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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA … VARA CÍVEL DO

FORO CENTRAL DE SÃO PAULO

Processo nº…

MURILO DANTAS CORREA DE ARAUJO


(“Requerido”), brasileiro, estado civil, comediante, inscrito no documento de identidade RG
nº… e CPF sob o nº…, residente e domiciliado na…, com endereço eletrônico, nos autos da
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER COM PEDIDO INDENIZATÓRIO,
em epígrafe, por meio de sua advogada e a esta subscreve (Doc. 01), vem respeitosamente
perante Vossa Excelência, com fulcro no art. 335 do Código de Processo Civil, oferecer a
presente:

CONTESTAÇÃO

Em face de Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura - ASOEC (“Requerente”),


igualmente qualificado, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

I - DOS FATOS
1. O Requerente ingressou com a Ação de Obrigação de
Fazer e Não Fazer com Pedido Indenizatório sob a alegação de que o Requerido proferiu
comentários de cunho ofensivo à Requerente durante sua apresentação de stand up, em que
segundo o Requerente, ofendeu a sua honra, boa imagem, reputação, nome e ofício como
Universidade.
2. O Requerente afirma que o Requerido ultrapassou os
limites da conduta humorística, sem razoabilidade e proporcionalidade devido ao seguinte
comentário em sua apresentação de stand up: “É isso que dá colocar curso de arquitetura na
UNIVERSO, entendeu, dá esses problemas. Eu acho assim tem alguns cursos que são muito
importantes na vida das pessoas, então não pode ter em qualquer faculdade “bosta”.
3. Diante disso, a Requerente requer o pagamento de
danos morais no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), retratação pública e a obrigação de
não realizar mais nenhum comentário referente à Requerente.

II - DO MÉRITO
x- Dispõe a nossa Constituição Federal em seu artigo 5º,
incisos IV e IX:
..................
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
...................
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;
x- Dessa forma, está protegida constitucionalmente a
liberdade de pensamento em todos os seus desdobramentos: intelectual, científico, religioso,
político e, inclusive, artístico. Como bem colocado por José Afonso da Silva, uma das
maiores referências do direito constitucional brasileiro, assim define a manifestação do
pensamento: “O termo ‘pensamento’ deve ser tomado no sentido mais abrangente possível; as
formas de raciocínio, as formas de sentimento, os sons internos, as dúvidas, as concepções, as
imagens (...) enquanto fenômeno de consciência, sua liberdade não pode ser restringida (...) a
liberdade de manifestação é a exteriorização do pensamento.” (SILVA. José Afonso.
“Comentário Contextual à Constituição”, 9ª edição, São Paulo: Malheiros, 2017, pág. 91)
x- Tais institutos encontram-se entre os direitos
fundamentais, e, portanto, são cláusulas pétreas, consideradas essenciais para o Estado
democrático de direito que objetiva assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os
cidadãos;
x – o objetivo do inciso IX supracitado, tem como um dos
seus objetivos proteger a expressão da atividade intelectual artística, no qual se insere o
stand-up comedy, que é uma performance artística com o objetivo direto de entreter o público
através da comédia, de forma que não é criminalizada o exercício da atividade humorística;
x- Ainda em nossa Constituição Federal, em seu artigo 220,
§2º, a liberdade de manifestação de pensamento é reafirmada, sendo vedada a censura prévia:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição. .........................
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística.

X – Nesse sentido, o STf firmou o entendimento de vedar


qualquer forma de censura:
“Programas humorísticos, charges e modo caricatural de
pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros
espirituosos compõem as atividades de “imprensa”,
sinônimo perfeito de “informação jornalística” (§ 1º do
art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade
que é assegurada pela Constituição à imprensa.” (STF.
ADI 4.451 MC-REF, rel. min. Ayres Britto, DJE de 24- 8-
2012)

