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Direitos autorais © 2023 Valentina K.

Michael

O GOSTO AMARGO DA SUA VINGANÇA

Capa: Tathyane Tenório


Diagramação:VKM
Revisão: Clara Taveira e Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização


prévia por escrito da autora, sejam quais forem os meios empregados.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança dos fatos aqui narrados com pessoas,
empresas e acontecimentos da vida real é mera coincidência. Em alguns casos, uma
notável coincidência.
Índice

Direitos autorais
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Epílogo
Agradecimentos
"As coisas não ficam mais fáceis, você que fica mais forte para enfrentá-
las."
Um

ISADORA

Não era essa a libertação que eu queria. Não foi esse final que desejei.
Parece que o universo me atendeu de uma forma equivocada. Não era essa a
libertação que eu queria. No meu quarto, silencioso demais, calço os saltos
pretos e caminho até o espelho de corpo inteiro. Meus olhos inchados e
vermelhos pelo choro refletem a tragédia que caiu sobre mim.
Preferi prender meus cabelos pretos em um coque, o que de certa forma
combina com o vestido da mesma cor que cai muito bem em meu corpo,
mesmo que me cause desconforto na alma. Sempre detestei preto — apesar
de ser um coringa no guarda-roupa de qualquer mulher —, por isso evitei ao
máximo ter roupas dessa cor no armário. Superstição? Talvez. Preto é luto. E
eu achava que traria maus presságios se usasse.
Agora, cá estou dentro de um belo vestido preto que não me diz nada a
não ser: morte.

Roberto foi covarde, egoísta e infiel, se acidentou quando viajava com


sua amante derrubando todas as minhas ilusões de um casamento prospero.
Ele me traia e foi descoberto no pior momento. Mas não era esse o caminho
que eu desejava. Vê-lo em um caixão, depois de passar dias na UTI, não era
o meu desejo. Eu o amava. Caramba, eu amava o meu homem, parceiro e
amante. Por isso aguentei dia após dia naquele hospital aguardando uma
notícia boa que não veio.
Ouço toques na porta e resmungo a ordem para entrar,
independentemente de quem seja.
— Senhora, o carro já está pronto.
— Obrigada — digo a Eloisa, a governanta.
Pego minha bolsa e saio, dando uma última olhada na suíte tal qual a de
um palácio. A cama onde amei, fui amada, chorei e me curei. Fecho a porta
com rapidez.
Os vinte e dois empregados estão alinhados em duas fileiras, onze de
cada lado, me esperando quando desço a escada de mármore e passo por
entre eles. Em sinal de respeito pelo luto, mantêm a cabeça baixa.
Eu não quero pensar em como será minha vida a partir de agora. Vim
de uma família humilde, mas Roberto me apresentou ao mundo da riqueza.
Ele me apresentou ao paraíso do luxo, à toda a utopia em que vivem os ricos.
Roberto me prendeu em uma bolha perfeita de brilhantes, jantares, viagens,
companhias requintadas. Uma vida confortável, mas, apesar dessa mansão,
dos nove carros de luxo e de todos esses empregados, eu não tinha nada só
para mim. Nem mesmo as inúmeras joias que usava ficavam em minha
posse; acho que ele as mantém em um cofre em um banco.
O carro corta a cidade até o cemitério. O velório se estendeu por toda a
noite no salão da empresa em que ele é sócio, e eu passei grande parte da
cerimônia marcando presença, sentada, imóvel, ao lado do caixão fechado,
estranhando como as pessoas me olhavam. Minhas amigas da alta-sociedade
casualmente prestaram condolências, mas não se aproximaram demais, o que
foi bastante estranho. Nem mesmo Betina, a mais íntima, chegou mais perto.
Notei quando seu marido a segurou firme pela mão, como um lembrete de
que ela não poderia se aproximar de mim.
Lágrimas secaram, a fome acabou, assim como qualquer outra
necessidade fisiológica. Eu parecia a bela esposa modelo e sem sentimentos.
E talvez por isso as pessoas não pareciam compadecidas com a minha dor.
Agora é o momento do adeus ao homem de quem fui parceira, fiel e
esposa por quase dez anos.
Os seguranças me guiam até a primeira fila de cadeiras. Eu me sento ao
lado dos parentes de Roberto, que mais uma vez não parecem acreditar em
meu sofrimento. O padre começa a falar algumas palavras, mas eu não
consigo fazer nada além de mirar, sem piscar, o caixão fechado à minha
frente.
A amante estava com ele no carro. Faleceu no local e foi enterrada
alguns dias atrás, não fiz questão de tentar saber quem era. Apenas fiquei
aliviada por não ser alguém que eu conhecesse previamente. Escutei o nome
dela, e nada familiar me ocorreu.
De repente, algo me atrai no lado esquerdo, próximo a umas árvores;
vislumbro um desconhecido me encarando por trás de óculos escuros. Ele
não mira o caixão nem o padre, olha diretamente para mim. É o mesmo
homem que vi no velório durante a madrugada. Seu semblante bonito e
intimidador parece conhecido, mas não é alguém que me venha à lembrança.
Pigarreio, detestando o desconforto que a sua expressão me causa, e
volto a prestar atenção no padre.
No momento do último adeus, seguro uma rosa na minha mão trêmula,
coberta com luvas pretas de renda, e levanto momentaneamente os olhos,
encontrando mais uma vez o homem desconhecido me encarando.
Não parece triste ou comovido. Se eu fosse escolher um sentimento
para rotular sua expressão, seria ódio.
Ele não permanece ali. Então se vira e sai antes de concluir a
celebração, o que de certa forma me deixa aliviada.

