Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
° 1
REVISTA
DA FACULDADE
DE DIREITO
DA UNIVERSIDADE
DE LISBOA
pe
| in |
AB YNO ADOMNES
Coimbra Editora
REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Periodicidade semestral
XLII — N.° 1 - 2002
COMISSAO DE REDACCAO
Presidente - PROF. DOUTOR MARTIM DE ALBUQUERQUE
Vogais - PROF. DOUTOR JORGE MIRANDA
- PROF, DOUTOR CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL
- PROF. DOUTOR EDUARDO PAZ FERREIRA
- PROF. DOUTOR EDUARDO VERA-CRUZ PINTO (Secretério)
- MESTRE MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO
- MESTRA ISABEL ALEXANDRE
- MESTRE LUIS MORAIS
PROPRIEDADE E SECRETARIADO
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Alameda da Universidade
1649-014 Lisboa — Portugal
Telefone 21 798 4600 — Telecépia 21 795 0303
ISSN 0870-3116
Julho de 2003
GE Doutrina
José de Oliveira Ascensdo — A reserva da intimidade da vida privada e
FRMPMETAGE «55. -.-npcivdnenssnsncncajacccccsecsececersencosesecascsesectys
cline nibestgheaiesysascs ss
José de Oliveira Ascensdo — Direitos humanos — Uma lacuna no Tra-
tado Ge Amizade 1.uS0-Brastleiro ...........c0cecccecscdck
ete R PAM nesediage cesses
(1 Trabalhos de alunos
Diogo Costa Goncalves — Da “auctoritas” como elemento constitutivo da
PUTRI ONES ARES CU PII onsen cosas ccecenaneaincenienranvparecrmmnnermesorncian 585
Di Jurisprudéncia
Maria Raquel Rei — Acérdio da Relagiio de Lisboa de 5 de Fevereiro
Ne DIE. (II css isssiic pesrataecnses hibits i eccustaairastsoenaleete
cagnipenentucaends 689
Legislagao
Eduardo Vera-Cruz Pinto — O regime juridico-legal do Instituto Hidro-
grafico como laboratério de Estado: um projecto legislativo adiado que
Prepatitn. POU ccctiinciitanicicceanmininimninamnmeanaentmes 707
Vida Universitaria
Jodo Baptista Villela — “Lectio Brevissima” .........ccsssssessseeeerseserreeseres 853
Recensdées
Eduardo Vera-Cruz Pinto — Karl Galinsky, Augustan Culture-An Inter-
pretive Introdution, Princeton-New Jersey, Princeton University Press,
1996, 474 pp. ISBN 0-691-05890-3 (pbK.) ..........cccccccesecssesesesetereceeeeees 905
ACORDAO DA RELACAO DE LISBOA
DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (’)
MARIA RAQUEL REI
(‘) Publicado na Colectdénea de Jurisprudéncia, ano XX VII (2002), tomo 1, pags. 98 a 101.
44—FD.UL.
ae MARIA RAQUEL REI |
Ii] — Decidindo:
1. Sao diversas as questdes suscitadas pelo apelante:
(2) Como refere MENEZES CORDEIRO, no crédito ao consumo sao redobradas as exigéncias
de informagio, atento o disposto no Dec.-Lei n.° 359/91 (Manual de Direito Bancdrio, 2.* ed.,
pag. 595).
ACORDAO DA RELACAO DE LISBOA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (COMENTARIO) i
aa
4. Alegou o apelante que nunca lhe foi dado conhecimento do teor dos
docs. 1 e 2 juntos com a peticao.
No articulado de resposta a essa excepc4o a A. jamais afirmou que tivesse
cumprido, em relacdo ao fiador, o dever de comunicagao das condic6ées gerais,
limitando-se a alegar ainda assim em termos dubitativos, que 0 apelante “cer-
tamente conheceu” o seu teor e que o eventual desconhecimento do teor do
contrato principal lhe seria imputavel (art. 18.°).
Conquanto a aceitacao do clausulado geral pelo aderente possa ser tacita,
exige-se do proponente a observancia das condutas que a lei prevé para que
seja assegurado o seu conhecimento pelo obrigado ou co-obrigado (‘).
