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NOTA DE AULA

DELAÇÃO PREMIADA

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Paulo Quezado - Advogado

1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Damásio Evangelista de Jesus conceitua delação premiada como “a incriminação de


terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório
(ou em outro ato)”

Adalberto José Aranha define este instituto como: “uma afirmativa feita por um
acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, e pela qual, além de confessar a
autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa;

Vilmar Pacheco Filho e Gilberto Thums dizem que há delação premiada quando “o
indiciado, espontaneamente, revelar a existência da organização criminosa da qual faz parte,
permitindo a prisão de um ou mais de um dos seus integrantes”.

A natureza jurídica deste instituto vincula-se à idéia de um estímulo à verdade


processual, por meio do qual um dos integrantes de um dado esquema criminoso, delatando
informações efetivas às autoridades investigativas, recebe contraprestação benéfica, diante da
tramitação e processamento de seus próprios crimes, que tem a responder perante a autoridade
judicial.

A delação premiada pode ser encontrada no direito pátrio como causa de diminuição
de pena (Lei de Crimes Hediondos), ou ainda como causa de extinção de punibilidade, conforme
previsão expressa da Lei 9.613/98 (Lei que dispõe sobre os Crimes de "Lavagem" ou Ocultação de
Bens, Direitos e Valores) e Lei 9.807/99 (Lei que dispõe sobre programas especiais de proteção à
vítima e à testemunha), reconhecendo que o acusado merece o perdão judicial a partir da
efetividade de seu depoimento.

2. HISTÓRICO DO INSTITUTO

- Primeira experiência positivada no direito brasileiro:

Ordenações Filipinas (Séc. XVII-XIX)

Títulos VI (6º) e CXVI (116), do Livro Quinto: previsão não só do mero perdão, mas
também de autêntico prêmio ao indivíduo que apontasse o culpado.
A aplicação do instituto no Brasil colonial deu-se à época da Inconfidência Mineira –
ocorrida entre 1788 e 1792. Como cediço, essa tentativa de revolução restou frustrada pelas delações
efetuadas por alguns de seus próprios integrantes, destacando-se entre estas a do Coronel Joaquim
Silvério dos Reis, que, mediante a promessa do perdão de sua vultosa dívida com a Fazenda Real,
entregou todos os planos de seus companheiros inconfidentes, culminando no fim do conflito e
na execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, em 21 de
abril de 1792.

- Consolidação da Base Doutrinária: Obras Históricas sobre Delação Premiada

“Dos delitos e das penas” (Marquês de Beccaria- Itália)- Séc. XVIII

Beccaria fez referências contrárias aos delatores e traidores, no capítulo destinado ao


estudo das “Acusações Secretas” e quando trata do oferecimento de impunidade ofertada pelos
Tribunais ao cúmplice de um grave delito que delatar seus companheiros.

“A recompensa como prevenção geral: O Direito Premial” (Luiz Jimenez de Asúa- Espanha)- Séc.
XX

Asúa faz referências a Giacinto Dragonetti como sendo o pioneiro no direito premial
com seu "Das Virtudes e dos Prêmios", datado de 1836; cita também o inglês Bentham, que, por
mérito de seu trabalho intitulado "Teoria da pena e da recompensa" chega a ser considerado por
Jiménez de Asúa como o fundador do direito premial; e, por fim, menciona a contribuição de Raoul
de La Grassérie, o autor da monografia "Direito Premial e Direito Penal".

- A Delação Premiada na Contemporaneidade e a Operação Mãos Limpas na Itália

A utilização da Delação Premiada na contemporaneidade foi percebida como


importante instrumento para desarticular crimes de terrorismo e associação, ocorridos, em especial
a partir da década de 70 pelas organizações criminosas italianas (máfia).

Tal mobilização para desarticulação da máfia, incrustada em órgãos governamentais


italianos, no banco do Vaticano e na maçonaria italiana, levou à grande Operação “Mani Pulite”
(Mãos Limpas), no qual o uso da delação premiada foi o principal meio para desarticular grandes
cartéis do crime. O resultado prático destas delações foi tão significativo que levou à extinção dos
partidos políticos existentes à época na Itália.

