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Direito
Processual Penal - 2022 (Pós-Edital)
Autor:
Leonardo Ribas Tavares, Equipe
Materiais Carreiras Jurídicas
22 de Janeiro de 2022
Sumário
Definição de prova ............................................................................................................................................. 5
4 - Instrução criminal.................................................................................................................................... 43
Bons estudos
1255215
-Bons Estudos
Leonardo Ribas Tavares, Equipe Materiais Carreiras Jurídicas
Aula 04
Resumo........................................................................................................................................................... 228
Gabarito.......................................................................................................................................................... 281
DEFINIÇÃO DE PROVA
A palavra prova, não apenas no Direito ou no processo, mas também em outras ciências, pode assumir
diferentes e variadas concepções.
Pode significar os instrumentos de que se serve o magistrado para o conhecimento dos fatos
submetidos à sua análise, quando se pode falar em prova documental, prova pericial etc.
Também pode representar o procedimento por meio do qual tais instrumentos de cognição se
formam e são recepcionados pelo juízo – esse é o espaço em que se alude à produção da prova.
De outra parte, prova também pode dar a ideia da atividade lógica, celebrada pelo juiz, para o
conhecimento dos fatos (percepção e dedução, na mente de PROTO PISANI). E, finalmente, tem-
se como prova ainda o resultado da atividade lógica do conhecimento (Marinoni, et al., 2015).
A definição do que seja ‘prova’ normalmente vem relacionada à ideia de reconstrução (pesquisa) de um fato,
que é demonstrado ao magistrado, capacitando-o a ter convicção sobre os eventos ocorridos e permitindo-
lhe exercer a sua função.
[...] manifesta-se LESSONA, dizendo que “provar, nesse sentido, significa fazer conhecidos para
o juiz os fatos controvertidos e duvidosos, e dar-lhe a certeza do seu modo preciso de ser”. Nessa
mesma linha, LIEBMAN define prova como sendo “os meios que servem para dar o conhecimento
de um fato e por isso para fornecer a demonstração e para formar a convicção da verdade de um
fato específico”. Em interessante construção, SATTA e PUNZI distinguem a ideia de prova em
duas situações específicas. Segundo esses autores, a prova pode ser enxergada sob dois aspectos:
o estático e o dinâmico. Na primeira ótica (estática), a prova pode ser vista como o “ente ou
meio decisivo ou relevante para a certeza de um fato”; constitui, nesse espaço, figura
diretamente vinculada ao direito material, que tende à formalização das relações jurídicas. Já no
sentido dinâmico, a prova é vista em relação à efetiva verificação de um fato, a qual ocorre,
normalmente, no processo. [...] A respeito do conceito ora estudado, também merece alusão a
ideia de GIOVANNI VERDE. Segundo ele, o conceito de prova, para a ciência jurídica, não pode
ser buscado nas mesmas origens em que é encontrado para as ciências empíricas. É que a ampla
liberdade de convencimento que rege a atividade judicial e a fixação de disciplina específica para
o aporte de provas ao processo tornam essa noção diversa (e mesmo impensável) para outros
ramos da ciência, que também têm sua atividade baseada na reconstrução de fatos. Partindo
dessa premissa, VERDE conceitua prova como sendo “todos aqueles instrumentos na base dos
quais se pode fixar a hipótese à qual a norma torna possível implicar os efeitos jurídicos
pretendidos”. Seriam provas, nesta visão, todos os elementos que a lei autoriza possam
restabelecer a verdade dos fatos (fixar) da hipótese aventada pela parte para suportar certa
consequência jurídica pretendida. (Marinoni, et al., 2015)
MARINONI & ARENHART, na excelente obra Prova e Convicção, sintetizam da seguinte forma: seja como for, “em
todas essas construções observa-se a nítida vinculação à ideia de que a prova se destina ao passado, à
reconstrução de um fato pretérito ou, enfim, à verificação desse fato, gerando no juiz a convicção de certeza
sobre sua efetiva ocorrência”. Essa ideia, todavia, na visão dos mestres, está superada e sepultada em outros
ramos do conhecimento, “não se justificando a sua manutenção na ciência jurídica”.
[...] é impossível o restabelecimento dos fatos pretéritos, já que jamais se logrará extirpar toda
a dúvida possivelmente existente sobre a efetiva acuidade do juízo de certeza a que se chegou.
Vale dizer: a verdade, enquanto essência de um objeto, jamais pode ser atingida se esse objeto
está no passado, porque não se pode mais recuperar o que já passou; de outra banda, também
a ideia de certeza somente pode ser concebida no nível subjetivo específico, sendo que esse
conceito pode variar de pessoa para pessoa – o que demonstra a relatividade da noção. O juiz
não é um historiador; se fosse, não deveria ser recrutado dentre bacharéis em direito, mas sim
entre graduados em história (certamente muito mais preparados para a pesquisa do passado)
(Marinoni, et al., 2015).
TORNAGHI adverte que a palavra prova “é usada em vários sentidos, todos correlacionados entre si. Ela
designa, em primeiro lugar, a atividade probatória, isto é, o conjunto de atos praticados pelas partes, por
terceiros (testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse
último (julgador)” – ela estaria empregada no art. 156 do CPP nesse sentido. Em outra acepção, “a palavra
prova significa o resultado dessa atividade”. Num terceiro sentido, “refere-se aos meios de prova” (Tornaghi,
1977).
do direito de se utilizar dos meios de prova necessários a comprovar, perante o órgão julgador,
as alegações feitas ao longo do processo. Há de se assegurar às partes, portanto, todos os
recursos para o oferecimento da matéria probatória, sob pena de cerceamento de defesa ou de
acusação. Esse direito à prova, conquanto constitucionalmente assegurado, por estar inserido
nas garantias da ação e da defesa e do contraditório, não é absoluto. Em um Estado Democrático
de Direito, o processo penal é regido pelo respeito aos direitos fundamentais e plantado sob a
égide de princípios éticos que não admitem a produção de provas mediante agressão a regras de
proteção. A legitimação do exercício da função jurisdicional está condicionada, portanto, à
validade da prova produzida em juízo, em fiel observância aos princípios do devido processo legal
e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5°, LIV e LVI).
2) Prova como resultado: caracteriza-se pela formação da convicção do órgão julgador, no curso
do processo quanto à existência (ou não) de determinada situação fática. É a convicção sobre os
fatos alegados em juízo pelas partes. Por mais que não seja possível se atingir uma verdade
irrefutável acerca dos acontecimentos ocorridos no passado, é possível atingir um conhecimento
processualmente verdadeiro acerca dos fatos controversos inseridos no processo sempre que,
por meio da atividade probatória desenvolvida, sejam obtidos elementos capazes de autorizar
um determinado grau de certeza acerca da ocorrência daqueles mesmos fatos.
3) Prova como meio: são os instrumentos idôneos à formação da convicção do órgão julgador
acerca da existência (ou não) de determinada situação fática [...] (Lima, 2021).
Sobre os três sentidos do termo prova, GUILHERME DE SOUZA NUCCI assim consigna:
a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela
parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra
a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído
da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Neste
último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova de que o réu é autor do
crime”. Portanto, é o clímax do processo. Segundo ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, os dois
primeiros sentidos dizem respeito à ótica objetiva, enquanto o terceiro refere-se à ótica
subjetiva, decorrente da atividade probatória desenvolvida (Nucci, 2018).
Essa distinção entre os três sentidos da palavra prova é comum na doutrina. GUSTAVO BADARÓ também refere:
a prova pode ser identificada com o resultado probatório, isto é, o convencimento que os meios
de prova geram no juiz e nas partes. Nesse sentido, por exemplo, o art. 312 do CPP se refere à
“prova da existência do crime” (Badaró, 2020).
Conforme DE PLÁCIDO E SILVA, prova vem do “latim, proba, de probare (demonstrar reconhecer, formar juízo
de), entende-se, assim, no sentido jurídico”:
[...] a denominação, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato
material ou de um ato jurídico, em virtude do qual se conclui por sua existência do fato ou do ato
demonstrado. A prova consiste, pois, na demonstração de existência ou da veracidade daquilo
que se alega como fundamento do direito que se defende ou que se contesta. E, nesta razão,
no sentido processual, designa também os meios, indicados em lei, para realização dessa
demonstração, isto é, a soma de meios para constituição da própria prova, ou seja, para
conclusão ou produção da certeza. [...] A prova, por isso, constitui, em matéria processual, a
própria alma do processo ou a luz, que vem esclarecer a dúvida a respeito dos direitos
disputados. [...] juridicamente compreendida, a prova é a própria convicção acerca da existência
dos fatos alegados, nos quais se fundam os próprios direitos, objetos da discussão ou do litígio.
Em consequência, só há prova quando, pela demonstração, se produz uma luz suficiente para
achar a verdade ou quando os elementos componentes da demonstração estabeleceram uma
força suficiente para produzir a certeza ou convicção (Silva, 2005).
GUILHERME DE SOUZA NUCCI, fazendo remissão às palavras de BENTHAM, diz que a prova, “no sentido mais amplo
da palavra, entende-se como um fato supostamente verdadeiro que se presume deva servir de motivo de
credibilidade sobre a existência de outro fato”. Acrescenta que ela (a prova) tem “um valor sempre relativo.
Quando se busca provar um fato juridicamente relevante, na investigação ou no processo, deve-se ter a
noção de que a busca findará em torno de algo supostamente verdadeiro (que tenha ocorrido na realidade),
levando à presunção de credibilidade em outro fato, juridicamente importante para o feito”.
Ilustrando, mesmo quando o acusado confessa a prática do crime, podendo-se apurar tanto a
materialidade quanto a autoria, trata-se apenas de uma suposta verdade, leia-se, a suposição do
que realmente ocorreu. É preciso muito mais para uma condenação, de forma que o conjunto
probatório é o panorama mais seguro para se ter uma noção do que se passou no plano da
realidade. Prova entrelaça-se, sutilmente, com convencimento. Se a prova é convincente, o fato
deve ter acontecido daquela forma, como retratado pela mencionada prova (Nucci, 2018).
RENATO BRASILEIRO, PACELLI e FISCHER, tomando por base as alterações promovidas pela Lei 11.690/2008,
especialmente no artigo 155 do Código de Processo Penal, fazem uma distinção entre provas e elementos
de informação, conforme sejam produzidas em fase de processo ou de investigação, com ou sem
contraditório.
Com as alterações produzidas pela Lei n° 11.690/08, passou a constar expressamente do art. 155
do CPP a distinção entre prova e elementos informativos. A palavra prova só pode ser usada para
se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por
conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório
(ainda que diferido) e da ampla defesa. O contraditório funciona, pois, como verdadeira condição
de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em contraditório,
exigência impostergável em todos os momentos da atividade instrutória, não lhe caberá a
designação de prova.
Por outro lado, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a
necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe
a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, vez que, nesse momento, ainda
não há falar em acusados em geral, na dicção do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Não
obstante, tais elementos informativos são de vital importância para a persecução penal, pois
podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado, bem como auxiliar na
formação da opinio delicti do órgão da acusação. Se esses elementos de informação são
produzidos sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, questiona-se
acerca da possibilidade de sua utilização para fundamentar uma sentença condenatória. Ao
longo dos anos, sempre prevaleceu nos Tribunais o entendimento de que, de modo isolado,
elementos produzidos na fase investigatória não podem servir de fundamento para um decreto
condenatório, sob pena de violação ao preceito constitucional do art. 5°, inciso LV, que assegura
aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
De fato, pudesse um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente em elementos
informativos colhidos na fase investigatória, sem a necessária observância do contraditório e da
ampla defesa, haveria flagrante desrespeito ao preceito do art. 5°, LV, da Carta Magna. No
entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova
produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Como já se pronunciou a 2ª Turma do STF, os
elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão
da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório
em juízo. A Lei nº 11.690/08, ao inserir o advérbio exclusivamente no corpo do art. 155 do CPP,
acaba por confirmar a posição jurisprudencial que vinha prevalecendo. Destarte, pode-se dizer
que, isoladamente considerados, elementos informativos não são idôneos para fundamentar
uma condenação. Todavia, não devem ser completamente desprezados, podendo se somar à
prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do
órgão julgador (Lima, 2021).
Talvez a noção do que seja prova pertença mais aos domínios da filosofia, na medida em que diz respeito ao
intelecto na busca do conhecimento verdadeiro. Há uma diferença muito grande entre a concepção de prova
para o Direito e para as ciências experimentais. Nestas, o pesquisador pode ter um contato direto com os
fenômenos da natureza ou, quando menos, pode reproduzi-los em laboratórios a fim de atestar a veracidade
das suas teorias. Ao contrário, a investigação ou a instrução criminal são representadas pela impossibilidade
de observação direta dos fatos que serão levados em conta na decisão – refletem acontecimentos passados
que terão de ser ‘reconstruídos’ por meios indiretos, sempre com algum grau de imperfeição.
Se a ação penal é o meio que possibilita o exercício da jurisdição, sendo o processo o caminho
pelo qual a ação se desloca para chegar ao seu destino, que é a prestação jurisdicional, com a
finalidade, sempre presente, de construir ou recompor a paz social, as provas são os
componentes deste caminho, que darão aos sujeitos processuais a máxima clareza possível da
verdade por meio delas alcançada, para que se possa chegar a uma sentença justa. Por
conseguinte, na esteira do ensinamento de MIGUEL FENECH, provar é produzir um estado de
certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou
inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de
fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo. [...] a
finalidade do Direito Processual Penal, em particular, é reconhecer e estabelecer uma verdade
jurídica que se alcança por meio das provas. Provar um fato, como enfatizou DELLEPIANE, é
estabelecer no processo a sua existência (Pedroso, 2005).
Doutrina complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à
formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias. O termo prova deriva do latim
probatio, que significa verificação, exame, argumento, aprovação ou confirmação”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019) “Contudo,
para sermos absolutamente técnicos, devemos compreender que o termo prova, no vocabulário
jurídico brasileiro, é plurívoco, ou seja, dotado de significados diversos. No direito norte-
americano, por exemplo, temos dois vocábulos distintos para a designação de coisas diversas:
evidence, para indicar os meios de prova, e proof, para designar o resultado da atividade
probatória no espírito do julgador. Assim, para que conceituemos tecnicamente o que seja prova
no direito brasileiro, é necessário, portanto, num primeiro momento, descobrir as variadas
significações do vocábulo em português, razão pela qual a prova pode ser entendida e
conceituada como: a) a atividade realizada, em regra, pelas partes, com o fim de demonstrar a
veracidade de suas alegações (ex.: reconhecimento pessoal de ‘X’ pela testemunha, observando
o disposto no art. 226 do CPP); b) os meios ou instrumentos utilizados para a demonstração da
verdade de uma afirmação ou existência de um fato (ex.: o réu apresenta atestado médico —
documento — comprovando que no dia Y, horário Z, foi submetido a exames); c) o resultado final
da atividade probatória, ou seja, a certeza ou convicção que surge no espírito de seu destinatário.
Daí por que falamos em ‘conceitos’ de prova, e não em ‘conceito’ (forma singular). Desse modo,
prova será, com distinta acepção (conceito), dependendo do sentido que empreguemos ao
vocábulo (itens acima)”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Pode significar,
portanto, a atividade probatória levada a efeito por quem atue no processo; o meio de prova
utilizado para a demonstração daquilo que se pretende provar; a ação de provar, ou o resultado
da atividade probatória, nos moldes do que se observa, por exemplo, no art. 155 do CPP, no qual
está escrito que “o juiz formará sua convicção pela livre-apreciação da prova (...)” (destacamos).
Lembra Tornaghi que, numa acepção mais ampla, indica ainda qualquer elemento de convicção,
como decorre, por exemplo, do art. 6º do CPP, ‘que manda a autoridade policial colher todas as
provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias’”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “De outro
lado, em sentido estrito, prova é somente aquela que resulta de procedimento contraditório e
que é produzida perante juiz. Daí ser importante, tecnicamente, distinguir: 1) prova: pressupõe
procedimento contraditório, em regra produzida no curso de processo instaurado perante
magistrado, com a participação dos litigantes. Quando produzida antes do processo, ou antes de
ser oportunizada a participação dialética do interessado, a prova exigirá o contraditório posterior
(diferido ou postergado), para que receba a qualificação de prova (stricto sensu). A partir do
critério do contraditório oportunizado durante a produção da prova ou após sua produção, a
doutrina o subdivide em: (a) contraditório real (ou para a prova ou para a constituição da prova),
relativo à participação das partes na produção da prova que é feita na presença de juiz (a exemplo
da prova testemunhal em juízo); e (b) contraditório diferido (ou sobre a prova ou sobre a prova
já produzida), referente ao debate dos interessados a respeito da prova já formada (os
assistentes técnicos se manifestam sobre o laudo pericial já elaborado unilateralmente pelo
perito). 2) elementos de informação: são os documentos e outros registros colhidos em
procedimento diverso do processo judicial, sem a observância atinente ao contraditório. São
chamados elementos de informação aqueles colhidos no curso do inquérito policial,
GUILHERME MADEIRA DEZEN (Processo penal, São Paulo: RT, 2020). “A palavra prova é polissêmica e
seu estudo transcende ao Direito, envolvendo a Epistemologia, a Semiótica, a Psicologia e outras
ciências afins. Em uma primeira aproximação, prova é tudo o que é apto a levar o conhecimento
de alguma coisa a alguém. No entanto, esta é apenas uma das acepções do vocábulo prova. Tanto
na linguagem comum quanto no campo do direito, a palavra prova possui outros significados. É
comum indicar pelo menos três deles: (1) atividade probatória; (2) meio de prova; (3) resultado
probatório. Prova como atividade probatória significa o conjunto de atos praticados para a
verificação de um fato. É a atividade desenvolvida pelas partes e, subsidiariamente, pelo juiz, na
reconstrução história dos fatos (por exemplo, a prova da alegação incumbe a quem a fizer – CPP,
art. 156). A prova também pode ser considerada o meio de prova. Isto é, o instrumento por meio
do qual se introduzem no processo os elementos de probatórias. É nesse sentido que se fala em
prova testemunhal, prova pericial etc. Finalmente, a prova pode ser identificada com o resultado
probatório, isto é, o convencimento que os meios de prova geram no juiz e nas partes. Nesse
sentido, por exemplo, o art. 312 do CPP se refere à “prova da existência do crime”.
1 - FINALIDADE DA PROVA
Na lição de TORNAGHI, com uma visão mais ortodoxa, a “atividade probatória tem como finalidade principal
formar a convicção do juiz. No processo inquisitório, este é seu escopo único. No acusatório, esse objetivo
existe também. É especialmente e sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da
imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e da
periculosidade, na individualização das penas e na aplicação das medidas de segurança, que se faz a prova.
Mas não é exclusivamente para isso”. As partes, evidentemente, podem se manifestar, discutir, impugnar as
provas, inclusive interferir para sua escorreita produção.
Num tipo de procedimento estritamente acusatório, a prova poderia ser considerada mera
demonstração das alegações das partes. Mas o procedimento acusatório puro não existe mais,
nem no processo civil. Afirma CARNELUTTI que “não cabe no conceito de prova o procedimento
pelo qual se descobre uma verdade não afirmada, mas sim aquele com que se demonstra uma
verdade asseverada”. [...] o procedimento de prova é realmente uma reconstituição do fato
criminoso e dos que estão ligados ao crime por laços circunstanciais, alegados ou não. Claro que,
em geral, o juiz não procede de ofício e, portanto, a prova é antes de mais nada a demonstração
do alegado pelas partes. Mas a atividade probatória não para aí: não é mero contraste do que foi
dito pelo acusador e pelo acusado, até porque a lei abre exceção e permite ao juiz tomar a
iniciativa (CPP, art. 156). Na denúncia (ou na queixa) o autor levanta o véu que cobre um possível
crime. Para isso não se lhe exige uma demonstração cabal dos fatos, o que se fará exatamente
no processo. Esse é, antes de mais nada, uma atividade probatória. Todo o processo está
penetrado da prova, embebido nela, saturado dela. Sem ela, ele não chega a seu objetivo: a
sentença (Tornaghi, 1997).
FRANCESCO CARNELUTTI, tratando da função das provas, diz que as “provas são, pois, os objetos mediante os
quais o juiz obtém as experiências que lhe servem para julgar”.
Não será um atrevimento, por isso, se as compararmos às chaves com as quais se consegue abrir
as portas do desconhecido, do qual, como qualquer outro homem, se encontra rodeado, para
saber o que não sabe: que é o que tem ocorrido e é o que ocorrerá? Trata-se de abrir, fixemo-
nos bem: também aqui, a propósito da função das provas se repete aquilo que temos visto a
propósito da função do processo; uma é a finalidade e outra é o resultado; só nas obras de Deus
o segundo se adapta perfeitamente à primeira; tratando-se da obra dos homens tudo o mais que
se pode esperar é uma aproximação da finalidade. Alguma vez a porta se abre de par em par;
alguma vez se abre somente um pouco; não é raro que fique fechada. Aqui pode servir também
à famosa imagem da gruta: o juiz está encadeado numa caverna, de costas para a abertura por
onde entra a luz e não vê mais que as sombras, sobre a parede de frente, dos objetos que passam
por detrás dele; as provas são aquelas sombras, em face das quais, às vezes, consegue-se e outras
vezes, não se consegue conhecer a verdade. Ele não tem outro modo de conhecê-la fora destas
sombras; daqui o cuidado que devemos pôr para nos dar conta do que as mesmas são (Carnelutti,
2005).
EUGÊNIO PACELLI, referindo sobre a mudança do perfil do Código de Processo Penal de 1941, criticando a
chamada verdade real, pondera:
[...] toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser
produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza
exclusivamente jurídica. De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos
fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal)
revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor
grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.
Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos
fatos articulados na inicial (art. 341, CPC/2015), sem prejuízo da iniciativa probatória que se
confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza
(frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal),
exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao
réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e
da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material. E mais.
Não só é inteiramente inadequado falar-se em verdade real, pois que esta diz respeito à realidade
do já ocorrido, da realidade histórica, como pode revelar uma aproximação muito pouco
recomendável com um passado que deixou marcas indeléveis no processo penal antigo,
particularmente no sistema inquisitório da Idade Média, quando a excessiva preocupação com a
sua realização (da verdade real) legitimou inúmeras técnicas de obtenção da confissão do
acusado e de intimidação da defesa. Como vimos, a atual configuração do processo penal
brasileiro não deve guardar mais qualquer identidade com semelhante postura inquisitorial,
impondo-se o redimensionamento de vários institutos ligados à produção da prova, sobretudo
no que respeita à iniciativa probatória do juiz. Esta, e aqui já o afirmamos, não deve constituir-se
em atividade supletiva dos deveres ou ônus processuais atribuídos ao órgão da acusação. Mas,
de uma maneira ou outra, a verdade material continua sendo um princípio processual
relevantíssimo em tema de prova, sobretudo quando manejado para a exclusão de determinados
meios de prova (Pacelli, 2018).
MARINONI e ARENHART, com uma visão mais voltada ao processo civil (em boa medida apropriada no processo
penal), afirmam que “a prova não tem por objeto a reconstrução dos fatos que servirão de supedâneo para
a incidência da regra jurídica abstrata que deverá (em se concretizando na sentença) reger o caso concreto”.
Dizem que “a função da prova é permitir o embasamento concreto das proposições formuladas, de forma a
convencer o juiz de sua validade, diante da sua impugnação por outro sujeito do diálogo”.
das partes (e também do magistrado) sobre a controvérsia exposta. Enfim, também não se pode
negar que a prova será condicionada, ainda, pelos componentes culturais, políticos, econômicos
e sociais dos outros sujeitos do processo. É certo que em uma sociedade altamente organizada,
com alto padrão cultural, econômico e social, se possa exigir, para a comprovação de fatos, meios
probatórios mais elaborados e evoluídos. Ao contrário, em uma comunidade pobre, de baixo
status cultural, social e político, prevalecem as provas simples, orais e, muitas vezes, mesmo
informais. Também esse componente há de entrar na avaliação judicial, diante do diálogo
probatório travado no processo.
NUCCI diz que a “finalidade da prova é convencer o juiz a respeito de um fato litigioso. Busca-se a verdade
processual, ou seja, a verdade atingível ou possível (probable truth, do direito anglo-americano). A verdade
processual emerge durante a lide, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela
que o magistrado deve proferir sua decisão” (Nucci, 2018).
BADARÓ destaca que a função ou a finalidade da prova irá variar de acordo com a concepção que se tenha do
processo, do que ele objetiva e sobre a possibilidade ou não de atingir o conhecimento verdadeiro dos fatos.
Para todas as teorias que negam a possibilidade do conhecimento verdadeiro dos fatos, seja por
razões ideológicas ou práticas, não há qualquer sentido em se falar em prova. A prova torna-se
assim um verdadeiro non sense. A prova acaba servindo para dar uma aparência de legitimação
racional para um conjunto de mecanismos teatrais cuja função é dissimular a realidade irracional
e injusta da decisão judicial. Diversamente, para as teorias semióticas ou narrativistas do
processo, a prova serve como um elemento de persuasão para que cada uma das partes procure
convencer o juiz de sua story of the case. Em tal contexto, a função da prova não é "cognitiva",
mas sim "argumentativa". A verdade do fato pode não ser relevante, na medida em que uma
história com elevado grau de persuasão pode não ser verídica, bem com uma história verdadeira
pode ter pequena credibilidade. Basta pensar em uma demanda fundada em fatos que, embora
verdadeiros, sejam bastante improváveis.
Por fim, partindo-se da premissa de que é possível atingir um conhecimento verdadeiro dos fatos
— ainda que esta verdade não seja uma verdade absoluta - a prova assume função de ser um
instrumento para fundamentar racionalmente uma escolha da versão dos fatos que se possa
definir como verdadeira. Embora o problema do acertamento judicial dos fatos não se coloque
em termos de determinação da verdade absoluta ou da certeza indubitável de uma determinada
alegação fática, a prova se coloca como um mecanismo que permite que se realize uma escolha
racional entre hipóteses diversas sobre os fatos debatidos no processo. No processo há vários
fatos relevantes, ou melhor, várias hipóteses ou enunciados sobre fatos relevantes. É a prova
que fornece o “grau de suporte”, ou “de confirmação”, ou ainda “de convencimento”, de uma
das hipóteses fáticas relevantes para a decisão da causa. De outro lado, a ausência de prova – ou
de “elementos de confirmação” – de uma hipótese não significa que ela seja falsa. A ausência de
prova sobre uma hipótese fática significa a incerteza sobre o fato, mas não equivale à
confirmação da hipótese contrária (Badaró, 2003).
BRASILEIRO sustenta que destinatários da prova “são todos aqueles que devem formar sua convicção. De modo
geral, tem-se como destinatário o órgão jurisdicional (juiz ou tribunal) sobre o qual recai a competência para
o processo e julgamento do delito”.
Parte da doutrina sustenta que o Ministério Público também pode ser destinatário da prova. A
depender do referencial adotado, sustentam, é possível dizer que o órgão ministerial, detendo a
titularidade da ação penal pública, também é destinatário da prova, na medida em que, na fase
pré-processual, as provas têm como finalidade o convencimento do órgão ministerial (formação
de sua opinio delicti). Com a devida vênia, como visto anteriormente, na fase investigatória, não
se pode usar a expressão 'prova', salvo no caso de provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. Objetiva o inquérito policial a produção de elementos de informação. Por isso,
preferimos dizer que o órgão do Ministério Público é o destinatário desses elementos, e não da
prova, cuja produção se dá, em regra, somente em juízo, quando a decisão acerca da prática de
determinado fato delituoso compete única e exclusivamente ao juiz natural (Lima, 2021).
Em razão do princípio da comunhão da prova1, considerando que a prova não pertence exclusivamente ao
juiz e nem é invocável somente por aquele que a produziu, podemos concluir que o destinatário maior da
prova, no processo penal, é o juiz; secundariamente, ela também se dirige às partes, que dela podem extrair
convicções e consectários legais.
1
De que falaremos mais adiante.
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “O
destinatário direto da prova é o magistrado, que formará o seu convencimento pelo material que
é trazido aos autos. As partes também são destinatárias da prova, mas de forma indireta, pois
convencidas daquilo que ficou demonstrado no processo, aceitarão com mais tranquilidade a
decisão”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “A irresignação das
partes em aceitar como expressão da verdade a decisão judicial fundamentada em determinado
material probatório é que irá, em princípio, motivar o exercício ao duplo grau de jurisdição.
Assim, primordialmente, as provas destinam-se ao juiz e, secundariamente, às partes”.
ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2017): “O que se almeja com a prova, entretanto, é a demonstração da verdade
processual (ou relativa), já que é impossível alcançar no processo, como nas demais atividades
humanas, a verdade absoluta. Na ação penal privada, é possível distinguir uma finalidade
secundária da prova: convencer o querelante da inconsistência da imputação, já que ele poderá
desistir da ação ou dar ensejo à perempção (art. 60, I e III, do CPP)”.
VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “A finalidade da
prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim
em si mesma ou um fim moral ou filosófico; sua finalidade é prática, qual seja, convencer o juiz.
Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa
suficiente na convicção do magistrado”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “A prova, assim, é a
verificação do thema probandum e tem como principal finalidade (ou objetivo) o convencimento
do juiz. Tornar os fatos, alegados pelas partes, conhecidos do juiz, convencendo-o de sua
veracidade. Portanto, o principal destinatário da prova é o juiz; porém, não podemos
desconsiderar que as partes são também interessadas e, consequentemente, destinatárias
indiretas das provas, a fim de que possam aceitar ou não a decisão judicial final como justa”.
2 - OBJETO DA PROVA
Objeto da prova, também conhecido como thema probandum, “é a coisa, fato, acontecimento ou
circunstância que deva ser demonstrado no processo. Ou como expressa FLORIAN: é aquilo de que o juiz deve
adquirir o necessário conhecimento para decidir sobre a questão submetida a seu julgamento” (Marques,
1997).
Como o juiz se presume instruído sobre o direito a aplicar, os atos instrutórios só se referem à
prova das quaestiones facti. O juiz deve conhecer o direito, obrigação essa que é elementar para
o exercício da jurisdição (jura novit curia). Donde se segue que, abstratamente falando, constitui
objeto de prova tão só o que diz respeito às questões de fato surgidas no processo. [...]
Objeto in concreto da prova são os fatos relevantes para a decisão do litígio. Donde excluir-se do
procedimento instrutório toda prova impertinente ou irrelevante. Fatos que não pertencem ao
litígio e que relação alguma apresentam com o objeto da acusação, consideram-se sem
pertinência, e que, tanto, devem ser excluídos do âmbito da prova in concreto. Inadmissíveis
também são, como objeto de prova, os fatos que não influem sobre a decisão da causa, embora
a ela se refiram. Para que indagar, por exemplo, da roupa que envergava o homicida ao praticar
o crime, se dúvida não há a respeito da pessoa que cometeu o crime, sendo assim prescindível
qualquer prova ou sinal exterior para identificação do acusado? (Marques, 1997)
Objeto da prova é a veracidade da imputação feita ao réu com todas as suas circunstâncias. É o
thema probandum, que incide sobre a própria res in iudicium deducta. Por isso mesmo os
alemães usam como sinônimo as expressões beweisende Tatsache, matéria probanda, e
entscheindende Tatsache, matéria decidenda.
Para chegar à prova do crime imputado ao réu é preciso, por vezes, provar outros fatos (indícios),
que pela sua ligação com o crime podem levar a uma conclusão sobre ele. Por exemplo, provar
a maquinação, a compra da arma, os atos praticados após um homicídio para ocultá-lo etc. Mas
esses fatos indiciários não são o thema probandum. O que se quer provar, o que é objeto da
prova, é o homicídio, é a morte da vítima (Tornaghi, 1997). P. 282
NORBERTO AVENA diz que objeto da prova “são os fatos, principais ou secundários, que reclamem uma
apreciação judicial e exijam uma comprovação” (Avena, 2020). “Objeto da prova são, primordialmente, os
fatos que as partes pretendem demonstrar. Excepcionalmente, a parte deve fazer prova quanto à existência
e ao conteúdo de um preceito legal, desde que se trate de norma internacional, estadual ou municipal
(nestes últimos dois casos, caso se trate de unidade da Federação diversa daquela onde está o magistrado)”
(Nucci, 2018).
BRASILEIRO tem um entendimento um pouco diferenciado quanto a isso: “o objeto da prova não são os fatos,
pois jamais será possível se atingir a reconstrução integral do que efetivamente ocorreu. Na verdade, o
objeto da prova é a verdade ou falsidade de uma afirmação sobre um fato que interessa à solução do
processo. São as asserções feitas pelas partes que interessam à solução de controvérsia submetida à
apreciação judicial”.
1) Imputação constante da peça acusatória - sem dúvida alguma, constitui objeto da prova
(thema probandum) a imputação formulada na peça acusatória. Assim, se o órgão ministerial
atribui a alguém a prática de determinado fato tipificado pelo Direito Penal, impõe-se a
comprovação do cometimento do referido delito, sob pena de absolvição do agente;
2) Costumes - o direito consuetudinário também deve ser provado (ex.: se o Parquet atribui ao
acusado a prática de crime de furto durante repouso noturno, deverá comprovar a veracidade
de tal assertiva);
4) Direito estrangeiro, estadual e municipal - presume-se que o juiz conheça o direito estadual
e municipal do local onde exerce jurisdição. Destarte, só se apresenta necessária a comprovação
do direito estadual e municipal referente à localidade diversa daquela do exercício jurisdicional.
Nesse sentido, o novo Código de Processo Civil dispõe que a parte que alegar direito municipal,
1
estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz
determinar (art. 376).
5) Fatos não contestados ou incontroversos - também devem ser objeto de prova. Nesse ponto,
não se pode confundir o processo penal com o processo civil (Lima, 2021).
Existem, todavia, fatos que não dependem de prova. Interessante registrar o que estabelece o Código de
Processo Civil a respeito disso:
I - notórios;
Esse artigo, claro, pode ser aplicado analogicamente no processo penal. Mas daí cabe a indagação:
inteiramente? Todas essas hipóteses também dispensam a prova num processo criminal? NÃO. De um
modo geral a doutrina costuma dizer que somente os incisos I e IV se aplicam no processo penal (em
destaque). NUCCI afirma que somente o II não se aplica, mas sem esclarecer sobre o inciso III (Nucci, 2018).
Sobre o inciso III, que cuida dos fatos incontroversos, vale a lição de AVENA:
De acordo com o art. 374, II e III, do novo CPC, não dependem de prova os fatos afirmados por
uma parte e confessados pela parte contrária ou aqueles admitidos, no processo, como
incontroversos. Além disso, referindo-se à revelia, dispõe o CPC que, se o réu não contestar a
ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (NCPC, art. 344). No âmbito
processual penal, por força do princípio da presunção de inocência, mesmo que o acusado venha
a confessar a prática do delito, subsiste o ônus da acusação de comprovar a imputação constante
da peça acusatória. Nessa linha, segundo o art. 197 do CPP, “o valor da confissão se aferirá pelos
critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá
confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância”. Ademais, mesmo que seja decretada a revelia do acusado
com fundamento no art. 367 do CPP, não há falar em confissão ficta ou presumida no processo
penal, com a consequente presunção da veracidade dos fatos narrados na peça acusatória.
Mesmo na hipótese de acusado revel, ainda assim deverá o órgão ministerial desincumbir-se a
contento de seu ônus probatório, sob pena de o pedido condenatório ser julgado improcedente
pelo julgador (Lima, 2021).
2. Fatos notórios: são os que fazem parte do patrimônio cultural de cada pessoa. Por isso mesmo,
aqui se aplica o princípio notorium non eget probatione – o que é notório dispensa prova.
Exemplos: Na Comarca de Camaquã, denunciando o Ministério Público determinada pessoa por
crime contra a honra do Prefeito Municipal, será desnecessário comprovar, naquele juízo, que a
vítima realmente foi diplomada como Chefe do Executivo, pois essa circunstância é por todos
sabida na localidade, inclusive pelo juiz que lá jurisdiciona. Outros exemplos: moeda nacional,
condição de Presidente da República, um feriado nacional etc.
Fatos notórios - são aqueles de conhecimento público geral. São os fatos cujo conhecimento está
inserido na cultura normal e própria de determinada esfera social no tempo em que ocorrer a
decisão, como as datas históricas, os fatos políticos ou sociais de conhecimento público, ou seja,
o fato que pertença ao patrimônio estável de conhecimento do cidadão de cultura média numa
sociedade historicamente determinada. Exemplificando, não é necessário provar que o
Aeroporto de Congonhas fica na cidade de São Paulo, nem tampouco que o dia 15 de novembro
é feriado nacional no Brasil. No âmbito processual civil, há dispositivo expresso acerca do assunto
(NCPC, art. 374, I). Com base no art. 3° do CPP, nada impede a aplicação do princípio notorium
non eget probationem no processo penal.
3. Fatos inúteis: são os que não possuem nenhuma relevância na decisão da causa, dispensando
a análise pelo julgador. São circunstâncias incidentais, de caráter secundário, absolutamente
desnecessárias à solução da lide. Exemplo: as preferências sexuais de indivíduo acusado de crime
de furto.
Fatos inúteis ou irrelevantes - são aqueles que não interessam à decisão da causa, sejam eles
verdadeiros ou falsos.
4. Presunções legais: são juízos de certeza que decorrem da lei. Classificam-se em absolutas
(presunções jure et de jure) ou relativas (presunções juris tantum). As primeiras não aceitam
prova em contrário, sendo exemplo a condição de inimputável do indivíduo menor de dezoito
Presunções legais - presunção é a afirmação feita pela lei de que um fato é existente ou
verdadeiro, independentemente de prova. Assim, provado o fato que serve de base à presunção,
considera-se provado o fato probando objeto da presunção. Como exemplo, comprovando-se
que o acusado é menor de 18 (dezoito) anos, presume-se que seja inimputável. Logo, a
inimputabilidade do menor de 18 (dezoito) anos não precisa ser provada pela acusação ou pela
defesa. A presunção pode ser de duas espécies: absoluta ou relativa (Lima, 2021).
A expressão fonte de prova é utilizada para designar as pessoas ou coisas das quais se consegue
a prova, daí resultando a classificação em fontes pessoais (ofendido, peritos, acusado,
testemunhas) e fontes reais (documentos, em sentido amplo). Cometido o fato delituoso, tudo
aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser
conceituado como fonte de prova. Derivam do fato delituoso em si, independentemente da
existência do processo, ou seja, são anteriores a ele, sendo que sua introdução no feito se dá
através dos meios de prova.
Exemplificando, suponha-se que determinado crime tenha sido praticado dentro de uma sala de
aula. Todas as pessoas que presenciaram o cometimento do delito serão consideradas fontes de
prova. Essas pessoas poderão ser levadas à apreciação do juiz, o que se dará pela sua introdução
no processo pelos meios de prova, in casu, pela prova testemunhal (Lima, 2021).
JOSÉ FREDERICO MARQUES iguala a compreensão entre fontes e meios de prova. Nesse sentido, meios de prova
“como ensina PONTES DE MIRANDA, são as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou
motivos de prova. Através deles é que o magistrado forma a sua convicção e as partes procuram demonstrar
os fatos que alegaram” (Marques, 1997).
Há uma certa indefinição de conceitos na doutrina clássica (que não fazia tantas distinções quanto a doutrina
mais moderna). HÉLIO TORNAGHI, por exemplo, diz que meios de prova “são as coisas ou ações usadas para
pesquisar ou demonstrar a verdade”. Adverte que é “preciso cuidado para evitar a confusão, muito
frequente, de meio com sujeito ou com objeto de prova. Assim, por exemplo, a testemunha é sujeito, e não
meio de prova. O depoimento dela, este, sim, é meio de prova. [...]; a inspeção do local é meio de prova.
Meio é tudo aquilo que serve para alcançar um fim, seja o instrumento usado ou o caminho percorrido”.
ii) Meios de prova “são os instrumentos com os quais se leva ao processo um elemento útil para a decisão.
São os instrumentos por meio dos quais as fontes de provas são conduzidas ao processo: o depoimento da
testemunha, a perícia no instrumento do crime etc.” (Dezem, 2018).
[...] meios de prova são os instrumentos através dos quais as fontes de prova são introduzidas no
processo. Dizem respeito, portanto, a uma atividade endoprocessual que se desenvolve perante
o juiz, com o conhecimento e a participação das partes, cujo objetivo precípuo é a fixação de
dados probatórios no processo. Enquanto as fontes de prova são anteriores ao processo e
extraprocessuais, os meios de prova somente existem no processo. Como aduz BADARÓ, "a
testemunha de um fato é a fonte de prova, enquanto
2 suas declarações em juízo são o meio de
prova. O documento é uma fonte de prova, a sua incorporação ao processo é o meio de prova.
O livro contábil é a fonte de prova, enquanto a perícia contábil é o meio de prova". Os meios de
prova podem ser lícitos ou ilícitos. Somente os primeiros podem ser admitidos pelo magistrado,
dispondo o art. 157 do CPP que são inadmissíveis as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais, devendo ser desentranhadas dos autos do
processo. Como destaca NUCCI, os meios ilícitos abrangem não somente os que forem
expressamente proibidos por lei, mas também os imorais, antiéticos, atentatórios à dignidade e
à liberdade da pessoa humana e aos bons costumes, bem como os contrários aos princípios gerais
de direito (Lima, 2021).
A distinção entre fonte de prova e meio de prova é relevante, na medida em que possibilita
compatibilizar o processo penal acusatório com os poderes instrutórios do juiz. O juiz não pode
ser um investigador de fontes de provas. Como já visto, a atividade de investigação pressupõe a
eleição mental, ainda que provisória, de uma hipótese preferível a ser investigada. E nessa
escolha há um comprometimento psicológico com a hipótese eleita, que coloca em risco a
imparcialidade do investigador. Portanto, quem investiga não pode julgar. Coisa diversa, porém,
é admitir que, uma vez existindo nos autos do processo a notícia de uma fonte de prova – que
não foi investigada pelo julgador, mas que se teve conhecimento por atividade das partes –, o
juiz possa determinar sua introdução no processo, mediante a produção do meio de prova
correspondente.
Por exemplo, havendo dúvida sobre um fato relevante, e existindo no boletim de ocorrência o
nome de uma testemunha presencial, o juiz, tendo conhecimento da existência de tal fonte de
prova (a testemunha), poderá determinar a produção do meio de prova correspondente (o
depoimento da testemunha em juízo). Além disso, ao determinar a produção do meio de prova,
o juiz não sabe, de antemão, qual o resultado probatório que poderá advir da produção de tal
meio de prova: positivo, negativo ou inconclusivo. Por exemplo, poderá comprovar ter sido o
acusado o autor do crime, poderá comprovar que não foi o acusado o autor do crime, ou poderá
não fornecer elementos de prova seguros sobre a autoria delitiva (Dezem, 2018).
iii) Meios de obtenção de prova, “também denominados meios de investigação ou de pesquisa de provas,
são instrumentos para a colheita de fontes ou elementos de prova” (Dezem, 2018). De acordo com essa
distinção que somente a doutrina mais moderna faz “referem-se a certos procedimentos (em regra,
extraprocessuais) regulados por lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser
realizados por outros funcionários que não o juiz (v.g., policiais)” (Lima, 2021).
O único meio de obtenção de prova disciplinado pelo CPP é a busca e a apreensão, embora
elencada, erroneamente, entre os meios de prova. Há outros meios de obtenção de provas
previstos em leis especais: a interceptação das comunicações telefônicas, disciplinada na Lei
9.296/1996; a interceptação ambiental (nominada na Lei 12.850/2013); as chamadas “quebras”
dos sigilos legalmente protegidos, como o financeiro (regidos pela Lei Complementar n.
105/2001), o fiscal (CTN, art. 198), o sigilo profissional, entre outros. O agente infiltrado, previsto
nos arts. 10 a 14 da Lei 12.850/2013, também é um meio de obtenção de prova. Não se trata de
um meio de prova, não podendo o agente infiltrado f ser reduzido à mera testemunha como uma
simples fonte oral de prova. Tanto assim que a infiltração se inclui entre os “procedimentos de
investigação e formação de prova”, para ser utilizada “em tarefas de investigação”. Não, pois, de
um meio de prova que se presta, diretamente, a convencer o julgador (o que poderia ter essa
função seria o depoimento prestado em juízo pelo agente infiltrado, sobre fatos que teve
conhecimento durante o período em que integrou a organização criminosa), mas a obtenção de
elementos relevantes para a reconstrução dos fatos (os lugares onde a droga fica armazenada,
os agentes públicos que são corrompidos, as formas de lavagem de dinheiro utilizadas pela
organização criminosa, os locais de venda de produtos ilícitos etc.). Uma característica dos meios
de obtenção de prova apontada pela doutrina é o seu caráter de surpresa. Ou seja, sua eficiência
visando à efetiva colheita de elementos de prova úteis depende do desconhecimento do
investigado de que é ou será alvo de busca e apreensão, de interceptação telefônica etc.
Justamente por isso afirma-se que nestes casos o requerimento, a admissibilidade e a efetiva
realização de tal meio devem ocorrer sem a ciência da parte investigada, sendo o resultado de
tal operação submetido, posteriormente, ao contraditório diferido (Dezem, 2018).
Sobre a diferença e a importância da distinção, vejamos, mais uma vez, o ensinamento de MADEIRA e
BRASILEIRO:
comunicação telefônica (CR, art. 5.º, caput, XII). A infiltração do agente policial também deve ser
considerada um específico meio de obtenção de prova, de aplicação restrita aos casos de
criminalidade organizada, visando a descoberta de fontes de provas que levarão à posterior
produção do meio correspondente. Assim, por exemplo, o agente infiltrado descobre quem são
os funcionários públicos que cedem à corrupção do grupo, bem como onde e como se dão os
pagamentos, visando posterior quebra de sigilo bancário ou meio de prova pertinente. Identifica
onde é o depósito da droga e a rota utilizada para seu transporte, o que poderá justificar futuras
medidas de busca e apreensão ou prisões em flagrante, e assim sucessivamente. Não poderá ele,
porém, servir como testemunha em juízo, sob pena de se ter um depoimento absolutamente
incontrolável, pois qualquer fato por ele narrado relativo ao grupo e seus integrantes teria foros
de verdade absoluta. Como produzir a contraprova, diante de uma afirmação do agente
infiltrado? Se incluísse em seu depoimento fatos inexistentes ou agentes que deles não
participaram, ou se, por outro lado, omitisse determinado fato ocorrido ou se calasse sobre um
integrante que desejasse proteger, novamente não haveria como descobrir a falta com a
verdade. Mais recentemente, a Lei nº 13.441, de 8 de maio de 2017, alterou o Estatuto da Criança
e do Adolescente, passando a prever a Infiltração de Agentes de Polícia na internet para a
Investigação de Crimes contra a Dignidade Sexual de Criança e de Adolescente (ECA, art. 190-A a
190-E). Trata-se de uma “infiltração virtual”, isto é, por meio da internet, com a finalidade de
obter os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão
de internet e cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas (Dezem, 2018).
Importante ressaltar que, em regra, esses meios de investigação devem ser produzidos sem
prévia comunicação à parte contrária, funcionando a surpresa como importante traço peculiar,
sem a qual seria inviável a obtenção das fontes de prova. Nesse ponto diferenciam-se também
dos meios de prova, na medida em que, em relação a estes, é de rigor a observância ao
contraditório, que pressupõe tanto o conhecimento acerca da produção de determinada prova,
quanto a efetiva participação na sua realização. Essa distinção entre meios de prova e meios de
obtenção de prova também é importante quando se aponta as consequências de eventuais
irregularidades ocorridas quando do momento de sua produção. Deveras, eventuais vícios
quanto aos meios de prova terá como consequência a nulidade da prova produzida, haja vista
referir-se a uma atividade endoprocessual. Lado outro, verificando-se qualquer ilegalidade no
tocante à produção de determinado meio de obtenção de prova, a consequência será o
reconhecimento de sua inadmissibilidade no processo, diante da violação de regras relacionadas
à sua obtenção (CF, art. 5°, LVI), com o consequente desentranhamento dos autos do processo
(CPP, art. 157, caput) (Lima, 2021).
- são executados, em regra, por policiais aos quais - consistem em atividades desenvolvidas perante o
seja outorgada a atribuição de investigação de juiz competente, valendo lembrar que o juiz que
infrações penais, geralmente com prévia presidir a instrução deverá, pelo menos em regra,
autorização e concomitante fiscalização judiciais; julgar o feito (CPP, art. 399, § 2º);
- são praticados com fundamento na surpresa, - são produzidos sob o crivo do contraditório, com
com desconhecimento do(s) investigado(s); prévio conhecimento e participação das partes;
- se praticados em desconformidade com o
- se praticados em desconformidade com o modelo
modelo típico, há de ser reconhecida a sua
típico, são sancionados, em regra, com a nulidade
ilicitude, com o consequente desentranhamento
absoluta ou relativa.
dos autos do processo.
Aproveita-se também o didático quadro comparativo do último autor citado:
“Elemento de prova é o dado bruto que se extrai da fonte de prova, ainda não valorado pelo juiz. [...]
resultado probatório é a conclusão do juiz sobre a credibilidade da fonte e a atendibilidade do elemento
obtido” (Dezem, 2018).
Destaca RENATO BRASILEIRO, que elementos de prova “(evidence, em inglês) são todos os dados objetivos que
confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão da causa. Elemento de
prova é representado por aquilo que, introduzido no processo, pode ser utilizado pelo juiz como fundamento
da sua atividade julgadora. Deve ser empregado no plural - elementos de prova ou elementos probatórios -
, pois o convencimento judicial, em princípio, resulta de mais de um, ou seja, de uma pluralidade de
informações”.
Em suma: os meios de prova são utilizados para se conseguir as fontes; na sequência, diante das fontes
obtidas, os meios são utilizados para extração dos elementos de prova, estes sim que devem servir ao
convencimento motivado do juiz (resultado). Cronologicamente, dentro de uma persecução penal, podemos
criar o seguinte quadro exemplificativo para ilustração e diferenciação:
3 - CADEIA DE CUSTÓDIA
Ao se falar em ‘cadeia de custódia’, relacione a locução a um conjunto de atos, sucessivos e entrelaçados,
tendentes a manter, do início ao fim, a integridade das evidências materiais do crime. Ou, nas palavras de
Norberto Avena, é o “caminho percorrido pela prova desde o conhecimento da prática de uma infração pelas
autoridades encarregadas da persecução criminal até o momento em que, constatada a ocorrência de
vestígios e realizados os exames necessários, for produzido o laudo pericial e descartado o material que
serviu de base para a perícia” (Avena, 2020).
BRASILEIRO fala sobre o tema. Segundo ele a cadeia de custódia de provas consiste, em linhas gerais, “em um
mecanismo garantidor da autenticidade das evidências coletadas e examinadas, assegurando que
correspondem ao caso investigado, sem que haja lugar para qualquer tipo de adulteração. Funciona, pois,
como a documentação formal de um procedimento destinado a manter e documentar a história cronológica
de uma evidência, evitando-se, assim, eventuais interferências internas e externas capazes de colocar em
dúvida o resultado da atividade probatória”.
Agora, o Pacote Anticrime conceituou e disciplinou, detalhadamente, a cadeia de custódia das provas no
processo penal brasileiro. O conceito está no caput do art. 158-A do CPP, introduzido pela Lei 13.964/2019:
§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se
relaciona à infração penal.
A inovação busca “o aprimoramento dos procedimentos de preservação das evidências atreladas a um delito,
fortalecendo a natureza científica e técnica do sistema probatório” (Cunha, 2020).
Podemos compreender a cadeia de custódia como uma espécie de proteção às evidências do crime; como
um rastreamento e registro cronológico de todo o caminho percorrido pelo vestígio para efeito de constituir
prova técnica no processo penal.
Imagine-se, por exemplo, que tenha sido acostado, no âmbito de um processo criminal por crime
homicídio, laudo pericial de exame em arma de fogo apreendida no local do fato, instrumento
este supostamente pertencente ao réu e apontado no laudo como aquele de onde partiu o
projétil que atingiu a vítima e causou-lhe a morte. Ora, a confiabilidade desta prova pericial está
condicionada a que seja possível ao juiz e às partes, diante dos elementos acostados ao processo,
a identificação – leia-se: o rastreamento – de cada das fases que antecederam a produção do
laudo, verificando, por exemplo, se a cena do crime onde apreendido o revólver citado havia sido
preservada pela autoridade policial, como ocorreu a apreensão, quais as providências adotadas
desde então até o recebimento daquela arma no setor competente e quem foram os
responsáveis pela sua manipulação até a elaboração do laudo. E esta sequência de atos e fatos
é, pois o que se denomina de cadeia de custódia. Se, porventura, devido a irregularidades
cometidas nesse trajeto da prova, não for possível apurar a legitimidade das fases que o
compõem, ter-se-á hipótese de quebra da cadeia de custódia, com implicações na validade dos
elementos de convicção produzidos e materializados no laudo pericial. (Avena, 2020)
qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação
criminal e o subsequente processo criminal. Em outras palavras, se a acusação pretende
apresentar evidências físicas em juízo (v.g., arma do crime), deve estar disposta a mostrar que o
objeto apresentado é o mesmo que foi apreendido na data dos fatos. (Lima, 2021)
A prova técnica, ninguém questiona, tem singular importância dentro do processo penal. Embora nosso
sistema seja de livre apreciação da prova (não existem valores predeterminados pela lei), não se nega a
credibilidade que a ela se confere, com constatações objetivas e fidedignas trazidas pela análise dos
vestígios. Não só isso, a importância é reforçada pelo fato de que essas provas, ordinariamente, são
produzidas de modo antecipado e não repetíveis na instrução criminal – a ponto de o CPP dispensar a sua
reprodução em fase de processo. Nesse sentido, veja a redação do art. 155 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Por essa forma de pensar, a prova pericial assume, na grande maioria dos casos, “caráter ímpar, senão
definitivo, diante da impossibilidade de reprodução em juízo sob o crivo do contraditório. Daí a preocupação
dos operadores do direito, no sentido da preservação de todos os vestígios desde a coleta, bem como à
padronização dos procedimentos e ao aperfeiçoamento dos atos profissionais vinculados aos órgãos de
criminalística” (Cunha, 2020).
Foi muito rigorosa a lei ao tratar do acesso e da remoção dos vestígios, inclusive erigindo a crime algumas
condutas:
Art. 158-C. § 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer
vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada
como fraude processual a sua realização.
A fraude processual (que, claro, para se configurar vai exigir o elemento subjetivo do tipo) é prevista no art.
347 do Código Penal, com pena em dobro no processo penal:
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não
iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
Importante perceber que a prova técnica não pode servir somente aos interesses da acusação como,
inclusive, já reconheceu o STJ (em relação à interceptação telefônica).
[...] XI. A prova produzida durante a interceptação não pode servir apenas aos interesses do órgão
acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade, sem a qual se mostra
XIII. É certo que todo o material obtido por meio da interceptação telefônica deve ser dirigido à
autoridade judiciária, a qual, juntamente com a acusação e a defesa, deve selecionar tudo o que
interesse à prova, descartando-se, mediante o procedimento previsto no art. 9º, parágrafo único,
da Lei 9.296/96, o que se mostrar impertinente ao objeto da interceptação, pelo que constitui
constrangimento ilegal a seleção do material produzido nas interceptações autorizadas, realizada
pela Polícia Judiciária, tal como ocorreu, subtraindo-se, do Juízo e das partes, o exame da
pertinência das provas colhidas. Precedente do STF.
Busca-se garantir a sindicabilidade da prova técnica; busca-se assegurar a ampla defesa, então, também
mediante a possibilidade de rastreamento, desde a reconhecimento até o descarte, de todo o vestígio que
serviu de suporte para o exame pericial. É imprescindível a manutenção da sua unidade, autenticidade e
registro cronológico, de modo que se avalie a pertinência e a correção das conclusões dos expertos na análise
do material.
O cuidado com a preservação da prova técnica não é algo exatamente novo no CPP e algumas disposições
deixam isso muito claro:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas,
até a chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade
providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos
peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão,
no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a
eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas
fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.
O Pacote Anticrime elevou exponencialmente esse cuidado, sistematizou, padronizou e disciplinou (de forma
minudente) os procedimentos operacionais em relação à prova técnica. A disciplina legal tomou por base
aquilo que já estabelecia a Portaria nº 82, de 16/07/2014, da Secretaria Nacional de Segurança Pública,
normativo que apontava a cadeia de custódia como fundamental para garantir a idoneidade e a
rastreabilidade dos vestígios, com vistas a preservar a confiabilidade e a transparência da produção da prova
pericial até a conclusão do processo judicial; conferindo aos vestígios certificação de origem e destinação e,
consequentemente, atribui à prova pericial resultante de sua análise, credibilidade e robustez suficientes para
propiciar sua admissão e permanência no elenco probatório.
Todo esse cuidado é importante até para que se garanta a contraprova ou a contraperícia, esta definida na
Portaria 82 como nova perícia realizada em material depositado em local seguro e isento que já teve parte
anteriormente examinada, originando prova que está sendo contestada. Ou seja: um novo exame em relação
ao mesmo material (ou parte dele), para confirmar ou infirmar a conclusão técnica outrora obtida.
Ponderamos que, agora, a cadeia de custódia da prova penal tem uma vasta regulamentação legal. Por vezes
muito exigente e detalhada. Percebemos, também, que uma das finalidades disso é a preservação da
autenticidade da prova.
Autenticidade consiste na certeza de que o objeto em análise provém das fontes anunciadas e
que não foi alvo de mutações ao longo de um processo, assegurando-se a identificação e a
segurança da origem da informação (Cunha, 2020).
Ok, mas o que deve ocorrer com a prova caso essa cadeia seja violada? O que deve ocorrer caso essas
prescrições todas do CPP não sejam observadas? A prova deverá ser tida como contaminada/ilícita? Poderá
ser a prova valorada pelo julgador? Enfim...
1. os que entendem que a quebra da cadeia de custódia, em qualquer medida, implica ilicitude da prova
(e desentranhamento), inclusive ao largo da boa ou má-fé dos agentes que manusearam os vestígios.
O que interessa é se, objetivamente, o procedimento previsto em lei foi adotado ou não, ao largo do
elemento subjetivo do agente;
2. o material de prova não é ilícito, não houve obtenção ilegal, caso contrário não seria colocado em
custódia. A prova permanece lícita, podendo ser questionada sua autenticidade. “Seu valor será
maior ou menor quanto mais ou menos se respeitou o procedimento da cadeia de custódia. Não pode
ser descartada pelo juiz, mas valorada” (Cunha, 2020).
A segunda corrente tem respaldo no fato de que todas as provas têm valor relativo (livre convencimento
motivado) e o juiz não está vinculado, em suas decisões, aos exames realizados (que pode mandar repetir
por outros peritos), nem à conclusão dos laudos periciais (que pode rejeitar, no todo ou em parte), nos
termos do CPP:
Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros
peritos, se julgar conveniente.
Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.
Interessa observar, para a análise sobre a validade da prova e seu grau de autenticidade, o nível de
(in)observância das regras da cadeia de custódia. Tudo bem, sabemos que “todos vestígios coletados no
decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito” na lei (art. 158-C, § 1º, CPP), mas não
parece proporcional ou razoável, por exemplo, compreender como totalmente ilícita e proceder ao
desentranhamento de uma prova somente porque o seu vestígio (após o exame regularmente feito) foi
descartado fora dos padrões previstos; ou, ainda, porque não se anotou a matrícula do responsável por
rompimento de um lacre, embora se tenha todos os outros dados dessa pessoa (art. 158-D, § 4º, CPP).
Claro, quando a quebra da cadeia de custódia impedir, por completo, a rastreabilidade ou a contraprova, ou
implicar sérias dúvidas quanto à autenticidade, parece inevitável concluir pela imprestabilidade da prova.
Essa segunda corrente é consentânea em relação ao entendimento dos tribunais no sentido de que mesmo
nas nulidades absolutas o prejuízo tem de ser demonstrado (não é presumido). Essa, sem dúvida, é mais uma
questão que a nossa jurisprudência terá de definir.
Como já pontuado, passamos a ter uma vasta disciplina para a cadeia de custódia trazida pela Lei
13.964/2019, mediante acréscimos no CPP.
O início da cadeia de custódia ocorre já com a descoberta do fato, com a preservação do local do crime e
percepção sobre a possível existência de vestígios; portanto, numa etapa muito inicial, muitas vezes antes
da própria persecução penal.
Compreende uma série de etapas que, nos ditames da Portaria 82/SNSP-MJ, se distribuem em fases externa
e interna.
2.2. A fase externa compreende todos os passos entre a preservação do local de crime ou
apreensões dos elementos de prova e a chegada do vestígio ao órgão pericial encarregado de
processá-lo, compreendendo, portanto: a) preservação do local de crime; b) busca do vestígio;
c) reconhecimento do vestígio; d) fixação do vestígio; e) coleta do vestígio; f) acondicionamento
do vestígio; g) transporte do vestígio; h) recebimento do vestígio.
2.3. A fase interna compreende todas as etapas entre a entrada do vestígio no órgão pericial até
sua devolução juntamente com o laudo pericial, ao órgão requisitante da perícia,
compreendendo, portanto: a) recepção e conferência do vestígio; b) classificação, guarda e/ou
distribuição do vestígio; c) análise pericial propriamente dita; d) guarda e devolução do vestígio
de prova; e) guarda de vestígios para contraperícia; f) registro da cadeia de custódia.
Fácil perceber que isso tem relação com o que acontece dentro ou fora do órgão oficial. Na fase externa,
inclusive, a lei estabelece responsabilidade de preservação para qualquer agente público que se deparar com
um elemento de potencial interesse para prova. O policial, por exemplo, quando diligencia na cena do crime.
O CPP passou a prever, inclusive com as definições, todas as etapas para rastreamento dos vestígios:
Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:
2
A Portaria 82/SNSP-MJ, define, no glossário - “Agente Público: todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função pública”.
II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o
ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;
III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo
de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou
croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável
pelo atendimento;
IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas
características e natureza;
VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado
com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia
judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de
rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem
o recebeu;
São dez (10) etapas, todas bem definidas e delimitadas, demonstrando uma preocupação do legislador com
o rastreamento registrado e formal de todo o caminho percorrido pelo material. Não obstante, ainda prevê
a lei que o órgão central de perícia fique responsável por detalhar a forma de cumprimento de todas essas
etapas.
Dois apontamentos:
✓ a coleta dos vestígios deve ser feita preferencialmente por perito oficial, mas não exclusivamente;
isso viabiliza que, na falta do experto, um policial, por exemplo, possa recolher o material (tomando,
claro, as cautelas necessárias);
✓ é proibida a entrada de pessoas em locais isolados, assim como a remoção de vestígios.
Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que
dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a
realização de exames complementares.
§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como
descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por
detalhar a forma do seu cumprimento.
§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais
de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude
processual a sua realização.
A lei ainda exige que todos os Institutos de Criminalística tenham uma central de custódia, onde deverão
permanecer guardados e controlados todos os vestígios, além de detalhar o procedimento e os recipientes
de guarda. Eis as disposições, autoexplicativas:
Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do
material.
§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de
forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.
§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente,
por pessoa autorizada.
Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à
guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central de
perícia oficial de natureza criminal.
§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência,
recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a
distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que
não interfiram nas características do vestígio.
§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e
deverão ser registradas a data e a hora do acesso.
§ 4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas,
consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da
ação.
Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia,
devendo nela permanecer.
Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar
determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de
depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão
central de perícia oficial de natureza criminal.
Finalmente, a Portaria 82/SNSP-MJ, além de consignar que a busca por vestígios em local de crime se dará
em toda área imediata, mediata e relacionada, define:
✓ Área Imediata: área onde ocorreu o evento alvo da investigação. É a área em que se presume
encontrar a maior concentração de vestígios relacionados ao fato.
✓ Área Mediata: compreende as adjacências do local do crime. A área intermediária entre o local onde
ocorreu o fato e o grande ambiente exterior que pode conter vestígios relacionados ao fato sob
investigação. Entre o local imediato e o mediato existe uma continuidade geográfica.
✓ Área Relacionada: é todo e qualquer lugar sem ligação geográfica direta com o local do crime e que
possa conter algum vestígio ou informação que propicie ser relacionado ou venha a auxiliar no
contexto do exame pericial.
Doutrina complementar
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019) ainda traz,
dentro do grupo de fatos que independem de prova, as chamadas “máximas de experiência”: “É
o conjunto de conhecimentos adquiridos pelo juiz em razão de sua experienciação irreversível,
vale dizer, o agregado empíricosensorial que compõe o conhecimento do julgador e lhe
possibilitará a projeção judicante em face do caso concreto, por comparação às situações adrede
vividas ou conhecidas. Daí o julgador averiguará a veracidade ou não de determinada alegação
no processo, conformando sua íntima convicção com o quanto lhe foi exposto ou apresentado.
Em outras palavras, as máximas de experiência constituem a vivência e experiência do julgador,
utilizada na apreciação dos casos concretos que lhe são submetidos. Assim, por exemplo, o
magistrado conhecedor de que no bairro ‘X’ seja comum o tráfico de drogas, ante a prova
indiciária de que o acusado seria traficante, considerará esse juiz o estilo de vida ostentatório do
réu, o luxo incondizente com o ambiente em que vive, ou seja, o esbanjamento, tudo levando a
crer — por máxima de experiência — que o padrão de vida daquele acusado — sem ocupação
lícita provada — é comportamento típico de traficante. Desse modo, a convicção do juiz para o
julgamento foi formada com base na prova indiciária constante dos autos e reforçada pela
máxima de experiência”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), tratando sobre os
fatos que dependem de prova, assevera: “Todos os fatos restantes [que não os citados na
transcrição acima] devem ser provados, inclusive o fato admitido ou aceito (também chamado
fato incontroverso, porque admitido pelas partes). Nesse caso, diferentemente do que ocorre no
processo civil, existe a necessidade da produção probatória porque o juiz pode questionar o que
lhe pareça duvidoso ou suspeito, não estando obrigado à aceitação pura e simples do alegado
uniformemente pelas partes. Para a produção das provas necessita-se que a prova seja: (i)
admissível (permitida pela lei ou costumes judiciários). É também conhecida como prova
genética, como tal entendida toda a prova admitida pelo direito; (ii) pertinente ou fundada
(aquela que tenha relação com o processo, contrapondo-se à prova inútil); (iii) concludente (visa
esclarecer uma questão controvertida); e (iv) possível de realização. Logo, forçoso é concluir
que, se o fato não se inclui entre aqueles que independem de prova, mas, por outro lado, o meio
pretendido seja admissível, pertinente, concludente e possível, a prova não poderá ser
denegada, sob pena de manifesta ilegalidade, corrigível via correição parcial, dado o error in
procedendo”. Ainda, o autor faz um adendo em relação a determinados direitos porventura
invocados: “O direito, em regra, não carece de prova, na medida em que o magistrado é obrigado
a conhecê-lo, segundo o brocardo jurídico iure novit curia, ou seja, o juiz conhece o direito.
Porém, toda vez que o direito invocado for estadual, municipal, alienígena ou o
consuetudinário, caberá à parte alegante a prova do mesmo”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), em feliz e
elucidativa passagem de sua obra, muito bem sintetiza a diferenciação dos termos fontes, meios
e meios de obtenção de prova: “Como prova é vocábulo com múltiplos significados, a depender
da função que exerce no contexto, há distinção doutrinária quanto ao que sejam meios de prova,
meios de obtenção de prova e fontes de prova, (...): 1) meios de prova: são os instrumentos
processuais disponíveis para a produção da prova em procedimento contraditório, podendo ser
denominado de meio de prova de primeiro grau, na medida em que se destinam a produção da
prova de maneira imediata e em sentido estrito, exigindo sua inserção no processo em linguagem
com ele compatível. São endoprocessuais, só existindo no processo, naturalmente conduzido por
magistrado. A prova se considera produzida quando vertida em linguagem adequada e carreada
ao processo. Por exemplo: para se comprovar uma lesão corporal, a parte pode dispor de mais
de um meio, tais como a prova pericial, a prova testemunhal, a fotografia ou imagem digitalizada.
No entanto, a prova assim o será quando descrita no processo, na forma prevista
procedimentalmente (o depoimento pode se apresentar em linguagem escrita ou em linguagem
audiovisual, a perícia deverá ser vertida em linguagem no competente laudo pericial
confeccionado por profissional habilitado); 2) meios de obtenção de prova ou meios de
investigação de prova: são, em regra, extraprocessuais. Têm o objetivo de encontrar elementos
materiais de prova ou fontes de prova. Ex: a interceptação telefônica é um meio de obtenção de
prova, por se tratar de um meio de prova de segundo grau, eis que se destina a indicar outras
fontes de provas, materiais e de primeiro grau, através de investigações amplas; também é um
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018), acerca dos meios de
prova, assevera: “Meios de prova são todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza
para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em Lei ou não. Em outras palavras, é
o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convicção acerca dos fatos ou coisas que
as partes alegam. O depoimento da testemunha é o meio de prova de que se utiliza o juiz para
formar sua convicção sobre os fatos controvertidos. A inspeção judicial é meio de prova. O indício
é um meio de prova. Enfim, tudo aquilo que o juiz utiliza para alcançar um fim justo no processo
é considerado meio de prova”.
ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2017), sobre as fontes de prova, sustenta: “Conceitua-se como fonte de prova “tudo
quanto possa ministrar indicações úteis cujas comprovações sejam necessárias”68. Assim, são
fontes de prova a denúncia ou a queixa, pois das afirmações nelas insertas deriva a necessidade
da atividade probatória, bem como, eventualmente, a resposta escrita, o interrogatório e as
declarações do ofendido”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 3, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010):
“Fonte de prova. Entende-se por fonte de prova tudo quanto possa ministrar indicações úteis
cujas comprovações sejam necessárias. Assim, a denúncia, embora não seja elemento ou meio
de prova, é fonte desta, uma vez que contém indicações úteis, exigindo comprovação. Meio de
prova. É tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à comprovação da verdade que se
procura no processo: testemunhas, documentos, perícias etc.”.
GUILHERME MADEIRA DEZEM (Curso de processo penal, São Paulo: RT, 2020). “Quanto ao objeto da
prova, é conceito do qual nos afastamos da posição majoritária da doutrina e caminhamos para
a posição apresentada por Gomes Filho, que esclarece: ‘Afirma-se, em geral, que objeto da prova
(thema probandum) são os fatos que interessam à solução de uma controvérsia submetida à
apreciação judicial’. Contudo, posteriormente explicita sua definição de objeto da prova: ‘No
processo penal, a atividade probatória versa, fundamentalmente, sobre a imputação de um fato
criminoso, ou seja, sobre a afirmação que faz a acusação a respeito da ocorrência de um fato
tipificado pelo Direito Penal. Assim, a qualificação jurídica também integra a imputação, na
medida em que o fato narrado só tem valor quando ligado à norma incriminadora’. Da mesma
posição é Marina Gascón Abellán, que afirma: ‘Hasta aquí hemos hablado de la prueba de los
hechos como si se tratase de un concepto preciso y unívoco, y la hemos identificado, grosso modo,
con la fijación de los hechos relevantes para la decisión judicial. Esta forma de hablar, sin
embargo, no es de todo exacta, pues el objeto de la prueba no son hechos, sino enunciados sobre
hechos’. Concordamos com a posição apresentada por ambos (Magalhães e Marina Gascón
Abellán): não são os fatos que são objeto de prova, mas as afirmações sobre fatos. Com efeito,
mostra-se impossível a prova de um fato, na medida em que é impossível a reconstrução integral
do que efetivamente ocorreu (para mais esclarecimentos, veja-se o quanto afirmado no tópico
em que se discute sobre o princípio da verdade real). Ademais, a qualificação jurídica também
integra a imputação, conforme dito por Gomes Filho. No entanto, a posição majoritária
apresentada pela doutrina brasileira está com Guilherme Nucci, que afirma que ‘...objeto da
prova são, primordialmente, os fatos que as partes desejam demonstrar’. No mesmo sentido é a
posição de Julio Fabbrini Mirabete, José Frederico Marques, Denilson Feitoza e Fernando da
Costa Tourinho Filho, entre outros. É importante notar a distinção feita por José Frederico
Marques entre objeto da prova e objeto in concreto da prova. Objeto da prova é ‘a coisa, fato,
acontecimento, ou circunstância que deva ser demonstrando no processo’. Já objeto in concreto
da prova corresponde aos ‘fatos relevantes para a decisão do litígio’. A importância da distinção
feita por Frederico Marques reside em considerar o objeto da prova não apenas o enunciado
fático constante dos autos, mas, também, pode o objeto da prova, excepcionalmente, recair
sobre direito. Assim, o conceito de objeto da prova aceito pelo referido autor é o descrito por
Gomes Filho, ressalvado que, excepcionalmente, nas circunstâncias narradas por Frederico
Marques, também poderia o objeto da prova recair sobre matéria de direito. Vale notar que Hélio
Tornaghi apresenta diferenciação entre objeto da prova em abstrato e em concreto. Afirma o
autor: ‘Uma coisa é saber qual é o objeto da prova, em cada caso concreto. Outra, indagar que
coisas são objeto de prova, abstratamente considerada’. Para Tornaghi, de maneira abstrata
objeto da prova é a ‘veracidade da imputação feita ao réu com todas as suas circunstâncias’. Em
sentido concreto, ou seja, no caso concreto, objeto de prova ‘são os fatos e, como se disse antes,
controvertidos ou não’. Assemelha-se, aqui, à posição da maioria da doutrina brasileira. Como já
afirmado acima, não concordamos com este entendimento e a distinção feita entre o objeto da
prova em abstrato e em concreto”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), sobre as
técnicas especiais de investigação, leciona: “(...) são instrumentos distintos daqueles tradicionais
(prova documental ou oral), consistentes em estratégias que visam melhor apurar crimes graves,
com a otimização dos resultados através de criatividade investigativa que funcione como meio
de obtenção de prova. As técnicas especiais de investigação são caracterizadas por dois
elementos: o sigilo e a dissimulação, com o fito de se coligir elementos materiais de prova ou
fontes de provas. Caso a técnica especial seja invasiva, ou seja, intrusiva, com risco de afetar
direitos fundamentais como a intimidade, haverá necessidade de aquilatar sua legalidade e, se o
caso concreto exigir, intervenção por intermédio de decisão judicial, em face de cláusula de
reserva jurisdicional que existe quanto a bem relacionado à vida privada do investigado.
Exemplos de técnicas especiais de investigação são os meios de obtenção de prova previstos na
Lei nº 12.850/2013 (dispõe sobre organizações criminosas), tais como os dispostos em seu artigo
3º: (a) colaboração premiada; (b) captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos; (c) ação controlada; (d) acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados
cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou
comerciais; (e) interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da
legislação específica; (f) afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da
legislação específica; (g) infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art.
