se que o próprio Código de
Processo Penal, em outro passo, utiliza-se da expressão sentença definitiva sem que esta
pressuponha o trânsito em julgado, dando demonstrativo de que seu uso se refere à sentença
que ainda é recorrível. É o que se nota no art. 593, I, do CPP, que preceitua caber apelação (logo,
inexistente ainda o trânsito em julgado) das sentenças definitivas de condenação ou absolvição.
Caso já haja sentença definitiva, a unidade dos processos somente se dará posteriormente para
o efeito de soma (concurso material e formal impróprio) ou de unificação de penas (concurso
formal próprio e crime continuado). Essa soma ou unificação das penas do condenado ficará a
cargo do juiz da execução penal, assim como preceitua o art. 66, III, "a", da Lei de Execução Penal
(Lei n° 7.210/84). A competência para soma ou unificação de penas infligidas por juízos de
Estados diversos é do juízo de execução criminal do Estado em que está recolhido o condenado.
Se o juiz prevalente avocar o processo em curso perante o outro juiz e este se recusar a entregar
os autos do processo, estará caracterizado um conflito positivo de competência, na medida em
que ambos os juízes se consideram competentes (CPP, art. 114, inciso II). Por fim, como
importante efeito da conexão e da continência, não se pode olvidar que, de acordo com o art.
117, § 1°, do Código Penal, excetuados os casos dos incisos V e VI do referido artigo (início ou
continuação do cumprimento da pena e reincidência, respectivamente), a interrupção da
prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que
sejam objeto de mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.
Como se vê, em virtude da conexão e da continência, haverá a unidade de processos (simultaneus
processus), daí por que é necessário que a lei determine qual será o foro competente para
apreciar os fatos (forum attractionis). [...] qual juízo exercerá força atrativa (Lima, 2021).
5 - JUÍZO PREVALENTE
Como explica PACELLI, tem-se “a prorrogação de competência quando o órgão jurisdicional originariamente
incompetente para o julgamento de determinado processo adquire a competência em virtude da aplicação
de quaisquer das regras processuais que impõem a reunião de processos” (Pacelli, 2018). Há se verificar qual
juízo terá sua competência derrogada e qual juízo terá sua competência prorrogada, ou seja, será prevalente.
Vamos estudar as hipóteses (previstas nos incisos e alíneas do art. 78), uma a uma.
Ordinariamente, são da competência do júri casos como o de agente que pratica um crime de
estupro e, logo após, para conseguir a impunidade, mata a vítima. Ambos os delitos – o estupro
e o homicídio – serão processados perante o juízo do júri e submetidos, posteriormente, ao
Tribunal Popular. Logo, são aplicáveis ao Tribunal do Júri as regras de conexão e continência
previstas na legislação ordinária.
No entanto, se o crime conexo for militar, deverá ocorrer a separação de processos, na medida
em que ambas as competências estão previstas na Constituição Federal - a do Tribunal do Júri
para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, e a da Justiça Militar para o julgamento dos
crimes militares (CPP, art. 79, inciso I; CPPM, art. 102, '"a"). Imagine-se a hipótese de
determinado agente invadir um quartel das Forças Armadas, e de lá subtrair uma arma de fogo,
posteriormente utilizada para o cometimento do homicídio de um desafeto. Nessa hipótese,
caberá à Justiça Militar o julgamento do crime patrimonial (lembre-se: a Justiça Militar da União,
ao contrário da Justiça Militar dos Estados, tem competência para processar e julgar civis), ao
passo que ao Tribunal do Júri caberá o julgamento do crime de homicídio. Ao ampliar a
competência do Tribunal do júri para processar e julgar as infrações penais conexas e originárias
da continência, a lei processual penal não malfere a Constituição Federal, pois esta, na verdade,
estabelece uma competência mínima do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
(CF, art. 5°, XXXVIII, "d"), o que, todavia, não impede que lei ordinária possa ampliar sua
competência. Se, porventura, essa infração conexa a um crime doloso contra a vida for
descoberta após a prolação da pronúncia, pensamos ser possível a aplicação analógica do
disposto no art. 421, § 1°, do CPP, segundo o qual, ainda que preclusa a decisão de pronúncia,
havendo circunstância superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a
remessa dos autos ao Ministério Público. Nessas circunstâncias, poderá o Parquet aditar a
denúncia, oportunizando-se a oitiva da defesa, para que, afinal, possa o juiz prolatar nova decisão
de pronúncia, desta feita acolhendo as infrações conexas ou continentes (Lima, 2021).
“Jurisdições da mesma categoria são aquelas entre as quais não há nenhuma hierarquia jurisdicional, como
entre dois juízes estaduais de 1º grau, dois juízes federais de 1º grau, dois pretores etc.” (Alves, 2017). “Se
houver Vara Especializada, instituída em conformidade com as regras previstas em Leis de Organização
Judiciária, prevalecerá o critério da especialização por matéria, aplicando-se, por analogia, o quanto previsto
no art. 78, I” (Pacelli, et al., 2018). Caso contrário, devem ser observadas as regras das alíneas:
Quanto à definição sobre o que seja “pena mais grave”, deve-se, primeiramente, levar em conta
a natureza da pena cominada – reclusão é mais grave do que a detenção; esta, por sua vez, é
mais grave que a prisão simples e a multa. Sendo da mesma natureza (v.g., ambos os delitos
punidos com reclusão), considerar-se-á a quantidade de pena prevista in abstracto –
primeiramente a pena máxima e, após, a pena mínima. Exemplo: conexão entre o furto
qualificado ocorrido em Pelotas e a receptação consumada em Rio Grande. Prevalecerá a
competência de Pelotas, pois lá foi praticada a infração com pena superior (Avena, 2020).
[...] havendo conexão probatória entre um crime de roubo, praticado na Comarca "A", e um
delito de receptação, cometido na comarca "B", deve preponderar o juízo da comarca "'A".
Perceba-se que, mesmo que quatro delitos de receptação tenham sido cometidos na comarca
"B", ainda assim prevalece a competência do Juízo da Comarca "A", pois o delito de roubo ali
praticado possui pena mais grave. Considera-se a pena mais grave a privativa de liberdade,
depois as privativas e restritivas de direitos e, por fim, as penas pecuniárias. Entre as penas
privativas de liberdade, a mais grave é a reclusão, seguida da detenção e da prisão simples. Em
cada uma delas, a maior gravidade será determinada pela duração ou quantidade. Consideram-
se sempre as penas como cominadas abstratamente para os crimes que são objeto de conexão
e continência. Ademais, havendo um crime com pena de reclusão de 1 a 6 anos e outro de
reclusão de 2 a 4 anos, a infração com pena mais grave é aquela em que a pena máxima cominada
é a mais alta, e não a que possui maior pena mínima. O legislador permitiu cominar sanção mais
alta a determinado delito porque previu hipóteses em que a conduta ocorre sob particularidades
de maior reprovabilidade, razão pela qual essa deve, em abstrato, ser entendida como a mais
grave. Se as penas máximas cominadas forem iguais, deve prevalecer, para atrair a competência,
a infração de maior pena mínima (Lima, 2021).
Considera-se que o local onde o maior número de crimes foi praticado estaria com sua ‘tranquilidade social’
mais abalada, merecendo que a persecução penal atue a nível de pacificação e de prevenção. Isso, aliado ao
fato de que, em tese, a maior parte das provas (se considerado o conjunto de crimes) também deve estar
nesse lugar onde ocorreu a maioria dos crimes.
É o caso, por exemplo, de cinco celulares furtados (furtos simples) em Guaíba terem sido
adquiridos (receptação simples) em Porto Alegre por um determinado receptador. Como o furto
simples e a receptação simples possuem a mesma pena, competente será a Comarca de Guaíba,
onde maior número de infrações foi praticado (Avena, 2020).
Ora, tratando-se de jurisdições de idêntica categoria e não sendo viável a definição pela
gravidade da infração ou pelo número de delitos, resta a prevenção, como critério residual,
considerando-se competente o juízo do lugar no qual praticado o primeiro ato de jurisdição
(Avena, 2020).
[...] caso nenhum dos dois critérios anteriores - gravidade do delito e maior número de infrações
- seja suficiente para se estabelecer o juízo prevalente, firmar-se-á a competência com base na
prevenção, a qual geralmente funciona como critério subsidiário de fixação de competência. Não
se pode confundir a fixação da competência pela prevenção do art. 75 do CPP, que trata de varas
com idêntica competência (v.g., varas criminais comuns de determinada comarca), com a
situação do art. 78, II, "c", do CPP, que trata de definição do critério de atração em havendo
conexão de infrações penais originariamente tramitando perante varas distintas (Lima, 2021).
João, Mané e Bráulio, previamente ajustados, subtraem em Porto Alegre três veículos com os
quais, na cidade gaúcha de Guaíba, cometem um roubo a banco, atingindo na fuga um vigilante
que reagiu, causando-lhe a morte. No outro dia, na cidade de São Lourenço, abordam um rapaz
e, para subtrair o veículo que ele conduzia, matam-no. Finalmente, semanas após, em Camaquã,
são presos em cumprimento de mandado de prisão preventiva decretada pelo juiz estadual de
São Lourenço (todas as cidades estão no mesmo Estado). No momento da prisão, também é
lavrado o flagrante pelo porte de 800g de maconha, comprada com o dinheiro do roubo e
destinada a venda. O flagrante é homologado e, dez dias depois, o juiz de direito da comarca de
Camaquã recebe a denúncia por tráfico de substância entorpecente. a) Explique se existe e qual
a modalidade de conexão ou continência. b) Qual Justiça será competente para julgá-los? c) Qual
será o órgão? d) Onde (foro) serão julgados? e) O que deverá fazer o juiz com competência
prevalente quando receber a denúncia e verificar a instauração de processo-crime na cidade de
Camaquã?
Vejamos a solução do caso: a) Existe conexão intersubjetiva concursal, art. 76, I, devendo todos
os crimes e pessoas ser reunidos para julgamento simultâneo. b) João, Mané e Bráulio serão
julgados, por todos os delitos, na Justiça Comum Estadual. c) Os crimes praticados são: furto (art.
155), dois latrocínios (art. 157, § § 1º e 3º) e tráfico de substâncias entorpecentes (art. 14 da Lei
n. 11.343). Não há crime de homicídio, mas sim de latrocínio (roubo impróprio, pois a violência
é empregada após a subtração para assegurar a posse ou impunidade), por isso serão julgados
pelo Juiz de Direito e não pelo Tribunal do Júri. Se, ao invés de latrocínio, fosse homicídio, a
situação se alteraria completamente, sendo todos os fatos e réus julgados no Tribunal do Júri
(em Guaíba). d) Quanto ao foro, será competente o juiz da comarca de São Lourenço, local da
infração mais grave (latrocínio), art. 78, II, “a”, e prevento (art. 78, II, “c”). Existe um “empate”
no critério local da infração mais grave entre São Lourenço e Guaíba. O desempate se dá pela
utilização da alínea “c”, ou seja, a prevenção, pois na primeira cidade existe um mandado de
prisão expedido pelo juiz. e) Caso o processo tenha sido instaurado em diversas comarcas, o juiz
de São Lourenço (competência prevalente) deverá avocar os demais processos, nos termos do
art. 82 (Júnior, 2021).
[...] contempla o Código de Processo Penal a hipótese em que exista hierarquia jurisdicional, ou
seja, concurso entre uma jurisdição mais graduada e outra inferior (v.g., o Tribunal de Justiça de
um Estado é jurisdição graduada em relação aos juízos singulares do mesmo Estado, pois estes
podem ter suas decisões modificadas por aquele). Nesse caso, estabelece o mencionado
dispositivo que prevalecerá a competência da jurisdição mais graduada, obedecendo-se,
destarte, a um critério lógico. Exemplo: Magistrado Estadual (que possui foro privilegiado por
força do art. 96, III, da CF) e um Oficial Escrevente (que não possui prerrogativa de função)
cometem, em concurso de agentes, crime de lesão corporal grave. A hipótese caracteriza
continência. Então, por força do predomínio da jurisdição mais graduada, o foro privilegiado
afeto ao Magistrado atrairá o processo e julgamento também do coautor despido de prerrogativa
de função, fazendo com que ambos sejam julgados pelo Tribunal de Justiça. Nesse sentido, reza
a Súmula 704 do STF que “não viola as garantias do Juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados”.
competência para o julgamento dos demais retorna ao foro comum (RT 740/643), pois não
haverá razão para manter o privilégio de foro. Outro exemplo: considere-se que um Promotor de
Justiça, que tem foro privilegiado no Tribunal de Justiça do Estado, e um Desembargador, que
tem direito de ser processado e julgado perante o STJ, cometam delito de concussão. Onde
deverão ser denunciados? Sobre essa situação já se pronunciou o Excelso Pretório no sentido de
que, por força da sua Súmula 704, ambos deverão ser processados e julgados no STJ, que é mais
graduado em relação aos Tribunais estaduais. E se o Promotor quiser renunciar essa prerrogativa
para ser julgado perante seu foro natural, o Tribunal do Estado? Não há essa possibilidade, pois
são irrenunciáveis as regras que o atraem ao foro do corréu (STF, HC 91.347/PI, DJ 18.10.2007).
Tem gerado controvérsia a aplicabilidade da referida Súmula 704 do STF nas hipóteses em que
estiverem definidas constitucionalmente tanto a competência da jurisdição mais graduada (v.g.,
Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal etc.) como a da menos graduada (v.g., Tribunal do
Júri e Juizados Especiais Criminais). Exemplo: Magistrado Estadual e cidadão comum vêm a matar
determinada pessoa, agindo em concurso de agentes. Essa situação diverge da tratada no
exemplo anterior (lesão corporal grave cometida por Juiz e oficial escrevente em concurso de
agentes), pois aqui incidem em relação a ambos os coautores regras constitucionais definidoras
de competência: para o juiz, o art. 96, III, da CF, atribuindo-lhe a prerrogativa de julgamento
perante o Tribunal de Justiça, independentemente da natureza do crime praticado; e, para o
cidadão comum, o art. 5º, XXXVIII, d, da CF, dispondo sobre a competência do Tribunal do Júri
para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Nesse contexto, surge a discussão quanto
ao foro competente para o processo e julgamento do indivíduo não detentor do privilégio de
foro em casos tais, vale dizer, se do Tribunal de Justiça, por força da incidência genérica da
Súmula 704 do STF, ou do Tribunal do Júri, em face da normatização específica prevista no texto
constitucional. Há duas posições:
Tendo em vista que, tratando-se de matéria criminal, podem ser reputadas especiais unicamente
a Justiça Eleitoral e a Militar e considerando que, quanto a esta última, existe regra própria (art.
79, I, do CPP), resta aplicável a norma do art. 78, IV, do CPP, unicamente à Justiça Eleitoral. Assim,
conexo crime eleitoral com crime comum, ambos serão julgados pela Justiça Eleitoral. E quando
se tratar de conexão entre um crime de competência do Júri e outro da Justiça Eleitoral? A
hipótese é bastante controvertida, havendo três correntes:
• Primeira posição: Não existindo previsão legal sobre o procedimento a ser adotado
especificamente para esses casos, o crime doloso contra a vida e o crime eleitoral que lhe for
conexo serão julgados pelo Tribunal do Júri sob a presidência do Juiz Eleitoral. Trata-se de
entendimento minoritário, sem respaldo na doutrina abalizada.
• Segunda posição: Prevalece a competência da Justiça Eleitoral, em face da regra do art. 78, IV,
do CPP, dispondo que, “no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta”.
Logo, os crimes dolosos contra a vida praticados em conexão com crimes eleitorais serão julgados
por um Juiz Eleitoral. Aderindo a essa posição, TOURINHO FILHO traz o exemplo de alguém que
comete um crime eleitoral e, para conseguir a impunidade desse fato, mata a única testemunha.
Analisando essa hipótese, refere que “é verdade que a Constituição dispõe ser da alçada do
Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. Mas,
no exemplo dado, perderá ele sua competência para julgar o crime doloso contra a vida”, tendo
em vista que o homicídio é um crime comum e, de acordo com a legislação em vigor (art. 78, IV,
do CPP c/c o art. 35, II, do Código Eleitoral), compete à Justiça Eleitoral processar e julgar os
crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos.
• Terceira posição: Necessária a separação entre as duas jurisdições, de sorte que ao Tribunal do
Júri competirá o julgamento do crime doloso contra a vida, e, à Justiça Eleitoral, o crime eleitoral.
A respeito desse entendimento, FERNANDO CAPEZ esclarece que “leis infraconstitucionais, como os
dispositivos do Código de Processo Penal, que preveem o deslocamento da competência e
consequente reunião de processos pela conexão ou continência, não podem se sobrepor às
regras constitucionais de fixação de competência, como são as do Tribunal do Júri [...]”. Na esteira
da maioria doutrinária, concordamos inteiramente com essa corrente (Avena, 2020).
Doutrina complementar
VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “São
prevalentes: 1. o júri em relação aos outros órgãos de jurisdição comum; Súmula 721 do STF: ‘A
competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função
estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual’. 2. a Justiça Federal em relação à
Estadual. No caso de haver conexão com crime de júri, prevalece o júri, mas este será organizado
e presidido por juiz federal, de vara federal; Súmula 52 do Tribunal Federal de Recursos. Não há
previsão expressa no Código porque na época de sua edição não havia Justiça Federal. 3. o
tribunal de maior hierarquia, se houver um ou mais de um acusado com prerrogativa de função;
4. a Justiça Eleitoral em relação aos crimes comuns. A Justiça Militar nunca julga os crimes
conexos comuns, que serão processados em separado perante o respectivo juízo competente. O
Código refere, também (art. 79), que não haverá unidade de processos no concurso entre a
jurisdição comum e a do juízo de menores. Tal regra, porém, seria desnecessária, porque o objeto
da prestação jurisdicional tutelar de menores não é a sanção penal, separando-se, naturalmente,
a sua atividade; 5. no caso de concorrência de juízos da mesma justiça e, hierarquicamente, da
mesma categoria: Estas regras não valem para dois tribunais de justiça ou dois Tribunais
Regionais Federais, como ocorreria no caso de crimes praticados, por exemplo, por dois juízes
subordinados a tribunais diferentes. No caso, cada um será julgado por seu respectivo tribunal.
As regras valem, pois, para juízes de primeiro grau: todos da justiça comum ou todos da Justiça
Federal, ou ainda, todos de justiça especial. a. o lugar da infração a que for cominada pena mais
grave; b. o lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações se as penas forem iguais;
c. o juízo que praticou qualquer ato ainda anterior ao recebimento da denúncia ou queixa, ou
seja, o juízo que se tornar prevento, se os critérios anteriores não definirem o juízo prevalente”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019) muito bem
ilustra as diversas situações que podem ocorrer em relação ao exercício da vis atractiva:
“Constatada a conexão ou continência entre duas ou mais causas, será preciso determinar sob
qual foro competente estas deverão reunir-se. Dos diversos foros eventualmente competentes
para o julgamento das causas consideradas isoladamente, apenas um deles permanecerá,
prorrogando-se, ademais, sua competência para processar e julgar também as causas para lá
atraídas segundo os critérios de conexão ou de continência. O art. 78 do Código de Processo
Penal estabelece critérios para estabelecer, nesses casos, o foro que exercerá a vis attractiva.
