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Universidade Estadual do Centro-Oeste Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Filosofia
Disciplina: Ética
Prof.ª.: Patrícia Riffel de Almeida
Aluno: Matheus Stipp Correia

Atividade de Ética—2º semestre


Data de entrega: 15 de março Nota: 10,0
Praticamente impecável,
Matheus. Parabéns!
Comentários no final.

1) O primeiro capítulo do Utilitarismo de J. Stuart Mill consiste numa breve incursão na área
da filosofia moral hoje conhecida por “metaética”. Nesta área não se discutem questões
valorativas ou normativas, mas problemas sobre a própria natureza da moralidade. O
problema metaético aflorado neste capítulo é uma questão de epistemologia (ou teoria do
conhecimento) moral: como sabemos o que está certo ou errado? Relate a solução oferecida
por Mill para este problema neste capítulo.
títulos em itálico
Em Utilitarismo, o filósofo britânico John Stuart Mill elabora (em §1 — Observações gerais)
uma curta e profícua investigação metaética acerca da epistemologia moral, centrada, de modo geral,
na pergunta acerca da fonte e fundamentação do nosso conhecimento moral, — como podemos
conhecer as propriedades morais de uma ação? Uma possível solução a essa questão envolve a
admissão daquilo que poderia denominar intuicionismo particularista — a defesa da tese de que, da
mesma maneira que possuímos a capacidade de perceber as propriedades físicas dos objetos
particulares, através dos sentidos, possuímos um sentido moral que nos capacita a perceber as
propriedades morais das ações particulares. Mill rejeita essa sugestão de modo claro. Ele é um
generalista, e não um particularista, em termos contemporâneos. O autor argumenta que essa sugestão
não responde à questão de maneira completa, apenas apresenta como poderíamos conhecer
propriedades morais particulares, e não como essas propriedades são determinadas. Em uma analogia
com as ciências naturais, onde os fatos particulares fundamentam os seus princípios gerais, nas artes
que, pelo contrário,
práticas, afirma, a generalidade deve preceder a particularidade. Necessitamos, para isso, de
princípios morais (e essa sugestão o torna um generalista).
Portando, como podemos conhecer princípios morais? Mill apresenta duas respostas possíveis
a essa questão: o intuicionismo (generalista) — a defesa de que os princípios morais são conhecíveis
a priori através da apreensão dos significados dos termos, e o indutivismo — a defesa da tese de que
induzimos os princípios morais através da experiência. A posição do autor encontra-se na segunda
opção (condizente com sua posição epistemológica, o empirismo.). Essa posição pode ser
exemplificada de maneira clara através do seguinte trecho de Utilitarismo:
Não se pode apresentar qualquer razão para mostrar que a felicidade geral é desejável,
excepto a de que cada pessoa, na medida em que acredita que esta e' alcançável, deseja a sua
própria felicidade. Isto, no entanto, sendo um facto, dai-nos não só toda a prova que o caso
admite, mas toda a prova que é possível exigir, para mostrar que a felicidade é um bem: que
a felicidade de cada pessoa é um bem para essa pessoa e, logo, a felicidade geral um bem
para o agregado de todas as pessoas. A felicidade estabeleceu o seu título como um dos fins
da conduta e, consequentemente, como um dos critérios da moralidade. (MILL, p. 76, 2005)
2) A partir da leitura do texto “Uma Crítica ao Utilitarismo”, de Bernard Williams, explique
por que, segundo o autor, o utilitarismo falha em dar relevância adequada aos projetos e
compromissos individuais das pessoas.