∞∞∞

A noite foi terrível. Tive a impressão de que toda a casa silenciosa


escutava o meu choro baixinho. Nem tive forças para tirar o vestido que usei
no enterro. Tudo em volta trazia a presença de Roberto, me ferindo
cruelmente, por isso me apossei do quarto de hóspedes, para não enfrentar a
suíte principal marcada com a presença do meu falecido marido.
Perdida. É exatamente como me sinto. Perdida e sozinha, sem saber
que rumo tomar.
As lágrimas, junto com o calmante que tomei, me fazem apagar por
completo. Acordo sobressaltada com batidas na porta. Sento na cama e fixo
os olhos no relógio na cabeceira: 7:00 h. Dormi por quase treze horas.
— Entra — balbucio e continuo sentada, com as mãos segurando a
cabeça.
— Senhora... — É a governanta. — A dona Ursula já está de saída.
Quer que eu prepare um banho antes de se despedir dela?
— Oh, claro, Eloisa. Um banho morno. Escolha algo preto para que eu
vista. — Prometi a mim mesma que usarei preto pelo menos pelos próximos
sete dias. Mesmo que talvez Roberto não mereça meu luto. Saio rápido do
quarto acompanhando-a de volta até a minha suíte.
Eloisa é mais do que minha governanta, é minha confidente. Eu a
escolhi a dedo e acho que, no fundo, o que ajudou na contratação dela foi o
fato de eu precisar de alguém com muita disposição e que não fosse de uma
idade tão elevada como Roberto queria.
Eloisa é uma mulher bonita ao natural, não se nota qualquer traço de
maquiagem em seu rosto, o que é dispensável, já que possui olhos grandes e
felinos por trás de óculos de grau e belos cabelos dourados escondidos em
um coque. As roupas são sempre compostas, com camisa abotoada até a gola
e saias abaixo dos joelhos, já que é uma solteirona religiosa.
Ela entra comigo no quarto e vai direto para o meu closet.
— Vai ter que repetir o vestido, dona Isadora.
— Nem mesmo um robe velho? — Eu me aproximo do closet para
verificar o problema.
— Nada preto. — Eloisa decreta e rapidamente acha uma solução. —
Deseja que eu faça um pedido em alguma loja?
Reflito um pouco. Não quero pensar em compras em um momento
como esse. Mas não há alternativa; também não posso usar outra cor um dia
após meu marido ter sido enterrado. Ainda mais porque os amigos dele
devem começar a me visitar a partir de hoje.
— Faça isso — ordeno. — Preciso de roupas pretas para uma semana.
E uma especial para a missa de sétimo dia.
O banho não age como uma cura, mas ajuda muito, principalmente a
relaxar. Sem exageros, me sinto quebrada, entrevada, e tenho certeza de que
é pelo estresse.

Eloisa até diz que vai ligar para a massagista, e eu não recuso. Pouco
depois ela chega com uma notícia:

— Senhora, a massagista disse que ficou devendo a última sessão.