Júri e órgão comum. O inciso I do mencionado dispositivo estabelece que, no concurso entre a
competência do Tribunal do Júri e a de outro órgão de competência comum, deve prevalecer a
competência do Tribunal do Júri, que julgará, excepcionalmente, casos que não estariam sob seu
âmbito de competência, desde que estejam esses em conexão ou continência com relação a um
crime doloso contra a vida. Jurisdições de mesmo grau. Em se tratando do concurso entre
jurisdições de mesma categoria, isto é, de mesmo grau hierárquico, com juízes competentes para
julgar as mesmas causas, estabelece o art. 78, II, três critérios distintos: a) Gravidade da pena.
Preponderará o foro do juízo competente para o julgamento da infração à qual for prevista, em
abstrato, a pena mais grave. Há três graus de gravidade da pena. Em ordem decrescente: pena
privativa de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples), penas restritivas de direitos e penas
pecuniárias. A gravidade da pena deverá levar em conta, ainda, as penas abstratamente previstas
para o tipo penal em que incorrer o réu. b) Número de infrações. Sendo as infrações de igual
gravidade, prevalecerá o foro da localidade em que houver ocorrido o maior número de
infrações. c) Prevenção. Sendo as infrações a julgar de igual gravidade, e praticadas em igual
número em cada uma das localidades, a competência firmar-se-á pela regra da prevenção (art.
83 do Código de Processo Penal). Esse o critério residual, aplicável quando não for possível fixar
a competência pelas regras anteriores. Jurisdições de graus diversos. Havendo concurso entre
jurisdições de diversas categorias, isto é, entre órgãos que integram a jurisdição superior e
magistrados que integram a jurisdição inferior, prorrogar-se-á a competência do órgão de maior
graduação (art. 78, III, do Código de Processo Penal). Em face dessa regra, nas hipóteses em que
houver concurso de agentes e apenas sobre um deles incida regra de foro por prerrogativa de
função, a competência do Tribunal, determinada pelo foro especial, será prorrogada, permitindo-
lhe o julgamento de ambos os acusados. Assim tem decidido o Supremo Tribunal Federal.
Destaca a doutrina, entretanto, que, nos casos em que a prerrogativa de função for determinada
originariamente na Constituição Federal, a prorrogação será inviável, já que não pode a lei
ordinária (no caso, o Código de Processo Penal, onde se encontra a regra de atração) alterar a
competência constitucionalmente estabelecida, sendo a única solução possível a tramitação e o
julgamento separado dos processos. Pelo mesmo motivo, na hipótese em que uma pessoa que
goza de foro por prerrogativa de função fixada na Lei Maior pratique crime doloso contra a vida
em concurso com outra despida de tal privilégio, deverão ser ambos julgados separadamente, já
que também a competência do Tribunal do Júri é fixada em sede constitucional (art. 5º, XXXVIII),
não havendo respaldo jurídico para que se proceda à reunião dos processos sob uma ou outra
competência. Imperioso ressaltar que tal entendimento não é unânime, de modo que o Supremo
Tribunal Federal já entendeu ser o Superior Tribunal de Justiça o foro competente para o
julgamento de desembargadores e dos demais corréus por crime doloso contra a vida, por
aplicação do princípio da conexão (STF, HC 83.583/SP, 2ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.4.2004,
DJ, 7.5.2004). Não obstante, o STJ já decidiu em sentido contrário, determinando a separação
dos processos (STJ, HC 36.844/MA, 5ª T., Rel. Laurita Vaz, DJ, 1º.8.2005, p. 483). Jurisdição
comum e jurisdição especial. Por fim, no concurso entre jurisdição comum e especial,
prevalecerá esta. Em matéria penal compõem a jurisdição especial a Justiça Militar e a Justiça
Eleitoral, cujas competências já foram objeto de estudo. Em se tratando da Justiça Federal, é ela
considerada especial em relação à Justiça Comum Estadual, cabendo-lhe o julgamento de crimes
conexos de competência da Justiça dos Estados. Nesse sentido, a Súmula 122 do Superior
Tribunal de Justiça, que afasta a incidência do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal no
concurso entre essas duas jurisdições. Vale lembrar que a Justiça Federal não é competente para
processar e julgar contravenções penais, ainda que praticadas em detrimento de bens, serviços
ou interesses da União (Súmula 38 do Superior Tribunal de Justiça), salvo em caso de conexão,
nos termos da referida Súmula 122. Mais uma vez, no entanto, faz-se a ressalva acerca do
entendimento do STJ quanto à cisão no julgamento dos processos conexos nestas circunstâncias.
No caso de conexão ou continência entre crime de competência do juízo comum ou do júri e
infração de menor potencial ofensivo, serão aplicados os institutos despenalizadores da
transação penal e da composição civil dos danos, de acordo com o que preceitua o art. 60,
parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, inserido pela Lei n. 11.313/2006”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021). “[...] O art. 78 deveria
ser lido em ordem completamente diversa daquela prevista no CPP. Seus incisos devem ser lidos
nessa ordem: Art. 78. IV. Primeiro deve-se verificar se há crime eleitoral, pois a competência da
justiça especial eleitoral prevalece sobre as demais. Ou ainda, se há crime militar naquelas
situações previstas no art. 9º do CPM, situação em que o julgamento é afeto à justiça militar
(estadual ou da União, conforme o caso); III. Não sendo caso de crime eleitoral ou militar, analisa-
se o inciso III. Aqui, a jurisdição federal prevalece sobre a estadual (Súmula 122 do STJ). Se algum
dos agentes tiver prerrogativa de foro, prevalece a jurisdição de segundo grau (tribunais) sobre
as de primeiro grau (juiz, júri, juizado especial), com as ressalvas feitas anteriormente. I. Não
sendo resolvida a questão com as regras anteriores, deve-se perguntar: algum dos crimes é de
competência do júri? Caso afirmativo, todos os crimes e todas as pessoas serão julgados no
Tribunal do Júri (vis atractiva e prevalente). II. Se nenhum dos incisos anteriores resolver a
questão, é porque estamos diante de vários juízes, de mesmo nível de jurisdição, igualmente
competentes. Então passemos para os critérios definidos nesse último inciso, necessariamente
nessa ordem: a) Prepondera o lugar da infração mais grave: até a edição anterior, sustentávamos
que o critério para definir se uma infração é mais grave do que outra, era a análise da pena
mínima. Contudo, estamos revisando nosso entendimento, e acompanhando BADARÓ no
sentido de que ‘a mais grave será a de maior duração, segundo o limite máximo abstratamente
cominado’. Esse também é o critério utilizado pelo legislador para definir a competência do
JECrim e também do STF (em uma das raras manifestações sobre o tema). Portanto, se um crime
tiver uma pena de 1 a 6 anos e o outro de 2 a 4 anos, qual é a mais grave? Aquele cuja pena
máxima é mais elevada (6 anos). Se esse critério não resolver, comparam-se os regimes de
cumprimento da pena, em que os delitos apenados com reclusão são mais graves que os
apenados com detenção. Outro ponto a ser comparado é a existência ou não de pena de multa,
pois pena + multa é mais grave. b) Havendo empate na letra ‘a’, prevalece o lugar onde for
praticado o maior número de infrações. Logo, o juiz, em cuja cidade tiver sido praticado o maior
6 - SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
Se de um lado a regra é a unidade de processo e julgamento para os casos de conexão e continência, agora
analisaremos, de acordo com as normas, as situações que estabelecerão a separação dos processos,
iniciando pelo artigo 79 do CPP:
[...] havendo conexão e/ou continência entre um crime militar de competência da Justiça Militar
e um crime comum de competência da Justiça Comum, impõe-se a separação dos processos, nos
exatos termos do art. 79, inciso I, do CPP, e do art. 102, "a", do CPPM. Exemplificando, se um
policial civil e um policial militar, ambos em serviço, praticarem, em concurso de pessoas, lesão
corporal de natureza grave contra um civil, impõe-se a separação dos processos. O policial civil
será julgado pelo crime comum (CP, art. 129, § 1°) perante a justiça comum, ao passo que o
policial milItar será julgado pelo crime militar de lesão grave (CPM, art. 209, § 1°, c/c art. 9º, II,
"c") perante a Justiça Militar Estadual. Relembre-se que, como civil que é, o Policial Civil não pode
ser julgado pela Justiça Militar, ex vi do art. 125, § 4°, da Constituição Federal. Nesse sentido,
dispõe a súmula no 90 do STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial
militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.
Seu conteúdo assemelha-se ao da súmula n° 30 do extinto Tribunal Federal de Recursos: Conexos
os crimes praticados por policial militar e por civil, ou acusados estes como coautores pela mesma
infração, compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime militar
(CPM, art. 9) e à Justiça Comum, o civil (Lima, 2021).
Para começar, crianças e adolescentes, nos termos do nosso ordenamento jurídico não praticam crimes, por
mais que realizem conduta típica – são inimputáveis. Quando muito, os adolescentes podem incorrer em ato
infracional, cuja competência para apuração e responsabilização é do Juizado ou Vara da Infância e
Juventude.
Competindo à Justiça da Infância e Juventude a apuração do ato infracional praticado pela criança
(até 12 anos incompletos) e pelo adolescente (12 anos completos até 18 anos incompletos), é
evidente a necessidade de separação dos processos quando houver concurso de agentes entre
inimputável e pessoa maior de 18 anos. Nesse caso, o imputável será julgado pela Justiça Comum,
sendo o ato infracional praticado pelo menor apurado pelo Juizado da Infância e Juventude
(Avena, 2020).
§ 1º Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum corréu, sobrevier
o caso previsto no art. 152.
Nada mais óbvio. O art. 152 do CPP trata da superveniência de doença mental. É quando após o crime o réu
é acometido de doença mental; nessa situação, determina o Código que o processo fique suspenso até que
o acusado se restabeleça. Se houver corréu, não faz sentido que o processo fique suspenso para ele também,
sem motivo para isso. Por isso, cessa a unidade dos processos. A ação penal para aquele que não foi
acometido de doença mental deve ter andamento, com o desmembramento dos autos se for o caso.
Trata-se, aqui, do concurso de agentes envolvendo acusado que vem a ser acometido por doença
mental em momento posterior à prática do delito. Como, nesse caso, determina o art. 152 do
CPP a imediata suspensão do processo (o que perdura até que haja o restabelecimento da saúde
mental ou que ocorra a prescrição do crime), seria ilógico permanecer o processo paralisado,
também, em relação ao corréu em pleno gozo da saúde mental. Portanto, em casos tais, prevê a
lei a separação dos processos, permanecendo suspenso o feito referente ao réu mentalmente
enfermo e prosseguindo em relação ao remanescente. Necessário mencionar que tal separação
justifica-se unicamente no caso de superveniência da doença mental à prática da infração, não
se aplicando no caso de a patologia já ser existente por ocasião do fato, pois, nesse caso, não se
cogita de suspensão do processo, o qual prossegue normalmente, assistido o acusado por
curador (art. 151 do CPP) (Avena, 2020).
§ 2º A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver corréu foragido que não
possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.
Onde a lei fala em ‘art. 461’, atualmente e após reformas do CPP, leia-se art. 469. Ou seja: diz respeito às
recusas de jurados como motivo para separação do julgamento no Tribunal do Júri.
Por força do art. 366 do CPP, se acaso um processo criminal for instaurado contra vários
acusados, sendo um deles citado por edital, daí resultando seu não comparecimento e não
constituição de defensor, deverá o processo ficar suspenso tão somente em relação a sua pessoa.
Para aqueles acusados que foram citados pessoalmente, deixando de apresentar resposta à
acusação, o processo seguirá normalmente, devendo o juiz nomear-lhe defensor dativo (CPP, art.
396-A, § 2º, com redação dada pela Lei n° 11.719/08). Por outro lado, àquele que foi citado por
hora certa que não comparecer, também deverá o juiz providenciar-lhe a nomeação de dativo
(CPP, art. 362, parágrafo único), dando-se prosseguimento ao processo (Lima, 2021).
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas
em {1} circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo {2} excessivo número de
acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro {3} motivo relevante, o juiz
reputar conveniente a separação.
{1} Essa primeira hipótese de separação facultativa dos processos deve ser analisada à luz das
espécies de conexão/continência. Ora, se essa hipótese de separação demanda que as infrações
tenham sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, forçoso é concluir
não ser possível sua aplicação no caso de conexão intersubjetiva por simultaneidade, na medida
em que esta espécie de conexão prevista na primeira parte do inc. I do art. 76 traz como
pressuposto que as duas ou mais infrações tenham sido praticadas ao mesmo tempo, por
diversas pessoas ocasionalmente reunidas (sem intenção de reunião), aproveitando-se das
mesmas circunstâncias de tempo e de local. Situação semelhante ocorrerá no caso de conexão
intersubjetiva por reciprocidade (CPP, art. 76, I, parte final), na medida em que esta exige a
prática de infrações por pessoas que agem umas contra as outras, pressupondo-se que estejam
no mesmo lugar e ao mesmo tempo. De maneira diversa, em se tratando de conexão
intersubjetiva por concurso (CPP, art. 76, I, 2ª parte), conexão objetiva (CPP, art. 76, inciso 11)
ou conexão probatória (CPP, art. 76, inciso III), pensamos ser possível a separação dos processos
com base no art. 80, 1ª parte, do CPP, pois, em relação a essas três hipóteses de conexão, não se
faz necessário que as infrações tenham sido cometidas em lugares e momentos idênticos. Nos
casos de continência, por sua vez, conquanto seja possível a separação dos processos, parte da
doutrina se posiciona contrariamente, haja vista a possibilidade de decisões contraditórias em
relação a um mesmo fato.
{2} A hipótese de separação facultativa do art. 80, 2ª parte, do CPP, aplica-se a todos os casos de
conexão e continência. Traz em si dois requisitos: a) excessivo número de acusados; b) não
prolongamento da prisão provisória de um dos acusados. A título de exemplo, suponha-se que
um dos acusados esteja preso preventivamente, tendo o advogado de defesa de um outro réu
pleiteado a realização de exame pericial que somente seria interessante a sua defesa. Nesse caso,
e considerada a complexidade do exame pericial é fácil perceber que o acusado preso teria o
curso do processo prejudicado pela realização de prova que não lhe traria qualquer benefício.
Sendo assim, caberia ao magistrado determinar a separação dos processos, prosseguindo-se em
relação ao julgamento do corréu cuja instrução processual já estivesse finda.
{3} Como o legislador não pode prever todas as situações em que a separação dos feitos seja
necessária, a parte final do art. 80 do CPP possibilita que o juiz, por qualquer motivo relevante,
determine a separação dos processos. Podemos citar, como exemplos de motivos relevantes a
ensejar a separação dos processos, o excessivo número de acusados soltos prejudicando o
Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo
da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que
desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará
competente em relação aos demais processos.
1) desclassificação na primeira fase do procedimento bifásico do Júri: de acordo com o art. 419
do CPP, com redação dada pela Lei no 11.689/08, quando o juiz se convencer, em discordância
com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 do CPP (homicídio,
induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto, em suas diversas modalidades)
e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja, ficando o acusado
preso à disposição deste outro juízo. Quanto à infração conexa, preceitua o parágrafo único do
art. 81 do CPP que se o juiz vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver
sumariamente o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao
juízo competente. Em síntese, excepcionando-se a regra da perpetuatio jurisdictionis constante
do art. 81, caput, do CPP, ao juiz sumariante não caberá o processo e julgamento do crime conexo
quando impronunciar, absolver sumariamente ou desclassificar a infração da sua competência,
devendo remeter as infrações conexas ou continentes ao juízo competente.
3) absolvição pelo Conselho de Sentença em relação ao crime doloso contra a vida: se os jurados
deliberaram pela absolvição em relação à infração principal (crime doloso contra a vida), v.g.,
respondendo afirmativamente ao quesito "o jurado absolve o acusado?", significa que,
implicitamente, reconheceram sua competência para processar e julgar o feito. Logo, também
aos jurados caberá o julgamento das demais infrações penais conexas e continentes, aplicando-
se a regra geral do art. 81, caput, do CPP.
Por fim, quanto à perpetuação da competência no caso de conexão e continência entre crimes
de competência da Justiça Federal e Estadual, repetimos aqui o quanto foi visto ao tratarmos da
competência da Justiça Federal. Valendo-se do exemplo ali citado em que um juiz federal, ao
final do processo, entenda que a internacionalidade do tráfico de drogas não esteja comprovada,
tratando-se, pois, de crime de tráfico interno de drogas, da competência da Justiça Estadual, foi
dito que uma primeira corrente sustenta ser possível a aplicação da regra do art. 81 do CPP.
Assim, mesmo que o juiz federal viesse a entender ao final do processo que o delito seria de
tráfico interno de drogas, esse magistrado teria sua competência prorrogada, sendo inviável a
alegação de nulidade absoluta do processo por violação ao princípio do juiz natural. Tem
prevalecido, todavia, a posição segundo a qual, a partir do momento em que o juiz federal
reconhece que não se trata de crime de tráfico internacional, está reconhecendo sua
incompetência absoluta, sendo inviável a perpetuação da competência, porquanto, se se trata
de crime da competência da Justiça Estadual, cessou sua competência para o processo e
julgamento do feito. Não por outro motivo, em caso concreto apreciado pelo STJ, em face da
superveniência da extinção da punibilidade em face do crime que justificava a competência da
Justiça Federal, concluiu-se que os crimes conexos deveriam ser julgados pela Justiça Estadual,
na medida em que não subsistiria qualquer interesse da União. Situação diferente ocorrerá na
hipótese de conexão entre o tráfico internacional de drogas, crime de competência da Justiça
Federal, pelo qual o acusado seja absolvido, e um crime qualquer de competência da Justiça
Estadual, v.g., roubo. A princípio, e em virtude do teor da súmula 122, prevalecerá a competência
da Justiça Federal, nos termos da súmula 122 do STJ: "Compete à Justiça Federal o processo e
julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a
regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal". Nessa hipótese, mesmo que o juiz federal
absolva o agente em relação à imputação de tráfico internacional de drogas, terá sua
competência prorrogada para julgar o delito conexo, pois, se houve absolvição, significa dizer
que a Justiça Federal afirmou sua competência, a qual será extensiva aos crimes conexos - vide
regra do art. 81 do CPP (Lima, 2021).
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a
autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros
juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se
dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.
Doutrina complementar
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019): “Será
obrigatória a separação dos feitos quando (art. 79): a) Houver concurso entre a jurisdição comum
e a jurisdição militar (inciso I). Assim, o crime comum será processado e julgado pela Justiça
Comum, cabendo à Justiça Militar processar e julgar o crime militar, mesmo que entre as
infrações se verifique a conexão ou continência. Quanto a isso, cumpre destacar que a Justiça
Militar Federal tem competência para julgar militares e civis, enquanto à Justiça Militar Estadual
cabe somente o julgamento de militares (policiais e bombeiros militares), mas nunca de civis.