11; e (h) cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na
busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “A preservação das
fontes de prova, através da manutenção da cadeia de custódia, situa a discussão no campo da
‘conexão de antijuridicidade da prova ilícita’, consagrada no art. 5º, LVI, da Constituição,
acarretando a inadmissibilidade da prova ilícita. Existe, explica GERALDO PRADO, um sistema de
controle epistêmico da atividade probatória que assegura (e exige) a autenticidade de
determinados elementos probatórios. [...] O cuidado é necessário e justificado: quer-se impedir
a manipulação indevida da prova com o propósito de incriminar (ou isentar) alguém de
responsabilidade, com vistas a obter a melhor qualidade da decisão judicial e impedir uma
decisão injusta. Mas o fundamento vai além: não se limita a perquirir a boa ou má-fé dos agentes
policiais/estatais que manusearam a prova. Não se trata nem de presumir a boa-fé, nem a má-
fé, mas sim de objetivamente definir um procedimento que garanta e acredite a prova
independente da problemática em torno do elemento subjetivo do agente. [...] A discussão
acerca da quebra da cadeia de custódia adquire especial relevância nas provas que têm
pretensão de ‘evidência’, verdadeiros atalhos para obtenção da tão almejada (e ilusória)
‘verdade’, que sedam os sentidos e têm a pretensão de bastar-se por si sós, de serem
autorreferenciadas, tais como as interceptações telefônicas ou o DNA. São provas que acabam
por sedar os sentidos e anular o contraditório. Nestas situações, por serem obtidas ‘fora do
processo’, é crucial que se demonstre de forma documentada a cadeia de custódia e toda a
trajetória feita, da coleta até a inserção no processo e valoração judicial”.
Jurisprudência pertinente
falar em quebra da cadeia de custódia, por inobservância de dispositivos legais que não
existiam à época. 3. Ademais, não foi trazido nenhum elemento que demonstre que houve
adulteração da prova. Assim, "não se verifica a alegada 'quebra da cadeia de custódia', pois
nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na
ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de
invalidar a prova". (HC 574.131/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
25/08/2020, DJe 04/09/2020). 4. Oportuno destacar, ainda, que o que não se admite é a
utilização da prova pela acusação sem que se franqueie seu acesso à defesa, por quebra da
cadeia de custódia. No entanto, na hipótese, além de não ter ficado demonstrada eventual
manipulação da prova, tem-se que ela serve à defesa e à acusação, podendo ser objeto de perícia
tanto para comprovar quanto para impugnar a prova que pretende fazer. 5. A Corte local
assentou que o Magistrado de origem já deu vista dos autos às partes, motivo pelo qual não
haveria mais se falar em constrangimento ilegal. Registrou, no mais, que não foi dado acesso
antes, em virtude de se tratarem de autos relativos a diligências em andamento e, portanto,
ainda não documentadas. Nesse contexto, a mera leitura da Súmula Vinculante 14/STF revela
que não houve ofensa ao seu conteúdo, uma vez que "é possível a decretação de sigilo para
diligências cautelares em andamento durante o inquérito policial, quando a publicidade do ato
possa comprometer a eficácia da medida, em observância ao preceituado na Súmula Vinculante
n. 14/STF" (RHC 71.214/RN, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 16/12/2016). 6. De
plano, entendo não ser possível pedir a anulação de ato de um processo em processo diverso.
Ademais, além de não se verificar nulidade, observa-se a ausência de prejuízo. Com efeito, a
jurisprudência do STJ é assente no sentido da admissibilidade de prova emprestada, ainda que
produzida em processo no qual o réu não tenha sido parte, desde franqueado o contraditório
de forma efetiva. 7. Dessarte, "admitir a nulidade sem nenhum critério de avaliação, mas apenas
por simples presunção de ofensa aos princípios constitucionais, é permitir o uso do devido
processo legal como mero artifício ou manobra de defesa e não como aplicação do justo a cada
caso, distanciando-se o direito do seu ideal, qual seja, a aplicação da justiça" (HC 117.952/PB,
Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 27/05/2010, DJe
28/06/2010). [...] (RHC 141.981/RR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021).
pertence mesmo ao processo no qual o paciente figura como réu. [...] (AgRg no HC 615.321/PR,
Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020).
[...] 2. Não há falar em nulidade se a busca e apreensão obedeceu fielmente ao disposto no art.
240 e seguintes do Código de Processo Penal. A ausência de lacre em todos os documentos e
bens - que ocorreu em razão da grande quantidade de material apreendido - não torna
[...] A prova produzida durante a interceptação não pode servir apenas aos interesses do órgão
acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade, sem a qual se mostra
inviabilizado o exercício da ampla defesa, tendo em vista a impossibilidade da efetiva refutação
da tese acusatória, dada a perda da unidade da prova. XII. Mostra-se lesiva ao direito à prova,
corolário da ampla defesa e do contraditório - constitucionalmente garantidos -, a ausência da
salvaguarda da integralidade do material colhido na investigação, repercutindo no próprio
dever de garantia da paridade de armas das partes adversas. XIII. É certo que todo o material
obtido por meio da interceptação telefônica deve ser dirigido à autoridade judiciária, a qual,
juntamente com a acusação e a defesa, deve selecionar tudo o que interesse à prova,
descartando-se, mediante o procedimento previsto no art. 9º, parágrafo único, da Lei 9.296/96,
o que se mostrar impertinente ao objeto da interceptação, pelo que constitui constrangimento
ilegal a seleção do material produzido nas interceptações autorizadas, realizada pela Polícia
Judiciária, tal como ocorreu, subtraindo-se, do Juízo e das partes, o exame da pertinência das
provas colhidas. Precedente do STF. XIV. Decorre da garantia da ampla defesa o direito do
acusado à disponibilização da integralidade de mídia, contendo o inteiro teor dos áudios e
diálogos interceptados. [...] XVII. Ordem concedida, de ofício, para anular as provas produzidas
nas interceptações telefônica e telemática, determinando, ao Juízo de 1º Grau, o
desentranhamento integral do material colhido, bem como o exame da existência de prova ilícita
por derivação, nos termos do art. 157, §§ 1º e 2º, do CPP, procedendo-se ao seu
desentranhamento da Ação Penal 2006.51.01.523722-9. (HC 160.662/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 17/03/2014).
4 - INSTRUÇÃO CRIMINAL
Como ressaltou MITTERMAYER, prova é “o complexo dos motivos produtores da certeza”; “a luz que deve guiar
o juiz, o meio pelo qual o espírito humano se apodera da verdade” (BORGES DA ROSA). “Provar, dessarte,
significa estabelecer um estado de convicção e certeza. Consiste, pois, em elucidar, esclarecer e demonstrar
a veracidade de um fato, episódio ou relação jurídica, tornando-os sobranceiros e indenes a qualquer dúvida,
fazendo-os certos e determinados quanto à sua existência”.
Para essa demonstração, alberga o processo uma fase própria, qual seja, a fase instrutória.
Nesta, embora nada impeça a produção de provas em outra oportunidade (como sucede com as
provas documentais e pré-constituídas), são as provas trazidas para o bojo da relação processual
para a devida apreciação no momento azado, quando se fizer a entrega da prestação jurisdicional
cabível. A instrução encerra e concentra a atividade processual destinada à produção das provas,
pelos diversos meios que as possibilitam. Instrução é o caldo de cultura da prova [...] (Pedroso,
2005).
FREDERICO MARQUES define instrução probatória como “o conjunto de atos processuais que têm por objeto
recolher as provas com que deve ser decidido o litígio”. É na instrução que as partes procuram fixar os dados
do processo, apreciar o seu valor e formular em torno dos mesmos as necessárias críticas, oferecendo
material lógico ao juiz, para a construção da sentença. É na fase processual em que se praticam os atos
probatórios e se produzem as alegações conclusivas (Marques, 1997).
No processo penal brasileiro, salvo em casos do júri, [...] não existe o juízo instrutório, ou a
instrução, como ‘procedimento preparatório’ do juízo propriamente dito (ou judicium causae).
Ao revés, ela se insere, na fase de conhecimento do processo penal condenatório, como um de
seus momentos, constituindo-se, assim, como parte procedimental integrante da instância que
se desenrola durante a cognição (Marques, 1997).
Observada a lição de FREDERICO MARQUES, adaptada às atuais regras dos procedimentos, podemos concluir
que a fase de instrução criminal, no processo, tem início com a “apresentação de provas por parte do réu”
(o que normalmente ocorre com a resposta à acusação, art. 396-A do CPP) e vai “até o encerramento da
instrução complementar” (eventualmente requerida com base no art. 402 do CPP).
Cumpre assinalar, porém, que, se a instrução probatória é a fase procedimental específica para
a produção de provas, atos instrutórios já se praticam desde a fase postulatória da instância e
até mesmo nos atos preparatórios da investigação policial ou de outra informatio delicti que
tenha servido de base à acusação. Assim é que a juntada de documentos, por exemplo, com a
denúncia, constitui ato de instrução probatória. Por outro lado, as perícias efetuadas na
investigação preparatória têm quase sempre, caráter de ato probatório definitivo. Além do mais,
determina o artigo 12 que o “inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que
servir de base a uma ou outra”. Pelo próprio teor do texto, verifica-se que a função dos autos
dessa investigação preparatória está em servir de fundamento a opinio delicti que legitima a
propositura da ação penal. Mas a verdade é que o inquérito, embora não possa, com suas provas,
constituir-se como base da sentença definitiva, contém, no entanto, elementos indiciários e
circunstanciais complementares que podem, esclarecer, reforçar ou consolidar elementos de
convicção colhidos na fase instrutória da instância penal. Assim sendo, o inquérito que
acompanha a denúncia é, sob certo aspecto, uma peça de instrução e que constitui, por isso,
elemento probatório colhido fora da fase instrutória (Marques, 1997).
Podemos concluir que, não obstante as reformas de 2008 (que geraram alguma concentração na produção
das provas) a instrução criminal é descontínua e fragmentada no processo penal. Temos ‘provas’ (elementos
de informação) que são constituídas desde antes do processo, em fase de inquérito, e que poderão ser
aproveitadas (art. 155 do CPP). O termo instrução, na atualidade, normalmente é reservado e utilizado para
especificar a apresentação e produção de provas em fase de processo. Não obstante, chamemos de
elementos de informação ou de provas, o fato é que esses ‘dados’ para a convicção do juiz vão sendo
angariados durante toda a persecução penal; claro, com mais relevo e importância na fase de instrução
criminal, justamente porque legitimadas pelo contraditório.
A primeira ofensiva para a descoberta da verdade, como dizia ERNEST SEELIG, está no procedimento
investigatório (Marques, 1997).
BADARÓ faz um interessante apontamento no relacionamento entre verdade e prova, destacando momentos
ou contextos distintos.
percentual de 75% de chance de que o acusado seja o autor do delito), isso não invalida a
utilidade teórica e prática dos standards probatórios. Como observa KNIJNIK, “o fato de não se
dispor de uma escala matemática ou métrica não retira o valor da construção, nem joga a teoria
dos ‘modelos de constatação’ para o campo da literatura”.
A razão de se exigir no processo penal um standard probatório mais elevado que no processo
civil é de natureza política, e não simplesmente técnica. No processo penal, em razão da
presunção de inocência, do ponto de vista probatório há um desequilíbrio estrutural entre as
posições do acusado, a quem não incumbe nenhum ônus, e o acusador, sobre quem recai toda a
carga probatória. Contudo, além de atribuir toda a carga da prova para a acusação, também se
adota um standard de prova bastante elevado, tornando o convencimento judicial dos fatos que
favoreçam a acusação particularmente difícil. Diferentemente do processo civil, a definição dos
standards probatórios no processo penal não tem por objetivo eliminar ou distribuir os riscos de
erros em razão da insuficiência probatória, mas sim distribuir os erros de forma a favorecer
sistematicamente a posição do acusado. Justamente por isso, se considera preferível absolver
um (ou dois, ou dez, ou mil...) culpado do que condenar um inocente! Embora a distinção entre
os standards probatórios costume levar em conta a relevância dos bens tutelados, com a
consequente diferenciação entre processos de naturezas distintas (por exemplo, processos
penais, de um lado, e não penais, de outro), nada impede que a técnica dos “modelos de
constatação” seja utilizada no processo penal visando decisões distintas a serem proferidas ao
longo da persecução penal, em especial para distinguir as decisões cautelares com base em juízo
de probabilidade, das sentenças de mérito, baseadas em provas “além de qualquer dúvida
razoável”.
Interessante notar (existe pertinência com o tema analisado) que os momentos e contextos distintos de uma
persecução penal foram tomados em conta no voto do Ministro GILMAR MENDES (que depois mudou de
opinião), com relação ao princípio da presunção de inocência, relembrando ESPÍNOLA FILHO, no famoso caso
do STF/HC 126.292, que permitiu a execução da sentença após a decisão de segundo grau. Algumas
passagens merecem destaque:
[...] A cláusula não obsta que a lei regulamente os procedimentos, tratando o implicado de forma
progressivamente mais gravosa, conforme a imputação evolui. Por exemplo, para impor uma
busca domiciliar, bastam “fundadas razões” – art. 240, §1º, do CPP. Para tornar o implicado réu,
já são necessários a prova da materialidade e indícios da autoria (art. 395, III, do CPP). Para
condená-lo, é imperiosa a prova além de dúvida razoável. E, aí, eu vou citar um clássico do nosso
Direito, que é EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, ao afirmar que “a presunção de inocência é vária”, dizia ele
na linguagem singular, “segundo os indivíduos sujeitos passivos do processo, as contingências da
prova e o estado da causa” (ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro
Anotado, Volume III. Campinas: Bookseler, 2000. p. 436). Portanto, suscitando que isso é passível,
usando uma linguagem da teoria dos direitos fundamentais, de uma conformação por parte
inclusive do legislador. Não é um conceito, quer dizer, estamos falando de um princípio, não de
uma regra. Aqui, não se resolve numa fórmula de tudo ou nada. É disso que se cuida quando
EDUARDO ESPÍNOLA FILHO fala dessa gradação. Ou seja, é natural à presunção de não culpabilidade
evoluir de acordo com o estágio do procedimento. Desde que não se atinja o núcleo
fundamental, o tratamento progressivamente mais gravoso é aceitável. [...] Esgotadas as
instâncias ordinárias com a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se
uma declaração, com considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária. Nesse
estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das
penas, ainda que pendentes recursos.
Em poucas palavras, na oportunidade, o que decidiu o Ministro é que como a condenação confirmada em
segunda instância já se submeteu a um elevadíssimo nível de exigência de provas (standard probatório),
muito acima de qualquer dúvida razoável, nada impediria que a presunção de inocência ‘perdesse força’ para
efeito de permitir a execução da pena, mesmo na pendência de recursos.
a) Provas diretas: são aquelas que por si sós demonstram o próprio fato objeto da investigação.
Exemplo: o testemunho prestado por determinada pessoa que presenciou um homicídio (Avena,
2017); [...] aquela que permite conhecer o fato por meio de uma única operação inferencial.
Nessa linha, se a testemunha diz que presenciou o exato momento em que o acusado desferiu
disparos de arma de fogo contra a vítima, é possível concluir, com um único raciocínio, que o
acusado é o autor das lesões produzidas no ofendido (Lima, 2018).
b) Provas indiretas: são aquelas que não demonstram, diretamente, determinado ato ou fato,
mas que permitem deduzir tais circunstâncias a partir de um raciocínio lógico e irrefutável.
Exemplo: o álibi. Comprovando-se que o suspeito se encontrava em determinado local no dia e
hora do crime, é intuitivo que não poderia estar na cena do crime (Avena, 2017). [...] quando,
para alcançar uma conclusão acerca do fato a provar, o juiz se vê obrigado a realizar pelo menos
duas operações inferenciais. Em um primeiro momento, a partir da prova indireta produzida,
chega à conclusão sobre a ocorrência de um fato, que ainda não é o fato a ser provado.
Conhecido esse fato, por meio de um segundo procedimento inferencial, chega ao fato a ser
provado. Exemplificando, suponha-se que a testemunha diga que não presenciou os disparos de
arma de fogo. Esclarece, no entanto, que presenciou a saída do acusado do local em que os
disparos foram efetuados, imediatamente após ouvir o estampido dos tiros, escondendo a arma
de fogo sob suas vestes, sujas de sangue. A partir dessa prova indireta, será possível ao órgão
julgador concluir que o acusado foi (ou não) o autor das lesões produzidas no corpo da vítima.
Outro exemplo de prova indireta diz respeito ao álibi. Etimologicamente, a palavra álibi significa
a "defesa que o réu apresenta quando pretende provar que não poderia ter cometido o crime
por, p. ex, encontrar-se em local diverso daquele em que o crime de que o acusam foi praticado".
Supondo, então, que o suspeito consiga comprovar que estava em outro local no exato momento
em que o crime foi praticado, conclui-se não ter sido ele o executor do crime (Lima, 2018).
Quanto ao ‘valor’ 3:
a) Provas plenas: são aquelas que permitem um juízo de certeza quanto ao fato investigado,
podendo ser utilizadas como elemento principal na formação do convencimento do juízo acerca
da responsabilidade penal do acusado. Exemplos: prova documental, prova testemunhal, prova
pericial etc. (Avena, 2017). [...] completa, convincente, acerca dos fatos (Tornaghi, 1997).
b) Provas não plenas: são aquelas que, inseridas na condição de provas circunstanciais, podem
reforçar a convicção do magistrado quanto a determinado fato, não podendo, porém, ser
consideradas como o fundamento principal do ato decisório. Exemplos:
• A prova prima facie ou prova de primeira aparência, compreendida como tal, como refere HÉLIO
TORNAGHI, “aquela que deixa desde logo no espírito do juiz a convicção da veracidade de um fato
embora possa ser infirmada por outras provas. Para exemplificar: se uma pessoa indefesa, à
noite, dentro da própria casa, mata um ladrão contumaz, que arrombou uma janela, prima facie,
isto é, à primeira vista, tudo convence de que o homicídio foi praticado em legítima defesa”.
[...] Para chegar à decisão, o juiz precisa alcançar a certeza, e a lei exige prova plena, completa,
convincente, acerca dos fatos. Por vezes, entretanto, a lei permite ao juiz certas providências
instrumentais e provisórias, para as quais é suficiente a probabilidade de procedência de
determinadas alegações. É o que acontece em casos de sequestro, arresto, inscrição de hipoteca
legal, busca e apreensão, prisão preventiva etc. Para determinar qualquer dessas cautelares
basta que seja provável o direito daquele a quem elas beneficiam, particular ou Estado. É a
3
O valor das provas no processo penal brasileiro não tem gradação/tarifação legal; a avaliação é subjetiva. Falaremos mais disso
no momento oportuno.
probable cause do Direito americano. E por isso a lei se contenta com um começo de prova, o
que ela indica com expressões tais como: “indícios veementes”, “fundadas razões”, “motivos
para suspeitar”, e assim por diante. Alguns autores falam, nesse caso, em prova semiplena
(semiplena probatio), prova mais tênue (levior). A razão que pode conduzir a lei a satisfazer-se
com a prova levior é, em geral, o perigo que decorreria da exigência da prova completa,
especialmente nos casos em que o dano decorrente da demora fosse irreparável. É o que
justifica, v.g., a concessão de certas medidas liminares (Tornaghi, 1997).
Os indícios podem ser utilizados e são suficientes para gerar a condenação de alguém no processo penal?
BRASILEIRO, de forma didática, faz a classificação e nos fornece a resposta a essa indagação:
A palavra indício é usada no Código de Processo Penal em dois sentidos, ora como
prova indireta, ora como prova semiplena. No sentido de prova indireta, a palavra
indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da
prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para confirmar ou negar
uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. É exatamente
nesse sentido que a palavra indício é utilizada no art. 239 do CPP. Partindo-se de um
fato base comprovado, chega-se, por meio de um raciocínio dedutivo, a um fato consequência
que se quer provar. Na dicção de MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, "indício é todo rastro,
vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao
conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-
dedutivo". Se o indício é o fato provado que permite, mediante inferência, concluir pela
ocorrência de outro fato, é certo dizer que, apesar de o CPP dispor sobre o indício como prova
indireta entre os meios de prova (art. 239), o indício não é um meio de prova, mas apenas o
resultado probatório de um meio de prova. Na verdade, como observa a doutrina, "o que pode
ser provado é o fato indicativo (p. ex.: uma testemunha que viu o acusado com uma faca suja de
sangue e a vítima esfaqueada aos seus pés). O indício é o fato certo que está na base da inferência
da presunção. Em outras palavras, o indício é o ponto de partida da presunção. Ou, visto pelo
outro lado, a presunção é um juízo fundado sobre um indício" (BADARÓ). Muito se discute acerca
da possibilidade de se condenar alguém com base única e exclusivamente em indícios. A nosso
juízo, com a incorporação ao processo penal do sistema da persuasão racional do juiz (CPP. art.
155, caput. e CF/88, art. 93, IX), e a consequente exclusão de qualquer regra de prova tarifada,
permite-se que tanto a prova direta como a prova indireta sejam em igual medida válidas e
eficazes para a formação da convicção do magistrado. Obviamente, não se pode admitir que um
indício isolado e frágil possa fundamentar um decreto condenatório. De modo algum. Para tanto,
a prova indiciária está sujeita às seguintes condições: a) os indícios devem ser plurais (somente
excepcionalmente um único indício será suficiente, desde que esteja revestido de um potencial
incriminador singular); b) devem estar estreitamente relacionados entre si; c) devem ser
concomitantes, ou seja, univocamente incriminadores - não valem as meras conjecturas ou
suspeitas, pois não é possível construir certezas sobre simples probabilidades; d) existência de
razões dedutivas - entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes deve existir um
enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as regras do critério humano. [...]
Apesar de grande parte da doutrina referir-se aos indícios apenas com o significado de prova
indireta, nos termos do art. 239 do CPP, a palavra indício também é usada no ordenamento
processual penal pátrio com o significado de uma prova semiplena, ou seja, no sentido de um
elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo. E com esse significado que a palavra
indício é utilizada nos arts. 126, 312 e 413, caput, todos do CPP. Nesta acepção, a expressão
"indício" refere-se a uma cognição vertical (quanto à profundidade) não exauriente, ou seja, uma
cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da cognição, no
plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória. Especificamente em relação aos
arts. 312 e 413, caput, do CPP, na medida em que o legislador se refere à prova da existência do
crime e ao convencimento da materialidade do fato, respectivamente, percebe-se que, no
tocante à materialidade do delito, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da prisão
preventiva ou da pronúncia. No tocante à autoria, todavia, exige o Código de Processo Penal
apenas a presença de indícios suficientes de autoria. Em outras palavras, em relação à autoria ou
participação, não se exige que o juiz tenha certeza, bastando que conste dos autos elementos
informativos ou de prova que permitam afirmar, no momento da decisão, a existência de indício
suficiente, isto é, a probabilidade de autoria. Portanto, para fins de prisão preventiva ou de
pronúncia, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, é necessária a
presença de, no mínimo, algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão
persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da
participação do agente no fato delituoso. Apesar de não se exigir certeza, exige-se certa
probabilidade, não se contentando a lei com a mera possibilidade.
a) Provas reais: são aquelas que não resultam, diretamente, da pessoa, mas de algo externo e
que também comprova a existência do fato. Exemplos: o cadáver, a arma empregada na prática
do crime etc. (Avena, 2017). A prova real equivale à atestação que advém da própria coisa
constitutiva da prova (o ferimento; o projétil balístico da arma utilizada na prática de um delito)
(Lima, 2018).
Como observa ADALBERTO CAMARGO ARANHA, "todos os fatos deixam vestígios, que podem ser reais,
ou morais. Os primeiros ligam-se à realidade inconsciente das coisas, enquanto os segundos
resultam de impressões conscientes do espírito. A coisa atesta, inconscientemente e sem
influência do espírito humano, vestígios do fato probando; é a prova real que, em última análise,
consiste na atestação inconsciente feita por uma coisa na qual ficou impresso um sinal. As
perícias, as vistorias e todas as modificações corpóreas constituem prova real. O homem
testemunha, mediante uma afirmação pessoal e consciente, um fato por ele conhecido por
ciência própria ou por meio de terceiros; é a prova pessoal. É a revelação consciente feita por
uma pessoa das impressões mnemônicas de um fato. A prova real é a atestação inconsciente
feita por uma coisa" (Lima, 2018).
Com relação ao que pretendem demonstrar sobre o fato, as provas podem ser positivas ou negativas.
Segundo GOMES FILHO, diz-se positiva (ou direta) a prova que objetiva demonstrar a existência do
fato, ou, mais corretamente, confirmar a asserção sobre o fato principal; negativa (ou contrária)
será a prova que se destina a negar tal asserção, demonstrando que o fato não ocorreu. Ainda
segundo o autor, é preciso observar que também há prova negativa na situação em que a
demonstração da inexistência do fato se faz pela prova da existência de um fato diverso,
incompatível com o fato principal afirmado. Fala-se, então, em prova negativa (ou contrária)
indireta. É o caso do álibi, que consiste exatamente na prova de não ocorrência do fato imputado,
mediante a demonstração positiva de uma circunstância inconciliável com tal fato, ou seja, a
presença do acusado em outro lugar. Esse conceito de prova contrária, outrossim, não se
confunde com o de contraprova. Por contraprova entende-se qualquer prova apresentada por
uma das partes, com o objetivo de refutar os elementos apresentados pelo adversário, com o
propósito de influir no convencimento do juiz. Bom exemplo de contraprova da defesa diz
respeito à figura do assistente técnico, recentemente introduzida no processo penal. Com a Lei
n° 11.690/08, é facultado às partes a indicação de assistente técnico, sendo que este poderá
apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquirido em audiência. Ora, a
nomeação de assistente técnico, quando vista pelo lado da defesa, tem evidente natureza de
contraprova, na medida em que seu objetivo principal será o de refutar os elementos
apresentados pelo perito oficial, de modo a auxiliar o acusado. O direito à contraprova também
está assegurado no dispositivo do art. 479 do CPP, que impede a leitura de documento ou a
exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três)
dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Perceba-se que a finalidade do dispositivo é dar ciência
prévia à parte contrária de eventual juntada de documento aos autos do processo, possibilitando
a apresentação de contraprova (Lima, 2018).
Quanto à previsão legal, a prova pode ser: típica e atípica. Autor que faz uma análise bastante apropriada
e aproveitada na doutrina é GUILHERME MADEIRA DEZEM:
Para a posição ampliativa, tem-se que uma prova é atípica em duas situações: (1) quando ela
seja prevista no ordenamento, mas não o seja seu procedimento probatório; (2) quando nem ela
nem seu procedimento probatório sejam previstos em lei. Embora não seja comum, às vezes o
ordenamento indica apenas o meio de prova, mas não o procedimento probatório. Tem-se aqui
situação de prova atípica. Outras vezes, não há a previsão nem do meio de prova, nem do
procedimento probatório. Também aqui se fala de prova atípica. RICCI acaba por assumir a
posição ampliativa. Primeiramente, explica que prova atípica é, em princípio, qualquer prova não
prevista pela lei. Posteriormente explica o autor que há distinção na doutrina italiana se prova
No Brasil ainda há poucas manifestações sobre o tema da atipicidade probatória. Uma das
primeiras manifestações deve-se a BARBOSA MOREIRA, que a define por oposição à prova típica,
baseado nos estudos de MICHELE TARUFFO. Quanto ao processo penal, ANTONIO MAGALHÃES GOMES
FILHO e GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ afirmam que “... o meio de prova atípico é aquele que
não está previsto no ordenamento jurídico e para o qual não há um procedimento probatório
específico...”. Desta forma, por não identificarem a questão da atipicidade probatória com as
fontes de prova, mas com a previsão do procedimento probatório, identifica-se a posição de
Gomes Filho e de Badaró com a posição ampliativa. Por sua vez, GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY
BADARÓ desenvolveu fundamental texto para o processo penal brasileiro (e que serve de base
para o aqui tratado). GUSTAVO BADARÓ acaba por dar início à evolução técnica do tratamento dos
institutos da prova atípica e da prova anômala (abaixo tratadas). Funda-se em muito nas divisões
apresentadas por ANTONIO LARONGA, classificação também por nós seguida.
A posição da teoria ampliativa parece mais adequada para o sistema, na medida em que permite
melhor compreensão do fenômeno e aponta para bases mais seguras para o estudo e
sistematização da questão. Com efeito, há que se observar que se mostra mais segura a admissão
da teoria ampliativa, pois permite separar os fenômenos da prova atípica e da prova típica com
maior exatidão. Tal separação tem a vantagem de incutir maior segurança para os próprios
sujeitos do processo, pois permitirá saber com maior precisão quais os requisitos necessários
para a produção de determinada prova, evitando-se a anulação de processos e, também,
garantindo de maneira mais eficaz os direitos de cada um dos sujeitos processuais. É a posição
que ora se adota.
É importante destacar que a posição restritiva ganhou espaço na doutrina italiana por conta dos
abusos judiciais cometidos: admitia-se como atípica a prova em que havia procedimento
probatório típico, mas que era produzida em juízo em desconformidade com o quanto previsto
no modelo legal (basta que se identifiquem as citações de FERRARI e de TARUFFO feitas nos
parágrafos anteriores para se entender o motivo da restrição). Porém, apesar desses abusos, não
parece admissível a posição restritiva, na medida em que não se consegue conceber como
possam existir fontes de prova atípicas, pois dificilmente se conseguiria escapar das fontes de
prova apresentadas nas definições anteriores: pessoas ou coisas que servem para a obtenção do
elemento de prova. Para além deste raciocínio, a adoção da teoria da tipicidade processual
permite superar as críticas apontadas pela doutrina italiana aos excessos cometidos durante sua
produção. Ademais, a limitação da atipicidade probatória tão somente às fontes de prova afasta
a própria possibilidade de existência das provas atípicas no sistema: é que, dada a definição deste
termo apresentada anteriormente, são fontes de prova as pessoas ou as coisas sobre as quais
recairá a atividade probatória. Ora, nesta situação, difícil imaginar algo que não seja pessoa ou
coisa e que possa ser fonte de prova atípica. Isto porque a atipicidade da prova não conduz,
necessariamente, à ideia de liberdade ampla e irrestrita na produção da prova. Há limites a serem
observados e, também, há a necessidade de adoção de procedimento modelo para as provas
atípicas. Ademais, é de se observar que o uso da teoria da tipicidade processual e o
reconhecimento de alguns conceitos técnicos permitem que se possa adotar a posição
Conceitos afins são os que dizem respeito à prova nominada e inominada – anômala – irritual.
A identificação do conceito das provas típicas e atípicas implica, também, que se identifique o
que elas não são. Com efeito, tem havido confusão com o termo empregado, daí porque o
necessário rigor na tentativa de identificação de seu conteúdo e na separação das figuras afins.
Assim, é importante que se diferencie a prova atípica dos conceitos de prova anômala, prova
irritual e prova inominada.
A prova anômala é apresentada por ANTONIO LARONGA como sendo aquela utilizada para fins
diversos daqueles que lhe são próprios, com características de outra prova típica. [...] notas
características do conceito: há meio de prova expressamente previsto para a colheita da prova.
No entanto, passa-se ao largo desse meio de prova típico, valendo-se de outro meio de prova.
Percebe-se mais claramente tal ideia quando se pensa no sistema processual penal brasileiro.
Tem sido muito comum, na prática judiciária diária, a presença da oitiva pelo órgão da acusação
de testemunha em seu próprio gabinete e, ao mesmo tempo, a pretensão de introdução desta
oitiva no processo como se documento fosse. Não se trata de prova atípica. O que se pretende,
em verdade, é superar eventual óbice havido para a oitiva da testemunha em juízo por meio de
sua oitiva exclusivamente pela acusação. Violam-se, assim, uma série de princípios
constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório, na medida em que não pode a defesa
contraditar a testemunha e, mesmo, proceder à sua arguição perante o juiz da causa. Acerca do
tema, leciona ANTONIO SCARANCE FERNANDES: “A substituição da prova testemunhal por documento
é feita no Brasil para escapar da necessidade de que o depoimento fosse colhido pelo juiz em
audiência com a participação das partes e para superar os limites de admissibilidade da prova
testemunhal, pois o documento pode ser juntado em qualquer momento do processo, enquanto
a prova testemunhal deve ser requerida no início da fase postulatória e deve ser produzida em
momentos determinados”. É importante que não se confundam os conceitos: a prova atípica,
dado o princípio da liberdade probatória, é admitida no processo penal: já a prova anômala
consiste em grave deformação do sistema, e não pode ser aceita. A anomalia da prova acaba por
redundar em nulidade, a atipicidade não (Dezem, 2018).
Também a prova atípica não pode ser confundida com a prova irritual. Esta, ainda na definição
de LARONGA, é a prova típica que é colhida sem a observância do modelo previsto em lei. [...] a
prova que não segue o modelo legal previsto é prova nula e, desta forma, não pode ser
confundida com a prova atípica. Esta não é nula em princípio, aquela, a prova irritual, dada a
produção em desconformidade com o modelo legal, é eivada de nulidade ou ilicitude. Para que
fique mais claro o afirmado até o momento, é interessante também que se aproxime e se distinga
o conceito de prova anômala e de prova irritual. Vejamos. A prova anômala e a prova irritual
aproximam-se pela consequência que sua utilização gera no processo, ou seja, a nulidade ou a
ilicitude da prova. Com efeito, ambas acabam por gerar, em maior ou menor grau, nulidade ou
ilicitude. No entanto, trata-se de categorias distintas: a prova anômala é produzida segundo o
modelo legal. Seu problema consiste em que o modelo legal utilizado não é o adequado para o
caso, não é o que o caso requer. Já a prova irritual não é produzida segundo o modelo legal. Em
verdade, utiliza-se o meio adequado, mas sem a observância dos elementos típicos previstos em
lei. Em suma, tem-se a seguinte distinção: na prova anômala segue-se procedimento previsto
em lei, mas não o procedimento previsto para aquele meio de prova. Na prova irritual segue-se
o procedimento previsto para o meio de prova, mas sem a observância do modelo previsto em
lei. Por fim, como já visto no tópico referente ao conceito de prova típica, não se pode confundi-
la com a prova nominada. Utilizando-se dos conceitos do Direito Processual Civil e do próprio
Direito Civil, tem-se que são distintas as ideias de prova típica e de prova nominada. A prova
nominada é aquela que se encontra prevista em lei, com ou sem procedimento probatório
previsto. Há, aqui, apenas a previsão do nomen juris do meio de prova. Pense-se, assim, no caso
da reconstituição: está prevista no art. 7.º do CPP, mas não está previsto seu procedimento. Daí
porque se tem, então, caso de prova nominada, mas atípica. Há, é certo, autores que entendem
tais conceitos como sinônimos. [...] Tal aproximação também é feita por alguns autores no Direito
brasileiro. Assim, veja-se a posição de BEATRIZ DA CONSOLAÇÃO MATEUS BUCHILLI, baseada na lição de
BARBOSA MOREIRA, que também as vê como sinônimas. Contudo, é possível afastar tal
posicionamento pensando-se na situação inversa: a equiparação entre prova atípica e prova
inominada permitiria também a equiparação entre prova típica e prova nominada. Ora, como
dito, há meios de prova que são nominados, mas cujo procedimento probatório não se encontra
delineado de maneira clara, de forma que são considerados atípicos, como é o caso da
reconstituição. O fato de determinado meio de prova ser nominado não significa,
necessariamente, que haja procedimento probatório previsto pelo legislador, daí porque serem
distintos os conceitos de prova típica e prova nominada e suas consequentes contraposições,
prova atípica e prova inominada. Reconhecer tal distinção acaba por tornar mais técnico o
sistema, notadamente pelo reconhecimento de que determinados meios de prova, ainda que
nominados pelo Código, não possuem procedimento probatório previsto. O reconhecimento
dessa ausência de procedimento probatório acaba, em verdade, por tornar o sistema mais
seguro, na medida em que, então, se passa a trabalhar com modelo típico genérico na produção
desse meio de prova (Dezem, 2018).
PROVA TÍPICA: aquela que além de nominalmente prevista tem um procedimento estabelecido
em lei; ATÍPICA, ao contrário, ou não tem previsão da própria prova, ou não tem um rito
especificado para sua produção. A prova atípica é lícita diante da liberdade das provas no
processo penal.
PROVA NOMINADA: aquela que é referida pela lei (nomen iuris), mesmo que sem procedimento
regulamentado.
PROVA ANÔMALA: aquela que é produzida observando o procedimento legal; todavia, não aquele específico
para a natureza da prova que se deveria produzir. Segue o modelo de outra prova e não aquele que seria
apropriado. É uma prova desvirtuada que, por isso mesmo, carregaria nulidade.
PROVA IRRITUAL: é a prova típica que é produzida em desconformidade com o modelo previsto em lei;
justamente por isso, também teria nulidade.
Ao se estudar as provas no processo penal, fala-se também em suspeita. O próprio CPP refere a esse instituto
em algumas passagens, mencionando fundada suspeita para legitimar a busca pessoal (art. 240, § 2º e art.
244).
Trabalhado o conceito de indício como prova indireta ou como prova semiplena, deve-se
destacar que seu conceito não se confunde com uma simples suspeita. Enquanto o indício é
sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções, a suspeita ou desconfiança não
passa de um estado anímico, um fenômeno subjetivo, que pode até servir para desencadear as
investigações, mas que de modo algum se apresenta idôneo para fundamentar a convicção da
entidade decidente. Nas palavras de GOMES FILHO, enquanto o indício é constituído por um fato
demonstrado que autoriza a indução sobre outro fato ou, pelo menos, constitui um elemento de
menor valor, a suspeita é pura intuição, que pode gerar desconfiança, dúvida, mas também
conduzir a engano. [...] Nesse prisma, concluiu o Supremo Tribunal Federal que a "fundada
suspeita", prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente
subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do
constrangimento que causa. Assim, a ausência de elementos dessa natureza, como no caso,
alegação de que trajava, o paciente, um 'blusão' suscetível de esconder uma arma, referenda
conduta arbitrária ofensiva a direitos e garantias individuais e caracteriza abuso de poder (Lima,
2018).
Doutrina complementar
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “Direta será quando se
referir ao próprio fato probando. Pois o fato é provado sem a necessidade de qualquer processo
lógico de construção. É aquela que demonstra a existência do próprio fato narrado nos autos. No
crime de homicídio, a testemunha presta depoimento sobre o que viu, ou seja, a morte da vítima
em face da ação do agente. Nesse caso, o depoimento da testemunha é meio de prova sobre o
fato (objeto da prova) diretamente. O laudo de exame de corpo de delito também é prova direta
do fato descrito na denúncia. A confissão do acusado é prova direta sobre o fato que lhe foi
imputado. Indireta é a prova que não se dirige ao próprio fato probando, mas, por raciocínio que
se desenvolve, se chega a ele. Há, na prova indireta, uma construção lógica através da qual se
chega ao fato ou à circunstância que se quer provar. Casos típicos de prova indireta são os indícios
e as presunções. Assim, se Tício é preso com a arma do crime nas mãos e a vítima caída aos seus
pés, presume-se que Tício (provavelmente) seja o autor do crime, motivo pelo qual será preso
em flagrante delito (cf. art. 302, IV, do CPP – flagrante presumido). Nesse caso, o depoimento do
condutor da prisão não recairá sobre o fato em si (autoria e materialidade), mas, sim, sobre uma
situação (Tício com a arma do crime nas mãos e perto da vítima) que pode levar o julgador a
presumir ser Tício o autor do crime. Vejam que, nessa hipótese, o que há é a probabilidade. Nesse
exemplo, parte-se do geral para o particular”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012), em igual
sentido, dentro da classificação quanto ao valor ou efeito das provas, aduz: “Quanto ao valor ou
efeito: plena (perfeita ou completa) é aquela apta a conduzir um estado de certeza no espírito
do juiz. São exemplos de prova plena a documental, testemunhal, pericial, entre outras; não
plena (imperfeita ou incompleta), caso não seja suficiente por si para comprovar a existência do
fato, trazendo apenas uma probabilidade acerca de sua ocorrência. Temos como exemplo os
indícios, a fundada suspeita, a prova exigida para o decreto de prisão preventiva”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “Quanto
ao efeito ou valor. É o grau de certeza gerado pela apreciação da prova. a) Plena: é aquela
necessária para condenação, imprimido no julgador um juízo de certeza quanto ao fato
apreciado. b) Não plena ou indiciária: é a prova limitada quanto à profundidade, permitindo, por
exemplo, a decretação de medidas cautelares”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), dentro da
classificação das provas quanto ao seu conteúdo ou força, aloca o indício ou prova indiciária no
campo “razoável”, ou seja, no meio termo entre as plenas e as precárias: “Prova plena, robusta
ou completa é a prova suficiente, clara, evidente, que não deixa dúvida a respeito do fato
probando. Prova razoável é a prova suficiente, embora não robusta, tal como ocorre com a prova
indiciária, indicadora de certa probabilidade a respeito do fato probando. Exemplos: a prova
produzida no auto de prisão em flagrante, estando ainda pendente de instauração o
correspondente inquérito, autorizadora da decretação de medidas cautelares pessoais (prisão
temporária ou preventiva); a prova colhida no inquérito policial, autorizadora da imposição de
medidas cautelares reais (sequestro, arresto ou hipoteca legal). Prova precária é a prova
incompleta, insuficiente; frágil; não conclusiva a respeito daquilo que se pretendia com ela
demonstrar”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), dentro da
classificação das provas quanto ao objeto, diferencia a prova negativa/contrária das
contraprovas: “Direta ou positiva: refere-se diretamente ao fato probando, por si o
demonstrando. Tem o escopo de evidenciar a afirmação do fato probando, ou seja, de forma
positiva. Ex: testemunha visual. b) Indireta, negativa ou contrária: refere-se a um outro
acontecimento que, por ilação, nos leva ao fato principal. Tem o fito de negar que o fato
aconteceu, a partir de outro fato que é logicamente incompatível com aquele que a acusação
tem a incumbência de provar. Trata-se de prova contrária ou prova com sinal negativo, eis que
se opõe àquela asserção que é objeto de prova. Ex: um álibi (cujo sentido é o de argumento
utilizado pelo indiciado ou acusado consistente em afirmar que estava em local diverso quando
certa infração penal aconteceu). Não se confunde com a contraprova, que tem espectro menor
que o da prova contrária, porquanto aquela é decorrência do contraditório, tendente a
oportunizar que a parte adversária possa impugnar prova produzida pela outra. A contraprova
tem o cunho específico de mitigar a credibilidade da prova inicialmente produzida pela parte
oponente, tal como se dá com a resposta preliminar à acusação do art. 396-A, caput, CPP, no
ponto em que o denunciado poderá ‘oferecer documentos’”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “Quanto
ao sujeito ou causa, poderá ser real, se surgir de coisa ou objeto (ex.: aquela extraída dos
vestígios deixados pelo crime); ou pessoal, quando emanar da manifestação consciente do ser
humano (ex.: a testemunha que narra os fatos a que assistiu; o laudo assinado por dois peritos).
[...] Quanto à forma, são divididas em: testemunhal, documental e material. A prova
testemunhal é aquela feita por afirmação pessoal. Documental, ao contrário, é aquela feita por
prova escrita ou gravada. Por fim, a prova material é a que consiste em qualquer materialidade
que sirva de elemento para o convencimento do juiz sobre o fato probando”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), dentro da
classificação quanto à previsão legal, leciona sobre as provas nominadas e inominadas; trata,
também, sobre suas subdivisões e divergências doutrinárias: “Cuida-se do critério relativo à
disposição que enuncia o meio de prova, podendo ou não conter a forma procedimental para
sua constituição. a) Nominada: a legislação prevê o meio de prova (com a indicação do seu
nomen juris), podendo deixar ou não em aberto a forma de sua produção. A prova nominada
pode ainda ser: a.1) Típica: a doutrina assim classifica a prova que além de nominada, tem seu
modo de produção expressamente previsto pela legislação, tal como ocorre com a prova
testemunhal que tanto é prevista no CPP, quanto tem seu rito delineado pelo mesmo diploma
legal, com indicação da ordem de perguntas (prova nominada típica). a.2) Atípica: é a prova
nominada que não tem seu procedimento especificado pela legislação, embora haja indicação
de seu nomen juris. Em outras palavras, a lei a prevê, mas não diz o modo como ela deve ser
produzida, ou seja, sua forma de produção é livre. Ex.: reprodução simulada dos fatos (há
previsão legal gizada no art. 7º, CPP, mas a forma de constituição dessa prova é ampla: prova
nominada atípica).b) Inominada: como vigora no nosso sistema, a liberdade probatória, trata-se
de prova que não é vedada por lei ou pelos bons costumes, embora não haja forma legal
expressa, tal como se dá com as certidões de oficiais de justiça que declaram fato
(...).Observações: a classificação indicada encontra certa divergência na doutrina, conforme a
amplitude da noção de “atipicidade” da prova. Vale dizer: 1) seguindo-se a posição restritiva da
atipicidade da prova, a prova típica é a que tem nomen juris previsto legalmente, pouco
importando a existência de rito probatório detalhado em lei (para ser típica, basta que a prova
tenha seu nome arrolado no catálogo legal, sendo indiferente que haja a forma de sua
constituição ali descrita). De tal sorte, prova atípica é só aquela que decorre de fontes diversas
da legislação, em regra, constituída a partir do trabalho da ciência e da tecnologia. Para essa
posição, a distinção entre prova inominada e prova atípica é irrelevante, eis que ambas são
incluídas em vala comum (atipicidade), pois o que interessa é a ausência de nome legal para que
a prova seja considerada atípica e, a contrario sensu, a presença de nome jurídico da prova para
que, de per si, seja considerada típica. 2) já na senda da posição ampliativa da atipicidade da
prova, a prova típica exige nome jurídico (nomen juris) e respectivo procedimento, ambos
previstos em lei. Daí que a prova atípica tem noção mais ampla segundo esta corrente,
consistindo tanto naquela que tem só o nomen juris averbado na lei processual penal (sem a
previsão do rito), quanto naquela inominada (sem nomen juris gizado em lei) e que não tem,
naturalmente, disciplina de procedimento probatório estabelecido legalmente”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016),
diferenciando as provas anômalas das irrituais, registra: “Cabe destacar, portanto, as diferenças
entre a prova anômala e a prova irritual: (1) a prova anômala é produzida com vício mais grave
que a prova irritual, razão pela qual aquela é eivada de nulidade absoluta, enquanto a última de
nulidade relativa (esta depende de demonstração de prejuízo e alegação em tempo oportuno;
aquela contém prejuízo presumido legalmente); (2) a prova anômala consiste na substituição de
uma prova por outra, vale dizer de uma prova com determinado nomen juris, por outra com
nomen juris diverso; (3) na prova irritual não há alteração da prova em si – cuidando-se da
mesma prova com idêntico nomen juris –, no entanto, o rito, o procedimento legal é
indevidamente modificado ou simplificado, gerando, por exemplo, atipicidade de prova
nominada (o testemunho escrito, ao invés do oral); (4) a prova anômala é prova constituída com
desvio de finalidade em substituição da prova que deveria ter sido produzida, enquanto a prova
irritual mantém sua essência (manutenção do seu nomen juris, malgrado com seu procedimento
viciado); e (5) tanto a prova anômala quanto a prova irritual pressupõem prova nominada (com
nome jurídico previsto em lei), mas a prova anômala pode ser substituída por outra que seja ou
não prevista expressamente por lei (desvio de finalidade), enquanto a prova irritual se mantém
com seu nome jurídico, porém com violação da forma preconizada em lei”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), sobre os sujeitos da
prova, aduz: “Por sujeitos de prova, entenda-se: as pessoas que levam ao juiz os meios de prova;
que praticam as ações que resultam na efetiva produção da prova dentro do processo. Exemplos:
o ofendido que presta declarações; as testemunhas que prestam depoimentos; o acusado, que
é interrogado”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), ao
classificar as provas quanto ao sujeito ou causa, sustenta: “Trata da prova em si considerada, em
que consiste o material produzido. a) Real: é aquela emergente do fato. Ex: fotografia, pegadas
etc. b) Pessoal: é a que decorre do conhecimento de alguém em razão do thema probandum.
Ex.: confissão, testemunha, declarações da vítima”. Quanto à forma da prova, leciona: “É a
maneira como a prova se revela no processo. a) Testemunhal: é expressa pela afirmação de uma
pessoa, independentemente, tecnicamente, de ser testemunha ou não. Ex.: interrogatório do
réu. b) Documental: é o elemento que irá condensar graficamente a manifestação de um
pensamento. Ex: contrato. c) Material: simboliza qualquer elemento que corporifica a
demonstração do fato. Ex.: exame de corpo de delito, instrumentos do crime etc.”.
É aquela que é produzida num determinado processo/procedimento e acaba sendo aproveitada em outro.
A prova é, como o próprio nome sugere, emprestada do processo em que foi originalmente constituída para
outro feito, considerando sua pertinência e comumente observando a economia processual. Um exemplo
seria uma determinada testemunha ser ouvida num processo e seu depoimento ser transportado para outro.
PAULO RANGEL traz definição e fala sobre a natureza jurídica da prova emprestada:
É aquela que foi produzida em um processo e trasladada (transferida) para outro. ADA PELLEGRINI
GRINOVER, em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 1, no 4, out./dez.
1993, p. 60, conceitua-a como “aquela que é produzida num processo para nele gerar efeitos,
sendo depois transportada documentalmente para outro, visando a gerar efeitos em processo
distinto”. Seja qualquer meio de prova: o depoimento de uma testemunha, um documento, um
laudo de exame de corpo de delito, a confissão do acusado, enfim, todo meio de prova. [...] É
cediço que o rol dos meios de prova previstos em lei (arts. 158 usque 250 do CPP) não é exaustivo,
ou seja, outros meios existem que não previstos em lei. Assim, diante dos princípios da verdade
processual e do contraditório e do sistema do livre convencimento, não temos dúvida em afirmar
que sua natureza é de um meio de prova inominado, que, quanto à forma, é sempre
documental (Rangel, 2018).
Normalmente o traslado da prova que é emprestada é feito pela forma documental, como uma certidão ou
mesmo uma cópia digitalizada de determinado ato processual. Mesmo que assim seja, a doutrina sustenta
que ela deve ter o mesmo ‘valor’4 da prova produzida no procedimento originário.
Prova emprestada designa a utilização da prova em um processo que fora produzida em outro
processo. Este transporte da prova de um processo para o outro é feito pela forma documental.
Assim, questiona-se se o depoimento de uma testemunha utilizado no processo A pode ser
transposto para o processo B. [...] Entendemos também que a prova emprestada possui o
mesmo valor da prova produzida no processo originário. Ou seja, caso se trate de prova
testemunhal, terá valor de prova testemunhal, caso se trate de prova documental, terá valor de
prova documental, e assim sucessivamente. Ora, nesta quadra não há sentido em se restringir a
validade dessa prova. Vale dizer: se a prova testemunhal foi produzida em juízo e houve
contraditório, qual o sentido de se restringir sua eficácia? Não vemos sentido nessa restrição pois
a prova emprestada tem o mesmo valor da prova originariamente produzida. [...] Assim, se for
utilizada como prova emprestada uma perícia, seu valor será de prova pericial. Se for utilizada
como prova emprestada um testemunho, seu valor será de prova testemunhal (Dezem, 2018).
A maior parte da doutrina sustenta que só é possível a utilização de prova emprestada “desde
que aquele contra quem ela será utilizada tenha participado do processo onde tenha sido
obtida” (Dezem, 2018) – mesmas partes, portanto; além disso, que tenha havido
contraditório. Uma coisa é ligada à outra; afinal, se o réu do processo novo não participou do
processo originário, evidente que não exerceu contraditório, pelo menos não o fez de forma
prévia ou durante a constituição da prova.
4
Falar em ‘valor’ das provas no processo penal, convenhamos, não é muito apropriado. Isso porque o valor de cada prova quem
atribui, diante do livre convencimento/persuasão racional, é o juiz, em cada caso concreto, de acordo com as circunstâncias e o
contexto probatório. Nossa legislação não atribui mais valia ou subordinação de uma prova em relação a outra (não existe
gradação ou tarifação legal). Importa saber se a prova pode ser emprestada, se é lícita. O valor para a convicção judicial é subjetivo
e dependente da interpretação; a credibilidade de cada prova, não necessariamente atrelada à sua natureza, quem confere é o
julgador – essa sim foi uma opção legal.
perderá muito de seu valor probatório, devendo ser considerada como simples indício.
GRINOVER, SCARANCE e GOMES FILHO, a respeito deste tema, lecionam que “o primeiro
requisito constitucional de admissibilidade da prova emprestada é o de ter sido produzido em
processo formado entre as mesmas partes ou, ao menos, em processo em que tenha figurado
como parte aquele contra quem se pretende fazer a prova. Isso porque o princípio constitucional
do contraditório exige que a prova emprestada somente possa ter valia se produzida, no primeiro
processo, perante quem suportará os efeitos no segundo, com a possibilidade de ter contado,
naquele, com todos os meios possíveis de contrariá-la. Em hipótese alguma, poderá a prova
emprestada gerar efeitos contra quem não tenha participado no processo originário” (Avena,
2017).
[...] a prova obtida a partir de outra produzida em processo distinto. Em ação penal instaurada
contra determinados réus, é possível, por exemplo, que, no caso de morte de uma testemunha,
a acusação obtenha uma certidão de inteiro teor do depoimento por ela prestado em outra ação
penal, envolvendo os mesmos fatos e outros acusados. Essa prova, assim obtida, seria
denominada emprestada, porque produzida efetivamente em outro processo. Como se percebe,
a sua obtenção seria inteiramente lícita, não se podendo falar, ainda, em inadmissibilidade da
prova. Todavia, a sua introdução no novo processo e, sobretudo, a sua valoração, seria
inadmissível, por manifesta violação do princípio do contraditório. Efetivamente, como os réus
na nova ação não eram os mesmos daquela, no curso da qual teria sido produzida a aludida prova
testemunhal, tem-se que eles não puderam manifestar-se concretamente sobre o conteúdo do
depoimento constante da prova assim emprestada. Em tese, sempre em tese, é claro, poderiam
eles, se ali presentes, confrontar o referido depoimento, demonstrando até mesmo (em tese) a
sua falsidade, o que, com a morte da testemunha, e a juntada de simples certidão, seria
rigorosamente impossível. Por isso, porque atingido o direito ao contraditório, tal prova não
poderia ser utilizada contra os réus (Pacelli, 2018).
mudando as suas orientações. Quanto ao último, vejamos parte do voto da Min. CÁRMEN LÚCIA, em julgado
de sua relatoria, onde cita outros precedentes:
Pela relevância do argumento e das garantias constitucionais invocadas, este Supremo Tribunal
pacificou o entendimento de que “nenhuma nulidade há por terem sido juntadas aos autos do
processo principal provas emprestadas de outro processo-crime” (HC n. 109.909, de minha
relatoria, DJ 4.4.2013). Confiram-se, por exemplo, os Habeas Corpus ns. 91.973, Relator o
Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 28.3.2008; 89.468, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ
11.10.2007; 72.295, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ 27.10.1995; 67.707, Relator o Ministro
Celso de Mello, DJ 14.8.1992; e 67.064, Relator o Ministro Aldir Passarinho, DJ 2.6.1989; e o Inq.
2.774, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 6.9.2011, este último assim sintetizado:
INQUÉRITO. CORRUPÇÃO PASSIVA (Código Penal art. 317, § 1º). DENÚNCIA APTA. JUSTA CAUSA
DEMONSTRADA. FATOS TÍPICOS EM TESE DESCRITOS. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. A utilização de
prova emprestada legalmente produzida em outro processo de natureza criminal não ofende
os princípios constitucionais do processo. 2. O amplo acesso à totalidade dos áudios captados
realiza o princípio da ampla defesa. De posse da totalidade das escutas, o investigado não possui
direito subjetivo à transcrição, pela Justiça, de todas as conversas interceptadas. Não há ofensa
ao princípio da ampla defesa. Precedentes desta Corte. [...] (Inq 4023, Relator(a): Min. CÁRMEN
LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 23/08/2016).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PROVA EMPRESTADA ENTRE PROCESSOS COM PARTES DIFERENTES.
[...] 1. No processo penal, admite-se a prova emprestada, ainda que proveniente de ação penal
com partes distintas, desde que assegurado o exercício do contraditório. 2. Inexiste nulidade na
condenação baseada em depoimento de testemunha colhido em outro processo criminal, uma
vez oportunizada a manifestação das partes sobre o conteúdo da prova juntada, resguardando-
[...] "Conforme entendimento desta Corte Superior, uma vez garantido às partes do processo o
contraditório e ampla defesa por meio de manifestação quanto ao teor da prova emprestada,
como no caso dos autos, não há vedação para sua utilização, ainda que não exista identidade
de partes com relação ao processo na qual foi produzida" (AgRg no AREsp 1.104.676/SP, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, j. em 11/12/2018) (HC 446.296/ES, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, DJe 30/4/2019). (AgRg no AgRg no REsp 1824834/MG, Rel. Ministro
JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020)
Há uma tendência nas Cortes Superiores, em especial no Superior Tribunal de Justiça, em se admitir a prova
emprestada com o contraditório diferido, como um “direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la
adequadamente” (STJ) no processo para o qual foi trasladada – assegurada, claro, a ampla defesa. Isso para
não reduzir, em demasia, o âmbito de aplicação desse importante meio de prova, considerando, também,
que a “jurisprudência entende não ser possível decisão baseada exclusivamente na prova emprestada”
(Dezem, 2018).
Este novo posicionamento apresentado pelo STJ levanta alguns questionamentos preocupantes.
É claro que a adoção do requisito de que seja produzida a prova entre as mesmas partes acaba
por limitar a incidência da prova emprestada mas, afinal de contas, é disso mesmo que se trata.
Pelo princípio do contraditório as partes devem ter podido participar na formação da prova e por
isto a limitação havida pela doutrina e pela jurisprudência anteriores a esta viragem pelo STJ.
Assim, vejo com alguma reserva esta nova posição e temo que o contraditório possa ser afetado
com a retirada das restrições anteriormente existentes (Dezem, 2018).
Em relação aos dados fiscais e bancários, cumpre registrar que o Supremo Tribunal Federal pacificou
entendimento, em sede de repercussão geral, no sentido de que “é legítimo o
compartilhamento com o Ministério Público e as autoridades policiais, para fins de investigação
criminal, da integralidade dos dados bancários e fiscais do contribuinte obtidos pela Receita
Federal e pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo COAF), sem a necessidade de
autorização prévia do Poder Judiciário”5. Confira, por completude, o destaque do Informativo
962 do STF, de dezembro/2019:
5
Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/A-prova-emprestada-e-a-
garantia-do-principio-do-contraditorio-segundo-o-STJ.aspx
obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações
em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente
por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e
estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Essa é a tese do Tema 990 da Repercussão Geral fixada, por maioria, pelo Plenário (Informativos
960 e 961). Vencido o ministro Marco Aurélio, que não referendou a tese. (RE 1055941/SP, rel.
Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.12.2019).
O Superior Tribunal de Justiça, no ponto, se alinhou à orientação do STF, fixando o entendimento de que não
há vedação à utilização de prova emprestada do procedimento fiscal em processo penal para a persecução
de crimes contra a ordem tributária:
4. No caso, não há falar em ilicitude das provas que embasam a denúncia contra os pacientes,
porquanto, assim como o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira
ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, também o é ao
Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de
infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, se constate fato que configure, em
tese, crime contra a ordem tributária (Precedentes do STF). [...] (HC 422.473/SP, Rel. Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2018).
Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto
ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei
brasileira desconheça.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade,
não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes.
[...] 2. A provas obtidas por meio de cooperação internacional em matéria penal devem ter como
parâmetro de validade a lei do Estado no qual foram produzidas, conforme a previsão do art. 13
da LINDB.
3. A prova produzida no estrangeiro de acordo com a legislação de referido país pode, contudo,
não ser admitida no processo em curso no território nacional se o meio de sua obtenção violar a
ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes brasileiros, em interpretação analógica
da previsão do art. 17 da LINDB. [...]
Enfim. Lecionando sobre o tema, BRASILEIRO faz a distinção entre provas e elementos de informação, trazendo
um julgado bastante pertinente do STF, que diferencia provas emprestadas que deveriam ser produzidas na
instrução criminal, de outras que se produzem na investigação e, normalmente, sem contraditório:
Existem posições minoritárias na doutrina que exigem mais requisitos (além de contraditório e identidade
de partes) para utilização da prova emprestada, conforme alerta MADEIRA:
Há duas posições minoritárias que exigem mais requisitos do que tão somente a produção da
prova em contraditório. Neste sentido, tem-se a posição de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO
SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO. Entendem os autores que são dois os
requisitos da prova emprestada: (1) ser produzida em processo formado entre as mesmas partes
ou em processo que tenha figurado como parte aquele contra quem se pretenda fazer valer a
prova; (2) ser colhida perante o juiz natural da causa (ou seja, somente pode ser utilizada se tiver
sido colhida perante o mesmo juiz constitucionalmente competente) (Dezem, 2018).
A segunda posição minoritária é apresentada por PAULO RANGEL, que fala em quatro requisitos e que, em
apreço pela originalidade, é trazida diretamente da obra do referido autor:
Requisitos. Dúvidas e controvérsias surgem quanto à eficácia da prova emprestada, pois alguns
autores e algumas decisões judiciais alegam que a prova transportada para o processo no qual
se quer fazer a prova não tem a mesma eficácia que teve no processo do qual é originária.
Entendemos que há que se exigir alguns requisitos para que a mesma tenha plena eficácia,
mormente quando se tratar de prova oral (testemunhos, interrogatórios, esclarecimentos orais
dos peritos etc.). São eles: a) Que tenha sido colhida em processo entre as mesmas partes. No
caso do processo penal e de ação penal de iniciativa pública, deve ser entre o Ministério Público
e o réu, digamos, Tício. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, deve ser entre o ofendido
e o réu, digamos, a título de exemplo, Caio. Pois, se a ação for proposta pelo representante legal
do ofendido, pensamos não se tratar das mesmas partes. A Lei Processual Penal, em seu art. 34,
legitima o ofendido ou seu representante legal, portanto, dois são os legitimados. Nesse caso, se
a ação originária foi proposta pelo ofendido em face de Caio e se quer transportar a prova para
outro processo que foi instaurado pelo representante legal do ofendido em face de Caio, não
temos as mesmas partes. Apenas o réu é o mesmo, porém o autor não. Tratando-se de partes
diferentes, a prova emprestada não tem a mesma eficácia que tinha no processo original e, por
isso, deve se submeter, no processo para o qual foi transferida, ao crivo do contraditório. Se a
prova for testemunhal, o juiz deve marcar audiência para a oitiva da mesma para que as partes
possam contraditá-la, pois o contraditório que houve no processo original (de onde foi
transferida) não foi entre as mesmas partes. Do contrário, servirá apenas como indício. b) Que
tenham sido observadas, no processo anterior, as formalidades previstas em Lei durante a
produção da prova. Nesse requisito, é imprescindível o respeito a todas as formalidades legais
para a prática dos atos processuais. Ou seja, se a lei exige determinados requisitos para que um
determinado ato seja praticado, há que se cumprir o mandamento legal, sob pena de surgir
atipicidade processual. A título de exemplo, se o laudo pericial não é assinado por perito oficial
(cf. art. 159 do CPP, com redação da Lei no 11.690/2008), não se está respeitando uma
formalidade revista em lei e, portanto, a prova emprestada (laudo pericial) não é válida. c) Que
o fato probando seja o mesmo. Ou seja, o fato objeto de prova deve ser idêntico tanto no
processo onde a prova foi produzida quanto no processo para o qual será transferida, pois, do
contrário, haverá cerceamento, seja de acusação ou de defesa. Se durante a oitiva de uma
testemunha no processo X (que apura um crime de homicídio imputado a Tício), a mesma depõe
dizendo que no dia do fato viu Tício ao volante de um automóvel, marca Perereca, cor verde,
com um bagageiro no teto, Tício, agora, responde pelo crime de receptação do automóvel marca
Perereca, cor verde, que tem um bagageiro em cima do teto. O Ministério Público requer ao juiz
o depoimento da testemunha do processo X para fazer prova da receptação, além de outros
elementos de prova que possui. Nesse caso, o fato probando é o mesmo, ou seja, o objeto de
prova é idêntico: Tício estava na posse de um carro marca Perereca, de cor verde com um
bagageiro no teto. d) Que tenha havido o contraditório no processo do qual a prova será
transferida. Se, no processo do qual se vai transferir a prova, não houve o contraditório, ela não
tem eficácia nenhuma e deve, no processo para o qual foi transferida, ser a ele submetida, sob
pena de não poder ser motivada pelo juiz em sua sentença, pois, se o for, haverá error in
procedendo. Esses são os requisitos que entendemos necessários para que se admita a prova
emprestada. Havendo todos, a prova será plenamente admitida e válida. Do contrário, ausente
um dos requisitos acima, entendemos que a “dita prova”, se for valorada pelo juiz em sua
sentença, acarretará a nulidade absoluta do processo a partir do seu ingresso, autorizando a
cassação da sentença pelo Tribunal em eventual recurso de apelação da defesa. Ou, se já houver
o trânsito em julgado da sentença, a impetração de Habeas Corpus por ser o processo
manifestamente nulo (cf. art. 648, VI, do CPP). Pensamos que, se a prova emprestada sem um
dos requisitos acima foi a única em que se fundou a condenação do réu, o Tribunal, em eventual
recurso defensivo, deverá desconsiderá-la e, diante da ausência de provas, adotando a teoria da
causa madura (cf. item 13.7.1, infra), absolver o réu, reformando a sentença em vez de cassá-la.
Os princípios do favor rei, da economia processual e da celeridade devem ser chamados à colação
para sustentar tal decisão (Rangel, 2018).
Outra questão que coloca é: o que acontece com a prova emprestada em caso de nulidade que ocorra no
processo originário?
1) Caso tenha sido declarada a nulidade ou reconhecida a ilicitude da prova – nessa situação
não poderá ser admitida a utilização da prova, irremediavelmente contaminada pela mácula
havida. [...]
2) Caso o feito tenha sido anulado por questão não atinente à prova – nesse caso será
admissível a utilização da prova emprestada, desde que não se relacione diretamente com a
nulidade. Assim, se anulado o processo por questões relativas às alegações finais, por exemplo,
então não há qualquer contaminação da prova (Dezem, 2018).
RANGEL tem, basicamente, a mesma compreensão, explicitada com exemplos mais concretos:
Segunda hipótese. O processo X, do qual a prova foi emprestada, foi declarado nulo, não em
razão de incompetência do juiz, mas por não ter sido a defesa notificada para ofertar suas
alegações finais, passando o juiz a proferir sentença condenando o réu. Nesse caso, o Tribunal
anula o processo a partir do momento em que a defesa deveria ofertar suas alegações finais,
mantendo intacta, assim, a instrução criminal. Pensamos que nenhuma consequência pode advir
para o processo Y, pois a prova emprestada (seja ela qual for) não foi contaminada pela decisão
do órgão jurisdicional ad quem. A instrução é anterior ao momento das alegações finais da defesa
e nada sofreu com o reconhecimento, pelo Tribunal, do vício de ausência de notificação para a
defesa ofertar suas alegações finais. Válida é a prova emprestada nesse caso (Rangel, 2018).
(MPF) - Procurador da República/2013. Discorra sobre prova emprestada no processo penal: conceito,
limitações e jurisprudência.
Perceba-se que o examinador não se debruçou sobre ponto específico e/ou controvertido dentro do
tema, mas apenas sobre os aspectos básicos: o que é; quando (não) é admissível; e a visão
contemporânea da jurisprudência a esse respeito. Os três elementos da questão foram abordados, e,
colocados objetivamente, bastam para responder satisfatoriamente à questão.
E qual o valor da prova emprestada? A questão que se coloca procura desvendar qual a eficácia, para efeito
da decisão, que a prova emprestada deve ter no processo para o qual transladada; qual a credibilidade que
o juiz deve dar a ela em termos de convicção judicial.
Note que uma coisa é verificar sobre admissão de prova emprestada; se ela é permitida; se ela é lícita; em
relação a isso destacamos, principalmente, o entendimento mais recente da jurisprudência que ampliou a
sua utilização (mesmo em processos de partes diferentes). Outra, diferente, é averiguar sobre o seu ‘valor’
para o processo em que aproveitada.
Doutrina corrente diz que “o valor da prova emprestada é o mesmo valor da prova originariamente
produzida, embora [...], adentre no processo pela forma documental” (Dezem, 2018).
Embora seja trazida ao segundo processo pela forma documentada, a prova emprestada tem o
mesmo valor da prova originalmente produzida. Ou seja, apesar de sempre ter a forma
documental, o valor probante da prova emprestada "é o da sua essência, e esta será sempre a
originária, consoante foi produzida no processo primitivo". Assim, no exemplo citado acima,
conquanto o depoimento de "Mévio" seja trazido ao segundo processo por meio de uma certidão
extraída do processo original, seu valor probatório será o de prova testemunhal (Lima, 2018).
Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-
lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Tendo em conta a ausência de valores preestabelecidos pela lei para as provas; observados os princípios do
livre convencimento/persuasão racional do juiz; considerando que no processo penal as provas devem ser
avaliadas dentro do contexto probatório em que estão incluídas (jamais de forma isolada) e, claro, a
possibilidade de aplicação analógica do citado art. 372 do Código de Processo Civil no processo penal (CPP,
art. 3º), temos que o juiz é que deve atribuir o valor ou a credibilidade que considerar adequados para a
prova emprestada6.
MARINONI, ARENHART e MITIDIERO fazem o seguinte comentário sobre o artigo 372 do Código de Processo Civil,
recomendando, em determinadas situações, a ponderação dos direitos em jogo:
A prova emprestada é admissível no processo civil desde que observadas as suas condicionantes.
O contraditório é um dos fatores de maior legitimação do uso da prova emprestada no processo.
Quanto à sua observância, porém, é preciso considerar basicamente duas situações diferentes:
a) aquela em que a prova emprestada será utilizada perante as mesmas pessoas que
participaram da sua produção anteriormente; e, b) aquela em que a prova emprestada será
utilizada perante pessoas parcialmente coincidentes ou totalmente diferentes daquelas que
participaram da sua produção originariamente.
Quanto à primeira situação. Existem casos em que não há qualquer variação na prova e o
contraditório pode ser observado integralmente de forma posterior. É o caso da prova
documental, por exemplo. Não há aí qualquer dificuldade em aceitar a produção da prova
emprestada. Basta a sua submissão ao contraditório no novo processo. Existem outros casos,
contudo, em que será necessário cogitar de novos fatos ou ler a prova a partir de novos enfoques
dados aos fatos. Nessas situações, a admissão da prova emprestada poderá ocorrer se for viável
reabrir o contraditório ou, pelo menos, fatiar a prova no que tange às alegações de fato
originárias e as novas alegações de fatos ou novos enfoques dados aos fatos.
Quanto à segunda situação. Há hipótese em que, nada obstante a ausência das partes ou pelo
menos uma das partes na participação da formação da prova, é plenamente viável a sua
submissão ao contraditório pleno no novo processo. Atendido o contraditório, a prova
emprestada é obviamente admissível. Em outras hipóteses, porém, o contraditório poderá não
ser realizável, mas a prova emprestada pode constituir o meio de a parte sustentar sua posição
em juízo. Neste caso, convém ponderar os direitos em jogo (o direito ao contraditório, o direito
à tutela jurisdicional e eventualmente, a importância da pretensão material afirmada em juízo)
para saber se a prova emprestada deve ou não ser admitida no processo. Assim, o juiz poderá
6
É preciso alertar que essa conclusão é nossa e carrega boa dose de convicção pessoal.
admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar
adequado, observado o contraditório ou, excepcionalmente, devidamente ponderados os
direitos em colisão (Marinoni, et al., 2016).
Observar se houve contraditório, como e em que momento ele foi exercido; tomar em conta a natureza da
prova que foi transportada e como ela foi originalmente produzida, sem descuidar dos direitos em colisão
talvez – todos esses são bons parâmetros para o juiz atribuir o valor ‘adequado’ das provas emprestadas.
Aliás, em obiter dictum, o Min. Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça, durante o julgamento do REsp
1.561.021, chegou a tangenciar a possibilidade de discussão acerca do valor probatório da prova
emprestada. Confira-se trecho de notícia veiculada no próprio site da Corte Superior, que, embora não
conclusivo, sinaliza a pertinência da discussão que pode vir a ser retomada no futuro:
[...] O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Nefi Cordeiro, lembrou que as
provas no processo penal só exigem forma quando a lei o prevê; caso contrário, devem apenas
ser submetidas às garantias do contraditório e da ampla defesa.
Ao considerar legítimo o empréstimo no caso em análise, o ministro ressaltou que até seria
possível discutir os critérios de valoração da prova: se o depoimento teria o valor de um
testemunho colhido no mesmo processo, sob o contraditório das mesmas partes; se teria o valor
de um informante, ou de um documento, ou, ainda, se a prova emprestada valeria como um
mero indício. "Mas válida essa prova é, não violando nenhuma norma legal, e não violando
tampouco o princípio constitucional do contraditório", enfatizou.7
Prova emprestada e crimes da competência do júri. O STJ tem entendimento no sentido de que
a questão da validade da prova emprestada deve ser feita pelos jurados quando se tratar de
crime da competência do júri: “(...) 4. A validade de prova produzida em outro processo deve ser
decidida pelos jurados, na sessão plenária do Tribunal do Júri, mormente se se mostra idônea a
certificar a autoria do crime” (STJ, RHC 13.664/RJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 09.05.2005).
Com a devida vênia, não concordamos com esta posição. A admissibilidade ou não das provas é
matéria relativa ao juiz togado e não aos jurados. O juiz togado deve remeter ao julgamento em
plenário a causa já preparada e sem qualquer mácula probatória ou de nulidade. Não pode o
magistrado abdicar de sua tarefa de admissibilidade da prova – tarefa, aliás, que lhe é
irrenunciável (Dezem, 2018).