Ora, a falta de alegacfo da efectiva comunicacao das clausulas gerais reper-
cute-se inevitavelmente na auséncia de prova desse facto, com o resultado ante-
cipado, ou seja, com a exclusao das clausulas gerais constantes do doc. de fils. 11
nas relagdes entre o credor e o fiador, aplicando-se o regime legal supletivo.
(3) Neste sentido, cfr. JANUARIO GOMES, Assungdo Fidejusséria de Divida, pag. 103.
(*) ALMENO DE SA, Cldusulas contratuais gerais, pags. 200 e 204.
MARIA RAQUEL REI ]
(5) Neste sentido, Rev. da Banca, n.° 10, pags. 108 e 109, e n.° 19, pag. 179, Simoes Patri-
clo, Direito do Crédito, pég. 66, nota 49, MENEZES CoRDEIRO, Manual de Direito Bancdrio,
2.* ed., pag. 583, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 27-2-89, in CJ, tomo 1, pag. 144, 0 Ac. da Rel. do
Porto, de 9-11-92, in CJ, tomo V, p4g. 209, o Ac. da Rel. de Evora, de 6-12-79, in BMJ, n.° 2950,
pag. 484, e o Ac. da Rel. do Porto, de 9-5-94, in CJ, tomo III, pag. 189.
ACORDAO DA RELACAO DE LISBOA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (COMENTARIO)
(°) Neste sentido, cfr. o Ac. desta Relagiio, de 10-2-2000, in CJ, tomo 1, pag. 107, com ilus-
tragaéo de vasta doutrina, e o Ac. da Rel. do Porto, de 18-2-93, in CJ, tomo 1, pég. 236. Cfr. ainda
o Ac. do STJ, de 19-695, in CJSTJ, tomo II, pag. 131.
MARIA RAQUEL REI
(7) Neste sentido, cfr. ALBERTO Luis, O Anatocismo Bancdrio, na Rev. da Ordem dos Advo-
gados, ano 610 (sic), pags. 1369 e segs. (pag. 1353), JosE MARIA PIRES, Direito Bancdrio, vol. I,
pags. 194 e 195, e SimOgs Patricio, Direito de Crédito — Introdugdo, pg. 68, assim como 0 Ac.
da Rel. de Lisboa, de 31-10-96, in CJ, tomo IV, pég. 147, Ac. da Rel. do Porto, de 9-11-92,
in CJ, tomo V, pag. 209, e Ac. da Rel. de Evora, de 9-7-96, in CJ, tomo IV, pdg. 278.
ACORDAO DA RELACAO DE LISBOA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (COMENTARIO)
— Valor total das prestagdes que ficaram por liquidar — Esc. 2.780.688$00;
— Taxa de juros moratérios — 21,36% + 2% = 23,36%;
— Pagamento que foi feito por conta, em 31-10-2000 — Esc. 919.580$00.
IV — Conclusao:
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelacao parcialmente procedente, pelo
que, na parte respeitante ao apelante fiador, se modifica a sentenga, sendo condenado
solidariamente no pagamento do quantitativo que resultar da efectivagaio das opera-
goes referidas no § 1, com juros de mora 4 taxa de 23,36% até cumprimento.
Notifique.
Lisboa, 5-2-2001
ANOTACAO
(2) Também aqui o Tribunal escolheu mal as palavras: o fiador nao é contraente secundé-
rio, por oposigao ao mutudrio, contraente principal. Mutudrio e fiador nao séo contraentes do mesmo
contrato. Quando muito o fiador sera devedor secundério ou acessério, por oposigéo ao devedor
principal.
(1°) A utilizagéo da palavra “credor”’ também nao é acertada: o 6nus de comunicagao e
informagdo néio impende sobre o “credor” mas sobre o predisponente das clausulas, que pode
ser credor ou devedor.
('!) Apesar de os elementos de facto transcritos na Colect@nea de Jurisprudéncia nao serem
muitos, a conjugacao das varias passagens do Acérdio, em que se referem os documentos 1
(fls. 10 — condigdes particulares) e 2 (fls. 11 — condigées gerais) juntos com a p.i., o contrato
de miituo e a declaragdo ou 0 termo de fianca, leva-nos a concluir que se trata de actos diferen-
tes, o miutuo celebrado entre mutuante e mutudrio e a declaragdo de fianca, possivelmente um negé-
cio unilateral em que apenas o fiador ser4 parte. E com estes pressupostos de facto que escrevemos.