Essas questões foram abordadas no tópico referente à competência da Justiça Militar. b) Houver
concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores (inciso II). Os menores de 18 anos
são penalmente inimputáveis (art. 228 da Constituição Federal e art. 27 do Código Penal). A
Justiça Comum será absolutamente incompetente para o julgamento dos atos infracionais por
eles praticados, motivo pelo qual será impossível a reunião dos processos. A situação dos
menores infratores fica sujeita às normas da legislação especial, conforme dispõe, também, o
art. 104 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Contra o infrator penalmente
imputável será instaurado o devido processo penal para a apuração do delito que cometeu,
enquanto o menor será submetido ao Juízo da Infância e da Juventude, onde responderá pelo
ato infracional praticado. c) Em qualquer caso, se houver de suspender o processo em relação a
um dos corréus, em virtude da superveniência de doença mental ocorrida durante o curso
processual (art. 79, § 1º). É a hipótese prevista no art. 152 do Código de Processo Penal, que se
destina às situações em que a doença mental se manifeste após a prática da infração penal. d)
No procedimento do júri haverá separação do julgamento se, em razão das recusas, não for
alcançado o número de 7 jurados para integrar o Conselho de Sentença (art. 469, § 1º). Cindido
o julgamento, será submetido a júri, em primeiro lugar, aquele a quem foi atribuída a autoria do
fato, ou, em se tratando de coautoria, será observada a ordem de preferência traçada no art.
429”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), em
relação à separação obrigatória, também trata a respeito da fuga de corréu: “Fuga de corréu:
havendo fuga, é possível que o processo fique suspenso, em razão da impossibilidade do
julgamento à revelia. É o que ocorre pela leitura do art. 366 do CPP: se um dos corréus for citado
por edital, não comparecer e nem nomear advogado, o processo, quanto a ele, ficará suspenso,
e estará suspenso também o curso do prazo prescricional, aguardando-se que seja encontrado.
Consequentemente, em que pese ter se iniciado processo único abarcando todos os infratores,
não haverá unidade de julgamento, afinal, o processo não evoluirá em relação ao agente não
encontrado para ser citado pessoalmente. Situação semelhante acontecia no procedimento do
júri, pois havendo corréus pronunciados por crime doloso contra a vida inafiançável, era
obrigatória a intimação pessoal da decisão de pronúncia. Se um deles não era localizado e a
intimação pessoal malograva, o julgamento só prosseguia quanto ao infrator intimado
pessoalmente. Já o prazo prescricional continuava correndo. Era a crise de instância, pois o
processo ficava paralisado enquanto o ato não era realizado. Com a alteração do art. 420 do CPP
pela Lei nº 11.689/08, não sendo possível a intimação pessoal da decisão de pronúncia, haverá a
intimação editalícia, e o réu não encontrado será julgado à revelia, estando, portanto, suprimida
tal hipótese de separação. No júri, também era possível o desmembramento para julgamento,
em se tratando de crime inafiançável, se um dos corréus não comparecesse para a sessão de
julgamento. O réu presente seria julgado, e, se existissem elementos que levassem a crer que o
ausente estava tentando se eximir da responsabilidade penal, poderia ser-lhe decretada a prisão
preventiva (art. 312, CPP). Com a reforma, o não comparecimento de um dos corréus (solto)
implica no seu julgamento à revelia, de sorte que o desmembramento não irá se operar pela
ausência. Continua possível, entretanto, havendo elementos que façam crer que o agente fugiu,
a decretação da preventiva (art. 457, CPP). Já se um dos corréus preso não foi conduzido pela
autoridade, o julgamento, quanto a ele, será adiado, podendo-se julgar o comparsa presente.
Subsiste, neste caso, a possibilidade de desmembramento”. AURY, ao tratar sobre os incisos do
art. 79 do CPP, sustenta: “Como já explicado diversas vezes nos tópicos anteriores, a Justiça
Militar não prevalece, ela cinde. Ou seja, se é crime militar vai para a Militar, do contrário, separa.
[...] No inciso II está consagrada a lógica e necessária separação entre a jurisdição penal e aquela
destinada à apuração dos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes, nos termos
do Estatuto da Criança e do Adolescente. Havendo um concurso de agentes entre imputáveis e
inimputáveis (menores de 18 anos), os imputáveis cometem crime e respondem a processo
penal. Já em relação aos inimputáveis (menores de 18 anos), haverá uma separação, com outro
processo tramitando em vara especializada para apuração do ato infracional. No § 1º, haverá a
cisão quando em relação a algum dos corréus se verificar uma doença mental superveniente ao
crime. Nesse caso, o processo é separado, pois em relação a esse corréu o processo ficará
suspenso, nos termos dos arts. 152 e s. do CPP. Quando a doença é preexistente ao fato
criminoso, o réu é considerado inimputável (art. 26 do CP) e o processo segue, com a eventual
pena sendo substituída por medida de segurança. No § 2º, existem duas situações de cisão. No
primeiro caso, o processo está suspenso porque um dos corréus está foragido e a sessão de
julgamento pelo Tribunal do Júri não pode ocorrer sem a sua presença; ou, ainda, quando um
dos réus é citado e o outro não. Em relação ao citado, o processo continua e, em relação ao revel,
incide a suspensão do processo, nos termos do art. 366 do CPP. A segunda situação era a cisão
ocorrida no momento da composição do conselho de sentença. Ocorre que esse mecanismo de
cisão foi substancialmente alterado pela Lei n. 11.689/2008. Agora, nos termos do art. 469,
somente haverá separação dos julgamentos se houver estouro de urna, ou seja, se em razão das
recusas não for obtido o número mínimo de 7 jurados para compor o conselho de sentença.
Nesse caso, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou,
em caso de coautoria, aplica-se o critério de preferência disposto no art. 429. As situações
descritas no art. 81 dizem respeito à desclassificação própria e imprópria no Tribunal do Júri”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), quanto à
cisão facultativa do processo, obtempera: “É apresentada pelo art. 80 do CPP nas seguintes
hipóteses: a) Infrações praticadas em circunstância de tempo ou lugar diferentes: a distinção
temporal ou de lugar pode motivar a separação de processos, sendo no último caso, até
conveniente para a captação probatória, pela facilidade em realizar a instrução no próprio
distrito da culpa. b) Número excessivo de acusados: o número excessivo de réus pode ocasionar
uma imoderada dilação processual, desaguando na extensão desproporcional do tempo de
prisão cautelar. A CF assegura no art. 5º, inciso LXXVIII, a razoável duração do processo, devendo
o juiz atuar no intuito de garantir a celeridade, já que o excesso temporal do encarceramento
cautelar leva à ilegalidade da prisão. Cabe ao magistrado, de ofício ou por provocação, analisar a
conveniência de manter processo uno ou determinar a separação, notadamente quando exista
número excessivo de réus, uns presos e outros em liberdade. c) Qualquer outro motivo
relevante: a lei deixa um ‘cheque em branco’ à disposição do judiciário, pois qualquer outro
motivo relevante, desde que devidamente motivado, pode levar à separação processual.
Exemplo de separação facultativa de processos a partir dessa cláusula aberta, é o que dispõe a
Súmula nº 704, do STF, que enuncia que não há violação às garantias do juiz natural, da ampla
defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu
ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. Para que haja a separação, deve
haver fundamentação que aponte razão relevante que indique ser melhor a separação do que a
reunião dos julgamentos dos acusados.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021) muito bem expõe sobre
o art. 80 do CPP, que versa sobre a separação facultativa, retratando o atual cenário desse
instituto perante a jurisprudência dos tribunais superiores: “Por fim, prevê o art. 80 a separação
facultativa dos processos nos casos de crimes praticados em circunstâncias de tempo ou de lugar
diferentes, ou, quando, pelo número excessivo de acusados e para não prolongar a prisão
provisória de qualquer deles, o juiz reputar conveniente. Aqui o Código deixa um amplo espaço
para que o juiz decida pela cisão processual, evitando o julgamento simultâneo decorrente da
conexão ou continência. Esse artigo tem sido muito invocado, especialmente pelos tribunais
superiores, para separar aqueles agentes detentores de prerrogativa de função dos demais
agentes, sem essa prerrogativa. A rigor, como visto, tudo deveria ser reunido no respectivo
tribunal para julgamento simultâneo, mas nem sempre tem sido assim, como já explicado. Mas,
neste caso, existe uma situação muito sensível na cisão quando envolve pessoas com
prerrogativa de função, como por exemplo: várias pessoas são investigadas e surge, entre os
suspeitos, alguém com prerrogativa de função (deputado federal, estadual etc.). Neste
momento, o feito deve ser – imediatamente – remetido para o tribunal competente para o
julgamento daquela autoridade detentora da prerrogativa, a quem competirá decidir sobre os
atos da investigação e posterior ação penal. Aqui tem surgido hipóteses de cisão, pois a
jurisprudência dos tribunais superiores tem oscilado perigosamente entre a reunião para
julgamento simultâneo (observando as regras de conexão ou continência conforme o caso) e a
cisão (ficando no tribunal apenas o detentor da prerrogativa) como já explicamos anteriormente.
O problema é: a quem compete decidir sobre a cisão do art. 80? O tribunal competente ou o
juiz de primeiro grau? A resposta parece evidente. Somente ao tribunal competente para o
julgamento daquele detentor da prerrogativa é que poderá decidir sobre a eventual cisão, sob
pena de grave usurpação de sua competência pelo juiz de primeiro grau. A garantia do “juiz
natural” surge no momento da prática do delito e não no nascimento do processo. Portanto,
ao tribunal competente é que incumbe a decisão, não se podendo falar em prorrogatio fori ou,
ainda, em perpetuatio jurisdicionis em se tratando de (in) competência absoluta. Não existe
prorrogação de competência em relação a quem não é absolutamente competente sob pena de
rasgar-se a garantia do juiz natural e as regras da competência. Em suma: o art. 80 não pode ser
invocado para evitar a reunião de processo. Primeiro todos os processos devem ser reunidos
no juízo de competência prevalente. A ele incumbe, se for o caso, decidir sobre a cisão
processual, desmembrando e remetendo os demais réus para o respectivo juízo de primeiro
grau”.
RENATO BRASILEIRO DE LIMA (Manual de processo penal, 6ª ed., Salvador: JusPodivm, 2018):
Suspensão do processo em relação ao colaborador. Consoante disposto no art. 4°, § 3°, da nova
Lei das Organizações Criminosas, o prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos
ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até
que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo
prescricional. Supondo, assim, a existência de um processo penal instaurado em desfavor de mais
7 - PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Como define DE PLÁCIDO E SILVA, prorrogação de competência tem “o mesmo sentido de prorrogação de
jurisdição. [...] Assim, prorrogação de competência entende-se o aumento ou a dilatação da competência
atribuída à pessoa, para que possa exercer ou continuar a exercer as funções que não estavam antes nos
limites normais de suas atribuições”.
E, desse modo, não sendo embora anteriormente competente, pela prorrogação passa a ser
competente, em vista do que continua a fazer o que já havia começado. No sentido processual,
prorrogação de competência é, assim, a extensão ou a ampliação da competência de um juiz,
para que possa tomar conhecimento da questão trazida à presença dele, por circunstâncias
especiais. E, embora, originariamente, sem competência para a conhecer, pela prorrogação,
investe-se na competência, amplia-se seus poderes jurisdicionais, para que possa continuar no
exercício de suas atribuições, e, sem solução de continuidade, prossiga no feito trazido ao seu
conhecimento (Silva, 2005).
O foro de jurisdição prorrogada é aquele ao qual as partes, ou por disposição de lei ou por vontade própria,
quando lhes seja lícito, se submetem, quando antes, originariamente, fosse incompetente (Marques, 1997).
“Tem-se a prorrogação de competência quando o órgão jurisdicional originariamente incompetente para o
julgamento de determinado processo adquire a competência em virtude da aplicação de quaisquer das
regras processuais que impõem a reunião de processos” (Pacelli, 2018).
1) legal ou necessária: sua ocorrência não depende da iniciativa das partes. A título de exemplo,
é o que se dá nos casos de conexão e continência (CPP, arts. 76 e 77);
2) voluntária: quando depende da iniciativa das partes. Esta, por sua vez, subdivide-se em: 2.1)
expressa: quando há requerimento da parte. É o que se dá quando o desaforamento é requerido
pelo réu, pelo Ministério Público ou pelo querelante (CPP, art. 427, caput); 2.2) tácita: ocorre
diante do silêncio das partes. Exemplificando, quando a incompetência relativa não é arguida no
momento oportuno - resposta à acusação (CPP, art. 396-A) -, dá-se a preclusão para a parte.
JOSÉ FREDERICO MARQUES, todavia, em relação ao § 2º do art. 74 do CPP, tinha uma compreensão diferenciada.
Transcrevemos o dispositivo legal e na sequência o comentário do mestre:
A graduação de jurisdição, a que se refere o art. 74, parágrafo 2º, não é aquela que distingue os
órgãos judiciários em instâncias, e sim a que estabelece categorias próprias da organização
judiciária, classificando os juízes em entrâncias, efetivos e substitutos, titulares e adjuntos ou
auxiliares (Marques, 1997).
Como nem sempre os atos processuais podem realizar-se o foro onde se instaurou a instância,
torna-se preciso que os juízes se auxiliem uns aos outros, através da cooperação judicial. E a
razão é óbvia: fora de sua jurisdição, nenhuma função tem o juiz. Não vai, por isso, praticar na
outra circunscrição, o ato que deseja. O outro juiz faz seu esse ato. Surge, com isso, a delegação
e com ela o órgão judiciário impedido passa a outro órgão atribuições que normalmente lhe
caberiam. Não se pode negar, pois, que dessa outorga de incumbência, prevista pela lei, decorre
uma parcial alteração de competência. O juiz a quem está afeto o processo, e que, por isso
mesmo, deveria praticar o ato cuja realização delega, transfere a outro a atribuição jurisdicional
que era sua (Marques, 1997).
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “A
prorrogação necessária ou legal é a que não depende de ação ou omissão das partes, mas
decorre de fato jurídico por si só suficiente para determinar que haja modificação de
competência relativamente a um ou mais crimes que não estariam abrangidos pela competência
fixada para um órgão jurisdicional. Ocorre prorrogação necessária ou legal, independentemente
da vontade das partes (nesse sentido, não-voluntária), nas hipóteses de conexão e continência
previstas nos artigos 76 e 77, do CPP. A iniciativa pode ser do próprio juiz processante, que pode
avocar os processos cuja reunião por conexão ou continência seja conveniente, bem como do
juízo que toma conhecimento de outro feito que, pelas circunstâncias, seja revestido de
atratividade que recomende a remessa dos autos. Em regra, todavia, a prorrogação necessária
decorre da narrativa da petição inicial, no bojo da qual já constam os fatos objeto de conexão ou
continência que, conhecidos pelo juiz, determinarão a prorrogação. Prorrogação facultativa.
Também denominada de prorrogação voluntária (no sentido de depender de ação ou omissão
das partes). Quando tal prorrogação acontece em razão de fato omissivo – a exemplo de não ser
fustigada a incompetência de natureza relativa oportunamente, deixando a parte de promover
exceção de incompetência no prazo da resposta preliminar à acusação, dando assim ensejo à
preclusão –, recebe o nome de tácita. Note-se que, para o juiz, só haverá prorrogação (com
preclusão pro judicato), segundo entendemos, após a fase de absolvição sumária do art. 397,
CPP, isto é, passando a oportunidade de absolver sumariamente o acusado e nada sendo dito
sobre a incompetência relativa, dar-se-á a prorrogação de competência de índole facultativa
tácita. De outro lado, será expressa quando houver pedido das partes para que o feito seja
remetido para outro juízo, incompetente relativamente, mas que as circunstâncias do fato
recomendam a prorrogação, tal como se dá com as hipóteses de desaforamento do processo do
Júri”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Prorrogação de
competência necessária e voluntária A necessária ocorre nas hipóteses de conexão e
continência (arts. 76 e 77). A voluntária ocorre nos casos de competência territorial, quando não
alegada no momento processual oportuno (art. 108), ou no caso de ação penal exclusivamente
privada, onde o querelante pode optar pelo foro do domicílio do réu, em vez do foro do local da
infração (art. 73)”.
GUSTAVO BADARÓ (Processo Penal, 8ª ed., São Paulo: RT, 2020). “Prorrogação de competência é a
modificação da esfera concreta de competência de um juiz. Amplia-se a esfera de competência
8 - PERPETUAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Perpetuação é palavra derivada de ‘perpetuar’, do latim perpetuare, de perpetuus (não interrompido para
sempre), significa vulgarmente a ação e efeito de tornar as coisas imutáveis e eternas. “A perpetuação, assim,
neste sentido, quer exprimir a qualidade do que é de existência indefinida, tendo, pois, o mesmo sentido de
perpetuidade, duração indefinida e para sempre” (Silva, 2005).
Após iniciado um processo perante um determinado juízo, observadas as regras de competência, podem
sobrevir várias intercorrências, implicando em modificações no estado dos fatos, do direito ou mesmo em
relação às partes. A questão que se coloca é a seguinte: se ocorrem essas alterações, a competência também
se altera, ou não? A competência se submete à cláusula rebus sic stantibus ou não?
O Código de Processo Penal não tem uma regra expressa quanto a isso; diferente do Código de Processo Civil
que assim define:
a) quando ocorrer a extinção do órgão judiciário, tal como ocorreu com os Tribunais de Alçada
(Emenda Constitucional no 45/04, art. 4"); b) quando a competência for alterada em razão da
matéria: vide exemplo da Lei no 9.299/96, que transformou em crime comum o crime doloso
contra a vida praticado por militar contra civil, ainda que cometido em serviço (CPM, art. 9°,
parágrafo único ); c) quando a competência for alterada em razão da hierarquia: imaginando-se
que determinado acusado seja diplomado deputado federal durante o curso de processo
criminal, cessa automaticamente a competência do Juiz de 1ª instância, cabendo-lhe determinar
a remessa imediata dos autos ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo da validade dos atos
processuais praticados anteriormente (tempus regit actum).12
Quanto às hipóteses de delegação de competência federal ao juízo estadual nas comarcas que
não forem dotadas de vara federal (CF, art. 109, §§ 3º e 4º), a superveniente instalação de vara
federal afasta a aplicação da regra da perpetuatio jurisdictionis, fazendo com que os processos
que ali tramitavam sejam imediatamente encaminhados à vara federal instalada. Com a
revogação do art. 27 da Lei nº 6.368/76, que previa que o processo e julgamento do tráfico
internacional de drogas caberia à Justiça Estadual se o município em que tivesse sido praticado
o delito não fosse dotado de Vara da Justiça Federal, com recurso para o respectivo TRF, e diante
da nova redação do art. 70, parágrafo único, da Lei nº 11.343/06, não subsiste no ordenamento
processual penal qualquer outra hipótese de delegação da competência criminal da Justiça
Federal para a Justiça Estadual (Lima, 2021).
Adotando-se o exemplo trazido pela doutrina, considere-se que cinco crimes de furto tenham
sido cometidos por João no município de Caçapava, sendo os objetos de todos os delitos
12
Vale a ressalva de que o entendimento atual do STF afasta o foro por prerrogativa de função nas situações em que o crime é
praticado antes do início do mandato ou da diplomação.
adquiridos, ao mesmo tempo, por Pedro, na cidade de Tremembé. Em síntese: cinco furtos em
Caçapava e uma receptação em Tremembé. Tendo em vista o número de crimes (art. 78, II, b, do
CPP), todos os seis delitos deverão ser apurados e julgados conjuntamente em Caçapava. Na
hipótese, contudo, de absolvição pelos furtos, não deverá o juízo de Caçapava encaminhar o feito
para Tremembé com vista ao julgamento da receptação, permanecendo competente para julgá-
lo em face da perpetuação de sua jurisdição.