Doutrina complementar
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “Quanto a
sua natureza, formalmente é tratada como prova documental, conservando, contudo, o seu
caráter jurídico original (ex.: o testemunho trazido a outro processo por meio de reprodução
gráfica será apreciado como prova testemunhal). Parte da doutrina tem entendido que, muito
embora a produção da prova seja perfeitamente lícita, sua introdução no novo processo seria
ilegítima, por violação ao princípio do contraditório. Podem surgir algumas controvérsias quanto
à eficácia da prova emprestada, entendendo alguns (JTJ, 181/263) ser insuficiente para sustentar
édito condenatório. Contudo, o STJ já decidiu inexistir nulidade processual, caso a defesa tenha
concordado com produção de prova emprestada (RSTJ, 126/429). Alguns autores alegam ainda
que a prova emprestada não tem a mesma força probante que teve no processo do qual é
originária. Dessa forma, para ter eficácia plena, ela deverá obedecer a alguns requisitos
apontados pela doutrina: a) colheita em processo que contemple as mesmas partes; b) mesmo
fato probando; c) observância, no processo precedente, das mesmas formalidades legais quando
da produção probatória; d) observância do princípio do contraditório em relação ao processo em
que a prova foi originariamente produzida. É evidente, portanto, a inadmissibilidade de prova
emprestada de inquérito policial, uma vez que se trata de procedimento não contraditório. [...]
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que é admissível a prova
emprestada no processo criminal, desde que tenha sido produzida legalmente, seja dada
ciência a ambas as partes e garantido o contraditório (STJ, HC 126.302/PR, 5ª T., Rel. Jorge
Mussi, j. 23.6.2009, DJe, 3.8.2009). No mesmo sentido: STJ, HC 103.510/RJ, 6ª T., Rel. Jane Silva,
j. 4.12.2008, DJe, 19.12.2008) não podendo, ainda, ser o único elemento de convicção a
respaldar o convencimento do julgador (STJ, HC 94.624/SP, 5ª T., Rel. Felix Fischer, j. 26.5.2009,
DJe, 22.6.2009). No mesmo sentido: STF, HC 95.549/SP, 1ª T., Rel. Carmen Lúcia, j. 28.4.2009,
DJe, 29.5.2009)”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018) elenca algumas
regras atinentes à prova emprestada no processo penal: “(i) a prova emprestada, de natureza
oral, guarda a eficácia do processo em que foi colhida, na conformidade do poder de
convencimento que trouxer consigo; (ii) a eficácia e a aproveitabilidade da prova emprestada, de
natureza oral, estão na razão inversa da possibilidade de sua reprodução; (iii) a eficácia da prova
emprestada, de natureza oral, equivale à da produzida mediante precatória. A remissão à prova
emprestada, segundo parte da doutrina, não pode gerar efeitos contra quem não tenha figurado
como uma das partes no processo originário, em obediência ao princípio do contraditório”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Trata-se de prova
produzida para ser valorada no julgamento de determinado feito, da qual posteriormente se
extrai cópia, em regra, para juntada e apreciação em feito diverso (para o qual não foi
originariamente materializada)”. A respeito de sua natureza jurídica, assevera: “O cerne da
questão reclama saber se ela mantém sua natureza originária ou se deverá ser considerada,
sempre, como prova documental. A nosso juízo, a natureza jurídica desse tipo de prova é
documental, até porque inviável praticar no processo que a recebe todo o procedimento
tipificado para a colheita de depoimento. [...] Qualquer que seja a opção que se adote, sendo ela
prova oral ou documental, irá gozar do mesmo valor probatório, quando admitida, visto que não
adotado no CPP, para a generalidade dos casos, o sistema de prova tarifada. Prova testemunhal
e documental têm o mesmo valor a priori, devendo ser apreciadas conforme o livre-
convencimento motivado”. Em relação ao valor probatório das provas emprestadas, sustenta:
“Para ser admitida e valorada, entretanto, deve atender a certos requisitos, a saber: 1)
Identidade de partes: as partes envolvidas nos dois processos devem ser as mesmas (no processo
que cede e naquele que recebe a prova). Do contrário, haverá inaceitável violação aos princípios
do devido processo legal, ampla defesa, contraditório e juiz natural. É esse, portanto, o ponto de
partida para a admissibilidade da prova emprestada. Se não houver identidade de partes, deverá
ser indeferida sua produção. Na pior das hipóteses, se mantida a documentação respectiva nos
autos, seu conteúdo não poderá ser valorado pelo juiz. 2) Licitude da prova: é imprescindível que
não se trate de prova ilícita (CF, art. 5º, LVI). 3) Identidade de fatos: a prova emprestada deve
ser pertinente e relevante, daí a necessidade de que se refira ao mesmo fato em ambos os
processos, a fim de que seja útil. 4) Devido processo: para que não seja nula, a prova importada
deve ter sido colhida originariamente pelo juiz natural, em conformidade com os princípios
regentes. [...] A impossibilidade de produção da prova original no processo que a recebe não é
condição de validade da prova emprestada. Exemplo: no caso de prova oral produzida no
processo que cede, não é imprescindível que ela já não possa ser produzida, oralmente, no
processo que recebe a cópia do depoimento respectivo”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 3, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010):
“Contudo, vigorando entre nós os princípios do contraditório e da ampla defesa, parece claro
que o valor probatório dessa ‘prova emprestada’ fica condicionado à sua passagem pelo crivo do
contraditório, do contrário ela se torna ilícita, visto que obtida com violação de princípios
constitucionais. Se a prova, para ser válida, deve passar pelo exame das partes, é induvidoso que
uma prova colhida em um processo e transferida para outro não pode ter o menor valor. E o
eminente Ministro Vicente Cernicchiaro chega a dizer, e com razão, que a prova emprestada é
um fato, apenas um fato, suscetível de ser objeto de prova e, como toda prova, urge passar pelo
contraditório. Se assim não ocorrer, cumpre ser repelida, sob pena de invalidade: contrasta com
o devido processo legal (Prova emprestada, artigo publicado no Correio Brasiliense, Coluna
‘Direito & Justiça’, 2-9-1996)”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018), sobre a natureza jurídica
das provas emprestadas, assevera: “É cediço que o rol dos meios de prova previstos em lei (arts.
158 usque 250 do CPP) não é exaustivo, ou seja, outros meios existem que não previstos em lei.
Assim, diante dos princípios da verdade processual e do contraditório e do sistema do livre
convencimento, não temos dúvida em afirmar que sua natureza é de um meio de prova
inominado, que, quanto à forma, é sempre documental”.
AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018), sintetizando, expõe:
“Prova emprestada e transferência de provas: deve-se distinguir entre provas testemunhais,
técnicas e mera prova documental. Transferir a prova testemunhal ou técnica de um processo
para outro é bastante discutível, na medida em que representa uma violação do contraditório e
da ampla defesa, pois a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado caso
penal e a determinada parte. Já a transferência de documentos de um processo para outro,
inicialmente, não representaria qualquer ilegalidade, desde que não se trate de documentos
protegidos por sigilo. Mas a questão deve ser analisada em cada caso”.
Assim dispõe o CPP, com destaque naquilo que, neste momento, nos interessa:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
As provas cautelares, não repetíveis e antecipadas subsidiam a decisão do juiz, mesmo que produzidas em
fase de investigação, sem necessidade de que sejam elas reproduzidas ou repetidas na instrução criminal
(fase processual) com contraditório de partes.
Regra geral as provas ou elementos de informação produzidos em investigação têm valor relativo,
suplementar, e servem, basicamente, para subsidiar a acusação formal, traduzir a sua justa causa;
isoladamente, sem a necessária reprodução contraditória, não podem servir de fundamento suficiente para
a decisão do juiz. Para essa regra geral a ressalva fica por conta dessas três espécies de provas.
Provas cautelares são aquelas produzidas, como o próprio nome sugere, de modo acautelatório, evitando-
se o perecimento, quando há urgência (periculum) incompatível com a normal espera da sua produção no
momento oportuno (instrução criminal). Verifica-se um risco de perda da prova em razão do decurso do
tempo e é justamente esse risco que autoriza um contraditório que a doutrina chama de diferido, postergado
ou adiado. A prova cautelar é produzida, normalmente, inaudita altera parte. Um exemplo é a busca e
apreensão.
Prova não repetível, como o nome indica, é aquela que uma vez produzida, por sua própria natureza, não
permite a reprodução ou a repetição. A fonte de prova desaparece, perece ou se destrói (normalmente pelo
decurso do tempo) e isso inviabiliza que a prova seja refeita num segundo momento.
[...] aquela que, uma vez produzida, não tem como ser novamente coletada ou produzida, em
virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Podem ser
produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo que, em regra, não dependem de autorização
judicial. Exemplificando, suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corporais de
natureza leve. O exame pericial levado a efeito imediatamente após a prática do delito
dificilmente poderá ser realizado novamente, já que os vestígios deixados pela infração penal
irão desaparecer. Ante o perigo de que haja dispersão dos elementos probatórios em relação aos
fatos transeuntes, sua produção independe de prévia autorização judicial, podendo ser
Provas antecipadas são aquelas produzidas antes do momento oportuno fixado pela lei. Normalmente, as
provas devem ser produzidas após a citação e completude da relação processual, em fase de instrução,
depois da fase postulatória. Em situações excepcionais, todavia, pode haver necessidade de a produção da
prova ser adiantada, por razões de urgência e de relevância. Veja-se o que diz o Código de Processo Civil (que
pode ser aplicado em analogia) neste ponto:
Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos
fatos na pendência da ação;
III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
A produção das provas antecipadas não é feita inaudita altera parte (diferentemente das provas cautelares),
depende de autorização judicial e deve observar o contraditório, podendo ser constituídas até mesmo antes
da existência do processo.
É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP.
Supondo-se que determinada testemunha presencial do delito esteja hospitalizada, em grave
estado de saúde, afigura-se possível a colheita antecipada de seu depoimento, o que será feito
com a presença do juiz, e com a participação das partes sob contraditório. Caso ainda não haja
uma pessoa formalmente apontada como suspeita da prática do delito, deve o magistrado
diligenciar para que a defesa técnica seja patrocinada por um advogado dativo. Nesse caso, o
depoimento ficará integrado aos autos com o mesmo valor legal que teria caso fosse prestado
no curso da instrução. Outro exemplo de prova antecipada é aquele constante do art. 366 do
CPP, em que, determinada a suspensão do processo e da prescrição em relação ao acusado que,
citado por edital, não tenha comparecido nem constituído defensor, poderá ser determinada
pelo juiz a produção antecipada de provas urgentes, nos termos do art. 225 do CPP. Nesse caso,
para que se imponha a antecipação da prova urgente, deve a acusação justificá-la de maneira
satisfatória (v.g., ofendido com idade avançada). Isso porque, na visão dos Tribunais Superiores,
a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera
referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida
excepcional. Sobre o assunto, dispõe a súmula n° 455 do STJ que "a decisão que determina a
produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente
fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo" (Lima, 2018).
Concebidas as diferenças relativamente tênues com a caracterização de cada uma dessas provas,
poderíamos dizer que essas três espécies têm como característica comum o fato de poderem ser produzidas
tanto na fase investigatória quanto na fase judicial. Ao final, para consolidar os apontamentos, segue tabela
em relação a essas modalidades de provas:
Questão abrangente sobre o tema foi cobrada em prova do Ministério Público do Distrito Federal:
Comentários. O artigo 155 do CPP deixa evidente a escolha do legislador infraconstitucional pela
adoção, como regra geral, do sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional do juiz.
Nesse sistema, confere-se ao magistrado liberdade na apreciação das provas produzidas no processo,
podendo levá-las todas em consideração para a formação de sua convicção, desde que tenham sido
obtidas e produzidas sob o manto do contraditório judicial, com a dialética entre as partes.
O artigo em comento, ainda, manifesta a vedação ao juiz na utilização exclusiva dos elementos de
informação para fundamentar sua decisão. Por “elementos de informação” entendem-se aqueles
obtidos em sede inquisitorial de investigação criminal; portanto, desprovidos de contraditório. Não se
confundem, pois, com as “provas”, as quais imprescindem desse contraditório judicial. Ademais, sem
se olvidar da posição doutrinária capitaneada por PAULO RANGEL, para quem os elementos de
informação não podem ser usados sequer como subsídio para corroborar provas judiciais, entende a
doutrina majoritária, com aceitação pelo STF (STF, 2ª Turma: RE-AgR 425.734/MG; STF, 2ª Turma: HC
89.877/ES), que os aludidos elementos podem ser passíveis de valoração pelo magistrado e servir como
meio idôneo para complementar os demais indícios e provas colhidos.
Por fim, a parte final do dispositivo aclara que as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas foram
ressalvadas da citada regra, e podem servir para a formação da convicção do juiz; afinal, embora
Outra questão, um pouco mais complexa, em relação a esse ponto da matéria, foi cobrada recentemente
para o Ministério Público do Paraná:
(MPE PR) - Promotor de Justiça/2017. Acerca da prova no processo penal: A) Defina o que são provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas, esclarecendo se a legislação processual penal permite que
sejam utilizadas na formação da convicção do julgador (valoração como material probante) quando
produzidas na fase de investigação. B) Leia a hipótese do Enunciado a seguir e responda,
fundamentadamente, se está correta a pretendida solução absolutória requerida por ausência de
prova da materialidade. ADELCIO LIMA SILVA foi denunciado e processado por estupro de vulnerável
(art. 217- A, do Código Penal), sob a acusação de ter praticado atos libidinosos diversos da conjunção
carnal com a criança A.F.R., de 10 (dez) anos de idade, consistente em acariciar e beijar a vagina da
infante. No transcorrer da instrução, sobreveio aos autos o laudo de exame pericial a que foi submetida
à vítima, com "resposta prejudicada" para os questionamentos realizados quanto à ocorrência de atos
libidinosos, embora a prova testemunhal fosse harmoniosa e robusta no sentido da sua prática. Ao
apresentar alegações finais do acusado ADELCIO LIMA SILVA, a Defesa pleiteia a sua absolvição,
invocando, como fundamento, a ausência de comprovação da materialidade delitiva diante da
inexistência de laudo de exame pericial positivo.
Comentários. Questão A: acabou de ser explicitada. Lembre-se que as provas cautelares, não repetíveis
e antecipadas podem ser utilizadas para a formação da convicção do julgador, mesmo quando
produzidas na fase de investigação, porquanto são expressamente excepcionadas, in fine, da regra do
art. 155 do CPP, o qual veda ao juiz formar sua convicção exclusivamente com base em elementos de
informação colhidos na fase de investigação.
Questão B: não merece prosperar o requerimento de absolvição do acusado por ausência de prova da
materialidade manejado pela defesa. A uma, porque se trata de prática de atos libidinosos diversos da
conjunção carnal, consistentes em carícias e beijos na genitália. Tais atos não têm qualquer propensão
a deixar vestígios, afigurando-se inepta qualquer tentativa de se constatar a sua prática por laudo
pericial/exame de corpo de delito direto. Nesses casos, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no
sentido de ser o exame pericial dispensável e perfeitamente suprido pela prova oral (STJ: HC 44491/PA;
STJ:HC 11033/RS). A duas, porque, afastada a regra limitadora do art. 158 do CPP (indispensabilidade
do exame de corpo de delito em crimes que deixam vestígios) por não se tratar desse tipo de infração,
está o juiz sujeito às regras do sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional,
cabendo-lhe o cotejo de todas as provas produzidas no processo, sem existir prova com valor
absoluto8. Presente um conjunto probatório robusto que evidencie a efetiva materialidade do crime –
8
Falaremos mais disso na sequência.
consistente nos relatos harmoniosos das testemunhas –, não merece acolhida o pleito absolutório da
defesa.
Doutrina complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“O art. 155, caput, parte final, do CPP, ressalva da obrigatoriedade de judicialização as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas. Exemplo de prova com natureza cautelar e não passível
de repetição encontra-se nas interceptações telefônicas realizadas no curso do inquérito policial,
as quais, se realizadas de acordo com a Lei 9.296/ 1996, poderão ser utilizadas na formação do
convencimento do juiz, inclusive como fonte principal dessa convicção. Atente-se, porém, que,
também nesse caso, será assegurado ao acusado o contraditório ulterior (postergado ou
diferido), facultando-se a ele, por ocasião do processo, o direito de impugnar a prova realizada
sem a sua participação”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “O art. 155 ressalta que
o juiz não poderá fundamentar sua decisão, exclusivamente, nos elementos informativos
colhidos na investigação. Pode acontecer de o intérprete açodado entender que a palavra
exclusivamente significa dizer que o juiz pode sopesar as provas do inquérito desde que em
cotejo com as demais provas do processo. Nada mais equivocado. A palavra exclusivamente
significa dizer que o juiz não deve levar em consideração, em sua sentença, as informações
contidas no inquérito policial, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Não
servem nem para cotejá-las com as do processo. Prova de inquérito é para que o MP possa dar o
pontapé inicial, oferecendo denúncia. Provas cautelares são aquelas informadas pelo binômio:
periculum in mora e fumus boni iuris, autorizando sua adoção com o escopo de assegurar o curso
do inquérito a fim de que possa o MP oferecer denúncia. Exemplos: busca e apreensão;
interceptação telefônica; medidas assecuratórias (art. 125 do CPP). Provas não repetíveis são
aquelas que não se renovam em juízo, tais como: exame pericial, exceto o complementar; auto
de exame cadavérico; exame de corpo de delito. São provas realizadas apenas na fase de
inquérito. Nesse caso, poderá o juiz fundar sua decisão nessas provas. Por último, provas
antecipadas, que são aquelas realizadas na fase do inquérito visando a preservar o objeto de
prova que seria colhido no curso do processo, mas que diante de um fato urgente pode prejudicar
sua colheita, pois quando da instauração do processo poderá não mais existir. Exemplo: Art. 225.
Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar
receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento (grifo nosso).
Nesse sentido, poderia o juiz fundar sua sentença com base nesses tipos de provas colhidas no
inquérito”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “As provas
cautelares são aquelas produzidas antes do momento oportuno, em razão de situação de
urgência. O art. 225 do CPP, por exemplo, prevê situações que autorizam a oitiva de testemunhas
fora da fase adequada. Já as provas irrepetíveis, como o próprio nome indica, não podem ser
reproduzidas em juízo, como ocorre com inúmeras perícias realizadas no inquérito policial.
Finalmente, as provas antecipadas decorrem do poder geral de cautela do juiz, de ordenar, ex
officio, a realização de provas consideradas urgentes e relevantes, antes mesmo da ação penal,
Jurisprudência pertinente
[...] Os indícios, dado ao livre convencimento do Juiz, são equivalentes a qualquer outro meio
de prova, pois a certeza pode provir deles. Entretanto, seu uso requer cautela e exige que o
nexo com o fato a ser provado seja lógico e próximo. [...] (HC 70344, Relator(a): Min. PAULO
BROSSARD, Segunda Turma, julgado em 14/09/1993).
[...] A "fundada suspeita", prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros
unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista,
em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que
não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um "blusão"
suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a
direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido
para determinar-se o arquivamento do Termo. (HC 81305, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO,
Primeira Turma, julgado em 13/11/2001).
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ART. 317, § 1º, DO CÓDIGO PENAL.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EMPRÉSTIMO PROBATÓRIO. PROVA ILEGÍTIMA. PROVA
ORIGINADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADOS A
AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO. PARTICIPAÇÃO DO DENUNCIADO NO PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO PARA A VALIDADE DA PROVA. PRESCINDIBILIDADE. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO EXAURIENTE. DESNECESSIDADE. JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA.
RECURSO DESPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa exige
comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da ocorrência de causa de extinção da
punibilidade, da ausência de lastro probatório mínimo de autoria ou de materialidade, o que não
se verifica na presente hipótese. 2. É cediço, na linha da jurisprudência desta Corte, que é
admissível a utilização de prova emprestada, desde que tenha havido a correlata observância ao
contraditório e à ampla defesa. A vexata quaestio, entretanto, gira em torno da (im)possibilidade
de se valer de referida prova emprestada para embasar a persecutio criminis, mesmo que não
tenha havido a efetiva participação do agente em sua produção, porquanto não foi parte do
processo administrativo em que foi originada. O STJ já sedimentou o entendimento de que "a
prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob
pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto.
Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial
para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o
contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la
adequadamente, afigura-se válido o empréstimo" (EREsp n. 617.428/SP, rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 4/6/2014, DJe 17/6/2014). 3. Na hipótese vertente,
consta do acórdão vergastado que a prova supostamente acoimada de ilegítima foi juntada aos
autos principais antes mesmo da apresentação de defesa prévia. Dessarte, a indigitada prova,
portanto, foi oportunizada à defesa desde a deflagração da persecução penal, razão pela qual se
alija de qualquer pecha que possa conspurcar o processo ab origine. [...] (STJ - RHC: 92568 SC
2017/0315263-7, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento:
19/06/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2018).
[...] A validade de prova produzida em outro processo deve ser decidida pelos jurados, na
sessão plenária do Tribunal do Júri, mormente se se mostra idônea a certificar a autoria do crime.
[...] (RHC 13.664/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em
24/02/2005).
[...] I - Não obstante o valor precário da prova emprestada, ela é admissível no processo penal,
desde que não constitua o único elemento de convicção a respaldar o convencimento do julgador
(Precedentes do c. Pretório Excelso e do STJ). II - Na espécie, não há comprovação segura de
que a prova encartada aos autos, consistente em depoimentos testemunhais trasladados de
outra ação penal, na qual o paciente não era réu, foi, sequer, levada ao conhecimento do
Conselho de Sentença, razão pela qual mostra-se temerário o acolhimento da nulidade
aventada pela defesa com base, exclusivamente, em suposição acerca de sua efetiva utilização
em Plenário. Ordem denegada. (HC 94.624/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
julgado em 26/05/2009, DJe 22/06/2009).
ÔNUS DA PROVA
Tema controverso e com disciplina legal escassa. Quando se fala da produção da prova surge o problema do
onus probandi e a questão que se coloca é: “a quem compete provar?” (Tornaghi, 1977).
Entende-se como faculdade jurídica a possibilidade de fazer tudo quanto a lei não proíba e de
omitir tudo quanto ela não imponha. É um campo de liberdade jurídica, decorrente da
irrelevância para o direito ou da inexistência de ilicitude. Já o chamado direito subjetivo, numa
apreciação superficial, é mais do que uma mera faculdade de fazer ou não fazer. É faculdade de
exigir de outrem uma prestação. Assim, em sendo bilateral, ao direito subjetivo corresponde o
dever jurídico ou obrigação. Chama-se direito potestativo ou poder jurídico a faculdade,
assegurada pela norma jurídica, de o seu titular submeter terceiro à sua vontade. Vale dizer,
unilateralmente atinge-se a esfera jurídica do sujeito passivo, que a tudo fica submetido. Aqui,
ao invés de dever ou obrigação, temos uma posição de mera sujeição à vontade de outrem.
Finalmente, chegamos ao ônus processual. Não é ele bilateral, o que torna fácil distingui-lo do
direito subjetivo e poder jurídico. O ônus não é algo impositivo, imperativo. Muito pelo contrário,
é uma espécie de faculdade. É um campo de liberdade que tem um determinado sujeito de
direito para atuar positivamente, a fim de que venha a alcançar algum benefício em seu favor.
Assim, pode-se dizer que ônus processual é uma faculdade outorgada pela norma para que um
sujeito de direito possa agir no sentido de alcançar uma situação favorável no processo. Se
juridicamente fosse possível, poderíamos dizer que ônus “é o dever para consigo mesmo”
(Jardim, 2003).
Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, “Onus probandi é o ônus ou o encargo de prova, nas questões judiciais. Sem fugir,
pois, ao sentido literal do vocábulo (ônus), exprime a locução: a obrigação de provar. Neste particular, está
certo e afirmado o princípio, de que a obrigação de provar cabe a quem alega ou diz: onus probandi incumbit
et qui dicit. E, daí, se gera o provérbio: Actor probat actionem, réus exceptionem” (Silva, 2005).
TORNAGHI ensina que “não se trata de um dever, mas de um ônus, um encargo. O dever existe
para com outrem. Quem o tem e não o cumpre sofre pena. O encargo é uma sorte de
obrigação para consigo mesmo. Se a lei encarrega alguém de praticar um ato, em seu próprio
favor, e o encarregado não o realiza, a ninguém prejudica senão a si mesmo. Por isso não sofre
pena; deixa de lucrar o que ganharia se o praticasse”.
O dever é a contrapartida do direito subjetivo; ao ônus não corresponde nenhum direito, porque
o beneficiário é o próprio onerado. Se o réu num processo penal tem um documento que lhe
prova a inocência, é de toda vantagem para ele juntá-lo aos autos. Caso não o faça, pode não ser
reconhecida a sua inocência. Mas não há lei alguma que lhe imponha o dever de apresentar o
documento e o ameace de pena pelo simples fato de não o fazer. Deve-se, pois, falar em ônus da
prova e não em dever de provar (Tornaghi, 1977).
BADARÓ identifica o ônus da prova como uma posição ativa (e não passiva) do sujeito processual, diante da
liberdade e da faculdade que tem de executar o ato para a obtenção do resultado favorável. É “uma
faculdade cujo exercício é necessário para a obtenção de um interesse”.
Ora, diante de tais posições de vantagem (poder e liberdade) e também por não gerar a
possibilidade de que qualquer pessoa exija ou imponha o seu cumprimento, é que o ônus deve
ser entendido como posição ativa. [...] Em suma, para fins de análise do ônus da prova, o
importante é definir o ônus como uma posição jurídica na qual o ordenamento jurídico
estabelece determinada conduta para que o sujeito possa obter um resultado favorável. Em
outros termos, para que o sujeito onerado obtenha o resultado favorável, deverá praticar o ato
previsto no ordenamento jurídico, sendo que a não realização da conduta implica a exclusão de
tal benefício, sem contudo, configurar um ato ilícito (Badaró, 2003).
MARINONI e ARENHART, referindo RODRIGO XAVIER LEONARDO, sintetizam o conceito: “espécie de poder da parte
que possibilita o agir, segundo interesses próprios, não obstante a existência de norma pré-determinada,
cuja inobservância pode trazer prejuízos à própria parte onerada”.
Entretanto, há uma questão, já levantada no item anterior, que agora pode ser mais bem
explicada. A ideia de ônus costuma ser ligada a um comportamento necessário para a obtenção
de um efeito favorável, ao passo que, diante do ônus da prova, a parte onerada pode obter um
resultado favorável mesmo sem cumprir o seu ônus, isto é, ainda que sem produzir prova.
Lembre-se que nada impede que o julgamento favorável ao autor se funde em provas produzidas
de ofício ou pela parte adversa. Isso indica, com clareza, que a produção de prova não é um
comportamento necessário para o julgamento favorável – ou para o resultado favorável. Na
verdade, o ônus da prova indica que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um
resultado desfavorável, ou seja, o descumprimento do ônus não implica, necessariamente, um
resultado desfavorável, mas ao aumento do risco de um julgamento contrário, uma vez que,
como precisamente adverte PATTI, “una certa percentuale di rischio sussiste anche per la parte
che ha fornito la prova”. A ideia de ônus da prova não tem o objetivo de ligar a produção da prova
a um resultado favorável, mas sim o de relacionar a produção da prova a uma maior chance de
convencimento do juiz (Marinoni, et al., 2015).
BADARÓ, com base na lição de GOLDSCHIMIDIT, ainda faz a necessária distinção entre ônus, obrigação e dever:
[...] As obrigações, enquanto imperativos do interesse do credor, geram uma posição jurídica
negativa para o devedor, em decorrência da qual o credor, titular do direito subjetivo
correspondente, pode exigir-lhe o cumprimento da obrigação. Aquele que descumpre uma
obrigação pratica um ato ilícito, em decorrência do qual lhe pode ser imposta uma sanção para
o adimplemento da prestação não cumprida, sujeitando-o à execução forçada.
[...] Por fim, os ônus são um imperativo do próprio interesse. E, neste caso, estão situados no
campo da liberdade, pelo que representam posições jurídicas lícitas, mesmo quando há o seu
descumprimento. Ao direito subjetivo corresponde uma obrigação. O poder tem como correlato
a sujeição. Já perante o ônus não há qualquer posição contraposta. Não há um outro sujeito que
não o próprio onerado. Ao contrário, a parte contrária não quer outra coisa senão que o onerado
não se desincumba de seu ônus. O cumprimento do ônus interessa ao próprio sujeito onerado,
enquanto, na obrigação, a sua satisfação interessa à outra parte, titular do direito subjetivo
correspondente. O inadimplemento de uma obrigação ou de um dever gera uma situação de
ilicitude e traz como consequência a possibilidade de uma sanção. Já o descumprimento de um
ônus configura um ato lícito e não é sancionado. A diferença, portanto, está na titularidade do
interesse em relação a quem ocorrerá o prejuízo ou a consequência negativa: se o interesse é
alheio, há obrigação; se é próprio, há ônus (Badaró, 2003).
Fazendo referência a PAULO HEBER DE MORAIS e JOÃO BATISTA LOPES, NUCCI diferencia consignando que “o ônus é
a subordinação de um interesse próprio a outro interesse próprio, enquanto a obrigação significa a
subordinação de um interesse próprio a outro, alheio” (Nucci, 2018). NORBERTO AVENA também trabalha essa
distinção, inclusive com exemplos:
Isso porque uma obrigação descumprida representa um ato contrário ao direito, ao qual
corresponde uma penalidade. Por exemplo: uma vez intimada a depor, tem a testemunha a
obrigação de comparecer; caso contrário, haverá condução coercitiva, pagamento das despesas
da condução, eventual responsabilidade penal por crime de desobediência e multa (arts. 218 e
219 do CPP). Caso compareça e não diga a verdade em face das perguntas que lhe forem
formuladas, poderá, salvo exceções legais, responder por crime de falso testemunho (art. 342 do
CP).
OBRIGAÇÃO ÔNUS
Doutrina complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“Por ônus entende-se o encargo atribuído às partes de provar, por meio de meios lícitos e
legítimos, a verdade das suas alegações, visando, assim, a fornecer ao juiz os elementos
necessários à formação de sua convicção”.
ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2017), ao diferenciar ‘ônus’ de ‘dever’, assevera: “Averbe-se que o ônus não pode ser
entendido como um dever ou uma obrigação da parte, na medida em que seu descumprimento
não lhe acarreta nenhuma sanção. É, portanto, na precisa definição de AFRÂNIO SILVA JARDIM, “uma
faculdade outorgada pela norma para que um sujeito de direito possa agir no sentido de alcançar
uma situação favorável no processo”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “A principal
diferença entre obrigação e ônus reside na obrigatoriedade. Enquanto na obrigação a parte tem
o dever de praticar o ato, sob pena de violar a lei, no ônus o adimplemento é facultativo, de
modo que o seu não cumprimento não significa atuação contrária ao direito. Neste último caso,
contudo, embora não tendo afrontado o ordenamento legal, a parte arcará com o prejuízo
decorrente de sua inação ou deixará de obter a vantagem que adviria de sua atuação. A prova é
induvidosamente um ônus processual, na medida em que as partes provam em seu benefício,
visando dar ao juiz os meios próprios e idôneos para formar a sua convicção. Ônus da prova é,
pois, o encargo que têm os litigantes de provar, pelos meios admissíveis, a verdade dos fatos”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 3, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010): “Que
se entende por ônus? Um imperativo que a lei estabelece em função do próprio interesse
daquele a quem é imposto. Existe no Processo Penal pátrio um onus probandi? Ensina Florian
que o onus probandi não tem, no Processo Penal, aquele alcance que se lhe concede na esfera
civil, pois, vigorando no Processo Penal o princípio da verdade real, o Juiz dispõe de faculdades
instrutórias para suprir a inércia ou conjurar a astúcia das partes (cf. Principi, cit, p. 251-2)”.
Na lição de AFRÂNIO JARDIM, que refere somente ao ônus da prova objetivo, “a utilidade prática das regras
sobre o ônus da prova está em fornecer ao Juiz critérios legais para que possa decidir mesmo diante de fatos
incertos. Malgrado todo o empenho das partes e do Juiz em buscar determinada prova, constantemente
ocorre que persiste dúvida sobre ponto relevante para o julgamento da pretensão punitiva. Aqui é que está
o cerne da questão, pois o magistrado não pode escusar-se de julgar e, em nosso direito, não existe o
instituto da suspensão do processo penal por insuficiência de provas”. Não se trata de fixar quem deve levar
a prova, mas sim de quem assume o risco da sua falta.
Fazendo remissão à lição de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, o mesmo autor destaca que quanto mais subsídios
de provas existirem, quanto maior a probabilidade de um esclarecimento cabal dos fatos relevantes, na
mesma proporção diminuirá a necessidade de recorrer às normas de distribuição do onus probandi. As regras
do ônus da prova, consideradas como regras de julgamento, implicam na repartição do risco da prova, que
é a solução necessária para os casos de impossibilidade de esclarecimento, apesar de todos os esforços
(Jardim, 2003).
[...] a regra do ônus da prova se dirige às partes e ao juiz. Quando o juiz é o seu destinatário,
importa para a formação do seu convencimento – uma vez que o juiz pode reduzir as exigências
de prova, visando formar a sua convicção, conforme a situação concreta e a regra do ônus da
prova – e para a sua decisão. [...] Referindo-se à regra do ônus da prova como regra de decisão,
COMOGLIO, FERRI e TARUFFO argumentam que, como o juiz não pode deixar de decidir ou
aplicar um non liquet, são definidos critérios que permitem a solução do litígio quando os fatos
principais não restam esclarecidos, os quais são constituídos pelas regras que disciplinam o ônus
da prova. Tais regras importam quando um fato principal resulta destituído de prova, pois a sua
função é estabelecer a parte que deveria provar o fato e determinar as consequências que sobre
essa recaem diante da ausência de tal prova. Nessa linha, a regra do ônus da prova se apresenta
como regra destinada a viabilizar a decisão do juiz em caso de dúvida ou, em outros termos, a
dar ao juiz não convencido a possibilidade de decidir (Marinoni, et al., 2015).
BRASILEIRO e BADARÓ ainda fazem referência a uma classificação menos utilizada, citada a título de completude
deste material:
Ônus da prova perfeito e menos perfeito. Tendo como critério a consequência que decorre do
não cumprimento do ônus, a doutrina o subdivide em ônus perfeito e menos perfeito. O ônus é
perfeito quando o prejuízo, que é o resultado de seu descumprimento, ocorre necessária e
inevitavelmente. Um ônus é tido como menos perfeito quando os prejuízos que derivam de seu
descumprimento se produzem de acordo com a avaliação judicial. Com base nessa classificação,
não se pode falar em ônus completamente imperfeito, na medida em que, quando não resultar
qualquer prejuízo da inação para o omitente, não haverá ônus algum. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
apresenta classificação semelhante, diferenciando os ônus em absolutos e relativos. Segundo o
autor, ônus absolutos são aqueles cujo descumprimento conduz fatal e invariavelmente à
consequência desfavorável, ou priva inexoravelmente o sujeito de uma situação de vantagem.
São relativos aqueles que somente tomam improvável a vantagem ou provável o prejuízo. O
descumprimento de um ônus relativo fará com que o seu titular corra o risco de ser prejudicado,
mas é possível que o risco não se consume, caso a conduta seja praticada por outra pessoa (Lima,
2018).
Existem ônus perfeitos (ou absolutos) e imperfeitos (ou relativos). Ônus perfeito ou absoluto é
uma faculdade que, se não for exercida pela parte, necessariamente lhe acarretará uma
desvantagem ou a privará de uma vantagem (por exemplo, o ônus de recorrer). Já os ônus
imperfeitos ou relativos são faculdades que, se a parte delas não se desincumbir, poderá lhe
advir uma desvantagem, ou poderá implicar a privação de uma vantagem. Todavia, a
desvantagem não será uma consequência necessária e obrigatória do não se desincumbir do
encargo (por exemplo, o ônus da prova) (Badaró, 2017).
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), tratando
sobre as divisões classificatórias do ônus da prova, sustenta: “Quanto à consequência da omissão
em se desincumbir do ônus: (...). a) ônus da prova perfeito ou ônus da prova absoluto: o efeito
negativo, representado por um prejuízo à pretensão da parte, é corolário necessário da omissão
da parte em provar. Nesse caso, a desídia da parte ou a sua incapacidade de comprovar o alegado
é suficiente para desencadear situação desvantajosa para a sua pretensão deduzida em juízo.
Como exemplo, teríamos o ônus do Ministério Público em comprovar fato relativo ao estado civil
da pessoa para possibilitar o reconhecimento de agravante do art. 61, “e”, do CP (crime cometido
contra ascendente), sem o que decorre necessariamente o não agravamento da pena fundado
nesse motivo. b) ônus da prova menos perfeito ou ônus da prova relativo: o prejuízo atinente
ao fato de não ter a parte se desincumbido do ônus de provar fica dependendo de apreciação do
juiz, podendo ou não ter lugar, notadamente se existirem outros meios de prova que possam
substituir a prova que poderia ter sido produzida e não o foi por falta de requerimento da parte
no momento oportuno. Ex: no rito ordinário, a parte autora pode arrolar até oito testemunhas
para comprovar suas alegações, consignadas na petição inicial. Caso arrole somente uma
testemunha e confie nas demais provas documentais e periciais, o fato de não ter exaurido seu
ônus processual de provar não significa em absoluto que o juiz, ainda assim, não possa condenar
o acusado, tratando-se de ônus da prova relativo, sem consequência desvantajosa necessária.
Quanto ao destinatário do ônus. a) ônus da prova objetivo ou ônus sob a perspectiva do
participante: ô ônus da prova objetivo é muito mais uma regra de julgamento para o juiz. O juiz
não pode deixar de sentenciar sob o argumento de que não há regra no sistema para a resolução
do conflito. O juiz é o intérprete autêntico que não pode se eximir de julgar. Como participante,
não admite lacunas que o impeçam de decidir e distribuir o ônus da prova em conformidade com
suas regras. No processo penal, diante da insuficiência de provas ou de dúvida quanto à
imputação, a regra de julgamento determina a absolvição do acusado. b) ônus da prova subjetivo
ou ônus sob a perspectiva do observador ou ônus da prova em sentido estrito: trata-se do ônus
que recai sobre as partes, vale dizer, cuida-se do encargo que as partes têm de produzir as provas
que reforcem suas asserções, mitigando o risco de prejuízo processual que pode ser causado pela
inércia ou omissão em provar. As partes, enquanto sujeitos processuais, argumentam como
observadores do sistema estatal, com o intento de influir na convicção do juiz e atenuar a
possibilidade de decisão que acarrete situação de desvantagem para o seu direito”.
VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012), a respeito do
ônus imperfeito, leciona: “O descumprimento do ônus, contudo, por parte do réu, não acarreta
necessariamente a procedência da imputação, porque o ônus da prova para a defesa é um ônus
imperfeito, ou diminuído, em virtude do princípio in dubio pro reo, que leva à absolvição, no caso
de dúvida quanto à procedência da imputação. Ônus imperfeito ou diminuído é o que não
acarreta necessariamente a preclusão ou não acarreta consequências irreversíveis. Assim, o ônus
de denunciar é ônus imperfeito ou diminuído porque o decurso do prazo não acarreta a perda
da legitimidade para oferecê-lo”. No que concerne ao ônus da prova objetivo e subjetivo,
sustenta: “Por muito tempo somente se considerou o ônus da prova sob o aspecto subjetivo, ou
seja, da necessidade de a parte provar para vencer ou das consequências para a parte que
deveria provar e não o fez. A doutrina processual austríaca viu outro aspecto do ônus da prova,
o ônus objetivo, voltado para o juiz, o qual deve levar em consideração toda a prova constante
dos autos independentemente de quem a tenha produzido. À parte incumbe o ônus da prova de
determinados fatos (ônus subjetivo), mas ao apreciar a prova produzida não importa mais quem
a apresentou, devendo o juiz levá-la em consideração (ônus objetivo). Há que se reconhecer a
impropriedade da expressão ‘ônus objetivo’, porque o juiz não tem ônus, mas dever funcional de
decidir, ainda que a prova seja complexa ou os fatos estejam incertos. Podemos, também,
chamar o ‘ônus objetivo’ de princípio da comunhão da prova, ou seja, a prova vale para ambas
as partes independentemente de quem a tenha produzido. Daí se dizer que a prova nos autos
não é da acusação ou da defesa, mas do juiz”.
Comecemos pelo Código de Processo Penal que (com redação relativamente atual, de Lei de 2008, não
inovou, mas manteve a regra) assim estabelece:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício:
Inicialmente, destaca TORNAGHI que o art. 156 do CPP se refere à fase judicial. No inquérito, por seu caráter
inquisitório, toda prova é colhida pela autoridade policial. A vítima e o indiciado têm um papel muito restrito
e delimitado na investigação, conforme art. 14 do Código de Processo Penal:
Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer
diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
Não é só o art. 156 do CPP que deve ser tomado em conta. Temos ainda as disposições do art. 386, que
tratam da absolvição, com reflexos diretos em relação ao ônus da prova:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; [...]
A maior parte da doutrina (com base no art. 156, que deve ser lido e conjugado com o art. 386 do CPP,
também com alguma influência do processo civil) afirma que deve haver distribuição da carga probatória
(ônus) entre as partes. O Código de Processo Civil assim consigna sobre o tema:
A doutrina majoritária compreende, então, que à acusação se atribui o ônus de provar a materialidade e a
autoria, “cabendo ao réu a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela
acusação” (Dezem, 2018). Diante da relevância do tema e da grande controvérsia doutrinária, vejamos, nas
palavras originais, alguns importantes posicionamentos:
HÉLIO TORNAGHI:
O art. 156 do Código de Processo Penal é claro, porém menos preciso do que parece à primeira
vista. Se o acusador afirma que o acusado matou e este assevera que não o fez, a quem compete
a prova? Se o autor assegura que o acusado agiu ilicitamente e o réu sustenta que agiu
licitamente, qual dos dois deve provar? Seria errado supor que o acusador tem de provar tudo
quanto alega contra o réu. Assim, por exemplo, não lhe é necessário provar a ilicitude do fato,
desde que ele seja típico, isto é, adequado à descrição legal. O promotor denuncia Tício por haver
morto Caio, não precisa provar que ele o fez antijuridicamente. Ao contrário: Tício, o denunciado,
é que terá de provar que o fato por ele praticado, apesar de típico, foi lícito (por exemplo, por
ter agido em legítima defesa) (Tornaghi, 1977).
JOSÉ FREDERICO MARQUES destaca que, de um modo geral, o ônus da prova é repartido, também no processo
penal, segundo a regra de que incumbe a cada uma das partes alegar e provar os fatos que são a base da
norma que lhes é favorável. E isto quer se trate de norma jurídico-penal, como de norma processual:
Segundo estatui o texto legal por último citado, o réu será absolvido quando não houver prova
da existência do fato (artigo 386, nº II), ou quando não existir prova de ter concorrido para a
infração penal (artigo 386, nº IV [hoje V]). Deduz-se de ambos os preceitos que à parte acusadora
incumbe fornecer os necessários meios de prova para a demonstração da existência do corpus
delicti e da autoria. Daí se segue que todos os elementos constitutivos devem ter sua existência
provada, ficando o onus probandi, no caso, para a acusação. Cabe a esta demonstrar não só a
chamada materialidade do crime (o que é a função do auto de corpo de delito), como ainda os
elementos subjetivos e normativos do tipo. Provar o fato típico implica demonstrar a relação de
causalidade entre o resultado e a conduta que dele é prius e antecedente, pois de outra forma
não se realiza a adequação típica. É evidente que se o crime for de mera conduta, ou de conduta
específica, a questão da causalidade perde todo seu relevo. Ainda incumbe ao órgão da acusação
fornecer meios probatórios para demonstrar que a conduta delituosa teve por sujeito ativo o
réu. Ou então, se há algum réu a quem se impute a participação no crime, na qualidade de co-
autor, ainda é ônus da acusação demonstrar essa participação. [...] O Ministério Público deve
provar a prática do fato típico. Feita essa demonstração fundamental, segue-se o juízo de valor
sobre a licitude da conduta tipificada. Existindo uma causa excludente da antijuridicidade, o fato
típico não será ilícito. Ao réu, porém, incumbe provar a existência dessa causa excludente de
ilicitude, para que demonstre ter agido secundum jus. [...] Idêntico fenômeno ocorre com o ônus
da prova no tocante às causas de exclusão da culpabilidade mencionadas no art. 386 [...]. Quando
se trata de culpa, a sua inserção no tipo [...] faz com que o onus probandi seja do Ministério
Público, quer se trate de imperícia, de imprudência ou de negligência. A prova do dolo incumbe
também à acusação (Marques, 1997).
Como regra, no processo penal, o ônus da prova é da acusação, que apresenta imputação em
juízo através da denúncia ou da queixa-crime. Entretanto, o réu pode chamar a si o interesse de
produzir prova, o que ocorre quando alega, em seu benefício, algum fato que propiciará a
exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, embora nunca o faça de maneira absoluta. Imagine-se
que afirme ter matado a vítima, embora o tenha feito em legítima defesa. É preciso provar a
ocorrência da excludente, não sendo atribuição da acusação fazê-lo, como regra, até por que o
fato e suas circunstâncias concernem diretamente ao acusado, vale dizer, não foram investigados
previamente pelo órgão acusatório (Nucci, 2018).
Em um processo informado pelo contraditório e pela igualdade das partes, a distribuição dos
ônus probatórios deveria seguir as mesmas linhas de isonomia. Entretanto, o nosso processo
penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da
inocência do réu, como valor fundante do sistema de provas. Afirmar que ninguém poderá ser
considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica
e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá
provar a existência de um crime, bem como a sua autoria. Há já aqui uma questão. Afirmar que
cabe à acusação a prova da existência do crime significaria dizer que deve o Ministério Público
(ou o querelante) comprovar a presença de todos os elementos que integram o conceito analítico
de crime, ou seja, a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade? Veremos que não. E veremos também
que o Direito Processual Penal, como acontece com todo o Direito, trabalha com presunções
legais. Em primeiro lugar, impende salientar que os exames da tipicidade e da ilicitude do fato
não dizem respeito à matéria de prova. Cuida-se, ao contrário, de mero juízo de abstração, de
valoração do fato (existente ou não) em relação à norma penal. Sobre tais questões não se
produz prova, no sentido de sua materialização, mas, unicamente, emite-se juízo de valor, no
plano abstrato das ideias. Em relação especificamente à prova da existência do dolo, bem como
de alguns elementos subjetivos do injusto (elementos subjetivos do tipo, já impregnado pela
ilicitude), é preciso uma boa dose de cautela. E isso ocorre porque a matéria localiza-se no mundo
das intenções, em que não é possível uma abordagem mais segura. Por isso, a prova do dolo
(também chamado de dolo genérico) e dos elementos subjetivos do tipo (conhecidos como dolo
específico) são aferidas pela via do conhecimento dedutivo, a partir do exame de todas as
circunstâncias já devidamente provadas e utilizando-se como critério de referência as regras da
experiência comum do que ordinariamente acontece. É a via da racionalidade. Assim, quem
desfere três tiros na direção de alguém, em regra, quer produzir ou aceita o risco de produzir o
resultado morte. Não se irá cogitar, em princípio, de conduta imprudente ou de conduta
negligente, que caracterizam o delito culposo. Nesses casos, a prova será obtida pelo que o
Código de Processo Penal chama de indícios, ou seja, circunstância conhecida e provada que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução (trata-se, à evidência, de dedução), concluir-se
a existência de outra ou de outras circunstâncias (art. 239). [...] Quanto à culpabilidade e, mais
particularmente, em relação à imputabilidade do agente, isto é, de sua responsabilidade penal,
a questão pode até exigir prova, qual seja, a de maioridade penal (18 anos), ou da capacidade
mental do autor do fato. Entretanto, não se exige que a acusação, em todas as ações penais, faça
prova de se tratar de acusado capaz e mentalmente são. Parte-se da presunção legal de que as
pessoas maiores de idade, até prova em contrário, sejam efetivamente capazes. Por isso, como
veremos, até a citação do incapaz, de cuja incapacidade não se tem ainda notícia, é feita
pessoalmente. Havendo, porém, quaisquer indícios de se tratar de acusado portador de alguma
enfermidade, deverá o juiz, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do
curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado (art. 149, CPP), requerer o
exame de insanidade mental. Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova
quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de
demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesmo da
culpabilidade. Por isso, é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual
“a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.
NORBERTO AVENA:
Portanto, a prova cabe àquele que afirma determinado ato, fato ou circunstância, seja a acusação
ou a defesa, não sendo verdade que somente o autor da ação penal tenha esta incumbência.
Tudo dependerá da natureza da alegação. Neste contexto, à acusação caberá provar a existência
do fato imputado e sua autoria, a tipicidade da conduta, os elementos subjetivos de dolo ou
culpa, a existência de circunstâncias agravantes e qualificadoras. Já à defesa, por outro lado,
incumbirá a prova de eventuais causas excludentes de ilicitude, de culpabilidade e de tipicidade,
circunstâncias atenuantes, minorantes e privilegiadoras que tenha alegado (Avena, 2017).
Para evitar esse risco ou esse prejuízo, devem as partes procurar provar a tese levantada, pois,
sem embargo daquela faculdade do Juiz, o descaso, conforme adverte ESPÍNOLA FILHO, poderá
trazer-lhes amargas decepções. Cabe, pois, à parte acusadora provar a existência do fato e
demonstrar sua autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por
dolo ou culpa. Se o réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a
parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da acusação. Se, por acaso, a Defesa arguir
em seu prol uma causa excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade, é claro que, nessa
hipótese, as posições se invertem, tendo inteira aplicação a máxima actori incumbit probatio et
reus in excipiendo fit actor... Diga-se o mesmo se a Defesa alegar a extinção da punibilidade
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 3, p.
238) (Rangel, 2018).
O Código, como acima se referiu, contém apenas uma regra sobre o ônus da prova: a de que
incumbe às partes a prova de suas alegações, podendo o juiz determinar provas de ofício, mesmo
antes de iniciada a ação penal, como a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida e determinar,
no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante. A regra é, manifestamente, insatisfatória. A construção da teoria
do ônus da prova no processo penal pode partir, então, do critério vislumbrado por MICHELI e
acolhido pelo Código de Processo Civil, de que à acusação cabe a prova do fato constitutivo de
sua pretensão ou de seu direito, que são as elementares do tipo e a autoria. Fatos constitutivos
são aqueles que, se provados, levam à consequência jurídica pretendida pelo autor. A relevância
ou não de determinado fato para a produção de certo efeito jurídico é dada pelo direito material,
porque nele estão definidas as relações jurídicas e os respectivos fatos geradores de direitos
subjetivos. A acusação afirma certos fatos porque deles pretende determinada consequência de
direito, a condenação; esses são os fatos constitutivos que lhe incumbe provar sob pena de
perder a demanda. A dúvida ou insuficiência de prova quanto a fato constitutivo milita contra a
acusação. O juiz julgará o pedido improcedente se a acusação não provar suficientemente os
fatos elementares do tipo e a autoria.
casamento, de outro lado, se houver dúvida sobre esse antecedente necessário, impõe-se a
absolvição porque o casamento anterior é fato constitutivo da pretensão punitiva. É importante
repetir que, conquanto a prova do fato constitutivo incumba à acusação, isto não quer dizer que
o réu não tenha interesse em fazer contraprova do fato constitutivo ou prova de sua inexistência,
alegando, por exemplo, um álibi. É evidente que o réu tem interesse em demonstrar que o fato
da imputação não existiu ou não ocorreu da maneira afirmada. No momento do julgamento,
porém, o juiz apreciará toda prova (e contraprova) produzida e, se ficar na dúvida quanto ao fato
constitutivo, em virtude do labor probatório do réu, ou não, o juiz julga a ação improcedente. O
mesmo vale, em face do réu, quanto ao fato extintivo, modificativo ou impeditivo, se nenhuma
prova veio aos autos sobre eles, bastando, porém, a dúvida para a absolvição. É também de se
observar que o fato constitutivo que à acusação incumbe provar é aquele que, consubstanciando
o fundamento jurídico do pedido, se existente, gera a consequência jurídica imediatamente
pretendida: elementos do tipo e autoria. As condições gerais, como, por exemplo, o dolo, nas
ações em geral, e a imputabilidade, são presumidas, somente se tornando objeto de prova se
controvertidas. Por outro lado, se milita em favor de certo fato uma presunção legal de existência
ou veracidade e a presunção é relativa, inverte-se o ônus da prova, sem se esquecer jamais que
a dúvida milita em favor do réu (Filho, 2012).
Conclusão final: à acusação cabe o ônus de provar a existência de um fato penalmente ilícito, a
sua realização pelo denunciado e a culpa (stricto sensu); à defesa compete demonstrar a
inexistência de dolo, causas extintivas da punibilidade, punibilidade, causas excludentes da
antijuridicidade e eventuais excluidoras da culpabilidade. Resumindo: a) A cada uma das partes
compete o ônus de fornecer as provas das alegações que fizeram. b) Em regra, ao autor compete
a prova dos fatos constitutivos, enquanto ao réu a dos fatos extintivos, impeditivos ou
modificativos. c) O juiz pode determinar, de ofício, as diligências probatórias que entender
necessárias para a apuração da verdade. Em segunda instância tal princípio só prevalece desde
que a prova resultante não importe em violação do princípio da proibição da reformatio in pejus,
quando houver recurso exclusivo da acusação (ARANHA, Adalberto José Camargo. Da prova no
processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 15) (Rangel, 2018).
Por esse posicionamento caminham alguns autores, conforme veremos, destacando-se a posição de GUSTAVO
BADARÓ que, inclusive, disseca sua compreensão em relação a vários elementos do crime, tendo escrito
célebre obra sobre o assunto (O Ônus da Prova no Processo Penal):
A doutrina é uniforme no sentido de que a dúvida sobre a conduta típica, incluindo em tal
conceito a ação ou a omissão, bem como o nexo causal com o resultado naturalístico, quando
estes forem exigíveis, levará a um julgamento absolutório. O ônus da prova da autoria delitiva,
bem como da participação no concurso de agentes, pesa sobre a acusação. Curiosamente,
contudo, tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, se o acusado
alega um álibi, pesaria sobre ele o ônus da prova de demonstrar que estava em outro lugar, no
momento da prática delitiva. Não é o posicionamento correto: invocar um álibi é negar a autoria
delitiva. Trata-se de negativa per positionem. A negativa pode ser simples (por exemplo, não fui
eu o autor do crime) ou pode ser uma negativa per positionem ou positiva (por exemplo, não fui
eu, pois estava em outro país no momento do crime). Ora, se o álibi não comprovado, ou até
mesmo o álibi provadamente mendaz, significasse o reconhecimento da autoria, seria muito
melhor nunca alegar qualquer álibi, simplesmente negando a autoria, pois o ônus da prova
continuaria a pesar sobre a acusação. Por outro lado, o fato de o álibi ser mentiroso não significa,
por si só, como consequência inexorável, que quem alega o álibi seja o autor do fato imputado.
Não há a consequência lógica de ser o acusado o autor do crime. Isso somente ocorreria se não
houvesse uma terceira possibilidade: ou o álibi é verdadeiro e o acusado não praticou o delito,
ou o álibi é falso e o acusado foi o autor do crime. Por exemplo, é perfeitamente possível que
alguém que está sendo acusado de um crime que não cometeu, pois estava na casa de sua
amante, alegue um álibi falso, por motivos óbvios. Demonstrada a falsidade do álibi (por
exemplo, que não estava no clube com amigos), não seria correta a conclusão de que o acusado
é o autor do crime.
A questão da dúvida sobre as excludentes de ilicitude é um dos temas que mais têm suscitado
debates quanto ao âmbito de aplicação do in dubio pro reo. Se houver certeza de sua ocorrência,
a absolvição é inquestionável. Por outro lado, em um processo em que não tenha sido alegada
uma excludente ou que não haja qualquer prova de sua ocorrência, deve ser ela considerada não
provada, sendo condenado o acusado, se provados os demais elementos do delito e a sua
autoria. Toda a discussão surgia quando havia dúvida sobre a existência de uma excludente de
ilicitude. Em outras palavras, tendo sido alegada, por exemplo, a legítima defesa e, havendo
dúvida sobre sua ocorrência, o juiz deverá proferir uma decisão condenatória ou absolutória? A
posição predominante na doutrina era a de que a dúvida sobre a excludente devia desfavorecer
o acusado: provados todos os elementos do delito, se houvesse dúvida sobre a existência de uma
excludente, o acusado devia ser condenado. Era uma transposição simplista da regra, segundo a
qual o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, no caso, a ocorrência do
fato típico, enquanto o réu tem o encargo de provar os fatos impeditivos do direito do autor, que
seriam as excludentes de ilicitude e culpabilidade. Discorda-se de tal entendimento. Foi correto
o acréscimo da parte final do inciso VI do art. 386 do CPP, prevendo que, em caso de “fundada
dúvida” sobre a excludente de ilicitude, o acusado deve ser absolvido. Tal regra nada mais é do
que um corolário da presunção de inocência enquanto regra de julgamento no processo penal,
impondo o in dubio pro reo. O delito, em seu aspecto formal, é o fato típico, antijurídico e
culpável. O direito de punir nasce do cometimento de um delito, mas para se efetivar depende
de uma condenação em um processo penal em que sejam verificados todos os seus elementos.
Afirmar que o fato constitutivo é somente o fato típico e considerar as excludentes de ilicitude e
de culpabilidade como fatos impeditivos do direito de punir equivale a dizer que o delito é, tão
somente, o fato típico, sem qualquer consideração acerca do caráter ilícito desta conduta e da
reprovabilidade do seu autor. A distinção entre fatos constitutivos, impeditivos e extintivos do
direito alegado em juízo decorre de um processo de simplificação analítica da fattispecie que não
pode ser aplicado ao processo penal, em favor da parte acusadora e em prejuízo do acusado,
pois significaria admitir uma condenação sem que houvesse prova de todos os elementos do
delito. Na prática, exigir que o acusado prove a existência de eventual causa excludente de
ilicitude ou culpabilidade é inverter o ônus da prova. Em consequência, a sentença penal
condenatória exige, ao lado da prova dos elementos que integram o tipo penal (fato constitutivo
positivo), também a demonstração da inocorrência das excludentes de ilicitude e de
culpabilidade, para que possa surgir o direito de punir estatal (fato constitutivo negativo).
Quando o réu afirma que agiu em legítima defesa ou em estado de necessidade, não se trata de
alegação de um fato novo ou contraposto ao fato constitutivo do direito do autor. Não há
alegação de um fato diverso do fato constitutivo do direito de punir, mas sim uma forma indireta
de negar o cometimento do delito. Em outras palavras, a legítima defesa não é alegação de um
fato impeditivo, mas a negação do fato constitutivo do direito de punir. Há também uma corrente
intermediária: para ser absolvido, o acusado não tem o ônus de demonstrar plenamente a
ocorrência da excludente de ilicitude, mas tem o ônus de gerar uma dúvida razoável no espírito
do juiz, quanto a sua ocorrência. Em consequência, bastará que a tese defensiva da ocorrência
da excludente tenha um “grau de probabilidade”, enquanto a acusação deverá provar
plenamente a inocorrência da excludente. Haveria para a defesa, portanto, um ônus probatório
diminuído, em seu aspecto quantitativo, bastando gerar uma dúvida razoável, impedindo que o
juiz tivesse a certeza da inocorrência da excludente. Contudo, afirmar que, para ser absolvido, o
acusado tem o encargo de gerar uma dúvida sobre a excludente equivale a dizer que o Ministério
Público tem o ônus de comprovar plenamente que não ocorreu a excludente, para que o acusado
seja condenado. Entre a certeza e a ignorância, que são os dois extremos que podem existir em
relação ao conhecimento de um fato, somente pode existir a dúvida. Se, para a absolvição basta
a dúvida sobre um fato, em consequência, para a condenação será necessária a certeza, pois esta
é o estado de ânimo em virtude do qual se estima uma coisa como induvidosa. Neste caso, os
defensores da teoria intermediária, ao considerarem que o acusado tem o ônus de gerar dúvida
no juiz, também devem reconhecer que, no tocante à mesma excludente, o acusador tem o ônus
de trazer ao juiz a certeza de sua inocorrência. De qualquer forma, a divergência parece ser
apenas terminológica, pois afirmar que o acusado tem o ônus de gerar uma dúvida razoável
equivale a dizer que, na dúvida, o juiz deve absolvê-lo. Por fim, não se pode confundir o ônus da
prova com o interesse em provar determinado fato. O acusado não tem o ônus de provar a
existência da excludente de ilicitude, nem mesmo o ônus de gerar dúvida, mas tem interesse em
provar a sua ocorrência. Sendo o ônus da prova uma regra de julgamento, que somente deve ser
utilizada no momento decisório, ante a dúvida do juiz sobre fato relevante, é evidente que o
acusado tem interesse em provar que a excludente efetivamente ocorreu. Demonstrada a
existência da excludente, a sentença será absolutória, não sendo sequer necessário recorrer às
regras sobre o ônus da prova. Este interesse, contudo, não se confunde com o ônus de provar.
Se o acusado, embora interessado em provar plenamente a ocorrência da excludente, não
consegue levar ao juiz a certeza de sua ocorrência, mesmo assim, se surgir dúvida sobre sua
ocorrência, a consequência será a absolvição. Em tal caso, fica claro, portanto, que o acusado
tinha interesse em provar, por exemplo, a legítima defesa, mas isto não significa que tivesse o
ônus de demonstrar a ocorrência da excludente de ilicitude.
doença mental é dúvida sobre a imputabilidade. A falta de certeza sobre o erro de proibição é
falta de certeza sobre a potencial consciência da ilicitude. A incerteza sobre a coação moral
irresistível ou a obediência hierárquica é incerteza sobre a exigibilidade de conduta diversa. A
despeito disso, prevalecia na doutrina o entendimento de que o ônus da prova das excludentes
de culpabilidade incumbia ao acusado. Tal posicionamento, que já não encontrava justificativa à
luz da presunção de inocência, em seu aspecto do in dubio pro reo, restou absolutamente
superado, diante da nova redação do inciso VI do art. 386 do CPP, dada pela Lei 11.690/2008,
que prevê a absolvição se houver “fundadas dúvidas” sobre a existência de excludente de
culpabilidade. Por tudo já considerado, sendo a culpabilidade um elemento do crime e,
consequentemente, não sendo suas excludentes um “fato impeditivo do direito de punir”,
também relativamente às excludentes de culpabilidade deve ser aplicado o in dubio pro reo. A
dúvida sobre uma excludente de culpabilidade deve ser resolvida favoravelmente ao acusado,
levando à sua absolvição (Badaró, 2017).
Paulo Rangel:
Destarte, a posição tradicional da divisão do ônus da prova é feita entre autor e réu, sendo que
à acusação entrega-se a prova dos fatos constitutivos e, ao réu, a prova de sua inocência se alega
fatos extintivos, modificativos ou impeditivos. Pois bem. Não obstante o peso da doutrina que
assim se manifesta, assim não pensamos. Há que se interpretar a regra do ônus da prova à luz da
Constituição, pois se é cediço que a regra é a liberdade (art. 5º, XV, da CRFB) e que, para que se
possa perdê-la, dever-se-á observar o devido processo legal e dentro deste encontra-se o sistema
acusatório, onde o juiz é afastado da persecução penal, dando-se ao Ministério Público, para a
defesa da ordem jurídica, a totalidade do ônus da prova do fato descrito na denúncia. É de
comum entendimento que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal” (cf. art. 5º, XXXIX, da CRFB); portanto, o Ministério Público somente poderá
narrar em sua peça exordial fato definido, previamente, em lei como crime e deverá fazê-lo com
todas as circunstâncias do injusto penal, sob pena de inépcia da denúncia. O indivíduo tem uma
garantia penal: somente ser processado por fato que Lei defina como crime (entenda-se infração
penal), aplicando a sanção respectiva e desde que narrado, explicitamente, na denúncia, a fim
de que possa exercer outro direito constitucional: o de ampla defesa. O Direito Penal surge mais
em favor do indivíduo do que se imagina, pois o Estado não pode tolher a liberdade de agir da
pessoa sem que antes tenha dito à mesma que aquela conduta é proibida e, uma vez praticada,
será repelida pela sociedade através da sanção penal respectiva. A falta de compreensão,
portanto, quanto ao ônus da prova, dá-se, primeiro, pela ausência de uma visão constitucional
do art. 156 do CPP, com redação da Lei no 11.690/2008; segundo, pela errônea definição de
crime. Se o Ministério Público tem que narrar, em sua petição inicial penal, o “fato criminoso,
com todas as suas circunstâncias” (cf. art. 41 do CPP), há que se identificar e definir esse fato
crime para compreendermos sua delimitação como thema decidendum. [...] Dessa forma, claro
nos parece que, se o Ministério Público tem que narrar um fato criminoso com todas as suas
circunstâncias, o ônus de provar que esse fato é típico encontra perfeita adequação na lei penal,
portanto, trata-se de uma conduta proibida; é ilícito (contrário ao direito) e que não está
açambarcado por nenhuma excludente de ilicitude e que seu autor é culpável, ou seja, se possui
as condições mínimas indispensáveis para atribuir-se-lhe esse fato, o que significa dizer, se está
mentalmente são ou conhece a antijuridicidade do fato (CONDE, Muñoz, ob. cit., p. 4), pertence-
lhe. Não há como entregar ao réu, dentro de um Estado Constitucional dito Democrático de
Direito e que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB), o ônus
da prova de sua inocência. A persecução penal é exercida pelo Ministério Público, afastado que
foi o juiz do seio do conflito de interesses diante do sistema acusatório. O juiz é um sujeito
processual e não parte na relação jurídica. O Ministério Público é parte instrumental, mas
também fiscal da lei, pois uma posição não exclui a outra, mas se completam. Se o Ministério
Público não lograr êxito em provar a acusação que fez em sua peça exordial, o resultado do
processo não pode ser outro que não a absolvição do réu. AFRÂNIO SILVA JARDIM já nos ensinou que
a acusação penal compõe-se de imputação penal + pedido, delimitando, assim, o thema
decidendum, ou seja, a própria extensão da prestação jurisdicional (JARDIM, Afranio Silva. Direito
processual penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 215). Ora, a imputação penal é que vai
delimitar o espaço dentro do qual o réu irá exercer seu direito de ampla defesa, pois é cediço
que o mesmo defende-se dos fatos narrados na denúncia e não do artigo de Lei mencionado no
pedido de condenação. A título de exemplo, se o Ministério Público narra, na denúncia, o fato
chamado “matar alguém” com descrição do modus operandi e todas as circunstâncias do delito
e em seu interrogatório o réu alega que na data e horário do fato encontrava-se em viagem a
outro Estado ou país, caberá ao Ministério Público provar o que descreveu na denúncia: um fato
típico, ilícito e culpável e, consequentemente, seu álibi é falso, através dos meios de prova
admitidos no ordenamento jurídico. A prova de que o álibi é falso é uma consequência do agir
ministerial e não sua principal função. A defesa poderá, ainda, alegar que o réu, efetivamente,
atirou na vítima, porém em legítima defesa. Nesse caso, cabe ao Ministério Público o ônus de
provar o que descreveu na denúncia, ou seja, um fato criminoso com todas as suas circunstâncias
e que, consequentemente, não houve injusta agressão, ou, se existiu esta, que não era atual nem
iminente, ou, ainda, não houve uso moderado dos meios e que estes, embora existindo, não
eram necessários. Enfim... o réu alega, mas o ônus da prova, hoje, diante da Constituição, é
exclusivo do Ministério Público. Não se confunde o direito que tem o réu de alegar, em sua
defesa, o que bem entender, com o ônus da prova. Este é total e exclusivamente do MP. A regra
inserta no art. 5º, LVII, da CRFB deve ser vista como inversora total do ônus da prova e qualquer
dúvida que restar diante da não comprovação do fato imputado ao réu pelo Ministério Público
deve, obrigatoriamente, ser resolvida em seu favor. Trata-se da aplicação do princípio in dubio
pro reo. Acusação (imputação + pedido) quem faz é o Ministério Público, porém a alegação feita
pelo réu não pode receber colorido de pedido no sentido técnico. Há, por parte do réu, exercício
do contraditório. Destarte, discordamos da doutrina que acima mencionamos, que divide o ônus
da prova entre a acusação e a defesa, dando uma visão à luz apenas da lei ordinária, e não de
acordo com a Constituição, ao art. 156 do CPP. Devemos interpretar a lei ordinária de acordo
com a Constituição e não o inverso, sob pena de o ônus da culpa recair sobre o réu e não sobre
quem lhe fez a imputação de fato proibido na lei penal (Rangel, 2018).
A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar
absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o réu
(e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (direito de
silêncio – nemo tenetur se detegere). FERRAJOLI esclarece que a acusação tem a carga de
descobrir hipóteses e provas, e a defesa tem o direito (não dever) de contradizer com contra-
hipóteses e contraprovas. O juiz, que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida,
tem a tarefa de analisar todas as hipóteses, aceitando a acusatória somente se estiver provada
e, não a aceitando, se desmentida ou, ainda que não desmentida, não restar suficientemente
provada. É importante recordar que, no processo penal, não há distribuição de cargas
probatórias, senão atribuição ao acusador, ou seja, a carga da prova está inteiramente nas mãos
do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória (denúncia ou
queixa), mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência. Erro crasso pode
ser percebido quase que diariamente nos foros brasileiros: sentenças e acórdãos fazendo uma
absurda distribuição de cargas no processo penal, tratando a questão da mesma forma que no
processo civil. Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na “falta de provas da
tese defensiva”, como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da
presença de uma excludente. O que podemos conceber, como já explicamos ao tratar do
pensamento de GOLDSCHMIDT, é uma assunção de riscos. A defesa assume riscos pela perda de
uma chance probatória. Assim, quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele
alegado e não há o aproveitamento dessa chance, assume a defesa o risco inerente à perda de
uma chance, logo, assunção do risco de uma sentença desfavorável. Exemplo típico é o exercício
do direito de silêncio, calcado no nemo tenetur se detegere. Não gera um prejuízo processual,
pois não existe uma carga. Contudo, potencializa o risco de uma sentença condenatória. Isso é
inegável. Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo
imediato e tampouco possui ela um dever de liberação. A questão desloca-se para a dimensão
da distribuição do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz. O réu que
cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da
veracidade de sua tese. [...] Devemos destacar que a primeira parte do art. 156 do CPP deve ser
lida à luz da garantia constitucional da inocência. O dispositivo determina que “a prova da
alegação incumbirá a quem a fizer”. Mas a primeira (e principal) alegação feita é a que consta na
denúncia e aponta para a autoria e a materialidade; logo, incumbe ao MP o ônus total e
intransferível de provar a existência do delito. Gravíssimo erro é cometido por numerosa
doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada
excludente. Nada mais equivocado, principalmente se compreendido o dito até aqui. A carga do
acusador é de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato
típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os
elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência
das causas de justificação. Essa é a regla de juicio, ou seja, a regra para o julgamento por parte
do juiz. No mesmo sentido, GUARNIERI afirma categoricamente que incumbe a la acusación la
prueba positiva, no sólo de los hechos que constituyan el delito, sino también de la inexistencia
de los que le excluyan. Explica JUAREZ TAVARES, ao tratar da complexidade que envolve o
conceito de (análise dialética do) injusto, que “só haverá ilicitude quando esgotados todos os
recursos em favor da prevalência da liberdade”. E, como adverte o autor, a operação mental que
deve ser feita é exatamente inversa àquela que normalmente realiza a doutrina penal (e,
advertimos nós, também a processual penal). Eis o ponto-chave: “em vez de perquirir se existe
uma causa que exclua a antijuridicidade, porque o tipo de injusto já a indicia (o que constituiria
uma presunção juris tantum de ilicitude) deve-se partir de que só se autoriza a intervenção se
não existir em favor do sujeito uma causa que autorize a conduta”. Isso porque o tipo penal não
constitui indício da antijuridicidade, mas uma etapa metodológica, um requisito que deve ser
perquirido para que a intervenção estatal possa efetivar-se, como adverte o autor. Também
chama a atenção para a influência da presunção de inocência, uma preocupação rara entre os
penalistas, que erroneamente pensam que princípios como este não afetam o Direito Penal,
apenas o Processual. É elementar que a presunção de inocência afeta a estrutura e as normas,
tanto do Direito Penal como também do Processual Penal. Sempre atento ao primado da
Constituição, TAVARES aponta que “não se pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato
da realização do tipo, antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam
autorizar sua conduta”. Então, tanto pela compreensão da regra para o juiz como também pela
dimensão de atribuição exclusiva da carga probatória ao acusador, se o réu aduzir a existência
de uma causa de exclusão da ilicitude, cabe ao acusador provar que o fato é ilícito e que a causa
não existe (através de prova positiva). Ao adotarmos a teoria do processo como situação jurídica,
de JAMES GOLDSCHMIDT, entendemos que no processo penal o acusador inicia com uma imensa
“carga probatória”, constituída não apenas pelo ônus de provar o alegado (autoria de um crime),
mas também pela necessidade de derrubar a presunção de inocência instituída pela Constituição.
Para chegar à sentença favorável (acolhimento da tese acusatória sustentada), ele deve
aproveitar as chances do processo (instrução etc.) para liberar-se dessa carga. À medida que o
acusador vai demonstrando as afirmações feitas na inicial, ele se libera da carga e, ao mesmo
tempo, enfraquece a presunção (inicial) de inocência, até chegar ao ponto de máxima liberação
da carga e consequente desconstrução da presunção de inocência com a sentença penal
condenatória. Caso isso não ocorra, a absolvição é um imperativo (regra para o juiz). Por fim,
outro aspecto que deve ser tratado neste momento é uma equivocada práxis de menor exigência
probatória para os delitos de menor gravidade, bastante difundida a partir da criação dos
Juizados Especiais Criminais e que decorre, também, do baixo nível de qualidade da prestação
jurisdicional lá efetivada. Trata-se de raciocínio rotineiramente empregado nos julgados,
vinculando o nível de exigência probatória à gravidade do delito, de modo que, para delitos de
menor gravidade, uma prova mais frágil serviria para amparar um juízo condenatório (até porque
a sanção penal seria mais branda). Nada mais equivocado. O nível de exigência probatória não
varia. Trata-se de mais um resquício de práticas (e de uma verdadeira racionalidade)
inquisitoriais, ainda tão arraigadas no sistema contemporâneo e na forma de pensar de muitos
daqueles que atuam no processo penal. Não se pode relativizar a presunção de inocência e o in
dubio pro reo a partir de uma pseudomenor gravidade do fato. A proteção é processual e em
relação ao exercício de poder corporificado na sentença condenatória, e esse poder (e
consequente proteção-limite) não varia conforme a pena. Tal erro histórico encontra definição
naquilo que CORDERO chama de equação homeopática: à “plena probatio” correspondem as
penas ordinárias; as “semiplenae probationes” implicam as penas diminuídas. Essa era a lógica
probatória do sistema inquisitório, absolutamente incompatível, por óbvio, com o processo penal
contemporâneo (Júnior, 2018).