Bernard Williams, em seu texto “Uma Crítica ao Utilitarismo”, aborda diversas falhas e
limitações do utilitarismo como teoria ética. Uma das críticas mais importantes que Williams
apresenta é a ideia de que o utilitarismo não dá relevância adequada aos projetos e compromissos
individuais das pessoas. O utilitarismo, como teoria ética, tem como princípio a busca da
maximização da felicidade ou o prazer total, considerando as consequências das ações. Para os
utilitaristas, o que importa é o resultado global de uma ação, e não as intenções individuais ou projetos
pessoais de cada agente moral. Williams argumenta que esta abordagem ignora a importância dos
projetos pessoais e dos compromissos individuais para a vida ética de uma pessoa. Ele sugere que as
pessoas tenham compromissos e projetos fundamentais para sua identidade e integridade moral. Esses
compromissos podem incluir responsabilidades para com amigos e familiares, aspirações pessoais,
valores culturais e muitos outros aspectos que são intrinsecamente significativos para a pessoa.
ele
O problema com o utilitarismo, segundo Williams, é que pode exigir que um agente moral
sacrifique projetos e compromissos pessoais se isso resultar numa maior felicidade ou prazer geral.
Isto cria um conflito entre os interesses pessoais e o imperativo utilitário de maximizar a felicidade
geral. Williams argumenta que é injusto exigir que as pessoas abandonem compromissos pessoais e
projetos significativos em nome de uma noção abstrata de maximização da felicidade. Ele sugere que
a ética deve levar em conta as particularidades da vida individual e reconhecer a importância dos
compromissos pessoais para a identidade e integridade moral das pessoas. Portanto, de acordo com
Bernard Williams, o utilitarismo não consegue dar a relevância adequada aos projetos e
compromissos individuais das pessoas porque dá prioridade ao resultado final sobre as intenções e
compromissos pessoais, muitas vezes exigindo que as pessoas ajam de formas que comprometam a
sua própria integridade moral e identidade pessoal.

3) Na primeira seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant argumenta tanto


contra a ética antiga baseada nas virtudes, quanto contra o utilitarismo. Comente ambas
estas críticas.

A crítica erigida pelo filósofo Immanuel Kant à ética das virtudes e ao utilitarismo, presente
na primeira seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, pode ser apresentada como se
segue. Primeiramente, o método de escrita da primeira seção da Fundamentação (FMC 1 — a partir
de agora) é denominado analítico por Kant. Segundo a formulação do prefácio, trata-se de fazer uma
transição do conhecimento moral comum para o conhecimento filosófico. O FMC 1 pressupõe a
existência, na razão humana comum, de um senso moral intrínseco — sendo o seu objetivo apenas a
depuração, por análise, dele. Joel T. Klein (2022) distingue três momentos argumentativos de FMC
1, nos interessando somente o primeiro desses, que agora esboço: (i) no primeiro momento de FMC
1 (os primeiros 7 parágrafos da seção), Kant procura mostrar, a partir de uma argumentação
teleológica, que a boa vontade (apenas definida posteriormente, de forma deontológica, e não
teleológica, através do conceito de Dever) é a única coisa intrinsecamente boa, a qual não pode ser
definida teleologicamente, afirma — e disso deriva a sua crítica à toda ética baseada nas virtudes:
Moderação nas emoções e paixões, autodomínio e calma reflexão são não somente boas a
muitos respeitos, mas parecem constituir até parte do valor íntimo da pessoa; mas falta ainda
muito para as podermos declarar boas sem reserva (ainda que os antigos as louvassem
incondicionalmente). (KANT, p. 22)

A boa vontade aparece como condição necessária para o bem de uma ação ou vida, de modo geral.
Uma pessoa dotada de todas as virtudes pode, mesmo assim, ser considerada má na falta da boa
vontade ou caráter. E também aparece nesse momento a sua crítica ao utilitarismo:
A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar
qualquer finalidade proposta, mas tão somente pelo querer, isto é, em si mesma, e,
considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por
seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se
quiser, da soma de todas as inclinações. (KANT, p. 23)

Uma boa vontade se mantêm inviolada mesmo se seus desígnios, as consequências da ação moral,
não forem realizados, pela pura contingência dos acontecimentos, por exemplo.

4) A partir da leitura da segunda seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes


explique por que, de acordo com Kant, a autonomia é o fundamento da dignidade da
natureza humana.