Outro exemplo: imagine-se que tenha sido o agente denunciado, na Justiça Federal (Súmula 122
do STJ) por crime, em tese, de competência dessa Justiça (v.g., facilitação de contrabando) e por
outro que, isoladamente, seria de competência da Justiça Estadual (v.g., extorsão), havendo clara
conexão a recomendar a reunião dos processos, dado o contexto em que cometidos os delitos.
Suponha-se, porém, que, após o encerramento da instrução criminal, ao sentenciar, tenha o Juiz
determinado a absolvição pelo crime que atraiu a competência da Justiça Federal (facilitação de
contrabando). Essa situação amolda-se perfeitamente ao disposto no art. 81 do CPP, cabendo ao
juízo federal, onde tramita o processo, apreciar o crime patrimonial.
Mas, atenção: essa hipótese não se confunde com aquela em que o Juiz federal, em vez de
absolver, julgue extinta a punibilidade do crime de sua competência. Nesse caso, a orientação
jurisprudencial em vigor é no sentido de que, com a extinção da punibilidade do agente pelo
delito de competência da Justiça Federal, desaparece o interesse da União, devendo haver o
deslocamento da competência para a Justiça Estadual. A não aplicação do princípio da
perpetuatio jurisdictionis na espécie justifica-se no fato de que a competência da Justiça Federal
é constitucionalmente estabelecida, não podendo as regras decorrentes da Lei Maior ser
relativizadas a partir de norma estabelecida em nível infraconstitucional, consubstanciada no art.
81 do CPP. Inclusive, a propósito do tema já decidiu o STJ que “a Justiça Federal, por mais que se
enquadre no conceito de justiça comum, é especial diante da Justiça Estadual. Logo, dado o seu
caráter excepcional, cessada a razão de sua existência, e, não tendo sobrevindo julgamento de
mérito, de rigor é o deslocamento do feito para que seja processado e julgado pelo Juiz natural,
na espécie, a Justiça Estadual”.
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “A
perpetuação da jurisdição permite, havendo reunião de infrações e/ou infratores pela conexão
ou continência, que o juiz prevalente, mesmo que venha a absolver ou desclassificar a infração
que determinou a atração, continue competente para julgar as demais. Ainda que no feito de sua
competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir decisão absolutória ou que desclassifique
a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação
às conexas (art. 81, CPP). De acordo com a Súmula 122, do STJ, compete à Justiça Federal o
processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se
aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal. O teor desse enunciado deve
ser conjugado com o do art. 81, do CPP, para aplicar a regra da perpetuatio jurisdictionis quando
o juiz apreciar o mérito do crime de competência da Justiça Federal, mesmo que prolate sentença
absolutória, permanecendo competente para também julgar os conexos que seria,
originariamente, de competência da Justiça Estadual. No entanto, a absolvição do crime que
atraiu a competência da Justiça Federal, deve se distinguir de outras hipóteses em que o juiz não
aprecia o mérito do delito federal de forma mais aprofundada. Isso significa dizer que, se ao invés
de se tratar de absolvição propriamente dita, o juiz federal declarar a extinção da punibilidade
relativamente ao crime federal por motivos relacionados à abolitio criminis, ao óbito do acusado
e à prescrição da pretensão punitiva, deve remeter o julgamento dos demais crimes à Justiça
estadual, por não mais existir o motivo que autorizava a atração. No procedimento do júri, temos
que fazer a seguinte distinção para o estudo da perpetuação da jurisdição: a) Se ao final da
primeira fase o juiz desclassificar a infração, entendendo que não se trata de crime doloso contra
a vida, remeterá os autos ao juízo competente. A primeira fase funciona como filtro para
identificar quais as infrações que encontram ou não substrato mínimo para julgamento pelo
Conselho de Sentença. Da mesma forma, caso o magistrado impronuncie o réu ou o absolva
sumariamente, havendo infrações conexas, serão remetidas ao juízo competente (parágrafo
único, art. 81, CPP). b) Já na segunda fase, em plenário, se os jurados desclassificam o crime
doloso contra a vida, o julgamento, não só deste, mas também dos crimes conexos, fica afeto ao
juiz presidente do júri. Ora, se o corpo de jurados reconhece que não houve dolo de matar,
desclassificando o delito, estão reconhecendo sua incompetência, competindo o julgamento ao
juiz presidente, que de forma singular apreciará a infração desclassificada e as conexas (art. 492,
§ 1º e § 2º, CPP). Já se os jurados absolverem o réu pelo crime doloso contra a vida, afirmam a
competência, e por isso continuam aptos para apreciar as infrações conexas. No entanto, há uma
ressalva importante que afasta a aplicação do art. 492, §§ 1º e 2º, CPP, impedindo o julgamento
do fato pelo juiz-presidente do júri: caso a desclassificação do crime doloso contra a vida pelos
jurados implique reconhecimento de que se trata de crime militar. Como a Justiça comum não
tem competência para julgar crime militar, o juiz-presidente não poderá apreciar o fato, razão
pela qual deve remeter à Justiça castrense o julgamento do fato. Seria a hipótese dos jurados
concluírem que não se trata de crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil,
fazendo com que o fato retorne ao estado de crime militar, consoante os critérios do art. 9º, do
CPM. Caso a desclassificação ocorra no bojo de processo-crime por tráfico internacional de
drogas, que corre perante a Justiça Federal, pelo fato do juiz, na sentença, constatar que não se
deu o elemento da internacionalidade que se supunha inicialmente, duas posições se formam:
1) a primeira (prevalente), entende possível a incidência do art. 81, do CPP, pelo que o juiz federal
continuaria competente para processar e julgar o delito de tráfico de drogas, ainda que não
comprovada a transnacionalidade, restando prorrogada sua jurisdição (perpetuatio
jurisdictionis); 2) a segunda posição sustenta que o juiz federal, ao reconhecer só o cometimento
de tráfico de entorpecentes interno (tráfico de drogas doméstico), torna-se incompetente
absolutamente para julgá-lo, por ser competência do juiz de direito, não se aplicando a
perpetuatio jurisdictionis. Entendemos que se deve aplicar a perpetuatio jurisdictionis, definindo-
se a competência de acordo com o que se narra no início da demanda, em estado de asserção (in
status assertionis)”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019):
“Ocorrendo a prorrogação da competência pela ocorrência de conexão ou continência, e
verificada a reunião dos processos, a competência do órgão julgador fixar-se-á sobre todos os
processos reunidos, ainda que nos autos do processo que exerceu a vis attractiva venha o juiz ou
tribunal a proferir sentença absolutória, ou desclassifique a infração para outra que não se inclua
na sua competência (art. 81, caput, do Código de Processo Penal). Ocorre, nesse caso, a
perpetuação da competência do órgão do foro prevalente. A regra, entretanto, encontra exceção
no que diz respeito aos crimes submetidos à competência do Tribunal do Júri: a) Decisão de
pronúncia. Nos termos do art. 81, parágrafo único, do Código de Processo Penal, se a
desclassificação, que exclua a competência do Tribunal do Júri, ou absolvição ocorrerem no
momento da prolação da decisão de pronúncia, cessa a competência daquele órgão, devendo o
processo ser remetido ao juízo competente. [...] b) Absolvição pelo Conselho de Sentença. Caso
a absolvição quanto ao crime doloso contra a vida decorra das respostas dos jurados aos quesitos
propostos, aplica-se a regra geral do art. 81, caput, cumprindo ao Conselho de Sentença a
apreciação dos crimes conexos ou continentes. Subsistem, assim, os efeitos da prorrogação da
competência. c) Desclassificação pelo Conselho de Sentença. Se o Conselho de Sentença, em vez
de absolver o réu, desclassifica o crime doloso contra a vida para outro que escapa à competência
do Tribunal do Júri (ex.: lesão corporal), caberá ao juiz presidente proferir sentença, aplicando-
se, se se tratar de infração de menor potencial ofensivo, os arts. 69 e seguintes da Lei n. 9.099/95
(art. 492, § 1º). Em relação a crime conexo não doloso contra a vida, competirá ao presidente
julgá-lo, incidindo, também, se a infração for de menor potencial ofensivo, os referidos artigos
da Lei n. 9.099/95 (art. 492, § 2º). Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se
no sentido de que, sendo arquivado o delito de competência para a Justiça Federal, passa-se a
ser competente a Justiça Estadual já que não mais subsiste a alegada conexão invocada pelo Juízo
suscitado (STJ, 3ª Seção, CC 118.815/MS, Min. Rel. Alderina Ramos de Oliveira, (Des. Convocada
do TJ/PE), j. 22.5.2013)”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), acerca da
perpetuatio jurisdictionis e a criação de nova Vara, pontua: “Outra situação interessante é a da
criação de nova Vara, quando o processo já se encontra em andamento no juízo existente, o qual
era, até então, competente. Nesse caso, a não ser que o juízo anterior se torne absolutamente
incompetente em razão da matéria ou prerrogativa de função, a competência não se desloca,
perpetuando-se a competência inicialmente fixada. Assim já decidiu o Superior Tribunal de
Justiça: ‘Proposta a ação penal, ainda quando não instalada a vara federal no interior do Estado,
firma-se a competência do Juiz processante, ante a combinação dos arts. 3º do CPP e 87 do CPC
[de 1973; correspondente ao art. 43, CPC/2015]’ (STJ, 5ª T., RHC 4.796/SP, DJU, 20 nov. 1995, p.
39611). A determinação da competência ocorre no momento em que a ação é proposta, sendo
irrelevantes posteriores modificações do estado de fato ou de direito, salvo quando suprimirem
o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria (se o crime fosse de
competência da justiça comum e passasse à justiça federal, hipótese bem diferente da acima
mencionada, haveria o deslocamento de juízo)”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), também
a respeito da situação de criação de nova Vara, pondera sobre as diversas situações que podem
ocorrer e suas consequências: “É possível que, mesmo iniciado o processo, seja instituída nova
vara criminal na comarca, restando a seguinte dúvida: os processos que versem sobre crimes que
passam a ser de competência da nova vara, devem ou não ser remetidos ao novel órgão
jurisdicional? Tanto na doutrina quanto na jurisprudência, tem-se admitido a aplicação, por força
da analogia, do art. 87 do CPC, de forma que a competência é determinada no momento da
propositura da ação (oferta da denúncia ou da queixa-crime), sendo irrelevantes as modificações
do estado de fato ou de direito ocorridas em momento posterior, salvo nas seguintes hipóteses:
a) Supressão de órgão jurisdicional: foi o que ocorreu com os Tribunais de Alçada, com o advento
da EC nº 45/04. b) Alteração da competência em razão da matéria. Perceba que havendo
alteração da competência de natureza absoluta, qualquer que seja ela, a remessa deve ocorrer.
Tratando-se de competência relativa (territorial), a matéria é resolvida, de regra, pela lei de
organização judiciária. No seu silêncio, não deve haver a remessa. c) Criação de nova vara com
idêntica competência e no mesmo espaço territorial da vara originariamente competente:
trata-se de necessidade de divisão de tarefas, não se aplicando a perpetuatio jurisdictionis. Em
outras palavras, se em comarca de vara única, com excessivo volume de processos, são criadas
mais duas varas com igual competência criminal, haverá redistribuição do acervo, eis que não
seria razoável o desequilíbrio de trabalho entre os referidos órgãos. d) Criação de nova vara
federal com jurisdição sobre o município onde ocorreu a infração penal e que não era
contemplado com vara federal à época do crime: não há incompetência superveniente do juízo
em que se iniciou a ação penal, incidindo a perpetuatio jurisdictionis, isto é, a criação de vara
federal no local em que ocorrida a infração não implica a incompetência superveniente do juízo
a que, até então, competia processar e julgar o processo. Questão tormentosa é aquela inerente
à delegação de competência federal ao juízo estadual do local da consumação do crime. É o que
ocorria com a antiga Lei de Tóxicos (Lei nº 10.409/02), que permitia o julgamento do tráfico
internacional de drogas perante o juízo estadual da comarca em que ocorreu a consumação do
fato. Já a Lei nº 11.343/06 (nova Lei de Tóxicos), dá tratamento diverso à matéria, dispondo que
a competência será da vara federal da circunscrição respectiva. Pergunta-se: os processos
iniciados na esfera estadual, quando da vigência da antiga lei, devem ser remetidos à esfera
federal, em face da nova previsão? Entendemos que não. A ausência, à época da instauração do
processo, de vara específica para julgamento da matéria, permite concluir que o processo foi
iniciado perante o juízo competente, leia-se, aquele já existente, por previsão legal, antes da
ocorrência da infração. Todavia, a matéria está longe de ser pacífica, havendo posições em
contrário tanto na doutrina, como na jurisprudência. e) Alteração da competência em razão da
hierarquia. É o que ocorre quando pessoas comuns passam a desfrutar de foro privilegiado,
implicando remessa dos autos ao tribunal, sendo que os atos anteriormente praticados em
primeiro grau serão reputados válidos (tempus regit actum)”.
Jurisprudência pertinente
Súmula 704, STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a
atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos
denunciados.
Súmula 122, STJ: Compete a justiça federal o processo e julgamento unificado dos crimes
conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código
de Processo Penal.
[...] A conexão é o liame que se estabelece entre dois ou mais fatos que, desse modo, se tornam
ligados por algum motivo, oportunizando sua reunião no mesmo processo, de modo a permitir
que os fatos sejam julgados por um só juiz, com base no mesmo substrato probatório, evitando
o surgimento de decisões contraditórias. Desse modo, a conexão provoca a reunião de ações
penais num mesmo processo e é causa de modificação da competência (relativa) mediante a
prorrogação de competência. 7. Habeas corpus denegado. (HC 96453, Relator(a): Min. ELLEN
GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/10/2008).
[...] A conexão e a continência entre crime eleitoral e crime da competência da Justiça Federal
não importa unidade de processo e julgamento. (CC 19.478/PR, Rel. Ministro FONTES DE
ALENCAR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2001, DJ 04/02/2002, p. 278).
[...] A jurisprudência desta Corte Superior consolidou entendimento no sentido de que "O art.
80 do Código de Processo Penal confere ao juiz a faculdade de determinar a separação dos
processos - reunidos por força de conexão de crimes -, atendendo a razões de mera
conveniência judicial" (RHC 34.440/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
DJe 6/12/2016). [...] (HC 351.231/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado
em 01/03/2018, DJe 07/03/2018).
Todavia, a lei não foi pragmática ao estabelecer a ordem dos critérios definidores da competência. Não há
um padrão para isso e cada autor faz a sua recomendação no que diz respeito à fixação da competência.
Trazemos algumas de renomados autores:
NORBERTO AVENA:
Ordem do processo de verificação da competência e síntese das etapas. Não existe um critério
obrigatório a ser observado na fixação da competência do juízo. Entretanto, há caminhos que
permitem essa definição com menor possibilidade de erro e, além disso, agilizam a verificação.
Por muito tempo, compreendemos adequado iniciar o exame do juízo competente a partir das
regras de competência ratione materiae. No entanto, em face das diversas alterações ocorridas
na jurisprudência nacional nos últimos tempos, algumas, inclusive, decorrentes do julgamento
da Ação Penal 470/MG (referente ao caso conhecido como mensalão), repensamos o tema e
passamos a defender a obediência à seguinte ordem:
2. A etapa seguinte deverá ser a análise das regras de competência ratione materiae,
estabelecendo-se, então, a Justiça competente dentre as quatro existentes no Brasil: Justiça
Especial Militar, Justiça Especial Eleitoral, Justiça Comum Federal e Justiça Comum Estadual.
3. No momento seguinte, a partir da análise das normas de competência ratione loci, define-se
o foro competente, que poderá ser o Conselho de Justiça, na esfera da Justiça Militar; a Zona, no
caso da Justiça Eleitoral; a Seção/Subseção Judiciária, na esfera da Justiça Federal e a Comarca
na órbita da Justiça Estadual.
Se, com a utilização dessas regras, ainda assim restar indefinido o Juízo Competente, passa-se à
utilização dos demais critérios, quais sejam:
1. Domicílio do réu, na hipótese de não ser conhecido o local do fato ou, mesmo conhecido este
local, tratar-se-á de crime de ação penal privada. Neste último caso, o querelante poderá optar
entre mover a ação penal no foro do lugar da infração ou do domicílio do réu.
RENATO BRASILEIRO:
Ao se buscar o juízo competente para processar e julgar determinada infração penal, devemos
passar por várias etapas sucessivas, concretizando-se gradativamente o poder de julgar,
passando do geral para o particular, do abstrato ao concreto. Supondo, assim, que uma infração
penal seja praticada na comarca "X", devemos nos perguntar, inicialmente, se a infração penal é
da competência da Justiça brasileira. Posteriormente, a partir da análise da natureza da infração
penal, busca-se definir a Justiça competente para processar e julgar o delito. Firmada a
competência de Justiça, devemo-nos perquirir se o acusado é titular de foro por prerrogativa de
função. Depois, caso o acusado não faça jus ao julgamento perante um órgão superior, observa-
se a competência territorial (ou de foro). Por fim, chegamos à competência de juízo,
determinando-se a vara, câmara ou turma competente. Esse caminho que se percorre quando
da fixação da competência pode assim ser sintetizado, parando-se na fase em que a competência
estiver determinada ou prosseguindo-se até que seja devidamente fixada:
3) Competência de foro ou territorial: qual o foro competente para processar e julgar a infração
penal? Qual a comarca (Justiça Estadual), Seção e Subseção Judiciárias (Justiça Federal),
Circunscrição Judiciária Militar (Justiça Militar da União) ou Zona eleitoral (Justiça Eleitoral)
competente?
4) Competência de juízo: qual o juízo competente para processar e julgar a infração penal? Cabe
aqui a análise acerca da possível existência de vara especializada para o julgamento do delito, tal
como ocorre em relação a drogas, acidentes de trânsito, lavagem de capitais e crimes contra o
sistema financeiro, etc.
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RESUMO
Jurisdição: manifestação de soberania e monopólio do Estado, que traduz a função (poder-dever de julgar)
de aplicar o direito objetivo ao caso concreto. Etimologia: ação de ‘dizer o direito’.
1 - JURISDIÇÃO
Jurisdição
inevitabiliade
improrrogabilida
Quanto à matéria: penal, civil, eleitoral etc.;
de
Quanto ao objeto: contenciosa ou voluntária; investidura
Absoluta: não pode ser flexibilizada; não admite prorrogação; ditada por critérios de ordem pública; vício
decorrente não se convalida, podendo ser alegado a qualquer tempo; causa de nulidade absoluta; pode/deve
ser reconhecida de ofício pelo juiz. Ex.: competência em razão da matéria, da pessoa (prerrogativa de função)
e funcional.
Relativa: admite prorrogação; pode ser relativizada; voltada mais aos interesses das partes; vício se convalida
se não alegado em momento oportuno; causa de nulidade relativa; pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.
Ex.: competência em razão do valor e do território (eleição de foro).
Regra de competência criada com base no interesse Regra de competência criada com base no interesse
público. preponderante das partes.
A regra de competência absoluta não pode ser
A regra de competência relativa pode ser
modificada, ou seja, cuida-se de competência
modificada, ou seja, cuida-se de competência
improrrogável ou imodificável. Nesse sentido: art.
prorrogável ou derrogável.
62 do novo CPC.
Incompetência absoluta é causa de nulidade
Incompetência relativa é causa de, no máximo,
absoluta: a) pode ser arguida a qualquer momento,
nulidade relativa: a) deve ser arguida no momento
mesmo após o trânsito em julgado (após a formação
oportuno (resposta à acusação – CPP, art. 396-A),
da coisa julgada somente pode ser arguida em favor
sob pena de preclusão; b) o prejuízo deve ser
do acusado, por meio de revisão criminal ou habeas
comprovado.
corpus); b) o prejuízo é presumido.
Pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado,
Pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado, porém somente até o início da instrução processual,
enquanto não esgotada sua jurisdição pela prolação em virtude da adoção do princípio da identidade
da sentença. física do juiz (CPP, art. 399, § 2º). Não se aplica ao
processo penal a súmula nº 33 do STJ.
Pode ser arguida por meio de exceção de Pode ser arguida por meio de exceção de
incompetência. Porém, como o magistrado pode incompetência. Porém, como o magistrado pode
conhecê-la de ofício, nada impede que a parte conhecê-la de ofício, nada impede que a parte
aborde a incompetência absoluta de outra forma. aborde a incompetência relativa de outra forma.
Como a competência relativa admite modificações,
Se a competência absoluta não admite
a conexão e a continência podem funcionar como
modificações, a conexão e a continência, que são
critérios modificativos da competência, tornando
causas modificativas da competência, não podem
competente para o caso concreto juiz que não o
alterar uma regra de competência absoluta.
seria sem elas. Nesse sentido: art. 54 do novo CPC.
Exemplos: ratione loci, competência por
Exemplos: ratione materiae, ratione funcionae e
distribuição, competência por prevenção (súmula
competência funcional.
nº 706 do STF), conexão e continência.
3 - CLASSIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Ratione loci: competência de foro; leva em conta o lugar onde ocorreu a infração penal ou, supletivamente,
o de residência do réu.
Ratione personae ou ratione funcionae: foro por prerrogativa de função, de acordo com a função
desempenhada pela pessoa, o cargo por ela ocupado.
4 - COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Regra geral: lugar do crime; facilidade de prova; proximidade com os elementos do delito; regra baseada na
teoria do resultado.
Crimes tentados: no caso de crimes tentados, será competente o foro em que foi realizado o último ato de
execução.
Crimes à distância: art. 6º Código Penal; teoria da ubiquidade - que estaria reservada para as situações em
que um crime se iniciou no estrangeiro e se findou no Brasil ou vice-versa.
Crimes cometidos fora do território nacional (extraterritorialidade): agente residia no Brasil antes do
cometimento – Justiça Estadual da Capital do Estado onde por último teve fixada sua residência; agente
jamais residiu no Brasil – havendo interesse na aplicação da lei brasileira ao delito cometido no exterior
(hipóteses do art. 7.º do CP), competente será a Justiça Estadual do foro da Capital da República.
Domicílio ou residência do réu como foro supletivo: art. 72, CPP. Não sendo conhecido o lugar da infração,
a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu. Domicílio, na acepção jurídica, tem
significação mais estrita. Indica o centro ou sede de atividades de uma pessoa, o lugar em que mantém o seu
estabelecimento ou fixa a sua residência com ânimo definitivo – gera uma situação de direito. Residência
representa situação meramente de fato e traduz o local onde a pessoa vive, sem o caráter da definitividade
ou de centro de atividades. Critério principal é o domicílio e, falhando este, como subsidiário, o da residência.
Justiça Eleitoral: art. 121, CF - Lei complementar disporá sobre Ratione Materiae Justiça
a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito Federal
e das juntas eleitorais. Código Eleitoral (recepcionado pela CF Justiça
como lei complementar) traz os principais tipos penais Estadual
eleitorais, mas nem todos. Art. 35, II – compete aos juízes: Justiça do
processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe Trabalho
forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal
Superior e dos Tribunais Regionais.
Justiça do Trabalho: Cuida-se de uma competência em matéria criminal muito restrita e pontual; não para
julgar crimes de um modo geral, mas sim para apreciar ação autônoma defensiva que questiona ato coator
que envolva matéria trabalhista – “habeas corpus [...], quando o ato questionado envolver matéria sujeita à
sua jurisdição” (CF, art. 144, IV).
Justiça Militar: Federal ou Estadual – Art. 124, CF. - À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes
militares definidos em lei. Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a
competência da Justiça Militar. § 4º do art. 125, CF. - Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar
os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir
sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Crime militar: são aqueles que
se enquadram nas disposições/situações do art. 9º do Código Penal Militar que, recentemente, sofreu
alteração.
Justiça Federal: A competência da Justiça Federal está definida no art. 109 da Constituição Federal, em
resumo: crimes políticos; infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União
ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro;
causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º; crimes contra a organização do trabalho e, nos
casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; os habeas corpus,
em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não
estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves,
ressalvada a competência da Justiça Militar; os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro.
Justiça Estadual: faz parte da Justiça Comum, cuja competência não é estabelecida em relação a matérias
específicas (como ocorre com a Militar e a Eleitoral), mas sim de forma residual ou subsidiária. Na falta de
previsão normativa de qual seria o órgão jurisdicional encarregado de processar e julgar determinado crime,
a competência ficará para a Justiça Estadual.
Competência para crimes de responsabilidade: “corresponde à atividade jurisdicional exercida por órgãos
políticos, alheios ao Poder Judiciário, apresentando como objetivo precípuo o afastamento do agente público
que comete crimes de responsabilidade de suas funções” (Lima, 2021).
Foro por prerrogativa de função e STF: o atual entendimento do STF (já adotado pelo STJ) acerca da matéria
é de que o foro por prerrogativa de função apenas incidirá nos crimes cometidos durante o cargo ou mandato
eletivo e em razão deles, conforme AP 937/RJ. Também restou decidido que o despacho para intimação das
partes para apresentação de alegações finais orais representa marco a partir do qual a competência não mais
será alterada, mesmo que a autoridade deixe o cargo que lhe conferia foro especial.
Investigação policial e indiciamento: em Questão de Ordem suscitada no Inq. 2.411, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal passou a entender que, tratando-se de investigado titular de foro por prerrogativa de
função, a autoridade policial não pode proceder ao indiciamento sem prévia autorização do Ministro-Relator,
sendo que esta autorização também é necessária para a própria instauração do inquérito originário.
Duplo grau de jurisdição: tem-se como juízo a quo uma instância que, para os casos comuns, costuma ser a
ad quem; ou seja, o processo inicia e é diretamente julgado por órgão que, via de regra, é a instância recursal.
Dessa forma, não há ocasião ou oportunidade para reanálise da matéria fática por órgão diverso daquele
que originariamente competente.
Local da infração: a regra do art. 70 do CPP é menosprezada em razão da prevalência do foro por
prerrogativa. Tratando-se de competência por prerrogativa de função, portanto, pouco importa o local onde
o crime foi cometido, recaindo a competência sobre o Tribunal ao qual se encontrar vinculada a respectiva
autoridade.
Competência por prerrogativa de função x Tribunal do júri: Súmula Vinculante 45. A competência
constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido
exclusivamente pela constituição estadual.
Concurso de agentes: como regra geral, a competência por prerrogativa de função que um réu porventura
detenha se estende aos demais coautores e partícipes, independentemente de ocuparem cargo ou função
que lhes assegure foro especial. Súmula 704. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa
de função de um dos denunciados.
7 - COMPETÊNCIA DE JUÍZO
O art. 74 do CPP estabelece um critério para a fixação do juízo competente, qual seja, a natureza da infração.
A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a
competência privativa do Tribunal do Júri.
Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher: a Lei nº 11.340/2006 (mais conhecida por “Lei
Maria da Penha”), criou mecanismos para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, dentre
outras providências. Além disso, criou os juízos especializados, denominados Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Juízo colegiado em primeiro grau de jurisdição para julgamento de crimes praticados por organização
criminosa: a Lei 12.694/2012 dispõe sobre a formação de colegiados compostos por três juízes em primeiro
grau de jurisdição para o processamento e julgamento de crime praticados por organizações criminosas,
como forma de diluir a responsabilidade dos atos decisórios praticados entre todos os integrantes. Com a
entrada em vigor da Lei 12.850/2013, passou-se a ter uma clara definição legal do que são as organizações
criminosas, conforme disposição do § 1º do art. 1 º, considera-se organização criminosa a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante
a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional.
Juízo da Execução: estabelece o art. 2º da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) acerca do exercício da
jurisdição penal em relação aos processos de execução: Art. 2º. A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da
Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade
desta Lei e do Código de Processo Penal. Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório
e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição
ordinária.
Competência por distribuição: Trata-se de mero critério para repartição, divisão de serviço dentre varas de
mesma competência, utilizando-se da aleatoriedade dos sistemas de distribuição a fim de que não haja
nenhum direcionamento indevido de processos. Art. 75. A precedência da distribuição fixará a competência
quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente.
8 - MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Conexão: “é o nexo, a dependência recíproca que a coisas e os fatos guardam entre si [...] existe quando
duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo que aconselha a junção dos processos,
propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro probatório e, de consequência, melhor
conhecimento dos fatos, de todos os fatos, de molde a poder entregar a prestação jurisdicional com firmeza
e justiça” (Filho, 2011).
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações,
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para
conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III - quando a prova de uma
infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Continência: como o próprio nome está a indicar, uma causa está contida na outra, não sendo devida a cisão.
Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à
causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais. Art. 77. A competência
será determinada pela continência quando: I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código
Penal.
Efeitos da conexão e da continência: Art. 79. CPP. A conexão e a continência importarão unidade de
processo e julgamento. Essa reunião dos casos, com eventual prorrogação de competência, para que sejam
processados e julgados conjuntamente, por um único juízo, é uma consequência natural e adequada às
próprias razões da criação e da existência dos institutos – não é por outro motivo que a legislação concebe
a conexão e a continência, senão para viabilizar o julgamento simultâneo (simultaneus processus).
Juízo prevalente: Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas
as seguintes regras: I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum,
prevalecerá a competência do júri; II - no concurso de jurisdições da mesma categoria; a) preponderará a do
lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave; b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido
o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade; c) firmar-se-á a competência
pela prevenção, nos outros casos; III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a
de maior graduação; IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Separação de processos: Art. 79, I e II, CPP - no concurso entre a jurisdição comum e a militar; no concurso
entre a jurisdição comum e a do juízo de menores. Art. 80, CPP - Será facultativa a separação dos processos
quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando
pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
Caso 1: Iniciada a prática de homicídio em Florianópolis, a morte da vítima ocorreu em Itajaí e a prisão do
acusado em Blumenau.
Caso 2: Delito de menor potencial ofensivo foi praticado em Itajaí e se consumou no Balneário de Camboriú,
não sendo possível a transação penal.
a) o Tribunal do Júri da Comarca de Itajaí (Caso 1) e o juiz singular, segundo a organização judiciária da
Comarca do Balneário de Camboriú (Caso 2);
b) em ambos os casos, segundo a regra de distribuição, o juiz criminal da Comarca de Itajaí;
c) o Tribunal do Júri da Comarca de Florianópolis (Caso 1) e o juiz singular, segundo a organização judiciária
da Comarca de Itajaí (Caso 2);
d) o Tribunal do Júri (Caso 1) e o juiz singular (Caso 2), segundo a organização judiciária da Comarca de Itajaí;
e) em ambos os casos, segundo a regra de prevenção, o juiz criminal da Comarca de Itajaí.
Comentários
A alternativa D é a única correta. Em regra, a competência será determinada pelo lugar em que se consuma
a infração (teoria do resultado). Perceba-se:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. § 1o Se,
iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será
determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. § 2o
Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o
juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu
resultado. § 3o Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando
incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais
jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
Contudo, existem exceções. A jurisprudência dominante tem afastado a aplicação do art. 70 do Código de
Processo Penal para fixar como competente, nos casos de homicídio, o local em que a conduta foi praticada
(e não onde ocorreu o resultado morte), isso para facilitar a colheita da prova. Diz-se que, nesse caso, aplica-
se a teoria do esboço do resultado. A banca concluiu que a adoção da teoria do esboço do resultado (exceção)
não ocorre em qualquer hipótese de homicídio, mas somente naqueles casos em que vier a facilitar a colheita
da prova. Como o enunciado nada dispôs a esse respeito, segue-se a regra.
Quanto aos crimes de menor potencial ofensivo (regidos pela Lei nº 9.099/95) existe regra própria sobre
competência. De acordo com o art. 63, a competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi
praticada a infração penal.
Tomando em conta essas informações, conclui-se que o Tribunal do Júri será competente para o ‘caso 1’
(embora o enunciado não deixe claro que se tratava de homicídio doloso) e o juiz singular para o ‘caso 2’,
ambos da Comarca de Itajaí.
Art. 5º, inciso XXXVIII, CF - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a
lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
2. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/PR – 2017) Acerca da divisão do exercício da jurisdição entre os
diversos órgãos jurisdicionais, assinale a opção correta.
a) a competência será determinada pela conexão, quando duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma
infração;
b) caso desclassifique infração que tenha dado causa à conexão, o juiz continuará competente para julgar os
delitos remanescentes e os corréus, haja vista a regra da perpetuatio jurisdicionis;
c) nos crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da capital da República,
independentemente de o acusado ter residido ou não no Brasil.
d) os domicílios do réu e da vítima são critérios de determinação da competência jurisdicional.
Comentários
A alternativa A está errada. Quando duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração, a
competência será fixada pela continência e não pela conexão. Note-se:
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando: I - duas ou mais pessoas
forem acusadas pela mesma infração; [...]
A assertiva B está correta. Nos casos de conexão, ainda que haja desclassificação da infração que tenha dado
causa a seu reconhecimento, o juiz permanecerá competente para julgar os delitos/corréus remanescentes.
Inteligência do art. 81 do Código de Processo Penal.
Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo
da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que
desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará
competente em relação aos demais processos. Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao
júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou
impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o
processo ao juízo competente.
A alternativa C está incorreta, porque contraria o disposto no art. 88 do Código de Processo Penal. Perceba-
se:
Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo
da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no
Brasil, será competente o juízo da Capital da República.
A assertiva D está errada. O domicílio da vítima não é critério de determinação da competência, embora o
domicílio do réu seja. Veja-se:
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: [...] II - o domicílio ou residência do réu; [...]
Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou
residência do réu. [...] Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir
o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
3. (FCC – Juiz Substituto – TJ/SC – 2015) Após a condenação em primeira instância por um crime de
competência federal, o réu de uma ação penal é diplomado como deputado federal. Posteriormente,
quanto ao julgamento de sua apelação, interposta antes da diplomação, deverá ser julgada:
a) pelo Tribunal Regional Federal, se já estiver devidamente instruída com razões e contrarrazões;
b) normalmente pelo juiz federal da causa, em respeito ao princípio do juiz natural;
c) pelo Supremo Tribunal Federal;
d) pelo Superior Tribunal de Justiça;
e) normalmente pelo Tribunal Regional Federal.
Comentários
A alternativa C seria a única correta na época, atualmente é a E. Operada a diplomação, o deputado federal
teria sua apelação julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Essa era a orientação da jurisprudência à luz do
que dispõe o art. 53, § 1º da Constituição Federal. Todavia, com a tese definida na AP 937 QO, rel. min.
Roberto Barroso, j. em 03-5-2018, o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos
durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Hoje, o réu seria julgado pelo TRF,
considerando que o crime é de competência federal.
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. [...]
4. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2014) Imagine que magistrado integrante do Tribunal Regional
Eleitoral, durante sessão de julgamento e em razão de controvérsia relativa a votos divergentes, atente
dolosamente contra a vida de seu colega. A competência para julgamento é do:
a) Tribunal do Júri;
b) Tribunal de Justiça;
c) Tribunal Regional Eleitoral;
d) Superior Tribunal de Justiça;
e) Tribunal Superior Eleitoral.
Comentários
A assertiva D é a única correta. De acordo com o art. 105, inciso I, alínea ‘a’ da Constituição Federal, compete
ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente membros dos Tribunais Regionais
Eleitorais. Repare-se:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos
crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,
os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou
Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante
tribunais.
5. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2014) De acordo com entendimento sumulado pelo STF, é de
competência da Justiça Federal processar e julgar crimes de tráfico de drogas, desde que haja remessa do
entorpecente para o
a) exterior;
b) exterior, ou entre Estados dentro do país;
c) exterior, ou entre Estados dentro do país, ou entre Municípios;
d) exterior, e desde que seja praticado por associação transnacional.
Comentários
A alternativa A é a única correta. O conhecimento do candidato sobre o teor da Súmula 522 do STF seria
suficiente para responder adequadamente o questionamento. Perceba-se: salvo ocorrência de tráfico para
o exterior, quando, então, a competência será da justiça federal, compete à justiça dos estados o processo e
julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.
6. (TRF3 – Juiz Federal Substituto – TRF3 – 2016) Em virtude de um ofício encaminhado pelo COAF,
noticiando movimentações bancárias suspeitas, um Procurador da República requisitou a instauração de
Inquérito Policial, para apurar a suposta prática de lavagem de dinheiro e de crimes financeiros. A Polícia
Federal instaurou o inquérito, tendo o Delegado determinado, de plano, o indiciamento do investigado.
Desejando questionar a ordem de indiciamento e a própria instauração do inquérito policial, a defesa
decide impetrar habeas corpus, tendo o advogado dúvidas acerca de quem seja a autoridade competente
para apreciar a ação constitucional. Diante desse cenário, assinale a opção correta:
a) A decisão de impetrar habeas corpus é incorreta, pois não há coação ilegal, sequer em tese;
b) A autoridade competente é o juiz de primeira instância;
c) A autoridade competente é o Tribunal Regional Federal;
d) A análise da ordem de indiciamento compete ao juiz de primeira instância e a da instauração do inquérito
policial ao Tribunal Regional Federal.
Comentários
Diante de requisição do Ministério Público, pensamos que a autoridade policial está obrigada a
instaurar o inquérito policial: não que haja hierarquia entre promotores e delegados, mas sim
por força do princípio da obrigatoriedade, que impõe às autoridades o dever de agir diante da
notícia da prática de infração penal. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal.
Volume Único. 5ª ed. JusPodivm. 2017, p. 128).
Nesse caso, a autoridade coatora, em verdade, é o membro do Ministério Público e não o Delegado de
Polícia. A competência para o conhecimento do habeas corpus impetrado contra ato ilegal praticado por
membro do Ministério Público Federal pertence ao Tribunal Regional Federal (inteligência do art. 108, I, ‘a’
c/c art. 128, I, ‘d’, CF). Nesse sentido:
[...] Em se tratando de inquérito policial instaurado por requisição do Ministério Público Federal,
carece de competência o juízo de origem para conceder ordem de habeas corpus, com o fim de
determinar o trancamento do apuratório, uma vez que, em casos tais, o Parquet investe-se na
condição de autoridade coatora, cabendo a este Regional, como consequência, o exame de
eventual ilegalidade decorrente de ato praticado pelo ente ministerial, no esteio da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta Corte. [...] (TRF4 5038939-
10.2013.4.04.7000, 8ª TURMA, Rel. VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado em 18/12/2013)
O indiciamento, por sua vez, é ato privativo da autoridade policial. Eventual constrangimento ilegal dele
decorrente poderá dar ensejo a habeas corpus cuja competência pertence ao juiz de primeiro grau; afinal, o
Delegado de Polícia não tem prerrogativa de foro constitucionalmente prevista.