RENATO BRASILEIRO:
Uma segunda corrente - minoritária, porém, a nosso ver, mais acertada - sustenta que diante do
princípio do in dublo pro reo, que é a regra de julgamento que vigora no campo penal, o acusado
jamais poderá ser prejudicado pela dúvida sobre um fato relevante para a decisão do processo,
pelo menos nos casos de ação penal condenatória. Em um processo penal em que vigora a
presunção de inocência, o ônus probatório é atribuído, com exclusividade, ao acusador. Segundo
essa corrente, havendo, por exemplo, alegação da defesa acerca da presença de uma causa
excludente da ilicitude, caberá à acusação demonstrar que a conduta do agente é típica, ilícita e
culpável. E nem se objete que seria impossível à acusação provar a inocorrência das excludentes
da ilicitude porque corresponderia à prova de um fato negativo. Na verdade, o que não é possível
é provar alegações de fatos indeterminados, sejam eles positivos ou negativos. Agora, se o fato
negativo for determinado, é perfeitamente possível comprovar sua inocorrência através da prova
de fatos positivos contrários ou com ele incompatíveis. Destarte, a fim de provar que o acusado
não agiu em legítima defesa, bastará ao órgão do Ministério Público comprovar que não houve
qualquer agressão por parte da vítima, que a agressão não foi injusta, que a agressão injusta não
era atual ou iminente, ou, ainda, que o acusado utilizou-se dos meios de defesa de forma
imoderada. Isso não significa dizer, no entanto, que a acusação sempre deverá comprovar a
inocorrência de causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade. Caso não tenha sido alegada
qualquer excludente pela defesa, não tendo surgido dúvida fundada sobre sua ocorrência, torna-
se desnecessária a prova de que o fato não fora praticado sob o manto de uma causa excludente
da ilicitude ou da culpabilidade. Quanto às causas de extinção da punibilidade, há de se distinguir
aquelas que somente operam antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (v.g.,
decadência, perempção, renúncia ao direito de queixa ou perdão do ofendido, retratação),
daquelas que só podem ocorrer depois do trânsito em julgado, como o indulto e a graça. Existem
também aquelas que podem ocorrer antes ou depois do trânsito em julgado, como a morte do
agente, a anistia e a prescrição. Em todos esses casos, deve-se ter em mente que o in dubio pro
reo somente será aplicável enquanto ainda não houver o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Por fim, quanto ao ônus da prova em relação ao álibi do acusado, por se tratar de
uma forma de se negar indiretamente a participação no delito, com a afirmação de que se
encontrava em outro lugar, no momento em que o crime foi cometido, também tem plena
aplicação o in dubio pro reo. Em outras palavras, se o acusado conseguiu produzir uma dúvida
razoável de que estava em local diverso, quando da prática delitiva, recai sobre a parte acusatória
o ônus de dissipar qualquer dúvida acerca do álibi, comprovando a presença do acusado no local
do delito. Há alguns poucos precedentes jurisprudenciais nesse sentido: "A exigência de
comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro, e com
exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual concernente à
demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema
positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade que
se reconhece às pessoas em geral. Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da
acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de
eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. (...) Nenhuma
acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao
Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado" (STF, 1ª Turma,
HC 73.338/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/12/1996) (Lima, 2018).
Acusação Defesa
fatos impeditivos:
Existência do fato exclusão da
penalmente ilícito vontade e exclusão
da culpa
fatos modificativos:
exclusão da
autoria antijuricidade,
causas supralegais
etc.
fatos extintivos:
relação de
prescrição,
causalidade
decadência etc.
Este quadro foi elaborado com base na lição de DENILSON FEITOZA que, por sua vez, aproveitou a lição de
ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA.
O que a acusação deve demonstrar é o fato da infração penal: a ocorrência das ações
humanas que constituem o crime ou a contravenção penal. Compete ao acusador
provar que determinado fato existiu e que ele tem todos os aspectos ou elementos
daquele abstratamente descrito na norma penal (subsunção). Note: a acusação deve
se preocupar, primariamente, com a prova de fatos/condutas. A subsunção, o
reconhecimento da tipicidade, faz parte de um juízo valorativo, tarefa essencial do
Poder Judiciário – tem a ver com o convencimento jurídico. Deve provar, ainda, que o réu foi o autor ou
concorreu para essa infração penal. Eis os elementos que são cerne de qualquer imputação formal –
materialidade e autoria, diante dos quais se desenvolve a cognição judicial. E assim deve fazê-lo a acusação
porque, ao final, se não houver prova da existência do fato (inc. II do art. 386 do CPP), se não constituir o fato
infração penal (incondicionada. III do art. 386 do CPP), ou se não existir prova de ter o réu concorrido para a
infração penal (inc. V do art. 386 do CPP) o caminho, inarredável, será a absolvição.
O ônus da prova quanto a circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena é da defesa (inc. VI
do art. 386 do CPP).
E assim deve ser diante de uma lógica inexorável que está como razão maior da manutenção da regra do art.
156 do CPP por tanto tempo. “Não há racionalidade em exigir que alguém que afirma um direito [no caso do
processo penal um poder/dever] deva ser obrigado a se referir a fatos que impedem o seu reconhecimento
pelo juiz. Isso deve ser feito por aquele que pretende que o direito não seja reconhecido, isto é, pelo réu”
(Marinoni, et al., 2015).
A subsunção dos fatos à norma é atividade precípua do juiz (narra mihi factum dabo tibi jus). No processo
penal o réu se defende dos fatos a ele imputados (princípio da consubstanciação); também em relação aos
fatos é que deve ser dirigida, essencialmente, a atividade probatória do acusador. MARINONI e ARENHART,
fazendo referência à Alemanha, onde não existiria norma disciplinadora, dizem que lá a “ideia de distribuição
do ônus da prova segue a mesma lógica”.
Argumenta-se que a parte que pretende ser beneficiada pelos efeitos de uma norma deve
provar os pressupostos fáticos para a sua aplicação. Se para a aplicação de uma norma são
relevantes os fatos constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos, aquele que deseja a
produção dos seus efeitos deve provar somente os fatos que são exigidos para a sua aplicação, e
não os que impedem a sua aplicação, ou modificam ou extinguem o direito. Na ausência de regra
expressa sobre a divisão do ônus da prova, a doutrina alemã, desenvolvendo a ideia de que a
discussão em torno da aplicação de uma norma pode girar em torno dos fatos constitutivos,
impeditivos, modificativos e extintivos, chegou à conclusão lógica de que o autor somente
deveria provar os fatos pressupostos para a aplicação da norma, e o réu os fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos. Por isso, a teoria que expressou tal problemática ficou conhecida
como Normentheorie (Marinoni, et al., 2015).
O dolo tem presunção juris tantum porque as condutas humanas são, ordinariamente, dirigidas, conscientes
e voluntárias. Decorre da tipicidade.
Por outro lado, para a corrente minoritária, o ônus da prova, em razão da presunção de inocência e do in
dubio pro reo seria exclusivamente da acusação. “Segundo essa corrente, havendo, por exemplo, alegação
da defesa acerca da presença de uma causa excludente da ilicitude, caberá à acusação demonstrar que a
conduta do agente é típica, ilícita e culpável” (Lima, 2018). Sustentam, ainda (diante da redação do art. 41
do CPP), “que o legislador, ao exigir que a denúncia ou queixa contenha a descrição do fato criminoso com
todas as suas circunstâncias, impõe ao autor da ação penal condenatória uma imputação ao réu de conduta
típica, ilícita e culpável”, sendo que “a ilicitude ou culpabilidade devem ser depreendidas das circunstâncias
do fato principal, narradas necessariamente na peça acusatória, sendo ônus do autor provar suficientemente
a existência destas circunstâncias que afirmou” (Jardim, 2003).
[...] o art. 156, caput, do CPP, com meridiana clareza, estatui que a prova da alegação incumbe a
quem a fizer; ora, tal dispositivo legal é aplicável tanto à acusação quanto à defesa; nada mais
justo que quem alegue comprove o que alegou. Seria supinamente injusto, uma parte processual
alegar, gratuita e até levianamente, um fato que a beneficie, sem nada demonstrar a respeito de
sua existência, divertindo-se com o ingente esforço do seu adversário processual em comprovar
que aquele fato inexistiu! A defesa impõe-se o ônus de demonstrar a ocorrência das causas
excludentes de ilicitude, de culpabilidade, do álibi, de extinção da punibilidade, ou de causas de
redução de pena; não há que se falar em qualquer violação ao princípio da presunção de
inocência na imposição desse ônus a defesa, pois se trata de mera repartição, equânime e justa,
do ônus probatório, entre as partes, numa relação jurídica processual, como corolário, no campo
do direito processual, do princípio reitor constitucional da igualdade. E tanto inexiste prejuízo à
presunção de inocência que, caso a defesa não se desincumba com sucesso em comprovar o fato
que a beneficie, mesmo assim, surgida dúvida razoável a respeito de sua ocorrência, a alegação
será tida como demonstrada; por isso, denomina-se o ônus da defesa, no processo penal, como
ônus imperfeito que tem o significado de ônus cujo não atendimento não acarreta,
necessariamente, prejuízo ou perda de vantagem à parte a quem aproveitaria. Entender-se de
modo inverso, eximindo a defesa de qualquer ônus na comprovação dos fatos impeditivos,
extintivos e modificativos do direito do autor acarreta o desequilíbrio da relação processual,
imaginando ter a acusação superpoderes a ponto de conseguir demonstrar fatos negativos
(provar que não ocorreu a legítima defesa, que inexistiu o privilégio ou a redução de pena), ao
mesmo tempo que a defesa é reduzida a um verdadeiro estado de indigência mental,
desprezando-se sua capacidade de arguir e demonstrar fatos, tratada como se necessitasse de
curador para praticar atos processuais, o que é absolutamente injusto! (Campos, 2018) p. 617/8
Como já verificamos em outra oportunidade, do princípio da presunção de inocência decorre uma regra
probatória: a parte acusadora tem o ônus de demonstrar e comprovar a culpa (em sentido amplo) do
acusado, acima de qualquer dúvida razoável. Não é o réu que tem de demonstrar que é inocente (in dubio
pro reo); ao contrário, é a acusação que tem de provar que ele praticou o fato imputado. Essa máxima tem
de ser utilizada quando da apreciação da prova, de maneira que sempre que houver dúvida razoável, o
caminho ‘político’ previamente determinado pela Constituição será o da absolvição.
Princípio importantíssimo no Estado Democrático de Direito, a lógica do in dubio pro reo é que
se o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, permanecer em dúvida dobre a condenação
ou absolvição do réu, deve optar pela absolvição, até porque entre duas hipóteses não ideais é
menos traumático para o direito absolver um réu culpado do que admitir a condenação de um
inocente. Evidentemente, o famoso princípio do in dubio pro reo deve ter sua aplicação limitada
no processo penal, uma vez que funciona como regra de julgamento a fim de evitar o non liquet
do julgador, sendo certo que o ideal é sempre o juiz julgar com a certeza, seja para condenar ou
para absolver. (Júnior, et al., 2009)
Na medida em que a certeza plena, a verdade real é humanamente inatingível, a condenação do réu, como
costuma dizer a jurisprudência, só pode acontecer quando sua culpa (em sentido amplo) estiver comprovada
acima de qualquer dúvida razoável. Havendo dúvida – tanto que seja ela ‘fundada’ e não fruto de mera
alegação da parte (e nisso, claro, vai se exigir o convencimento motivado do magistrado), mesmo que seja
em relação a fatos alegados pelo acusado que afastem o crime – o caminho será a absolvição. Vejamos a
redação do art. 386 do CPP:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23,
26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua
existência;
Voltando à pergunta inicial, diríamos então que o réu não precisa ‘comprovar’ que agiu em legítima defesa,
basta que consiga, caso alegue fatos que traduzam a excludente, lançar uma dúvida razoável ou fundada
perante o juiz. Lembremos que a prova deve se referir a fatos e não a argumentos. O próprio in dubio pro
reo se dirige aos fatos, não às questões jurídicas. Nesse sentido, lembremos a lição de JORGE DE FIGUEIREDO
DIAS:
[...] o princípio in dubio pro reo vale só, evidentemente, em relação à prova da questão-de-facto
e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão-de-direito: aqui a única solução correcta
residirá em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que
juridicamente se reputar mais exacto (Dias, 1974).
Aliás, a dúvida sempre socorrerá o acusado, porquanto a inexistência de prova (compreenda-se prova
consistente, absolutamente convincente, acima de dúvida razoável) sobre a materialidade (inc. II do art.
386), sobre a autoria (inc. V do art. 386) ou mesmo sobre outros elementos necessários para uma
condenação (inc. VII do art. 386) terá como consequência legal a absolvição.
Essa foi a maneira que o legislador encontrou – e nisso há uma opção de política criminal a ser respeitada –
de equacionar a regra probatória da presunção de inocência com o ônus da prova no processo penal,
mitigando, e muito, o encargo para a defesa.
Estamos falando da profundidade, do nível de prova que deve pautar o julgamento. Pois bem, para a
acusação a exigência deve ser bastante elevada; ela que tem de provar o fato que constitui um crime e, mais
que isso, demonstrar, acima de qualquer dúvida razoável, que o réu foi o autor. Para o acusado, parte passiva
da persecução penal que sempre começa com a carga plena da sua presunção de inocência, não é necessário
que prove nada; se alegar algum fato, principalmente se esse fato afastar o crime ou o isentar de pena, basta
que consiga lançar fundada dúvida sobre a sua existência.
Nisso se verifica uma distribuição bastante razoável do ônus da prova, compatível com a complexidade das
contingências processuais e a variabilidade dos fatos humanos, sem descuidar da presunção de inocência.
Atribui-se um grande, genérico e pesado ônus para a acusação (como não poderia deixar de ser), mas sem
olvidar que em muitas situações a prova dos fatos alegados pelo acusado só a ele seria possível ou, pelo
menos, sem a sua contribuição seria inviável. O que se procura fazer é não atribuir prova diabólica (aquela
impossível ou excessivamente difícil de ser produzida) para nenhuma das partes, inclusive para a acusação.
O tema da prova diabólica, inclusive, já foi cobrado em questão discursiva para magistratura federal
(pontuando que ‘prova bilateralmente diabólica’ é aquela difícil ou impossível de ser produzida por ambas
as partes):
CESPE - Juiz Federal (TRF 5ª Região)/2017/XIV. Em que consiste a prova diabólica? Quando houver
prova bilateralmente diabólica, como deve o juiz proceder? A quem cabe o ônus da prova? Justifique.
Qualquer processo que inverta essa lógica, que atribua indistintamente provas diabólicas para qualquer das
partes, não terá nenhum compromisso com a justiça das suas decisões ou conclusões.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência
do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes,
salvo quando: [...]
No processo penal, seria possível a inversão do ônus da prova? NÃO. O juiz não pode inverter o ônus da
prova, ou mudar a regra do art. 156 do CPP. Não existe amparo normativo para isso e não há possibilidade
de edição de uma lei nesse sentido:
§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando
comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores
necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias,
multas e custas decorrentes da infração penal.
Percebemos, então, que o juiz criminal pode determinar a constrição cautelar de bens e valores, e, que a
liberação desses ativos só seria viável diante da prova (e essa prova normalmente é de interesse da defesa,
do acusado) da origem lícita desses bens e valores.
A doutrina cita essa situação quando quer falar sobre a inversão do ônus da prova no processo penal.
Essa autorização para a inversão do ônus da prova vem expressamente prevista pela Convenção
de Viena de 1988, que remete a cada parte (país) a sua consideração. No art. 5°, n° 7, prevê:
"Cada uma das partes considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à
origem ilícita do suposto produto ou bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja
compatível com os princípios de seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos
judiciais e outros procedimentos". Nesse sentido, além do Brasil, também Alemanha, Estados
Unidos, Reino Unido, Austrália, Suíça e México, entre outros, estipularam em suas legislações a
inversão do ônus da prova. Tem-se, no dispositivo do art. 4°, § 2°, da Lei 9.613/98, uma inversão
do ônus da prova somente para as medidas coercitivas patrimoniais relativas a direitos ou valores
apreendidos ou sequestrados e, assim mesmo, não para permiti-las, mas sim para que o acusado
obtenha sua liberação. Para ADA PELLEGRINI GRINOVER, essa inversão do ônus da prova "seria
representada, portanto, por uma carga mais leve para a acusação do que para a defesa, no
sentido de que, para o sequestro, bastarão indícios veementes, enquanto para a liberação será
necessária a comprovação da licitude, entendida como exigência de prova plena". O preceito em
questão merece interpretação conforme, sob pena de evidente violação ao princípio da
presunção de inocência, por estabelecer indevida inversão do ônus da prova. Assim, deve ser
entendido como relacionado ao pedido de restituição durante o curso do processo. Se esse
pedido de liberação for formulado antes da decisão, recai sobre o réu, corréu, partícipe ou
terceiro de boa-fé o ônus de comprovar a licitude da origem dos bens, mediante a oposição dos
embargos previstos no art. 130, I e II, do CPP. Já no momento da prolação da sentença
condenatória, o ônus quanto à demonstração da ilicitude da origem dos bens volta a recair sobre
o Ministério Público, que deverá comprovar a existência de prova de que os bens, direitos ou
valores são objeto do delito de lavagem de capitais (Lima, 2018).
Interessante a visão de AMÉRICO BEDÊ JÚNIOR, fazendo remissão a ABEL GOMES9, no sentido de que essa situação
não reflete inversão do ônus da prova. Ponderam que “a questão envolve um problema civil e não penal”,
a ser dirimido pela lógica do processo civil.
“Mesmo no caso da exigência da comprovação da licitude da origem dos bens, não cabe cogitar
de inversão do ônus da prova a cargo do ‘acusado’, visto não se tratar de prova sobre a existência
do crime e sua autoria, mas sim sobre a origem dos bens apreendidos ou sequestrados. (...) A
questão versada no processo sumário de restituição de coisas ou de embargos traz o
conhecimento sobre matéria distinta daquela que é objeto da ação penal, visto que aborda a
legitimidade da posse ou propriedade dos bens, constituindo uma questão diversa daquela que
trata da existência do crime e sua autoria, muito embora haja a prejudicialidade desta em relação
àquela, porquanto o trânsito em julgado da ação penal deve ser obtido, para se decidir sobre o
destino dos bens (art. 122 e art. 130, parágrafo único do CPP). Reforça essa tese o fato de que,
quando a dúvida versar sobre o direito de propriedade reivindicada por mais de uma pessoa, o
juiz criminal remeterá as partes ao juízo cível, pelo menos na disciplina do art. 120, § 4º, do CPP”.
Ora, não se trata de condenação ou absolvição penal, mas de medidas assecuratórias que devem
ser resolvidas pela lógica do processo civil e não pelo sistema do processo penal. Ademais, a
existência de bens incompatíveis com a renda do réu é claramente um indício de algo ilícito. O
direito não pode emprestar legitimidade para a prática de atos ilícitos. Ora, o normal é que
qualquer pessoa saiba justificar legitimamente a origem e o montante de seu patrimônio, não
havendo aí uma exigência leonina ou que inviabilize o réu de exercer seus direitos (Júnior, et al.,
2009).
9
Abel Gomes, O problema do ônus da prova nos crimes de lavagem de dinheiro, Revista da EMARF 1/273-288.
Doutrina complementar
ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2017): “O ônus probatório é, portanto, atribuído às partes, que repartem a incumbência
de demonstrarem as respectivas alegações. Por isso, reza o art. 156 do CPP que a prova da
alegação incumbirá a quem a fizer. É importante lembrar, porém, que essa regra geral tem de
ser interpretada à luz do princípio in dubio pro reo, uma vez que milita, em favor do acusado, a
presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF). Disso decorre que, no processo penal, o
ônus da prova recai inteiramente sobre o autor, no que se refere à demonstração ‘do crime na
integridade de todos os seus elementos constitutivos’. [...] Acaso o acusado alegue qualquer
circunstância que tenha o condão de refutar a acusação, caberá à defesa sua demonstração. É o
que ocorre quando invoca, em seu favor, por exemplo, excludente de ilicitude ou culpabilidade,
álibi ou, ainda, circunstância excepcional que contrarie as regras da experiência comum. Averbe-
se, no entanto, que, em relação às circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena,
o legislador optou, em atenção ao princípio in dubio pro reo, por aliviar o ônus do acusado, de
modo a estabelecer que, se houver fundada dúvida sobre sua existência, o réu deve ser absolvido
(art. 386, VI, do CPP)”.
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“Neste contexto, à acusação caberá provar a existência do fato imputado e sua autoria, a
tipicidade da conduta, os elementos subjetivos de dolo ou culpa, a existência de circunstâncias
agravantes e qualificadoras. Já à defesa, por outro lado, incumbirá a prova de eventuais causas
excludentes de ilicitude, de culpabilidade e de tipicidade, circunstâncias atenuantes, minorantes
e privilegiadoras que tenha alegado”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Portanto, cabe
provar a quem tem interesse em afirmar. A quem apresenta uma pretensão cumpre provar os
fatos constitutivos; a quem fornece a exceção cumpre provar os fatos extintivos ou as condições
impeditivas ou modificativas. A prova da alegação (onus probandi) incumbe a quem a fizer (CPP,
art. 156, caput). Exemplo: cabe ao Ministério Público provar a existência do fato criminoso, da
sua realização pelo acusado e também a prova dos elementos subjetivos do crime (dolo ou
culpa); em contrapartida, cabe ao acusado provar as causas excludentes da antijuridicidade, da
culpabilidade e da punibilidade, bem como circunstâncias atenuantes da pena ou concessão de
benefícios legais. Caso o réu pretenda a absolvição com fulcro no art. 386, I, do Código de
Processo Penal, incumbe-lhe ainda a prova da ‘inexistência do fato’”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012), ao tratar
sobre a distribuição do ônus da prova entre as partes, também tece considerações sobre os
álibis e a controvérsia em relação à comprovação do elemento subjetivo do fato: “Assim, ao
Ministério Público e ao querelante cabe a prova da autoria, da materialidade delitiva e também
da culpa em sentido estrito, enquanto ao acusado cumprirá provar causa excludente de ilicitude,
de culpabilidade, ou de punibilidade, por ele articulada, bem como eventual álibi. A palavra álibi
é formada por duas ideias: al, ‘outro’, e ibi, ‘lugar’, significando ‘em outra parte’, ‘em outro lugar’.
Trata-se, portanto, de toda alegação defensiva no sentido de que o réu estava em local diverso
daquele em que ocorreu o crime no momento de sua prática. Há controvérsia sobre o ônus da
prova do elemento subjetivo dolo, sendo certo que em relação à culpa é pacífico o entendimento
no sentido de que a acusação deve prová-la. Parcela da doutrina entende que a acusação deve
provar a existência do dolo, porquanto milita em favor do réu o princípio da presunção de
inocência (art. 5º, LVII, da CF). Em sentido oposto, outra corrente sustenta que o dolo é
presumido, incumbindo ao acusado demonstrar sua ausência”.
Jurisprudência pertinente
[...] A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai
por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual
concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de
nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado
de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. Somente a prova penal produzida em juízo
pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode
revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório.
Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas -
embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam,
enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato
de condenação penal. É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida
em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. Precedentes. -
Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência.
Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não
mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico
do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que
caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência
(Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a
formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se - para que se
qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao
dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados
de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário
competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam
conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. [...] (HC 73338, Relator(a):
Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996).
262.582/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe de 17/3/2016. 5. A conclusão da
instância ordinária está em sintonia com a jurisprudência consolidada desta Corte, segundo a
qual, no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do paciente, caberia
à defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do
disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, sem que se possa falar em inversão do ônus
da prova. 6. Writ não conhecido. (HC 626.539/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 12/02/2021).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 273, §1.º E § 1.º-B, INCISOS I, V e
VI, DO CÓDIGO PENAL. DOLO. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. INEXISTÊNCIA. ERRO DE TIPO.
CONDUTA CULPOSA. OCORRÊNCIA. VERIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. [...] 1. As instâncias ordinárias não inverteram o ônus da
prova em relação ao dolo, tampouco impuseram à Defesa o ônus de provar a sua inexistência.
Apenas afirmaram que cabia ao Agravante a prova da alegação, por ele trazida, de que teria
adquirido os remédios falsificados dos laboratórios que fabricavam os verdadeiros
medicamentos, o que está em conformidade com a regra do caput do art. 156 do Código de
Processo Penal, segundo a qual, "[a] prova da alegação incumbirá a quem a fizer." 2. A partir de
fundamentada análise das provas, concluíram as instâncias pretéritas que as provas colhidas
demonstraram que o Agravante agiu dolosamente, motivo pelo qual afastaram as alegações de
erro de tipo e de conduta culposa. Para rever a conclusão, bem como apreciar a tese de que
somente por perícia seriam detectáveis as falsificações, seria necessário o reexame do conteúdo
das provas, e não apenas valoração de fatos incontroversos. Aplicação da Súmula n. 7 do Superior
Tribunal de Justiça. [...] (AgRg no REsp 1852819/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA,
julgado em 01/12/2020, DJe 16/12/2020).
limitada) quanto na fase judicial (isso já era deferido pela redação anterior). Veja o que dispõe, atualmente,
referido artigo:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
Ressalte-se que essa iniciativa probatória do juiz somente é admitida, segundo a maior parcela da doutrina,
em caráter excepcional e de maneira supletiva e complementar em relação às provas já produzidas, com o
fim específico de dirimir dúvidas pontuais. Nesse sentido, as lições de CAPEZ:
Note-se, contudo, que, em razão de nosso Código de Processo Penal adotar o sistema acusatório,
e não inquisitivo, tal faculdade de produção de provas pelo magistrado é supletiva, devendo,
pois, ser comedida, nesse sentido, sua atuação. Somente em casos excepcionais, quando a
dúvida persistir no espírito do magistrado, é que este poderá dirimi-la, determinando as
diligências nesse sentido. Essa pesquisa probatória a ser efetivada pelo juiz deve restringir-se a
uma área de atuação por ele delimitada, com o fito de evitar a quebra da imparcialidade (Capez,
2018).
Se se examinar o texto legal com cuidado, é fácil de ver que o Código atribui, primeiramente, a
iniciativa probatória às partes e, depois, ao juiz, para dirimir dúvida sobre ponto relevante, ou
seja, ponto já colocado, sobre o qual já houve atividade probatória, mas restou duvidoso. Daí ser
possível concluir que, mesmo no processo penal, os poderes instrutórios do juiz, quanto à
determinação de prova de ofício, são poderes complementares à iniciativa das partes que têm o
ônus originário de requerer ou propor as provas pertinentes. Isto porque os poderes inquisitivos
do juiz têm um limite, que é a sua imparcialidade, o contraditório e a equidistância em relação
às partes. Postas as questões relevantes, o juiz pode ultrapassar a iniciativa das partes
determinando prova não requerida, mas não pode tornar-se acusador ou defensor, sob pena de
violar o chamado sistema acusatório do processo penal, que é garantia do julgamento justo e a
própria essência da jurisdição, que consiste no julgamento por órgão não interessado e não
envolvido na atividade de acusação ou de defesa (Filho, 2012).
PACELLI vê com ainda mais reservas essa iniciativa, e sustenta a necessidade de se separar a iniciativa
probatória da acusatória do juiz nesse sentido:
Pensamos ser perfeitamente possível construir uma linha divisória entre o que seja iniciativa
probatória e iniciativa acusatória do juiz penal. A iniciativa acusatória estará sempre presente
quando o juiz, qualquer que seja o argumento declinado, empreenda atividade probatória de
iniciativa da acusação. E mais: que tal atividade revele-se substitutiva ou mesmo supletiva
daquela que a própria lei impõe, como ônus processual, ao Ministério Público (art. 156, CPP).
Por outro lado, o autor sustenta o inverso em relação às provas a favor do acusado:
Se, de um lado, assim deve ocorrer em relação ao ônus probatório imposto à acusação, de outro
lado, a recíproca não deve ser verdadeira. Provas não requeridas pela defesa poderão ser
requeridas de ofício pelo juiz, quando vislumbrada a possibilidade de demonstração da inocência
do réu. E não vemos aqui qualquer dificuldade: quando se fala na exigência de igualdade de
armas, tem-se em vista a realização efetiva da igualdade, no plano material, e não meramente
formal. [...] E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em
posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação
quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão (Pacelli, 2017).
Apresentada essa visão, é de se perceber que o citado artigo 156 do CPP concebe dois momentos distintos
em que estaria autorizada a iniciativa probatória do magistrado: em sede de investigação e durante o
processo. Vejamos, então, esses momentos.
Esse inciso é alvo de intensa crítica doutrinária, inclusive com afirmações de que seria inconstitucional.
BRASILEIRO, assim como a maior parte da doutrina, embora não descarte a possibilidade de atuação do
magistrado em sede pré-processual, assinala que ela apenas deva ser permitida após o requerimento das
partes, mas nunca ex officio:
É óbvio que o magistrado não está impedido de agir na fase investigatória. Mas essa atuação só
pode ocorrer mediante prévia provocação das partes. Exemplificando, vislumbrando a
autoridade policial a necessidade de mandado de busca e apreensão domiciliar, deve representar
ao magistrado no sentido da expedição da ordem judicial. De modo semelhante, surgindo a
necessidade de uma prisão temporária para acautelar as investigações, deve o órgão Ministerial
formular requerimento ao juiz competente. Na fase investigatória, portanto, deve o magistrado
agir somente quando provocado, atuando como garante das regras do jogo. [...] O que não se
deve lhe permitir, nessa fase preliminar, é uma atuação de ofício. E isso porque, pelo simples
fato de ser humano, não há como negar que, após realizar diligências de ofício na fase
investigatória, fique o magistrado envolvido psicologicamente com a causa, colocando-se em
posição propensa a julgar favoravelmente a ela, com grave prejuízo a sua imparcialidade. A partir
do momento em que uma mesma pessoa concentra as funções de investigar e colher as provas,
além do poder de julgar o acusado, estará comprometido a priori com a tese da culpabilidade do
acusado.
O autor conclui:
Com apoio no inc. I, ainda na fase de investigação o juiz poderá ordenar a produção antecipada
de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida. Nada obstante a licença anotada no caput do art. 156 para que o
juiz possa agir de ofício na hipótese tratada, observado o sistema acusatório adotado e a ordem
Constitucional vigente, a produção antecipada de provas na fase de investigação só é concebível
mediante requerimento da parte interessada; jamais ex officio; cumprindo ao juiz, após regular
provocação, analisar a pertinência da medida tendo por referência os critérios apontados na
norma (necessidade, adequação e proporcionalidade) (Marcão, 2017).
Importante notar que a iniciativa probatória do juiz é disciplinada pela proporcionalidade. Sim, porque os
três elementos desse princípio estão referidos no dispositivo legal: necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito. Não é por acaso. Apropriadas as ponderações de MADEIRA sobre a
relação da proporcionalidade com os poderes instrutórios do juiz:
Estes elementos da proporcionalidade não se referem ao objeto da prova (o que se quer provar)
e também não se referem à análise da urgência e relevância do meio de prova requerido, mas
sim ao meio de prova cuja produção é requerida ao magistrado. Para determinar esta produção
probatória, deverá o magistrado verificar se ela é capaz (em tese) de obter o resultado desejado;
verificar se há outra medida menos violadora que produz o mesmo resultado; e verificar os
valores em conflito envolvidos para a análise do meio de prova requerido. A jurisprudência tem
aceito com naturalidade esta possibilidade de o magistrado produzir prova de ofício durante o
inquérito policial, sendo esta a posição majoritária. No entanto, entendemos que a determinação
da produção de prova de ofício pelo magistrado no inquérito policial deve ser entendida,
novamente, dentro do quadro do sistema acusatório já apresentado: o magistrado não pode
atuar de ofício durante o inquérito policial sob pena de violação do sistema acusatório. Se o
magistrado atuar de ofício no inquérito policial haverá violação do sistema acusatório e, também,
haverá a transformação deste magistrado em um verdadeiro inquisidor, de maneira a que se
possa questionar sua parcialidade pela via da exceção. No entanto, o STF não acompanha esta
posição. Entende de maneira tranquila a admissibilidade desta atuação do juiz: “3. Diante do
disposto no art. 156 do CPP, não se reveste de ilegalidade a atuação de ofício do Magistrado que,
em pesquisa a banco de dados virtuais, verifica a presença de registros criminais em face do
paciente” (STF, HC 126501/MT, rel. Min. Marco Aurélio, j. 14.06.2016). Apesar de sermos
contrários a esta posição, entendemos como correta a orientação do STF no sentido de que caso
o juiz determine a antecipação da colheita da prova durante o inquérito policial deverá
fundamentar esta decisão: “1. A instância ordinária, à luz das peculiaridades do caso (= estupro
de vulnerável cometido contra crianças de 10 e 8 anos de idade), apresentou fundamentação
jurídica idônea para justificar a produção antecipada de provas, destacando a urgência, a
relevância e a proporcionalidade da medida, nos termos do art. 156, I, do CPP. Não há, portanto,
vício de fundamentação.” (STF, RHC 121.494/RS, j. 04.11.2014, rel. Min. Teori Zavascki) (Dezem,
2018).
Art. 3º A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de
investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
Além de consignar (com isso evitando-se discussões infrutíferas) que o processo penal brasileiro
tem estrutura acusatória, essa disposição proíbe que o juiz tome a iniciativa na fase de investigação, além de
substituir a atuação probatória da acusação (isso em qualquer fase da persecução penal).
Neste ponto nos interessa a vedação em destaque. Por ela se conclui que o magistrado, em respeito ao
sistema acusatório (que prega a separação de atribuições), não pode agir de ofício na fase pré-processual.
Não só com relação à determinação de provas, mas também (porque não se fez restrição) em relação a
qualquer medida sujeita à cláusula de reserva de jurisdição. Ou seja: aquilo que do juiz depende na fase de
inquérito, por ele sozinho não poderá ser implementado!
Seja uma medida cautelar pessoal/material, seja uma prova antecipada, para nada o juiz poderá ‘tomar a
iniciativa’. Por exemplo: se uma busca e apreensão é necessária, para que seja realizada o juiz dependerá de
representação ou requerimento dos legitimados; se uma medida cautelar pessoal qualquer (inclusive prisão)
é imprescindível, não se espere que o magistrado tome a iniciativa para tanto.
Essa disposição, perceba, tem caráter geral e exigirá uma releitura de outras disposições que antes
permitiam a atuação oficiosa do juiz, como, por exemplo, o art. 156 e o art. 242 do CPP. Veja: o juiz ainda
pode ordenar a produção antecipada de provas, mesmo antes de iniciada a ação penal, mas somente poderá
fazê-lo (com a vigência do art. 3º-A) mediante provocação.
Detalhe importante: o Ministro LUIZ FUX, em 22/1/2020, concedeu medida cautelar requerida nas ADIs 6.298,
6.299, 6.300 e suspendeu, sine die, a eficácia (ad referendum do Plenário) do art. 3º-A do CPP. Então,
atualmente, e enquanto essa decisão sumária do STF não for revista, a referida disposição não tem aplicação.
Toda a implantação do juiz de garantias e seus consectários está suspensa pela citada decisão. No particular
sobre a indevida intromissão do magistrado na investigação, veja-se o apontamento de ROGÉRIO SANCHES
CUNHA:
Observe-se, contudo, que no sistema acusatório, mesmo o juiz das garantias não deve imiscuir-
se na fase investigatória, senão quando necessária a sua intervenção, sempre provocada pelos
órgãos que atuam na investigação. O juiz das garantias não é um juiz investigador. Nesse sistema,
a inércia do juiz em relação à persecução penal deve ser absoluta, não sendo possível a adoção
de medidas que promovam ou incentivem a decisão de acusar, sob pena de quebra do princípio
da imparcialidade objetiva (Cunha, 2020).
A iniciativa probatória do magistrado no processo é tratada no inciso II do art. 156 do CPP. Relembre:
Perceba a clareza do dispositivo ao condicionar esse ponto da iniciativa probatória do juiz ao esclarecimento
de “dúvida sobre ponto relevante”, o que demonstra justamente o caráter supletivo, complementar e
subsidiário dessa atuação.
Para RENATO BRASILEIRO, a iniciativa probatória de que é dotado o juiz no processo penal brasileiro não fere a
sua imparcialidade, nem macula o processo penal acusatório, que são dois argumentos comumente lançados
para questionar essa opção do legislador:
Essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas não compromete sua imparcialidade. Na
verdade, como destaca a doutrina, “os poderes instrutórios do juiz não são incompatíveis com a
imparcialidade do julgador. Ao determinar a produção de uma prova, o juiz não sabe, de
antemão, o que dela resultará e, em consequência, a qual parte vai beneficiar. Por outro lado, se
o juiz está na dúvida sobre um fato e sabe que a realização de uma prova poderia eliminar sua
incerteza e não determina sua produção, aí sim estará sendo parcial, porque sabe que, ao final,
sua abstenção irá beneficiar a parte contrária àquela a quem incumbirá o ônus daquela prova.
Juiz ativo não é sinônimo de juiz parcial. É equivocado confundir neutralidade ou passividade
com imparcialidade. Um juiz ativo não é parcial, mas apenas um juiz atento aos fins sociais do
processo, e que busca exercer sua função de forma a dar ao jurisdicionado a melhor prestação
jurisdicional possível”. Também não há qualquer incompatibilidade entre o processo penal
acusatório e um juiz dotado de iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de
provas que se façam necessárias para o esclarecimento da verdade. A essência do sistema
acusatório repousa na separação das funções de acusar, defender e julgar. Por mais que a
ausência de poderes instrutórios do juiz seja uma característica histórica do processo acusatório,
não se trata de uma característica essencial a ponto de desvirtuar o referido sistema. Consoante
prevê a própria Exposição de Motivos do CPP, enquanto não estiver averiguada a matéria de
acusação ou da defesa, e enquanto houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não
deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet. É por isso que se diz que no processo penal
o juiz tem o dever de investigar a verdade; e a busca da verdade traduz um valor que legitima a
atividade jurisdicional penal (Lima, 2017).
PACELLI reforça um dos pontos trazidos pelo autor supracitado e, de maneira específica, aponta o eixo central
da atuação probatória do magistrado no processo penal: a dúvida a ser dirimida deve ser relativa à prova já
produzida, e não proveniente da sua ausência. Sustenta o autor:
Por fim, a título de complementação, interessante apontar alguns dispositivos do próprio Código de Processo
Penal que consagram a possibilidade de uma postura ativa do magistrado durante o curso do processo. Como
exemplos, os artigos 209, 212 e 234:
Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas
pelas partes.
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo
o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem
na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição;
Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da
acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das
partes, para sua juntada aos autos, se possível.
Como já se pontuou, a Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), introduziu o art. 3º-A ao CPP:
Art. 3º A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase
de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
Essa nova disposição legal vem ao encontro daquilo que já pregava a doutrina e a
jurisprudência – o juiz não pode ‘tomar as rédeas’ da atividade probatória da acusação.
A gestão da prova é essencialmente das partes e ao juiz só é dado atuar supletivamente, de modo
complementar, jamais fazendo as vezes da parte acusatória para ir buscar provas incriminadoras que até
então eram desconhecidas dentro da persecução penal.
Por essa disposição o juiz ainda pode ordenar a produção de provas e diligências, especialmente se elas
forem de interesse da defesa (dada a restrição na parte final do artigo); o que o juiz não pode, repare bem,
é ‘substituir’ (esse é o verbo utilizado) a acusação nesse sentido, sob pena de quebra da imparcialidade.
Se o legislador quisesse proibir que o juiz ordenasse provas (mesmo em caráter suplementar), certamente o
teria dito com todas as letras, inclusive revogando disposições em contrário.
Essa é a melhor interpretação e a que se compatibiliza com outras disposições do CPP que não foram
revogadas pela Lei 13.964/2019. Nosso processo penal, embora tenha estrutura, não é acusatório puro (aliás,
talvez em lugar nenhum do mundo encontremos).
Atualmente a disposição está suspensa e, enquanto a decisão sumária do STF não for revista, não tem
aplicação.
Doutrina complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017),
sobre a produção antecipada de provas ex officio pelo juiz, assevera: “O primeiro aspecto a ser
examinado nesta faculdade conferida ao julgador respeita à sua constitucionalidade, visto que a
Carta Republicana de 1988 adotou o sistema acusatório, que se caracteriza pela distinção
absoluta entre as funções de acusar, defender e julgar e se rege pela imparcialidade do
magistrado, relegando à polícia judiciária a atividade investigatória sob o controle externo do
Ministério Público. Ora, a despeito de o art. 156, I, condicionar a atuação do juiz à urgência e
relevância das provas a serem antecipadas, bem como à necessidade, adequação e
proporcionalidade da providência ordenada, a interpretação literal do dispositivo parece
importar em deslocar-se o magistrado da sua função de julgador para o papel de investigador ou
acusador, em ofensa à Constituição Federal. Neste contexto, pensamos que o art. 156, I, do CPP,
pela abrangência de sua redação e pela amplitude da faculdade que confere ao magistrado, não
admite interpretação literal, requerendo, isto sim, uma exegese que o torne compatível tanto
com o sistema acusatório preconizado na Lei Maior quanto com a verdade real que constitui o
objetivo do processo penal. Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode, efetivamente,
vislumbrar no dispositivo um permissivo para que o juiz, em qualquer tempo e segundo seu
arbítrio próprio, realize atos de investigação sob o rótulo de produção antecipada de provas,
determinando, por exemplo, de ofício, uma interceptação telefônica a partir de simples notícia
publicada na imprensa quanto ao envolvimento de certo indivíduo na prática de crimes contra a
administração pública, pois estaria o magistrado, neste caso, abdicando da imparcialidade que
lhe é imposta pela Constituição e exercendo funções próprias da polícia judiciária e do Ministério
Público. [...] Por fim, há que se ter em mente que a ordem judicial ex officio de produção
antecipada de provas deverá ocorrer apenas em caráter excepcional, justificando-se muito
especialmente na necessidade de elucidação de crimes graves, como tais considerados aqueles
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, os delitos capazes de gerar mal coletivo (v.g.,
tráfico de drogas que causa prejuízo a número indeterminado de pessoas) e os causadores de
elevada perturbação no meio social. Esta, aliás, a razão pela qual dispõe o art. 156, I, do CPP que
o exercício da faculdade de produção antecipada de provas pelo juiz condiciona-se à observância
dos requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade (...)”. A respeito da produção de
prova ex officio pelo juiz no curso do processo, aduz: “Prevê o Código de Processo Penal, no art.
156, II, que o juiz poderá ‘determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante’. Além desta normatização,
várias outras disposições existem no mesmo diploma assegurando ao magistrado a iniciativa na
realização de provas quando julgar necessário tal procedimento para o esclarecimento da
verdade. É o caso, por exemplo, do art. 196, facultando ao juiz proceder a novo interrogatório do
acusado, de ofício ou a requerimento das partes; do art. 209, possibilitando ao magistrado ouvir
testemunhas não arroladas pelas partes; do art. 234, permitindo ao juiz requisitar documentos
ex officio; do art. 242, outorgando ao julgador o poder de ordenar buscas domiciliares e pessoais;
e do art. 366, facultando a produção antecipada das provas consideradas urgentes na hipótese
de suspensão do processo ao réu que, citado por edital, não tenha comparecido ou constituído
defensor. Todas essas regras têm em vista a busca da verdade real, princípio este que inspira o
processo criminal. Considera-se, afinal, que, se a prova dirige-se ao juiz, visando à formação de
seu convencimento quanto aos fatos alegados pelas partes, não seria razoável exigir do
magistrado uma posição absolutamente inerte na fase instrutória do processo criminal,
vinculando-se, apenas, às provas requeridas ou produzidas pelas partes. [...] Não obstante tudo
isso e a despeito de o regramento existente ser evidentemente favorável à possibilidade da
produção de provas de ofício pelo juiz, não podemos deixar de mencionar que existe parcela
doutrinária e jurisprudencial considerando que essa faculdade do magistrado não teria sido
recepcionada pela Constituição Federal”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018) critica com veemência a
figura da iniciativa probatória do magistrado: “O art. 156 do CPP, com a redação que lhe deu a
Lei no 11.690/2008, mantém o poder instrutório nas mãos do juiz [...]. Em uma estrutura
acusatória de processo penal não há espaço para o magistrado ter a gestão da prova, em especial
antes de iniciada a ação penal, como autoriza o inciso I, em comento. Colocar o juiz agindo ex
officio na colheita da prova é contaminar sua (aparente e imaginária) imparcialidade e pior: o
juiz, agora, poderá ordenar de ofício tanto na fase policial como judicial as diligências que
entender cabíveis. [...] A crença de que o juiz é um ser preocupado com os direitos do réu e, por
isso, estaria praticando atos de ofício é falsa. Quando o juiz pratica atos de ofício em busca da
prova, é para condenar, até porque qualquer neófito sabe que se não há provas ou se há dúvida,
o juiz tem que decidir em favor do réu. Todavia, em nome de um princípio (impulso oficial), o juiz
sai em busca daquilo que irá justificar o que ele já decidiu: a condenação. [...] Ora, se sistema é
o todo e este todo está inserido na Constituição da República (art. 129, I), não pode o juiz
criminal, no sistema acusatório, ter poderes instrutórios. O sistema erradia para todo o processo
penal as regras e os princípios que o informam. [...] Portanto, não há que se aplicar, no processo
penal, os poderes instrutórios do juiz como se faz no processo civil. Poder instrutório é um
disfarce do sistema inquisitivo dentro do acusatório”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012) muito bem
sintetiza toda a celeuma acerca da constitucionalidade, ou não, do art. 156, I do CPP, que trata
sobre a produção de provas antecipadas ex officio pelo juiz: “Parte da doutrina sustenta ser
inconstitucional a nova redação do art. 156, I, do CPP, com a dicção dada pela Lei n. 11.690/2008,
ao conferir ao juiz a possibilidade, de ofício, de ordenar, ainda antes de iniciada a ação penal, a
produção antecipada de provas que considerar urgentes e relevantes, aplicando-se os requisitos
do princípio da proporcionalidade. Acoima-se de inconstitucional o dispositivo, sob o argumento
de que, vigindo o sistema acusatório no processo penal brasileiro, com separação das atribuições
dos órgãos estatais, o juiz somente poderia autorizar a produção antecipada de provas, antes de
iniciada a ação penal, mediante provocação das partes e, jamais, ex officio, como agora se previu.
Ademais, sustentam que a jurisdição tem início com apreciação da peça acusatória, não sendo
possível, portanto, a atuação antes do início efetivo da ação penal. Pensamos, contudo,
distintamente. A nosso sentir, o dispositivo harmoniza-se com a Constituição Federal, na medida
em que sua criação, atendendo ao princípio do devido processo legal, obedeceu já em sua
origem, vale dizer, geneticamente, ao próprio princípio da proporcionalidade, que é um
‘superprincípio’ ou ‘princípio dos princípios’ [...], considerando o legislador imprescindível a
criação da medida, para a produção antecipada de provas ‘consideradas urgentes e relevantes’,
para o que fez a ressalva de obediência aos requisitos do princípio da proporcionalidade
(necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito). Portanto, é medida
excepcional que não desfigura o respeito ao ‘sistema acusatório’ do processo penal, este
mesmo, matizado — mitigado ou temperado — na forma que entendemos seja um ‘sistema
misto’, visto que jamais poderíamos falar em um rígido e absoluto sistema acusatório [...]. Nesse
sentido, se o juiz não pode, de ordinário, ser transformado em investigador ou acusador,
produzindo, sem critérios e sponte sua, as provas que são de incumbência das partes, por outro
lado não pode ser transformado em mero conviva de pedra, assistindo impávido à colossal
injustiça, como espetáculo prenunciado de ineficácia do processo penal. É por tal que sua função,
nesse terreno, deve-se pautar pela absoluta imparcialidade e excepcionalidade da medida,
como, aliás, ressalva expressamente a aludida disposição legal. Transformada, pois, a
excepcionalidade em regra, ou, em outras palavras, não atentando o magistrado aos requisitos
legais, entendemos devam as provas ser consideradas ilícitas e desentranhadas, em face do
disposto no art. 157, caput, do CPP. Parte da doutrina considera que a única forma de se
harmonizar o disposto no art. 156, I, do CPP com o sistema acusatório vigente é a possibilidade
da atuação judicial ex officio unicamente com o intuito de arraigar provas da inocência do
acusado e visando proteger seus direitos fundamentais, mas jamais com o intuito de reforçar a
acusação e seus elementos de prova”.
Jurisprudência pertinente
[...] Cabe ao Juiz da causa decidir sobre a necessidade da produção antecipada da prova
testemunhal, podendo utilizar-se dessa faculdade quando a situação dos autos assim
recomendar, como no caso em apreço, especialmente por tratar-se de ato que decorre do
poder geral de cautela do Magistrado (art. 366 do CPP). 2. Habeas corpus denegado. (HC 93157,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO,
Primeira Turma, julgado em 23/09/2008).
pela verdade processual ou judicial - a verdade que pode ser alcançada mediante atividade
instrutória e probatória desenvolvida em harmonia com os direitos e garantias fundamentais do
acusado - não impede a iniciativa probatória do juiz para dirimir pontos ainda controversos, pois
o princípio do in dubio pro reo, como regra de valoração das provas e de julgamento, deve ser
aplicado para a absolvição do acusado somente quando se exaurirem todos os meios legítimos
para a verificação da procedência das alegações sobre fatos elaboradas tanto pela acusação
como pela defesa. IX - A legalidade da oitiva do colaborador premiado, in casu, pressupõe que
se confira ao recorrente e aos demais acusados nos autos a oportunidade de efetivamente
participarem do referido ato processual e, se necessário, de contraditar a prova, a fim de
preservar os princípios do contraditório, da paridade de armas (par conditio) e da ampla defesa.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC 131.462/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021).
instrutória das partes, nem sempre suficiente para esclarecer, satisfatoriamente, os fatos sobre
os quais se assenta a pretensão punitiva. 3. O uso, pelo magistrado, de seus poderes
instrutórios, presentes em inúmeros dispositivos do Código de Processo Penal, não autoriza,
porém, posturas de vanguarda ou de protagonismo judicial. 4. Entretanto, sob uma ótica que
busca a realização do processo justo e tendo em vista as peculiaridades do Tribunal do Júri, em
que o juiz-presidente apenas prepara e regula a realização do julgamento pelos juízes populares,
deve ser prestigiada a atividade probatória deflagrada pelo Juiz que determina, de ofício, a oitiva
em plenário de testemunhas arroladas extemporaneamente na fase do art. 422 do CPP, mas já
ouvidas em juízo na primeira fase do procedimento escalonado do Tribunal do Júri, porque de
forma residual e em consonância com os arts. 209 e 497, XI, ambos do CPP, para a correta
compreensão de importantes fatos relatados durante a produção da prova oral. 5. Recurso
ordinário não provido. (STJ - RHC: 87764 DF 2017/0189091-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, Data de Julgamento: 03/10/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
06/11/2017).
RECURSO EM HABEAS CORUS. REVELIA. ART. 366 CPP. CITAÇÃO POR EDITAL. PRODUÇÃO
ANTECIPADA DE PROVA. DECURSO DE TEMPO. POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DE ENDEREÇO DAS
TESTEMUNHAS. ESQUECIMENTO DOS FATOS. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N.
455/STJ. URGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO
PROVIDO. 1. A determinação da produção antecipada de prova testemunhal, nos termos
delineados no art. 366 do Código de Processo Penal - CPP, é faculdade conferida ao Magistrado
processante, se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado. Diante
das peculiaridades do caso concreto, a medida pode, ou não, ser considerada urgente. 2. A
afirmação de que durante o decurso de tempo poderia ocorrer mudança de endereço das
testemunhas ou esquecimento dos fatos, se considerada como verdade absoluta, implicaria na
obrigatoriedade da produção antecipada da prova testemunhal em todos os casos de suspensão
do processo, na medida em que seria reputada de antemão e inexoravelmente de caráter
urgente, retirando do Juiz a possibilidade de avaliá-la no caso concreto. Inteligência da Súmula
n. 455/STJ. Recurso provido para anular a decisão que determinou a produção antecipada de
prova no curso da Ação Penal n. 0004544-12.2012.8.07.0011, em trâmite perante o Juízo da Vara
Criminal e Tribunal do Júri do Núcleo Bandeirante/DF, bem como todos os atos dela decorrentes.
(STJ - RHC: 79679 DF 2016/0329522-8, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de
Julgamento: 16/03/2017, T5 - QUINTA TURMA).
[...] A jurisprudência desta Corte é pacifica no sentido de que a produção antecipada das
provas, a que faz alusão o art. 366 do Código de Processo Penal, exige concreta demonstração
da urgência e necessidade da medida, não sendo motivo hábil a justificá-la o decurso do tempo,
tampouco a presunção de possível perecimento. 2. Recurso provido para anular a decisão que
determinou a produção antecipada das provas, bem como todos os atos subsequentes, sem
prejuízo de nova determinação fundamentada em dados concretos. (RHC 21.173/DF, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe
07/12/2009).
É cediço que o Direito brasileiro não consagrou esse critério de apreciação das provas, ao menos não como
regra; afinal, a própria Constituição Federal, em seu art. 93, IX, impõe a fundamentação das decisões judiciais
como pressuposto de sua validade:
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do
direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
Esse sistema é adotado no ordenamento jurídico em apenas uma hipótese: nas decisões dos jurados no
Tribunal do Júri. Em verdade, esse critério da íntima convicção constitui decorrência lógica de um dos
princípios inerentes a esse órgão: o sigilo das votações, que é dotado, assim como os demais, de status de
norma constitucional, conforme art. 5º, XXXVIII, b da Carta Magna:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
Ou seja, fosse o jurado obrigado a fundamentar sua decisão, seria possível identificar-se o sentido
de seu voto. Daí a desnecessidade de fundamentação do voto do jurado, limitando-se o mesmo
a um singelo “sim” ou “não” para cada quesito que lhe for formulado, nos exatos termos do art.
486, caput, do CPP (Lima, 2017).
Até por não existir necessidade de fundamentação, não está o Conselho de Sentença,
necessariamente, vinculado às provas existentes no processo, podendo decidir a partir de
critérios subjetivos, sendo possível até mesmo que venha a julgar em sentido contrário ao que
indicarem os elementos angariados aos autos (Avena, 2017).
Nesse sistema, pois, fica o juiz apenas incumbido da tarefa de considerar e atribuir esse já fixado valor às
provas, sendo-lhe retirada a faculdade de conferir menor ou maior importância a determinados elementos
probatórios.
Desta forma, como bem pontua FERNANDO CAPEZ, “não existe convicção pessoal do magistrado na valoração
do contexto probatório, mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores imposto pela lei” (Capez, 2018).
Nos dizeres de PAULO RANGEL: “Em verdade, o sistema das regras legais é a desconfiança que o legislador tem
do juiz. Estabelece-se, assim, a certeza moral do legislador. Em termos de provas, não vale mais o que o juiz
diz, mas, sim, o que o legislador estabelece como meio de prova prioritário”.
O autor continua:
O legislador, por exemplo, no sistema das provas legais, estabelecia que a prova obtida através
da confissão do acusado era a rainha das provas e, portanto, não adiantavam três testemunhas
dizerem, de forma categórica, que o acusado não estava presente no local do fato. A confissão
valia mais que a prova testemunhal (Rangel, 2018).
Esse sistema segue a mesma sorte do anterior; ou seja, não foi adotado, como regra, pelo ordenamento
pátrio, embora existam situações em que se verificam resquícios desse critério, situações essas excepcionais,
previstas no próprio Código de Processo Penal.
Um claro exemplo de hipótese em que se adotou esse sistema é a situação descrita no art. 158 do CPP:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Ora, percebe-se que o próprio legislador conferiu ao exame de corpo de delito, nos casos de infrações com
vestígios, caráter de imprescindibilidade, inafastável até mesmo por eventual confissão do acusado. Nota-
se, pois, uma prévia fixação do valor probatório do exame pelo legislador e, portanto, uma clara adoção
pontual do sistema da prova legal.
Registre-se, por oportuno, que o art. 167 do CPP mitiga o dispositivo supracitado nos casos em que não seja
possível a realização do exame de corpo de delito:
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios,
a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Outros dois exemplos de adoção pontual desse sistema dizem respeito à prova do óbito do acusado (art. 62
do CPP) e à prova do estado das pessoas (art. 155 do CPP). Nesse sentido, as lições de AVENA:
É o que ocorre, por exemplo, no art. 62, dispondo que a extinção da punibilidade pela morte do
réu apenas poderá ser determinada à vista de certidão de óbito, e, mesmo isso, após prévia oitiva
do Ministério Público. E, também, do contido no art. 155, parágrafo único, do mesmo diploma,
estabelecendo que a prova de estado das pessoas, no âmbito penal, exige idênticas restrições às
estabelecidas pela lei civil – comprovação via certidão (Avena, 2017).
Depreende-se, então, que, por força da própria lei, não se admite a comprovação do óbito de um acusado
por depoimento de testemunha, por exemplo, mas por hábil certidão de óbito lavrada por cartório
competente para tanto. De igual forma, também não se comprova o estado civil do acusado por testemunha,
mas por certidão do assento de nascimento ou casamento. São, esses dois casos, remanescentes do sistema
da certeza moral do legislador, estando o juiz vinculado a essas determinações legais.
Trata-se do sistema adotado pelo processo penal brasileiro, como se depreende do art. 155 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.
Referido dispositivo deve ser em lido em harmonia com o já referido art. 93, IX da CF, que determina a
necessidade de fundamentação nas decisões judiciais:
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do
direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Como um verdadeiro meio-termo entre os dois sistemas anteriores, o sistema da persuasão racional confere
ao juiz liberdade para a valoração das provas, sem que se submeta a prefixações valorativas em abstrato do
legislador a esse respeito. As provas ostentam, como regra geral, o mesmo valor abstrato, devendo o
magistrado tomar a sua decisão cotejando todos os elementos probatórios apresentados no caso concreto
e fundamentando a decisão tomada.
Nele o juiz formará livremente a sua convicção, apreciando o conjunto probatório e valorando
racionalmente os elementos de prova independentemente de qualquer tarifação legal. Deve, no
entanto, fundamentar as suas decisões, pautando-as nos elementos que foram carreados aos
autos, [...]. Com efeito, a própria Constituição Federal dispõe que os julgamentos dos órgãos
judiciários serão fundamentados, sob pena de nulidade (art. 93, IX), enquanto o Código de
Processo Penal assegura ao juiz a liberdade na apreciação da prova produzida sob a égide do
contraditório, sendo-lhe vedado apoiar-se exclusivamente na prova colhida na fase de
investigação, ressalvadas as hipóteses de provas cautelares, provas irrepetíveis e provas
antecipadas (art. 155, caput, do CPP) (Távora, 2017).
A propósito, o item VII da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal muito bem apresenta o
conteúdo e roupagem desse sistema, ao mesmo tempo em que declara expressamente o abandono dos
demais sistemas de valoração (abandono esse que, como vimos, não é total ou absoluto). De grande valia se
faz, pois, transcrever trecho desse elucidativo item, que também acaba por reforçar alguns dos pontos já
trazidos à baila por ocasião das explicações dos demais critérios:
VII – O projeto abandonou radicalmente o sistema chamado da certeza legal. Atribui ao juiz a
faculdade de iniciativa de provas complementares ou supletivas, quer no curso da instrução
criminal, quer a final, antes de proferir a sentença. Não serão atendíveis as restrições à prova
estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao estado das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia
de provas: na livre apreciação destas, o juiz formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A
própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas
as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente
maior prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não
é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas,
a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído a sua própria consciência. Nunca é demais,
porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero
arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas,
mas não pode abstrair‑se ou alhear‑se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar
a sua sentença. E precisamente nisto reside a suficiente garantia do direito das partes e do
interesse social. [...] Como corolário do sistema de livre convicção do juiz, é rejeitado o velho
brocardo testis unus testis nullus. Não se compreende a prevenção legal contra a voix d’un,
quando, tal seja o seu mérito, pode bastar à elucidação da verdade e à certeza moral do juiz. Na
atualidade, aliás, a exigência da lei, como se sabe, é contornada por uma simulação prejudicial
ao próprio decoro ou gravidade da justiça, qual a consistente em suprir‑se o mínimo legal de
testemunhas com pessoas cuja inocência acerca do objeto do processo é previamente conhecida,
e que somente vão a juízo para declarar que nada sabem.
Outrossim, pertinente se faz transcrever o magistério de BRASILEIRO, ao elencar três importantes efeitos
decorrentes da adoção, pelo processo penal brasileiro, do sistema da persuasão racional do juiz:
a) não há prova com valor absoluto: não há hierarquia de provas no processo penal, sendo que
toda prova tem valor relativo. Mesmo a confissão, outrora conhecida como rainha das provas,
tem valor relativo (CPP, art. 197). Essa liberdade de valoração da prova, todavia, não é absoluta,
já que, por força da própria Constituição Federal (art. 93, IX), o magistrado é obrigado a
fundamentar sua decisão, sendo inviável que se utilize de elementos estranhos ao processo
criminal; b) deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no processo, mesmo que
para refutá-las: de nada adianta assegurar às partes o direito à prova se o juiz não considerá-la
por ocasião da fundamentação da sentença. As partes possuem, portanto, o direito de verem
apreciados seus argumentos e provas, direito este cuja observância deve ser aferida na
motivação; c) somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo: não se
pode emprestar validade aos conhecimentos privados do magistrado, sejam elas provas
nominadas ou inominadas, típicas ou atípicas. Como visto no tópico pertinente à terminologia da
prova, desde que lícitas, legítimas e moralmente válidas, é possível a utilização de meios de prova
não previstos em lei (provas inominadas), assim como de meios de prova cujo procedimento
probatório não esteja delimitado pela lei (provas atípicas), mas desde que tais provas estejam
inseridas nos autos do processo (Lima, 2017).
Por fim, é imperioso ressaltar que o convencimento motivado do juiz não é ilimitado ou absoluto, como bem
pondera GONÇALVES et. al acerca da clara disposição do art. 155 do CPP a esse respeito:
A respeito do tema “sistemas de avaliação da prova”, PAULO RANGEL, em sua obra, traz interessante
questionamento, em prova escrita, feito pelo avaliador no XXI Concurso para Ingresso na
Classe Inicial da Carreira do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em 18/01/1998. A
questão era:
O diploma processual penal pátrio adota, sem exceções, o princípio do livre convencimento
ou da persuasão racional? Resposta objetivamente justificada.
‘Sugestão’ de resposta. Não. Embora constitua o princípio/sistema da persuasão racional a regra geral
no processo penal brasileiro, ainda se verificam resquícios dos outros dois sistemas de avaliação da
prova em determinadas situações. Os artigos 62, 155, parágrafo único e 158 do Código de Processo
Penal apresentam-se como claros exemplos do “sistema da prova tarifada”. Por sua vez, no âmbito do
Tribunal do Júri, ao não se exigir qualquer tipo de motivação ou fundamentação por parte dos jurados
nas suas decisões, acabou-se por adotar, excepcionalmente, o “sistema da íntima convicção”. Destarte,
o diploma processual penal pátrio adota, com exceções, o princípio do livre convencimento ou
persuasão racional.
Questão abrangente sobre o tema foi cobrada em concurso do Ministério Público no Estado do Mato Grosso:
UFMT - Promotor de Justiça (MPE MT)/2014. Discorra sobre a prova no processo penal, especialmente
o conceito, a finalidade, os sistemas de avaliação, bem como o modelo e as exceções adotadas pelo
ordenamento jurídico em vigor.
Comentários: observe a amplitude dos temas cobrados em uma só questão; o examinador parte do
conceito de provas até os sistemas de avaliação, além das particularidades atinentes ao sistema
adotado no processo penal brasileiro atual. A questão não trata de matéria controvertida, mas de puro
conhecimento sobre os vários elementos que compõem a “Teoria Geral das Provas”. Todos esses
temas já foram tratados no decorrer da aula, de modo que remetemos o aluno aos itens “Definição de
prova”, “Finalidade da prova”, bem como às explicações do presente item “Sistemas de avaliação” para
a solução da questão.
Promotor de Justiça (MPE PR)/2014. Discorra sobre a livre convicção motivada do julgador no processo
penal brasileiro.
Comentários. Trata-se de questão genérica sobre o sistema da livre convicção motivada ou persuasão
racional, ou, ainda, do convencimento motivado, sistema adotado no processo penal brasileiro. Cabia
ao examinando explanar as suas principais características no âmbito do processo penal pátrio, sem
esquecer de mencionar as suas pontuais exceções. A solução para a resposta consta das explicações
feitas no item Sistema do convencimento motivado ou persuasão racional do juiz, logo acima.
FUNDEP - Juiz Estadual (TJ MG)/2007. Disserte sobre os tópicos indicados e possíveis implicações no
processo penal brasileiro, declinando, se for o caso, as disposições legais e constitucionais
correspondentes. Sistemas de Avaliação das Provas: a) – livre convicção (7,0 pontos); b) – prova legal
(6,0 pontos); c) – persuasão racional (7,0 pontos).
Comentários. Questão genérica e básica sobre os três sistemas de avaliação de provas concebidos pela
doutrina e suas projeções no processo penal pátrio. Cada um dos sistemas foi devidamente abordado
em tópico específico dentro do presente item. Remete-se o aluno, pois, aos respectivos subitens para
a solução do questionamento
Doutrina complementar
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Há quem entenda
que o correto seria denominar sistema de apreciação das provas o que preferimos intitular
sistema de valoração das provas. Com efeito, a apreciação é algo que se verifica logicamente em
momento anterior ao da valoração. Neste é que o juiz irá atribuir alguma medida de credibilidade
à prova que apreciou, e calcado nessa credibilidade, geradora de sua convicção a respeito dos
fatos, é que irá decidir e, coerentemente, fundamentar seu veredicto”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “A verdade processual
que tanto se busca em um processo tem o seu ponto culminante na avaliação das provas feita
pelo juiz, pois é exatamente o processo intelectual realizado com o escopo de se atingir essa
verdade produzida pelas provas que se assenta em um determinado sistema. O sistema de
provas é o critério utilizado pelo juiz para valorar as provas dos autos, alcançando a verdade
histórica do processo. Três foram os principais sistemas adotados”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “A lei concede ao
juiz ilimitada liberdade para decidir como quiser, não fixando qualquer regra de valoração das
provas. Sua convicção íntima, formada não importa por quais critérios, é o que basta, não
havendo critérios balizadores para o julgamento. Esse sistema vigora entre nós, como exceção,
nas decisões proferidas pelo júri popular, nas quais o jurado profere seu voto, sem necessidade
de fundamentação”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “Nesse sistema, o
legislador impõe ao magistrado toda a responsabilidade pela avaliação das provas, dando a ele
liberdade para decidir de acordo, única e exclusivamente, com a sua consciência. O magistrado
não está obrigado a fundamentar sua decisão, pois pode valer-se da experiência pessoal que tem,
bem como das provas que estão ou não nos autos do processo. O juiz decide de acordo com sua
convicção íntima. O fundamento da sentença é a certeza moral do juiz. O principal argumento da
decisão é a convicção do magistrado. É o seu sentimento íntimo, com base em qualquer prova
ou experiência pessoal, expressos ou não no processo, não importando se há ou não provas nos
autos. [...] O sistema da íntima convicção deixava o réu ao arbítrio do julgador e necessário se fez
vir aos poucos temperando esse arbítrio, impondo-se ao juiz a observância de certos preceitos
legais, diminuindo, assim, a sua discricionariedade. O juiz deveria observar o que dizia a lei e não
mais agir movido por impulsos pessoais, decidindo como bem quisesse. Passou-se, assim, a
adotar o sistema das provas legais”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “A fim de
evitar o autoritarismo dos juízes da época e a discrepância entre os julgamentos, surgiu o sistema
da prova legal. Nesse sistema, o juiz não tinha qualquer liberdade na apreciação da prova, que
era pré-valorada na própria lei. Assim, a legislação processual fixava uma hierarquia entre os
meios de prova. Nesse contexto, a confissão, por exemplo, recebia maior valor, contando-se,
ainda, numa escala puramente aritmética, o número de pessoas que se dispusessem a
testemunhar contra ou a favor do acusado. O somatório final, única tarefa que cabia ao julgador,
determinava a culpa do réu. Nesse sistema surgiu o brocardo testis unus, testis nullus, pelo qual
se exigia mais de um testemunho para que houvesse validade legal. Ao juiz ou tribunal não era
permitido levar em conta provas que não estivessem nos autos — quod non est in actis non est
in mundo”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Neste modelo,
também chamado sistema da certeza moral do legislador, da verdade legal ou formal, não se
permite ao julgador valorar livremente a prova, conforme sua experiência e formação, pois a
própria lei cuida de estabelecer uma hierarquia entre os diversos meios de prova, de modo a
fixar antecipadamente o valor que cada uma tem, e, em razão disso, qual prova deve prevalecer
sobre outra. Como perfeito burocrata, o julgador não tem qualquer margem de
discricionariedade na valoração do conjunto probatório. Por isso se diz que neste sistema a prova
é tarifada. Exemplos: a confissão, mesmo desacompanhada de elementos de convicção, vale
mais que qualquer outra prova; duas testemunhas de acusação valem mais que uma de defesa,
independentemente do conteúdo das informações que esta prestar”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Também
denominado sistema do livre-convencimento ou da verdade real, nele o juiz não está preso a
regras rígidas de valoração, de maneira que lhe é permitido formar sua convicção pela livre-
apreciação das provas produzidas nos autos, conforme a lógica de seu raciocínio, sua experiência,
formação, compromisso e grau de responsabilidade. [...] Não se deve confundir íntima convicção
com livre-convicção. A livre-convicção que está autorizada deve decorrer da prova produzida e,
portanto, estar lastreada em material probatório existente no processo, cujo teor não é dado ao
magistrado desconsiderar, daí ser correto denominá-lo sistema do livre-convencimento
fundamentado”.
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017)
elenca algumas características e conclusões a respeito desse sistema: “1) Não limita o juiz aos
meios de prova regulamentados em lei: Isto significa que, sendo lícitas e legítimas, mesmo as
provas inominadas, isto é, sem nenhuma regulamentação, poderão ser admitidas na formação
da convicção do julgador. É o caso, por exemplo, das captações ambientais (v.g., gravação da
conversa de duas ou mais pessoas em local público), que, embora despidas de regulamentação
específica, podem, em tese, servir de elemento de convicção do magistrado. 2) Caracteriza-se
pela ausência de hierarquia entre os meios de prova: Nada impede que o juiz venha a conferir
maior valor a determinadas provas em detrimento de outras. Poderá, por exemplo, discordar da
prova pericial e condenar ou absolver o réu com base, unicamente, em prova testemunhal; e,
também, convencer-se quanto à versão apresentada por testemunha não compromissada,
infirmando o depoimento de outra que tenha sido juramentada. Essa liberdade valorativa do
magistrado, entretanto, não é absoluta, encontrando restrições impostas pela Lei e pela
Constituição, quais sejam: a) Necessidade de motivação: (...). b) As provas deverão constar dos
autos do processo judicial: (...). 3) Exige, para fins de condenação, que as provas nas quais se
fundar o juiz tenham sido produzidas em observância às garantias constitucionais do
contraditório e da ampla defesa: Conforme dispõe o art. 155 do CPP, a liberdade de valoração
restringe-se à prova produzida sob o contraditório judicial. Ressalte-se, contudo, que o referido
dispositivo não proibiu o magistrado de utilizar eventuais provas obtidas na fase extrajudicial
como elementos de convicção secundários, restringindo, apenas, a possibilidade de serem estes
os fundamentos exclusivos do seu convencimento. E mais: o legislador, com muita propriedade,
ressalvou da necessidade do contraditório judicial as provas realizadas em caráter cautelar,
Jurisprudência pertinente
RECURSO EM HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N.º 9.503/97.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. INOCORRÊNCIA. FATO POSTERIOR AO ADVENTO DA LEI N.º 12.760/12. ADMISSÃO DA
COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE EMBRIAGUEZ POR QUALQUER MEIO DE PROVA. INEXISTÊNCIA
DE PROVA TARIFADA NO ART. 306, § 2º, DA LEI N.º 9.503/97. RECURSO AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO. 1. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida
somente se verifica possível quando ficar demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação
probatória - a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade
da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. É certa, ainda, a
possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não
atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, o que não impede a propositura
de nova ação desde que suprida a irregularidade. 2. O art. 306, § 2º, do Código de Trânsito
Brasileiro - CTB, com redação conferida pela Lei n. 12.971/2014, estabelece que "a verificação do
disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame
clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos,
observado o direito à contraprova." 3. O Código Brasileiro de Transito não procede à tarifação
dos meios de provas, prestigiando o livre convencimento motivado do juiz ao admitir
diversidade probatória para demonstrar a embriaguez, sem colocar o exame pericial em patamar
superior. A Lei n. 12.760/12 passou a admitir, inclusive, a prova a testemunhal para a
comprovação da embriaguez. Precedente. 4. No caso dos autos, o Magistrado de primeira
instância fundamentou que, de acordo com os depoimentos colhidos na ocasião do Auto de
1 - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Conforme já restou assentado quando da análise desse princípio, a proporcionalidade está intrinsecamente
ligada à diretriz axiológica do due process of law (devido processo legal) em seus âmbitos processual (com a
inafastável observância das garantias e demais princípios informadores do processo, constituindo a figura
do processo legítimo, devido e escorreito) e substancial (com a inibição de comportamentos imoderados e
desarrazoados pelo Poder Público, desde a atividade legislativa até a atividade judicante).
Pois bem, o postulado da proporcionalidade, além de constituir importantíssimo alicerce para um processo
penal digno de um Estado Democrático de Direito, também guarda interessante relação com algumas
questões atinentes ao campo probatório.
Embora pareça ter o texto constitucional, de maneira contundente, abolido completamente a possibilidade
de aceitação de provas ilícitas no processo, tem-se verificado na doutrina a consolidação do entendimento
de que seria possível um abrandamento dessa regra limitativa nos casos em que a prova ilícita constitua o
único meio de prova de inocência do acusado; trata-se de uma ponderação entre todos os interesses, direitos
e garantias envolvidos no caso.
Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta,
uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim,
continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que
constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito. Veja-
se, por exemplo, a hipótese de uma prova decisiva para a absolvição obtida por meio de uma
ilicitude de menor monta. Prevalece o princípio da liberdade da pessoa, logo a prova será
produzida e apreciada, afastando-se a incidência do inciso LVI do art. 5º da Constituição, que vale
como princípio, mas não absoluto, como se disse. Outras situações análogas poderiam ser
imaginadas em que deve prevalecer princípio constitucional de maior valor do que a proibição
da obtenção da prova de forma ilícita (Filho, 2012)
Nesse caso, a prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do
réu. Trata-se da proporcionalidade pro reo, em que a ponderação entre o direito de liberdade de
um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova (dessa
inocência). Situação típica é aquela em que o réu, injustamente acusado de um delito que não
cometeu, viola o direito à intimidade, imagem, inviolabilidade do domicílio, das comunicações
etc. de alguém para obter uma prova de sua inocência. [...] Desnecessário argumentar que a
condenação de um inocente fere de morte o valor “justiça”, pois o princípio supremo é o da
proteção dos inocentes no processo penal. Ademais, deve-se recordar que o réu estaria, quando
da obtenção (ilícita) da prova, acobertado pelas excludentes da legítima defesa ou do estado de
necessidade, conforme o caso. Também é perfeitamente sustentável a tese da inexigibilidade de
conduta diversa (excluindo agora a culpabilidade). Tais excludentes afastariam a ilicitude da
conduta e da própria prova, legitimando seu uso no processo (Júnior, 2018).
A regra do inciso LVI do art. 5º da CRFB não é, assim, nem poderia ser, absoluta. Deve ser
interpretada de forma coerente e razoável, mostrando proporção entre os bens jurídicos que se
contrastam. [...] Nesse sentido, surge em doutrina a teoria da exclusão da ilicitude, capitaneada
pelo mestre AFRÂNIO SILVA JARDIM, à qual nos filiamos, onde a conduta do réu é amparada pelo
direito e, portanto, não pode ser chamada de ilícita. O réu, interceptando uma ligação telefônica,
sem ordem judicial, com o escopo de demonstrar sua inocência, estaria agindo de acordo com o
direito, em verdadeiro estado de necessidade justificante. [...] Dessa forma, é admissível a prova
colhida com (aparente) infringência às normas legais, desde que em favor do réu para provar
sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas de sua
inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da lei (Rangel,
2018).
sagrados direitos individuais da pessoa humana. Trata-se de direito fundamental de “primeira dimensão ou
geração” e, portanto, deve ser objeto de intensa tutela por parte do Estado, tutela a qual, nesses casos, se
dá precisamente na possibilidade da valoração da prova tida como ilícita em seu favor.
Seria, por outro lado, completamente inadmissível, em um Estado Democrático de Direito, que uma prova
ilícita fosse colhida, utilizada e valorada pelo Poder Público em desfavor do acusado, na medida em que a
própria limitação constitucional às provas ilícitas está justamente dentro do rol dos direitos fundamentais
individuais e coletivos (art. 5º, CF), tratando-se, pois, de claro refreamento ao direito de punir do Estado.
Analisado pela via contrária, esse mesmo fato reforça a ideia de que se afigura completamente razoável que
uma prova obtida por meio ilícito pelo acusado para demonstrar sua inocência seja passível de valoração,
analisando-se o caso pelo prisma da proporcionalidade e racionalidade.
Note-se, todavia, que, por evidente, o direito à liberdade não se sobrepõe automaticamente a tudo e a todos.
Não. A aplicação da proporcionalidade nesse sentido deverá ser feita cautelosa e casuisticamente, a partir
de um vívido e honesto cotejo entre os interesses envolvidos.
BRASILEIRO traz à baila situação interessante: uma prova ilícita a favor do réu obtida por meio de tortura.
Seria ela admissível ou não? Veja o que sustenta o autor:
Mas seria possível utilizar-se, em favor do acusado, como único meio para inocentá-lo, de prova
obtida mediante tortura? A nosso ver, a situação é bem diferente de uma gravação ou
interceptação telefônica ilícita. Neste caso, apesar de haver a produção de uma prova ilícita, o
conteúdo da conversa telefônica pode ser considerado verdadeiro pelo juiz, já que não há
constrangimento aos interlocutores. Diferente é a hipótese de prova obtida mediante tortura:
colhidos mediante o constrangimento de alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental, tais elementos probatórios não poderão ser levados
em consideração pelo magistrado, porquanto impossível aferir a veracidade (ou não) do
conteúdo das declarações de tal pessoa (Lima, 2017).
Além do mais, a chancela de prova ilícita em favor do acusado obtida por prática tão atroz quanto a tortura,
pelo Poder Judiciário, constituiria temerário precedente e quiçá indesejado estímulo a esse tipo de ato Brasil
afora.
Por fim, indaga-se: seria possível a utilização de prova ilícita, obtida e empregada originariamente para a
demonstração de inocência de um acusado, para punir terceiros em outro processo? Sobre isso, pondera
BRASILEIRO em sentido negativo:
Entendemos que não. Essa prova ilícita, que excepcionalmente está sendo admitida para evitar
o absurdo que representa a condenação de um inocente, não pode ser utilizada contra terceiro.
Ou seja, a mesma prova que serviu para a absolvição do inocente não pode ser utilizada contra
terceiro, na medida em que, em relação a ele, essa prova é ilícita e assim deve ser tratada
(inadmissível, portanto). Não há nenhuma contradição nesse tratamento, na medida em que a
prova ilícita está sendo, excepcionalmente, admitida para evitar a injusta condenação de alguém
(proporcionalidade). Essa admissão está vinculada a esse processo. Não existe uma convalidação,
ou seja, ela não se torna lícita para todos os efeitos, senão que apenas é admitida em um
determinado processo (em que o réu que a obteve atua ao abrigo do estado de necessidade). Ela
segue sendo ilícita e, portanto, não pode ser utilizada em outro processo para condenar
alguém, sob pena de, por via indireta, admitirmos a prova ilícita contra o réu (sim, porque ele
era “terceiro” no processo originário, mas assume agora a posição de réu) (Lima, 2017).
Diferentemente do item anterior, a ideia de admissibilidade de prova ilícita pro societate está longe de
constituir matéria pacífica.
Este singular enfoque da proporcionalidade é bem apresentado por BRASILEIRO, citando BARBOSA MOREIRA:
Assim, por essa visão, em situações extremas, seria possível a admissão de provas ilícitas em favor da
sociedade, quase como uma medida de defesa social, de compensação conferida às polícias e ao Ministério
Público para se igualarem em forças diante das organizações criminosas e grandes traficantes. Afinal, os
agentes desse tipo de criminalidade se valem de provas obtidas por meios ilícitos para promoverem a sua
impunidade (como a coação de testemunhas em zonas de tráfico) – tudo para possibilitar a devida tutela dos
demais direitos fundamentais da sociedade.
Um outro ponto de vista para os adeptos desse entendimento, agora em menor grau de
abrangência/intensidade, é levantado por RENATO MARCÃO:
Contudo, o próprio autor refuta essa teoria, porquanto, segundo ele, sua aceitação ensejaria a ruína do
sistema das garantias fundamentais:
Se bem delineado, o conflito que se estabelece não é entre o interesse público de punir e o
interesse do acusado em ficar impune, mas entre aquele primeiro e o interesse de preservar a
ordem constitucional vigente, os princípios e valores fundamentais, bem como o sistema de
garantias, que inegavelmente deve prevalecer, porquanto evidente que a preservação e a
integridade dos princípios basilares que regem a ordem superior do Estado interessam a toda a
sociedade, e não apenas ao particular acusado. Diante desse quadro e sob o enfoque analisado,
resta evidente a insubsistência da teoria da proporcionalidade (Marcão, 2017).
AURY LOPES JR. não poupa críticas à utilização da proporcionalidade para esse fim:
É nesse sentido que parece caminhar a jurisprudência dos tribunais superiores em relação ao tema, como
bem sintetiza BRASILEIRO:
Em que pese a opinião dos respeitados autores, a leitura da jurisprudência dos Tribunais
Superiores pátrios não autoriza conclusão afirmativa quanto à tese da admissibilidade das provas
ilícitas pro societate com base no princípio da proporcionalidade. Prevalece o entendimento de
que admitir-se a possibilidade de o direito à prova prevalecer sobre as liberdades públicas,
indiscriminadamente, é criar um perigoso precedente em detrimento da preservação de direitos
e garantias individuais: não seria mais possível estabelecer-se qualquer vedação probatória, pois
todas as provas, mesmo que ilícitas, poderiam ser admitidas no processo, em prol da busca da
verdade e do combate à criminalidade, tornando letra morta o disposto no art. 5º, LVI, da
Constituição Federal (Lima, 2017).
Nas palavras de EDILSON MOUGENOT BONFIM, “por esse princípio, a prova produzida pelas partes integra um
conjunto probatório unitário, podendo favorecer a qualquer dos litigantes” (Bonfim, 2013).
Como exemplos do referido princípio, é possível que um documento juntado pela defesa seja utilizado pela
acusação para comprovar sua tese, ou que o depoimento de uma testemunha de acusação seja empregado
pela defesa em seu próprio favor (Marcão, 2017).
É dizer, “conforme a distribuição do ônus da prova, cabe a cada parte dele desincumbir-se, e, se assim não
proceder, arcará com as consequências que disso decorrem” (Marcão, 2017).
Logo, se na ação penal pública não providenciar o Ministério Público a prova da autoria da
infração e de sua materialidade, a consequência será a absolvição do acusado. Por outro lado,
nada impede o juiz de utilizar, como fator de condenação, o testemunho de pessoa que, apesar
de arrolada pela defesa, tenha contribuído para incriminar o réu, em vez de beneficiá-lo (Avena,
2017).
4 - PRINCÍPIO DA ORALIDADE
Prima-se, no processo penal brasileiro, pela ‘palavra falada’ em detrimento da ‘palavra escrita’, tanto quanto
possível. Verifica-se esse princípio, pois, na inquirição pessoal das testemunhas e no interrogatório do
acusado nas audiências de instrução, por exemplo.
A propósito – e a título de curiosidade, haja vista que este tema será tratado quando do estudo dos
procedimentos –, esse princípio se estende até mesmo para os próprios debates/alegações finais orais após
o término da instrução (art. 403 do CPP), que somente serão por escrito (ou “por memoriais”)
excepcionalmente (art. 403, § 3º).
Busca-se a concentração da produção probatória em uma única audiência de instrução, ou, acaso seja isso
inviável, no menor número de audiências possível. Isso decorre de expressa previsão legal, conforme art.
400, § 1º do CPP:
Este critério de condução do processo, já inserido em diplomas legais, como a Lei 9.099/1995
(art. 81), foi incorporado ao Código de Processo Penal pela Lei 11.719/2008, ao estabelecer, nos
arts. 400, 411 e 431 (procedimento ordinário, rito do júri e procedimento sumário,
respectivamente), a concentração das provas orais em audiência única de instrução (Avena,
2017).
Para RENATO BRASILEIRO, esse subprincípio tem como principal objetivo reduzir ao máximo o tempo entre a
infração penal e o seu julgamento, otimizando-se o resultado e finalidade do processo:
Nada mais é do que a necessidade de que as provas sejam produzidas perante a autoridade judicial, em
vívido contato físico e direto com o meio de prova e com as partes.
Segundo AVENA, é “necessário assegurar ao juiz o contato físico com as provas no ato de sua obtenção,
inclusive para que possa ele conservar em sua memória aspectos importantes do momento em que tenham
sido aquelas provas produzidas e, desse modo, valorá-las com maior exatidão no ato da sentença” (Avena,
2017).
Esse subprincípio encontra mitigação nos casos de expressa previsão legal quanto à possibilidade de
videoconferências na produção das provas, como, por exemplo, a situação do art. 217 do CPP:
Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério
constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do
depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma,
determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Esse dispositivo sintetiza bem o princípio em comento. O juiz que participou da coleta das provas, que teve
contato imediato com as partes e que vivenciou o desenvolvimento do processo é quem deve julgar a causa.
Nada mais lógico.
Constituem uma exceção ao princípio da identidade física as provas colhidas à distância, tais
como os depoimentos produzidos em outras comarcas através de carta precatória (ou rogatória,
se for exterior). Contudo, a jurisprudência tem relativizado bastante o princípio da identidade
física, importando as exceções previstas no art. 132 do antigo CPC (revogado) (Júnior, 2018).
Outrossim, perceba-se que a consagração desse princípio como regra expressa no processo penal é recente,
com o advento da Lei 11.719/2008 que conferiu nova redação ao art. 399, § 2º do CPP, acima transcrito.
Antes disso, “a identidade física do juiz em matéria processual penal só subsistia de maneira muito tímida
em procedimentos cujo rito tinha previsão de audiência una (Juizados Especiais Criminais, Lei nº 9.099/1995)
ou de sessão única de julgamento (Júri)” (Avena, 2017).
Há, portanto, quem diga que esse princípio não constituiria novidade no processo penal, justamente pela
sua existência e aplicabilidade no âmbito dos Juizados e Tribunal do Júri mesmo antes da Lei 11.719/2008
(como o faz RENATO BRASILEIRO DE LIMA); contrariamente, há quem entenda no sentido de que apenas com a
reforma de 2008 é que o princípio passou a, efetivamente, ser assim reconhecido no processo penal
(conforme magistério de NESTOR TÁVORA).
Note-se, no entanto, que essa liberdade encontra limitações expressas tanto no Código de Processo Penal
(nas hipóteses excepcionais do sistema da prova tarifada – conforme explanado) quanto na própria
Constituição Federal (em relação à inadmissibilidade das provas ilícitas). Nesse sentido, frisa MARCÃO:
Essa amplitude, contudo, não é plena, na medida em que vigentes resquícios do sistema de prova
tarifada, conforme se verifica no parágrafo único do art. 155, segundo o qual “Somente quanto
ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”, e no art. 158,
ambos do CPP, que, a seu turno, determina que nas situações em que o delito deixar vestígios
será indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto. A liberdade probatória diz
respeito à produção de provas lícitas (Marcão, 2017).
Conforme art. 231 do CPP, a regra, no processo penal, é a possibilidade de produção de provas a qualquer
tempo:
Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer
fase do processo.
Claro que essa regra comporta exceções. Um claro exemplo é a preclusão do direito de as partes arrolarem
testemunhas se por acaso não o fizerem, respectivamente, Ministério Público/querelante e defesa quando
da apresentação da denúncia/queixa e quando da resposta à acusação – arts. 41 e 396-A do CPP.
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a
classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à
sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar
testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. [grifou-se]
BRASILEIRO também apresenta outro exemplo de limitação temporal à produção probatória, este atinente ao
Tribunal do Júri, previsto no art. 479 do CPP:
Segundo esse dispositivo, durante o julgamento no júri não será permitida a leitura de
documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência
mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreende-se na proibição desse
artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações,
fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar
sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados (Lima, 2017).
A liberdade probatória também abrange a matéria sobre a qual versa a prova. Admite-se seja produzida
qualquer prova (lícita, evidentemente) relevante às questões em discussão no processo.
Frise-se o termo ‘relevante’. Não estão as partes, portanto, livres para produzir provas sobre o que bem
entenderem. Ora, aliado à liberdade probatória, está também o pragmatismo e a objetividade na sua
produção; não há espaço, em um processo penal, para a discussão de frivolidades que nada contribuam para
a solução da causa. Aliás, o próprio CPP confere ao juiz a possibilidade de indeferir provas que considere
impertinentes ou protelatórias, conforme art. 400, § 1º:
A liberdade probatória também abrange os meios de prova. Confere-se às partes ampla liberdade no método
utilizado para a comprovação de suas alegações, não estando elas sujeitas a modelos probatórios fechados,
restritos, taxativos.
O Código disciplina os seguintes meios de prova: o exame de corpo de delito e outras perícias
(arts. 158 a 184), o interrogatório do acusado (arts. 185 a 196), a confissão (arts. 197 a 200), as
perguntas ao ofendido (art. 201), as testemunhas (arts. 202 a 225), o reconhecimento de pessoas
ou coisas (arts. 226 a 228), a acareação (arts. 229 e 230), os documentos (arts. 231 a 238), os
indícios (art. 239) e a busca e apreensão (arts. 240 a 250). Os indícios, como adiante se verá, não
são meios de prova. Esses são os chamados meios legais. Outros, porém, são admissíveis, desde
que consentâneos com a cultura do processo moderno, ou seja, que respeitem os valores da
pessoa humana e a racionalidade. É admissível, portanto, uma inspeção judicial, não disciplinada
expressamente no Código de Processo Penal, mas adequada ao processo ocidental, tanto que
está prevista no Código de Processo Civil. Não serão admissíveis as ordálias, ou juízos divinos,
segundo as quais as pessoas eram submetidas a provas físicas para demonstrar que tinham razão.
Igualmente inadmissível a prova fundada em crença sobrenatural que escapa às limitações da
razão, conforme atualmente reconhecida (Filho, 2012).
Não há, pois, no processo penal, uma ‘taxatividade’ dos meios de provas, como bem assenta BRASILEIRO:
Não vigora no CPP o denominado princípio da taxatividade das provas, segundo o qual somente
se admite a utilização das provas previstas de maneira específica na lei. Exemplo dessa liberdade
probatória diz respeito à possibilidade de se utilizar o reconhecimento fotográfico de pessoa,
ainda que a lei tenha previsto apenas o reconhecimento presencial (art. 226 a 228 do CPP) (Lima,
2017).
A esse propósito, inclusive, note-se o que dispõe o art. 155, parágrafo único:
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.
Percebe-se um cuidado especial do legislador no que tange à comprovação do estado de pessoas, exigindo-
se para tanto a apresentação e juntada de competente certidão ou documento oficial hábil. Não obstante, é
possível concluir que, nos demais casos, estão as partes dotadas de ampla liberdade nos meios de prova
empregados (sem se olvidar, é claro, das demais limitações referentes ao momento, tema/matéria e
licitude).
Não bastasse isso, o próprio Código de Processo Civil (que tem aplicação supletiva e subsidiária ao CPP), em
seu artigo 369, permite às partes a utilização de todos os meios de prova admitidos em direito, ainda que
não tipificados, para se desincumbirem de seu ônus probatório:
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente
legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que
se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Ora, se há no processo civil – que tem como objeto das lides, regra geral, bens jurídicos de natureza
disponível – tamanha liberdade em relação aos meios de prova, imagine-se, então, no bojo do processo
penal, em que estão em jogo os bens jurídicos de maior importância para a sociedade e seus indivíduos.
Fica claro, pois, que também vigora, no processo penal, essa mesma liberdade.
Note-se, todavia, que, para além das limitações quanto ao momento, tema e licitude da prova, existem casos
em que a própria legislação estabelece restrições a alguns meios probatórios, seja determinando um meio
específico para que se comprove determinado fato (como no já multicitado art. 155, parágrafo único do CPP,
e demais situações-resquícios do sistema da prova tarifada); seja proibindo expressamente certos meios de
prova (como as situações descritas no art. 207 do CPP – sigilo profissional de testemunhas). Sobre esse último
enfoque, vejam-se as seguintes disposições legais:
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar
o seu testemunho.
Art. 243. § 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado,
salvo quando constituir elemento do corpo de delito.
Doutrina complementar
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017):
“(...) a doutrina e a jurisprudência majoritárias há longo tempo têm considerado possível a
utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou,
então, de comprovar um fato importante à sua defesa. Para tanto, é aplicado o princípio da
proporcionalidade, também chamado de princípio do sopesamento, o qual, partindo da
consideração de que ‘nenhum direito reconhecido na Constituição pode revestir-se de caráter
absoluto’, possibilita que se analise, diante da hipótese de colisão de direitos fundamentais, qual
é o que deve, efetivamente, ser protegido pelo Estado. Na ótica deste entendimento, imagine-
se uma prova obtida mediante interceptação telefônica não autorizada judicialmente (conduta
criminosa, conforme reza o art. 10 da Lei 9.296/ 1996), em franca violação à intimidade de
alguém e em total desacordo com a regra do art. 5. º, XII, fine, da Constituição Federal, mas que
seja capaz de provar a inocência do acusado. De um lado, há essa prova, flagrantemente ilícita
em razão do afrontamento direto à Magna Carta. De outro há o caput do mesmo dispositivo
constitucional assegurando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, entre outros, o
direito à liberdade. No balanceamento comparativo entre esses dois fatores, mais do que o
direito à intimidade violada, releva o direito à liberdade do réu, que não poderá sofrer uma
condenação injusta. Por isso, em seu favor, tem-se considerado razoável e proporcional utilizar
a prova ilicitamente obtida. Em derradeiro, perceba-se que, se, nas condições apontadas, admite-
se a utilização da prova ilícita em favor do réu, o mesmo não ocorre quando se tratar de fazer
prova contra ele. Em outras palavras, a maioria doutrinária e jurisprudencial tende a não aceitar
o princípio da proporcionalidade como fator capaz de justificar a utilização da prova ilícita em
favor da sociedade, ainda que se trate do único elemento probatório carreado aos autos passível
de conduzir à condenação do réu”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), acerca da
admissibilidade de provas ilícitas em favor do acusado, pondera: “Não se trata de permitir a
prova ilícita apenas para evitar erro judiciário, pois, se assim fosse, o Ministério Público e o
querelante também poderiam produzir prova ilícita, e a desordem constitucional se implantaria
fácil, desastrosa e definitivamente. É defensável, na hipótese, a inexigibilidade de conduta
diversa por parte do acusado, ou até mesmo estado de necessidade, de modo a reconhecer ter
agido acobertado por causa de exclusão da antijuridicidade e, portanto, licitamente. Em síntese,
sabendo que nenhum direito é absoluto, e bem delineado o confronto de valores que se
estabelece no processo penal, é possível admitir a prova ilícita produzida pela defesa. Tal
permissão deve levar em conta a situação do caso concreto, de modo que só deverá ser acolhida
e valorada a prova ilícita quando o acusado não dispuser de meios lícitos para demonstrar sua
inocência”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “A questão que se
coloca é a de saber até que ponto as garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal
e à preservação da intimidade do acusado podem ser flexibilizadas, diante da ponderação dos
valores contrastantes entre indivíduo e sociedade. Em outras palavras: como proceder diante de
um eventual conflito entre as garantias constitucionais protetivas do cidadão, derivadas do
devido processo legal, e o interesse da sociedade no combate à criminalidade? Nosso
entendimento: não é razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer
prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a
intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da
Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer.
Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o juiz poderá admitir
uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenação
injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição
antagônica precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado. [...] Em outras
palavras, o direito à liberdade (no caso da defesa) e o direito à segurança, à proteção da vida, do
patrimônio etc. (no caso da acusação) muitas vezes não podem ser restringidos pela prevalência
do direito à intimidade (no caso das interceptações telefônicas e das gravações clandestinas) e
pelo princípio da proibição das demais provas ilícitas. Entra aqui o princípio da proporcionalidade,
segundo o qual não existe propriamente um conflito entre as garantias fundamentais. No caso
de princípios constitucionais contrastantes, o sistema faz atuar um mecanismo de harmonização
que submete o princípio de menor relevância ao de maior valor social. [...] A aceitação do
princípio da proporcionalidade pro reo não apresenta maiores dificuldades, pois o princípio que
veda as provas obtidas por meios ilícitos não pode ser usado como um escudo destinado a
perpetuar condenações injustas. Entre aceitar uma prova vedada, apresentada como único meio
de comprovar a inocência de um acusado, e permitir que alguém, sem nenhuma
responsabilidade pelo ato imputado, seja privado injustamente de sua liberdade, a primeira
opção é, sem dúvida, a mais consentânea com o Estado Democrático de Direito e a proteção da
dignidade humana. No que tange ao princípio da proporcionalidade pro societate, consistente
na admissibilidade das provas ilícitas, quando demonstrada a prevalência do interesse público na
persecução penal, a tendência atual da jurisprudência dos Tribunais Superiores é a da sua não
adoção. De acordo com esse entendimento, a não admissão de mecanismos de flexibilização das
garantias constitucionais tem o objetivo de preservar o núcleo irredutível de direitos individuais
inerentes ao devido processo legal, mantendo a atuação do poder público dentro dos limites
legais. As medidas excepcionais de constrição de direitos não podem, assim, ser transformadas
em práticas comuns de investigação”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “A palavra comunhão
vem do latim communione, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em
crenças, ideias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma
vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido
levada apenas por um deles. Contudo, a Lei no 11.719/2008 excepciona a prova testemunhal: se
o Ministério Público arrola Tício como testemunha, pode desistir de sua oitiva sem o
consentimento da parte contrária e vice-versa, salvo o juiz que poderá ouvir a testemunha, se
quiser (art. 401, § 2º, do CPP). [...] O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico
dos princípios da verdade processual e da igualdade das partes na relação jurídico-processual,
pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão
do meio de prova levado aos autos”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016),
concernente à prova testemunhal, em sentido diverso, sustenta: “A prova não pertence à parte
que a produziu e sim ao processo. Se a parte deseja desistir de prova que tenha proposto, a parte
contrária deve obrigatoriamente ser ouvida. Em havendo aquiescência, ainda assim o magistrado
poderá determinar de ofício a realização da prova. Deve ser analisada com cautela a previsão do
art. 401, § 2º, do CPP, autorizando que a parte desista de qualquer das testemunhas arroladas,
ressalvando apenas a possibilidade do magistrado determinar a oitiva de ofício. Apesar da
omissão legal, se a parte contrária insistir na oitiva, a testemunha deve ser ouvida, em atenção
ao princípio da comunhão”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “Princípio da
oralidade: (...) deve haver a predominância da palavra falada (depoimentos, debates, alegações);
os depoimentos são orais, não podendo haver a substituição por outros meios, como as
declarações particulares. Como corolário desse princípio, decorrem outros dois subprincípios,
quais sejam, o da imediatidade do juiz com as partes e com as provas e o da concentração. A
reforma processual penal, operada pelas Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008, primou pelo
princípio da oralidade, (...). Princípio da concentração: como consequência do princípio da
oralidade, busca-se concentrar toda a produção da prova na audiência”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017), a respeito do
princípio da imediatidade, leciona: “Decorre da proximidade do juiz com a prova por ele colhida.
Quando procede ao interrogatório do acusado; à tomada de declarações da vítima ou à inquirição
de testemunha, pela imediatidade que haverá entre eles (proximidade entre o juiz e a pessoa por
ele ouvida em audiência), o juiz reunirá condições de compreender melhor a cena em que os
fatos se deram; o ambiente em que o delito ocorreu; aferir o nível de cultura ou simplicidade dos
envolvidos; o grau de confiabilidade e segurança das informações colhidas etc.”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “O princípio
da oralidade é explicitamente previsto para os processos de competência dos Juizados Especiais
Criminais. No procedimento ordinário, a oralidade é relativizada, (...). Princípio da concentração.
As provas, tanto quanto possível, deverão ser produzidas em audiência, salvo nas hipóteses de
urgência ou de necessidade de realização antecipada”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Por ocasião da
reforma parcial que ocorreu com o advento da Lei n. 11.719/2008, o princípio da identidade física
do juiz foi introduzido no CPP e está regulado no art. 399, § 2º, nos seguintes termos: O juiz que
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “Note-se
que o princípio da identidade física do juiz só se tornou expresso no direito processual penal com
a edição da Lei nº 11.719/2008, que tornou texto positivo a regra do § 2º, do art. 399, do CPP, ao
dizer que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. Antes de tal modificação, a
identidade física do juiz em matéria processual penal só subsistia de maneira muito tímida em
procedimentos cujo rito tinha previsão de audiência una (Juizados Especiais Criminais, Lei nº
9.099/1995) ou de sessão única de julgamento (Júri). Diante dessas peculiaridades, há doutrina
que sustenta que o princípio da identidade física do juiz não é novidade no direito processual
penal. Pensamos, contudo, que só com a reforma de 2008, tal princípio foi efetivamente
reconhecido como princípio processual penal”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018), a respeito das limitações
impostas à liberdade probatória no processo penal, aduz, apresentando esclarecedores
exemplos: “O princípio da liberdade da prova é um consectário lógico do princípio da verdade
processual, ou seja, se o juiz deve buscar sempre a verdade dos fatos que lhe são apresentados,
óbvio nos parece que tem toda a liberdade de agir, com o fim de reconstruir o fato praticado e
aplicar a ele a norma jurídica que for cabível. [...] A liberdade da prova, portanto, não é absoluta,
pois muitas vezes o juiz estará coarctado em sua pesquisa sobre a verdade dos fatos. O
fundamento dessa limitação está em que a lei considera certos interesses de maior valor do que
a simples prova de um fato, mesmo que seja ilícito. Pois os princípios constitucionais de proteção
e garantia da pessoa humana impedem que a procura da verdade utilize-se de meios e
expedientes condenáveis dentro de um Estado Democrático de Direito. [...] Primeira limitação.
Prova do estado civil. A prova do estado civil das pessoas está sujeita às limitações impostas pela
lei civil (cf. art. 155, parágrafo único, do CPP, com redação da Lei no 11.690/2008). Primeiro
exemplo: a pena imposta, ao agente casado, em decorrência da prática do crime de estupro,
somente podia ser aumentada da quarta parte (cf. art. 226, III, do CP – esse inciso foi revogado
pela Lei no 11.106/2005) se houvesse nos autos a certidão de casamento (cf. Código Civil, art.
1.543 – Lei no 10.406/2002), pois somente a prova testemunhal, mesmo que submetida ao crivo
do contraditório, não autorizava o juiz a aumentar a pena, pois prova do casamento faz-se pela
lei civil: certidão de casamento (Obs.: Não obstante a revogação do inciso III do art. 226 pela Lei
no 11.106/2005, mantivemos o exemplo por questões didáticas). [...] Segunda limitação.
Questões prejudiciais. Questões são controvérsias, discussões, contendas que devem ser
apreciadas pelo juiz. Prejudicial é palavra formada de prae e judicare, ou seja, prévio e
julgamento. Aquilo que deve ser julgado antes, previamente. Assim, questões prejudiciais são as
discussões que surgem no curso do processo e que devem ser julgadas antes do julgamento da
questão principal. Exemplo: no crime de bigamia (contrair alguém, sendo casado, novo
casamento – art. 235 do CP), o réu alega que seu primeiro casamento foi declarado nulo e que,
por isso, casou novamente. Se realmente seu primeiro casamento foi declarado nulo, não há
crime. Assim, a questão de sabermos se realmente é ou não nulo o primeiro casamento impede
a continuidade do processo criminal. Porém, é questão que deve ser decidida no juízo cível e não
no penal. Aqui há uma limitação à liberdade do juiz penal na busca da verdade. O juiz criminal
está vinculado ao que for decidido no juízo cível. Terceira limitação. Crime falimentar. O juiz
penal fica coarctado em sua pesquisa sobre a validade da sentença que declarou a quebra no
juízo falimentar ou concedeu a recuperação judicial. Não lhe é lícito pesquisar se a sentença
declaratória da falência é nula ou não. Assim, declarada a falência ou concedida a recuperação
judicial (art. 187 da Lei no 11.101/2005), inicia-se a ação penal, porém, durante o curso desta,
não pode o juiz penal questionar sobre a validade da sentença declaratória de falência. É uma
limitação à liberdade da prova. Quarta limitação. Outra limitação imposta pela Lei diz respeito
ao segredo profissional, previsto no art. 207 do CPP, tornando inadmissível o depoimento das
pessoas que devam guardar segredo, bem como a apreensão de documento em poder do
defensor, que é vedada pela lei (cf. art. 243, § 2º, do CPP). Por conclusão, deve-se compreender
que há o princípio da liberdade da prova, inerente ao princípio da verdade processual, porém
não absoluto. Sofre restrições previstas em lei. Acima, enumeramos apenas algumas para que o
leitor possa entender o caráter de sua relatividade”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, vol. 3, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010), em
uma robusta síntese sobre as diversas limitações à liberdade probatória, aduz: “Em princípio,
há, pois, uma liberdade na procura da verdade real, quer na fase de investigação policial, como
se; infere' dos incs. IV, V, VI, VII, VIII, IX do art., 6º do CPP, com especial ênfase para o inc. III, onde
se fala de ‘todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias’,
quer na fase instrutória, como se dessume pela redação do parágrafo único do art. 155 do mesmo
estatuto. Assim, não há, em princípio, nenhuma restrição aos meios de prova, com ressalva,
apenas e tão somente, daqueles que repugnam a moralidade ou atentam contra a dignidade da
pessoa humana. E por que não são admissíveis? Em face de limitações impostas por princípios
constitucionais e até mesmo de Direito Material. Por essas razões, não se admitem as provas
conseguidas mediante tortura, como os interrogatórios fatigantes, exaustivos, mesmo porque
obtidos com preterição da norma contida no art. 5º, III, da Lei Maior. Metem-se a rol entre as
provas não permitidas aquelas objeto de captação clandestina de conversações telefônicas (CF,
art. 5º, XII), de microfones dissimulados para captar conversações íntimas, o diário, onde algumas
pessoas registram, com indisfarçável nota de segredo, os acontecimentos mais importantes do
seu dia-a-dia. Tais provas não podem ser permitidas porque violatórias da vida íntima da pessoa,
e, como se sabe, a Constituição dá proteção à privacidade, como se constata pelo art. 5º, X e XII.
[...] Também porque violadoras das normas contidas nos incs. II e III do art. 52 da Lei das Leis,
não podem ser admitidas as provas conseguidas por meio de hipnose, narcoanálise
(estupefacientes em geral), lie-detector, retinoscópio etc. [...] Apenas essas as restrições à prova?
Não. O parágrafo único do art. 155 do CPP restringe a prova no que tange ao estado civil das
pessoas: ‘somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas
na lei civil’. [...] Há outras restrições à prova. O Juiz penal não pode determinar a realização de
provas a respeito de questões prejudiciais heterogêneas (CPP, arts. 92 e 93); o Juiz penal não
pode fazer pesquisa sobre a validade ou invalidade da sentença declaratória da falência. A
reincidência só se prova mediante certidão da sentença condenatória com a nota explicativa de
haver transitado em julgado. O Juiz penal não pode decretar extinta a punibilidade pela morte
do agente se não for juntada aos autos a respectiva certidão de óbito, nos termos do art. 62 do
CPP. E mais restrições existem, haja vista as normas que se contêm nos arts. 207, 233, 243, § 2º,
e 158 do CPP. Acrescente-se, ainda, a exigência da cópia do decreto para o reconhecimento da
graça ou indulto (art. 192 da LEP), das certidões e atestados referidos nos incs. I, II e III do art.
Jurisprudência pertinente
[...] 1. O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, devendo a parte fazer prova do
prejuízo, o que não ocorreu na espécie. [...] (AgRg no HC 626.476/RJ, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 12/03/2021).
[...] 1. O princípio da identidade física do juiz sofre mitigações, conforme entendimento desta
Corte. Assim, a substituição do magistrado em decorrência de férias, promoção, convocação,
licença, aposentadoria ou afastamento por qualquer motivo não configura ofensa ao princípio
da identidade física do juiz. [...] (AgRg no AREsp 1394712/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021).
[...] VII - De acordo com o princípio da aquisição processual ou da comunhão da prova, as provas
com que a parte instrui os autos - aí incluídos os documentos - passam a pertencer ao processo
e, nessa medida, podem ser empregadas para a persuasão racional do magistrado
independentemente de quem a tenha produzido. Desse modo, a fundamentação das decisões
das instâncias ordinárias com base em documentos fornecidos pela recorrente em sede de
contrarrazões apresentadas em recurso em sentido estrito não pode ser interpretado como
violação ao princípio da não auto-incriminação. [...] (AgRg no RHC 124.024/PR, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 29/09/2020).
PROVA VEDADA/ILEGAL
Vige no processo penal, com algumas limitações, o princípio da liberdade probatória. O direito à prova, como
acontece com outros direitos, não é absoluto e sofre limitações. Acabamos de ver algumas.
ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO apresenta razões de exclusão de prova baseadas em duas
distintas razões: (a) finalidades processuais; (b) finalidades extraprocessuais: privileges e prova
ilícita. O primeiro grupo (exclusão da prova com finalidades processuais) é relativamente comum
no sistema processual penal. Assim têm-se, como exemplo, hipóteses de limitação na oitiva de
determinadas testemunhas (crianças etc.), as limitações constantes do art. 155 do CPP (limitação
no processo penal de prova quanto ao estado civil das pessoas) e o disposto no art. 62 do CPP
(exigência da certidão de óbito para declaração de extinção da punibilidade).
Quanto ao segundo grupo, tem-se os privileges e a prova ilícita [...]. Acerca dos privileges afirma
GOMES FILHO que “podem ser lembrados o que protege o acusado da autoincriminação (privilege
against self-incrimination), os referentes ao sigilo profissional (physician-patient privilege, client-
attorney privilege, journalist’s source privilege), o relacionado às relações conjugais (marital
privilege) etc.”. Infelizmente a tradução literal do termo privilege por privilégio acaba por induzir
o estudante em erro e tirando completamente de foco a sua importância. Dados os abusos que
existem em nosso país desde seu descobrimento, há hoje natural aversão pelo brasileiro a
qualquer “privilégio” de qualquer grupo. É bom que assim seja, no entanto, as armas devem estar
apontadas para o local correto, sob pena de inocentes serem indevidamente feridos. Explico. Os
privileges de que falamos aqui não são privilégios que hoje tanto ódio causam ao brasileiro (com
razão, aliás). Estes privilégios deveriam ser mais bem entendidos como garantias. A garantia do
sigilo do cliente e advogado não é um privilégio, pois nada de escuso possui. Não é violador do
princípio da igualdade, mas condição para o bom desenvolvimento da atividade profissional do
advogado e da própria justiça (Dezem, 2018).
“Um dos direitos decorrentes do devido processo legal – due processo of law [...] – é o direito de produzir
prova. A busca pela prova – sobretudo por parte dos agentes do Estado (Polícia, Ministério Público e
Judiciário) é livre, ampla, mas regulamentada, submete-se a normas, de direito material e processual, que
visam evitar o arbítrio, a perseguição, e mesmo a prática de delitos, justamente por agentes do Estado que
deveriam combater o crime e não, eles próprios, praticá-los a pretexto de apura-los” (Campos, 2018).
Poderíamos indagar, ainda, sobre o fundamento e o significado dessa norma constitucional. MARINONI &
ARENHART bem explicam:
A razão de ser da proibição inserida no art. 5º, LVI, da CF está na insuficiência de sancionar a
prova ilícita apenas no plano do direito material. Para uma maior proteção dos direitos, é preciso
negar eficácia a tais provas no processo. Essa constatação, embora simples, é extremamente
importante para a compreensão do tema das provas ilícitas. O art. 5º, LVI, da CF não vedou a
violação do direito material para a obtenção de prova – pois isso já está proibido por outras
normas, mas proibiu que tais provas tenham eficácia no processo. Por outro lado, não é correto
imaginar que a proibição da prova ilícita surgiu da necessidade de se garantir a descoberta da
verdade no processo, pois não se pode ignorar que alguém pode se ver tentado a obter uma
prova de forma ilícita justamente para demonstrar a verdade. Na realidade, se tais provas não
Os mesmos autores discorrem, ainda, sobre a ‘opção’ que o processo penal fez e a ausência de opção no
processo civil:
A influência do processo penal sobre a ideia de proibição de prova ilícita é muito grande. Como
nesse setor a obtenção da prova é deferida à polícia, em uma fase anterior ao processo, é visível
a necessidade de se colocar freios na atividade policial, com o objetivo de impedir a obtenção de
provas mediante a violação de direitos fundamentais materiais. Para dissuadir o agente público
de obter prova em desrespeito aos direitos, nada mais eficaz do que proibir a sua utilização no
processo. Nessa situação há um processo em que se enfrentam o Estado – titular da pretensão
punitiva – e o particular – titular do direito de liberdade. Nesse caso, porém, há nítida preferência
pelo direito de liberdade, que se coloca em posição de supremacia em relação à pretensão
punitiva estatal. A diferença entre os processos penal e civil se torna nítida quando se constata,
por exemplo, que as partes têm o dever de dizer a verdade no processo civil, enquanto que o
réu, no processo penal, deve ser informado do seu direito de permanecer calado. Como se vê, a
busca da verdade é tratada de modo totalmente diverso em tais processos. [...]
Além do mais, não se pode esquecer que o processo penal é marcado pela chamada presunção
de inocência, ou pela proibição de o juiz condenar o réu quando não está convencido da verdade
– o que não ocorre no processo civil. Essa diferença reflete a distinção entre os bens próprios a
cada um desses processos. Enquanto no processo penal o direito de permanecer calado e a
presunção de inocência derivam da proeminência do direito de liberdade, no processo civil – não
havendo como definir, em abstrato, o bem de maior relevo – ambas as partes têm o dever de
dizer a verdade e, em alguns casos, o juiz pode dar tutela ao direito do autor com base em
convicção de verossimilhança. De modo que as diferentes realidades, situadas em cada um
desses processos, não podem deixar de ser levadas em consideração, quando se pensa na prova
obtida de modo ilícito. Ao se tentar uniformizar a maneira de compreender o processo penal e o
processo civil, é possível cair no engano de pensar a prova ilícita como algo que não tem qualquer
relação com as diversas situações postas nesses diferentes processos. Contudo, como dito, o
processo penal dá maior relevo ao direito de liberdade, ao passo que o processo civil não faz
opção por nenhum dos direitos que podem colidir (pois ela não pode ser feita em abstrato),
deixando essa opção para o juiz, diante do caso concreto. Isso quer dizer que a norma do art. 5º,
LVI, da CF pode ser conjugada com a opção do processo penal, mas, quando pensada em face do
processo civil, apenas pode se ligar a uma falta de opção, ou melhor, à necessidade de que essa
opção seja feita diante do caso concreto (Marinoni, et al., 2015).
Ainda tentando explicar as razões de se vedar a prova ilícita, poderíamos cogitar: não
seria melhor aceitar uma prova ilícita, na pretensão de descobrir a verdade, e apenas
punir aquele que a produziu de forma ilícita? Concordemos ou não, sem dúvida NÃO
foi essa a escolha feita pelo nosso ordenamento jurídico; ao contrário, reagimos
duramente contra essa possibilidade. Quem bem explica é GUILHERME MADEIRA:
Trata-se de reação ao “male captum bene retentum” (em tradução livre, “mal colhida, bem
conservada”). Esta expressão tem o sentido de que deveria ser utilizada a prova colhida
ilicitamente e apenas deveria ser punido aquele que a produziu de maneira ilícita. Quando se
analisa a história, contudo, verifica-se que não foi isso que aconteceu. A complacência do Estado
com os agentes de estado que produziam a prova ilícita fazia com que, invariavelmente, não
fossem eles punidos. Esta quase certeza de não punição também acabava por estimular o Estado
a praticar atos violadores de direitos fundamentais na produção probatória. Diante deste quadro
é que se desenvolve a teoria da prova ilícita e seus efeitos. Ela visa sancionar o Estado por más
práticas na produção probatória. [...] nunca podemos nos esquecer, mesmo quando do estudo
da admissibilidade da prova ilícita, que a regra é a inadmissibilidade da prova ilícita. Apenas de
maneira excepcional é que poderá ser utilizada a prova ilícita sob pena de, com o uso das teorias
[...] transformar a exceção em regra (Dezem, 2018).
BRASILEIRO também pondera sobre essa opção constitucional – por vezes, incompreendida – num Estado
Democrático de Direito:
[...] em um Estado Democrático de Direito, a descoberta da verdade não pode ser feita a qualquer
preço. Mesmo que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo
justo, condizente com o respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, não
se pode admitir a utilização em um processo de provas obtidas por meios ilícitos. A eficiência
processual, compreendida como a funcionalidade dos mecanismos processuais tendentes a
alcançar a finalidade do processo, que é a apuração dos fatos e das responsabilidades, não pode
prescindir do respeito aos direitos e garantias fundamentais, sob pena de deslegitimação do
sistema punitivo. Deveras, seria de todo contraditório que, em um processo criminal, destinado
à apuração da prática de um ilícito penal, o próprio Estado se valesse de métodos violadores de
direitos, comprometendo a legitimidade de todo o sistema punitivo, pois ele mesmo estaria se
utilizando do ilícito penal. Além da proteção aos direitos e garantias fundamentais, a vedação
das provas ilícitas também funciona como uma forma de controle da regularidade da persecução
penal, atuando como fator de inibição e dissuasão à adoção de práticas probatórias ilegais.
Cumpre, assim, eminente função pedagógica, ao mesmo tempo em que tutela direitos e
garantias assegurados pela ordem jurídica (Lima, 2018).
Num primeiro momento da história do direito processual a opção não foi essa (a de exclusão da prova). A
prova ilícita era considerada válida como elemento de convicção no processo a que se referia; apenas quem
fosse o responsável pela ilicitude poderia ser responsabilizado. Era o predomínio da máxima male captum
bene retentum – mal colhida (a prova) era bem retida no processo. Segundo ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO:
No Brasil, durante muito tempo vigorou nessa matéria o que RICARDO CINTRA TORRES DE CARVALHO
denominou “princípio da veracidade da prova”, segundo o qual a prova era analisada pela carga
de convencimento que continha, abstraída a forma de sua obtenção; eventual irregularidade era
vista como matéria de ilícito administrativo ou penal, a ser apurada em órbita própria, sem
repercussão em sua admissibilidade (Moura, 2008).
Na atualidade, todavia, a Lei Maior (art. 5º, LVI) seguiu caminho diverso e não admitiu as provas obtidas por
meios ilícitos. Negou validade à conhecida máxima de que os fins justificam os meios. “Entre a busca
desenfreada e sem limites da verdade dos fatos se interpõe um limite ético, que é justamente o respeito aos
direitos e garantias individuais” (Campos, 2018).
Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas
normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no
que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da
regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas
probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido,
cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo que tutela determinados valores
reconhecidos pela ordem jurídica. A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas
com violação de direito, com efeito, presta-se, a um só tempo, a tutelar direitos e garantias
individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado
no processo (Pacelli, 2018).
Eis precedente com a visão do decano do Supremo Tribunal Federal, Ministro CELSO DE MELLO:
[...] A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se
instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios
ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que
tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções
concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em
norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os
postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer
prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de
violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em
consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a
fórmula autoritária do "male captum, bene retentum" (RHC 90376, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/04/2007).
2 - PROVA ILÍCITA
É o tema mais relevante e talvez o mais cobrado em concursos públicos, no que se refere à teoria geral da
prova. A noção de prova ilícita foi concebida, em sua essência, pela jurisprudência da Suprema Corte Norte
Americana.
Em tradução livre do autor: O direito do povo de estar protegido em sua inviolabilidade pessoal,
em casas, papéis e bens móveis, contra buscas e apreensões, não será violado e nenhuma ordem
será emitida, salvo se houver causa provável, amparada por juramento ou afirmação,
especificamente descrevendo o local a ser procurado e as pessoas ou coisas a serem apreendidas
(Dezem, 2018).
Nesse contexto, consoante pondera DENILSON FEITOZA, fazendo remissão a JEROLD H. ISRAEL e WAYNE R. LAFAVE,
“a proibição contra a admissão, no processo, de prova obtida inconstitucionalmente tem sido conhecida
como princípio da exclusão ou, conforme denominação mais empregada em português, regra de exclusão
(exclusionary rule), que equivale, em terminologia brasileira, ao princípio da inadmissibilidade das provas
obtidas por meios ilícitos ou princípio da licitude”. Pela semelhança das concepções inaugurais, vale a pena
conhecer, em breve apanhado, a evolução do tema no processo penal dos Estados Unidos da América:
Em 1914, no caso Weeks versus United States, a Suprema Corte americana estabeleceu que o
“princípio da exclusão” (“exclusionary rule”) era aplicável aos processos federais. Nesse caso, a
Suprema Corte decidiu que prova obtida com violação à 4ª Emenda por “policiais federais” seria
banida de um processo federal. Entretanto, as cortes estaduais americanas resistiram à adoção
do “princípio da exclusão”, chegando ao ponto de, em 1949, trinta cortes estaduais o rejeitarem.
Em 1961, no caso Mapp v. Ohio, a Suprema Corte americana estendeu o “princípio da exclusão”
aos processos estaduais, afirmando que toda prova obtida por meio de buscas e apreensões (e
prisões) com violação da Constituição é inadmissível numa corte estadual. Até o caso Mapp v.
Ohio, cinco fundamentos surgiram para a exclusão de provas ilícitas: 1) as implicações da 5ª
Emenda; 2) a necessidade de impedir uma violação continuada à privacidade individual por meio
da introdução da prova ilícita; 3) as implicações naturais do direito de recurso; 4) o imperativo
da integridade judicial; 5) a necessidade de dissuadir (prevenir) futuras violações. Desde o caso
Mapp v. Ohio, os três primeiros foram completamente rejeitados pela Suprema Corte, o quarto
passou a ter uma importância claramente secundária e o quinto emergiu como a razão crucial. A
justificação primária para o “princípio da exclusão”, no caso Weeks v. U.S., foi a necessidade de
evitar a confirmação judicial de ações inconstitucionais da polícia. As cortes não poderiam tornar-
se cúmplices da desobediência intencional da Constituição, a qual eles tinham jurado preservar
(caso Elkins v. U.S., 1960). A exclusão da prova ilícita assegura às pessoas – todas potenciais
vítimas de conduta estatal ilícita – que o governo não terá proveito de sua conduta ilícita,
minimizando-se, assim, o risco de seriamente minar a confiança popular no governo (caso U.S. v
Calandra, 1974). O entendimento majoritário posterior, contudo, deu menor peso ao
fundamento da “integridade judicial”. Como vimos, o fundamento que se tornou prevalente foi
o da dissuasão ou prevenção de futuras violações. O propósito do “princípio da exclusão” é
dissuadir, intimidar, prevenir – compelir ao respeito pelas garantias constitucionais da única
maneira válida efetivamente – pela remoção do incentivo ao seu desrespeito (caso Elkins v.
Se um policial obtém uma prova mediante uma busca e apreensão feitas com violação ilegal de
domicílio e tal prova não é admitida no processo em razão do “princípio da exclusão” (ou
princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos), isso dissuadirá o policial de
continuar, em casos futuros, a agir assim, pois seu esforço de nada valerá. No caso do Brasil, por
exemplo, o número de condenações de policiais por crime de abuso de autoridade ou por crime
de tortura é baixíssimo, apesar das notícias constantes de tais práticas na obtenção de provas. O
raciocínio de que uma prova obtida ilicitamente por um policial poderia ser admitida, mas
punindo-se criminalmente o policial pela ilicitude, é um incentivo a que policiais continuem a
obter provas ilicitamente, tendo em vista esse baixo índice de condenações. Portanto, o escopo
principal do princípio da ilicitude, nos moldes em que vem sendo entendido nos Estados Unidos,
aplica-se adequadamente ao contexto brasileiro, a saber, o de prevenir futuras violações das
normas constitucionais. De que valerá um policial obter uma confissão mediante tortura, se tal
confissão não for admitida no processo? Que vantagem terá o policial em apreender um objeto
com violação ilegal de domicílio, se tal prova não for admitida? Entretanto, no Brasil, tem havido
grande dificuldade de se inadmitir prova obtida por meio ilícito quando se acredita na sua
veracidade. Como se ignorar um objeto que foi visto e se sabe que existe? Isso decorre da quase
milenar cultura inquisitiva na qual estamos imersos [...]. Essa cultura inquisitiva atribuiu a uma
“verdade processual” um caráter absoluto e quase divino, que não poderia ser ignorada, seja
qual fosse seu custo, pois uma verdade possibilitaria a ilusão de uma “justiça absoluta”, a
transcendência de uma justiça quase divina, aquela que tudo sabe e tudo conhece (Feitoza,
2008).
Antes da Lei 11.690/2008 era basicamente a doutrina que se preocupava com a definição do que se
compreendia por prova ilícita; doutrina que se baseava muito nas lições de PIETRO NUVOLONE. Nessa
concepção, fazia-se uma distinção entre provas ilícitas e provas ilegítimas, ambas fazendo parte do gênero
prova vedada (também chamada de prova ilegal).
Prova ilícita: “as que violam norma de direito material. As provas ilícitas dizem respeito à obtenção ou coleta
da prova. Por exemplo, as declarações do indiciado ou réu colhidas sob tortura. No caso, há violação de uma
norma material, a saber, a norma penal incriminadora que prevê a conduta como crime de tortura (Lei
9.455/1997)”;
Prova ilegítima: “as que violam norma de direito processual. As provas ilegítimas dizem respeito à produção
da prova. Por exemplo, a elaboração do laudo pericial com apenas um perito quando a lei exigia dois peritos
(art. 159, caput, do CPP, na redação revogada que era dada pela Lei 8.862/1994)” (Feitoza, 2008). Outro
exemplo dado pela doutrina é aquele de ser lido, em plenário do júri, documento que não tenha sido juntado
com três dias de antecedência - haverá nulidade da prova e não ilicitude (violação do art. 479 do CPP).
“Legítimo, etimologicamente, é que o que está de acordo com a lei (lex, legis). É o que tem fundamento em
lei; tem forma e conteúdo conformes à lei. Em sentido translato, legítimo também significa genuíno,
autêntico, puro, verdadeiro” (Tornaghi, 1977).
em geral e dos dados (CF, art. 5°, XII), vedação ao emprego da tortura ou de tratamento
desumano ou degradante (CF. art. 5°, III), respeito à integridade física e moral do preso (CF, art.
5°, XLIX), etc. Exemplificando, se determinado indivíduo for constrangido a confessar a prática
do delito mediante tortura ou maus-tratos, tem-se que a prova aí obtida será considerada ilícita,
pois violado o disposto no art. 5°, inciso III, da Constituição Federal. Outra característica da prova
ilícita é que esta, em regra, pressupõe uma violação no momento da colheita da prova,
geralmente em momento anterior ou concomitante ao processo, mas sempre externamente a
este. Daí se dizer que a prova ilícita é aquela obtida fora do processo com violação de norma de
direito material. Apesar de, em regra, a prova ilícita ser produzida externamente ao processo,
nada impede que sua produção ocorra em juízo. Basta imaginar, v.g., que o magistrado obtenha
a confissão do acusado em seu interrogatório judicial, sem prévia e formal advertência quanto
ao seu direito ao silêncio (CF, art. 5°, LXIII). Nesse caso, é possível concluir-se pela presença de
prova ilícita produzida no curso do próprio processo.
De seu turno, a prova será considerada ilegítima quando obtida mediante violação à norma de
direito processual. A título de exemplo, suponha-se que, ao ouvir determinada testemunha, o
magistrado se esqueça de compromissá-la. Assim o fazendo, incorreu em violação à regra do art.
203 do CPP, dispositivo este que obriga o juiz a compromissar a testemunha. Em outro exemplo,
no curso de audiência una de instrução e julgamento, o magistrado pede à vítima que realize o
reconhecimento do acusado. A vítima, então, olhando para trás, aponta o acusado como o
suposto autor do delito, o que fica registrado na ata da audiência. Como se vê, tal
reconhecimento foi feito ao arrepio do art. 226 do CPP, que traça o procedimento a ser
observado na hipótese de reconhecimento de pessoas e coisas. Em ambas as situações, temos
exemplos de provas obtidas por meios ilegítimos, porquanto colhidas com violação à regra de
direito processual. [...] Outro traço peculiar das provas obtidas por meios ilegítimos diz respeito
ao momento de sua produção: em regra, no curso do processo. A prova ilegítima, como se vê, é
sempre intraprocessual (ou endoprocessual). [...] Acerca da distinção entre provas obtidas por
meios ilícitos e provas obtidas por meios ilegítimos, expressivas são as súmulas 48, 49 e 50 das
Mesas de Processo Penal, dirigidas por ADA PELLEGRINI GRINOVER, e vinculadas ao Departamento de
Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dispõe a súmula 48:
“denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito
material”; súmula 49: "são processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem
normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo
sem cominação processual expressa"; súmula 50: “podem ser utilizadas no processo penal as
provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa” (Lima, 2018).
Alguns autores apontam a existência de provas obtidas, simultaneamente, por meios ilícitos e ilegítimos:
Nessa hipótese, a prova é obtida mediante violação simultânea à norma de direito material e
processual. É o que ocorre, a título de exemplo, com uma busca e apreensão domiciliar cumprida
por uma autoridade policial, independentemente de prévia autorização judicial, nem tampouco
situação de flagrante delito. Em tal situação, haverá violação de norma legal, na medida em que
a conduta é prevista como crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65, art. 3º, ‘b’ [hoje
revogada]), assim como de norma processual que prevê os requisitos para a realização de busca
e apreensão domiciliares (CPP, art. 240 a 250, c/c art. 5º, XI, da Constituição Federal) (Lima,
2018).
Por que, afinal de contas, se faz essa distinção? As distinções construídas pela doutrina sempre
tiveram a sua justificação, considerando o regime jurídico a elas aplicado, como bem sintetizam
DENILSON FEITOZA e GUILHERME MADEIRA:
As provas ilegítimas já teriam seu regime jurídico resolvido pela teoria das nulidades.
Havendo violação de norma processual, estariam sujeitas ao reconhecimento de sua nulidade e
decretação de sua ineficácia no processo. O mesmo poderia ocorrer com as provas
simultaneamente ilícitas e ilegítimas. As provas ilícitas, como entendidas acima, é que necessitam
da previsão constitucional, estabelecendo sua inadmissibilidade no processo, pois, do contrário,
poderiam ter eficácia, em virtude de nem sempre violarem norma processual. A sua
inadmissibilidade no processo significa que devem ser desentranhadas do processo, para que
não sirvam de base a uma decisão ou sentença judicial (Feitoza, 2008) p. 190.
ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO10 esclarece que a vedação processual da admissibilidade da prova ilícita trata-
se, em resumo, “de uma forma especial de tutela destinada a assegurar a efetividade” dos direitos e garantias
fundamentais, “que não devem ceder nem mesmo diante do interesse estatal na obtenção de provas”.
Resume muito bem, o autor, a distinção entre as modalidades.
Daí a distinção, proposta por NUVOLONE e acolhida na doutrina, entre provas ilícitas e provas
ilegítimas: as primeiras constituem o resultado de uma violação do direito material, enquanto
nas segundas o vício decorre da infringência de normas processuais. Outra diferença entre elas
decorre do momento em que se configura a ilegalidade: nas ilícitas, ela ocorre quando de sua
obtenção; nas ilegítimas, na fase de produção. Também é diversa a consequência dos respectivos
vícios: as ilícitas são inadmissíveis no processo (não podem ingressar e, se isso ocorrer, devem
ser desentranhadas); as ilegítimas são nulas e, por isso, a sua produção pode ser renovada,
atendendo-se então às regras processuais pertinentes (Moura, 2008).
Consolidando, temos então uma classificação geral (doutrinária) de PROVAS VEDADAS ou PROVAS ILEGAIS.
Essa classificação geral comporta divisão:
10
Autor de referência no tema.
violação de regras
violação de regras
de direito
de direito material
processual
violação na violação na
obtenção/coleta produção
normalmente normalmente
antes/fora do durante o
processo processo
carregam
inadimissíveis no
nulidade, podem
processo
ser admitidas
Falando sobre o tratamento diferenciado (regime jurídico) que é conferido para as provas ilícitas e ilegítimas,
BRASILEIRO esclarece que para as primeiras a Constituição Federal reservou sanção processual de
inadmissibilidade. “Não se trata de nulidade da prova, mas de sua não aceitação nos autos do processo.
Nessa linha, aliás, consoante a nova redação dada ao art. 157, § 3º, do CPP”, haverá inutilização:
Portanto, pode-se dizer que, no ordenamento pátrio, por mais relevantes que sejam os fatos
apurados por meio de provas obtidas por meios ilícitos, estas não podem ser admitidas no
processo. Se, mesmo assim, uma prova ilícita for juntada ao processo, surge o direito de exclusão,
a ser materializado através do desentranhamento da referida prova dos autos. Caso a ilicitude
da prova seja reconhecida em grau de recurso, tendo favorecido a defesa, a matéria só poderá
ser examinada em apelação da acusação. Caso contrário, ocorreria reformatio in pejus. Se a prova
ilícita favoreceu a acusação, não haverá necessidade de decretar a nulidade da sentença, desde
que, suprimida a prova ilícita, decorra a absolvição do acusado. Nesse caso, o Tribunal deverá
determinar o desentranhamento da prova ilícita e julgar, desconsiderando-a. No entanto, se,
mesmo com a supressão da prova ilícita, houver elementos que permitam a condenação, a
melhor solução será a decretação de nulidade da sentença pelo Tribunal, para que outra seja
proferida. Caso tenha havido o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória
imprópria lastreada em provas obtidas por meios ilícitos, dois caminhos são possíveis: a primeira
possibilidade é o ajuizamento de revisão criminal; a segunda é a impetração de habeas corpus,
mas desde que haja risco concreto à liberdade de locomoção, e desde que não haja necessidade
de dilação probatória a fim de se comprovar a ilicitude da prova. Por outro lado, em se tratando
de provas ilegítimas, como sua obtenção ocorreu mediante violação a regras de direito
processual, tudo se resolve dentro do próprio processo, de acordo com as regras processuais que
determinam as formas e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente a
cada transgressão, que pode ser o reconhecimento de mera irregularidade, ou até mesmo uma
nulidade, absoluta ou relativa (Lima, 2018).
Doutrina complementar
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “– Prova ilegítima.
Quando a norma afrontada tiver natureza processual, a prova vedada será chamada de ilegítima.
Assim, será considerada prova ilegítima: o documento exibido em plenário do Júri, com
desobediência ao disposto no art. 479, caput (CPP); o depoimento prestado com violação à regra
proibitiva do art. 207 (CPP) (sigilo profissional) etc. Podemos ainda lembrar as provas relativas ao
estado de pessoas produzidas em descompasso com a lei civil, por qualquer meio que não seja a
respectiva certidão (CPP, art. 155, parágrafo único), ou a confissão feita em substituição ao
exame de corpo de delito, quando a infração tiver deixado vestígios (CPP, art. 158). – Prova ilícita.
Quando a prova for vedada, em virtude de ter sido produzida com afronta a normas de direito
material, será chamada de ilícita. Desse modo, serão ilícitas todas as provas produzidas mediante
a prática de crime ou contravenção, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou
Administrativo, bem como aquelas que afrontem princípios constitucionais. Tais provas não
serão admitidas no processo penal. Assim, por exemplo, uma confissão obtida com emprego de
tortura (Lei n. 9.455/97), uma apreensão de documento realizada mediante violação de domicílio
(CP, art. 150), a captação de uma conversa por meio do crime de interceptação telefônica (Lei n.
9.296/96, art. 10) e assim por diante”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “É
corriqueira a expressão ‘todos os meios de prova em direito admitidos’. Com efeito, a própria
Constituição estabelece que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
(art. 5º, LVI). O art. 157, caput, do CPP estabelece serem inadmissíveis ‘as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais’. Com a nova redação do
art. 157, caput, do CPP, ao mencionar a violação de normas constitucionais, o legislador tratou
sob o mesmo páleo as provas ilícitas e ilegítimas, não mais as distinguindo como fazia a doutrina.
Portanto, a violação às normas constitucionais nada mais é do que a violação de direito
constitucional material e processual. Já no tocante à violação de normas legais, entende-se por
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “A prova
é taxada de proibida ou vedada toda vez que sua produção implique violação da lei ou de
princípios de direito material ou processual. Por afrontar a disciplina normativa, não seria
admitida ao processo. Temos assim, por classificação amplamente aceita, as provas vedadas,
proibidas ou inadmissíveis, que é o gênero, do qual são espécies: a) As provas ilícitas: são aquelas
que violam disposições de direito material ou princípios constitucionais penais. Ex.: confissão
obtida mediante tortura (Lei nº 9.455/1997); interceptação telefônica realizada sem autorização
judicial (art. 10 da Lei nº 9.296/1996). b) As provas ilegítimas: violam normas processuais e os
princípios constitucionais da mesma espécie. Ex: laudo pericial subscrito por apenas um perito
não oficial (art. 159, § 1º, CPP). [...] Alheia à classificação doutrinária, a Constituição Federal não
fez referência distintiva entre provas ilícitas ou ilegítimas, e tão pouco seria papel do legislador
constituinte fazê-lo, sendo que a Lei nº 11.690/2008, que imprimiu a reforma no sistema
probatório brasileiro, também não fez qualquer diferenciação, reputando, na nova redação dada
ao art. 157, caput, como ilícitas aquelas provas obtidas em violação a normas de caráter
constitucional ou infraconstitucional, que por consequência, devem ser desentranhadas dos
autos”.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Não parece ter sido a melhor, assim, a opção do legislador nacional por uma definição legal de
prova ilícita, que, longe de esclarecer o sentido da previsão constitucional, pode levar a equívoco
e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da
prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo. O descumprimento da lei
processual leva à nulidade do ato de formação da prova e impõe a necessidade de sua renovação,
nos termos do que determina o art. 573, caput, do CPP (Moura, 2008).
Como se percebe da leitura do art. 157, agora a lei deixou de mencionar sobre a natureza das normas violadas
– se de direito processual/material – para definir o que seja prova ilícita. Na dicção da lei, a violação de um
ou outro (tanto faz) gera uma prova entendida como ilícita.
PROVAS
ILÍCITAS
A expressão ‘provas ilícitas’, agora, tornou-se gênero (e não espécie) que se subdividiria em: obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais. “Naturalmente, constituem provas ilegais as que afrontam
qualquer norma da legislação ordinária, por isso, envolvem tanto as penais quanto as processuais penais.
Uma prova conseguida por infração à norma penal (ex.: confissão obtida por tortura) ou alcançada violando-
se norma processual penal (ex.: laudo produzido por um só perito oficial [quando se exigiam dois]) constitui
prova ilícita e deve ser desentranhada dos autos” (Pacelli, 2018).
A reforma de 2008 acolheu, claramente, a ideia de que as provas produzidas ao arrepio da lei
processual penal também geram ilicitudes, aptas a acarretar o desentranhamento da respectiva
prova. Esse é o quadro ideal para a lisura e ética na produção de provas, consentâneo ao Estado
Democrático de Direito. O cenário das nulidades deve ser reservado a outros vícios, longe do
âmbito das provas (Nucci, 2018).
Discordamos dessa orientação, compreendendo que o mencionado art. 157 do CPP não pode ser
interpretado literalmente, sob pena de ocorrerem verdadeiros paradoxos processuais. Imagine-
se, pois, que, ao inquirir uma testemunha isenta, esqueça-se o magistrado de compromissá-la.
Ao assim proceder, terá ele violado o disposto no art. 203 do CPP, que o obriga a tal providência.
Ora, tal circunstância caracteriza uma mera irregularidade, ou, na pior das hipóteses, uma
nulidade relativa sujeita à demonstração do prejuízo pela parte interessada. Se, contudo,
entendermos que a violação a qualquer lei infraconstitucional conduz à ilicitude da prova,
resultará que o depoimento assim prestado deverá ser considerado ilícito e, via de consequência,
desentranhado dos autos e inutilizado, ex vi do que estabelece o art. 157, caput e seu § 3º do
CPP, procedimento este que nos parece inconcebível diante da ausência absoluta de gravidade
da omissão judicial. Outro exemplo: considere-se que, no curso de audiência de instrução, o
magistrado determine à testemunha que realize o reconhecimento do réu e que esta
testemunha, a partir do simples gesto de olhar para o réu, reconheça-o como o autor do crime
descrito na denúncia. Ora, o reconhecimento realizado desta forma infringe as formalidades do
art. 226 do CPP. Todavia, tal circunstância não parece suficiente para que se proceda à retirada
dos autos desse reconhecimento, procedendo o juiz à sua completa invalidação e
posterior destruição. Pelo contrário. Na esteira do entendimento dominante, também
isto implica mera irregularidade, não invalidando o ato, tampouco afetando seu poder
de convencimento. Por tudo isso, não temos a menor dúvida de que persiste a
definição clássica de prova ilícita como aquela obtida em violação direta ou indireta a
garantias ou preceitos de índole constitucional. Quanto à referência inserta ao art.
157 no sentido de que ilícitas são as provas obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais, não está incorreta, apenas se devendo entender este último caso (“ou
legais”) como hipótese de violação indireta à Magna Carta, vale dizer, ofensa a dispositivo de lei
cujo conteúdo reflita em garantia constitucional. Trilhando-se essa linha de raciocínio, são
exemplos de provas ilícitas decorrentes de afrontamento direto do texto constitucional em
vigor:
a) Interceptação telefônica realizada sem ordem judicial, o que implica violação direta da garantia
constitucional inserida no art. 5.º, XII, da CF.
Por outro lado, são exemplos de provas ilícitas decorrentes do afrontamento indireto da
Constituição Federal, ou seja, de dispositivos infraconstitucionais com conteúdo material, ainda
que inseridos em diplomas processuais:
b) Interrogatório judicial do réu sob coação, violando-se, com isso, diretamente, o direito ao
silêncio estatuído no art. 186 do CPP e, indiretamente, o privilégio constitucional da não
autoincriminação, que decorre, entre outros princípios, do art. 5.º, LXIII, da Carta Magna.
Observe-se que, nestes dois últimos casos, ainda que tenha ocorrido malferimento direto a texto
integrante de legislação processual (arts. 185 e 186 do CPP), tratava-se os dispositivos violados
de regras que não possuíam um fim em si mesmas, mas, ao contrário, visavam ao cumprimento
de garantia constitucional (contraditório, ampla defesa e direito ao silêncio). Diante disto,
conclui-se que a detecção do conteúdo da norma violada para fins de caracterização da ilicitude
pode ser feita a partir do questionamento:
A norma violada no ato de obtenção da prova poderia conter disposição diversa, ou seja, oposta
ao seu comando, sem, com isto, tornar-se inconstitucional?
Positiva a resposta, não se estará diante de prova ilícita, e sim de prova ilegítima [...]. Contudo,
se negativa, vale dizer, se a disposição contrária ao que reza o texto da norma violada importar
em ofensa à Constituição, neste caso estaremos diante de norma de conteúdo material tutelada
pela Carta Magna, acarretando sua desconsideração em ilicitude da prova. É o caso, por exemplo,
do citado art. 186 do CPP, que confere o direito de silêncio aos investigados e acusados. Poderia
este artigo conter disposição oposta, aduzindo, por exemplo, que o silêncio do réu importa em
presunção de culpa? Não, pois tal acarretaria ofensa ao princípio nemo tenetur se detegere
(ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio), que decorre do texto constitucional, em
especial do art. 5º, LXIII, da CF. Por isso, é que o interrogatório sob coação constitui prova ilícita.
E, também, é o que acontece com o art. 185 do CPP, dispondo sobre a necessidade de ser o réu
interrogado em juízo na presença de advogado. Poderia este dispositivo sustentar regra inversa,
ou seja, de que é desnecessária a presença de advogado no interrogatório do réu? Não, pois se
o fizesse daria margem à arguição de sua inconstitucionalidade em face da ofensa às garantias
do contraditório e da ampla defesa. Portanto, interrogado o réu sem defensor, tal ato constitui-
se em prova ilícita.
Verificados os ensinamentos desses dois autores, questão que se coloca, portanto, é a seguinte: a mudança
do CPP aboliu a distinção até então havida entre prova ilícita e prova ilegítima? Como bem pondera
MADEIRA, surgiram duas posições/correntes:
A primeira posição entende que ainda deva ser mantida a distinção feita por NUVOLONE de forma
que o art. 157 do CPP deve ser lido à luz da definição apresentada anteriormente. Nesse sentido
é a posição de ANTONIO SCARANCE FERNANDES e de PAULO RANGEL e é a posição que defendemos. Para
outra posição a redação dada pelo art. 157 do CPP superou a antiga distinção entre prova ilícita
e prova ilegítima, de forma que deve ser abandonada a distinção anteriormente feita. Neste
sentido é a posição de GUSTAVO BADARÓ, que passou a definir prova ilícita como “as provas obtidas,
admitidas ou produzidas com violação das garantias constitucionais, sejam as que asseguram as
liberdades públicas, sejam as que estabelecem garantias processuais”. De nossa parte
entendemos que são razoáveis as justificativas que autorizam interpretação no sentido de que o
art. 157 do CPP deve ser lido à luz da definição de NUVOLONE. Os institutos em direito devem ser
diferenciados quando seus efeitos ou formas de convalidação são distintos e é exatamente o
caso em se tratando de prova ilícita e de prova ilegítima. A prova ilícita é inadmissível, deve ser
desentranhada e inutilizada. A prova ilegítima é causa de nulidade, de forma que o ato
simplesmente deve ser refeito, permanecendo o ato nulo no processo. Além disso, é importante
observar que outra cautela se impõe na manutenção desta distinção. Os critérios de convalidação
da prova ilícita e da prova nula são distintos e, ao aproximar ambos os institutos, esta
interpolação acaba gerando indesejáveis consequências. A título de exemplo cito o difícil tema
do prejuízo, previsto no art. 563 do CPP. Prejuízo é critério utilizado para se anular ou não a prova
e nenhuma relação possui com a validação da prova ilícita. O risco da interpolação dos conceitos
é que prejuízo passe a ser critério de validação da prova ilícita, o que não pode ser admitido.
Segunda consequência importante refere-se aos efeitos da prova ilícita. A prova ilícita deverá ser
desentranhada dos autos e inutilizada, ou seja, destruída. Deste incidente de inutilização é
facultativa a presença das partes. A prova nula não é desentranhada nem destruída. Retomemos
o exemplo acima dado sobre a prova documental em violação ao art. 479 do CPP. Não haverá
nem desentranhamento nem destruição do documento neste caso. Como se vê, deve ser
mantida a distinção entre prova ilícita e prova ilegítima, tendo em vista os efeitos distintos e
severos que estes tipos de provas produzem. A jurisprudência no pós-2008 tem evitado o uso do
termo prova ilegítima. No entanto, percebe-se claramente dos julgados do STJ e do STF que,
embora não usem o termo prova ilegítima, acabam por aplicar as sanções de nulidade para os
casos de prova obtida com violação a regras de direito processual (Dezem, 2018).
Ao largo da divergência doutrinária, uma coisa é certa, como vem reconhecendo a jurisprudência, em
inúmeros casos, ao manter nos autos provas com vícios procedimentais: excluir completamente ou
desentranhar provas que infringiram (por vezes inadvertidamente) regras processuais, sem qualquer
conotação material ou de direito ou garantia individual, não é o melhor caminho. É exagero, inconcebível
com um processo que não pode abrir mão da preocupação com a justiça das suas decisões11.