MARIA RAQUEL REI |
sulas contratuais gerais (2). A LCCG disciplina todas as cléusulas contratuais gerais
(e, desde 1999, também as cldusulas de contratos rigidos — art. 1.°, n.° 2, da LCCG),
independentemente do tipo negocial adoptado (art. 1.° da LCCG). Abrange, pois,
também, uma fianga celebrada com recurso a clausulas contratuais gerais. Importa,
no entanto, distinguir os casos em que as fiangas sdo prestadas por contrato dos
casos em que sao prestadas por negécio unilateral (!3). Nao hd dtivida de que a
fianga contratual se submete ao império da LCCG (art. 1.°). Ja quanto a fianga
prestada por declarac&o unilateral, ha que apresentar algumas consideragoes.
O elemento literal da interpretacgio depde no sentido de a LCCG ser apli-
cAvel apenas a contratos. De facto, sendo o contrato, relativamente ao negdécio
unilateral, espécie do género negécio, a circunstancia de a lei empregar a pala-
vra “contrato”, ou palavras da mesma familia, como “cléusulas contratuais
gerais” ou “contratante”, indicia que apenas se visou o negocio bilateral.
Por outro lado, amitide surgem disposigdes apenas aplicdveis ou compreen-
siveis perante negécios bilaterais (as referéncias a “partes”, 4 exist€ncia de uma
proposta, de um destinatdério da proposta, 4 auséncia de negociacées, ou de clau-
sulas especificamente negociadas, a comina¢g&o de deveres relativos — de comu-
nicacao e de informagéo —, a regra de interpretagio bem como as regras de redu-
cio do negécio, a generalidade das proibigdes, pensadas para contratos — e,
muitas, vezes, contratos sinalagmaticos, ... ).
Se atendermos a especffica realidade a que a LCCG veio trazer resposta
— a contratacdo massificada e sem prévia negociagao, em que uma das partes
era colocada perante um negdécio, muitas vezes complexo, que apenas poderia
aceitar ou rejeitar em globo — confirma-se a circunscrigéo da LCCG aos negé-
cios juridicos bilaterais. O negécio juridico unilateral, por defini¢ao, é deter-
minado apenas por uma parte: 0 declarante. Nao se coloca o problema do
constrangimento da liberdade negocial préprio de negécios bilaterais ampu-
tados da fase pré-contratual individualizada e necessariamente sujeitos (de facto)
a regra do “pegar ou largar” (4) (!5), Os negécios unilaterais encontram-se
(2) Cfr. JANUARIO GOMES, Assungdo fidejusséria de divida, Almedina, Coimbra, 2000,
pags. 692 e segs. (ainda que referindo-se apenas 4 fianga omnibus).
(3) Nao nos ocupa a questao de saber se a fianga pode ser validamente celebrada por
negécio unilateral: o Acérd&o em andlise nfo levantou sequer o problema, pelo que, ao menos no
caso dos autos, é de admitir a fianga unilateral. Sobre esta matéria, vide, por todos e com indi-
cacgdes bibliogréficas sobre os termos em que o problema tem sido discutido, seja durante a vigén-
cia do Cédigo de Seabra, seja durante a vigéncia do actual Cédigo Civil, JANUARIO GOMES, Assun-
cdo fidejusséria de divida, Almedina, Coimbra, 2000, pags. 376 e segs.
('4) No mesmo sentido do texto, vide o Acérdio da Relagio de Lisboa de 27-11-97, in
Colecténea de Jurisprudéncia, ano XXII (1997), tomo V, pags. 110 e segs.
(5) ANTONIO PINTO MonrTEIRO, “O novo regime juridico dos contratos de adesdo/clausulas
contratuais gerais”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 62 (2002), I, pag. 121, afirma que
[_ ACORDAO DA RELAGAO DE LISBOA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (COMENTARIO) }oy
4. Nada disto, porém, se passou: a fianga nao foi prestada com recurso a
“cldusulas contratuais gerais”. Tratou-se de uma fianga celebrada por negécio
unilateral e garantindo 0 pagamento de divida emergente de contrato de mUutuo
celebrado com recurso a clausulas contratuais gerais. Quid iuris? A resposta
6bvia é: se nado houve recurso a clausulas contratuais gerais nao é aplicavel o
diploma que regula as clausulas contratuais gerais. Isto, porém, pode nfo ser
assim numa de duas situagGes: caso se conclua que o contetido da fianga abrange,
per relationem, o conteido do negécio de que emerge a divida garantida e,
assim, o teor das clausulas contratuais gerais; ou, caso se conclua que, nao o
abrangendo, devera, ainda assim, ser aplicada a LCCG, por se tratar de uma
as exclusdes determinadas pelas alfneas a) e b) do art. 8.° da LCCG nada mais sfo que o coro-
lario de essas clausulas nao haverem respeitado os requisitos da sua inclusio no negécio: o acordo.