7. (TRF3 – Juiz Federal Substituto – TRF3 – 2016 – ADAPTADA) Segundo o Supremo Tribunal Federal,
o julgamento dos crimes relacionados à pornografia na internet envolvendo criança ou adolescente
compete:
a) à Vara da Criança e Adolescente, uma vez que o crime está previsto no ECA;
b) à Justiça Federal, pois, dentre outros motivos, presente a internacionalidade;
c) à Justiça Estadual, sempre que as imagens tiverem sido postadas no Brasil;
d) à Justiça Estadual, desde que as imagens tenham sido acessadas no Brasil.
Comentários
A assertiva B é a única correta. Em regra, o simples fato de um crime ser praticado pela internet não atrai a
competência da Justiça Federal. É necessário que, além disso, a infração se enquadre em uma das hipóteses
do art. 109, incisos IV e V da Constituição Federal.
Os crimes relacionados à pornografia infantil na internet são infrações que o Brasil, por tratado internacional,
se comprometeu a reprimir. Isso fica nítido na Convenção sobre Direitos da Criança (Decreto Legislativo
28/90 e Decreto 99710/90).
A transnacionalidade inerente aos crimes praticados por meio da internet, aliada ao disposto no art. 109, V
da Constituição Federal e ao fato de que o Brasil efetivamente se comprometeu a reprimir tais infrações por
tratado internacional, garante a competência da Justiça Federal para a apuração desses delitos.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] V - os crimes previstos em tratado
ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse
ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.
Confira-se a tese firmada sobre o tema 393, no STF: Compete à Justiça Federal processar e julgar
os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico, acessível
transnacionalmente, envolvendo criança ou adolescente, quando praticados por meio da rede
mundial de computadores (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) (RE 628624, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
29/10/2015).
Veja que basta estar ‘acessível’; não há necessidade de que tenha sido ‘acessada’ a imagem ou o conteúdo.
8. (TRF2 – Juiz Federal Substituto – TRF2 – 2014) Analise as proposições e, ao final, responda:
I – É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados em detrimento de bens,
serviços ou interesse de fundações públicas federais.
II - É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados em detrimento de bens
de concessionária de serviços públicos federais.
III - É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a fauna.
a) apenas a assertivas I está correta.
b) apenas as assertivas I e II estão corretas.
c) apenas as assertivas I e III estão corretas.
d) apenas as assertivas II e III estão corretas.
e) todas as assertivas estão corretas.
Comentários
A proposição I está correta. Fundações públicas federais são espécies de autarquias federais, logo, por força
do art. 109, inciso IV da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar crimes praticados
em detrimento de seus bens, serviços ou interesses.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] IV - os crimes políticos e as infrações
penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; [...]
As demais afirmações estão incorretas, porque não encontram respaldo no art. 109 da Constituição Federal.
Crimes praticados contra concessionárias de serviços públicos federais e delitos contra a fauna, via de regra,
serão de competência da Justiça Estadual (residual). A competência somente pertencerá à Justiça Federal se
a infração atingir de forma direta e específica bens, serviços ou interesses da União, autarquias ou empresas
públicas federais. Nesse sentido:
9. (CESPE – Juiz Substituto – TJDFT – 2016) Indivíduo que pratique crime a bordo de aeronave
estrangeira em espaço aéreo brasileiro, será processado e julgado pela justiça:
a) da comarca correspondente ao espaço aéreo em que a aeronave se encontrava no exato momento do
cometimento do crime ou, não sendo possível precisá-la, pela justiça da comarca em cujo território se
verificar o pouso;
b) de seu país de origem, pois, somente se estivesse a bordo de aeronave nacional é que a justiça brasileira
seria competente;
c) da comarca correspondente ao espaço aéreo em que a aeronave se encontrava no exato momento do
cometimento do crime;
d) do estado da Federação onde ele tiver residido por último ou, se ele nunca tiver residido no Brasil, no juízo
da capital da República;
e) da comarca em cujo território ocorrer o pouso ou pela comarca de onde houver partido a aeronave.
Comentários
A assertiva E é a única correta, pois retrata a orientação do art. 90, parte final do Código de Processo Penal.
Note-se:
Art. 90, CPP - Os crimes praticados a bordo de aeronave nacional, dentro do espaço aéreo
correspondente ao território brasileiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de aeronave
estrangeira, dentro do espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão
processados e julgados pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após
o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.
10. (CESPE – Juiz Substituto – TJPB – 2015) Em relação às disposições do CPP sobre
competência, assinale a opção correta.
a) em se tratando de crime permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições, a competência
será firmada pela residência do réu;
b) não há mais hipótese no CPP de competência por distribuição;
c) em se tratando de crimes conexos em que existe corréu acometido por doença mental, a unidade
processual permanece, embora não seja possível prolatar sentença condenatória em seu desfavor;
d) a justiça federal deverá julgar os casos de contravenção praticada em detrimento de bens, serviços ou
interesses da União;
e) caso não se conheça o local da infração e o réu tenha mais de um domicílio, será aplicada a regra da
prevenção para fins de fixação da competência jurisdicional.
Comentários
A alternativa A está errada. Em caso de crime permanente praticado em território de duas ou mais
jurisdições, a competência será firmada pela prevenção.
A assertiva B está incorreta. A distribuição continua sendo critério para definição de competência no
processo penal. Note-se:
A alternativa C está errada, porque contraria o disposto no art. 79, § 1º do Código de Processo Penal. Note-
se:
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: [...] §
1o Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier
o caso previsto no art. 152.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] IV - os crimes políticos e as infrações
penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
Súmula 38, STJ - Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o
processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades.
A assertiva E está correta, porque compatível com o que dispõe o § 1º do art. 72 do Código de Processo
Penal:
Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou
residência do réu. § 1o Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela
prevenção. [...]
11. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMSP – 2016 – ADAPTADA) Situação hipotética: Considere o seguinte
caso hipotético. Uma juíza do Trabalho de uma das Varas da Capital de São Paulo, em ofício endereçado à
Justiça de Campinas, envia uma carta precatória para a execução provisória de um débito laboral. Tão logo
autuada a precatória, o juiz de Campinas, por entender nula a ação trabalhista originária, encaminha ofício
ao Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região (TRT/15), sediado em Campinas, informando que a ordem
da magistrada de São Paulo seria ilegal e que, por isso, não poderia cumprir a determinação. Uma vez
ciente do ofício, e indagada pelo TRT/15, a juíza de São Paulo responde que a ordem era legal. O TRT/15,
por reputar que o magistrado de Campinas cometeu crime contra a honra da magistrada de São Paulo,
determinou que fosse instaurada investigação formal. Uma vez instaurado o inquérito, foi intimada a
suposta ofendida, que representou para que os fatos fossem processados, o que deu ensejo à propositura
de ação penal pelo Ministério Público Estadual de São Paulo.
Assertiva: Tratando-se de crime imputado a magistrada do Trabalho, que detém foro por prerrogativa de
função, foi equivocada a dedução do processo em primeiro grau, sendo a competência originária do Eg.
Tribunal de Justiça de São Paulo. (C/E)
Comentários
A assertiva está incorreta. A competência para julgar crime praticado por juiz do Trabalho pertence ao
Tribunal Regional Federal. O art. 108, inciso I, alínea ‘a’ da Constituição Federal é claro nesse sentido:
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: a) os
juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho,
nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
12. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMSP – 2016 – DESATUALIZADA) Acompanhe o caso fictício. Tício,
prefeito de uma cidade do interior de São Paulo/SP, mantém um relacionamento extraconjugal com
Mévia, policial militar. Por ciúmes, Mévia decide matar a mulher de Tício, Semprônia. Para tanto, ingressou
na casa de Tício e, com uma faca, acerta a vítima no peito. Em defesa de sua mulher, Tício, mediante
disparo de arma de fogo, acerta Mévia, de raspão. Tício é processado perante o Tribunal do Júri por
homicídio tentado simples, além de posse irregular de arma de fogo, na Justiça Comum, sendo, ao final,
absolvido de ambas as imputações, em decisão transitada em julgado; Mévia, por seu turno, foi
processada na Justiça Militar, e condenada em decisão que se tornou definitiva.
A respeito do caso, assinale a alternativa correta.
a) tratando-se de crime comum, correto o julgamento de Tício pelo Tribunal do Júri, visto que a competência
do Tribunal de Justiça para processar e julgar Prefeitos dá-se apenas em crimes de responsabilidade;
b) tratando-se de crime doloso contra a vida praticado por militar, correto o julgamento pela Justiça Militar;
c) o Tribunal do Júri não poderia ter julgado Tício pelo crime de posse irregular de arma de fogo, pois não se
trata de crime doloso praticado contra a vida;
d) Mévia e Tício haveriam de ser julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, haja vista que os
fatos se deram em um mesmo contexto;
e) Tício, por ser Prefeito, haveria de ter sido julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Todavia,
uma vez que a absolvição pelo Tribunal do Júri transitou em julgado, mesmo sendo caso de incompetência
absoluta, a decisão não poderá mais ser revista, sob pena de violação ao princípio da refomatio in pejus.
Comentários
ATENÇÃO! A questão está desatualizada, tendo em vista o atual posicionamento do STF (desde 2018) a
respeito do foro por prerrogativa de função. Assim, independentemente do gabarito oficial, analisemos cada
alternativa em cotejo com essa nova orientação da Suprema Corte.
A alternativa A está errada. A conclusão da assertiva (de que Tício deve ser julgado pelo Tribunal do Júri)
está correta; contudo, parte de premissa equivocada, porquanto o foro por prerrogativa de função previsto
no art. 29, X da CF não se limita aos crimes de responsabilidade, alcançando também os crimes comuns. Para
além disso, relembre-se que, segundo o atual entendimento do STF, o foro por prerrogativa de função aplica-
se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. In
casu, embora tenham sido os crimes praticados durante o mandato de Tício como Prefeito, não possuem
eles qualquer relação com o cargo. Dessa maneira, tratando-se de tentativa de crime doloso contra a vida,
Tício deveria ter sido julgado (e como efetivamente foi) pelo Tribunal do Júri, o qual também será
competente para o julgamento do crime conexo, nos termos do art. 5º, XXXVIII, d da CF e arts. 78, I e 79 do
CPP:
Art. 5º, CF. XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
Art. 78, CPP. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as
seguintes regras:
A assertiva B também está incorreta, porque incompatível com o teor do 125, § 4º da Constituição Federal
e com o art. 9º, § 1º do Código Penal Militar.
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição. [...] § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos
Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal
competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: § 1o Os crimes de que trata este artigo,
quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do
Tribunal do Júri.
A alternativa C está errada. Não há obstáculo ao julgamento do crime conexo ao doloso contra a vida pelo
Tribunal do Júri. Pelo contrário, como já abordado na alternativa A, o art. 78, I c/c art. 79, caput do Código
de Processo Penal recomendam o julgamento de ambas as infrações pelo júri. Note-se:
A assertiva D está incorreta. Em primeiro lugar, nem Tício nem Mévia serão julgados perante o Tribunal de
Justiça, haja vista não se tratar de hipótese para aplicação do foro por prerrogativa de função. Ademais,
hipoteticamente, ainda que Tício fizesse jus ao referido foro, a conexão que existe entre os fatos praticados
por Tício e por Mévia não faz com que a infração por ela praticada seja julgada pelo Tribunal de Justiça (foro
que conheceria dos crimes praticados por Tício, detentor de prerrogativa). Pensar diferente significaria
ignorar a norma constitucional que determina a submissão daqueles que não têm prerrogativa de função ao
Tribunal do Júri, em nítida afronta ao princípio do juiz natural simplesmente por haver conexão (de previsão
infraconstitucional).
A alternativa E era a certa. Todavia, como asseverado no comentário da alternativa A, Tício não deveria ser
julgado pelo Tribunal de Justiça, mas pelo Tribunal do Júri. De qualquer forma, apenas a título de
complementação, cabe registrar que sentença absolutória transitada em julgado, ainda que com vício de
competência absoluta (que, ressalte-se, não é o caso da questão), não poderá ser reformada, sob pena de
afronta ao princípio que veda a reformatio in pejus.
13. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMSP – 2016) Compete ao Juízo da Execução Penal do Estado a
execução da pena imposta a sentenciado pela Justiça Federal, quando recolhido a estabelecimento sujeito
à administração estadual. (C/E)
Comentários
A alternativa A está correta. Ela retrata o teor da Súmula 192 do Superior Tribunal de Justiça: Compete ao
Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal,
Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a administração estadual.
14. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/SE – 2015) Em relação à competência no processo penal, é correto
afirmar:
a) se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de
jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem
com sentença definitiva;
b) nos casos de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública o querelante poderá preferir o foro de
domicílio ou residência do réu ainda quando conhecido o lugar da infração;
c) na determinação da competência por conexão ou continência, preponderará a competência do lugar da
infração à qual for cominada pena mais grave, entendida esta como a que tem pena mínima cominada mais
alta;
d) nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade
de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, apenas no momento do
oferecimento da denúncia, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal;
e) a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece
ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.
Comentários
A assertiva A está correta, porque retrata o teor do art. 82 do Código de Processo Penal. Note-se:
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a
autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros
juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se
dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas
A alternativa B está errada. O querelante não tem a prerrogativa indicada na assertiva nos casos de ação
penal privada subsidiária da pública, mas tão somente em relação aos crimes de ação penal exclusivamente
privada. Note-se:
Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou
da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
A alternativa C também está incorreta. Nos casos de conexão/continência em que a competência for fixada
com base no local da infração mais grave, há se observar não a pena mínima cominada, mas a máxima
abstratamente prevista no tipo. Nesse sentido:
A assertiva D está errada. De acordo com o art. 109, § 5º da Constituição Federal, o incidente de
deslocamento de competência pode ser suscitado em qualquer fase do inquérito ou processo.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] § 5º Nas hipóteses de grave violação
de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer
fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
A alternativa E também está errada. Ela retrata exatamente o teor do art. 84, § 1º do Código de Processo
Penal, que foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 2797.
15. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMS – 2015) De acordo com o artigo 80, do Código de Processo Penal,
nos processos conexos, será facultativa a separação quando:
a) as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou lugar diferentes, ou, quando pelo
excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante,
o juiz reputar conveniente a separação;
b) venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que
não se inclua na sua competência;
c) houver corréu em local incerto ou não sabido ou foragido que não possa ser julgado à revelia, ainda que
representado por defensor constituído e regularmente citado;
d) concorrerem jurisdição comum e do juízo falimentar;
e) em relação a algum corréu, por superveniência de doença mental, nos termos do artigo 152 do Código de
Processo Penal, ainda que indispensável a suspensão do processo para instauração de incidente de
insanidade mental.
Comentários
A alternativa A está correta, porque retrata exatamente a orientação do art. 80 do Código de Processo Penal.
Note-se:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas
em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de
acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz
reputar conveniente a separação.
A assertiva B está errada. No caso constante na alternativa, não há se falar em separação facultativa. Mesmo
que proferida sentença absolutória/desclassificatória, a competência continuará pertencendo, em relação
aos demais processos, ao juiz que a prolatou. Existe previsão legal expressa nesse sentido. Confira-se:
Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo
da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que
desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará
competente em relação aos demais processos.
A alternativa C também está incorreta. O fato de o corréu, citado e representado por defensor constituído,
estar em local incerto ou não sabido não justifica a separação de processos (e não retrata hipótese de
separação facultativa, prevista no art. 80, CPP), devendo ser mantida a unidade processual. A lei não impede
o julgamento. Sobre a matéria:
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: [...] §
2o A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu foragido que não
possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.
A assertiva D está errada. Inexiste previsão legal indicando separação facultativa no caso retratado na
alternativa.
A alternativa E está incorreta, porque retrata hipótese de separação obrigatória. O art. 79, § 1º é claro a
esse respeito:
16. (PUCPR – Juiz Substituto – TJ/PR – 2014 – ADAPTADA) A competência por continência será
determinada quando a prova de uma infração influir na prova de outra infração. (C/E)
Comentários
A alternativa está incorreta, porque retrata a compreensão de conexão probatória e não de continência.
Note-se:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: [...] III - quando a prova de uma infração
ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
17. (PUCPR – Juiz Substituto – TJ/PR – 2014) Analise as assertivas abaixo e escolha a resposta CORRETA.
Considerando as regras sobre a competência estabelecidas no Código de Processo Penal, pode-se afirmar:
I. a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
II. quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar
em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
III. nos crimes à distância, cuja execução foi iniciada no Brasil e o resultado ocorreu em outro país, a
competência será da Capital Federal Brasileira.
IV. nos casos de ação privada exclusiva, o querelante pode preferir o foro de domicílio ou da residência do
réu, mesmo que conhecido o lugar da infração.
a) apenas as alternativas I, II e IV estão corretas;
b) apenas as alternativas I e IV estão corretas;
c) apenas as alternativas I e III estão corretas;
d) apenas as alternativas I, III e IV estão corretas.
Comentários
Todas as afirmações são baseadas em letra da lei. Os itens I, II e IV estão corretos, porque retratam o
conteúdo do art. 70, caput, § 2º e art. 73 do Código de Processo Penal. O item III é o único incorreto, porque
destoa da orientação do § 1º do art. 70 da mesma lei. Note-se:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. § 1o Se,
iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será
determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. § 2o
Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o
juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu
resultado. [...]
Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou
da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
18. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2013) Tratando-se de infração continuada ou permanente,
praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pelo(a):
a) prevenção;
b) lugar da infração;
c) conexão ou continência;
d) distribuição.
Comentários
A assertiva A é a única correta. Mais uma vez a solução da questão deriva de letra de lei. Confira-se o teor
do art. 71 do Código de Processo Penal: tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em
território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
19. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/MT – 2009) Conforme o disposto pelo art. 82 do Código de Processo
Penal se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade
de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já
estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para:
a) efeito de diminuição e separação das penas;
b) o concurso entre as penas do juízo comum e o juízo de menores;
c) excepcionalmente, a hipótese de reconhecimento do crime continuado;
d) o concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum;
e) efeito de soma ou de unificação das penas.
Comentários
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a
autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros
juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se
dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.
20. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2009) No caso de depoimento de testemunha ouvida por meio
de carta precatória, assinale a alternativa correta:
a) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é do Juízo deprecado;
b) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é do Juízo deprecante;
c) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é concorrente, do Juízo deprecante ou
do Juízo deprecado;
d) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é definida pelo interesse do titular da
ação penal.
Comentários
A alternativa A é a única correta. Aplica-se aqui a regra geral. A competência deve ser determinada pelo
local da infração (art. 70, CPP). O crime de falso testemunho se consuma no momento em que prestado o
depoimento falso. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:
delito é consumado, nos termos do art. 70 da Lei Processual Penal. O crime de falso testemunho
consuma-se com o encerramento do depoimento prestado pela testemunha, quando a mesma
profere afirmação falsa, nega ou cala a verdade, razão pela qual, para a sua apuração, sobressai
a competência do Juízo do local onde foi prestado o depoimento, sendo irrelevante o fato de ter
sido realizado por intermédio de carta precatória. Conflito conhecido para se declarar
competente, para o processamento e julgamento do feito, o Juízo de Direito da 3ª Vara de
Registro/SP, o suscitado. (CC 30.309/PR, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
28/11/2001, DJ 11/03/2002, p. 163).