Doutrina complementar
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “Quanto
aos efeitos referentes à ilicitude ou à ilegitimidade, em regra, teremos as seguintes
consequências: (1) tratando-se de prova ilícita em sentido estrito, que feriu regra de direito
material, a prova deve ser desentranhada dos autos (exclusão da prova), não podendo ser
parâmetro para fundamentar decisões; (2) cuidando-se de prova ilegítima, que maculou regra
processual, a consequência estará afeta ao plano do reconhecimento de nulidade absoluta,
nulidade relativa ou mera irregularidade, conforme o caso. [...] Como não foi contemplado
recurso específico para combater o desentranhamento, resta a utilização das ações autônomas
de impugnação, seja o habeas corpus, seja o mandado de segurança. Nada impede, também, que
a matéria seja discutida em preliminar de futura apelação, em razão de cerceamento do direito
de defesa ou de acusação ocasionado pelo desentranhamento da prova supostamente ilícita”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “Há de
ressaltar ainda que, muito embora o art. 157, § 3º, do CPP faça menção à decisão de
desentranhamento, a doutrina tem entendido que, reconhecendo o juiz a ilicitude da prova,
deverá a mesma, obrigatoriamente, ser desentranhada dos autos. Assim, visando harmonizar o
caput do art. 157 (que obriga o desentranhamento) com o § 3º (que se refere a uma decisão de
desentranhamento, logo, comportando indeferimento), interpretou-se que a referida ‘decisão’
prevista no § 3º nada mais seria do que aquela que declarar a prova inadmissível, vinculando-se,
portanto, o desentranhamento dos autos. Inobstante não haja expressa previsão legal quanto à
possibilidade de recurso, entende-se que será possível, por interpretação extensiva, o manejo de
recurso em sentido estrito (art. 581, XIII, do CPP). Porém, a decisão que não considere a prova
ilícita poderá desafiar habeas corpus”.
11
É o que pensamos.
“Há situações em que a doutrina e a jurisprudência admitem o uso da prova ilícita. Algumas
são aplicáveis no Brasil, outras são discutidas apenas no direito norte-americano.
Novamente insisto no quanto já afirmado anteriormente: a regra é a não utilização da prova ilícita. Apenas
em situações excepcionais é que se poderá admitir o seu uso sob pena de a regra constitucional tornar-se
exceção” (Dezem, 2018).
Good faith exception. Segundo FEITOZA, “o objetivo do princípio da exclusão é prevenir, e não reparar. Assim,
a exclusão da prova não deveria ocorrer na hipótese de não servir como prevenção contra futuras violações
de norma constitucional”.
A melhor compreensão da exceção da boa-fé vem pela reconstrução dos precedentes norte-americanos e,
pela completude dos ensinamentos, nas palavras de DENILSON FEITOZA:
O juiz White, divergindo no caso Stone v. Powel (1976), entendeu que não se deveria aplicar o
“princípio da exclusão” naquelas hipóteses em que um policial fizesse uma apreensão ilícita
atuando na crença da boa-fé de que sua conduta estava conforme o direto existente e tendo
motivos razoáveis para sua crença. A exclusão da prova ilícita, no caso, não teria efeito
preventivo. Os dois critérios, portanto, seriam a boa-fé e a crença razoável na legalidade da
conduta. Entretanto, até agora, a maioria da Suprema Corte americana, no que tange à 4ª
Emenda Constitucional, somente tem adotado uma versão limitada do enfoque do juiz White,
para duas situações especiais. Numa primeira hipótese da “exceção da boa-fé” (caso U.S. v Leon,
1984), a Suprema Corte, em voto do juiz White pela maioria, entendeu que não se deveria excluir
uma prova obtida por policiais atuando com confiança razoável em um mandado de busca
expedido por um juiz neutro e imparcial, mas considerado finalmente como não fundado nos
“indícios necessários para sua expedição” (“probable cause”), isso porque havia “prova
suficiente” para criar desacordo entre juízes cuidadosos e competentes quanto à existência da
“probable cause”. A confiança dos policiais na determinação judicial da existência dos “indícios
necessários” foi “objetivamente razoável”, considerando-se como tal o que um “razoavelmente
bem treinado policial” teria sabido. Nessa hipótese, entendeu-se, ainda, que a exclusão da prova
para se dissuadirem juízes seria inapropriada, pois: a) o “princípio da exclusão” foi destinado a
prevenir (desencorajar) a conduta policial irregular mais do que punir os erros dos juízes; b) não
há provas sugerindo que magistrados sejam inclinados a ignorar ou subverter a 4ª Emenda
Constitucional; c) não há qualquer base para acreditar que a exclusão de prova apreendida em
conformidade com um mandado judicial terá efeito dissuasivo significativo sobre magistrados.
Como o policial justificavelmente confiou na prévia decisão judicial, não houve qualquer
ilegalidade policial e, portanto, nada a se dissuadir. Numa análise de custo-benefício, como não
havia qualquer benefício com a exclusão da prova, que seria a prevenção de futuras violações,
não se justificaria o custo da exclusão da prova, o qual incluiria a credibilidade das decisões
judiciais da justiça criminal. Não basta, contudo, que haja a expedição de um mandado judicial,
pois, por um lado, supõe-se a correta execução do mandado pelo policial e, por outro, o mandado
não pode ser de tal maneira deficiente – como no caso de não particularizar a coisa a ser
apreendida ou o local em que se encontre – que a execução policial do mandado não possa ser
presumida como razoavelmente válida. Por fim, também não se aplicaria a “exceção da boa-fé”,
se o policial sabe que o juiz tem “completamente abandonado sua função judicial”. Numa
segunda hipótese (caso III v Krull, 1987), entendeu-se que a “exceção da boa-fé” (good Faith
exception) ao “princípio da exclusão” (exclusionary rule) também deveria ser reconhecido
quando um policial atuasse confiando de maneira objetivamente razoável na lei estadual
autorizadora da busca em questão, tendo a lei estadual, posteriormente, sido considerada como
violadora da norma constitucional (4ª Emenda). Conclui-se que: a) a aplicação do “princípio da
exclusão”, quando o policial razoavelmente confia na lei, teria pouco efeito preventivo nas ações
policiais; b) os legisladores, como os juízes, não são o foco do “princípio da exclusão”, bem como
que nada indica que a aplicação do “princípio da exclusão” à prova apreendida em conformidade
com uma lei, antes da declaração de sua invalidade (inconstitucionalidade), atuará como
dissuasão significativa e adicional da elaboração ocasional de lei que mais tarde seja considerada
inconstitucional. Todavia, o poder legislativo não pode abandonar completamente sua
responsabilidade de elaborar leis constitucionalmente válidas e um policial não pode dizer que
confia na “boa-fé” de uma lei desse tipo, quando um policial razoável deveria saber que uma tal
lei era inconstitucional (Feitoza, 2008).
“Portanto, com base nessa teoria, deve ser considerada válida a prova obtida com violação a princípios
constitucionais, desde que sua obtenção não tenha decorrido da vontade de quem procedeu à investigação,
mas sim de uma situação de erro ou ignorância. Os dois critérios para sua aplicação seriam a boa-fé e a
crença razoável na legalidade da conduta do agente. A despeito de sua importância no direito norte-
americano, não há registros de sua aplicação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça” (Lima, 2018).
Inaplicável no Brasil, também chamada de limitação da destruição da mentira do imputado. Nos EUA não
há obrigatoriedade do depoimento do acusado; todavia, caso deponha, então é obrigado a dizer a verdade,
sob pena de crime de perjúrio. “Assim, admite-se a utilização da prova ilícita para que se demonstre que o
depoimento do acusado é falso. Caso fique em silêncio ou não minta, então não será admitida esta exceção”.
Fora ela aplicada no Caso Walder v.United States (1954) e, tendo em vista a ideia da vedação da
produção da prova contra si mesmo, bem como a compreensão do interrogatório no Direito
brasileiro, entendemos que ela aqui tampouco se aplica (Dezem, 2018).
“A prova ilícita, conquanto não seja idônea para comprovar a culpabilidade do acusado, pode ser valorada
no sentido de demonstrar que o autor do fato delituoso está mentindo”.
No leading case citado, o acusado Walder, ao ser perguntado se já tinha tido droga sob sua posse,
respondeu negativamente, o que não era verdade, na medida em que, anteriormente, em uma
operação considerada ilícita, a polícia havia apreendido em sua casa uma grande quantidade de
Segundo THIAGO ANDRÉ PIEROBOM DE ÁVILA, aplicável para os casos de equívocos/erros, durante o
procedimento, sem relevância prática, que não impliquem em lesão significativa aos direitos das partes.
“Também é aplicável quando o acusado foi condenado com base não só em uma prova ilícita, mas também
em provas válidas e suficientes para a condenação”.
Aplicada no Caso Chapman v. Califórnia (1967), esta hipótese é reconhecida pela jurisprudência
do STF, embora não utilize nossa Corte Suprema esta terminologia. [...] A esse respeito, decidiu
o STJ: 3. Constrangimento ilegal não evidenciado. Independentemente da prova pericial tida por
ilícita (teste de alcoolemia), há nos autos principais diversos depoimentos, inclusive do próprio
paciente, admitindo a ingestão de bebida alcóolica anteriormente aos fatos, assim como dos
socorristas e do médico quanto aos indícios de embriaguez, em razão do hálito etílico do ora
paciente, além das testemunhas que informam que o acusado teria ingerido algumas garrafas de
vinho juntamente com um amigo e deixado o restaurante conduzindo seu veículo Passat em alta
velocidade e em aparente estado de embriaguez, elementos que não são derivados da prova
pericial. Questão que deve ser submetida ao Conselho de Sentença para que forme o
convencimento acerca do elemento subjetivo dos homicídios imputados”. (STJ, HC 342.512/PR,
rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 29.03.2016) (Dezem, 2018).
A maior parte da doutrina admite a utilização da prova ilícita em favor do acusado, para provar sua inocência
e evitar a prisão. Por essa concepção, quando a prova for colhida pelo próprio imputado, seu agir (em tese
ilícito) estaria acobertado por alguma causa excludente da antijuridicidade – legítima defesa e/ou estado de
necessidade.
No entanto, há segunda discussão não menos importante. Trata-se de saber se o acusado que
produz prova ilícita para provar sua inocência e, portanto, comete crime irá ser condenado por
este crime. A quase unanimidade da doutrina reconhece que não deve ser condenado pelo crime
cometido, pois está abarcado por causa excludente da ilicitude. Neste sentido é a posição de
EUGÊNIO PACELLI. Entendemos, porém, de maneira isolada, que a questão não pode ser tratada
desta forma. A causa excludente da ilicitude, seja ela a legítima defesa, seja ela o estado de
necessidade, não admite o sacrifício do bem de maior valor em detrimento do de menor valor. A
questão reside exatamente aí. Quando PACELLI analisa a liberdade neste conflito de valores, faz a
análise da liberdade em abstrato. No entanto, esta análise não nos parece a melhor. Não nos
parece razoável, por exemplo, que se admita o uso de tortura para provar a inocência de alguém
que seja acusado de crime contra a honra. Ora, a liberdade não pode ser analisada de maneira
abstrata. É preciso que se analise de que tipo de liberdade se está a falar. Nas hipóteses em que
a liberdade é apenas abstratamente considerada não se pode admitir o cometimento de crime
em que haja efetiva ofensa a bem jurídico que conduz a restrição concreta da liberdade.
Reconheço que o exemplo anterior pode ser considerado forçado, então pensemos em um
exemplo menos weberiano. Utilizemos o mesmo crime contra a honra falsamente imputado ao
acusado. As provas são todas falsas, inclusive os depoimentos das testemunhas. Caso seja
processado, terá direito à composição civil, transação penal e, ao final, caso condenado,
provavelmente receberá pena restritiva de direitos e regime inicial aberto. Ora, nesta situação é
justificável permitir que o acusado cometa crime de roubo com emprego de arma para provar
sua inocência? Vale lembrar que este tipo de crime normalmente tem a pena de 5 anos e 4 meses
de reclusão em regime inicial fechado segundo a jurisprudência. Não nos parece que as causas
de exclusão da ilicitude permitam este tipo de sacrifício. No entanto, não há resposta fácil.
Mesmo este exemplo por mim apresentado não deixa de ser extremo. Entendo que deva ser
observado o critério da razoabilidade neste caso, mas mesmo assim há limites. Não poderá
aquele acusado injustamente de homicídio praticar homicídio para provar sua inocência, pois
tortura e homicídio são vedações que não podem ser ultrapassadas. Inclusive a própria Corte
Interamericana de Direitos Humanos entende que a tortura possui vedação absoluta na
produção probatória: A Corte reiterou que a exclusão de provas obtidas mediante coação possui
um caráter absoluto e inderrogável. Não há dúvidas de que qualquer declaração obtida sob
tortura, seja auto incriminatória ou que incrimine a terceiros, é absolutamente inválida como
meio de prova. Neste caso, os atos de tortura foram cometidos com a intenção de obrigar a
suposta vítima a declarar contra si mesma ou a prestar alguma outra informação, apesar de não
ter chegado a fazê-lo. Sem prejuízo disso, o artigo 8.2.g da Convenção, que garante o direito de
participação ativa do acusado nos meios probatórios, reconhece o direito a não declarar contra
si mesmo e, mais especificamente, o direito de abster-se de declarar em uma investigação ou
processo penal no qual a pessoa é acusada como provável autor ou suspeito do cometimento de
um fato ilícito. Considerando que a administração de justiça penal deve partir da análise de
provas obtidas legalmente, um meio de investigação que implique no uso de coação para
subjugar a vontade do acusado deixa de ser válido, pois significa uma instrumentalização da
pessoa e uma violação, per se, daquele direito, independentemente do grau de coação (desde
uma ameaça, outros tratamentos, cruéis desumanos ou degradantes ou tortura) e do resultado
(isto é, de que se obtenha efetivamente uma confissão ou informação). (Caso Pollo Rivera vs
Perú, j. 21.10.2016). Tenho estudado este tema há algum tempo, mas não tenho resposta
cientificamente válida para esta questão. Não aceito, contudo, que a resposta seja sempre a
absolvição do réu, como não aceito seu outro extremo. Precisamos avançar em nossas
investigações científicas para tentar encontrar solução mais equilibrada neste caso. A
jurisprudência ainda não se manifestou a respeito dessas situações (Dezem, 2018).
UEG - Delegado de Polícia (PC GO)/2013. Capitão Didi responde a processo por prática de crime
previsto no artigo 157, § 2º, I, do Código Penal. Para comprovar sua inocência, subtrai um determinado
documento da residência de Pé de Pano e tortura Paco para obter as gravações do dia do assalto, vindo
a provar, com tal documento e com as gravações, que é inocente e que, na realidade, o autor do delito
teria sido Pé de Pano. Analise, fundamentadamente, a validade das provas.
Plain view doctrine – a teoria é essencialmente reservada para os casos de busca e apreensão. Estabelece
que “se a coisa estiver à vista ampla do policial então poderá ser apreendida sem necessidade de mandado
judicial” (Dezem, 2018).
Para essa teoria, segundo WALTER NUNES SILVA JÚNIOR, deve ser admitida a apreensão de elementos de prova
do fato objeto da investigação ou mesmo de outros crimes, quando, “a despeito de não se tratar da
finalidade gizada no mandado de busca e apreensão, no momento da realização da diligência, o objeto ou
documento é encontrado por se encontrar à plena vista do agente policial” (Lima, 2018). Em outras palavras:
“se no curso de diligência policial os policiais encontram item que esteja à vista aberta dos policiais, então
poderão fazer a apreensão deste objeto ainda que ele não conste do mandado de busca e apreensão. Assim,
se no curso de uma busca e apreensão os policiais encontram uma pistola com silenciador, poderão
apreendê-la ainda que não conste do mandado” (Dezem, 2018).
A doutrina da plain view pressupõe que antes haja busca válida pela autoridade policial e no
curso desta busca seja encontrado outro elemento de prova. Nesta hipótese, poderá ser
apreendido este elemento se ele estava na vista da autoridade. Embora os parâmetros tenham
sido estabelecidos no caso Coolidge vs. New Hampshire de 1971, as limitações foram
aprimoradas no caso Horton vs. California de 1990. Assim, para que validamente possa ser
aplicada esta teoria temos que observar as seguintes limitações: a) o objeto deve estar em plena
vista do policial; b) o policial deve poder estar legalmente no local onde viu o objeto; c) a natureza
das provas incriminatórias deve ser imediatamente aparente. Há também algumas outras
limitações importantes criadas em outros precedentes da suprema corte norte-americana: a)
somente será aplicável esta teoria se o policial não violou a garantia constitucional da
inviolabilidade do domicílio ao chegar no local (Horton vs. California de 1990); b) não há
expectativa de privacidade se alguém deixa o contrabando a céu aberto e este é visto por policial
(Minnesota vs. Dickerson de 1993); c) apreensão ocorre quando há alguma interferência
significativa com os interesses possessórios do indivíduo naquela propriedade (EUA vs. Jacobsen
de 1984) (Dezem, 2018).
Segundo BRASILEIRO, “pelo conceito da doutrina da visão aberta, o encontro desse elemento relativo a outro
delito deve se dar de maneira casual. Portanto, há de se considerar ilícita a prova obtida no cumprimento de
busca e apreensão domiciliar quando”:
a) restar comprovado que o agente policial, a despeito de já ter cumprido a diligência que
constava do mandado judicial, continua efetuando diligências no interior do domicílio do
investigado, então obtendo elementos relativos a outro delito. Nessa hipótese, se o agente
policial já logrou êxito na apreensão do objeto do mandado judicial, deve fazer cessar
imediatamente a diligência. Se delibera por prosseguir, há evidente desvio de finalidade,
devendo eventual apreensão de elementos probatórios relativos a outros delitos ser censurada
com a pecha da ilicitude;
b) restar comprovado que o agente policial leva a efeito o cumprimento do mandado judicial em
locais onde claramente não estaria o objeto da autorização judicial. Exemplificando, se o
mandado de busca e apreensão tivesse como objetivo a localização de animais da fauna exótica
de grande porte, haveria evidente desvio de finalidade caso a autoridade policial vasculhasse
gavetas e armários, devendo ser considerados ilícitos eventuais provas relacionadas a outros
delitos assim obtidas.
No Brasil, não há registros da adoção expressa teoria. Isso porque, no ordenamento pátrio, em
relação à inviolabilidade domiciliar, a própria Constituição Federal autoriza a violação ao
domicílio nos casos de flagrante delito (v.g., em crimes permanentes), independentemente de
prévia autorização judicial (CF, art. 5º, XI). Não obstante, o conceito da doutrina da visão aberta
muito se assemelha à teoria do encontro fortuito de provas, usualmente trabalhada pela
doutrina e jurisprudência pátrias (Lima, 2018).
MADEIRA afirma que a teoria da visão ampla pode ser importante parâmetro, no Brasil, para os casos
envolvendo serendipidade – descoberta fortuita de provas. Referido autor, aliás, faz o estudo conjunto
dessas duas teorias (da visão ampla e do encontro fortuito de provas) e alusão a um precedente do STJ:
I - O recorrente é advogado e foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos arts.
33, caput, da Lei n. 11.343/06 c/c 12, da Lei n. 10.826/03, pois, em cumprimento a mandado de
busca e apreensão no escritório do recorrente, expedido com o fim de apreender arma que
pertenceria a estagiário do escritório, a polícia se deparou com aproximadamente 765 g
(setecentos e sessenta e cinco gramas) de maconha e um revólver, calibre 38, além de 14
(quatorze) cartuchos íntegros numa caixa de metal.
II - Não obstante o mandado de busca e apreensão tenha sido expedido para apuração de crime
praticado pelo estagiário do escritório do recorrente, verificou-se, no cumprimento da medida,
a ocorrência flagrancial de dois outros crimes que possuem natureza permanente. Contraria a
razoabilidade exigir-se dos policiais envolvidos na diligência que fingissem não ver os crimes, para
solicitar, a posteriori, um novo mandado específico de busca e apreensão para o escritório do
recorrente (Doutrina e jurisprudência).
III - A despeito da não indicação expressa de representante da OAB local para o acompanhamento
da diligência, foi solicitado, pelos policiais nela envolvidos, que uma advogada, estivesse presente
e acompanhasse o cumprimento do mandado de busca e apreensão no escritório do recorrente,
o qual se dirigia contra o estagiário. Diligência que não se revela nula em sua execução, quando
muito, meramente irregular. Recurso ordinário desprovido. (RHC 39.412/SP, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 17/03/2015)
Essa teoria é usada “nos casos em que, no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a autoridade
policial casualmente encontra provas pertinentes à outra infração penal, que não estavam na linha de
desdobramento normal da investigação” (Lima, 2018).
Fala-se em encontro fortuito quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir da
busca regularmente autorizada para a investigação de outro crime. A Lei nº 11.690/08, descendo
a detalhes em tema de prova, perdeu boa oportunidade de regulamentar a matéria. A teoria,
embora em um primeiro exame possa parecer um excessivo zelo com a tutela do devido processo
legal, justifica-se plenamente. Na Alemanha, por exemplo, reconhece-se a sua aplicabilidade na
interpretação, por exemplo, do § 100, b, V, do Código de Processo Penal (StPO). Aqui, o que é (e
será) decisivo é o desempenho de uma das funções que são atribuídas ao princípio da
inadmissibilidade das provas ilícitas, tal como mencionado no início deste item, a saber: a função
de controle ou de pedagogia da atividade policial persecutória. Mas é exatamente no tanto em
que ela (a teoria) se justifica que reside também a definição dos limites de sua aplicação.
Quando, na investigação de um crime contra a fauna, por exemplo, agentes policiais, munidos
de mandado judicial de busca e apreensão, adentram em determinada residência para o
cumprimento da ordem, espera-se, e mesmo exige-se (art. 243, II, CPP), que a diligência se realize
exclusivamente para a busca de animais silvestres. Assim, se os policiais passam a revirar as
gavetas ou armários da residência, é de se ter por ilícitas as provas de infração penal que não
estejam relacionadas com o mandado de busca e apreensão. Em semelhante situação, como é
óbvio, o local revistado jamais abrigaria o objeto do mandado judicial. Do contrário, a ação
policial, em caso de mandado de busca e apreensão, fugiria do controle judicial, configurando
verdadeira ilegalidade, por violação do domicílio, no ponto em que, para aquela finalidade, o
ingresso na residência não estaria autorizado. A teoria, portanto, presta-se a justificar a adoção
de medidas acautelatórias em favor da proteção do direito à intimidade e/ou privacidade, de
modo a impedir o incentivo à prática do abuso de autoridade. Pensamos, contudo, que é preciso
certa prudência na sua aplicação, para que a teoria não se transforme em instrumento de
salvaguarda de atividades criminosas, sobretudo no campo da chamada criminalidade
macroeconômica e da criminalidade organizada (Pacelli, 2018).
“Fala-se em encontro fortuito de provas ou serendipidade quando a prova de determinada infração penal é
obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a investigação de outro crime. Nesses casos, a
validade da prova inesperadamente obtida está condicionada à forma como foi realizada a diligência: se
houve desvio de finalidade, abuso de autoridade, a prova não deve ser considerada válida; se o encontro da
prova foi casual, fortuito, a prova é válida”.
Nesses casos de cumprimento de mandados de busca, deve-se atentar para o fato de que a
Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito (CF, art. 5º,
XI). Logo, se a autoridade policial, munida de mandado de busca e apreensão, depara-se com
certa quantidade de droga no interior na residência, temos que a apreensão será considerada
válida, pois, como se trata do delito de tráfico de drogas na modalidade de "guardar", "ter em
depósito", etc., espécie de crime permanente, haverá situação de flagrante delito, autorizando o
ingresso no domicílio mesmo sem autorização judicial. Portanto, nas hipóteses de flagrante delito
(v.g., crimes permanentes), mesmo que o objeto do mandado de busca e apreensão seja distinto,
será legítima a intervenção policial, a despeito da autorização para entrar na casa lhe ter sido
deferida com outra finalidade (Lima, 2018).
Segundo diz a melhor doutrina, essa teoria não é restrita aos casos de busca e apreensão, encontrando
correspondência, igualmente, nos casos de interceptação telefônica – diríamos que é até mais comum. Muito
acontece de se encontrar elementos de provas de outros crimes no curso de interceptações autorizadas em
relação a delitos diversos, ou mesmo provas em relação a outros indivíduos. “Em tais hipóteses, verificando-
se que não houve desvio de finalidade no cumprimento da diligência, dúvidas não temos quanto à validade
dos elementos assim obtidos” (Lima, 2018).
Na linha do aqui sustentado, com ligeira variação, quanto à identidade dos fatos, é ver
julgamento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de reconhecer a licitude da prova de outro
crime, diverso daquele investigado, obtida por meio de interceptação telefônica autorizada, de
início, para a apuração de crime punido com reclusão. Argumentou-se, então, que a conexão
entre os fatos e os crimes justificaria a licitude e o aproveitamento da prova, mesmo envolvendo
crimes punidos com detenção, para os quais, inicialmente, por vedação legal (art. 2º, III, Lei nº
9.296/96), a interceptação telefônica não seria admitida (HC nº 83.515/RS, Rel. Min. NELSON
JOBIM, Informativo nº 361). E, posteriormente: HC nº 102.394, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA. Ora, não é
a conexão que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, é que, uma vez franqueada
a violação dos direitos à privacidade e à intimidade dos moradores da residência, não haveria
razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão.
Isso porque uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de
violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra
coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de material
relativo à prova de crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar com a justificação da
medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei (Pacelli, 2018).
Open fields doctrine e private searches doctrine – também reservada para os casos de busca e apreensão.
Para essa teoria a busca e apreensão feita na área fora da propriedade do suspeito não viola a privacidade
garantida. A ideia é que “sempre que o particular puder realizar uma busca sem autorização judicial, também
poderá o Estado realizá-la da mesma forma”.
No caso Hester foi mencionado que a proteção oferecida pela 4.ª emenda para as “pessoas nas
suas ‘pessoas, causas, papeis e efeitos’ não se aplica aos campos abertos”. Assim, desenvolveu-
se aqui o que estaria no centro da teoria que é a chamada expectativa de privacidade. Esta teoria
acabou sendo mais bem desenvolvida no caso Katz vs. EUA em que fora aprimorada a teoria das
buscas particulares com a chamada expectativa de privacidade e seu teste de duas partes. [...]
Nos EUA a proteção à intimidade é assegurada pela IV Emenda Constitucional que estabelece:
“O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e
apreensão arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser
mediante indícios de culpabilidade confirmados por juramento ou declaração, e particularmente
com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas.”
Entende-se que a Quarta Emenda aplica-se diretamente ao Poder Público, não ao particular. Daí
conclui-se que sempre que o particular puder realizar uma busca sem autorização judicial,
também poderá o Estado realizá-la da mesma forma. A questão consiste justamente no
estabelecimento de padrões para que se reconheça em quais hipóteses estaria o particular
agasalhado por tal possibilidade para ser estendida ao Estado. Para a fixação dos padrões foi
criada a teoria das private searches ou “buscas particulares”. Esta teoria surgiu com o caso Katz
v. EUA de 1967. Katz estava sendo investigado pela FBI por suspeita da prática de apostas ilegais.
Estas apostas seriam feitas em um telefone público que ficava dentro de uma cabine pública.
Sem autorização judicial, o FBI colocou um dispositivo dentro do telefone que Katz utilizava e
esta prova serviu para sua condenação. Katz recorreu da decisão condenatória argumentando
que tratava-se de violação da Quarta Emenda. A Suprema Corte dos EUA teve este
entendimento. Para fazer esta análise foi desenvolvido um teste, dando origem à teoria das
private searches. Por meio desse teste, foi possível perceber se havia a efetiva expectativa de
privacidade (neste caso não poderá ser usada a prova) ou não (neste caso poderá ser usada a
prova). O teste consistiu em uma análise ampla da expectativa de privacidade, tanto do ponto de
vista do indivíduo quanto da sociedade: a) expectativa subjetiva de privacidade – consiste na
opinião do indivíduo de que possui, naquela situação, privacidade; b) expectativa objetiva de
privacidade – consiste na expectativa de privacidade reconhecida pela sociedade. Assim, a
análise é dupla. Em um primeiro momento questiona-se a expectativa de privacidade do ponto
de vista do indivíduo fazendo-se a pergunta “o indivíduo crê gozar de expectativa de privacidade
nesta situação?” Caso a resposta seja afirmativa passa-se a um critério objetivo: “A sociedade
reconhece como legítima esta expectativa de privacidade do indivíduo?” O Supremo Tribunal
Federal adotou, ainda que implicitamente, os parâmetros apresentados acerca do teste da
privacidade em um caso em que um indivíduo era acusado da prática de crime militar e teria,
conforme a imputação, valido-se de computador para a difusão das mensagens que o
incriminavam. Este computador não era de sua propriedade, mas de uma lan house. Os policiais
foram até lá, sem mandado judicial e apenas com a autorização do proprietário da lan house
apreenderam o computador, o que permitiu que chegassem até o acusado. O Supremo Tribunal
Federal entendeu ser válida a prova e, de trecho do voto da relatora, extrai-se a seguinte
passagem: “Não há falar, nessa perspectiva, em qualquer violação do direito de privacidade do
paciente em relação ao conteúdo de comunicações que teria mantido com terceiros, já que ele
próprio as disponibilizou a esses terceiros e esses escolheram revelá-las às instituições militares,
por seu teor criminoso. Feitas as devidas adaptações, seria como se pretender violação de
privacidade pelo fato de o destinatário de carta com ameaças as revelar às autoridades policiais
(HC 103.425/AM, rel. Min. Rosa Weber, DJe 14.08.2012). Apliquemos o teste da teoria norte-
americana a este caso: 1) o acusado acreditava estar abarcado pela proteção da intimidade? É
possível que a resposta seja afirmativa, pois, em regra, as pessoas acreditam que no uso da
internet estão protegidas. 2) a sociedade acredita como legítima esta expectativa de
privacidade? A resposta só pode ser negativa, com efeito, a sociedade, pensando-se no padrão
de quem transmite a outrem seus segredos em lan house, não aceita como legítima a expectativa
de privacidade neste caso. Com tais parâmetros, o uso da teoria representa forma exemplar de
proteção dos direitos fundamentais ligados à privacidade e à efetividade do processo, compondo
ambos os valores (Dezem, 2018).
Citada como mais uma limitação às exclusionary rules do direito norte-americano. Por meio dessa teoria,
busca-se outorgar validade para a prova obtida em possível violação ao direito à intimidade, quando da
utilização de escutas telefônicas, filmagens e fotografias clandestinas.
Como destaca SILVA JÚNIOR, "o argumento é de que a pessoa que faz, espontaneamente,
revelações a respeito de sua participação em eventos ilícitos, assume o risco quanto à
documentação do fato por outrem, podendo ser glosado o entendimento na parêmia de que 'Si
usted no cuida sus garantias, no pretenda que lo haga um juez'.
Essa doutrina pretende resolver a questão tendo como parâmetro o dever de sigilo que
acompanha algumas profissões, uma vez que quem faz a confissão ou revelações espontâneas
de um delito a outrem, que não tem o dever legal de não contar o segredo, assume o risco de
que o assunto esteja sendo registrado e que o trato seja descumprido, sendo irrelevante a
circunstância de aquele não ter conhecimento concreto de que, no momento, estão sendo
tiradas fotografias, procedidas escutas ou filmagens, etc." (Lima, 2018).
BRASILEIRO registra que, embora não tratando propriamente da teoria do risco, o Supremo tem precedentes
no sentido da validade da gravação de conversas, pessoais ou por telefone, por um dos interlocutores –
desde que não haja causa legal específica de sigilo ou de reserva de conversação. O que a Constituição
Federal veda é a ‘interceptação’, com o que não se identifica o ato de gravação clandestina por um dos
próprios interlocutores.
Além disso, também têm sido consideradas válidas gravações feitas por câmeras de segurança
instaladas como mecanismos de vigilância em estabelecimentos bancários, postos de
combustíveis, supermercados, shoppings centers, vias públicas, etc. Com a crescente utilização
desses aparatos de segurança nos últimos anos, é cada vez mais comum que as investigações
policiais e os próprios processos criminais estejam amparados na utilização das imagens captadas
através desses dispositivos.
Nesses casos, por mais que não haja prévia autorização judicial para a captação das imagens, não
há falar em violação ao direito à intimidade. Afinal de contas, as gravações foram efetuadas em
local público como forma de segurança, sendo inviável que a pessoa que praticou o delito em
focal público invoque a proteção ao direito à intimidade (Lima, 2018).
A ideia é a de que se o próprio sujeito não cuidou da sua privacidade ou intimidade (assumiu o ‘risco’), não
pode reivindicar proteção dessas suas garantias para efeito de afastar provas.
A propositura legislativa, ao limitar o uso da prova obtida mediante a captação ambiental apenas
pela defesa, contraria o interesse público uma vez que uma prova não deve ser considerada lícita
ou ilícita unicamente em razão da parte que beneficiará, sob pena de ofensa ao princípio da
lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, além de se
representar um retrocesso legislativo no combate ao crime. Ademais, o dispositivo vai de
encontro à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que admite utilização como prova da
infração criminal a captação ambiental feita por um dos interlocutores, sem o prévio
conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público, quando demonstrada a
integridade da gravação (v.g. Inq-QO 2116, Relator: Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Min.
Ayres Britto, publicado em 29/02/2012, Tribunal Pleno).
É possível que futuramente o STF reconheça alguma inconstitucionalidade; todavia, ao largo de nossa
irresignação, por ora, o que temos, é uma lei vigente que, em princípio, deve ser observada e aplicada.
Referida exceção não tem relevância no Brasil porque aqui, diferente dos EUA, a busca e apreensão
domiciliar não depende de autorização judicial quando houver consentimento do morador. Vejamos a norma
do art. 5º da Constituição Federal:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial;
Aqui, pode-se ingressar na casa do sujeito tão somente com o seu consentimento; lá, teoricamente, sempre
seria necessária a ordem judicial, independentemente do consentimento.
Prega-se que somente a pessoa titular da garantia desrespeitada é quem poderia reivindicar a
inadmissibilidade da prova. “Assim, caso o direito fundamental violado quando da obtenção da prova refira-
se à pessoa distinta do acusado, a prova deve ser considerada válida”.
Referida teoria não tem acolhida no ordenamento pátrio. [...] a inadmissibilidade das provas
ilícitas tem por escopo não apenas a proteção dos direitos fundamentais do acusado, mas
também o de impor ao Estado um comportamento ético, a fim de se respeitar os parâmetros
constitucionais estabelecidos, especialmente para limitar o exercício do ius puniendi (Lima,
2018).
No sistema norte-americano a prova somente não será admitida quando a ilicitude tiver sido praticada por
agente do Estado (policial). A regra da exclusão estará afastada, portanto, quando a infração for realizada
por pessoa comum/particular.
Isso porque “o propósito do princípio da exclusão é dissuadir, intimidar, prevenir - compelir ao respeito pelas
garantias constitucionais da única maneira válida efetivamente - pela remoção do incentivo ao seu
desrespeito”.
Como já dito, no Brasil, a vedação à admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos tem
como objetivo precípuo a tutela dos direitos e garantias fundamentais. Portanto, no
ordenamento pátrio, pouco importa quem tenha sido o agente responsável pela produção da
prova ilícita - autoridade policial ou particular - em ambos os casos a prova deve ser
considerada ilícita. Não por outro motivo, ao apreciar o RE 251.445/GO, concluiu o Supremo
Tribunal Federal ser prova obtida por meio ilícito e, por isso, inadmissível, a resultante de furto
realizado por menor em consultório odontológico. Foram subtraídas fotografias que, entregues
à polícia, serviram para instruir inquérito policial e processo criminal (Lima, 2018).
O “direito estadunidense, por exemplo, valendo-se do critério da razoabilidade como meio de contenção do
abuso do poder público, não tem qualquer dificuldade em valorar a prova produzida ilicitamente pelo
particular, sem prejuízo da ação penal contra ele pelo fato praticado na obtenção da prova (se previsto o
ilícito penal, é claro). A regra da inadmissibilidade, portanto, dirige-se exclusivamente ao Estado, produtor
da prova penal” (Pacelli, et al., 2018).
Apenas para contextualizar o ponto – e diante da premissa de completude desta obra –, trazemos a opinião
de mais dois autores sobre o assunto, começando por MADEIRA:
[...] importa salientar que parte da doutrina brasileira admite a utilização da prova ilícita valendo-
se do princípio da proporcionalidade. Sobre o assunto, afirmam GRINOVER, SCARANCE e MAGALHÃES:
“A teoria, hoje dominante, da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com
infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência
que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de
excepcional gravidade. Trata-se do denominado Verhältnismassigkeitsprinzip, ou seja, de um
critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha Federal, sempre em
caráter excepcional e em casos extremamente graves, têm admitido a prova ilícita, baseando-se
no princípio do equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes”. Adota esta posição, entre
outros, JULIO FABBRINI MIRABETE. Não concordam, contudo, com esta posição, entre outros, VIRGÍLIO
AFONSO DA SILVA. Entende que o princípio da proporcionalidade não pode servir de fundamento
para limitar direitos e garantias individuais. [...] o STF admite em tese a incidência da
proporcionalidade, mas não viu até o momento, em caso concreto, a sua aplicação. Analisando-
se novamente os elementos da proporcionalidade é pouco provável que se consiga passar pelo
exame da necessidade. Dificilmente teremos uma medida que passe pelo critério da necessidade
em sede de prova ilícita (lembrando o que dissemos acima: há outra medida que produza
resultado de igual intensidade e viole menos os direitos fundamentais? Caso a resposta seja sim,
então não passará pelo critério da proporcionalidade) (Dezem, 2018).
NORBERTO AVENA quando vai falar da proporcionalidade como princípio autorizador da prova ilícita, separa
quando seja em favor do réu ou em favor da sociedade (pro societate).
[...] ilícitas são as provas obtidas com infringência direta ou indireta de normas ou princípios
ditados pela Constituição Federal. Tendo em vista ser a prova ilícita subespécie do gênero
compreendido pelas provas ilegais, não pode, evidentemente, ser utilizada no processo criminal
como fator de convicção do juiz. Traduz-se, enfim, como uma limitação de índole constitucional
(art. 5.º, LVI) ao sistema do livre convencimento estabelecido no art. 155, caput, do CPP, sistema
este do qual decorre a regra no sentido de que não há hierarquia entre as provas, podendo o
magistrado convencer-se a partir de qualquer prova, ainda que atípica (sem regulamentação
expressa no texto legal). Apesar dessa proibição constitucionalmente determinada, a doutrina e
a jurisprudência majoritárias há longo tempo têm considerado possível a utilização das provas
ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou de comprovar um fato
importante à sua defesa. Para tanto, é aplicado o princípio da proporcionalidade, também
chamado de princípio do sopesamento, o qual, partindo da consideração de que “nenhum direito
reconhecido na Constituição pode revestir-se de caráter absoluto”, possibilita que se analise,
diante da hipótese de colisão de direitos fundamentais, qual é o que deve, efetivamente, ser
protegido pelo Estado. Na ótica deste entendimento, imagine-se uma prova obtida mediante
interceptação telefônica não autorizada judicialmente (conduta criminosa, conforme reza o art.
10 da Lei 9.296/1996), em franca violação à intimidade de alguém e em total desacordo com a
regra do art. 5.º, XII, fine, da Constituição Federal, mas que seja capaz de provar a inocência do
acusado. De um lado, há essa prova, flagrantemente ilícita em razão do afrontamento direto à
Magna Carta. De outro, há o caput do mesmo dispositivo constitucional assegurando que todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País, entre outros, o direito à liberdade. No balanceamento
comparativo entre esses dois fatores, mais do que o direito à intimidade violada, releva o direito
à liberdade do réu, que não poderá sofrer uma condenação injusta. Por isso, em seu favor, tem-
se considerado razoável e proporcional utilizar a prova ilicitamente obtida. Seguindo-se este
raciocínio, seria possível utilizar em favor do réu, sendo o único meio de inocentá-lo, uma prova
obtida mediante tortura? Não, pois essa prova não possui o mínimo de credibilidade. A situação
difere da interceptação telefônica clandestina pelo fato de que um diálogo telefônico registrado
por terceiro, ainda que sem ordem judicial, embora seja um meio ilícito de prova e apesar de sua
captação constituir crime, é passível de ser considerado verdadeiro, podendo o juiz utilizá-lo em
prol do réu. Bem diferente é a prova obtida mediante tortura, que, angariada mediante o
sofrimento alheio, não permitirá ao julgador, em hipótese nenhuma, por razões óbvias, presumi-
lo verdadeiro. Sem embargo de esta linha de pensamento – que permite, em dadas
circunstâncias, o uso da prova ilícita em prol do réu – ter sido agasalhada nos últimos anos pela
quase unanimidade da jurisprudência pátria, a verdade é que a nova redação conferida pela Lei
11.690/2008 ao art. 157 interferiu significativamente nas bases deste entendimento,
possibilitando interpretações conflitantes [...]. Assim, a subsistência da mencionada orientação
condiciona-se a que se considere a previsão legal de inutilização da prova reconhecida como
ilícita (art. 157, § 3.º) como uma faculdade do juiz, que poderá usá-la ou não, conforme as
peculiaridades do caso concreto. Se, contudo, esposarmos a posição de que as provas ilícitas
sempre deverão ser desentranhadas e inutilizadas, é evidente que não haverá sentido em
qualquer discussão acerca de sua utilização ou não em prol do réu.
agente policial, infiltrado em organização criminosa voltada ao tráfico de drogas (crime de mal
coletivo), valendo-se da confiança nele depositada pelo líder da associação e do fato de ter
acesso às dependências de sua residência em razão dessa confiança, venha a conseguir registrar,
a partir de equipamento eletrônico clandestinamente acoplado em dita casa, a prova capaz de
comprovar seu envolvimento na prática de crimes. Ora, não há dúvidas de que, considerada a
letra fria do texto constitucional, essa prova importaria em violação à intimidade e no
consequente afrontamento da regra inscrita no art. 5.º, X, da CF, pouco importando se há ou não
há a ordem judicial prevista no art. 10, caput, da Lei 12.850/2013 (que regulamenta os
procedimentos de investigação do crime organizado), pois, afinal, a proteção constitucional à
intimidade prevista no rotulado inciso X não é ressalvada pela possibilidade de autorização
judicial, diferentemente do que ocorre com o sigilo das comunicações telefônicas (art. 5º, XII, da
CF). A despeito dessa ilicitude que se afigura, contrariando a posição jurisprudencial dominante,
não vemos razão plausível para que tal prova não possa ser usada visando à condenação do
traficante, possibilitando sua segregação como forma de preservar o interesse público maior,
qual seja o de evitar a disseminação do uso de drogas em decorrência das ações por ele
perpetradas. Outro exemplo: suponha-se que ocorra um homicídio e que a arma do crime,
registrada em nome do suspeito, venha a ser arrecadada dentro de sua casa, no período noturno,
sem prévia ordem judicial para tanto. Realizados o exame de balística e o exame datiloscópico,
estes fornecem certeza quanto à autoria do investigado, caracterizando-se como a única prova
capaz de permitir o oferecimento de denúncia, pronúncia e, mais tarde, condenação pelo júri.
Considerando a ilicitude da apreensão, a prova haveria de ser desprezada pelo juiz, restando
impune o agente? A nosso ver, tal raciocínio seria absolutamente despropositado. Inexistindo
outros elementos de convicção e sendo esta a única prova capaz de elucidar a verdade real,
impõe-se que seja utilizada, ainda que produzida em desobediência ao art. 5º, XI, da CF e ainda
que contra o réu. Ora, o processo penal é acromático e tem como maior objetivo a descoberta
da verdade. Para tanto, é preciso que se reconstituam os fatos de forma a se descobrir como,
efetivamente, ocorreram. Nessa reconstrução, a regra, induvidosamente, deve ser a licitude da
prova. Independentemente disto, pensamos, mais uma vez contrapondo a orientação
majoritária, que a necessidade de estabelecer-se a prevalência da segurança da sociedade,
também prevista no art. 5º, caput, da CF, faz com que deva ser admitida, também contra o réu,
a prova ilícita quando o interesse público o exigir, evitando-se, destarte, a impunidade de
criminosos. A admissão excepcional da prova ilícita pro societate, quando ausente outra forma
de alcançar a responsabilização penal nos crimes de mal coletivo (frisa-se: apenas neste caso e
observadas as peculiaridades da prova), parece justificar-se ainda em questões relacionadas às
chamadas prevenção geral e prevenção especial – a primeira, sustentada na circunstância de que
a ameaça quanto à possibilidade de uso de provas ilicitamente obtidas já consistiria, por si, em
espécie de advertência para que os integrantes do grupo social se abstivessem da prática de
crimes; já a segunda, dirigida ao delinquente em particular que tenha sido condenado a partir de
um critério menos rigoroso de aceitação das provas, para fazer com que não volte a transgredir
as normas jurídico-penais.
E quando se tratar de prova ilícita produzida pela própria vítima na salvaguarda de direitos
próprios? Neste caso, há forte posição, adotada, inclusive, no âmbito dos Tribunais Superiores
(STF e STJ) no sentido de que poderá a prova ser utilizada desde que se caracterize hipótese de
evidente legítima defesa ou estado de necessidade. Não se estaria, enfim, diante de uma prova
ilícita, mas sim de prova lícita, visto que tanto a legítima defesa como o estado de necessidade
MARINONI & ARENHART, referindo-se ao processo civil, reconhecem a possibilidade de ponderação de direitos
e interesses, pelo juiz, na aplicação da proporcionalidade em relação às provas ilícitas. Pela percuciência do
raciocínio, inclusive destacando aquilo que entendem diferente no processo penal, vale a transcrição:
Alguém poderia dizer que a norma que proíbe a prova ilícita, por instituir um direito
fundamental que não possui restrição expressamente autorizada, não poderia sofrer
qualquer limitação. Contudo, um direito fundamental não dotado de expressa previsão
de restrição não indica uma posição definitiva acerca da sua limitabilidade. A dificuldade
da questão das restrições não expressamente autorizadas aos direitos fundamentais se
liga ao problema de resolução das colisões entre os direitos fundamentais e outros bens
dignos de proteção. Daí a importância do postulado da proporcionalidade no caso concreto. Cabe
lembrar que quase todos os países que acolheram a proibição da prova ilícita foram obrigados a
admitir exceções, a fim de preservarem determinados bens e valores dignos de proteção. Como
base no postulado da proporcionalidade, os tribunais americanos e alemães admitem exceções
à proibição das provas ilícitas, quando necessário à realização de exigências superiores de
natureza pública ou privada, argumentando que a proporcionalidade é essencial para a “justiça
no caso concreto”. O postulado da proporcionalidade é pacificamente admitida no direito
brasileiro, embora muitas vezes tenha a sua aplicação impugnada diante da norma constitucional
que proíbe as provas ilícitas. O argumento é o de que a Constituição Federal já fez a ponderação
entre a preservação do direito material e o direito à descoberta da verdade. Afirma LUIS ROBERTO
BARROSO, por exemplo, que a “Constituição brasileira, por disposição expressa, retirou a matéria
da discricionariedade do julgador e vedou a possibilidade de ponderação de bens e valores em
jogo. Elegeu ela própria o valor mais elevado: a segurança das relações sociais pela proscrição da
prova ilícita”. Ora, ninguém pretende negar que o art. 5º, LVI, da CF realizou uma ponderação
entre a efetividade da proteção do direito material e o direito à descoberta da verdade. Porém,
tratando-se de processo civil, é incontestável a necessidade de uma segunda ponderação, a ser
feita pelo juiz diante do caso concreto. Através dessa ponderação, o juiz, mediante a aplicação
do postulado da proporcionalidade, poderá admitir eficácia à prova ilícita. Como se vê, é
necessária a percepção de que a eleição de um valor, pela norma, não exclui a possibilidade da
realização de outra ponderação, a ser feita pelo juiz diante do caso concreto. A resposta a essa
nossa argumentação seria no sentido de que a norma constitucional, ao proibir a prova ilícita,
não fez restrição a qualquer espécie de processo e, assim, considerou também o processo civil.
Essa objeção não impressiona, pois a proibição da prova ilícita não exclui – e nem poderia – a
radical diferença entre os bens que compõem os diferentes processos. Por isso, a norma que
proíbe a prova ilícita, ainda que tenha feito uma ponderação – como fazem, aliás, várias outras
normas que consagram direitos fundamentais –, não se libertou da sua reserva imanente de
ponderação com outros bens e direitos. Portanto, importa definir se a norma que proibiu a prova
ilícita ponderou tudo o que havia a ponderar, fechando as portas para qualquer ponderação por
parte do juiz, ou se ainda está aberta para certos casos concretos, quando então deve ser
aplicada mediante ponderação.
A solução dessa questão não é difícil. A conclusão de que a norma eliminou a necessidade de
qualquer outra ponderação somente poderia ser aceita se a sua incidência se desse em casos
uniformes, que não guardassem qualquer diferença de fundo, e por isso dispensassem o juiz de
qualquer outra ponderação. Mas a única ponderação feita pela norma constitucional alcançou o
direito à descoberta da verdade e a proteção do direito material contra a prova ilícita. Isso quer
dizer, simplesmente, que há uma regra, válida para o processo penal e para o processo civil, que
proíbe o uso da prova ilícita para viabilizar a descoberta da verdade. Como a descoberta da
verdade, no processo penal, está umbilicalmente ligada à atividade estatal, tal ponderação
também atingiu a pretensão punitiva do Estado, proibindo-o de se valer de uma prova ilícita para
obter a condenação de um criminoso. Vale dizer: a ponderação da norma, diante do processo
penal, além de incidir sobre a busca da verdade, atingiu a pretensão punitiva estatal, que é valor
que cede em face do direito de liberdade, inclusive conforme normas constitucionais
instituidoras de outros direitos fundamentais.
Contudo, no processo civil a realidade é totalmente diversa, pois o autor pode afirmar desde
simples créditos pecuniários, passando por direitos não suscetíveis de transformação em
dinheiro e direitos não patrimoniais, até direitos absolutamente fundamentais para a dignidade
humana. No processo civil, portanto, não basta a ponderação em torno do direito à descoberta
da verdade e o direito material invadido pela prova ilícita, nem há como pensar que os vários
direitos que podem ser afirmados pelo autor não merecem prevalência sobre os direitos que
podem ser defendidos pelo réu. Ainda que no processo civil a descoberta da verdade não seja
justificativa da prova ilícita – diante da própria norma constitucional –, nele não se exclui a
possibilidade de ponderação entre o direito afirmado pelo autor e o direito violado pela prova
ilícita. Note-se que a ponderação não é entre a descoberta da verdade e o direito violado pela
prova, mas sim entre o direito material que se deseja tutelar na forma jurisdicional e o direito
material violado pela prova ilícita. Para evidenciar que, em alguns casos, é necessária uma
segunda ponderação, basta pensar na situação em que um particular é obrigado a obter uma
prova ilícita – diante da inexistência de qualquer outra prova – para proteger um direito
fundamental. Ou na hipótese em que uma associação de proteção ao meio ambiente não tem
alternativa para proteger o direito ambiental. O Supremo Tribunal Federal, ao tratar de recurso
ordinário em mandado de segurança, através do qual se postulou o desentranhamento de
decodificação de fita magnética, proveniente de escuta telefônica dos autos de processo criminal
em que a impetrante havia sido denunciada por tóxico, assim decidiu: “Mandado de segurança.
Escuta telefônica. Gravação feita por marido traído. Desentranhamento da prova requerido pela
esposa: viabilidade, uma vez que se trata de prova ilegalmente obtida, com violação da
intimidade individual. Recurso ordinário provido. I – A impetrante/recorrente tinha marido, duas
filhas menores e um amante médico. Quando o esposo viajava, para facilitar seu relacionamento
espúrio, ela ministrava ‘Lexotan’ às meninas. O marido, já suspeitoso, gravou a conversa
telefônica entre sua mulher e o amante. A esposa foi penalmente denunciada (tóxico). Ajuizou,
então, ação de mandado de segurança, instando no desentranhamento da decodificação da fita
magnética. II – Embora esta Turma já se tenha manifestado pela relatividade do inciso XII (última
parte) do art. 5º da CF (HC 3.982/RJ, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 26.02.1996), no caso concreto
o marido não poderia ter gravado a conversa ao arrepio de seu cônjuge. Ainda que impulsionado
por motivo relevante, acabou por violar a intimidade individual de sua esposa, direito garantido
constitucionalmente (art. 5º, X)”. A relevância desse julgado está em permitir a análise de
diversas situações relacionadas com a prova ilícita. No caso, a prova ilícita pode ser i) ligada à
pretensão punitiva do Estado, posta na ação penal por uso de tóxicos; ii) vinculada ao direito do
marido à desconstituição do casamento; e, por fim, iii) analisada em relação à proteção das
menores que vinham sendo intoxicadas pela própria mãe através do remédio “Lexotan”. Se
aceitarmos a tese de que a norma que proíbe a prova ilícita já ponderou tudo o que havia a
ponderar, estaremos, forçosamente, impedidos de considerar as hipóteses referidas de maneira
distinta. Porém, se imaginarmos essa prova diante de uma ação de alteração da guarda dos filhos,
seria pouco mais do que perverso negar a sua eficácia para a proteção dos menores.
Ora, o Estado, além de ter de se preocupar com os direitos fundamentais que a prova ilícita pode
violar, não pode esquecer a dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais que podem
depender, diante de certo caso concreto, da prova ilícita. Porém, o que mais importa é sublinhar
que a norma constitucional apenas ponderou o direito à descoberta da verdade e a efetividade
do direito material violado pela prova. Se o direito à descoberta da verdade está intimamente
vinculado à pretensão punitiva estatal, deixando claro que a Constituição preferiu evitar que a
atividade estatal fosse exercida de modo abusivo, ainda que alguns criminosos pudessem não ser
condenados, não há dúvida que também ocorreu, diante do processo penal, uma segunda
ponderação, preferindo-se o direito de liberdade em face do poder de punir do Estado. Mas, no
processo civil, por serem diversificados os bens que podem ser reivindicados pelo autor e
variadas as situações litigiosas que podem ocorrer, não há como pensar em uma segunda
ponderação normativa. Aliás, ainda que se pensasse em dois bens peculiares aos litígios civis, a
ponderação que a lei poderia fazer seria, na realidade, uma hierarquização, pois somente podem
ser objeto de ponderação normativa os bens que podem ser hierarquizados e, assim,
considerados valorativamente em abstrato. Ou seja, os bens que não podem ser colocados em
uma escala hierárquica, porque apresentam maior ou menor valor, conforme as circunstâncias
do caso concreto, sempre estão sujeitos a colidir e, assim, jamais poderão se livrar do postulado
da proporcionalidade, única alternativa para se solucionar o conflito entre dois bens igualmente
dignos de tutela. Especificamente em relação à prova ilícita no processo civil, como já
demonstrado, o conflito pode se dar entre o direito fundamental material que se deseja ver
tutelado através do processo e o direito fundamental material violado pela prova ilícita. Trata-se
de colisão entre dois direitos fundamentais igualmente dignos de tutela, que não foram, nem
poderiam ser, objeto de prévia ponderação normativa ou de hierarquização. Dizer que a
descoberta da verdade não pode ocorrer através de prova ilícita não é o mesmo que afirmar que
um direito fundamental material não pode ser através dela demonstrado. O uso da prova ilícita
poderá ser admitido, segundo a lógica do postulado da proporcionalidade. Quando se pensa no
postulado da proporcionalidade nesses casos, há sempre que se considerar o valor do bem
jurídico que se busca proteger através da prova ilícita. Após, verificar se havia outra prova, além
da obtida de forma ilícita, capaz de demonstrar as alegações em juízo. E, por último, analisar de
que modo a prova ilícita determinou a violação do direito e, especialmente, se existe a
possibilidade de limitação ao direito violado, quando observados determinados requisitos legais,
uma vez que a violação de um direito que não admite sequer restrição legal é mais grave que a
violação de um direito que pode ser objeto de restrição. Assim, há distinção entre a obtenção de
um testemunho mediante tortura e a escuta ilícita de uma conversa telefônica – que pode ser
licitamente gravada com autorização judicial (Marinoni, et al., 2015).
“No Brasil, atualmente, a jurisprudência não aceita, ainda, a utilização de critérios de ponderação para o
aproveitamento da prova ilícita, quando em desfavor do acusado. Nem como regra, o que é absolutamente
correto, nem como – muito menos, na verdade – exceção” (Pacelli, et al., 2018).
UFMT - Promotor de Justiça (MPE MT)/2012. Disserte sobre a prova no Processo Penal brasileiro sob
a perspectiva do princípio da proporcionalidade, abordando, necessariamente: • O conceito de
princípio da proporcionalidade, seus aspectos (adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito), seu fundamento constitucional e seu fundamento legal em matéria processual penal;
• A prova inadmissível: fundamento constitucional e fundamento legal, espécies de provas proibidas e
seus exemplos, teorias e formas de mitigação (v.g. fonte independente e descoberta inevitável); e • O
entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de utilização da proporcionalidade
diante da prova reputada ilícita.
torturou. Note que a busca e apreensão e as provas posteriormente obtidas, por si e formalmente, são lícitas.
Ilícita foi somente a tortura.
Pois bem. Diante dessa hipótese, pergunta-se: é possível a utilização das provas obtidas com a busca e
apreensão? O policial conseguirá, pela artimanha, superar a proibição de não admissão das provas ilícitas?
Para as duas indagações a resposta é uma só – NÃO.
De nada adianta dizer que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos se
essa ilicitude também não se estender às provas que dela derivam. Com efeito, a admissibilidade
no processo de provas ilicitamente derivadas poderia servir de expediente para contornar a
vedação probatória do art. 5º, LVI, da Constituição Federal, isto é, as partes poderiam sentir-se
encorajadas a recorrer a expedientes ilícitos com o objetivo de se servir de elementos de prova
até então inatingíveis pelas vias legais (Lima, 2018).
Estamos aqui tratando da famosa teoria dos frutos da árvore envenenada. Teoria que surgiu, mais uma vez,
no direito norte-americano e que estabelece que todas as provas que sejam derivadas (no sentido de
provenientes, consequenciais) das ilícitas também não poderão ser aceitas/admitidas no processo.
Esta teoria surge no Direito norte-americano, e significa que as provas ilícitas acabam por
contaminar todas as demais provas que dela sejam consequência. Assim, se por meio de
interceptação telefônica sem autorização judicial chega-se a outra prova, esta também será ilícita
por derivação daquela. Nos EUA o precedente que origina tal construção encontra-se no Caso
Silverthorne Lumber & Co v. United States de 1920, no qual a Suprema Corte “considerou inválida
uma intimação que tinha sido expedida com base numa informação obtida por meio de uma
busca ilegal. A acusação não poderia usar no processo a prova obtida diretamente da busca ilegal,
nem a prova obtida indiretamente por meio da intimação baseada nessa busca”. Mas, se é
verdade que a doutrina surge no caso acima, também é verdadeiro que a expressão “fruits of the
poisonous tree doctrine” somente seria cunhada em outro julgamento pelo Min. Franckfurter, no
caso Nardone v. United States, de 1937 (Dezem, 2018).
O ápice dessa teoria foi atingido no famoso julgamento MIRANDA v. ARIZONA, de 1966, em que
a Suprema Corte Americana firmou o entendimento de que nenhuma validade pode ser
conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido
claramente informada de: 1) que tem o direito de não responder; 2) que tudo o que disser pode
vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à assistência do defensor escolhido ou
nomeado. Nesse caso, a Suprema Corte Americana adotou a posição de que a mera ausência
dessa formalidade - denominada de aviso de Miranda (Miranda Rights ou Miranda-warnings) –
era o bastante para inquinar de nulidade as declarações da pessoa, notadamente a confissão e
as provas conseguidas a partir dela.
No Brasil, pode-se dizer que, em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a
aplicação da referida teoria. Inicialmente, prevaleceu a posição do Min. MOREIRA ALVES, segundo
o qual a dicção normativa empregada pelo constituinte no art. 5°, LVI, claramente sufragou a
tese de que somente devem ser consideradas inadmissíveis no processo as provas ilícitas em si
mesmas, e não aquelas a que se chegou por meio daquelas, consideradas não como provas, mas
apenas como pistas, e que foram produzidas licitamente. Restaram vencidos no referido
julgamento o Min. Celso de Mello e, em menor extensão, os Ministros Sepúlveda Pertence e Néri
da Silveira. No entanto, já no ano de 1996, o Pleno do Supremo Tribunal Federal voltou a se
manifestar sobre o assunto, tendo-se posicionado favoravelmente à adoção da teoria dos frutos
da árvore envenenada, in verbis: “O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou
entendimento no sentido de que, sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada
no art. 5º, inc. XII, da Constituição, não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação
telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação
telefônica - à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-
la - contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou
indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido”. Nesse primeiro
julgado favorável à adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada, o Supremo Tribunal
Federal não fez qualquer ressalva quanto às regras de exclusão relativas à aplicação desse
princípio. Posteriormente, todavia, firmou-se o entendimento de que provas obtidas por meios
ilícitos contaminam única e exclusivamente aquelas que são exclusivamente delas decorrentes.
Logo, é perfeitamente possível a prolação de um decreto condenatório se comprovado que a
prova ilícita, que contamina as demais provas que dela se originam, não tenha sido a prova
exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras
licitamente obtidas pela investigação policial (Lima, 2018).
E M E N T A: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º,
LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE
MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL
AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO
(QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA
CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO
CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA
FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL
(CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM
COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS
DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL
HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA
INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO
PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO
QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO
CONCEITO DE "CASA" - CONSEQUENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO
JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. [...]. A
QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS
TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado,
denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude
originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que
produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter
fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. -
A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por
Essa teoria resta incorporada no Direito Processual Penal brasileiro. Atualmente, não só a nível doutrinário
e jurisprudencial, como também por disposição legal – art. 157 do CPP:
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado
o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por
uma fonte independente das primeiras.
Assim é que, pelo nosso sistema, tanto as provas ilícitas quanto as ‘derivadas’ delas não serão admitidas no
processo. A Constituição Federal veda as provas ilícitas; a lei proíbe tanto as ilícitas quanto as decorrentes
delas.
BRASILEIRO conceitua: “Provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obstante produzidos,
validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se
transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal” (Lima, 2018). Assim como faz AVENA: “Provas
ilícitas por derivação são aquelas que, embora lícitas na própria essência, decorrem exclusivamente de uma
outra prova, considerada ilícita, ou de uma situação de ilegalidade, restando, portanto, contaminadas”.
Trata-se, enfim, da aplicação da teoria norte-americana dos Frutos da Árvore Envenenada (fruits
of the poisonous tree), segundo a qual o defeito existente no tronco contamina os frutos.
Consagrada esta teoria, há vários anos, pela jurisprudência brasileira, usava-se como
fundamento legal para sua aplicação a regra do art. 573, § 1º, do CPP, dispondo que “a nulidade
de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam
consequência”. Transpondo-se essa disposição para o tema de provas, resultava que a ilicitude
de uma prova, uma vez reconhecida, causará a ilicitude das provas que dela diretamente
decorram (Avena, 2017).
Como adverte MADEIRA, é “basilar que se entenda o fundamento da prova ilícita derivada: o nexo de
causalidade entre a prova ilícita e todas as provas que dela derivam. É justamente este nexo de causalidade
que acaba por contaminar a prova derivada. Sem ele não há que se falar em derivação”.
O nome, aqui, é bastante elucidativo. ‘Derivar’ é um verbo que indica origem, significa provir, emanar,
resultar, decorrer.
Alguns exemplos:
Curial a compreensão de PACELLI e FISCHER sobre o assunto, sobre o propósito da teoria e sobre a necessidade
de impor limites à derivação da ilicitude:
A teoria dos frutos da árvore envenenada ou da derivação da ilicitude tem este propósito: evitar
a descontaminação do ilícito pela correção dos atos subsequentes. Seu fundamento é
logicamente irrepreensível: de que adiantaria invalidar a prova originariamente ilícita, se todo o
seu conteúdo probatório pudesse ser obtido posteriormente, aproveitando-se a idoneidade ou
força probante das informações então obtidas? A regra, portanto, deve ser a derivação da
ilicitude para todos os atos subsequentes à prova ilícita, se e desde que tenham eles relação de
dependência, causal ou cronológica, com esta (a ilícita).
Mas a questão nem passa perto de apresentar-se de modo tão simples. Veja-se, por exemplo,
que, a depender do estágio das investigações – que, aliás, podem sequer ter-se iniciado –
quaisquer diligências probatórias posteriores à obtenção da prova ilícita dela dependeriam, ao
menos do ponto de vista cronológico. O que fazer? Levada às últimas consequências, a aplicação
da teoria implicaria a absoluta impossibilidade de qualquer investigação futura, terminando por
impor-se como verdadeira e concreta causa extintiva da punibilidade. Mas será que até aí
poderíamos chegar, a partir da prática de um ato ilícito por parte do Estado? Se afirmativa a
resposta, não será de todo improvável a produção da ilicitude pelo próprio autor do crime, com
o objetivo de ver-se livre, em definitivo, de qualquer responsabilidade penal, fundado
precisamente na teoria dos frutos da árvore envenenada. A potencialização do veneno em tais
circunstâncias superaria quaisquer malefícios resultantes da ação delituosa. De ver-se, então, a
necessidade de se imporem alguns limites à derivação da ilicitude, de modo a impedir que ela se
transforme em sanção perpétua ao autor da prova ilícita, como se aquele erro configurasse um
pecado original. Bem por isso, eventuais irregularidades na efetivação do ato prisional não terão
qualquer relevância para a produção de provas em relação ao fato, não se aplicando, então, a
regra da contaminação (Pacelli, et al., 2018).
Segundo BRASILEIRO, após o reconhecimento das ‘regras de exclusão’ pelo direito norte-americano, aliado ao
desenvolvimento da teoria dos frutos da árvore envenenada, “houve uma forte reação da própria Suprema
Corte norte-americana contra a rigidez de tais regras, sendo desenvolvidas, então, exceções às exclusionary
rules. Algumas dessas teorias já vêm sendo aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual
merecem a nossa atenção”.
O problema, como destacam MARINONI & ARENHART, é saber quando uma prova está ligada a outra, de modo
a se contaminar por sua ilicitude.
Deixe-se claro, antes de qualquer coisa, que a ilicitude da prova não contamina o fato a ser
esclarecido, podendo se ligar, no máximo, a outras provas. Porém, uma prova ilícita não
contamina, como é lógico, todo o material probatório, pois nada impede que um fato seja
provado através de provas lícitas que nada tenham a ver com a prova ilícita. A prova obtida de
modo ilícito pode propiciar outra prova, que então estará contaminada, mas nada impede que o
fato que se desejou demonstrar seja objeto de uma prova que com ela não tenha qualquer
vinculação. Essa última prova não pode ser dita derivada da ilícita ou pensada como
contaminada. Tal prova é absolutamente autônoma e independente.
Mas, é preciso voltar à questão inicial, ou seja, é necessário estabelecer quando uma prova pode
ser considerada contaminada pela prova ilícita. É possível tentar esclarecer dizendo que uma
prova somente pode ser dita contaminada quando consequência da ilícita e, assim, transferindo-
se o problema para outro local, quando então passaria a importar o significado de “prova que é
consequência da ilícita”. Nesse passo, parece prudente seguir os passos da doutrina e da
jurisprudência espanholas, que supõem que a solução da problemática está em saber se a prova
questionada como derivada teria sido produzida, ainda que a prova ilícita não tivesse sido obtida.
GALVÉZ MUÑOZ, para demonstrar essa questão, alude ao seguinte julgado do Tribunal Supremo
Espanhol: a ineficácia de uma diligência não retira a validade de outra prova, salvo quando essa
última guardar uma relação direta com aquela, de tal modo que sem a primeira a segunda (a
prova) não existiria. Mas, como reconhece a própria doutrina espanhola, nem sempre é fácil
concluir se a segunda prova teria sido produzida na ausência da prova ilícita ou se existe uma
conexão causal contaminante entre as duas provas. Sustenta-se, diante disso, que a
contaminação da segunda prova, ou a sua admissão como derivada, além de requerer a presença
de uma conexão natural, exige uma conexão jurídica. Não basta um nexo causal natural com a
prova ilícita para a exclusão da segunda prova, pois é preciso a existência de um nexo jurídico
entre uma e outra. É possível dizer que a conexão natural é um requisito necessário, mas não
suficiente, para estender a ilicitude da primeira à segunda prova. Assim, o problema passa a ser
o da identificação da conexão de antijuridicidade entre as provas. Para tanto é preciso verificar
não apenas se existe algum elemento fático capaz de romper juridicamente a relação de
causalidade, mas, sobretudo, analisar se a admissão da segunda prova como ilícita contribui para
a defesa dos direitos que se objetiva proteger através da proibição da prova ilícita. Ou seja, a
teoria da contaminação da prova derivada da ilícita, conhecida como teoria dos frutos da árvore
envenenada, somente tem sentido quando a eliminação da segunda prova traz efetividade à
tutela dos direitos fundamentais.
Como explica GÁLVEZ MUÑOZ, é preciso demonstrar, quando se pretende a atuação da teoria dos
frutos da árvore envenenada, que a sua aplicação cumpre a função que com ela se persegue,
pois, em caso contrário, a limitação da verdade processual e a proteção dos valores que tal teoria
objetiva garantir serão totalmente inúteis e desprovidos de justificação. A questão, então,
adquire formato quando se indaga sobre os critérios determinantes da ausência de conexão de
antijuridicidade entre a prova ilícita e a prova derivada. Ou seja, não mais importa se há relação
natural entre a segunda prova e a prova ilícita, mas sim se a segunda prova pode, pela ruptura
do nexo de antijuridicidade, ser considerada juridicamente independente. É quando importam,
além da admissão ou da confissão voluntária sobre o fato objeto da prova ilícita, as chamadas
exceções de descobrimento provavelmente independente (hypothetical independent source
rule) e de descobrimento inevitável (inevitable discovery exception) (Marinoni, et al., 2015).
A matéria é importante e já foi cobrada em fases adiantadas de concurso para carreiras jurídicas, em
questões abertas, como se percebe abaixo:
Antes de mais nada, devemos pontuar que essa é uma teoria voltada ao aproveitamento da prova derivada.
É disso que se cogita quando estudamos o assunto.
A primeira manifestação desta teoria foi no caso Bynum vs. EUA de 1960 em construção da Corte
de Apelação do Distrito de Colúmbia. Bynum foi preso ilegalmente quando foi até a delegacia de
polícia para saber sobre seu irmão que estava preso no local. Foi ele então preso sem mandado
e não havia indicação alguma de causa provável para se acreditar que ele havia cometido crime.
Foram então tiradas suas impressões digitais e posteriormente introduzidas no processo do qual
ele fora acusado de roubo, tornando-se importante peça acusatória contra ele, já que as
impressões batiam com as do local do crime. Esta prova foi considerada ilícita pela corte porque
decorreu de prisão ilegal. Posteriormente Bynum foi processado novamente e foram utilizadas
outras impressões digitais do acusado que tinham sido obtidas pelo FBI em outro caso.
Já a Suprema Corte Norte Americana desenvolveu esta teoria modernamente no Caso Murray
vs. United States de 1988. Neste caso policiais entraram ilegalmente na casa do suspeito e
confirmaram a ocorrência de tráfico de drogas. Posteriormente requereram mandado judicial
para a busca e apreensão indicando apenas as suspeitas iniciais sem qualquer menção ao fato de
que já haviam entrado na casa, tendo sido obtido este mandado. A Suprema Corte norte
americana entendeu que a prova era válida, pois ainda que os policiais houvessem realizado a
primeira violação, o fato é que a segunda fonte de prova tornou válida e lícita qualquer violação
anteriormente havida (Dezem, 2018).
Segundo a teoria “havendo duas fontes das quais pode ser obtida a prova, sendo uma admissível e outra
ilícita, é de se considerar como admissível e não contaminada a prova derivada” (Dezem, 2018). Se “o órgão
da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de
uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova
originariamente ilícita, com esta não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis,
porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária” (Lima, 2018).
Quanto tratamos de fonte independente, é preciso pontuar, estamos cuidando da relação de dependência,
sobretudo causal, mas também cronológica com a prova contaminada. “Fonte de prova independente é
apenas isso: prova não relacionada com os fatos que geraram a produção da prova contaminada. Nada mais”
(Pacelli, 2018).
Uma diligência irregular por meio da qual se apreenda um veículo roubado, por exemplo, não
impede a validade dos testemunhos que tenham presenciado a sua subtração, antes da
apreensão. Pode-se até impedir o depoimento do agente responsável pela apreensão – e
também pelo vício da prova – mas não se pode recusar a absoluta validade de outras provas, sem
relação com o ato ilícito da apreensão.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma
fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de
praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova.
ser referido por outra testemunha, esta licitamente arrolada. Nada impede, neste caso, que o
juiz proceda à oitiva de João, cujo nome, agora, surgiu de uma fonte completamente
independente, sem nenhuma relação de causa e efeito com a interceptação telefônica
clandestina antes realizada (Avena, 2017).
[...] Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos
elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer
relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo
vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não
contaminados pela mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA
("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE
OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 90.376/RJ, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, v.g.) - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE
AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED
STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)" (HC 93050,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008)
Como destaca a melhor doutrina, “a independência da fonte não tem a ver, necessariamente, com a
inevitabilidade da descoberta da prova” (Pacelli, et al., 2018). “Apesar de o dispositivo fazer menção à fonte
independente, parece ter havido um equívoco por parte do legislador, pois, ao empregar o verbo no
condicional, o conceito aí fornecido (seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova) refere-se ao da
limitação da descoberta inevitável [...]” (Lima, 2018).
Ou seja, o legislador confundiu as teorias da fonte independente e da descoberta inevitável, que são exceções
distintas em relação à regra de exclusão norte-americana.
Também conhecida como teoria ou exceção da fonte hipotética independente. Diz que “se a prova derivada
seria descoberta de qualquer maneira, com ou sem a prova ilícita, então não há que se falar em
contaminação da prova derivada” (Dezem, 2018). Ou, ainda, “caso se demonstre que a prova derivada da
ilícita seria produzida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser
considerada válida” (Lima, 2018).
Mais uma vez, a precisa lição de MARINONI & ARENHART, MADEIRA e BRASILEIRO:
Na exceção do descobrimento inevitável, se admite que a segunda prova deriva da ilícita, porém
se entende que não há razão para reputá-la nula ou ineficaz. Isso porque a descoberta por ela
constatada ocorreria mais cedo ou mais tarde. A lógica do salvamento da segunda prova está
em que não há motivo para retirar eficácia de uma prova, que trouxe uma descoberta que
muito provavelmente seria obtida. Dessa forma seria possível dizer que nem todos os frutos da
árvore venenosa são proibidos, pois alguns podem ser aproveitados (Marinoni, et al., 2015).
THIAGO ANDRÉ PIEROBOM DE ÁVILA esclarece tal teoria citando o caso Nix v. Williams (1984), em que
ela fora aplicada: “Nesse precedente, o acusado havia matado uma criança e escondido o corpo;
iniciado um processo de busca por 200 voluntários, os municípios vizinhos foram divididos em
zonas de busca; durante a busca o acusado realizou uma confissão, obtida ilegalmente, na qual
especificou o local onde se encontrava o corpo; foi paralisada a busca, que estava a algumas
horas de descobrir onde o corpo estava, dirigindo-se a polícia ao lugar indicado na confissão e
apreendido o corpo. A Corte considerou que a confissão do acusado sobre o local onde o corpo
se encontra era uma prova ilícita, mas a apreensão do corpo era válida, pois sua descoberta era
inevitável. Também se entendeu, pelo voto concorrente do Juiz STEVENS, que o ônus da prova
sobre a conjectura da descoberta inevitável recai sobre a acusação” (Dezem, 2018).