Para Kant, a dignidade da natureza humana é baseada na capacidade do ser humano de agir
de acordo com a razão prática, ou seja, a capacidade de fazer escolhas morais autônomas. Ele
argumenta que a moralidade não pode ser baseada em consequências ou inclinações, mas sim na razão
para
pura e na vontade autônoma. A autonomia moral é a capacidade de um indivíduo de legislar a si
mesmo, de agir de acordo com princípios universais que ele próprio reconhece como válidos,
independentemente de quaisquer influências externas. Essa capacidade de autodeterminação é o que
diferencia os seres humanos de meros objetos ou seres irracionais.
Segundo Kant, essa capacidade de agir de forma autônoma é o que confere um valor intrínseco
à pessoa humana, uma dignidade que está acima de qualquer preço. Ao agir de acordo com a razão
prática, o ser humano se torna um fim em si mesmo — não um meio para atingir algum outro
propósito. Assim, a autonomia é vista como o fundamento da dignidade humana, pois é através dela
que os seres humanos podem realizar plenamente sua natureza racional e moral. A noção de
autonomia como fundamento da dignidade humana em Kant está estreitamente ligada à sua
concepção de moralidade e liberdade. Kant argumenta que, ao contrário das inclinações e desejos,
que podem variar de pessoa para pessoa e de momento para momento, a razão prática é universal e
imutável. Portanto, os princípios morais derivados da razão pura são aplicáveis a todos os seres
racionais, independentemente de circunstâncias particulares.
Ao exercer sua autonomia, o ser humano age de acordo com esses princípios morais universais,
tornando-se legislador de suas próprias leis morais. Isso implica que ele reconhece a autoridade da
razão sobre suas inclinações e desejos, e escolhe agir de acordo com o dever moral, mesmo que isso
implique no sacrifício de seus interesses pessoais. Essa capacidade de agir de forma autônoma confere
à pessoa humana uma dignidade intrínseca, pois ela é capaz de agir de acordo com sua natureza
racional e moral, e não simplesmente de acordo com impulsos emocionais ou desejos momentâneos.
Além disso, ao agir de acordo com a razão prática, o ser humano trata a si mesmo e aos outros como
fins em si mesmos, e não como meios para atingir outros objetivos, o que é fundamental para o
respeito mútuo e a promoção da harmonia social. Portanto, para Kant, a autonomia é o fundamento
da dignidade da natureza humana porque é através dela que os seres humanos podem realizar
plenamente sua capacidade de racionalidade e moralidade, e agir de acordo com os princípios
universais da razão.

REFERÊNCIAS

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2007.

KLEIN, Joel Thiago. Boa vontade e dever moral: o giro copernicano da ética teleológica para a ética
deontológica. In: LOPES, Egyle Hannah do Nascimento & KLEIN, Joel Thiago (Orgs.) Comentários
às obras de Kant: Fundamentação da Metafísica dos Costumes (p. 49 – 121). Florianópolis:
NétipOnline, 2022.

MILL, John Stuart. Utilitarismo. Trad. Pedro Galvão. Porto: Editora Porto, 2005.

Questão 1:
Muito boa resposta. Você poderia talvez também ter falado sobre as teorias metaéticas que Mill está criticando
(intuicionismo, indutivismo quando não faz lista de princípios a priori ou não tenta reduzir todos os princípios a
um só, sentimentalismo moral de Hume e outros, toda e qualquer ideia de autoridade a priori), bem como
contextualizar sua tese de Mill como a resposta a um problema (de onde vem a autoridade da norma?).
Idealmente, poderia questionar Mill (por exemplo, ele primeiro critica toda ideia de autoridade autoevidente a
priori de princípios morais, mas depois também afirma que o princípio da utilidade deve ser correto de maneira
autoevidente. Seria possível questionar esta autoevidência apresentando contraexemplos de casos em que o
princípio da utilidade parece levar a transgressões morais). Também seria possível matizar a crítica dele ao
sentimentalismo moral dizendo que ele também dá grande importância à educação dos sentimentos – embora
isso apareça apenas no capítulo III.

Questão 4:
Seria interessante falar sobre o conceito de dever, central na seção.

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