Promotor
21. (MPE/SC - Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) A competência, segundo o Código de Processo
Penal, será determinada pela continência, quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração e, por conexão, entre outros casos, se,
ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas
reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas,
umas contra as outras. (C/E)
Comentários
A assertiva está incorreta. A competência será determinada pela conexão (e não pela continência) quando
a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir da prova da outra. É o
que a doutrina chama de conexão instrumental ou probatória. A respeito do tema:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações,
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; II
- se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para
conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III - quando a prova de uma
infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
22. (MPE/SC - Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) De acordo com o Código de Processo Penal, a
conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo no concurso entre a
jurisdição comum e a militar e no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores. Segundo o
mesmo Estatuto, na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas, entre
outras, as seguintes regras: no concurso de jurisdições da mesma categoria, preponderará a do lugar da
infração, à qual for cominada a pena mais grave; prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior
número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade. (C/E)
Comentários
A assertiva está correta, porque retrata o teor do art. 78, I, a e b e art. 79, I e II, ambos do Código de Processo
Penal.
23. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) A Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal,
dispõe que viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
Já Súmula 705, da mesma corte, estabelece que a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem
a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta. (C/E)
Comentários
A assertiva está errada. Ao contrário do que estabelece o enunciado, a Súmula 704 do STF estabelece que a
atração por continência/conexão do processo do corréu sem prerrogativa de foro não viola as garantias do
juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal.
Súmula 704, STF - Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a
atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos
denunciados.
Súmula 705, STF - A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor,
não impede o conhecimento da apelação por este interposta.
24. (MPE/RS – Promotor de Justiça – MPE/RS– 2014) Uma embarcação nacional de grande calado,
destinada ao comércio internacional, viajava de Itajaí (SC) para o porto de Rio Grande para receber alguns
contêineres e depois rumar para a África do Sul. Contudo, nas proximidades de Rio Grande, o marinheiro
Temístocles, natural de Porto Alegre, se envolveu numa luta corporal contra o colega Guido, acabando por
assassiná-lo. A ação penal deverá ser processada:
a) no Tribunal do Júri da Justiça Estadual de Itajaí;
b) no Tribunal de Júri da Justiça Estadual de Rio Grande;
c) no Tribunal do Júri da Justiça Estadual de Porto Alegre;
d) na Justiça da África do Sul;
e) no Tribunal do Júri da Justiça Federal de Rio Grande.
Comentários
A alternativa E é a única correta. O crime foi praticado a bordo de navio. Por força do art. 109, inciso IX da
Constituição Federal, a competência para apuração do feito, portanto, pertencerá à Justiça Federal. O
enunciado indica que a vítima foi assassinada; por esse motivo, cabe ao Tribunal do Júri a apreciação do caso
(art. 5º, XXXVIII, CF e art. 74, § 1º, CPP). Finalmente, quanto à competência de foro, o art. 89 do Código de
Processo Penal esclarece que os crimes cometidos em qualquer embarcação (nas águas territoriais da
República) ou em embarcações nacionais (em alto-mar) deverão ser julgados pela justiça do primeiro porto
brasileiro em que tocar a embarcação. Esse conjunto de informações dá conta de que o Tribunal do Júri da
Justiça Federal de Rio Grande será o juízo competente para o processamento do feito no caso indicado no
enunciado.
Art. 5º, XXXVIII, CF - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: [...] d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar. [...] IX - os crimes cometidos a bordo de
navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar.
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização
judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. § 1º Compete ao Tribunal do Júri o
julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125,
126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
Art. 89. Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou
nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, serão
processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após
o crime, ou, quando se afastar do País, pela do último em que houver tocado.
25. (MPE/PR – Promotor de Justiça – MPE/PR – 2014) Se BRAVIUS entra num bar e, com intenção de
lesionar, desfere dois tiros de revólver na direção da perna de SERENUS, acerta um dos disparos que
produz lesão grave, mas o outro, por erro de pontaria, vem a produzir lesão, também de natureza grave,
em ASTÚRIAS, dono da bodega, o julgamento de ambos os fatos deve ocorrer, num mesmo processo, em
razão da:
a) Conexão objetiva ou material;
b) Conexão subjetiva por simultaneidade;
c) Continência por cumulação objetiva;
d) Conexão subjetiva por concurso;
e) Continência subjetiva.
Comentários
A alternativa C é a única correta. O enunciado retrata caso de erro na execução (aberratio ictus) e isso
determina o julgamento de ambas as infrações em um mesmo processo (art. 77, II c/c art. 79, CPP). Esse é
um dos casos que configura, segundo a doutrina, a continência por cumulação objetiva. Note-se:
Continência por cumulação objetiva: prevista no art. 77, inciso II, do CPP, ocorre nas hipóteses
de concurso formal de crimes (CP, art. 70), aberratio ictus ou erro na execução (CP, art. 73,
segunda parte), e aberratio de!icti ou resultado diverso do pretendido (CP, art. 74, segunda
parte). O concurso formal consiste na prática de uma única ação ou omissão pelo agente,
provocando a realização de dois ou mais crimes. O art. 73, segunda parte, do CP determina a
aplicação da regra do concurso formal quando o agente, por acidente ou erro no uso dos meios
de execução, além de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa. De sua
parte, o art. 74, segunda parte, do CP, também prevê a aplicação do concurso formal, quando o
agente, por erro na execução atinge não somente o resultado desejado, mas ainda outro, além
de sua expectativa inicial (ex: visando atingir uma vitrine de uma loja com uma pedra, o agente
acaba também acertando um vendedor do estabelecimento comercial). Perceba-se que, nas
hipóteses de crime continuado, a competência não será determinada pela conexão, nem
tampouco pela continência, mas sim pela prevenção, nos exatos termos do art. 71 do CPP (LIMA,
Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume Único. 5ª ed. JusPodivm. 2017, p.
566/7).
O caso hipotético não se amolda a nenhuma das espécies de conexão/continência indicadas nas demais
alternativas. Perceba-se:
Conexão objetiva/material é aquela que ocorre quando um crime é praticado para facilitar a
execução de outro (art. 76, II, CPP), o que não ocorre. A conexão subjetiva por simultaneidade se
verifica quando dois ou mais crimes tiverem sido praticados ao mesmo tempo por diversas
pessoas ocasionalmente reunidas, nas mesmas circunstâncias de local e tempo (art. 76, I,
primeira parte, CPP), que não é o caso. A conexão subjetiva por concurso, por sua vez, ocorre
quando duas ou mais infrações tiverem sido cometidas por várias pessoas em concurso, ainda
que em tempo e local diversos (art. 76, I, segunda parte, CPP), o que não se verifica. A continência
subjetiva, a seu turno, é aquela que se configura quando duas ou mais pessoas são acusadas por
um mesmo crime (art. 77, I, CPP), o que não se constata.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais
infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por
várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas
contra as outras; II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar
as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III - quando
a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de
outra infração. Art. 77. A competência será determinada pela continência quando: I - duas ou
mais pessoas forem acusadas pela mesma infração; II - no caso de infração cometida nas
condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.
Defensor
26. (CESPE – Defensor Público Federal – DPU – 2017) Auditoria do TCU indicou que o prefeito do
município X desviou, para benefício próprio, valores oriundos da União ainda sujeitos a prestação de
contas perante órgão federal. Nessa situação, conforme o entendimento do STF, a competência para
julgamento do prefeito será do tribunal de justiça do respectivo estado por expressa previsão
constitucional. (C/E)
Comentários
A assertiva está incorreta, porque não expressa a orientação das Súmulas 208 do STJ e 702 do STF.
Súmula 208, STJ - Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba
sujeita a prestação de contas perante órgão federal.
Súmula 702, STF - A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de
competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo
tribunal de segundo grau.
27. (FCC – Defensor Público – DPE/BA – 2016) De acordo com norma expressa do Código de Processo
Penal, são fatores que determinam a competência jurisdicional:
a) O local da residência da vítima e a natureza da infração;
b) A prevenção e o local da prisão;
c) A prerrogativa de função e o domicílio ou residência do réu;
d) O local da investigação e a conexão ou continência;
e) O local da prisão e o local da infração.
Comentários
A alternativa C é a única correta, porque, ao contrário das demais, retrata critérios de competência previstos
no art. 69 do Código de Processo Penal. Note-se:
28. (UFMT – Defensor Público – DPE/MT – 2016) Concomitantemente, diversas pessoas saquearam um
estabelecimento comercial sem se conhecerem umas às outras. Cuida-se na espécie de
a) continência de ações, em razão do concurso de pessoas;
b) conexão intersubjetiva por reciprocidade;
Comentários
A alternativa A está incorreta, porque não houve concurso de pessoas (inexistia qualquer vínculo jurídico
entre os saqueadores). Cada um dos saqueadores teria praticado um furto e não todos o mesmo furto.
Consequentemente, não se está diante da figura da continência subjetiva. Perceba-se:
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando: I - duas ou mais pessoas
forem acusadas pela mesma infração; [...]
A alternativa B também está errada, pois não foram cometidas duas ou mais infrações por diversas pessoas
umas contra as outras (art. 76, I, parte final, CPP). Note-se:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações,
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
[...]
As assertivas C e E estão incorretas. Inexiste conexão objetiva no caso, porque crime algum foi praticado
para facilitar a execução (teleológica), garantir a impunidade ou mesmo a vantagem de outro
(consequencial). Confira-se (art. 76, II, CPP):
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: [...] II - se, no mesmo caso, houverem
sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou
vantagem em relação a qualquer delas; [...]
A alternativa D está correta. O enunciado retrata o caso de conexão intersubjetiva por simultaneidade ou
ocasional. Essa espécie de conexão se verifica quando duas ou mais infrações são praticadas, ao mesmo
tempo, por diversas pessoas ocasionalmente reunidas, em circunstâncias de tempo e local comuns (art. 76,
I, primeira parte, CPP).
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações,
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras.
[...]
Procurador
29. (PGR – Procurador da República – PGR – 2012) Conforme a jurisprudência prevalente no STJ,
assinale a alternativa falsa:
Comentários
A alternativa A está correta e, por isso, deveria ser assinalada. As demais assertivas retratam
entendimentos sumulados pelo STJ. Perceba-se:
Súmula 224, STJ - Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da
competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito.
Súmula 235, STJ - A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.
Súmula 273, STJ - Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação
da data da audiência no juízo deprecado.
Delegado de Polícia
30. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/MT – 2017) Em determinado estado da Federação, um juiz de
direito estadual, um promotor de justiça estadual e um procurador do estado cometeram, em momentos
distintos, crimes comuns dolosos contra a vida. Não há conexão entre esses crimes. Sabe-se que a
Constituição do referido estado prevê que crimes comuns praticados por essas autoridades sejam
processados e julgados pelo respectivo tribunal de justiça.
Nessa situação hipotética, segundo o entendimento do STF, será do tribunal do júri a competência para
processar e julgar somente o:
a) promotor de justiça;
b) juiz de direito;
c) procurador do estado e o promotor de justiça;
d) promotor de justiça e o juiz de direito;
e) procurador do estado.
Comentários
Art. 96. Compete privativamente: [...] III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do
Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns
e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. [...]
Confira-se o teor da Súmula Vinculante 45: a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre
o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.
31. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/GO – 2017) Cláudio, maior e capaz, residente e domiciliado em
Goiânia – GO, praticou determinado crime, para o qual é prevista ação penal privada, em Anápolis – GO.
A vítima do crime, Artur, maior e capaz, é residente e domiciliada em Mineiros – GO.
Nessa situação hipotética, considerando-se o disposto no Código de Processo Penal, o foro competente para
processar e julgar eventual ação privada proposta por Artur contra Cláudio será:
a) Anápolis – GO ou Goiânia – GO;
b) Goiânia – GO ou Mineiros – GO;
c) Goiânia – GO, exclusivamente;
d) Anápolis – GO, exclusivamente;
e) Mineiros – GO, exclusivamente.
Comentários
A alternativa A é a única correta. De acordo com o art. 73 do Código de Processo Penal, nos casos de ação
penal exclusivamente privada, o querelante poderá optar pelo foro do domicílio ou da residência do réu,
ainda quando conhecido o lugar da infração. O fato de o querelante poder optar pelo foro de domicílio do
réu não afasta a regra geral (art. 70, CPP), que é o foro do local da infração. Consequentemente, a ação
poderá ser proposta tanto em Anápolis quanto em Goiânia.
32. (VUNESP – Delegado de Polícia – PC/CE – 2015) A competência para a ação penal, caso:
a) desconhecido o domicílio do ofendido, será estabelecida pelo local da infração;
b) desconhecido o local da infração, será estabelecida pela residência ou domicílio do réu;
c) desconhecido o domicílio do réu, será estabelecida pela prevenção;
d) se trate de ação privada, ficará a cargo do querelante, que pode escolher entre o local da infração e o da
sua própria residência;
e) se trate de crime tentado, será fixada no lugar onde deveria ter se consumado a infração.
Comentários
A alternativa B está correta, porque retrata o teor do art. 72 do Código de Processo Penal: não sendo
conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.
A alternativa C está errada. A prevenção é regra subsidiária de competência. Não basta que seja
desconhecido o domicílio do réu para que ela seja estabelecida pela prevenção. É preciso que o local da
infração também seja desconhecido.
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Art. 72. Não
sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do
réu.
A assertiva D está incorreta. O domicílio do ofendido não é regra de fixação de competência. Nos casos de
ação exclusivamente privada, poderá o querelante escolher entre o local da infração e o foro do domicílio
ou residência do querelado (e não o de sua própria residência).
Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio
ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
A assertiva E também está errada. No caso de crime tentado, a competência será fixada pelo lugar em que
for praticado o último ato de execução (art. 70, CPP) e não pelo local onde a infração deveria ter se
consumado.
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
33. (VUNESP – Delegado de Polícia – PC/CE – 2015) Nos termos do art. 109, § 5º da Constituição da
República de 1988, o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal é cabível nas
hipóteses de grave violação de direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte. Pode
ser suscitado pelo___________ junto ao___________.
Preenchem, correta e respectivamente, as lacunas:
a) Procurador-Geral de Justiça de qualquer Estado ... STF;
b) Procurador-Geral da República ou Procurador-Geral de Justiça de qualquer Estado ... STF;
c) Órgão Especial de Tribunal de Justiça ... STF;
d) Procurador-Geral da República ... STJ;
e) Presidente de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal ... STJ;
Comentários
A alternativa D é a única correta, porque retrata o conteúdo do art. 109, § 5º da Constituição Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] § 5º Nas hipóteses de grave violação
de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer
fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
[...]
34. (Fundação Aroeira – Delegado de Polícia – PC/TO – 2014) Os irmãos A. R., B. R. e C. R, residentes e
domiciliados em Palmas, praticam um roubo em Palmas, três furtos em Porto Nacional, um latrocínio em
Miracema do Tocantins e mais dois furtos em Miranorte, onde, finalmente, são presos. Na hipótese, a
competência será determinada pela:
a) residência dos acusados, prevalecendo a competência de Palmas;
b) continência, prevalecendo a competência de Porto Nacional;
c) conexão, prevalecendo a competência de Miracema do Tocantins;
d) prevenção, prevalecendo a competência de Miranorte.
Comentários
A assertiva C é a única correta. A situação descrita no enunciado se amolda ao teor do art. 76, inciso I do
Código de Processo Penal. A competência, portanto, deve ser determinada pela conexão.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações,
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
[...]
O art. 78 do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as regras a serem seguidas na
determinação da competência nesses casos.
Dentre os crimes praticados pelos três irmãos, nenhum se submete ao Tribunal do Júri. Não há se falar,
portanto, em aplicação do inciso I do referido dispositivo legal para solução do impasse.
No caso do enunciado, a competência deve ser estabelecida com base na alínea “a” do inciso II do art. 78 do
Código de Processo Penal; ou seja, pertencerá ao local da infração à qual for cominada a pena mais grave.
Dentre os crimes praticados por A.R., B.R. e C.R., a infração mais grave é o crime de latrocínio. Por esse
motivo, a competência pertence à Comarca de Miracema do Tocantins.
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena - reclusão, de um a quatro
anos, e multa.
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência. Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos,
além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
35. (ACAFE – Delegado de Polícia – TJ/SP – 2014) De acordo com o Código de Processo Penal analise as
afirmações a seguir e assinale a alternativa correta.
I. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
II. Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será
determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
III. Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do
lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
IV. Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição, por ter
sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á
pela prevenção.
a) apenas I, II e III estão corretas;
b) apenas II, III e IV estão corretas;
c) apenas II e IV estão corretas;
d) todas as afirmações estão corretas;
e) todas as afirmações estão incorretas.
Comentários
Todas as afirmações estão corretas; afinal, retratam o conteúdo do art. 70, caput e seus parágrafos do
Código de Processo Penal. Note-se:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração,
ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. § 1o Se,
iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será
determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. § 2o
Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o
juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu
resultado. § 3o Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando
incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais
jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
36. (CESPE – Delegado Federal – DPF – 2013) Em se tratando de ações penais privadas, prevalece, no
processo penal, a competência de foro, com preponderância do interesse do queixoso no que diz respeito
à distribuição territorial da competência. (C/E)
Comentários
Embora o art. 73 do Código de Processo Penal garanta ao querelante a opção de escolher entre o foro do
lugar da infração e o foro do domicílio/residência do réu, a banca examinadora considerou a assertiva
incorreta. Confira-se adiante o teor do supramencionado dispositivo legal e a justificativa apresentada pela
banca:
Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou
da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
A distribuição do exercício da função jurisdicional entre órgãos diversos atende, às vezes, ao interesse
público e, outras, ao interesse das partes. Nos casos de competência de foro, o legislador pensa
preponderantemente no interesse de uma das partes em defender-se melhor, entretanto, no processo
penal, em que o foro comum é o da consumação do delito (CPP, art.70), acima do interesse da defesa é
considerado o interesse público expresso no princípio da verdade real. Como é sabido, no processo penal, a
regra geral é de que a competência será determinada pelo lugar onde se consumar a infração penal, sendo,
segundo a doutrina, que " é natural que assim seja, pois o lugar do crime deve ser onde a sociedade sofreu
o abalo, razão pela qual o agente aí deve ser punido. Embora a escolha do domicílio do réu possa ser vista
como favorável, " o fato é que a regra do lugar do crime, no mais das vezes, é a mais adequada para a
produção probatória. Assim, mesmo que se tratem de ações penais privadas, não há que se falar em
preponderância do interesse do queixoso.
37. (FUMARC – Delegado de Polícia – PC/MG – 2011) Para determinação da competência, no âmbito
do juizado especial criminal, adota-se:
a) a teoria do resultado;
b) a teoria da ubiquidade;
c) a teoria da atividade;
d) a teoria da informalidade.
Comentários
A assertiva C é a única correta. Os Juizados Especiais Criminais têm regra própria para a delimitação da
competência. Confira-se o que dispõe o art. 63 da Lei nº 9.099/95: a competência do Juizado será
determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal. Evidente a adoção da teoria da atividade.
38. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/ES – 2011) Em caso de crime continuado e, também, de infração
permanente, praticado em território de duas ou mais jurisdições, a competência processual penal será
definida pela prevenção. (C/E)
Comentários
A alternativa está correta, pois retrata o teor do art. 71 do Código de Processo Penal: tratando-se de infração
continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á
pela prevenção.
Outros
39. (CESPE – Advogado da União – AGU – 2015) Um servidor público, concursado e estável, praticou
crime de corrupção passiva e foi condenado definitivamente ao cumprimento de pena privativa de
liberdade de seis anos de reclusão, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de multa. A respeito
dessa situação hipotética, julgue o item seguinte.