A Suprema Corte americana entendeu que a teoria dos frutos da árvore envenenada não
impediria a admissão de prova derivada de uma violação constitucional, se tal prova teria sido
descoberta "inevitavelmente" por meio de atividades investigatórias lícitas sem qualquer relação
com a violação, bem como que a "descoberta inevitável" não envolve elementos especulativos,
mas concentra-se em fatos históricos demonstrados capazes de pronta verificação. Para que a
prova fosse admitida, era necessário que a polícia não tivesse atuado de má-fé, com o propósito
de acelerar as investigações, fazendo uso de meios ilegais; e que efetivamente a prova não
pudesse permanecer oculta (Lima, 2018).
2) Outro exemplo ilustrado pela doutrina é o da busca ilegal realizada pela autoridade policial na
residência do suspeito, resultando da diligência a apreensão de documentos que o incriminam.
Ora, tais documentos, na medida em que surgiram a partir de uma ilegalidade, constituem prova
ilícita por derivação. Considere-se, porém, que se venha a constatar que já existia mandado de
busca para o local, mandado este que se encontrava em poder de outro delegado de polícia, o
qual, no momento da diligência ilegal, estava se deslocando para a casa do investigado. Neste
caso, considerando a evidência de que os mesmos documentos obtidos ilegalmente seriam
inevitavelmente descobertos e apreendidos por meios legais, afasta-se a ilicitude derivada,
podendo ser aproveitada a prova resultante daquela primeira apreensão (Avena, 2017).
Para boa parte da doutrina, essa teoria teria sido positivada, com equívoco, justamente no parágrafo 2º do
art. 157, que trazemos novamente:
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de
praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova.
MADEIRA, por exemplo, entende que somente a teoria da descoberta inevitável é que foi positivada e não a
teoria da fonte independente.
Tendo em vista a redação dada pelo legislador, nos parece que não há que se falar em
positivação da teoria da fonte independente. Para a teoria da fonte independente há
necessidade de que, concretamente, haja a presença de ambos os meios de prova (o ilícito e o
lícito [...]). Para a exceção da fonte hipotética independente (teoria da descoberta inevitável), o
exercício mental, como diz o nome, é puramente hipotético, e, no § 2º do art. 157, tem-se este
exercício mental feito de maneira hipotética.
Parte-se, para a exceção da fonte hipotética independente, da análise abstrata do caso, sem
necessidade de que, concretamente, haja a presença da fonte de prova lícita (pense-se, aqui, no
caso Nix acima mencionado – hipoteticamente era lógico que encontrariam o corpo do garoto).
Assim, de nossa parte, entendemos que o § 1.º positiva o nome da teoria fonte independente e
o § 2.º positiva o conteúdo da descoberta inevitável (Dezem, 2018).
É verdade que o legislador não se refere de maneira expressa à teoria da descoberta inevitável.
Porém, como dito acima, seu conteúdo pode ser extraído do an. 157, § 2º, do CPP: [...]. Parece
ter havido uma confusão por parte do legislador ao se referir à fonte independente, pois o
conceito por ele trazido é o da limitação da descoberta inevitável.
Com efeito, pela própria redação do § 2° do art. 157 do CPP, empregando o verbo no condicional,
percebe-se que nem mesmo seria necessário que a prova derivada tivesse sido efetivamente
conseguida a partir de uma fonte autônoma e regular de prova (teoria da fonte independente),
bastando que houvesse uma mera possibilidade disso ("seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova''). Inequívoca, pois, a adoção da limitação da descoberta inevitável (Lima, 2018).
MADEIRA, fazendo referência a alguns precedentes, chama atenção em relação à necessária cautela para
aplicação da teoria, que deve tomar em conta a linha investigativa do caso concreto e não tomada de forma
abstrata:
culminou com a arrecadação de todo material estupefaciente em questão. 2. Não se cogita estar
diante de descoberta inevitável, porquanto este fenômeno ocorre quando a prova derivada seria
descoberta de qualquer forma, com ou sem a prova ilícita, o que não se coaduna com o caso aqui
tratado em que a prova do crime dependeu da informação obtida pela autoridade policial quando
da conversa telefônica travada entre o suspeito e terceira pessoa. 3. O relato dos autos demonstra
que a abordagem feita pelos milicianos foi obtida de forma involuntária e coercitiva, por má
conduta policial, gerando uma verdadeira autoincriminação. Não se pode perder de vista que
qualquer tipo de prova contra o réu que dependa dele mesmo só vale se o ato for feito de forma
voluntária e consciente. 4. Está-se diante de situação onde a prova está contaminada, diante do
disposto na essência da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree),
consagrada no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, que proclama a nódoa de provas,
supostamente consideradas lícitas e admissíveis, mas obtidas a partir de outras declaradas nulas
pela forma ilícita de sua colheita. (STJ, REsp 1.630.097/RJ, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe
28.04.2017). O STF já admitiu o emprego desta teoria na hipótese de prisão em flagrante e de
busca e apreensão pessoal. Os policiais nesta hipótese apreenderam o celular do preso e olharam
seu histórico de ligações sem autorização judicial. Lá identificaram que havia sido feita chamada
próximo ao momento do crime e identificaram se tratar do marido da vítima de homicídio. O STF
considerou não haver ilicitude neste tipo de análise pela polícia mas, ainda que houvesse, a teoria
da descoberta inevitável afastaria esta ilicitude derivada: “Habeas Corpus. Nulidades: (1) Inépcia
da denúncia; (2) Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial; violação de registros
telefônicos do corréu, executor do crime, sem autorização judicial; (3) Ilicitude da prova das
interceptações telefônicas de conversas dos acusados com advogados, porquanto essas
gravações ofenderiam o disposto no art. 7.º, II, da Lei 8.906/1996, que garante o sigilo dessas
conversas. Vícios não caracterizados. Ordem denegada. “2. Ilicitude da prova produzida durante
o inquérito policial – violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem
autorização judicial. (...) 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a
prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos
da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não
assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos
termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no
caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos
que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter
encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu
nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2.º” (HC 91.867, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe 20.09.2012) (Dezem, 2018).
“Mas seria possível que o legislador infraconstitucional instituísse tal restrição à prova ilícita por derivação?
O questionamento já tem provocado controvérsia na doutrina”.
De outro lado, há respeitável corrente doutrinária segundo a qual, como o conceito de prova
ilícita e o de prova ilícita por derivação são indeterminados, tanto a ampliação indevida de seu
âmbito conceitual quanto sua restrição podem ser afastadas pelo juiz no momento de sua
aplicação. Nessa linha, de acordo com FEITOZA, tanto se pode admitir limitações à teoria da prova
ilícita por derivação, quanto entender, para garantir direito fundamental, no caso concreto, que
a limitação deva ser afastada e a prova deva ser reconhecida como prova ilícita (Lima, 2018).
Não obstante a controvérsia doutrinária, o fato é que, como vimos, as Cortes Superiores parecem caminhar
a passos largos na admissão e consolidação das teorias.
(MPE PR) - Promotor de Justiça (MPE PR)/2013. No tema PROVA PENAL, discorra
sobre a Teoria da Descoberta Inevitável e aponte ao menos um exemplo prático.
Também conhecida como: teoria da contaminação expurgada, da conexão atenuada, vício diluído, tinta
diluída, mancha purgada, vícios sanados, em inglês: “purged tainted limitation”. “Por esta teoria, quando a
ligação entre a prova ilícita e a que dela deriva for de tal maneira tênue, não há que se falar em derivação da
prova ilícita” (Dezem, 2018). Conforme ANDREY BORGES DE MENDONÇA, reflete “situações em que o nexo seja
tão distante entre a prova ilícita e a prova obtida que se poderia pensar em um afastamento (ao menos
normativo) deste nexo”.
De acordo com essa limitação, não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação se o nexo
causal entre a prova primária e a secundária for atenuado em virtude do decurso do tempo, de
circunstâncias supervenientes na cadeia probatória, da menor relevância da ilegalidade ou da
vontade de um dos envolvidos em colaborar com a persecução criminal. Nesse caso, apesar de
já ter havido a contaminação de um determinado meio de prova em face da ilicitude ou
ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento futuro expurga, afasta, elide esse vício,
permitindo-se, assim, o aproveitamento da prova inicialmente contaminada (Lima, 2018).
DENILSON FEITOZA destaca que tal teoria foi aplicada no caso Wong Sun v. United States, em 1963.
[...] policiais da ‘delegacia de entorpecentes’ entraram num domicílio sem ‘causa provável’
(indícios probatórios necessários para tal) e prenderam ilegalmente ‘A’, o qual, quase
imediatamente depois, acusou ‘B’ de ter vendido a droga. Os policiais, em seguida, prenderam
ilegalmente ‘B’, o qual, por sua vez, implicou ‘C’, que também foi preso ilegalmente. Vários dias
mais tarde, depois de ‘C’ ter sido libertado, ‘C’ voluntariamente confessou oralmente aos policiais
da delegacia de entorpecentes, durante seu interrogatório policial. A Suprema Corte excluiu a
apreensão da droga encontrada com ‘B’ e as declarações de ‘B’ por terem sido ‘frutos’ da entrada
ilegal na sua casa e da sua prisão ilegal. Entretanto, rejeitou que a confissão de ‘C’ fosse fruto da
sua prisão ilegal, pois, embora ‘C’ pudesse nunca ter confessado se ele jamais tivesse sido preso
ilegalmente, sua ação voluntária de confessar, depois de ter sido solto e alertado de seus direitos,
tinha tornado a conexão entre a prisão e a declaração tão atenuada que a ‘nódoa’ da ilegalidade
tinha se dissipado (Feitoza, 2008).
MADEIRA refere a um caso similar julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso Gäfgen vs.
Alemanha (Caso 22978/05):
Em 2002 Magnus Gäfgen foi submetido à tortura na fase do inquérito policial e confessou o
homicídio de J., garoto de 11 anos. Posteriormente Gäfgen foi processado e, em juízo, confessou
novamente o homicídio praticado, tendo se mostrado arrependido pelo crime praticado. Ao final
fora condenado à pena de prisão perpétua. Apresentou então reclamação perante a Corte
Europeia de Direitos Humanos que reconheceu ter havido tortura, de forma que condenou a
Alemanha a indenizar Gäfgen pelos danos sofridos, mas manteve a validade do processo.
Entendeu a Corte Europeia pela aplicação desta teoria na medida em que a confissão feita em
juízo, perante os juízes e com a presença de advogado faria com que a prova derivada tivesse
conexão atenuada e justificasse a condenação (Dezem, 2018).
Embora, nos casos concretos, possa ser complexa a constatação, a ideia é que uma ‘nódoa’ de ilegalidade
inicial pode ser expurgada por um ‘ato independente interveniente’, praticado pelo acusado ou por um
terceiro, que interrompa a corrente causal entre a ilegalidade e a prova, de uma tal maneira que a prova não
seja vista como tendo sido obtida pelo aproveitamento dessa ilegalidade (Feitoza, 2008).
Esta teoria acabou por ser positivada com a reforma processual, ao dispor-se, no § 1.º do art.
157, que é admissível a prova ilícita por derivação quando “não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras”. [...] se a premissa de inadmissibilidade da prova ilícita
derivada tem por base a existência do nexo de causalidade, também é verdade que esta
inadmissibilidade pode ser rompida com o rompimento do nexo de causalidade.
AVENA explica que “apesar de já estar contaminado um determinado meio de prova em face da ilicitude da
prova ou da ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento posterior expurga (afasta, elide) esta
contaminação, permitindo-se o aproveitamento da prova”.
Considere-se, porém, que, mais tarde, ouvido em juízo, na presença de seu advogado e livre de
qualquer coação, Pedro venha a confessar ao magistrado seu envolvimento, confirmando tudo
o que referiu na fase policial. Essa nova confissão é válida, pois expurga a contaminação
determinada pela confissão anteriormente operada no âmbito da delegacia de polícia.
BRASILEIRO complementa o conteúdo da teoria e ainda destaca a diferença entre ela e a limitação da fonte
independente:
Apesar de não haver qualquer referência expressa à limitação da tinta diluída, ao se referir o
dispositivo à ausência de nexo de causalidade entre a prova ilícita originária e prova subsequente,
pode-se daí extrair a adoção da referida teoria. Isso porque, segundo a teoria em questão, o vício
da ilicitude originária, quando atenuado em virtude do decurso do tempo, de circunstâncias
supervenientes, da magnitude da ilegalidade funcional ou da colaboração voluntária de um dos
envolvidos, faz desaparecer o nexo causal entre a prova ilícita originária e a prova subsequente,
não sendo viável falar-se em prova ilícita por derivação. Apesar de guardar certa semelhança com
a limitação da fonte independente, a teoria da mancha purgada com ela não se confunde. Na
teoria da fonte independente, o nexo causal entre as provas é atenuado em razão da
circunstância de a prova secundária possuir existência independente da prova primária. Na
limitação da mancha purgada, o lapso temporal decorrido entre a prova primária e a
secundária, as circunstâncias intervenientes na cadeia probatória, a menor relevância da
ilegalidade ou a vontade do agente em colaborar com a persecução criminal atenuam a
ilicitude originária, expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova secundária (Lima,
2018).
Ampla a matéria, não é? Veja, todavia, como já foi cobrada em questão discursiva; é necessário que
abordemos:
(MPE GO) - Promotor de Justiça (MPE GO)/2014/58º. Limitações à prova ilícita por derivação
(exceções às exclusionary rules). Conceitue as teorias abaixo relacionadas e discorra sobre sua
aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro: a) teoria da fonte independente (independent
source); b) teoria do descobrimento inevitável (inevitable discovery); c) teoria dos vícios sanados, da
tinta diluída ou limitação da mancha purgada (purged taint); d) teoria da proporcionalidade (balancing
test); e) teoria da destruição da mentira do imputado; f) teoria do risco; g) teoria da doutrina da visão
aberta (plain view doctrine); h) teoria da renúncia do interessado.
Dentro da imposição constitucional de inadmissibilidade das provas ilícitas, a lei estabelece a sua inutilização.
Essa questão é muito bem abordada por NORBERTO AVENA que, inclusive, resume as interpretações que podem
ser extraídas do dispositivo legal em referência.
Como se vê, o Código de Processo Penal passou a contemplar, expressamente, o direito das
partes à obtenção, antes da fase sentencial, de um pronunciamento judicial acerca da ilicitude
ou não de prova acostada aos autos, estabelecendo, ainda, na hipótese de reconhecimento dessa
ilicitude, a retirada obrigatória dos autos da prova considerada inadmissível. Embora, neste
aspecto, inexista qualquer inovação, dado que sempre houve a possibilidade de realizar o juiz,
de ofício ou a requerimento das partes, o exame da validade da prova no curso do processo, a
previsão legislativa é relevante, pois restringe a prática muito utilizada pelos juízes no sentido de
relegar essa análise valorativa apenas à fase final do procedimento, momento este em que,
indiscutivelmente, a prova eventualmente considerada ilícita, ainda que não usada como
fundamento da sentença, acaba por interferir no convencimento íntimo do juiz.
Observe-se que, como a ilicitude é questão que envolve violação direta ou indireta da
Constituição Federal, não há tempo certo para a sua arguição. Destarte, nada impede, até mesmo
por uma questão de estratégia processual, que somente na fase recursal ou após o trânsito em
julgado de sentença condenatória venha a ser sustentado pelo interessado o vício da prova,
buscando a reforma dessa decisão ou, dependendo do caso concreto, a própria anulação do
processo (v.g., por ter sido a denúncia recebida exclusivamente a partir de prova ilícita) ou da
decisão nele proferida. Aspecto crucial a ser enfrentado respeita à previsão de
desentranhamento da prova reconhecida como ilícita e de sua inutilização (art. 157, caput e §
3º). O impasse decorre do fato de que a aplicação rigorosa do dispositivo terá como consequência
afastar a possibilidade acenada há longo tempo pela doutrina e pela jurisprudência acerca da
utilização da prova ilícita em favor do réu (e, para alguns, também em prol da sociedade, quando
se tratar de crimes muito graves) a partir de ponderações em torno do princípio da
proporcionalidade, visto que, desentranhada e inutilizada a prova, não haverá como servir de
base para formar a convicção do julgador. A respeito dessa questão, da análise do art. 157 do
CPP três interpretações podem ser extraídas:
• Segunda: O art. 157, § 3º, permite que o juiz, embora reconheça a prova como ilícita, decida
por não desentranhá-la dos autos ou, se assim o fizer, não inutilizá-la. Considera-se que, apesar
de reconhecer a ilicitude da prova, poderá o juiz não desentranhá-la ou não inutilizá-la, em face
da possibilidade excepcional de sua utilização, especialmente em favor do réu, quando, no caso
concreto, concluir que dificilmente surgirão outras provas que conduzam à verdade real. Esta
orientação baseia-se no fato de que o § 3º do art. 157 emprega a palavra “decisão” ao se referir
ao desentranhamento da prova ilícita e à sua inutilização, o que sugere possibilidade de escolha,
opção do julgador.
• Terceira: A prova reconhecida como ilícita por decisão transitada em julgado deverá ser
obrigatoriamente desentranhada (art. 157, caput), facultando-se ao juiz decidir por sua
inutilização ou não (art. 157, § 3º). Esta exegese, que reputamos ser a aceitável, busca
harmonizar o caput do art. 157 do CPP com o seu § 3º, dado que a interpretação literal destes
dispositivos torna-os contraditórios. Afinal, enquanto o caput obriga ao desentranhamento da
prova ilícita, o § 3º refere-se a uma decisão de desentranhamento, sugerindo que possa o
magistrado optar por desentranhá-la ou não. Pois bem, segundo esta terceira exegese do art.
157, deve-se entender que o § 3º, ao referir-se à “decisão de desentranhamento da prova
declarada inadmissível”, contém impropriedade redacional, sendo que a única forma de conciliá-
Neste caso, se desentranhada a prova considerada ilícita, decidir o juiz por não inutilizá-la,
pensamos que deverá ser ela autuada e permanecer em apartado ao processo, possibilitando
sua eventual utilização, pelo juiz ou pelo tribunal (em grau de recurso), quando, por exemplo,
não houver outra forma de comprovar a inocência do réu e evitar uma condenação injusta. A
despeito de inexistir previsão legal expressa, a decisão que reconhece a ilicitude da prova é
recorrível. Quanto à natureza desse recurso, não temos dúvida de que se trata do recurso em
sentido estrito, por interpretação extensiva do art. 581, XIII, do CPP, contemplando o manejo
desta insurgência contra a decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em
parte. Afinal, o reconhecimento da ilicitude de uma prova não deixa de ser uma forma de
anulação parcial da instrução, justificando-se o ingresso do RSE. E se não for reconhecida a prova
como ilícita pelo juiz? Neste caso, restará à parte prejudicada proceder do mesmo modo que o
faria se tivesse indeferido requerimento seu de anulação de ato processual contaminado por
nulidade: impugnação imediata da decisão judicial por meio de habeas corpus (em favor do réu,
caso responda por crime sujeito a pena de prisão) ou mandado de segurança (em prol da
acusação ou em favor do réu, se estiver respondendo por crime não sujeito a pena de prisão);
ou, então, aguardar a sentença final e, se esta fundamentar-se na prova supostamente viciada,
alegar esta questão em preliminar do recurso cabível contra a decisão prolatada (apelação da
sentença condenatória, recurso em sentido estrito da pronúncia etc.) (Avena, 2017).
A peculiaridade, relevante, no Tribunal do Júri, é que os jurados votam em sigilo, em íntima convicção e,
portanto, sem necessidade/possibilidade de fundamentar suas decisões. Daí não se poder avaliar qual o grau
de influência que a prova ilícita possa ter dito no veredicto.
Destarte, caso a prova ilícita tenha sido produzida ainda na primeira fase do procedimento do
júri, deve o juiz sumariante, ao pronunciar o acusado, determinar o desentranhamento da prova
ilícita, deixando de levá-la em consideração na sua decisão. Se, no entanto, a prova ilícita tiver
permanecido no processo ou nele ingressar após a pronúncia, ocorrendo o julgamento pelos
jurados, deverá o Tribunal, em sede de recurso de apelação ou habeas corpus, reconhecer a
ilicitude da prova e, por consequência, determinar a anulação do julgamento, diante da
impossibilidade de se avaliar o grau de influência da prova ilícita sobre os jurados (Lima, 2018).
8 - JUIZ ‘CONTAMINADO’
O Presidente da República vetou parcialmente, destacando contrariedade ao interesse público, o Projeto de
Lei 4.205/2001 (nº 37/07 no Senado Federal), que futuramente consolidou a Lei nº 11.690/2008, responsável
pela alteração do Código de Processo Penal. No referido Projeto constava um § 4º para o artigo 157 e,
justamente ele, foi vetado/excluído pela Presidência. Continha a seguinte redação:
§ 4º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a
sentença ou acórdão. [vetado]
Assim, hoje, não há impeditivo legal expresso para que o juiz que tomou conhecimento da prova ilícita julgue
o caso; não é preciso que se afaste, não é legalmente suspeito ou impedido. Parte da doutrina critica o veto
e o não afastamento. Vejamos:
Questão muito importante refere-se à figura do juiz contaminado. Neste caso o juiz que toma
conhecimento da prova ilícita deverá ser afastado do processo, não podendo nele proferir
decisão. Esta medida mostra-se de suma importância, na medida em que o juiz que toma
conhecimento da prova ilícita não poderá utilizar este conhecimento para o julgamento da causa.
Os que são contra esta ideia fundamentam sua posição nos seguintes argumentos: (a) o juiz não
poderá utilizar a prova ilícita em sua fundamentação; (b) não há previsão legal para esta medida;
(c) necessidade de aumento do número de juízes para que a medida se efetive; (d) possibilidade
de as partes forçarem a saída do juiz introduzindo no processo prova ilícita. A primeira
argumentação deve ser rejeitada com a simples ideia do que é humano. O ser humano não
consegue ignorar determinados fatos que integram seu conhecimento. É claro que o juiz não
poderá usar a condenação baseado em prova ilícita. No entanto, isto não impede o juiz de
fundamentar sua condenação baseado em outros elementos. No filme Brilho eterno de uma
mente sem lembrança as pessoas podem pagar para apagar suas memórias ruins. Porém, a vida
não é assim. Um juiz, por mais técnico e correto que seja, não consegue evitar de levar este
conhecimento quando do julgamento. Não é possível que se exija do magistrado o que ele não
pode dar, ou seja, isenção. Não se imagina como seja possível ao magistrado retirar de sua mente
o conhecimento da prova ilícita para que julgue de maneira isenta o acusado sem levar esta prova
em consideração. Assim, até para a proteção do próprio magistrado, entendemos que não pode
julgar o feito o magistrado que tomou contato com a prova ilícita, apesar do veto ao parágrafo
quarto. Não podemos nos esquecer que estas cominações existem justamente para que o
indivíduo não precise depender de boas qualidades pessoais do julgador que, embora desejáveis,
não devem ser levadas em conta quando da discussão técnica do tema. Quanto ao segundo tema
(ausência de previsão legal), é de se ver que o § 4.º do art. 157 foi vetado. No entanto,
entendemos que a imparcialidade objetiva justifica a adoção desta figura. Ao juiz não basta ser
subjetivamente imparcial, deve ele demonstrar a ausência de motivos que afetem a sua
imparcialidade e, por isso, entendemos que deva ser ele afastado do processo. A terceira medida
também não se faz necessária. Não é preciso que se aumente o número de juízes. Já há em todas
as comarcar um sistema de rodízio para os casos de suspeição e impedimento e, convenhamos,
os casos envolvendo prova ilícita não são, ademais, tão numerosos. Ainda é importante notar
que com a implantação do processo digital os juízes de qualquer canto do Estado podem ser
designados para atuar em qualquer processo sem necessidade de deslocamento. Por fim, a ideia
de que a parte possa forçar a saída do juiz por meio da produção de prova ilícita também não
convence. Isto porque o sistema já resolve esta situação nas hipóteses envolvendo suspeição e
impedimento. Neste sentido o art. 144 § 1º, do novo CPC. Comunga desta posição também
GUSTAVO BADARÓ. No entanto, é forçoso reconhecer que esta posição não é aceita pela
jurisprudência que vê rol taxativo nas hipóteses de impedimento e suspeição (Dezem, 2018).
MARINONI & ARENHART se referem à teoria da descontaminação do julgado e sobre ela explicam e refletem:
Essa teoria nada tem a ver com a contaminação da segunda prova pela primeira, mas sim com a
descontaminação do julgado, ou melhor, com a decisão de que uma prova, em que o julgado se
baseou, era ilícita, e assim deve ser afastada. Essa decisão tem o efeito de descontaminar o
julgado. O problema é saber como realizar tal descontaminação. É certo que se o tribunal, ao
reconhecer a ilicitude da prova, deve afastá-la, outro julgamento deverá ser feito pelo juízo de
primeiro grau. Mas, se o julgamento voltar a ser feito pelo mesmo juiz que admitiu a prova ilícita,
certamente existirá uma grande probabilidade de que o seu convencimento seja por ela
influenciado, ainda que inconscientemente. Não se quer dizer, note-se bem, que o juiz que se
baseou na prova ilícita irá buscar uma sentença de procedência a qualquer custo, ainda que
inexistam outras provas válidas, mas apenas que a valoração dessas outras provas dificilmente
se livrará do conhecimento obtido através da prova ilícita. Trata-se de situação que é peculiar à
natureza humana, e, assim, algo que deve ser identificado para que a descontaminação do
julgado seja plena, ou para que a sua descontaminação pelo tribunal elimine – ou previna –
qualquer possibilidade de infecção posterior. Portanto, se o tribunal decide que uma das provas
em que a sentença se baseou é ilícita, o julgamento de primeiro grau deverá ser feito por outro
juiz, que não aquele que proferiu a sentença anterior. A questão que daí advém é relativa ao juiz
natural, ou melhor, à forma de definir o juiz que deverá analisar o caso. É preciso frisar o grande
perigo de que essa escolha possa ser arbitrária e, portanto, apontar para a necessidade de se
minimizar, na medida do possível, a margem de discricionariedade para a definição do “novo
juiz”. Em princípio, esse “novo juiz” deve ser alguém já competente para substituir o juiz afastado
(Marinoni, et al., 2015).
Impressionante a insistência do Congresso Nacional com relação a essa disposição. Por que dizemos isso?
Porquanto mais uma vez, agora com alterações no Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), quis implementar
dispositivo idêntico, acrescentando o § 5º ao art. 157 do CPP:
Dessa vez a tentativa esbarrou, até agora, em decisão do Ministro LUIZ FUX, de 22/1/2020, que
concedeu medida cautelar requerida nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e suspendeu, sine die, a eficácia (ad
referendum do Plenário) desse parágrafo. Então, atualmente, e enquanto essa decisão sumária do STF não
for revista, a referida disposição não tem aplicação.
Na fundamentação, aproveitada de decisão anterior do Ministro DIAS TOFFOLI, foram trazidas as seguintes
razões:
De início, anoto que a norma em tela é extremamente vaga, gerando inúmeras dúvidas. O que
significa “conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível”? Significa apenas travar
contato com a prova ou pressupõe que o juiz necessariamente tenha emitido algum juízo de valor
sobre o material probatório? Como se materializaria a demonstração desse “conhecimento”? O
juiz, após “conhecer” do conteúdo da prova, ainda poderá proferir decisões interlocutórias e
presidir a instrução, ficando impedido apenas para a sentença, ou ficará impedido desde logo? A
ausência de clareza do preceito é também capaz de gerar situações inusitadas. Imagine-se o juiz
que, ao proferir a sentença, se depare com uma prova ilícita e a declare como tal. Nesse caso, ele
interrompe a prolação da sentença e, em seguida, remete os autos ao juiz que o substituirá?
Imagine-se, agora, que a câmara de um tribunal decida anular um processo por ilicitude da prova
e determine o retorno dos autos à origem. Nesse caso, a câmara ficará impedida de julgar nova
apelação? A vagueza do preceito e as inúmeras dúvidas que ele suscita, por si sós, colocam em
dúvida sua constitucionalidade. Uma das facetas do princípio da legalidade, princípio basilar do
Estado Democrático de Direito, é que as leis sejam editadas, tanto quanto possível e adequado,
com precisão, de modo que sejam aptas a efetivamente orientar a ação individual. Desse modo,
promove-se previsibilidade e, consequentemente, segurança jurídica. Assim, a utilização de
fórmulas legislativas excessivamente vagas viola a segurança jurídica e o princípio da legalidade.
[...]
O § 5º do art. 157 é também danoso ao princípio do juiz natural, por ser norma de competência
que não fornece critérios claros e objetivos para sua aplicação. Como redigido, o preceito pode
resultar na criação de situações em que a produção de prova eventualmente nula sirva como
instrumento deletério de interferência na definição do juiz natural (CF, art. 5º, LIII), abrindo
brecha para a escolha do magistrado que examinará o processo crime, vulnerando-se, por via
transversa, o postulado constitucional em questão. Com efeito, Gustavo Badaró anota que existe
o direito ao juiz certo, determinado segundo os critérios legais de competência, “que devem ser
estabelecidos a partir de elementos claros e objetivos, que não permitam qualquer manipulação
da individualização ou escolha do órgão que legitimamente irá julgar o processo”. (Juiz natural
no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 157). [...]
Por essas razões, neste juízo preliminar, próprio das medidas liminares, entendo ser o caso de
suspensão do § 5º do art. 157 do CPP, inserido pela Lei nº 13.964/2019.
Teremos de aguardar a deliberação do Plenário do STF para saber, com certeza, se a nova tentativa do
Congresso vai ‘colar’ ou não.
Doutrina complementar
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Qualquer prova que
decorra direta e essencialmente de prova ilícita, por consequência lógica e inevitável, é
considerada prova ilícita por derivação. O nexo de causalidade contamina de ilicitude a prova
sequencialmente obtida. Aplica-se, in casu, a doutrina da árvore dos frutos envenenados (fruits
of the poisonous tree), elaborada na jurisprudência norte-americana. Se determinada prova
decorrer de prova ilícita e também de outra fonte lícita independente, prevalecerá sua licitude”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “Trata-se
da prova que, conquanto isoladamente considerada possa ser considerada lícita, decorra de
informações provenientes da prova ilícita. Nesses casos, aplica-se a denominada teoria dos fruits
of the poisonous tree, criada pela Suprema Corte norte-americana. Conforme sugere a expressão
inglesa, a teoria é no sentido de que as provas ilícitas por derivação devem ser igualmente
desprezadas, pois ‘contaminadas’ pelo vício de ilicitude do meio usado para obtê-las. A
contaminação, entretanto, não atinge a prova colhida durante o processo penal, se a prova ilícita
instruiu apenas o inquérito policial. O § 1º do art. 157 do CPP, inserido pela Lei n. 11.690/2008,
consagrou a teoria dos frutos da árvore envenenada, que vinha sendo aplicada por nossos
tribunais”.
PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “Fonte independente de
prova (FIP) é aquela que foi obtida sem qualquer relação, direta ou indireta, com a prova ilícita.
Trata-se de um meio de prova que tem vida própria, autônoma, lícita e que não é contaminada
e nem contamina qualquer outra fonte de prova, exatamente pela sua licitude. A lei fala que se
não houver um nexo de causalidade entre a prova ilícita e a outra prova obtida, não haverá
contaminação, ou seja, a relação de causalidade é o liame que deve existir entre uma prova ilícita
e outra (lícita) para que possamos falar em contaminação. É a linha que liga a colheita de uma
prova à obtenção de outra”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “(...) o § 1º do art.
157 prevê que são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma
fonte independente das primeiras. Trata-se de teoria que já foi adotada pelo Supremo Tribunal
Federal, no qual se entendeu que se deve preservar a denúncia respaldada em prova autônoma,
independente da prova ilícita impugnada por força da não observância de formalidade na
execução de mandado de busca e apreensão (STF, HC-ED 84.679/MS, rel. Min. Eros Grau, j. 30-
8-2005, DJ, 30 set. 2005, p. 23). Portanto, a prova derivada será considerada fonte autônoma,
independente da prova ilícita, ‘quando a conexão entre umas e outras for tênue, de modo a não
se colocarem as primárias e secundárias numa relação de estrita causa e efeito’”.
ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2017): “A regra que determina a exclusão da prova ilícita por derivação (exclusionary
rule), todavia, não é absoluta, na medida em que a ilicitude remota só contaminará a prova
derivada quando houver inequívoca relação de causalidade entre ela e a ação ilegal (art. 157, §
1º), ou seja, quando se puder concluir que a ação ilícita originária foi conditio sine qua non do
alcance da prova secundária. Por essa razão, não será impregnada pela ilicitude a evidência
obtida por meio de fonte independente. O Código de Processo Penal, adotando o critério da
prova separada, considera fonte independente: (...) o elemento autônomo de informação que,
embora derivado da prova ilícita, não teve a ação maculada como causa determinante (art.
157, § 1º, parte final). É a independent source exception do direito norte-americano. Em tais
casos, apenas aparentemente as provas secundárias derivam da ação ilícita, pois, na verdade,
foram alcançadas em decorrência de meios lícitos. Ex.: O Superior Tribunal de Justiça, conquanto
tenha reconhecido a invalidade da decisão judicial que autorizou a busca domiciliar na residência
do acusado, declarou a validade das provas obtidas por meio de revista em sua casa, já que o réu
foi preso em flagrante antes do início da execução da medida de busca e apreensão, circunstância
que autorizava, por expressa previsão constitucional, o ingresso no domicílio a despeito da
inexistência de autorização judicial”.
FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “(...) afirma
Scarance, lançando mão do ensinamento de Barbosa Moreira, que, na jurisprudência norte-
americana, tem-se afastado a tese da ilicitude derivada ou por contaminação quando o órgão
judicial se convence de que, fosse como fosse, se chegaria ‘inevitavelmente, nas circunstâncias,
a obter a prova por meio legítimo’. Nesse caso, a prova que deriva da prova ilícita originária seria
inevitavelmente conseguida de qualquer outro modo. Segundo o § 2º do art. 157, ‘Considera-se
fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da
investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova’. O legislador
considera, assim, fonte independente a descoberta inevitável, mas tal previsão legal é por demais
ampla, havendo grave perigo de se esvaziar uma garantia constitucional, que é a vedação da
utilização da prova ilícita”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “A
inevitabilidade da descoberta leva ao reconhecimento de que não houve um proveito real, com
a violação legal. A prova ilícita, que deu ensejo à descoberta de uma outra prova, que seria
colhida mesmo sem a existência da ilicitude, não terá o condão de contaminá-la. Exige-se que a
aplicação dessa teoria não se dê a partir de meras conjecturas, sendo preciso que existam
elementos concretos que evidenciem que, em linha sucessiva à prova ilícita que ensejou o
conhecimento do fato, havia investigação concreta paralela que fatalmente chegaria à
demonstração da mesma situação fática (juízo provável). [...] O que se deseja é impedir a
contaminação de provas decorrentes de uma ilícita, caso o seu descobrimento seja inevitável. É
dizer, se uma determinada prova viria aos autos de qualquer maneira, mesmo que a ilicitude não
tivesse acontecido, esta deve ser encarada como uma fatalidade, e o vínculo entre a prova
originária e a derivada não deve levar a mácula desta última. Agrega-se, portanto, um outro
ponto de vista quando em comparação com a teoria anterior [fonte independente]. É que na
prova independente, não existe liame entre a prova ilícita e as demais. Na descoberta inevitável,
o nexo existe, mas não é decisivo, pois a prova derivada, mesmo que a ilicitude não se operasse,
ainda assim seria produzida dentro da lei”.
EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012), ao tratar
sobre o nexo causal que porventura exista entre a ilegalidade originária e a obtenção da prova,
bem como sobre as variáveis que podem influenciar nessa conexão, assevera: “É possível que
tenha havido a ruptura da cadeia causal ou esta se tenha enfraquecido suficientemente em
algum momento, de modo a se fazer possível a admissão de determinada prova, porque não
alcançada pelo efeito reflexo da ilegalidade praticada originariamente. Para tanto, a Suprema
Corte dos EUA elaborou uma série de regras que hoje precipita a polêmica em nossos tribunais.
Tais regras, ‘mal chamadas exceções’ à doutrina do fruto da árvore envenenada, na verdade são
desdobramentos lógicos desta. São elas: a) a doutrina da fonte independente (independent
source doctrine); b) a doutrina da conexão atenuada (attenuated connection doctrine) e a
doutrina da inevitável descoberta (inevitable discovery exception), cujos nomes traduzem em
linhas gerais os respectivos significados e com as quais se impede a invalidação das provas assim
produzidas. Saliente-se, ainda, que não se pode esquecer que, em muitas oportunidades, o
instrumento probatório ilicitamente produzido ou obtido possa ser trazido aos autos ou surtir
efeito a favor de quem nada tenha que ver com a ilicitude praticada, e, nesse caso, seria insensato
pretender sem atenuações da regra a imposição da ineficácia da prova ou sanção de nulidade”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “(...)
objetiva-se aqui evitar o reconhecimento da ilicitude da prova, caso os agentes de polícia ou da
persecução penal como um todo, tenham atuado destituídos do dolo de infringir a lei, pautados
verdadeiramente em situação de erro. Como esclarece Walter Nunes da Silva Júnior: ‘No sistema
americano, ainda se afasta a aplicação das exclusionary rules tendo como suporte a boa-fé (good
faith) dos agentes incumbidos de realizar atos investigatórios. Esse tema é extremamente
delicado, visto que trata de situação em que o agente, em razão de erro de fato, finda malferindo,
com o seu agir, um direito fundamental; todavia, em virtude de sua boa fé, tem-se por afastada
a ilegalidade’. [...] A boa-fé, como se conclui, não pode sozinha retirar a ilicitude da prova que foi
produzida. A ausência de dolo por parte do agente não ilide a contaminação, posto que é
imprescindível não só a boa-fé subjetiva, mas também a objetiva, que é o respeito à lei na
produção do manancial probatório”.
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017)
bem exemplifica e elucida essa limitação com o seguinte caso: “A autoridade policial prende
Pedro de forma ilegal, vale dizer, sem que esteja ele em situação de flagrância e sem que haja
ordem escrita da autoridade judiciária competente. No curso dessa prisão ilegal, sentindo-se
coagido, Pedro vem a confessar o crime de que está sendo investigado. Ora, esta confissão é uma
prova ilícita por derivação, pois obtida durante o período em que se encontrava Pedro
ilegalmente preso. Considere-se, porém, que, mais tarde, ouvido em juízo, na presença de seu
advogado e livre de qualquer coação, Pedro venha a confessar ao magistrado seu envolvimento,
confirmando tudo o que referiu na fase policial. Essa nova confissão é válida, pois expurga a
contaminação determinada pela confissão anteriormente operada no âmbito da delegacia de
polícia”.
VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012) critica o
“procedimento” de declaração e inutilização das provas consideradas ilícitas previsto no § 3º do
art. 157, inserido com a reforma do CPP em 2008: “O § 3º é a prova patente da falta de
sistemática da reforma. O Código não prevê ‘incidente de inutilização de prova ilícita’ nem o que
NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017),
sobre o tema, sustenta: “Aspecto crucial a ser enfrentado respeita à previsão de inutilização da
prova reconhecida como ilícita inserida ao art. 157, § 3. º, in fine, do CPP. O impasse decorre do
fato de que a aplicação rigorosa do dispositivo terá como consequência afastar a possibilidade
acenada há longo tempo pela doutrina e pela jurisprudência acerca da utilização da prova ilícita
em favor do réu a partir de ponderações em torno do princípio da proporcionalidade, visto que,
inutilizada a prova, não poderá servir de base para formar a convicção do julgador. Por isso,
entendemos que o dispositivo merece interpretação flexível, compreendendo-se que, embora a
prova reconhecida como ilícita por decisão transitada em julgado deva ser obrigatoriamente
desentranhada, a sua inutilização deve ser uma faculdade judicial. Assim, possibilita-se ao juiz
decidir por não inutilizar prova ilícita se constatar que, até o momento de sua exclusão, inexistem
outros elementos de convicção nos autos capazes de demonstrar um fato necessário ao réu.
Quanto ao destino dessa prova, poderá ser autuada em apartado ao processo ou arquivada em
cartório, possibilitando que seja considerada na sentença pelo Juiz, ou em grau de recurso pelo
Tribunal, quando não houver outra forma de comprovar, por exemplo, a inocência do réu e assim
evitar uma condenação injusta”.
NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “(...) é
possível que o vínculo entre a prova ilícita e a derivada seja tão tênue ou superficial que acabe
não havendo contaminação. Esta seria expungida. Perceba-se que a ausência de vínculo não é
absoluta. Ele existe, porém acaba sendo tão insólito que é irrelevante, preservando-se a licitude
da prova derivada. O liame causal (relação de causalidade) existente entre a prova ilícita e a
derivada é de ser frágil em razão de circunstâncias relacionadas ao tempo (prova ilícita de data
muito remota em relação à nova prova), ao espaço ou à força determinante da prova primária
relativamente à secundária. Pode-se dizer que o conhecimento da prova derivada se deu por um
conjunto de fatores, dentre os quais um é ilícito, mas que, por si só, não é tão determinante para
macular por completo a prova secundária. Trata-se de argumento retórico subsidiário para
também afastar a ilicitude da prova que assim seria por derivação. A linha assumida é evitar a
declaração da ilicitude de prova que decorra de uma ilícita, se o vínculo entre ambas, em que
pese existir, é por demais superficial. A fragilidade do laço impediria a aplicação das
consequências de entender que tal prova, mesmo derivada de uma ilícita, fosse lançada no
mesmo rol”.
RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017): “Imagine-se situação
em que, autorizada judicialmente interceptação telefônica com vistas a investigar crime de
tráfico de drogas, durante as conversações gravadas e em razão delas se descobre a prática de
outros delitos. Muito embora a medida excepcional tenha sido autorizada com a finalidade de
apurar crime determinado, não há razão lógica ou jurídica para desprezar a prova relativa a delito
diverso. O STF tem decidido reiteradamente que na hipótese tratada não há qualquer ofensa ao
art. 5º, XII e LVI, da CF”.
Jurisprudência pertinente
[...] As defesas de Eduardo, Ronny e Marcos alegam que o acervo probatório coligido aos autos
seria ilícito, eis que as mensagens obtidas nos aparelhos celulares apreendidos em sede policial
foram acessadas sem prévia autorização judicial. Não se verifica a alegada ilicitude da prova,
pois o acesso ao conteúdo dos aparelhos celulares apreendidos foi, tal como esclarecido pelos
policiais, franqueado a eles pelos próprios acusados, logo desnecessária a ordem judicial.
Ademais, naquele contexto fático os policiais já possuíam fortes indícios de participação dos
acusados em crime. E se aduzem a ausência de assentimento, indispensável essa comprovação,
pois o seu ônus incumbe a quem alega (art. 156 do C.P.P.). Assim, após compulsar os autos,
nada encontrado nesse sentido, logo impossível decretar a nulidade da prova supostamente
ilegal, a qual demonstra claramente nas conversas o arranjo para a prática do homicídio de Tiago
da Silva Pontes (vítima fatal). A garantia constitucional da inviolabilidade das comunicações
telefônicas se refere, especificamente, à vedação de escutas clandestinas, a qual não se
coaduna a verificação das mensagens do aplicativo WhatsApp, nos celulares apreendidos na
posse de suspeitos da prática de crimes. [...]. (STF - ARE: 1312981 RJ 0000127-
61.2018.8.19.0014, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/03/2021, Data de Publicação:
11/03/2021).
[...] A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se
instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios
ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que
tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções
concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República,
em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com
os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer
prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de
violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em
conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a
fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA
DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A
QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou
condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer
se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de
modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal
nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova
originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa
um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of
law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela
constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em
sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos
"frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios
probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se
afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite,
contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados
probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão
praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia
constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em
decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução
penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como
resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais,
cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa
limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão
da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação
a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência
nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais
dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela
mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN
INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA -
DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA
(A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V.
UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V.
UNITED STATES (1988)", v.g.. (RHC 90376, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma,
julgado em 03/04/2007).
[...] Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da
administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de
fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que
assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os
poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo
desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. - A administração tributária, por isso mesmo,
embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados
os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para
esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei
Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários -
restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido
em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas
de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que
exercem a autoridade em nome do Estado. [...] O atributo da auto-executoriedade dos atos
administrativos, que traduz expressão concretizadora do "privilège du preálable", não prevalece
sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade
exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes. ILICITUDE
DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER
INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO
ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação
persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para
revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos,
sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da
inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no
plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela
jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do
Estado de produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da República, em norma
revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os
postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer
prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de
violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em
conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a
fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. - A circunstância
de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer
a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo
desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da
República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias
constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular. - Os
procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados
consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser
corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos
postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que
restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros. (HC
82788, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/04/2005).
levaram a sua exclusão. As limitações ao debate em plenário são pontuais e especificadas nos
arts. 478 e 479 do CPP, com redação dada pela Lei 11.689/08. A exclusão de prova ilícita não é
contemplada nas normas de restrição ao debate. Normas de discutível constitucionalidade e
que vêm sendo interpretadas restritivamente pelo STF. Precedentes. [...] (RHC 137368,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 29/11/2016).
[...] Quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Confissão obtida com base na prova
ilegal. Contaminação. HC concedido para absolver a ré. Ofensa ao art. 5º, inc. LVI, da CF.
Considera-se ilícita a prova criminal consistente em obtenção, sem mandado, de dados
bancários da ré, e, como tal, contamina as demais provas produzidas com base nessa diligência
ilegal. (HC 90298, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009).
[...] ACUSAÇÃO BASEADA EM PROVAS RECONHECIDAS COMO ILÍCITAS PELO STJ. AUSÊNCIA DE
JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVAS IDÔNEOS
PARA EMBASAR A DENÚNCIA. [...] 2. Evidenciada, pela instância ordinária, a ausência de nexo
de causalidade, não há falar que a prova declarada ilícita contaminou o suporte probatório
embasador da sentença condenatória (CPP, art. 157, § 1º). Ademais, não sendo perceptível
prima facie a derivação da prova, torna-se inviável, ao menos na via do habeas corpus, cotejar os
inúmeros elementos de convicção trazidos aos autos e modificar a conclusão exarada pelo juízo
sentenciante. 3. Ordem denegada. (HC 116931, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda
Turma, julgado em 03/03/2015).
[...] Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu,
terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares
apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros
telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula
do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral.
A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever
da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração
penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos,
meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou,
unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do
delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente).
Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como
possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera
argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais,
ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the
poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na
hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da
descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams
(1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam
os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado
guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova
redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º. 3. Ilicitude da prova das interceptações
telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que essas gravações
ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que garante o sigilo dessas conversas.
3.1 Nos termos do art. 7º, II, da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia garante ao advogado a
inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de
trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas
ao exercício da advocacia. 3.2 Na hipótese, o magistrado de primeiro grau, por reputar necessária
a realização da prova, determinou, de forma fundamentada, a interceptação telefônica
direcionada às pessoas investigadas, não tendo, em momento algum, ordenado a devassa das
linhas telefônicas dos advogados dos pacientes. Mitigação que pode, eventualmente, burlar a
proteção jurídica. 3.3 Sucede que, no curso da execução da medida, os diálogos travados entre
o paciente e o advogado do corréu acabaram, de maneira automática, interceptados, aliás, como
qualquer outra conversa direcionada ao ramal do paciente. Inexistência, no caso, de relação
jurídica cliente-advogado. 3.4 Não cabe aos policiais executores da medida proceder a uma
espécie de filtragem das escutas interceptadas. A impossibilidade desse filtro atua, inclusive,
como verdadeira garantia ao cidadão, porquanto retira da esfera de arbítrio da polícia escolher
o que é ou não conveniente ser interceptado e gravado. Valoração, e eventual exclusão, que
cabe ao magistrado a quem a prova é dirigida. 4. Ordem denegada. (HC 91867, Relator(a): Min.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012).
[...] Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem
conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor
requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova.
Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de
sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a
gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF.
Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação,
objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa
telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa
legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer
prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. (RE 402717, Relator(a): Min. CEZAR
PELUSO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2008).
[...] 1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se
confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição. 2. É lícita
a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores,
sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da
conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AI 560223 AgR, Relator(a): Min.
JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011).
[...] O “crime achado”, ou seja, a infração penal desconhecida e, portanto, até aquele momento
não investigada, sempre deve ser cuidadosamente analisada para que não se relativize em
excesso o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal. A prova obtida mediante interceptação
telefônica, quando referente a infração penal diversa da investigada, deve ser considerada
lícita se presentes os requisitos constitucionais e legais. [...] (HC 129678, Relator(a): Min.
MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado
em 13/06/2017).
muito embora a ilicitude imponha o desentranhamento das provas obtidas ilegalmente, nada
impede seja renovada a coleta de dados (bancários, documentais, fotográficos etc), com a
devida autorização judicial. Precedentes. 8. Mostra-se positivo o reconhecimento, no direito
pátrio, da doutrina norte-americana das exclusionary rules, inclusive quanto à invalidação das
provas ilícitas por derivação (ali consagrada pela fruits of the poisonous tree doctrine), mas
igualmente se há de ponderar que, na linha também do que desenvolveu a jurisprudência da
Suprema Corte dos EUA, há temperamentos a serem feitos ao rigor excessivo dessa doutrina.
Não, evidentemente, para acolher a concepção, presente em outros povos, de que as provas
ilícitas devem ser aproveitadas, punidos aqueles que causaram a violação do direito (male
captum bene retentum). Mas, sim, para averiguar (a) se a prova licitamente obtida seria
inevitavelmente descoberta de outro modo (inevitable discovery), a partir de outra linha
legítima de investigação, ou (b) se tal prova, embora guarde alguma conexão com a original,
ilícita, não possui relação de total causalidade em relação àquela, pois outra fonte a sustenta
(independent source). 9. Na espécie, conquanto o acesso às conversas armazenadas no
aplicativo WhatsApp do reclamante tenha ocorrido sem a devida autorização judicial, de tal sorte
que foram reconhecidas ilícitas as provas produzidas a partir dessas conversas, a fonte manteve-
se íntegra, tal qual era a época do delito, de tal modo que não há empecilho a que o magistrado,
instado pelo Ministério Público, decida de modo fundamentado acerca da possibilidade de
realização de perícia, com acesso às conversas armazenadas no WhatsApp, sem que isso
represente afronta à autoridade da decisão desta Corte. 10. É possível inferir, do conteúdo do
acórdão proferido no RHC n. 89.385/SP, que a prisão do acusado se deu porque haveria sido
flagrado, em uma blitz, com a posse de drogas para consumo próprio. Somente com o acesso
ao conteúdo das conversas no WhatsApp é que foi descoberto o crime de tráfico de drogas.
Vale dizer, não havia absolutamente nenhum indicativo, até o acesso às mensagens, do
cometimento do delito de tráfico. Logo, a descoberta desse crime se deu exclusivamente com
base em prova considerada ilícita, porquanto não havia autorização judicial para acesso às
conversas de WhatsApp. A partir daí, por derivação, todas as provas produzidas devem ser
consideradas imprestáveis. 11. Observa-se, então, que todo o processo deflagrado contra o réu,
pela prática do crime de tráfico de drogas, teve seu nascedouro a partir do acesso às conversas
de WhatsApp, sem a existência de nenhuma fonte independente e, tampouco, sem que se
pudesse afirmar que sua descoberta seria inevitável, visto que o acesso ao conteúdo do
dispositivo dependeria de autorização judicial (que poderia ser negada), motivo pelo qual deve
ser anulada não só a sentença, como constou do dispositivo proferido no RHC n. 89.385/SP, mas
todo o processo ab initio. 12. Sendo certo, porém, que a apreensão do celular do reclamante foi
legal, por haver sido ele flagrado na posse de droga, não há prejuízo a que, realizada perícia sobre
o aparelho, eventualmente se reinicie a ação penal. 13. Reclamação improcedente. Ordem
concedida de ofício para reconhecer a nulidade do processo ab initio, sem prejuízo de que,
realizada a perícia, desta feita por decisão judicial motivada, seja eventualmente apresentada
nova denúncia e deflagrada outra ação penal. (Rcl 36.734/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2021).
comprovação de sua origem e plausibilidade, por si só, não tem o condão de lastrear medidas
invasivas a direitos fundamentais, como a busca e apreensão na residência e no local de
trabalho do suspeito. 3. Deve ser declarada nula a decisão judicial que deferiu a medida cautelar
probatória sem indicar elemento concreto, descoberto pela polícia, que pudesse sinalizar a
prática de crimes e justificar a mitigação da inviolabilidade do domicílio. 4. Habeas corpus
concedido para anular a decisão de busca e apreensão, declarar inadmissíveis as provas dela
derivadas e desconstituir a condenação do réu, com determinação para que o Juiz prolate nova
sentença com base nos elementos de convicção remanescentes, sem prejuízo da aplicação das
teorias da fonte independente de prova e da descoberta inevitável. (STJ - HC: 480386 SP
2018/0311454-9, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 23/06/2020,
T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2020).
inadmissibilidade de referida prova. [...]. (STJ - APn: 856 DF 2010/0184720-0, Relator: Ministra
NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/10/2017, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação:
DJe 06/02/2018).
[...] A prova ilícita é aquela que contém vício de origem, é dizer, foi produzida com violação à
Constituição, porque violadora de alguma garantia, ou com infringência a algum regramento
legal que diz, diretamente, com a natureza substancial da vedação de que seja produzida.
Como já consignado, não se pode ter por ilícitos os documentos (vamos assim nominar o que
se pretende desentranhar), simplesmente porque não são novidade no processo. Decorrem,
diga-se mais uma vez, de um incidente probatório mais do que discutido nos autos. Foi um
complemento feito pela Polícia e não totalmente desprovido de controle judicial (isso nem a
defesa diz). Já a prova ilegítima, não tem o vício de origem que há de ser verificado na ilícita,
ou seja, não foi produzida sem o crivo judicial, mas porque realizada com alguma nuance de
irregularidade, no processo judicial. É o que em tese pode ter acontecido na espécie. Ora, a
consequência para a prova ilegítima, diferentemente da ilícita, não é peremptoriamente a sua
extirpação do processo, porque ela pode ser consertada ou mesmo relegada ou simplesmente
ignorada. Trago, neste particular, a distinção doutrinária entre prova ilícita e prova ilegítima: No
campo das proibições da prova, a tônica é dada pela natureza processual ou substancial da
vedação: a proibição tem natureza exclusivamente processual quando for colocada em função
de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo; tem, pelo contrário, natureza
substancial quando, embora servindo imediatamente também a interesses processuais, é
colocada essencialmente em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos,
independentemente do processo. A distinção é relevante: a violação do impedimento
configura, em ambos os casos, uma ilegalidade; mas, enquanto no primeiro caso haverá um
"ato ilegítimo", no segundo caso haverá um "ato ilícito". (Nuvolone. Acompanhando essa
terminologia, diz-se que a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de
normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material.
Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou
ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a
prova será ilicitamente obtida. Para a violação do impedimento meramente processual basta
a sanção erigida através da nulidade do ato cumprido e da ineficácia da decisão que se fundar
sobre os resultados do acertamento. [...](STJ - RE nos EDv nos EREsp: 1435421 RS 2014/0029779-
8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 26/11/2015.
[...] QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DOS PACIENTES NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.
AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA JUSTIÇA BRASILEIRA. DESNECESSIDADE. MEDIDA QUE FOI
IMPLEMENTADA EM INVESTIGAÇÃO EM CURSO EM NOVA IORQUE. COMPARTILHAMENTO
DAS PROVAS OBTIDAS COM A JUSTIÇA BRASILEIRA MEDIANTE ACORDO DE COOPERAÇÃO
ENTRE OS PAÍSES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. [...] No caso dos autos,
inexiste qualquer ilegalidade na quebra do sigilo bancário dos acusados, uma vez que a medida
foi realizada para a obtenção de provas em investigação em curso nos Estados Unidos da
América, tendo sido implementada de acordo com as normas do ordenamento jurídico lá
vigente, sendo certo que a documentação referente ao resultado da medida invasiva foi
posteriormente compartilhada com o Brasil por meio de acordo existente entre os países. [...]
(HC 231.633/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2014).
[...] II - Não obstante o mandado de busca e apreensão tenha sido expedido para apuração de
crime praticado pelo estagiário do escritório do recorrente, verificou-se, no cumprimento da
medida, a ocorrência flagrancial de dois outros crimes que possuem natureza permanente.
Contraria a razoabilidade exigir-se dos policiais envolvidos na diligência que fingissem não ver os
crimes, para solicitar, a posteriori, um novo mandado específico de busca e apreensão para o
escritório do recorrente (Doutrina e jurisprudência). III - A despeito da não indicação expressa de
representante da OAB local para o acompanhamento da diligência, foi solicitado, pelos policiais
nela envolvidos, que uma advogada, estivesse presente e acompanhasse o cumprimento do
mandado de busca e apreensão no escritório do recorrente, o qual se dirigia contra o estagiário.
Diligência que não se revela nula em sua execução, quando muito, meramente irregular. Recurso
ordinário desprovido. (RHC 39.412/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
03/03/2015, DJe 17/03/2015).
fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto
da investigação. Precedentes. [...] (HC 282.096/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 06/05/2014).
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RESUMO
1 - DEFINIÇÃO DE PROVA
Normalmente relacionada à ideia de reconstrução dos fatos pretéritos para viabilizar convicção do juiz.
Noção criticada na atualidade, reconhecendo-se a impossibilidade de se recuperar o que já passou.
Finalidade da prova
Formar a convicção do juiz, mediante uma reconstituição histórica do fato criminoso (visão ortodoxa).
Trabalha-se com uma verdade processual, cuja ‘certeza’ é de natureza jurídica – com materialização da
prova. A “função da prova é permitir o embasamento concreto das proposições formuladas, de forma a
convencer o juiz de sua validade” - uma espécie de apoio à retórica. A finalidade da prova varia de acordo
com a concepção que se tenha do processo.
Destinatários da prova: principal é o juiz; secundariamente a prova também se dirige às partes, que dela
podem extrair convicções e consectários legais.
Elementos de prova: são os dados objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato.
Cadeia de custódia: a Lei 13.964/ 2019 introduziu e regulamentou a cadeia de custódia das provas no
processo penal brasileiro. Dentre inúmeras disposições, conceitua como “o conjunto de todos os
procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou
em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”
(art. 158-A).
Instrução criminal: “O conjunto de atos processuais que têm por objeto recolher as provas com que deve
ser decidido o litígio”.
Fase própria, dentro do processo, para a produção das provas. A fase de instrução criminal, no processo, tem
início com a apresentação de provas por parte do réu (o que normalmente ocorre com a resposta à acusação,
art. 396-A do CPP) e vai até o encerramento da instrução complementar (eventualmente requerida com base
no art. 402 do CPP).
Direta: aquela que, por si e com uma única operação inferencial, demonstram o fato objeto da investigação.
Indireta: não demonstra o fato diretamente, exige dedução, raciocínio lógico (ex. álibi).
Não plena: ou semiplena, é a prova mais tênue que gera juízo de probabilidade.
Real: decorre de coisas materiais (ex. arma), com os sinais nelas deixados.
PROVA TÍPICA:
aquela que além de nominalmente prevista tem um procedimento estabelecido em lei;
ATÍPICA, ao contrário, ou não tem previsão da própria prova, ou não tem um rito especificado para sua
produção. A prova atípica é lícita diante da liberdade das provas no processo penal.
PROVA NOMINADA: aquela que é referida pela lei (nomen iuris), mesmo que sem procedimento
regulamentado.
PROVA ANÔMALA: aquela que é produzida observando o procedimento legal; todavia, não aquele específico
para a natureza da prova que se deveria produzir. Segue o modelo de outra prova e não aquele que seria
apropriado. É uma prova desvirtuada que, por isso mesmo, carregaria nulidade.
PROVA IRRITUAL: é a prova típica que é produzida em desconformidade com o modelo previsto em lei;
justamente por isso, também teria nulidade.
Emprestada: aquela que é produzida num determinado processo/procedimento e acaba sendo aproveitada
em outro. Doutrina majoritária defende que ela tem o mesmo ‘valor’ da prova originária e que isso só seria
possível em casos de procedimentos com as mesmas partes em que tenha havido contraditório. O art. 372
do Código de Processo Civil diz o seguinte: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro
processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.
Jurisprudência mais recente tem admitido o uso da prova emprestada mesmo entre casos sem identidades
de partes (para não restringir demais sua utilização), com o contraditório diferido. MARINONI recomenda a
observância dos direitos em jogo na admissão da prova emprestada.
2 - ÔNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO ÔNUS
dever de praticar o ato faculdade de praticar
Ônus processual: é uma faculdade outorgada pela norma para que um sujeito de direito possa agir no
sentido de alcançar uma situação favorável no processo.
Ônus da prova: posição ativa que confere ao sujeito processual uma faculdade em relação à prova que pode
resultar em algum resultado favorável – imperativo de próprio interesse. O descumprimento não implica
sanção (nem ilicitude), porque não é dever, apenas risco de um resultado desfavorável (que pode não
acontecer).
Imperfeito/relativo = resultado do descumprimento não é necessário e obrigatório (pode ocorrer, mas não
necessariamente).
Distribuído: quanto ocorre distribuição da carga probatória entre as partes do processo (não fica para uma
só), com base no art. 156 do CPP e disposições do Código de Processo Civil.
Acusação Defesa
fatos modificatibos:
exclusão da
autoria
antijuridicidade, causas
supralegais etc.
Exclusivo da acusação: (corrente minoritária) em razão da presunção de inocência e do in dubio pro reo o
ônus da prova seria exclusivamente da acusação. Fazendo alusão ao art. 41 do CPP também sustentam que
a acusação deve comprovar tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Nível de prova: para a acusação se exige prova acima de dúvida razoável; para a defesa basta que consiga
lançar dúvida fundada a respeito de suas teses – in dubio pro reo.
Inversão do ônus da prova? Lei 9.613/2008, art. 4º, § 2º. O juiz determinará a liberação total ou parcial dos
bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens,
direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias,
multas e custas decorrentes da infração penal.
Na fase investigatória: trata-se do inciso I do art. 156 do CPP. Embora a leitura integral do artigo indique a
possibilidade de o juiz ordenar, de ofício, a produção antecipada de prova urgente ou relevante, prevalece o
entendimento doutrinário de que a referida atuação do juiz nunca pode se dar ex officio, mas apenas a partir
do requerimento de uma ou ambas as partes. Para essa corrente doutrinária (majoritária), a atuação de ofício
do juiz, nesse sentido e nessa fase da persecução penal, representa mácula à sua imparcialidade e não se
coaduna com o sistema acusatório do processo penal pátrio nem com um Estado Democrático de Direito.
Durante o curso do processo: refere-se ao inciso II do art. 156 do CPP. A iniciativa probatória do juiz no
processo deve apenas ser a título supletivo, complementar e subsidiário para dirimir dúvida sobre ponto
relevante, não podendo ele (magistrado) se imiscuir na própria iniciativa da parte. Não se admite “iniciativa
acusatória” do juiz; a sua atuação, neste ponto, cinge-se a elucidar o contexto probatório já produzido, e não
a dirimir dúvida ocasionada justamente pela ausência de prova.
Vale lembrar do disposto no art. 3º-A do CPP, introduzido pela Lei 13.964/2019: o processo penal terá
estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação.
Íntima convicção: também denominado de “sistema de livre convicção” ou “sistema da certeza moral do
juiz”, é marcado pela ampla liberdade do julgador na análise e valoração das provas. Não há motivação ou
fundamentação da decisão; a convicção é íntima e reservada. Admite-se, inclusive, a apreciação de provas
estranhas ao processo. É o sistema adotado no Tribunal do Júri (e apenas aí); constituindo um corolário do
princípio do sigilo das votações, inerente ao próprio Tribunal do Júri, que se encontra estampado no art. 5º,
XXXVIII, b da Constituição Federal.
Convencimento motivado ou persuasão racional do juiz: é o sistema adotado como regra no processo penal
brasileiro, conforme se depreende do art. 155, caput do CPP e art. 93, IX da CF. Constitui um justo-meio entre
os demais sistemas; nele é devolvida a liberdade de convicção ao magistrado, que tem autonomia para
valorar racionalmente as provas a ele submetidas. A liberdade de convicção, contudo, não é absoluta e
ilimitada. A uma, porque a devida fundamentação da decisão constitui requisito imprescindível ao decisum,
sendo, inclusive, pressuposto de sua validade; a duas, porquanto não pode o magistrado se valer de
elementos probatórios estranhos ao processo para formar sua convicção, estando ele atrelado às provas
produzidas em seu bojo; a três, pois, conforme o próprio art. 155 do CPP, não pode o juiz fundar sua
convicção exclusivamente nos elementos informativos amealhados em sede de investigação preliminar.
Nesse sistema não há hierarquia entre as provas; são todas relativas e serão apreciadas e valoradas
considerando-se as peculiaridades de cada caso.
Proporcionalidade: nutre intrínseca relação com o “devido processo legal” ou due process of law. Apresenta-
se sob duas facetas: formal (visão de um processo escorreito e devido, com a observância das regras
procedimentais e dos direitos e garantias do acusado) e substancial (impedem-se comportamentos
desarrazoados e imoderados pelo Poder Público).
Proporcionalidade e as provas ilícitas pro reo: regra geral, são inadmissíveis no processo as provas ilícitas
(art. 5º, LVI da CF). Entretanto, considerando o grau de importância dos interesses envolvidos no processo
penal, mormente o jus libertatis do acusado, há consenso na doutrina no sentido de que, por meio de um
juízo de proporcionalidade, poder-se-ia admitir como válida uma prova ilícita em seu favor, se porventura
constitua ela o único meio de se provar sua inocência. Devem ser ponderados os interesses e direitos
envolvidos caso a caso. Pode-se entender como razoável, por exemplo, a mitigação da inviolabilidade de
correspondência para a obtenção da aludida prova; mas não a prática de tortura para esse fim.
Proporcionalidade e as provas ilícitas pro societate: por essa visão (ou teoria), em situações extremas (prática
de crimes considerados graves ou envolvimento de organizações
criminosas e/ou grandes traficantes no contexto do delito), seria
admitido ao Poder Público a utilização e valoração de provas
ilícitas a favor da sociedade, ou seja, em desfavor do acusado,
partindo-se de uma análise da proporcionalidade entre os
interesses envolvidos. Essa visão é fortemente refutada por boa
parcela da doutrina, ante o perigo que esse precedente traria à
subsistência do sistema de direitos e garantias fundamentais dos
cidadãos. É por essa razão, também, que os tribunais superiores pátrios vêm rechaçando essa possibilidade.
Comunhão das provas: uma vez produzida a prova, serve ela a todos no processo, indistintamente. Provas
produzidas pela acusação podem ser utilizadas pela defesa e vice-versa. Igual sorte em relação às provas
eventualmente determinadas ex officio pelo juiz.
Autorresponsabilidade das partes: as partes são responsáveis pelas suas ações ou omissões probatórias,
assim como pelos seus equívocos. Cabe a cada parte a tarefa de se desincumbir do respectivo ônus
probatório; caso contrário, arcarão com as eventuais consequências no mérito do processo.
Oralidade: dá-se preferência, tanto quanto possível, à palavra dita, em detrimento da palavra escrita. Grande
parte da doutrina divide-a em dois subprincípios:
Liberdade probatória: às partes confere-se ampla liberdade probatória. Essa liberdade é limitada nas
hipóteses de resquícios do sistema da prova tarifada e na inadmissibilidade das provas ilícitas. Além disso,
existem algumas pontuais limitações em relação ao momento, tema e meios de prova.
6 - PROVA VEDADA/ILEGAL
Limites do direito à prova: a liberdade na produção probatória comporta exceções/limitações. A opção do
Estado pela inadmissibilidade da prova ilícita, nasce como uma reação contra a ideia do “male captum bene
retentum” (mal colhida, bem conservada). Como, ao longo da história, somente o sancionamento dos
responsáveis não foi suficiente, o Estado e a nossa Constituição, resolveram estabelecer a impossibilidade
de admissão, no processo, da prova obtida por meios ilícitos. Nisso se reconhece que a verdade não pode
ser descoberta a qualquer custo (os fins não justificam os meios) e se estabelece uma restrição pedagógica
para os agentes. Entre a busca da verdade e o respeito aos direitos e garantias individuais, optou o Estado
pela tutela destes.
Prova ilícita: ideia originária da regra de exclusão (exclusionary rule) do processo penal americano (princípio
da licitude aqui no Brasil), que visava prevenir o desrespeito às garantias constitucionais. Nesse sentido,
assim estabelece nossa Constituição Federal, no art. 5º: “LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos;”
O direito material a ensejar o reconhecimento da ilicitude da prova deve ser direito fundamental
constitucionalmente protegido.
Provas ilícitas x provas ilegítimas: as primeiras constituem o resultado de uma violação do direito material,
enquanto nas segundas o vício
decorre da infringência de normas PROVAS ILÍCITAS PROVAS ILEGÍTIMAS
processuais. Outra diferença entre
elas decorre do momento em que se
configura a ilegalidade: nas ilícitas, violação regras de direito violação regras de direito
ela ocorre quando de sua obtenção; material processual
nas ilegítimas, na fase de produção. violação na
violação na produção
Também é diversa a consequência obtenção/coleta
dos respectivos vícios: as ilícitas são normalmente antes/fora normalmente durante o
inadmissíveis no processo (não do processo processo
podem ingressar e, se isso ocorrer, carregam nulidade, podem
inadmissíveis no processo
ser admitidas
devem ser desentranhadas); as
não podem ser podem ser
ilegítimas são nulas e, por isso, a sua refeitas/convalidadas refeitas/convalidadas
produção pode ser renovada,
atendendo-se então às regras processuais pertinentes.
Lei não faz essa distinção doutrinária (material x processual), conforme se vê no art. 157 do CPP: “Art. 157.
São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais”.
A regra é a não utilização da prova ilícita, mas existem exceções ou limitações, algumas somente do sistema
norte-americano, outras ao nosso aplicáveis.
Exceção da boa-fé: a boa-fé e a crença razoável na legalidade da conduta (em situação de erro ou ignorância)
permitiria o uso da prova ilícita; isso porque o “princípio da exclusão” foi destinado a prevenir (desencorajar)
a conduta policial irregular mais do que punir. Não há registro de aplicação no Brasil pelos tribunais
superiores.
Exceção de impugnação: aplicável só nos EUA, a prova ilícita poderia ser usada para demonstrar perjúrio
(depoimento falso do réu).
Exceção de erro inócuo: aplicável para os casos de equívocos/erros, durante o procedimento, sem
relevância prática, que não impliquem em lesão significativa aos direitos das partes. A ideia seria admitida
pelo STF.
Exceção da prova ilícita ‘pro reo’: admite-se a utilização da prova ilícita em favor do acusado, para provar
sua inocência e evitar a prisão. Por essa concepção, quando a prova for colhida pelo próprio imputado, seu
agir (em tese ilícito) estaria acobertado por alguma causa excludente da antijuridicidade – legítima defesa
e/ou estado de necessidade.
Exceção da visão ampla: reservada para os casos de busca e apreensão, permite a apreensão de provas que
estejam na visão ampla do agente, mesmo que não sejam objeto do mandado. A ideia dessa exceção se
aproxima da serendipidade.
Serendipidade – encontro fortuito de provas: essa teoria é usada “nos casos em que, no cumprimento de
uma diligência relativa a um delito, a autoridade policial casualmente encontra provas pertinentes à outra
infração penal, que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação”. “Nesses casos, a
validade da prova inesperadamente obtida está condicionada à forma como foi realizada a diligência: se
houve desvio de finalidade, abuso de autoridade, a prova não deve ser considerada válida; se o encontro da
prova foi casual, fortuito, a prova é válida”. Também tem sido usada em casos de interceptação telefônica.
Teoria dos campos abertos: a busca e apreensão feita na área fora da propriedade do suspeito (fora da
expectativa de privacidade) não viola a sua garantia. A ideia é que “sempre que o particular puder realizar
uma busca sem autorização judicial, também poderá o Estado realizá-la da mesma forma”.
Teoria do risco: busca outorgar validade para a prova obtida em possível violação ao direito à intimidade,
quando da utilização de escutas telefônicas, filmagens e fotografias clandestinas. A ideia é a de que se o
próprio sujeito não cuidou da sua privacidade ou intimidade, não pode reivindicar proteção dessas suas
garantias para efeito de afastar provas.
Limitação de renúncia do interessado: autorizaria o ingresso na residência sem ordem judicial que, lá nos
EUA, é sempre necessária. Aqui, pela CF, o consentimento basta para o ingresso na residência.
Limitação da infração constitucional alheia: somente a pessoa titular da garantia desrespeitada é quem
poderia reivindicar a inadmissibilidade da prova. “Assim, caso o direito fundamental violado quando da
obtenção da prova refira-se à pessoa distinta do acusado, a prova deve ser considerada válida”. Não se aplica
no Brasil.
Limitação da infração por particulares: no sistema norte-americano a prova somente não será admitida
quando a ilicitude tiver sido praticada por agente do Estado (policial). A regra da exclusão estará afastada,
portanto, quando a infração for realizada por pessoa comum/particular. “No Brasil, a vedação à
admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos tem como objetivo precípuo a tutela dos direitos e
garantias fundamentais. Portanto, no ordenamento pátrio, pouco importa quem tenha sido o agente
responsável pela produção da prova ilícita - autoridade policial ou particular - em ambos os casos a prova
deve ser considerada ilícita”.
Prova ilícita por derivação: famosa ‘teoria dos frutos da árvore envenenada’. Teoria que surgiu no direito
norte-americano e que estabelece que todas as provas que sejam derivadas (no sentido de provenientes,
consequenciais) das ilícitas também não poderão ser
aceitas/admitidas no processo. Incorporado no nosso
sistema, inclusive pela lei que, no § 1º do art. 157, diz que
prova “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas”.
derivada
relação “Provas ilícitas por derivação são aquelas que, embora lícitas
de na própria essência, decorrem exclusivamente de uma outra
causalida
prova prova, considerada ilícita, ou de uma situação de ilegalidade,
de
originária restando, portanto, contaminadas”. Deve existir nexo de
causalidade, relação de dependência.