X- ainda nesse contexto, merece destaque a decisão


proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, em sede de liminar na Reclamação (RCL) 59847,
ajuizada pela Globo Comunicação e Participações. “(...)A liberdade de expressão, enquanto
direito fundamental, tem, sobretudo, um caráter de pretensão a que o Estado não exerça
censura. Ressalvados os discursos violentos ou manifestamente criminosos, não é o
Estado que deve estabelecer quais as opiniões ou manifestações que merecem ser tidas
como válidas ou aceitáveis". (grifos nossos)
X- conforme posto no artigo 220/CF 88 , é vedada a censura
prévia à manifestação artística, e, sendo assim, como articulado pelo Min. Alexandre de
Moraes “A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade
política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode
usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos.(...) Não existe permissivo constitucional
para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de conjectura sobre o
efeito que alguns conteúdos possam vir a ter junto ao público. O exercício do direito à
liberdade de expressão não pode ser cerceado pelo Estado ou por particular.” (ADI 4451/DF,
rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 20 e 21.6.2018.)
X- diante de todo acima exposto, não assiste mérito à requerente em suas
fundamentações para a tutela jurisdicional pretendida, vez que o texto constitucional asse
gura ao requerido o pleno direito à sua liberdade de expressão artística e condena a censura
prévia a qualquer livre manifestação do pensamento, exceto aos discursos de ódio, violentos
ou manifestamente criminosos, o que não se encaixa no presente caso. Ressalta-se que resta
também já pacificado pela Suprema Corte, inclusive declarando a inconstitucionalidade de
algumas decisões equivocadas fundamentadas no subjetivismo dos juízos de valores dos
intérpretes da lei, o pleno exercício da liberdade de expressão artística não cabendo ao Estado
sua limitação prévia, o que configuraria um retorno ao autoritarismo estatal.

II.I - DOS DANOS MORAIS


4. Em primeiro lugar, não há de se falar em danos morais
devido ao comentário do Requerido, uma vez que é uma pessoa completamente leiga em
educação, e que não é nenhuma autoridade no assunto, dessa forma, sua opinião, como
humorista e no contexto em que se encontrava não exerce uma grande influência na reputação
de uma universidade ou não deveria.
5. Ademais, o Requerente frisa que se trata de um
profissional de humor e, no momento que foi proferida a sua fala ocorreu em sua
apresentação de stand up, ou seja, um local descontraído que tem como objetivo fazer as
pessoas se divertirem e darem risadas, desse modo, o Requerido deixa claro que se tratava de
um cenário hipotético e que até no início de sua apresentação estava se ridicularizando e
fazendo piadas sobre si próprio.
6. Ainda, a fala exposta do Requerido não atinge o dano
moral da universidade, dado que, as universidades têm sua qualidade de ensino medida por
indicadores objetivos, como por exemplo, as notas obtidas através da avaliação do Ministério
da Educação, dessa forma, não cabe que dizer que a fala de um mero humorista ofendeu a sua
honra, boa imagem, reputação, nome e ofício como Universidade. Nesse sentido:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Ação ajuizada por
hospital citado em vídeo publicado pelo réu em suas redes
sociais, objetivando promover show humorístico que faria na
cidade e que teria conteúdo ofensivo – Improcedência –
Insurgência do autor – Descabimento – Evidente o
contexto de humor – Infelizes as expressões do
requerido, que não ultrapassam o limite da liberdade de
expressão e pensamento, nem provocaram dano na
imagem do nosocômio – Dano moral não configurado ––
Sentença mantida – RECURSO IMPROVIDO.” (TJSP,
Apelação Cível 1013808-36.2021.8.26.0223; Relator (a):
Miguel Brandi; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito
Privado; Foro de Guarujá - 3ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 12/08/2022; Data de Registro: 12/08/2022)
(grifos nossos)

7. Portanto, não procede a alegação de danos morais e o


pagamento da indenização por esses danos, porém, se Vossa Excelência entender que a
requerente faz jus à indenização, não se deve admitir o valor de R$30.000,00 (trinta mil reais)
a título de danos morais, visto que é um valor desproporcional e excessivo, na medida em que
o Requerido não teve o propósito de difamar a imagem da Requerente, mas apenas teve o
animus jocandi, reiterando que o Requerido não tem nenhum conhecimento do assunto e
apenas expressou sua opinião de leigo.
8. Assim, por se tratar de valor com excessiva
desproporção com o dano alegado, pode o juiz reduzir esse valor, conforme art. 944,
parágrafo único do Código Civil:

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a


gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
eqüitativamente, a indenização.”