Na hipótese em apreço, a competência seria da justiça federal, caso o servidor público fosse integrante da
administração pública federal e o crime cometido tivesse nexo funcional com o cargo ocupado. (C/E)
Comentários
A assertiva está correta. Eventual crime praticado por servidor público federal que guarde nexo funcional
com o cargo ocupado é de competência da Justiça Federal. Confira-se o que diz a jurisprudência a respeito
do tema:
[...] Nos termos do enunciado 254 da Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos, "Compete
à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por funcionário público federal no
exercício de suas funções e com estas relacionados". O que norteia a fixação da competência da
Justiça Federal é sempre a proteção aos interesses, serviços e bens da União e, no caso, de suas
autarquias federais. Por óbvio, um delito praticado por servidor público federal no exercício de
suas funções e com elas relacionado mancha a imagem do serviço público, gerando desconfiança
na honestidade e higidez da máquina estatal, o que culmina em sério prejuízo ao Estado. (CC
148.162/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
23/11/2016, DJe 02/12/2016).
40. (AGU – Advogado da União – AGU – 2004) Adão e Bento, previamente ajustados e com unidade de
desígnios, adentraram em uma agência de uma sociedade de economia mista e, mediante graves ameaças
exercidas com o emprego de revólveres municiados, subtraíram do interior do cofre a importância de 100
mil reais. Nessa situação, de acordo com a orientação do STJ, será competente a justiça comum estadual
para processar e julgar o crime de roubo qualificado. (C/E)
Comentários
A assertiva está correta. Sociedades de economia mista não estão inseridas no rol do art. 109, IV da
Constituição Federal; logo, não cabe à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em
desfavor dessas pessoas jurídicas.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] IV - os crimes políticos e as infrações
penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; [...]
Súmula 42, STJ – Compete à Justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é
parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.
LISTA DE QUESTÕES
Magistratura
3. (FCC – Juiz Substituto – TJ/SC – 2015) Após a condenação em primeira instância por um crime de
competência federal, o réu de uma ação penal é diplomado como deputado federal. Posteriormente,
quanto ao julgamento de sua apelação, interposta antes da diplomação, deverá ser julgada:
a) pelo Tribunal Regional Federal, se já estiver devidamente instruída com razões e contrarrazões;
b) normalmente pelo juiz federal da causa, em respeito ao princípio do juiz natural;
c) pelo Supremo Tribunal Federal;
d) pelo Superior Tribunal de Justiça;
e) normalmente pelo Tribunal Regional Federal.
4. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2014) Imagine que magistrado integrante do Tribunal Regional
Eleitoral, durante sessão de julgamento e em razão de controvérsia relativa a votos divergentes, atente
dolosamente contra a vida de seu colega. A competência para julgamento é do:
a) Tribunal do Júri;
b) Tribunal de Justiça;
c) Tribunal Regional Eleitoral;
d) Superior Tribunal de Justiça;
e) Tribunal Superior Eleitoral.
5. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2014) De acordo com entendimento sumulado pelo STF, é de
competência da Justiça Federal processar e julgar crimes de tráfico de drogas, desde que haja remessa do
entorpecente para o
a) exterior;
b) exterior, ou entre Estados dentro do país;
c) exterior, ou entre Estados dentro do país, ou entre Municípios;
d) exterior, e desde que seja praticado por associação transnacional.
6. (TRF3 – Juiz Federal Substituto – TRF3 – 2016) Em virtude de um ofício encaminhado pelo COAF,
noticiando movimentações bancárias suspeitas, um Procurador da República requisitou a instauração de
Inquérito Policial, para apurar a suposta prática de lavagem de dinheiro e de crimes financeiros. A Polícia
Federal instaurou o inquérito, tendo o Delegado determinado, de plano, o indiciamento do investigado.
Desejando questionar a ordem de indiciamento e a própria instauração do inquérito policial, a defesa
decide impetrar habeas corpus, tendo o advogado dúvidas acerca de quem seja a autoridade competente
para apreciar a ação constitucional. Diante desse cenário, assinale a opção correta:
a) A decisão de impetrar habeas corpus é incorreta, pois não há coação ilegal, sequer em tese;
b) A autoridade competente é o juiz de primeira instância;
c) A autoridade competente é o Tribunal Regional Federal;
d) A análise da ordem de indiciamento compete ao juiz de primeira instância e a da instauração do inquérito
policial ao Tribunal Regional Federal.
7. (TRF3 – Juiz Federal Substituto – TRF3 – 2016 – ADAPTADA) Segundo o Supremo Tribunal Federal,
o julgamento dos crimes relacionados à pornografia na internet envolvendo criança ou adolescente
compete:
a) à Vara da Criança e Adolescente, uma vez que o crime está previsto no ECA;
b) à Justiça Federal, pois, dentre outros motivos, presente a internacionalidade;
c) à Justiça Estadual, sempre que as imagens tiverem sido postadas no Brasil;
d) à Justiça Estadual, desde que as imagens tenham sido acessadas no Brasil.
8. (TRF2 – Juiz Federal Substituto – TRF2 – 2014) Analise as proposições e, ao final, responda:
I – É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados em detrimento de bens,
serviços ou interesse de fundações públicas federais.
II - É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados em detrimento de bens
de concessionária de serviços públicos federais.
III - É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a fauna.
a) apenas a assertivas I está correta.
b) apenas as assertivas I e II estão corretas.
c) apenas as assertivas I e III estão corretas.
d) apenas as assertivas II e III estão corretas.
e) todas as assertivas estão corretas.
9. (CESPE – Juiz Substituto – TJDFT – 2016) Indivíduo que pratique crime a bordo de aeronave
estrangeira em espaço aéreo brasileiro, será processado e julgado pela justiça:
a) da comarca correspondente ao espaço aéreo em que a aeronave se encontrava no exato momento do
cometimento do crime ou, não sendo possível precisá-la, pela justiça da comarca em cujo território se
verificar o pouso;
b) de seu país de origem, pois, somente se estivesse a bordo de aeronave nacional é que a justiça brasileira
seria competente;
c) da comarca correspondente ao espaço aéreo em que a aeronave se encontrava no exato momento do
cometimento do crime;
d) do estado da Federação onde ele tiver residido por último ou, se ele nunca tiver residido no Brasil, no juízo
da capital da República;
e) da comarca em cujo território ocorrer o pouso ou pela comarca de onde houver partido a aeronave.
10. (CESPE – Juiz Substituto – TJPB – 2015) Em relação às disposições do CPP sobre competência,
assinale a opção correta.
a) em se tratando de crime permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições, a competência
será firmada pela residência do réu;
b) não há mais hipótese no CPP de competência por distribuição;
c) em se tratando de crimes conexos em que existe corréu acometido por doença mental, a unidade
processual permanece, embora não seja possível prolatar sentença condenatória em seu desfavor;
d) a justiça federal deverá julgar os casos de contravenção praticada em detrimento de bens, serviços ou
interesses da União;
e) caso não se conheça o local da infração e o réu tenha mais de um domicílio, será aplicada a regra da
prevenção para fins de fixação da competência jurisdicional.
11. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMSP – 2016 – ADAPTADA) Situação hipotética: Considere o seguinte
caso hipotético. Uma juíza do Trabalho de uma das Varas da Capital de São Paulo, em ofício endereçado à
Justiça de Campinas, envia uma carta precatória para a execução provisória de um débito laboral. Tão logo
autuada a precatória, o juiz de Campinas, por entender nula a ação trabalhista originária, encaminha ofício
ao Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região (TRT/15), sediado em Campinas, informando que a ordem
da magistrada de São Paulo seria ilegal e que, por isso, não poderia cumprir a determinação. Uma vez
ciente do ofício, e indagada pelo TRT/15, a juíza de São Paulo responde que a ordem era legal. O TRT/15,
por reputar que o magistrado de Campinas cometeu crime contra a honra da magistrada de São Paulo,
determinou que fosse instaurada investigação formal. Uma vez instaurado o inquérito, foi intimada a
suposta ofendida, que representou para que os fatos fossem processados, o que deu ensejo à propositura
de ação penal pelo Ministério Público Estadual de São Paulo.
Assertiva: Tratando-se de crime imputado a magistrada do Trabalho, que detém foro por prerrogativa de
função, foi equivocada a dedução do processo em primeiro grau, sendo a competência originária do Eg.
Tribunal de Justiça de São Paulo. (C/E)
12. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMSP – 2016 – DESATUALIZADA) Acompanhe o caso fictício. Tício,
prefeito de uma cidade do interior de São Paulo/SP, mantém um relacionamento extraconjugal com
Mévia, policial militar. Por ciúmes, Mévia decide matar a mulher de Tício, Semprônia. Para tanto, ingressou
na casa de Tício e, com uma faca, acerta a vítima no peito. Em defesa de sua mulher, Tício, mediante
disparo de arma de fogo, acerta Mévia, de raspão. Tício é processado perante o Tribunal do Júri por
homicídio tentado simples, além de posse irregular de arma de fogo, na Justiça Comum, sendo, ao final,
absolvido de ambas as imputações, em decisão transitada em julgado; Mévia, por seu turno, foi
processada na Justiça Militar, e condenada em decisão que se tornou definitiva.
A respeito do caso, assinale a alternativa correta.
a) tratando-se de crime comum, correto o julgamento de Tício pelo Tribunal do Júri, visto que a competência
do Tribunal de Justiça para processar e julgar Prefeitos dá-se apenas em crimes de responsabilidade;
b) tratando-se de crime doloso contra a vida praticado por militar, correto o julgamento pela Justiça Militar;
c) o Tribunal do Júri não poderia ter julgado Tício pelo crime de posse irregular de arma de fogo, pois não se
trata de crime doloso praticado contra a vida;
d) Mévia e Tício haveriam de ser julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, haja vista que os
fatos se deram em um mesmo contexto;
e) Tício, por ser Prefeito, haveria de ter sido julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Todavia,
uma vez que a absolvição pelo Tribunal do Júri transitou em julgado, mesmo sendo caso de incompetência
absoluta, a decisão não poderá mais ser revista, sob pena de violação ao princípio da refomatio in pejus.
13. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMSP – 2016) Compete ao Juízo da Execução Penal do Estado a
execução da pena imposta a sentenciado pela Justiça Federal, quando recolhido a estabelecimento sujeito
à administração estadual. (C/E)
14. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/SE – 2015) Em relação à competência no processo penal, é correto
afirmar:
a) se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de
jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem
com sentença definitiva;
b) nos casos de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública o querelante poderá preferir o foro de
domicílio ou residência do réu ainda quando conhecido o lugar da infração;
c) na determinação da competência por conexão ou continência, preponderará a competência do lugar da
infração à qual for cominada pena mais grave, entendida esta como a que tem pena mínima cominada mais
alta;
d) nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade
de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, apenas no momento do
oferecimento da denúncia, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal;
e) a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece
ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.
15. (VUNESP – Juiz Substituto – TJMS – 2015) De acordo com o artigo 80, do Código de Processo Penal,
nos processos conexos, será facultativa a separação quando:
a) as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou lugar diferentes, ou, quando pelo
excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante,
o juiz reputar conveniente a separação;
b) venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que
não se inclua na sua competência;
c) houver corréu em local incerto ou não sabido ou foragido que não possa ser julgado à revelia, ainda que
representado por defensor constituído e regularmente citado;
d) concorrerem jurisdição comum e do juízo falimentar;
e) em relação a algum corréu, por superveniência de doença mental, nos termos do artigo 152 do Código de
Processo Penal, ainda que indispensável a suspensão do processo para instauração de incidente de
insanidade mental.
16. (PUCPR – Juiz Substituto – TJ/PR – 2014 – ADAPTADA) A competência por continência será
determinada quando a prova de uma infração influir na prova de outra infração. (C/E)
17. (PUCPR – Juiz Substituto – TJ/PR – 2014) Analise as assertivas abaixo e escolha a resposta CORRETA.
Considerando as regras sobre a competência estabelecidas no Código de Processo Penal, pode-se afirmar:
I. a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
II. quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar
em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
III. nos crimes à distância, cuja execução foi iniciada no Brasil e o resultado ocorreu em outro país, a
competência será da Capital Federal Brasileira.
IV. nos casos de ação privada exclusiva, o querelante pode preferir o foro de domicílio ou da residência do
réu, mesmo que conhecido o lugar da infração.
a) apenas as alternativas I, II e IV estão corretas;
b) apenas as alternativas I e IV estão corretas;
c) apenas as alternativas I e III estão corretas;
d) apenas as alternativas I, III e IV estão corretas.
18. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2013) Tratando-se de infração continuada ou permanente,
praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pelo(a):
a) prevenção;
b) lugar da infração;
c) conexão ou continência;
d) distribuição.
19. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/MT – 2009) Conforme o disposto pelo art. 82 do Código de Processo
Penal se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade
de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já
estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para:
a) efeito de diminuição e separação das penas;
b) o concurso entre as penas do juízo comum e o juízo de menores;
c) excepcionalmente, a hipótese de reconhecimento do crime continuado;
d) o concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum;
e) efeito de soma ou de unificação das penas.
20. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2009) No caso de depoimento de testemunha ouvida por meio
de carta precatória, assinale a alternativa correta:
a) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é do Juízo deprecado;
b) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é do Juízo deprecante;
c) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é concorrente, do Juízo deprecante ou
do Juízo deprecado;
d) a competência para a ação penal por crime de falso testemunho é definida pelo interesse do titular da
ação penal.
Promotor
21. (MPE/SC - Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) A competência, segundo o Código de Processo
Penal, será determinada pela continência, quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração e, por conexão, entre outros casos, se,
ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas
reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas,
umas contra as outras. (C/E)
22. (MPE/SC - Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) De acordo com o Código de Processo Penal, a
conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo no concurso entre a
jurisdição comum e a militar e no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores. Segundo o
mesmo Estatuto, na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas, entre
outras, as seguintes regras: no concurso de jurisdições da mesma categoria, preponderará a do lugar da
infração, à qual for cominada a pena mais grave; prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior
número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade. (C/E)
23. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) A Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal,
dispõe que viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
Já Súmula 705, da mesma corte, estabelece que a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem
a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta. (C/E)
24. (MPE/RS – Promotor de Justiça – MPE/RS– 2014) Uma embarcação nacional de grande calado,
destinada ao comércio internacional, viajava de Itajaí (SC) para o porto de Rio Grande para receber alguns
contêineres e depois rumar para a África do Sul. Contudo, nas proximidades de Rio Grande, o marinheiro
Temístocles, natural de Porto Alegre, se envolveu numa luta corporal contra o colega Guido, acabando por
assassiná-lo. A ação penal deverá ser processada:
a) no Tribunal do Júri da Justiça Estadual de Itajaí;
b) no Tribunal de Júri da Justiça Estadual de Rio Grande;
c) no Tribunal do Júri da Justiça Estadual de Porto Alegre;
d) na Justiça da África do Sul;
e) no Tribunal do Júri da Justiça Federal de Rio Grande.
25. (MPE/PR – Promotor de Justiça – MPE/PR – 2014) Se BRAVIUS entra num bar e, com intenção de
lesionar, desfere dois tiros de revólver na direção da perna de SERENUS, acerta um dos disparos que
produz lesão grave, mas o outro, por erro de pontaria, vem a produzir lesão, também de natureza grave,
em ASTÚRIAS, dono da bodega, o julgamento de ambos os fatos deve ocorrer, num mesmo processo, em
razão da:
a) Conexão objetiva ou material;
b) Conexão subjetiva por simultaneidade;
c) Continência por cumulação objetiva;
d) Conexão subjetiva por concurso;
e) Continência subjetiva.
Defensor
26. (CESPE – Defensor Público Federal – DPU – 2017) Auditoria do TCU indicou que o prefeito do
município X desviou, para benefício próprio, valores oriundos da União ainda sujeitos a prestação de
contas perante órgão federal. Nessa situação, conforme o entendimento do STF, a competência para
julgamento do prefeito será do tribunal de justiça do respectivo estado por expressa previsão
constitucional. (C/E)
27. (FCC – Defensor Público – DPE/BA – 2016) De acordo com norma expressa do Código de Processo
Penal, são fatores que determinam a competência jurisdicional:
a) O local da residência da vítima e a natureza da infração;
b) A prevenção e o local da prisão;
c) A prerrogativa de função e o domicílio ou residência do réu;
d) O local da investigação e a conexão ou continência;
e) O local da prisão e o local da infração.
28. (UFMT – Defensor Público – DPE/MT – 2016) Concomitantemente, diversas pessoas saquearam um
estabelecimento comercial sem se conhecerem umas às outras. Cuida-se na espécie de
a) continência de ações, em razão do concurso de pessoas;
b) conexão intersubjetiva por reciprocidade;
c) conexão objetiva consequencial;
d) conexão intersubjetiva por simultaneidade;
e) conexão objetiva teleológica.
Procurador
29. (PGR – Procurador da República – PGR – 2012) Conforme a jurisprudência prevalente no STJ,
assinale a alternativa falsa:
a) não é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial
da pretensão punitiva;
b) intimada a defesa da expedição de carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da
audiência no juízo deprecado;
c) a conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi julgado;
d) excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o
Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito.
Delegado de Polícia
30. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/MT – 2017) Em determinado estado da Federação, um juiz de
direito estadual, um promotor de justiça estadual e um procurador do estado cometeram, em momentos
distintos, crimes comuns dolosos contra a vida. Não há conexão entre esses crimes. Sabe-se que a
Constituição do referido estado prevê que crimes comuns praticados por essas autoridades sejam
processados e julgados pelo respectivo tribunal de justiça.
Nessa situação hipotética, segundo o entendimento do STF, será do tribunal do júri a competência para
processar e julgar somente o:
a) promotor de justiça;
b) juiz de direito;
Outros
39. (CESPE – Advogado da União – AGU – 2015) Um servidor público, concursado e estável, praticou
crime de corrupção passiva e foi condenado definitivamente ao cumprimento de pena privativa de
liberdade de seis anos de reclusão, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de multa. A respeito
dessa situação hipotética, julgue o item seguinte.
Na hipótese em apreço, a competência seria da justiça federal, caso o servidor público fosse integrante da
administração pública federal e o crime cometido tivesse nexo funcional com o cargo ocupado. (C/E)
40. (AGU – Advogado da União – AGU – 2004) Adão e Bento, previamente ajustados e com unidade de
desígnios, adentraram em uma agência de uma sociedade de economia mista e, mediante graves ameaças
exercidas com o emprego de revólveres municiados, subtraíram do interior do cofre a importância de 100
mil reais. Nessa situação, de acordo com a orientação do STJ, será competente a justiça comum estadual
para processar e julgar o crime de roubo qualificado. (C/E)
GABARITO
Magistratura
1. D
2. B
3. E
4. D
5. A
6. D
7. B
8. A
9. E
10. E
11. INCORRETA
12. E
13. A
14. A
15. A
16. INCORRETA
17. A
18. A
19. E
20. A
Promotor
21. INCORRETA
22. CORRETA
23. INCORRETA
24. E
25. C
Defensor
26. INCORRETA
27. C
28. D
Procurador
29. A
Delegado de Polícia
30. E
31. A
32. B
33. D
34. C
35. D
36. INCORRETA
37. C
38. CORRETA
Outros
39. CORRETA
40. CORRETA