Teoria da fonte independente: fonte de prova independente = prova não relacionada com os fatos que
geraram a produção da prova contaminada. Segundo a lei, a prova derivada poderá ser admitida quando
puder ser obtida por uma fonte independente da prova ilítica (art. 157, § 1º, CPP).
Teoria da descoberta inevitável: admite-se que “a segunda prova deriva da ilícita, porém se entende que
não há razão para reputá-la nula ou ineficaz. Isso porque a descoberta por ela constatada ocorreria mais
cedo ou mais tarde. A lógica do salvamento da segunda prova está em que não há motivo para retirar eficácia
de uma prova, que trouxe uma descoberta que muito provavelmente seria obtida”. Doutrina aponta
equívoco na definição legal:
Art. 157, § 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe,
próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
Por essas teorias de poderia dizer “que nem todos os frutos da árvore venenosa são proibidos, pois alguns
podem ser aproveitados”.
Teoria do nexo causal atenuado: “quando a ligação entre a prova ilícita e a que dela deriva for de tal maneira
tênue, não há que se falar em derivação da prova ilícita”; reflete “situações em que o nexo seja tão distante
entre a prova ilícita e a prova obtida que se poderia pensar em um afastamento (ao menos normativo) deste
nexo”. A ideia é que uma ‘nódoa’ de ilegalidade inicial pode ser expurgada por um ‘ato independente
interveniente’. Teoria teria sido positivada no § 1.º do art. 157, quando diz que é admissível a prova ilícita
por derivação quando “não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras”.
“Na teoria da fonte independente, o nexo causal entre as provas é atenuado em razão da circunstância de a
prova secundária possuir existência independente da prova primária. Na limitação da mancha purgada, o
lapso temporal decorrido entre a prova primária e a secundária, as circunstâncias intervenientes na cadeia
probatória, a menor relevância da ilegalidade ou a vontade do agente em colaborar com a persecução
criminal atenuam a ilicitude originária, expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova
secundária”.
Inutilização da prova ilícita: art. 157, § 3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
1. (CESPE – Juiz Federal Substituto – TRF1 – 2013 – ADAPTADA) Considerando as súmulas dos tribunais
superiores aplicáveis ao direito processual penal brasileiro, esclareça.
O decurso do prazo superior a cinco anos entre o fato e a instrução criminal é suficiente para justificar a
produção antecipada de provas, em caso de crimes hediondos ou a esses equiparados. (C/E)
►Comentários
A assertiva está errada. De acordo com a Súmula 455 do STJ, o mero decurso do tempo não justifica a
produção antecipada de provas. Note-se:
Súmula 455, STJ – A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.
366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero
decurso do tempo.
2. (TRF4 – Juiz Federal Substituto – TRF4 – 2012 – ADAPTADA) Provas que constituam derivação de
uma prova ilícita são sempre inutilizáveis no processo penal, tendo em vista o princípio constitucional da
proibição da prova ilícita, que engloba a ilicitude derivada ou de segundo grau. (C/E)
►Comentários
A assertiva está incorreta. Provas derivadas das ilícitas nem sempre são inutilizáveis. O Código de Processo
Penal admite aquelas que não tenham nexo de causalidade com as ilícitas e, ainda, as que puderem ser
obtidas por fonte independente. Note-se:
Art. 157, CPP. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
3. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/DFT – 2016) Acerca do princípio do livre convencimento do juiz,
assinale a opção correta.
a) tendo formado sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, o juiz
poderá proferir decisão baseada exclusivamente nas provas não repetíveis, mas não poderá fazê-lo em caso
de provas antecipadas ou cautelares;
b) o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não
podendo proferir decisão baseada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase de
investigação, tampouco nas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas;
c) dada a previsão de que o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório, a prova produzida na fase de investigação poderá fundamentar a decisão do magistrado se a
sua produção tiver sido acompanhada pelo advogado do réu, ou seja, poderá o juiz fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos produzidos na fase de inquérito;
d) em decorrência do princípio do livre convencimento adotado pelo CPP, o juiz pode decidir de acordo com
sua vivência acerca dos fatos, desde que sua decisão seja devidamente fundamentada;
e) o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, e
poderá proferir decisão com base exclusivamente nas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
►Comentários
As alternativas A e B estão erradas; a assertiva E, por outro lado, está correta. O art. 155 do Código de
Processo Penal é a chave para resolver essa questão. Esse dispositivo estabelece que o juiz pode decidir
baseado exclusivamente em provas não repetíveis, antecipadas e cautelares colhidas na fase de investigação.
A assertiva C também está errada. Primeiro, de acordo com o art. 155 do Código de Processo Penal, o juiz
deve formar sua convicção com base na livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial.
Segundo, o simples fato de ter havido acompanhamento de advogado na produção de prova na fase de
investigação não significa dizer que essa prova pode, exclusivamente, amparar uma decisão. A lei é clara.
Apenas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas produzidas na investigação podem subsidiar (por si
sós/exclusivamente) decisão judicial.
A alternativa D está incorreta. O juiz deve pautar sua decisão nos elementos de prova produzidos durante a
persecução penal e não, simplesmente, com base em sua vivência.
Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.
4. (FMP – Juiz Substituto – TJ/MT – 2014) É correto dizer que o Código de Processo Penal.
a) considera lícita a prova obtida por fonte(s) independente(s) da ilícita, porque entre uma e outra não há
nexo de causalidade.
b) admite, ao livre critério do juiz, utilização do sistema de videoconferência para a coleta apenas do
interrogatório;
c) prevê que o juiz que receber a denúncia ou queixa ficará vinculado ao processo e será o competente para
a sentença, por causa do comando normativo do princípio da identidade física;
d) proíbe que o juiz requisite provas, porque essa iniciativa contraria o modelo acusatório e dá causa à
nulidade absoluta do processo;
e) confere valor absoluto à delação premiada, se o juiz participar das negociações realizadas entre as partes
para a formalização do acordo de colaboração.
►Comentários
A alternativa A está correta. O art. 157, § 1º do Código de Processo Penal considera lícita a prova obtida por
fonte independente da ilícita; afinal, não há relação entre uma e outra que a macule.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
A alternativa B está incorreta. Primeiro, a utilização do sistema da videoconferência não fica ao livre critério
do juiz; a própria lei estabelece que seu cabimento é medida excepcional que demanda decisão
fundamentada (art. 185, § 2º, CPP). Segundo, o depoimento de testemunhas também pode ser tomado por
meio desse sistema (art. 217, CPP).
Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal,
será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 1o O
interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver
recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público
e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato. §
2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes,
poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja
necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública,
quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por
outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido
ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por
enfermidade ou outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de
testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por
videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de
ordem pública. [...]
Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério
constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do
depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma,
determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá
constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.
A assertiva C também está errada. O recebimento da denúncia não vincula o juiz ao processo. Pelo princípio
da identidade física, o magistrado que instruiu o feito é responsável pela prolação da sentença. Confira-se o
que dispõe o art. 399, § 2º do Código de Processo Penal:
Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando
a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e
do assistente. § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.
A alternativa D está incorreta. O juiz pode requisitar provas. A lei o autoriza. Isso não fere o sistema
acusatório, tampouco dá causa à nulidade do processo. Note-se:
Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
A assertiva E está errada. Primeiro, porque a delação premiada sequer pode ser considerada um meio de
prova. Não passa de uma técnica/um instrumento para a obtenção de provas. Ainda que se pudesse pensar
diferente, há se ter em mente que prova alguma tem valor absoluto. Não fosse isso, o Código de Processo
Penal (cf. enunciado) nada dispõe sobre colaboração premiada, muito menos sobre o valor que se deve
garantir a ela.
5. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/DFT – 2014) Assinale a opção correta a respeito das provas, dos atos
de prova e de investigação.
a) os atos de prova visam fundamentar a adoção de medidas cautelares pelo juiz.
b) se o juiz determinar, de ofício, a produção de provas, ele deverá submetê-las ao contraditório das partes,
para que possam oferecer a contraprova, não se exigindo, contudo, que as partes participem da produção
da prova;
c) no exame de corpo de delito, não há contraditório, por se tratar de antecipação ad perpetuam rei
memoriam.
d) no CPP, não há distinção entre prova e elemento informativo da investigação;
e) os atos de investigação visam à obtenção de informações que conduzam a um juízo de probabilidade
idôneo para sustentar a opinio delicti do órgão da acusação.
►Comentários
A alternativa A está errada; por outro lado, a assertiva E está correta. Os atos de prova servem para
convencer o juiz e embasar uma decisão de mérito. Atos de investigação, por outro lado, são elementos
indiciários a partir dos quais a opinio delicti se delineia e medidas cautelares são fixadas.
A alternativa B também está errada. As partes devem participar da produção da prova. Essa, inclusive, é
uma das dimensões do princípio do contraditório.
A assertiva C está incorreta. Todas as provas são submetidas a contraditório, seja ele real ou diferido
(postergado). O exame de corpo de delito não foge à regra.
A alternativa D está incorreta. Elementos de informação são aqueles produzidos na fase investigativa, que
dispensa contraditório. Prova, por outro lado, exige respeito ao contraditório (seja ele real ou, algumas
hipóteses, diferido). Sobre o tema, note-se:
Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.
6. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/RN – 2013) Em relação às provas e aos atos processuais penais, assinale
a opção correta:
a) considere que, após várias diligências para a tentativa de citação pessoal, seja certificado nos autos que o
réu esteja em local incerto e não sabido e que o juiz determine a citação por edital. Nessa situação, estaria
configurada a nulidade da citação caso esta fosse efetivada sem a transcrição da denúncia, ainda que
presente a indicação do dispositivo da lei penal;
b) a citação por hora certa e a realizada por edital são formas de citação ficta e receberam igual tratamento
pelo legislador, que estabeleceu, de forma expressa, no CPP que, nas duas hipóteses, se o réu não
comparecer nem constituir advogado para defesa, o processo será suspenso, assim como o prazo
prescricional;
c) considere que, ao analisar pedido do MP de remessa dos autos à delegacia de origem para novas
diligências, o magistrado verifique a existência, no inquérito policial, de atestado médico com informação de
que a testemunha presencial do crime, embora lúcida, tenha idade avançada e esteja muito doente, com
sério risco de morte. Nessa hipótese, dado o princípio da imparcialidade e, na falta de requerimento do órgão
da acusação, não é permitido ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas;
d) a inexistência de laudo de exame de corpo de delito complementar para a comprovação da ocorrência de
lesão corporal de natureza grave que gere incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias
não pode ser suprida pela prova testemunhal;
e) no processo penal, os prazos são contados da data da efetiva intimação, ainda que outra seja a data da
juntada do mandado ou da carta precatória aos autos.
►Comentários
A alternativa A está errada, porque incompatível com o entendimento externado na Súmula 366 do STF:
Súmula 366, STF - Não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora
não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia.
A assertiva B também está errada. As citações por edital e por hora certa não receberam igual tratamento
pela lei. Na citação por edital, se o réu não comparecer nem constituir defensor, o processo e o prazo
prescricional ficarão suspensos (art. 366, CPP). Isso, contudo, não ocorre no caso de citação por hora certa
(art. 362, CPP). O indivíduo que se oculta deliberadamente não pode ser beneficiado com a suspensão. Sobre
o tema, confira-se:
Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a
ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da
Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Parágrafo único. Completada
a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção
antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos
termos do disposto no art. 312.
A alternativa C está incorreta. Dadas as circunstâncias, o juiz pode determinar a produção antecipada de
provas de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal. A lei autoriza. Veja-se:
Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida; [...]
A assertiva D também está incorreta. A lei permite que a falta do exame complementar seja suprida pela
prova testemunhal. Perceba-se:
Art. 168, CPP. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto,
proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de
ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.
§ 1o No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de
suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo. § 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do
delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias,
contado da data do crime. § 3o A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova
testemunhal.
A assertiva E está correta, porque retrata, basicamente, entendimento sumulado do STF. Note-se:
Súmula 710, STF - No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da
juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.
7. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2013) Assinale a alternativa correta a respeito das provas
processuais penais.
a) a regulamentação dos meios de prova feita pelo Código de Processo Penal é taxativa, não sendo admitidas
provas atípicas ou inominadas;
b) o Código de Processo Penal não admite, nem mesmo excepcionalmente, a “prova tarifada” como sistema
de apreciação da prova;
c) teoria dos “frutos da árvore envenenada” está positivada em nossa legislação infraconstitucional;
d) fatos axiomáticos são os que dependem de prova.
►Comentários
A alternativa A está incorreta. A regulamentação dos meios de prova levada a efeito pelo Código de Processo
Penal não é taxativa. No processo penal, admite-se a produção de provas atípicas (sem procedimento
definido em lei) e inominadas (sem previsão legal), isso em busca da verdade. Sobre o tema:
Tem-se como prova nominada aquela que se encontra prevista em lei, com ou sem
procedimento probatório previsto [...] Como desdobramento do princípio da busca
da verdade, além dos meios de prova especificados na lei (nominados), também se
admite a utilização de todos aqueles meios de prova que, embora não previstos no
ordenamento jurídico (inominados), sejam lícitos e moralmente legítimos. [...]
A assertiva B está incorreta. Existem resquícios do sistema da prova tarifada no Código de Processo Penal.
Repare-se no que esclarece a doutrina:
Um exemplo de prova tarifada consta do art. 155, parágrafo único, do CPP, o qual dispõe que
'somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil’.
Assim, se acaso pretenda o advogado provar que seu cliente está morto, não poderá querer fazê-
lo através de prova testemunhal, sendo cogente a juntada de certidão de óbito, tal qual disposto
no art. 62 do CPP. De modo semelhante, de acordo com o art. 158 do CPP, quando a infração
deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo
supri-lo a confissão do acusado". Tem-se aí mais um exemplo de prova tarifada, na medida em
que a lei demanda a realização de exame de corpo de delito para a comprovação da
materialidade em crimes que deixam vestígios. Nesse caso, todavia, importante ficar atento à
ressalva do art. 167 do CPP, que prevê que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por
haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Outro
exemplo de prova tarifada diz respeito às questões prejudiciais devolutivas absolutas, ou seja,
questões prejudiciais heterogêneas que versam sobre o estado civil das pessoas. Exemplificando,
suponha-se que determinado indivíduo esteja sendo processado pelo crime de bigamia (CP, art.
235) e que, em sua defesa, alegue que seu primeiro casamento seja nulo, tendo por isso se
casado novamente. Nesse caso, como a questão prejudicial versa sobre o estado civil das
pessoas, não haverá possibilidade de solução da controvérsia no âmbito processual penal,
independentemente do meio de prova que se queira utilizar, devendo as partes ser remetidas ao
cível, nos termos do art. 92 do CPP. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal.
Volume Único. 5ª ed. JusPodivm. Salvador. 2017. P. 601/2).
A alternativa C está correta. A teoria dos frutos da árvore envenenada encontra previsão no art. 157, § 1º
do Código de Processo Penal. Confira-se:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
A assertiva D está errada. De acordo com a doutrina, fatos axiomáticos (evidentes) não dependem de
comprovação.
8. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2012 – ADAPTADA) O juiz, de ofício, no curso do inquérito, pode
determinar a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (C/E).
►Comentários
A assertiva está errada. De acordo com o art. 156, inciso II do Código de Processo Penal, o juiz somente pode
determinar a realização de diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante no curso do processo (na
instrução ou antes de proferir sentença), mas não durante a fase de inquérito. Note-se:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
9. (UFPR – Juiz Substituto – TJ/PR – 2012) A prova, no Processo Penal, incumbirá a quem alega (CPP,
art. 156). Contudo, é correto afirmar:
a) as provas derivadas daquelas consideradas ilícitas são sempre válidas e devem ser recepcionadas sem
ressalvas, sendo inadmissíveis só aquelas efetivamente ilícitas;
b) quando a infração deixa vestígios, a confissão do acusado supre o exame de corpo de delito;
c) o juiz, de ofício, não pode ordenar a realização de provas antes do início da ação penal, porque passa a
presidi-la apenas depois do recebimento da denúncia.
d) o juiz pode determinar, no curso da instrução, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante da causa.
►Comentários
A alternativa A está incorreta. As provas derivadas das ilícitas são inadmissíveis, salvo quando não houver
nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente. Confira-se o teor do art. 157, § 1º do Código de Processo Penal sobre o tema:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
A assertiva B também está errada, porque incompatível com o teor do art. 158 do Código de Processo Penal.
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
A alternativa C está incorreta. O art. 156, inciso I do Código de Processo Penal permite que o juiz ordene a
realização de provas antes do início da ação penal. Perceba-se:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida.
A assertiva D está correta. Retrata, basicamente, o teor do inciso II do art. 156 do Código de Processo Penal:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências
para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
10. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/CE – 2012) Assinale a opção correta acerca da prova no âmbito do
direito processual penal.
a) nos casos de morte violenta, desde que as lesões externas permitam precisar a causa da morte, basta o
simples exame externo do cadáver, ainda que haja infração penal a apurar.
b) depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o réu será informado pelo
juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado; o silêncio não importa em
confissão, mas poderá ser interpretado em prejuízo da defesa;
c) são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar
segredo, salvo se liberadas pela parte interessada, quando serão obrigadas a dar o seu testemunho;
d) a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz, de ofício, ordenar, desde
que após o início da ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.
e) são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
►Comentários
A alternativa A está errada. Quando houver infração a apurar, não basta o simples exame externo do
cadáver nos casos de morte violenta. Note-se:
Art. 162, CPP. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos,
pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que
declararão no auto. Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame
externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas
permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a
verificação de alguma circunstância relevante.
A assertiva B está incorreta. O silêncio do acusado não importa em confissão, tampouco poderá ser
interpretado em seu prejuízo.
Art. 186, CPP. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o
acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que
não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
A assertiva C também está errada. As pessoas que, em razão da função, ministério, ofício ou profissão,
devam guardar segredo são proibidas de depor; entretanto, caso liberadas pela parte interessada, poderão
fazê-lo se quiserem (mas não estão obrigadas). Perceba-se:
Art. 207, CPP. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar
o seu testemunho.
A alternativa D está incorreta. O juiz poderá determinar a produção antecipada de provas mesmo antes do
início da ação penal.
Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida.
A assertiva E está correta, porque retrata o conteúdo do § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
11. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2011 – ADAPTADA) A respeito da prova no processo penal,
analise as proposições seguintes.
I. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em juízo, mas também pode
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.
II. As provas cautelares podem ser consideradas pelo juiz na formação da sua convicção, ainda que não
produzidas perante o contraditório real.
III. O ônus da prova cabe a quem fizer a alegação, sendo vedado ao juiz determinar a produção de provas de
ofício, diante do princípio da inércia da jurisdição.
IV. As provas ilícitas e as delas derivadas são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, salvo,
por exemplo, quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
V. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não
podendo supri-lo a confissão do acusado.
Estão corretas somente as proposições
a) I, III e IV;
b) II, IV e V;
c) III, IV e V;
d) I, II e III;
e) I, II e V.
►Comentários
A assertiva I está incorreta, porque o juiz não pode fundamentar a decisão exclusivamente em elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (art.
155, CPP).
A proposição II está correta. As provas cautelares se submetem ao contraditório diferido (postergado) e isso
basta para que sejam consideradas pelo juiz na formação de sua convicção.
Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.
A assertiva III está errada. O juiz pode determinar a produção de provas de ofício. O art. 156 do Código de
Processo Penal lhe confere essa prerrogativa.
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
A proposição IV está correta. As provas ilícitas e as delas derivadas são inadmissíveis e devem ser
desentranhadas do processo. Há casos, contudo, em que provas derivadas das ilícitas podem ser admitidas,
como por exemplo quando puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. Perceba-se:
Art. 157, CPP. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
A assertiva V está correta, porque retrata a orientação do art. 158 do Código de Processo Penal.
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.
A assertiva II está correta, pois retrata o conteúdo do art. 157, § 1º do Código de Processo Penal.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
A assertiva III está correta. De acordo com o art. 202 do Código de Processo Penal, toda pessoa pode ser
testemunha.
A proposição IV está incorreta, porque incompatível com as disposições do art. 157, § 1º do Código de
Processo Penal.
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superior. § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por
2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área
específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
13. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/AL– 2008) Acerca das provas, à luz do disposto no CPP, assinale a opção
correta.
a) juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. Os
elementos informativos colhidos na investigação não poderão servir de fundamentos para a sua decisão, sob
pena de nulidade absoluta;
b) considerando que o MP é o titular da ação penal pública, é vedado ao juiz, antes do início da ação penal,
ordenar a produção de qualquer tipo de prova;
c) são inadmissíveis as provas ilícitas, as quais devem ser desentranhadas do processo. O juiz que conhecer
do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença;
d) preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta terá de ser inutilizada por
força de decisão judicial, facultando-se às partes acompanhar o incidente;
e) são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, ainda que não seja evidenciado o nexo de causalidade
entre uma e outra, ou que as derivadas poderiam ter sido obtidas por uma fonte independente das primeiras.
►Comentários
A assertiva A está incorreta. O juiz pode utilizar elementos informativos colhidos durante a investigação
para fundamentar sua decisão. Veda-se apenas que tais elementos sejam os únicos fundamentos. Sobre o
tema, confira-se o que dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal.
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
A alternativa B está errada, porque incompatível com as disposições do art. 156, inciso I do Código de
Processo Penal.
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
A alternativa C também está errada. Provas ilícitas realmente são inadmissíveis e devem ser desentranhadas
do processo. Entretanto, não há previsão na lei que impeça o magistrado, que teve contato com essa prova
inadmissível, de proferir sentença.
A assertiva D está correta; afinal, retrata, basicamente, o teor do § 3º do art. 157 do Código de Processo
Penal.
A assertiva E está errada. As provas derivadas das ilícitas que não tenham com elas relação de causalidade
ou, ainda, que pudessem ter sido obtidas por uma fonte independente das primeiras não são inadmissíveis.
Inteligência do § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma
fonte independente das primeiras.
14. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/SE – 2008 – ADAPTADA) Quanto ao estado das pessoas, a observância
das restrições à prova previstas na lei civil é uma limitação à liberdade probatória do processo penal. (C/E)
►Comentários
A assertiva está correta. De acordo com o parágrafo único do art. 155 do Código de Processo Penal, quanto
ao estado das pessoas devem ser observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil.
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.
15. (FGV – Juiz Substituto – TJ/AP – 2008) Em tema de prova penal, é correto afirmar que:
a) em regra vigora o sistema da íntima convicção, pelo qual o juiz formará sua convicção pela livre apreciação
da prova, estando dispensado de motivá-la;
b) não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a confissão poderá
suprir-lhe a falta;
c) em crime que deixa vestígios, o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo
ou em parte.
d) as provas requeridas pela Defesa deverão ser deferidas pelo juiz independentemente da pertinência que
guardem com o objeto do processo;
e) são inadmissíveis no processo as provas produzidas por meios ilícitos, salvo quando servirem para
esclarecer dúvida sobre ponto relevante.
►Comentários
A alternativa A está errada, porque vigora no Brasil o sistema da persuasão racional do juiz (convencimento
motivado). Nesse sistema, o juiz tem liberdade na valoração das provas que, na teoria, têm todas o mesmo
valor, mas está obrigado a motivar suas decisões.
A alternativa B também está incorreta. A confissão do acusado não pode suprir a ausência do exame de
corpo de delito.
Art. 158, CPP. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
A assertiva C está correta, porque em consonância com que estabelece o art. 182 do Código de Processo
Penal.
Art. 182, CPP. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte.
A assertiva D está errada. O juiz tem a liberdade de indeferir as provas que considerar irrelevantes,
impertinentes ou protelatórias, sejam requeridas pela defesa ou pela acusação.
Art. 400, CPP. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60
(sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das
testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art.
222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. § 1o As provas
serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes,
impertinentes ou protelatórias.
A alternativa E também está errada. Provas ilícitas são inadmissíveis, ainda que sirvam para esclarecer
dúvida sobre ponto relevante. A Constituição Federal e o Código de Processo Penal não permitem conclusão
diversa.
Art. 157, CPP. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
16. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/TO – 2007 – ADAPTADA) Vigora no Código de Processo Penal (CPP) o
princípio da liberdade dos meios de prova, podendo as partes produzir qualquer uma delas, desde que
nominadas. As provas inominadas são consideradas ilícitas para todos os efeitos. (C/E).
►Comentários
A assertiva está errada. Provas não podem ser consideradas ilícitas pelo simples fato de serem inominadas.
Sobre o tema, confira-se o que diz a doutrina:
[...] somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo: não se pode
emprestar validade aos conhecimentos privados do magistrado, sejam elas provas nominadas ou
inominadas, típicas ou atípicas. Como visto no tópico pertinente à terminologia da prova, desde
que lícitas, legítimas e moralmente válidas, é possível a utilização de meios de prova não
previstos em lei (provas inominadas), assim como de meios de prova cujo procedimento
probatório não esteja delimitado pela lei (provas atípicas), mas desde que tais provas estejam
inseridas nos autos do processo. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume
Único. 5ª ed. JusPodivm. Salvador. 2017. P. 619).
17. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2015) A formação da convicção do magistrado no processo
penal tem por base inúmeros elementos. Assinale a alternativa que contenha elementos que vão ao
encontro da sistemática do Código de Processo Penal como um todo.
a) vinculação das provas do processo à sua própria consciência e verdade formal;
b) livre convencimento e verdade material;
c) livre convencimento e motivação da decisão;
d) hierarquia prefixada de provas e livre apreciação dos elementos constatados nos autos.
►Comentários
A alternativa C é a única correta. O enunciado pretendia que o candidato assinalasse a alternativa
compatível com a sistemática do Código de Processo Penal. A assertiva supramencionada é aquela que
melhor se ajusta ao teor do art. 155 do Código de Processo Penal. Note-se:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.
18. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/PB – 2015) Assinale a opção correta a respeito de provas no CPP.
a) em caso de divergência entre os peritos, a controvérsia será resolvida internamente pelo diretor da
repartição de lotação dos peritos, que elaborará laudo a fim de apresentar uma versão consensual;
b) no processo penal, a prova do estado de casado deve obedecer às restrições referentes ao estado de
pessoas previstas no ordenamento civil;
c) em respeito ao princípio acusatório, é vedado ao magistrado ordenar de ofício a produção antecipada de
provas;
d) por ser uma peça técnica, o laudo pericial deve ser aceito pelo juiz, sendo-lhe vedado inclusive rejeitá-lo
em parte;
e) o assistente técnico atuará no exame de corpo de delito juntamente com o perito oficial.
►Comentários
A alternativa A está incorreta, porque incompatível com a solução indicada pelo art. 180 do Código de
Processo Penal:
Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as
declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a
autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar
proceder a novo exame por outros peritos
A assertiva B está correta. Encontra amparo legal no art. 155, parágrafo único do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.
A alternativa C está errada. Nos termos do art. 156, inciso I do Código de Processo Penal, o juiz pode
determinar de ofício a produção antecipada de provas. Note-se:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida;
A alternativa D também está incorreta. Segundo o art. 182 do Código de Processo Penal, o juiz pode rejeitar
o laudo pericial no todo ou em parte. Veja-se:
Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte.
A assertiva E está incorreta. O assistente técnico não atua juntamente com o perito oficial, mas após a
conclusão dos exames e a elaboração do respectivo laudo, nos moldes do art. 159, § 4º do Código de
Processo Penal:
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superior. § 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão
pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as
partes intimadas desta decisão.
19. (FUNDEP – Juiz Substituto – TJ/MG – 2014) A respeito da produção de prova no processo penal,
assinale a alternativa CORRETA.
a) ao Juiz, de acordo com o Código de Processo Penal, é vedado determinar a realização de provas antes do
início da ação penal.
b) a confissão do acusado, por ocasião de seu interrogatório judicial, concordando com a classificação legal
dos fatos narrados na denúncia, autoriza o julgamento antecipado da lide, por economia processual;
c) a interceptação telefônica poderá ser requerida verbalmente ao juiz pela autoridade policial, desde que
estejam presentes os pressupostos que a autorizem, caso em que a concessão será condicionada à sua
redução a termo;
d) o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em juízo, mas também pode
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase investigatória.
►Comentários
A alternativa A está errada. Nos termos do art. 156, inciso I do Código de Processo Penal, o magistrado pode
determinar a realização de provas, de ofício, antes mesmo de iniciada a ação penal.
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida.
A assertiva B está incorreta. A confissão do acusado não é o bastante para sua condenação. Imprescindível
que ela apresente compatibilidade com outras provas. O julgamento antecipado da lide não é uma opção. A
respeito do tema, repare-se no teor do art. 197 do Código de Processo Penal:
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de
prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
A alternativa C está correta, porque encontra amparo no art. 4º, § 1º da Lei nº 9.296/96. Veja-se:
A alternativa D está errada, porque incompatível com o teor do art. 155 do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
c) a decisão que, embora admitido o recurso de apelação, obsta sua expedição e seu seguimento, desafia
recurso em sentido estrito;
d) no curso da instrução do feito, o juiz pode determinar, de ofício, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante da causa.
►Comentários
A alternativa A está incorreta. Na hipótese indicada na assertiva, o juiz pode determinar a antecipação da
produção de provas. O magistrado não está obrigado a fazê-lo segundo o art. 366 do Código de Processo
Penal. Perceba-se:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção
antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos
termos do disposto no art. 312.
A alternativa B está errada. O art. 384, § 1º do Código de Processo Penal é claro. Nos casos em que for
cabível nova definição jurídica do fato capitulado na denúncia e o Ministério Público não proceder ao
aditamento, caberá ao magistrado agir na forma dor art. 28 do Código de Processo Penal, encaminhando o
feito ao Procurador-Geral. O assistente de acusação, pela lei, não poderá aditar a inicial.
Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato,
em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal
não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5
(cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública,
reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1o Não procedendo o órgão do
Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
A alternativa C está incorreta. De acordo com o art. 639, inciso II do Código de Processo Penal, caberá carta
testemunhável da decisão que, embora admita a apelação, obste sua expedição e seu seguimento. Note-se:
Art. 639. Dar-se-á carta testemunhável: II - da que, admitindo embora o recurso, obstar à sua
expedição e seguimento para o juízo ad quem.
A assertiva D está certa, porque compatível com as disposições do art. 156, inciso II do Código de Processo
Penal:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício: II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,
facultado ao juiz de ofício: II – determinar, no curso da instrução, ou antes de
proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Promotor
22. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) A teoria dos “frutos da árvore envenenada”, de
origem norte-americana, encontra-se prevista no art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal, quando este
dispõe serem inadmissíveis, sem ressalvas, as provas derivadas das ilícitas. (C/E)
►Comentários
A assertiva está incorreta. De acordo com o § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal, são admissíveis
as provas derivadas das ilícitas quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por fonte independente das primeiras.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
23. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) De acordo com a redação do art. 156 do Código
de Processo Penal, a regra de que a prova da alegação incumbirá a quem o fizer admite exceções, quais
sejam: ser facultado ao juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade das medidas; e, determinar no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante. (C/E)
►Comentários
A assertiva está correta, porque retrata o teor do art. 156 do Código de Processo Penal, dispositivo legal
cujo conteúdo é recorrentemente objeto de questionamentos.
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida. II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
24. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2014) São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras. É o que estabelece o Código de Processo Penal. (C/E)
►Comentários
A assertiva está correta, porque compatível com as disposições do art. 157, § 1º do Código de Processo
Penal:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São
também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas
por uma fonte independente das primeiras.
25. (FCC – Promotor de Justiça – MPE/PE – 2002) Afirmar que a prova produzida não pertence à parte
que a produziu, servindo a ambos os litigantes e ao interesse da justiça, é enunciar o princípio da:
a) comunhão da prova;
b) eficácia plena da prova;
c) contraditoriedade da prova;
d) responsabilidade mútua e recíproca da prova;
e) concentração da prova.
►Comentários
A alternativa A é a única correta. O princípio da comunhão estabelece que a prova não pertence à parte que
a produziu, mas ao processo, servindo ao interesse da Justiça. O próprio enunciado não deixa dúvidas de que
está a se referir ao princípio da comunhão da prova quando sinaliza que a prova deve servir a ambos os
litigantes.
26. (VUNESP – Promotor de Justiça – MP/ES – 2013) X, funcionário público, foi denunciado por
prevaricação. Durante o curso da instrução processual, recebe uma carta confidencial de Y, suposta vítima
do crime, que comprova sua inocência. X junta aos autos o referido documento, que deverá ser
considerado:
a) prova ilícita, tendo em vista que o sigilo de correspondência é inviolável nos termos da Constituição
Federal;
b) prova ilícita, porque fere o princípio do contraditório;
c) prova lícita, apesar de violar o princípio do contraditório;
d) prova lícita, tendo em vista que não viola normas constitucionais ou legais;
e) prova ilícita porque sua utilização fere o princípio constitucional que garante privacidade à vida privada
da vítima do crime de prevaricação.
►Comentários
A alternativa D é a única correta. De acordo com o art. 233, parágrafo único do Código de Processo Penal,
cartas podem ser exibidas em juízo pelo destinatário, para defesa de seu direito, ainda que não haja
consentimento do signatário. Há se ter em mente que todas as provas se submetem a contraditório; a
documental, não foge à regra. Não se está, portanto, diante de prova ilícita, tampouco de prova que viola o
contraditório
Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão
admitidas em juízo. Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo
destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.
27. (FCC – Promotor de Justiça – MPE/CE – 2009) Com relação às regras de provas do Código de
Processo Penal, pode-se afirmar:
a) adotou a teoria "dos frutos da árvore envenenada" e a teoria da "fonte independente";
b) na inquirição das testemunhas as perguntas das partes serão feitas por intermédio do juiz;
c) se a infração deixar vestígios, a falta de exame de corpo de delito poderá ser suprida pela confissão do
acusado;
d) a busca domiciliar, por ser medida de natureza cautelar, só se justifica quando fundadas razões a
autorizarem e, se realizada para prender pessoas condenadas, poderá ser feita em qualquer momento;
e) o juiz poderá ordenar, somente quando iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas urgentes
e relevantes.
►Comentários
A alternativa A está correta. As teorias dos frutos da árvore envenenada e da fonte independente encontra
previsão no art. 157, caput e § 1º do Código de Processo Penal.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
Com a entrada em vigor da Lei n° 11.690/08, a teoria dos frutos da árvore envenenada passou a
constar expressamente do Código de Processo Penal. Segundo o art. 157, § 1°, do CPP, "são
também inadmissíveis as provas derivadas das i/feitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras". (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume
Único. 5ª ed. JusPodivm. Salvador. 2017. P. 627).
A alternativa B está errada, porque incompatível com o que estabelece o art. 212 do Código de Processo
Penal.
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo
o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem
na repetição de outra já respondida.
A assertiva C também está errada. De acordo com o art. 158 do Código de Processo Penal, a confissão não
pode suprir a ausência do exame de corpo de delito.
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
A assertiva D está incorreta. A busca domiciliar, ainda que se destine à prisão de pessoas condenadas, deve
respeitar o teor do art. 5º, inciso XI da Constituição Federal e do art. 244 do Código de Processo Penal; ou
seja, não poderá ocorrer a qualquer momento, mas apenas durante o dia (salvo se houver consentimento
do morador para que seja realizada à noite). Perceba-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XI - a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;
Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se
realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado
ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária ou prisão preventiva. § 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer
hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.
Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra
em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for
obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força
na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao
morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e,
logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão. Parágrafo único. O morador que
se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que
se proceda contra ele como for de direito.
A alternativa E está incorreta. A produção antecipada de provas urgentes e relevantes pode ser determinada
antes mesmo de iniciada a ação penal. Note-se:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida.
Defensor
28. (CESPE – Defensor Público Federal – DPU – 2017) Acerca dos sistemas de apreciação de provas e da
licitude dos meios de prova, julgue o item subsequente.
Situação hipotética: Arnaldo, empresário, gravou, com seu telefone celular, uma ligação recebida de fiscal
ligado a uma autarquia a respeito da liberação de empreendimento da sociedade empresária da qual Arnaldo
era sócio. Na conversa gravada, o fiscal exigiu para si vantagem financeira como condição para a liberação
do empreendimento. Assertiva: Nessa situação, de acordo com o STF, o referido meio de prova é ilícito por
violar o direito à privacidade, não servindo, portanto, para embasar ação penal contra o fiscal. (C/E)
►Comentários
A assertiva está incorreta. Prevalece o entendimento de que não há ilicitude em gravação telefônica
realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, podendo ela ser utilizada como prova
em processo judicial (AI 602724 AgR-segundo, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado
em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 21-08-2013 PUBLIC 22-08-2013).
29. (CESPE – Defensor Público Federal – DPU – 2017) Acerca dos sistemas de apreciação de provas e da
licitude dos meios de prova, julgue o item subsequente.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro tenha adotado o sistema da persuasão racional para a apreciação
de provas judiciais, o CPP remete ao sistema da prova tarifada, como, por exemplo, quando da necessidade
de se provar o estado das pessoas por meio de documentos indicados pela lei civil. (C/E)
►Comentários
A assertiva está correta. Existem resquícios do sistema da prova tarifada no Código de Processo Penal. A
necessidade de se provar o estado das pessoas observando-se as restrições estabelecidas na lei civil é um
desses exemplos. Tanto é verdade que a prova da morte do acusado, segundo o art. 62 do Código de Processo
Penal, deve ser feita por meio de certidão de óbito. Confira-se o que diz a doutrina:
Um exemplo de prova tarifada consta do art. 155, parágrafo único, do CPP, o qual dispõe que
'somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil’.
Assim, se acaso pretenda o advogado provar que seu cliente está morto, não poderá querer fazê-
lo através de prova testemunhal, sendo cogente a juntada de certidão de óbito, tal qual disposto
no art. 62 do CPP. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume Único. 5ª ed.
JusPodivm. Salvador. 2017. P. 601/2).
30. (FCC – Defensor Público – DPE/ES – 2016) Sobre as provas no processo penal,
a) após realização do reconhecimento pessoal, deve ser lavrado auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais;
b) em virtude do princípio do livre convencimento motivado, o juiz pode suprir a ausência de exame de corpo
de delito, direto ou indireto, pela confissão do acusado nos crimes que deixam vestígios;
c) de acordo com o sistema acusatório, o interrogatório é o ato final da instrução, não podendo ocorrer mais
de uma vez no mesmo processo;
d) segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, a confissão do acusado só é válida se feita sem
coação de nenhuma natureza, de modo que não há mácula na confissão informal feita no momento da prisão
quando apenas induzida por policiais;
e) diante da notícia concreta de tráfico de drogas e da presença de armas em determinada favela, é possível
a expedição de mandado de busca domiciliar para todas as casas da comunidade.
►Comentários
A assertiva A está correta, porque compatível com o teor do art. 226, inciso IV do Código de Processo Penal.
A alternativa B está incorreta. A confissão do acusado não pode suprir a ausência do exame de corpo de
delito.
Art. 158, CPP. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
A alternativa C também está errada. Não há qualquer empecilho à tomada de um novo interrogatório no
processo. Veja-se:
Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido
fundamentado de qualquer das partes.
A assertiva D está errada. A indução por parte dos policiais pode ser considerada meio de coação;
consequentemente, pelas disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos, pode invalidar a
confissão do acusado.
A alternativa E está incorreta. A simples notícia da ocorrência de tráfico e da presença de armas numa favela
não é o bastante para legitimar a expedição de mandados de busca em relação a todas as casas ali
estabelecidas. O mandado de busca e apreensão deve indicar com precisão o local em que a diligência deverá
ser cumprida (art. 243, IV), sob pena de afronta ao princípio da inviolabilidade do domicílio.
Art. 243, CPP. O mandado de busca deverá: I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em
que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de
busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
31. (FCC – Defensor Público – DPE/RS – 2014) José, menor de 21 anos e primário, foi denunciado pela
prática do fato previsto no art. 171, caput (por 15 vezes), na forma do art. 71, caput, ambos do Código
Penal. Determinada a citação pessoal, não é encontrado, frustradas as ulteriores diligências empreendidas
para sua localização. Com vista dos autos, manifesta-se o Ministério Público pela citação editalícia,
requerendo, ainda, a produção antecipada da prova oral (cinco testemunhas foram arroladas). Como
argumento legitimador deste último pedido, afirma que o passar do tempo, por si só, é motivo suficiente
para o respectivo deferimento, pois pode haver prejuízo ao processo de reconstrução da verdade. O
pedido é acolhido pelo juiz a partir do fundamento invocado pelo Ministério Público. Analisada a hipótese
acima construída, mostra-se correto afirmar que a decisão está
a) correta, desde que assegurada ao réu a assistência da defesa técnica, caso em que, observado o
contraditório e a ampla defesa, nenhum prejuízo será experimentado;
b) correta, pois ao Ministério Público compete provar os fatos alegados, cabendo a este apresentar os
elementos para formar a convicção do julgador, e igualmente a oportunidade para se desincumbir da carga
probatória;
c) correta, tendo em vista que se trata de crime doloso praticado em continuidade delitiva;
d) errada, porquanto se trata de réu menor e primário, circunstância obstativa da antecipação da colheita
da prova;
e) errada, porque toda decisão que determina a produção antecipada da prova deve ser concretamente
fundamentada, não a justificando o mero decurso do tempo.
►Comentários
A assertiva E é a única correta, porque compatível com as disposições da Súmula 455 do Superior Tribunal
de Justiça
Súmula 455, STJ - A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.
366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero
decurso do tempo.
32. (FUNDEP – Defensor Público – DPE/MG – 2014) A respeito da prova no processo penal e temas
correlatos, analise as afirmativas a seguir.
I. A expedição de carta precatória para oitiva de testemunha não suspenderá a instrução criminal e, de
acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, a ausência de intimação da expedição
da referida precatória é causa de nulidade relativa do processo criminal.
II. Segundo entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, o mero decurso de tempo é fundamento
idôneo para justificar a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do
CPP.
III. A vedação constitucional da prova ilícita não é absoluta no processo penal, já que é possível ser afastada
em favor do acusado, quando tiver por fim a prova da inocência com fundamento no princípio da
proporcionalidade.
IV. De acordo com o código de processo penal, sempre são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,
devendo ser desentranhadas do processo e inutilizadas por decisão judicial, facultando às partes
acompanhar o incidente.
Estão CORRETAS as afirmativas
a) I e III apenas;
b) I, II, III e IV;
c) I, II e IV apenas;
d) II e IV apenas.
►Comentários
A proposição I está correta. Segundo o art. 222, § 1º do Código de Processo Penal, a expedição da precatória
não suspenderá a instrução criminal. Ademais, de acordo com a Súmula 155 do STF, é relativa a nulidade do
processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha.
A proposição II está errada. Segundo a Súmula 455 do STJ, a decisão que determina a produção antecipada
de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando
unicamente o mero decurso do tempo.
A proposição III está correta. De acordo com a doutrina, possível a utilização de prova ilícita a fim de provar
a inocência do acusado com base no princípio da proporcionalidade. Perceba-se:
A proposição IV está incorreta. Provas derivadas das ilícitas, em algumas hipóteses, podem ser admitidas e
não devem ser desentranhas. Repare-se no teor do § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
Procurador
33. (PGR – Procurador da República – PGR – 2008) Entende-se por encontro fortuito de provas:
a) o mesmo que por prova emprestada;
b) o uso de uma mesma prova, achada por acaso, em várias investigações;
c) a obtenção de prova de uma infração a partir da busca regularmente autorizada para investigação de outro
crime;
d) a harmonização fortuita de provas em casos diversos.
►Comentários
A alternativa C é a única correta. O encontro fortuito de provas, também denominado
serendipidade, ocorre quando a prova de determinada infração é obtida a partir de diligência
relacionada à investigação de outro crime.
34. (PGR – Procurador da República – PGR – 2012 – ADAPTADA) Considerando o posicionamento do
STJ, julgue as assertivas:
I - As informações obtidas de forma anônima somente são aptas a ensejar a instauração de ação penal
quando corroboradas por outros elementos de prova colhidos em diligências preliminares realizadas durante
a investigação criminal;
II - O exame previsto no art. 149, do CPP, somente é imprescindível quando houver dúvida fundada a respeito
da higidez mental do acusado, tanto em função da superveniência de enfermidade no curso da instrução
criminal quanto pela presença de indícios plausíveis de que, quando do cometimento do delito, era incapaz
de entender o caráter ilícito da conduta perpetrada ou de determinar-se de acordo com esse entendimento;
III - Na forma do art. 366, do CPP, a produção antecipada de provas deve ser utilizada em todos os casos em
que o processo tenha sido suspenso em razão da ausência do réu citado por edital, mesmo sem a avaliação
do risco concreto do perecimento da prova;
IV - Nos casos de interceptação telefônica, há a necessidade de se identificar todos os interlocutores por
meio de perícia técnica ou de degravação dos diálogos na integra por peritos oficiais, sob pena de nulidade
da prova.
Assinale:
a) todas as assertivas são verdadeiras;
b) somente as assertivas I e II são verdadeiras;
c) somente as assertivas III e IV são falsas;
d) somente as assertivas I, III e IV são verdadeiras.
►Comentários
A alternativa B é a única correta. Apenas as proposições I e II estão de acordo com a orientação do STJ,
confira-se:
[...] 3. Embora a denúncia anônima não seja, por si só, idônea a dar ensejo à instauração de
inquérito policial, muito menos à deflagração da ação penal, nada impede que ela possibilite uma
investigação preliminar e que, apurados os fatos, seja instaurado inquérito policial e,
posteriormente, uma ação penal, caso as informações de tal notícia sejam corroboradas por
outros elementos de prova. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. [...] (HC
247.921/ES, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe
09/04/2013).
[...] 1. O exame a que se refere o art. 149 do Código de Processo Penal é imprescindível apenas
quando houver dúvida fundada a respeito da higidez mental do acusado, tanto em razão da
superveniência de enfermidade no curso do processo ou pela presença de indícios plausíveis de
que, ao tempo dos fatos, era incapaz de entender o caráter ilícito da conduta ou determinar-se
de acordo com esse entendimento. [...] (HC 60.977/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA
TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 14/11/2011)
Súmula 455, STJ - A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.
366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero
decurso do tempo.
[...] II. O entendimento firmado nesta Corte é no sentido da desnecessidade de identificação dos
interlocutores através de perícia técnica ou de degravação dos diálogos em sua integralidade por
peritos oficiais. [...] (REsp 1134455/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
22/02/2011, DJe 09/03/2011)
Delegado de Polícia
35. (IBADE – Delegado de Polícia – PC/AC – 2017) No curso de uma interceptação telefônica que
apurava a prática dos crimes de associação para o tráfico, bem como o crime de tráfico de drogas, foi
descoberto que os mesmos criminosos também eram responsáveis por diversos outros crimes na região,
como homicídios e roubos. Este encontro fortuito de elementos probatórios em relação a outros fatos
delituosos é denominado pela doutrina e jurisprudência como Teoria da(o):
a) nexo causal atenuado;
b) fonte independente;
c) serendipidade;
d) exceção da descoberta inevitável;
e) aparência.
►Comentários
A assertiva C é a única correta. Doutrina e jurisprudência se referem ao encontro fortuito de provas como
serendipidade, que ocorre quando a prova de determinada infração é obtida a partir de diligência relacionada
à investigação de outro crime.
36. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/BA – 2013) Caso haja contradição entre os depoimentos das
testemunhas, as confissões dos acusados e as conclusões técnicas dos peritos, o testemunho das pessoas
envolvidas, quando estas estiverem sob juramento, deve prevalecer sobre as conclusões técnicas dos
peritos. (C/E)
►Comentários
A assertiva está incorreta. Inexiste hierarquia entre as provas. O juiz, portanto, não está adstrito às
conclusões dos peritos. Pelo contrário, poderá o magistrado fundamentar sua decisão com base nas demais
provas produzidas. Sobre o tema, confira-se o teor dos artigos 155 e 182 do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte.
37. (FUMARC – Delegado de Polícia – PC/MG – 2011) Sobre a prova no processo penal brasileiro
é INCORRETO afirmar:
a) a prova sobre o “estado das pessoas” deve observar restrições estabelecidas na lei civil;
b) a confissão deve ser cotejada com outros elementos de convicção;
c) a narcoanálise constitui método para obtenção de informações úteis à moderna investigação policial;
d) o juiz pode determinar a realização de prova mesmo antes de iniciada a ação penal.
►Comentários
A alternativa A está correta, porque compatível com o teor do art. 155, parágrafo único do Código de
Processo Penal.
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.
A assertiva B está correta. De acordo com o art. 197 do Código de Processo Penal, a confissão deve ser
apreciada à luz do conjunto probatório; afinal, não é hierarquicamente superior às demais provas.
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de
prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
A alternativa C está incorreta e, por isso, deveria ter sido assinalada. Narcoanálise é um processo de
investigação pelo qual, mediante emprego de substâncias, o indivíduo é induzido a revelar fatos/experiências
que, em situação normal, tenderia a ocultar (soro da verdade). De acordo com a doutrina, esse tipo de
método é inadmissível:
A assertiva D está correta. Segundo o art. 156, inciso I do Código de Processo Penal, o juiz pode determinar
a realização de provas ainda que a ação penal não tenha sido iniciada. Note-se:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida.
38. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/RN – 2009) Acerca do objeto da prova, assinale a opção correta.
a) os fatos são objeto de prova, e nunca o direito, pois o juiz é obrigado a conhecê-lo;
b) os fatos axiomáticos dependem de prova;
c) presunção legal é a afirmação da lei de que um fato é existente ou verdadeiro, independentemente de
prova. Entretanto, o fato objeto da presunção legal pode precisar de prova indireta, ou seja, pode ser
necessário demonstrar o fato que serve de base à presunção, que, uma vez demonstrado, implica que o fato
probando (objeto da presunção) considera-se provado;
d) no processo penal, os fatos não-impugnados pelo réu (fatos incontroversos) são considerados
verdadeiros;
e) as verdades sabidas dependem de prova.
►Comentários
A alternativa A está incorreta. Pode se fazer necessária a prova do direito estadual e municipal referente à
localidade diversa daquela em que o juiz exerce jurisdição, bem como, eventualmente, do direito estrangeiro
e consuetudinário. Sobre o tema, confira-se o que estabelece o art. 376 do CPC:
Art. 376. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-
lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.
A assertiva B está errada. De acordo com a doutrina, fatos axiomáticos (evidentes) não dependem de
comprovação.
A assertiva C está correta. Os fatos presumidos por lei como verdadeiros podem depender de uma prova
indireta que demonstre que se está diante do fato que pela lei é presumido verdadeiro. Exemplo: menor de
quatorze anos não é capaz de consentir com ato sexual. A lei presume que, nesses casos, a violência é
presumida e, via de consequência, haverá estupro de vulnerável. Entretanto, a condição de menor de
quatorze anos, capaz de conduzir à presunção, deve ser comprovada.
A alternativa D está errada. Ao contrário do que ocorre no processo civil, mesmo fatos não impugnados
devem ser comprovados. A própria revelia no processo penal não conduz à presunção de veracidade dos
fatos imputados. Há se ter em mente que o processo penal trabalha com a ideia de presunção de inocência.
Ora, se a própria confissão (admissão de culpa) não é o bastante para embasar, por si, uma condenação, não
se pode conceber que fatos não impugnados possam ser considerados verdadeiros.
A alternativa E está incorreta. As verdades sabidas (fatos notórios) – aquelas de conhecimento geral – não
dependem de prova. Aplicável, aqui, o art. 374, inciso I do CPC c/c art. 3º do CPP:
Art. 3o. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como
o suplemento dos princípios gerais de direito.
39. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/TO – 2008) Considere que em determinada ação penal foi
realizada perícia de natureza contábil, nos moldes determinados pela legislação pertinente, o que resultou
na elaboração do competente laudo de exame pericial. Na fase decisória, o juiz discordou das conclusões
dos peritos e, de forma fundamentada, descartou o laudo pericial ao exarar a sentença. Nessa situação, a
sentença é nula, pois o exame pericial vincula o juiz da causa. (C/E)
►Comentários
A assertiva está incorreta, porque incompatível com o art. 182 do Código de Processo Penal:
Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte.
40. (Fundatec - Delegado de Polícia – PC/RS – 2018) Sobre os elementos informativos colhidos no
inquérito policial e as provas em geral, assinale a alternativa correta.
a) São admissíveis as provas derivadas das ilícitas quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas
e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
b) Os elementos informativos colhidos no inquérito policial não podem fundamentar decisão sobre
decretação de prisão preventiva.
c) O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas
as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
d) Os elementos informativos colhidos da investigação policial não podem fundamentar decisões concessivas
de medidas cautelares.
e) Os elementos informativos colhidos na investigação são protegidos pelo sigilo, sendo vedado o seu
conhecimento ao juiz ou membro do Ministério Público antes do oferecimento da denúncia.
►Comentários
A Alternativa A está correta. Se enquadra na exceção do § 1º do art. 157 do CPP.
A assertiva B está incorreta. Não há vedação quanto a isso. Aliás, só não podem se exclusivos para efeito da
condenação.
A proposição C está errada. Explicação acima e art. 155 do CPP.
Podem, portanto a opção D está incorreta. Não há vedação quanto a isso. Aliás, só não podem se exclusivos
para efeito da condenação.
Não, a alternativa E está errada. O sigilo só se aplica na investigação quando “necessário à elucidação do
fato ou exigido pelo interesse da sociedade” (art. 17 do CPP) e jamais em relação ao MP e juiz do caso.
LISTA DE QUESTÕES
Magistratura
1. (CESPE – Juiz Federal Substituto – TRF1 – 2013 – ADAPTADA) Considerando as súmulas dos tribunais
superiores aplicáveis ao direito processual penal brasileiro, esclareça.
O decurso do prazo superior a cinco anos entre o fato e a instrução criminal é suficiente para justificar a
produção antecipada de provas, em caso de crimes hediondos ou a esses equiparados. (C/E)
2. (TRF4 – Juiz Federal Substituto – TRF4 – 2012 – ADAPTADA) Provas que constituam derivação de
uma prova ilícita são sempre inutilizáveis no processo penal, tendo em vista o princípio constitucional da
proibição da prova ilícita, que engloba a ilicitude derivada ou de segundo grau. (C/E)
3. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/DFT – 2016) Acerca do princípio do livre convencimento do juiz,
assinale a opção correta.
a) tendo formado sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, o juiz
poderá proferir decisão baseada exclusivamente nas provas não repetíveis, mas não poderá fazê-lo em caso
de provas antecipadas ou cautelares;
b) o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não
podendo proferir decisão baseada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase de
investigação, tampouco nas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas;
c) dada a previsão de que o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório, a prova produzida na fase de investigação poderá fundamentar a decisão do magistrado se a
sua produção tiver sido acompanhada pelo advogado do réu, ou seja, poderá o juiz fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos produzidos na fase de inquérito;
d) em decorrência do princípio do livre convencimento adotado pelo CPP, o juiz pode decidir de acordo com
sua vivência acerca dos fatos, desde que sua decisão seja devidamente fundamentada;
e) o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, e
poderá proferir decisão com base exclusivamente nas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
4. (FMP – Juiz Substituto – TJ/MT – 2014) É correto dizer que o Código de Processo Penal.
a) considera lícita a prova obtida por fonte(s) independente(s) da ilícita, porque entre uma e outra não há
nexo de causalidade.
b) admite, ao livre critério do juiz, utilização do sistema de videoconferência para a coleta apenas do
interrogatório;
c) prevê que o juiz que receber a denúncia ou queixa ficará vinculado ao processo e será o competente para
a sentença, por causa do comando normativo do princípio da identidade física;
d) proíbe que o juiz requisite provas, porque essa iniciativa contraria o modelo acusatório e dá causa à
nulidade absoluta do processo;
e) confere valor absoluto à delação premiada, se o juiz participar das negociações realizadas entre as partes
para a formalização do acordo de colaboração.
5. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/DFT – 2014) Assinale a opção correta a respeito das provas, dos atos
de prova e de investigação.
a) os atos de prova visam fundamentar a adoção de medidas cautelares pelo juiz.
b) se o juiz determinar, de ofício, a produção de provas, ele deverá submetê-las ao contraditório das partes,
para que possam oferecer a contraprova, não se exigindo, contudo, que as partes participem da produção
da prova;
c) no exame de corpo de delito, não há contraditório, por se tratar de antecipação ad perpetuam rei
memoriam.
d) no CPP, não há distinção entre prova e elemento informativo da investigação;
e) os atos de investigação visam à obtenção de informações que conduzam a um juízo de probabilidade
idôneo para sustentar a opinio delicti do órgão da acusação.
6. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/RN – 2013) Em relação às provas e aos atos processuais penais, assinale
a opção correta:
a) considere que, após várias diligências para a tentativa de citação pessoal, seja certificado nos autos que o
réu esteja em local incerto e não sabido e que o juiz determine a citação por edital. Nessa situação, estaria
configurada a nulidade da citação caso esta fosse efetivada sem a transcrição da denúncia, ainda que
presente a indicação do dispositivo da lei penal;
b) a citação por hora certa e a realizada por edital são formas de citação ficta e receberam igual tratamento
pelo legislador, que estabeleceu, de forma expressa, no CPP que, nas duas hipóteses, se o réu não
comparecer nem constituir advogado para defesa, o processo será suspenso, assim como o prazo
prescricional;
c) considere que, ao analisar pedido do MP de remessa dos autos à delegacia de origem para novas
diligências, o magistrado verifique a existência, no inquérito policial, de atestado médico com informação de
que a testemunha presencial do crime, embora lúcida, tenha idade avançada e esteja muito doente, com
sério risco de morte. Nessa hipótese, dado o princípio da imparcialidade e, na falta de requerimento do órgão
da acusação, não é permitido ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas;
d) a inexistência de laudo de exame de corpo de delito complementar para a comprovação da ocorrência de
lesão corporal de natureza grave que gere incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias
não pode ser suprida pela prova testemunhal;
e) no processo penal, os prazos são contados da data da efetiva intimação, ainda que outra seja a data da
juntada do mandado ou da carta precatória aos autos.
7. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/RJ – 2013) Assinale a alternativa correta a respeito das provas
processuais penais.
a) a regulamentação dos meios de prova feita pelo Código de Processo Penal é taxativa, não sendo admitidas
provas atípicas ou inominadas;
b) o Código de Processo Penal não admite, nem mesmo excepcionalmente, a “prova tarifada” como sistema
de apreciação da prova;
c) teoria dos “frutos da árvore envenenada” está positivada em nossa legislação infraconstitucional;
15. (FGV – Juiz Substituto – TJ/AP – 2008) Em tema de prova penal, é correto afirmar que:
a) em regra vigora o sistema da íntima convicção, pelo qual o juiz formará sua convicção pela livre apreciação
da prova, estando dispensado de motivá-la;
b) não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a confissão poderá
suprir-lhe a falta;
c) em crime que deixa vestígios, o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo
ou em parte.
d) as provas requeridas pela Defesa deverão ser deferidas pelo juiz independentemente da pertinência que
guardem com o objeto do processo;
e) são inadmissíveis no processo as provas produzidas por meios ilícitos, salvo quando servirem para
esclarecer dúvida sobre ponto relevante.
16. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/TO – 2007 – ADAPTADA) Vigora no Código de Processo Penal (CPP) o
princípio da liberdade dos meios de prova, podendo as partes produzir qualquer uma delas, desde que
nominadas. As provas inominadas são consideradas ilícitas para todos os efeitos. (C/E).
17. (VUNESP – Juiz Substituto – TJ/SP – 2015) A formação da convicção do magistrado no processo
penal tem por base inúmeros elementos. Assinale a alternativa que contenha elementos que vão ao
encontro da sistemática do Código de Processo Penal como um todo.
a) vinculação das provas do processo à sua própria consciência e verdade formal;
b) livre convencimento e verdade material;
c) livre convencimento e motivação da decisão;
d) hierarquia prefixada de provas e livre apreciação dos elementos constatados nos autos.
18. (CESPE – Juiz Substituto – TJ/PB – 2015) Assinale a opção correta a respeito de provas no CPP.
a) em caso de divergência entre os peritos, a controvérsia será resolvida internamente pelo diretor da
repartição de lotação dos peritos, que elaborará laudo a fim de apresentar uma versão consensual;
b) no processo penal, a prova do estado de casado deve obedecer às restrições referentes ao estado de
pessoas previstas no ordenamento civil;
c) em respeito ao princípio acusatório, é vedado ao magistrado ordenar de ofício a produção antecipada de
provas;
d) por ser uma peça técnica, o laudo pericial deve ser aceito pelo juiz, sendo-lhe vedado inclusive rejeitá-lo
em parte;
e) o assistente técnico atuará no exame de corpo de delito juntamente com o perito oficial.
19. (FUNDEP – Juiz Substituto – TJ/MG – 2014) A respeito da produção de prova no processo penal,
assinale a alternativa CORRETA.
a) ao Juiz, de acordo com o Código de Processo Penal, é vedado determinar a realização de provas antes do
início da ação penal.
b) a confissão do acusado, por ocasião de seu interrogatório judicial, concordando com a classificação legal
dos fatos narrados na denúncia, autoriza o julgamento antecipado da lide, por economia processual;
c) a interceptação telefônica poderá ser requerida verbalmente ao juiz pela autoridade policial, desde que
estejam presentes os pressupostos que a autorizem, caso em que a concessão será condicionada à sua
redução a termo;
d) o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em juízo, mas também pode
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase investigatória.
20. (FUNDEP – Juiz Substituto – TJ/MG – 2014) Assinale a alternativa correta.
a) no caso de réu citado por edital, em que tenha sido decretada a suspensão do processo e da prescrição, o
juiz deverá determinar a antecipação da produção de provas para evitar o decurso do tempo, com
fundamento no princípio constitucional da duração razoável do processo;
b) conforme determina nossa lei processual penal, sendo cabível nova definição jurídica do fato capitulado
na denúncia e não procedendo o Ministério Público ao seu aditamento, o assistente de acusação poderá
fazê-lo, no prazo de cinco dias, desde que previamente habilitado nos autos;
c) a decisão que, embora admitido o recurso de apelação, obsta sua expedição e seu seguimento, desafia
recurso em sentido estrito;
d) no curso da instrução do feito, o juiz pode determinar, de ofício, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante da causa.
21. (EJEF – Juiz Substituto – TJ/MG – 2009) Marque a opção CORRETA.
a) o Código de Processo Penal permite ao Juiz determinar diligências apenas antes do encerramento da
instrução;
b) o Código de Processo Penal permite ao Juiz determinar diligências, de ofício, no curso do processo ou
antes de proferir sentença, desde que seja para dirimir dúvida sobre ponto relevante ao julgamento da causa;
c) o Código de Processo Penal não permite ao Juiz, de ofício, determinar diligências;
d) nenhuma das hipóteses é verdadeira.
Promotor
22. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) A teoria dos “frutos da árvore envenenada”, de
origem norte-americana, encontra-se prevista no art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal, quando este
dispõe serem inadmissíveis, sem ressalvas, as provas derivadas das ilícitas. (C/E)
23. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2016) De acordo com a redação do art. 156 do Código
de Processo Penal, a regra de que a prova da alegação incumbirá a quem o fizer admite exceções, quais
sejam: ser facultado ao juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade das medidas; e, determinar no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante. (C/E)
24. (MPE/SC – Promotor de Justiça – MPE/SC – 2014) São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras. É o que estabelece o Código de Processo Penal. (C/E)
25. (FCC – Promotor de Justiça – MPE/PE – 2002) Afirmar que a prova produzida não pertence à parte
que a produziu, servindo a ambos os litigantes e ao interesse da justiça, é enunciar o princípio da:
a) comunhão da prova;
b) eficácia plena da prova;
c) contraditoriedade da prova;
d) responsabilidade mútua e recíproca da prova;
e) concentração da prova.
26. (VUNESP – Promotor de Justiça – MP/ES – 2013) X, funcionário público, foi denunciado por
prevaricação. Durante o curso da instrução processual, recebe uma carta confidencial de Y, suposta vítima
do crime, que comprova sua inocência. X junta aos autos o referido documento, que deverá ser
considerado:
a) prova ilícita, tendo em vista que o sigilo de correspondência é inviolável nos termos da Constituição
Federal;
b) prova ilícita, porque fere o princípio do contraditório;
c) prova lícita, apesar de violar o princípio do contraditório;
d) prova lícita, tendo em vista que não viola normas constitucionais ou legais;
e) prova ilícita porque sua utilização fere o princípio constitucional que garante privacidade à vida privada
da vítima do crime de prevaricação.
27. (FCC – Promotor de Justiça – MPE/CE – 2009) Com relação às regras de provas do Código de
Processo Penal, pode-se afirmar:
a) adotou a teoria "dos frutos da árvore envenenada" e a teoria da "fonte independente";
b) na inquirição das testemunhas as perguntas das partes serão feitas por intermédio do juiz;
c) se a infração deixar vestígios, a falta de exame de corpo de delito poderá ser suprida pela confissão do
acusado;
d) a busca domiciliar, por ser medida de natureza cautelar, só se justifica quando fundadas razões a
autorizarem e, se realizada para prender pessoas condenadas, poderá ser feita em qualquer momento;
e) o juiz poderá ordenar, somente quando iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas urgentes
e relevantes.
Defensor
28. (CESPE – Defensor Público Federal – DPU – 2017) Acerca dos sistemas de apreciação de provas e da
licitude dos meios de prova, julgue o item subsequente.
Situação hipotética: Arnaldo, empresário, gravou, com seu telefone celular, uma ligação recebida de fiscal
ligado a uma autarquia a respeito da liberação de empreendimento da sociedade empresária da qual Arnaldo
era sócio. Na conversa gravada, o fiscal exigiu para si vantagem financeira como condição para a liberação
do empreendimento. Assertiva: Nessa situação, de acordo com o STF, o referido meio de prova é ilícito por
violar o direito à privacidade, não servindo, portanto, para embasar ação penal contra o fiscal. (C/E)
29. (CESPE – Defensor Público Federal – DPU – 2017) Acerca dos sistemas de apreciação de provas e da
licitude dos meios de prova, julgue o item subsequente.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro tenha adotado o sistema da persuasão racional para a apreciação
de provas judiciais, o CPP remete ao sistema da prova tarifada, como, por exemplo, quando da necessidade
de se provar o estado das pessoas por meio de documentos indicados pela lei civil. (C/E)
30. (FCC – Defensor Público – DPE/ES – 2016) Sobre as provas no processo penal,
a) após realização do reconhecimento pessoal, deve ser lavrado auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais;
b) em virtude do princípio do livre convencimento motivado, o juiz pode suprir a ausência de exame de corpo
de delito, direto ou indireto, pela confissão do acusado nos crimes que deixam vestígios;
c) de acordo com o sistema acusatório, o interrogatório é o ato final da instrução, não podendo ocorrer mais
de uma vez no mesmo processo;
d) segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, a confissão do acusado só é válida se feita sem
coação de nenhuma natureza, de modo que não há mácula na confissão informal feita no momento da prisão
quando apenas induzida por policiais;
e) diante da notícia concreta de tráfico de drogas e da presença de armas em determinada favela, é possível
a expedição de mandado de busca domiciliar para todas as casas da comunidade.
31. (FCC – Defensor Público – DPE/RS – 2014) José, menor de 21 anos e primário, foi denunciado pela
prática do fato previsto no art. 171, caput (por 15 vezes), na forma do art. 71, caput, ambos do Código
Penal. Determinada a citação pessoal, não é encontrado, frustradas as ulteriores diligências empreendidas
para sua localização. Com vista dos autos, manifesta-se o Ministério Público pela citação editalícia,
requerendo, ainda, a produção antecipada da prova oral (cinco testemunhas foram arroladas). Como
argumento legitimador deste último pedido, afirma que o passar do tempo, por si só, é motivo suficiente
para o respectivo deferimento, pois pode haver prejuízo ao processo de reconstrução da verdade. O
pedido é acolhido pelo juiz a partir do fundamento invocado pelo Ministério Público. Analisada a hipótese
acima construída, mostra-se correto afirmar que a decisão está
a) correta, desde que assegurada ao réu a assistência da defesa técnica, caso em que, observado o
contraditório e a ampla defesa, nenhum prejuízo será experimentado;
b) correta, pois ao Ministério Público compete provar os fatos alegados, cabendo a este apresentar os
elementos para formar a convicção do julgador, e igualmente a oportunidade para se desincumbir da carga
probatória;
c) correta, tendo em vista que se trata de crime doloso praticado em continuidade delitiva;
d) errada, porquanto se trata de réu menor e primário, circunstância obstativa da antecipação da colheita
da prova;
e) errada, porque toda decisão que determina a produção antecipada da prova deve ser concretamente
fundamentada, não a justificando o mero decurso do tempo.
32. (FUNDEP – Defensor Público – DPE/MG – 2014) A respeito da prova no processo penal e temas
correlatos, analise as afirmativas a seguir.
I. A expedição de carta precatória para oitiva de testemunha não suspenderá a instrução criminal e, de
acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, a ausência de intimação da expedição
da referida precatória é causa de nulidade relativa do processo criminal.
II. Segundo entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, o mero decurso de tempo é fundamento
idôneo para justificar a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do
CPP.
III. A vedação constitucional da prova ilícita não é absoluta no processo penal, já que é possível ser afastada
em favor do acusado, quando tiver por fim a prova da inocência com fundamento no princípio da
proporcionalidade.
IV. De acordo com o código de processo penal, sempre são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,
devendo ser desentranhadas do processo e inutilizadas por decisão judicial, facultando às partes
acompanhar o incidente.
Estão CORRETAS as afirmativas
a) I e III apenas;
b) I, II, III e IV;
c) I, II e IV apenas;
d) II e IV apenas.
Procurador
33. (PGR – Procurador da República – PGR – 2008) Entende-se por encontro fortuito de provas:
a) o mesmo que por prova emprestada;
b) o uso de uma mesma prova, achada por acaso, em várias investigações;
c) a obtenção de prova de uma infração a partir da busca regularmente autorizada para investigação de outro
crime;
d) a harmonização fortuita de provas em casos diversos.
34. (PGR – Procurador da República – PGR – 2012 – ADAPTADA) Considerando o
posicionamento do STJ, julgue as assertivas:
I - As informações obtidas de forma anônima somente são aptas a ensejar a instauração de
ação penal quando corroboradas por outros elementos de prova colhidos em diligências
preliminares realizadas durante a investigação criminal;
II - O exame previsto no art. 149, do CPP, somente é imprescindível quando houver dúvida fundada a respeito
da higidez mental do acusado, tanto em função da superveniência de enfermidade no curso da instrução
criminal quanto pela presença de indícios plausíveis de que, quando do cometimento do delito, era incapaz
de entender o caráter ilícito da conduta perpetrada ou de determinar-se de acordo com esse entendimento;
III - Na forma do art. 366, do CPP, a produção antecipada de provas deve ser utilizada em todos os casos em
que o processo tenha sido suspenso em razão da ausência do réu citado por edital, mesmo sem a avaliação
do risco concreto do perecimento da prova;
Delegado de Polícia
35. (IBADE – Delegado de Polícia – PC/AC – 2017) No curso de uma interceptação telefônica que
apurava a prática dos crimes de associação para o tráfico, bem como o crime de tráfico de drogas, foi
descoberto que os mesmos criminosos também eram responsáveis por diversos outros crimes na região,
como homicídios e roubos. Este encontro fortuito de elementos probatórios em relação a outros fatos
delituosos é denominado pela doutrina e jurisprudência como Teoria da(o):
a) nexo causal atenuado;
b) fonte independente;
c) serendipidade;
d) exceção da descoberta inevitável;
e) aparência.
36. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/BA – 2013) Caso haja contradição entre os depoimentos das
testemunhas, as confissões dos acusados e as conclusões técnicas dos peritos, o testemunho das pessoas
envolvidas, quando estas estiverem sob juramento, deve prevalecer sobre as conclusões técnicas dos
peritos. (C/E)
37. (FUMARC – Delegado de Polícia – PC/MG – 2011) Sobre a prova no processo penal brasileiro
é INCORRETO afirmar:
a) a prova sobre o “estado das pessoas” deve observar restrições estabelecidas na lei civil;
b) a confissão deve ser cotejada com outros elementos de convicção;
c) a narcoanálise constitui método para obtenção de informações úteis à moderna investigação policial;
d) o juiz pode determinar a realização de prova mesmo antes de iniciada a ação penal.
38. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/RN – 2009) Acerca do objeto da prova, assinale a opção correta.
a) os fatos são objeto de prova, e nunca o direito, pois o juiz é obrigado a conhecê-lo;
b) os fatos axiomáticos dependem de prova;
c) presunção legal é a afirmação da lei de que um fato é existente ou verdadeiro, independentemente de
prova. Entretanto, o fato objeto da presunção legal pode precisar de prova indireta, ou seja, pode ser
necessário demonstrar o fato que serve de base à presunção, que, uma vez demonstrado, implica que o fato
probando (objeto da presunção) considera-se provado;
d) no processo penal, os fatos não-impugnados pelo réu (fatos incontroversos) são considerados
verdadeiros;
e) as verdades sabidas dependem de prova.
39. (CESPE – Delegado de Polícia – PC/TO – 2008) Considere que em determinada ação penal foi
realizada perícia de natureza contábil, nos moldes determinados pela legislação pertinente, o que resultou
na elaboração do competente laudo de exame pericial. Na fase decisória, o juiz discordou das conclusões
dos peritos e, de forma fundamentada, descartou o laudo pericial ao exarar a sentença. Nessa situação, a
sentença é nula, pois o exame pericial vincula o juiz da causa. (C/E)
40. (Fundatec - Delegado de Polícia – PC/RS – 2018) Sobre os elementos informativos colhidos no
inquérito policial e as provas em geral, assinale a alternativa correta.
a) São admissíveis as provas derivadas das ilícitas quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas
e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
b) Os elementos informativos colhidos no inquérito policial não podem fundamentar decisão sobre
decretação de prisão preventiva.
c) O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas
as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
d) Os elementos informativos colhidos da investigação policial não podem fundamentar decisões concessivas
de medidas cautelares.
e) Os elementos informativos colhidos na investigação são protegidos pelo sigilo, sendo vedado o seu
conhecimento ao juiz ou membro do Ministério Público antes do oferecimento da denúncia.
GABARITO
Magistratura
1. INCORRETA
2. INCORRETA
3. E
4. A
5. E
6. E
7. C
8. INCORRETA
9. D
10. E
11. B
12. A
13. D
14. CORRETA
15. C
16. INCORRETA
17. C
18. B
19. C
20. D
21. B
Promotor
22. INCORRETA
23. CORRETA
24. CORRETA
25. A
26. D
27. A
Defensor
28. INCORRETA
29. CORRETA
30. A
31. E
32. A
Procurador
33. C
34. B
Delegado de Polícia
35. C
36. INCORRETA
37. C
38. C
39. INCORRETA
40. A