3. A DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ATUAL

3.1 Delação Premiada e Lei de Crimes Hediondos

A Lei 8.072/90 previu duas hipóteses de delação premial, ambas como causa de
diminuição de pena. A primeira delas está contida no artigo 7º, que incluiu o § 4º no artigo 159 do
Código Penal, nos seguintes termos: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que
denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a
dois terços”. Após, em 1996, a Lei n. 9.269 alterou esse parágrafo para sua redação atual: “Se o crime
é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do
seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.

Depreendem-se daí os requisitos da diminuição de pena desse parágrafo: a) a


execução do delito de extorsão mediante seqüestro por duas ou mais pessoas; b) a delação – que
facilite a libertação do seqüestrado – realizada por um dos concorrentes à autoridade.

A segunda hipótese de delação premiada na Lei dos Crimes Hediondos


encontra-se no parágrafo único de seu artigo 8º: “Parágrafo único. O participante e o associado
que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a
pena reduzida de um a dois terços.”

Têm-se, nesse caso, como requisitos para aplicação do instituto: a) a existência


de uma quadrilha ou bando formada para a prática de crimes hediondos ou equiparados; b) a
delação da existência dessa quadrilha ou bando, por um de seus integrantes, e que possibilite seu
desmantelamento, à autoridade.

3.2 Leis 7.492/86 e 8.137/90, alteradas pela Lei 9.080/95 (Lei que dispõe sobre Crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional e contra a Ordem Tributária)

A Lei Federal n º 9.080/95, de 19 de julho de 1995, inseriu o prêmio a delação nas leis
7.492/86 e 8.137/90, que prevêem crimes cometidos contra o sistema financeiro nacional e contra a
ordem tributária, econômica ou as relações de consumo, respectivamente.

Segue abaixo transcrição da supracitada norma: “Nos crimes previstos nesta Lei,
cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea
revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a
dois terços”.

Infere-se da redação legal os seguintes requisitos para a concessão do prêmio: a) o


cometimento, em concurso de agentes, de um dos crimes previstos nas leis 7.492/86 e 8.137/90; b)
o co-autor ou partícipe deverá prestar espontaneamente informações às autoridades que revelem
toda a trama delituosa do crime cometido.

3.3 Lei 9.613/98 – Lei de Lavagem de Capitais

A delação premiada, chamada por essa lei de colaboração espontânea, encontra-se


prevista no § 5º de seu artigo 1º: “A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser
cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de
direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos
bens, direitos ou valores objeto do crime”.
A redação do parágrafo deixa claros os requisitos necessários para obtenção do
benefício, comuns à maioria das hipóteses de delação premiada: a) existência de pelo menos um
dos crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; b) o autor, co-autor ou partícipe
desse crime deverá prestar espontaneamente esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais e de sua autoria, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

3.4 Lei 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas)

A Lei 9.807/99 criou, em seu capítulo I, normas para a organização e a manutenção


de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, ato de inegável
importância para o desenvolvimento das investigações policiais, para a instrução processual e para a
diminuição da impunidade. Não obstante, no âmbito deste trabalho, seu grande feito foi o que
dispôs em seu capítulo II, que introduziu definitivamente no ordenamento jurídico o instituto da
delação premiada.

Ainda que já tivessem sido editadas normas semelhantes, a Lei 9.807/99 trouxe
verdadeiro avanço quanto à utilização do prêmio à delação. Isso, por duas razões principais: aplicar-
se a todos os crimes, sem as restrições de legislações anteriores em relação aos tipos penais; e
proporcionar proteção ao réu colaborador, conforme previu o art. 13 do mesmo diploma legal.