Ora nos negécios unilaterais nem sequer existe além do declarante qualquer outra pessoa com quem
se possa estabelecer 0 “acordo”. Também sob esta perspectiva se evidencia que a LCCG nfo é
aplicavel a negécios juridicos unilaterais.
(6) Tratado de Direito civil portugués, Almedina, Coimbra, I, tomo I, 2." ed., 2000,
pags. 430-431. ;
('7) Deve tratar-se de caso muito peculiar: lei h4 sempre: o Cédigo Civil. Serd necessério,
antes de afirmar a lacuna, concluir que o regime geral do Cédigo Civil nao é aplicdvel (e nao existe
outro aplicavel).
700 | MARIA RAQUEL REI ]
('8) Ainda que o resultado puramente econémico (ou contabilfstico) possa ser semelhante,
juridicamente sao figuras (muito) distintas.
[ ACORDAO DA RELAGAO DE LISBOA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (COMENTARIO) res
(2°) Vide JANUARIO GOMES, Assungdo fidejusséria de divida, Almedina, Coimbra, 2000,
pags. 512 e segs.
ACORDAO DA RELACAO DE LISBOA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2002 (COMENTARIO) re
|
Ainda no que toca 4 consideragao, pelo Acérdao sob andlise, da extensdo das
especiais obrigagdes pré-contratuais ao credor, cabe notar que a doutrina tem vindo
a defender, em matéria de fianga, a existéncia de deveres pré-contratuais espe-
cialmente intensos a cargo, néo do credor, mas do devedor. Com efeito, fazer
especiais exigéncias ao credor corresponderia a ignorar o conflito de interesses
em que se colocaria esse sujeito — a quem interessa, naturalmente, a prestacao
da garantia. Aquilo que se tem vindo a admitir é que a boa fé impGe ao deve-
dor que alerte aquele que vai “ficar por si’, pelo seu cumprimento, da gravidade
do passo que se prepara para dar, sobretudo em casos em que exista efectivamente
especial gravidade (21).
Por ultimo, e em qualquer caso, 0 caracter excepcional da LCCG (2) nao.
autorizaria, nos termos da regra revelada pelo art. 11.°, a aplicagdo analégica dos
seus preceitos. .
De facto, numa area em que impera a liberdade contratual (art. 405.°) e
com suaves limitagdes em matéria pré-contratual (art. 227.°), a LCCG vem tra-
zer, para os contratos que entrarem no respectivo 4mbito de aplicacéo, uma
regulamentacao claramente limitadora e restritiva (23), ao arrepio dos vectores fun-
damentais da regulamentag4o da formacfo e contetido dos contratos, consagrada
na legislag4o ordindéria para a generalidade dos contratos.
(7!) Sobre esta matéria, vide JANUARIO GOMES, Assungdo fidejusséria de divida, Almedina,
Coimbra, 2000, pags. 578 e segs.
(22) Contra, vide ANTONIO MENEZES CoRDEIRO, Tratado de Direito civil portugués, Alme-
dina, Coimbra, I, tomo I, 2.* ed., 2000, pags. 430-431. Igualmente contra a qualificagao, vide Joa-
QUIM DE SOUSA RIBEIRO, O problema do contrato, Almedina, Coimbra, 1999, pags. 472 e segs.
(maxime p. 474). Atenta a fundamentagao apresentada, este ultimo Autor talvez chegue a resul-
tados idénticos aos do texto, ainda que rejeitando a qualificagio de excepcional.
(23) Compare-se, por exemplo, o art. 227.° com os arts. 5.°, 6.° e 8.° da LCCG, ou os
arts. 405.°, 280.° e 281.° com os arts. 15.° a 22.° da LCCG.