II.II - DA RETRATAÇÃO PÚBLICA


9. Não cabe o pedido de retratação pública, na medida em
que não houve dano, mas a exposição do pensamento do Requerido., pois faz parte do
conteúdo presente no referido show humorístico(stand-up);
10. Não houve ofensa à honra objetiva da instituição, uma
vez que a requerente não comprovou que ter havido repercussão negativa quanto ao seu
nome, na sua credibilidade ou reputação perante a sociedade;
11. não resta configurada a difamação ou calúnia uma vez
que se trata de conteúdo humorístico e não de pronunciamento fundado na má fé do
requerido;
12. Inexistência do animus injuriandi vel diffamandi o que
afasta o reconhecimento de calúnia ou difamação, portanto, não houve por parte do requerido,
em nenhuma hipótese, um fim especial de agir, a intenção deliberada de ofender a honra
alheia, inexistindo, portanto, dolo específico, impedindo, assim, o reconhecimento da
tipicidade das imputadas difamações. Nesse sentido, explica a doutrina: “Trata-se do
chamado ‘dolo específico’, que é elemento subjetivo do tipo inerente à ação de ofender. Em
consequência, não se configura o crime se a expressão ofensiva for realizada sem o
propósito de ofender. É o caso, por exemplo, da manifestação eventualmente ofensiva feita
com o propósito de informar ou narrar um acontecimento (animus narrandi) ou com o
propósito de debater ou criticar (animus criticandi)” (FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito
Penal. Parte Especial; Rio de Janeiro: Editora Forense, 1988, 10ª ed., p. 221/222, v.I.).(grifos
nossos).

II.III - DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER


13. É inadmissível o pedido do Requerente para que o
Requerido se abstenha de efetuar qualquer comentário referente a Requerente em suas
apresentações humorísticas, posto que é uma infração clara a liberdade de expressão,
conforme previsto, no art. 5º, IV, da Constituição Federal, veja:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato; (...)”
14. Nesta baila, esse pedido deve ser considerado
improcedente por violar uma cláusula pétrea da Constituição Federal, já que está garantido ao
Requerido, bem como a todos os brasileiros, a livre manifestação do pensamento, ou seja, o
Requerido tem o direito de manifestar seu pensamento livremente e o fez, dessa forma, não se
pode puni-lo, uma vez que apenas exerceu seu direito.
15. Além disso, o stand up se utiliza de coisas do cotidiano
para se realizar o humor, ora, quantas vezes um time de futebol foi alvo de piada ou outras
empresas, o humor está no cotidiano e não tem como afastar disso. O comentário duro do
Requerido foi com base no seu dia a dia e pessoas que o rodeia, dessa maneira, não cabe o
Requerente querer censurar o Requerido em expressar a sua opinião.
16. Conforme inciso IX do atrigo 5º CF/88, já mencionado
inicialmente, pode-se concluir que no Brasil, todos têm o direito de expressar suas ideias,
opiniões e sentimentos das mais variadas formas, sem que essa expressão seja submetida a
um controle prévio, por censura ou licença. Portanto, não há permissivo constitucional para
limitar previamente o conteúdo do show humorístico do Requerido.
17. No presente caso, imputar ao Requerido de se abster de
comentários, e ressalta-se: humorísticos, em suas apresentações pessoais ou em seus shows
disponibilizados em streamings, consiste em restrição, subordinação e forçosa adequação
programática de sua liberdade de expressão, configurando, portanto, censura prévia, que não
faz parte do Estado democrático.

III. - DOS PEDIDOS


Diante do exposto, requer que:

a) A demanda seja julgada TOTALMENTE IMPROCEDENTE;


b) Subsidiariamente, em caso de procedência do pedido de danos morais, seja o valor de
indenização fixados em quantia inferior, conforme previsto no art. 944 do Código
Civil;
c) A condenação do Requerente ao pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa.

Informa, ainda, que as intimações deverão ser encaminhadas ao patrono do Requerido, no


endereço…

Termos em que pede deferimento


DATA
OAB/UF

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