Para a concessão do benefício do artigo 13, têm-se as seguintes condições: a) a


existência de crime cometido em concurso de pessoas; b) a colaboração voluntária e efetiva do
agente primário, que resultar na identificação dos demais co-autores ou partícipes do delito, na
localização da vítima com sua integridade física preservada e na recuperação total ou parcial do
produto do crime; c) as circunstâncias referentes à natureza do fato, forma de execução, gravidade
objetiva e repercussão social do crime deverão ser favoráveis, bem como a personalidade do
beneficiado.

3.5 Lei 11.343/2006- Nova Lei Antitóxicos

A nova Lei Antitóxicos, n. 11.343/2006, prevê a delação premiada para o traficante de


drogas colaborador da justiça, em seu artigo 41, in verbis:

“Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a


investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais
coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do
produto do crime, no caso de condenação, terá a pena reduzida de 1/3 (um
terço) a 2/3 (dois terços).”

Dessa forma, para o delator receber o benefício, a sua colaboração deve ter sido
voluntária, ou seja, um ato livre e consciente do sujeito, sem qualquer espécie de coação física ou
moral. O valor da delação como meio de prova, é difícil de ser apurado com precisão.
Porém, é importante destacar que há atualmente várias normas dispondo sobre a
delação premiada, isto é, sobre a denúncia, que tem como objeto narrar às autoridades o
cometimento do delito e, quando existente, os coautores e seus partícipes, com ou sem resultado
concreto, conforme o caso, recebendo em troca do Estado, um benefício qualquer, consistente em
diminuição de pena ou, até mesmo em perdão judicial.

3.6 A delação premiada e a Nova Lei de Crimes Organizados (Lei 12.850/2013)

A Lei 12.805/2013, em seu art. 4º, prevê a possibilidade de delação premiada para
desarticulação de organização criminosa. A Lei especifica os casos no qual o benefício é cabível; os
objetivos que devem pautar a busca da informação, o benefício de abatimento de pena concedido e
quais os critérios para concedê-lo.

A faculdade concedida por lei ao magistrado, de reduzir em até 2/3 a pena restritiva
de liberdade do colaborador, ou substitui-la por pena privativa de direitos será aplicada, de acordo
com a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão
social do fato criminoso e a eficácia da colaboração, conforme previsão do art. 4º, § 1º.

Existe, inclusive a possibilidade de o próprio Ministério Público ou a autoridade


policial (com parecer ministerial) requererem ao juiz o perdão judicial do colaborador, ainda que
inicialmente não o tenham proposto (art.4º, §2º). Sob a análise crítica, nos parece incongruente, no
direito brasileiro, em que a autoridade policial sequer tem autonomia no arquivamento do inquérito
policial, possa requerer a concessão de perdão judicial ao colaborador.

Por implicar em maiores riscos ao delator, porquanto, em se tratando de organização


criminosa presume-se tratar-se de complexa rede de crimes, que por vezes envolve centenas de
pessoas, e que gera lucros milionários, é que, no tocante à delação premiada, o legislador foi além e
cuidou de disciplinar vários aspectos acerca deste benefício, tais como sobre a legitimidade ativa,
sobre a fase procedimental em que se fará conveniente a colaboração, bem como das participações
do magistrado, Ministério Público e policia neste procedimento.

A lei desejosa por perceber o critério de eficácia da informação permite que, em


relação ao colaborador, o prazo para oferecimento de denúncia seja suspenso por até 06 (seis) meses,
prorrogáveis por igual período, para que haja tempo hábil à implementação das medidas
colaborativas. Neste período o prazo prescricional também estará suspenso.

No mesmo sentido de estimular a delação das organizações criminosas, a lei também


permite ao Ministério Público, em caso de ainda não haver denunciado o colaborador, que deixe de
fazê-lo, se o mesmo não for o líder da organização ou se o colaborador tiver sido o primeiro a
prestar efetiva colaboração.

Se a colaboração for posterior à prolação da sentença, não se aplicará a regra de


dedução do caput, ou de perdão judicial, prevista no §2º do mesmo artigo, mas, sim, a regra do §5º
que prevê a diminuição em até metade da pena, ou ainda a progressão de regime, ainda que sem se
perceber os requisitos objetivos normais do benefício.

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