— Sério? Mas... poxa, foi um relapso. Dispense a massagem, vou


apenas pagar a sessão atrasada.

— Sim, claro.

∞∞∞

— Você vai ficar bem, querida? — pergunta Ursula, madrasta de


Roberto, uma das poucas pessoas que se mostrou compreensiva com meu
luto. Ela não mora na cidade, prefere viver no interior sossegado, com seu
terceiro marido. Ela criou Roberto, era a imagem materna que ele tinha.
— Claro, dona Ursula. Pode ficar tranquila.
— Não virei à abertura do testamento. Eu queria meu filho vivo, o resto
não importa.
Ela nem precisa, de fato. O terceiro marido é afortunado.
Eu me despeço dela e respiro fundo, me jogando em um sofá da sala.
Levanto a minha mão, fitando a aliança grossa e o anel de esmeralda que
Roberto me deu no nosso noivado.

Penso na minha mãe que me odeia, por nunca ter aceitado minha
relação com Roberto. Além do mais eu a deixei sozinha quando me casei, e
acho que isso para ela foi uma traição. Eu quase nunca penso em minha mãe,
mas nesse instante, era justamente o que eu precisava: um carinho de mãe.
— Dona Isadora.
Levanto os olhos para a governanta. Seu semblante é de pura
compaixão.
— Diga, Eloisa.

— A loja está mandando uma seleção de roupas para a senhora


escolher. E a massagista disse que mesmo assim pode vir fazer uma
massagem.

— Diga que marcarei mais à frente. Hoje vou apenas pagar.


— Claro. Deseja algo especial para o almoço?
— Qualquer coisa leve, Eloisa. Eu nem sei se vou querer almoçar.
Deixo a seu critério.
Confio bastante nela, afinal Eloisa conhece toda a minha rotina e até a
dieta proposta pelo nutricionista.
As horas transcorrem, a dor e os pensamentos sufocantes só aumentam.
E a parte estranha é que não recebo qualquer telefonema das minhas poucas
colegas; é assim que as considero agora: colegas de clube, de fins de semana
em alguma ilha paradisíaca. O selo de amigo é algo forte demais para
entregar a qualquer um.
Ninguém me ligou para saber se preciso de algo ou se estou bem.

∞∞∞
As roupas não demoram a chegar. Peço que leve para a sala de descanso
e desço, encontrando araras de roupas pretas.
— Senhora Isadora. Meus sentimentos. — As duas mulheres
uniformizadas dão as condolências, e eu apenas assinto. Dou uma olhada nos
vestidos pendurados. Para mim, tanto faz. Escolho sete vestidos, duas calças
de alfaiataria, quatro blusas de diversos modelos e duas camisolas com robes
pretos.
Eu sempre coloquei minhas contas no nome de Roberto e enviava a seu
escritório, para que ele pagasse. Ele insistia para que eu fizesse isso e pedia
para que eu nunca enviasse para a empresa. Por isso, dessa vez, decido usar
meu cartão.
Um pouco sem graça, o rosto rechonchudo da jovem se cobre de rubor
exibindo grande desconforto.
— Transação não autorizada.
— Como é? — Espio a máquina que ela me mostra. Não pode ser. Na
minha conta tem aproximadamente meio milhão, que sempre esteve lá para
emergências.
— Tente no crédito, por favor — peço, também já envergonhada. Ela
tenta, digito a senha e aparece a mesma mensagem.
Droga. O que aconteceu, Roberto?
— Pode ser alguma coisa na máquina. — Solidária, tenta contornar a
situação. — Tem outra forma que a senhora…?
— Sim, tem. Você pode enviar a conta para a empresa. Em nome do
meu marido.
Elas se entreolham.
— Tudo bem. — Insisto tranquilizando-a. — Já fiz isso, e a secretária
dele sabe.
— Certo. Vou preencher a nota fiscal e pedir para a senhora assinar.
Muito obrigada, dona Isadora.
Assim que elas vão embora, imediatamente pego meu celular para
analisar o aplicativo do banco. E para meu completo desespero, não consigo
acessar a minha conta. Nem tento investigar por conta própria, ligo
imediatamente para o banco.
— Preciso falar com Ernesto, o gerente do setor de clientes platinum.
— Qual é o nome da senhora?
— Isadora. Isadora Agostini.
— Um momento, dona Isadora.
Enquanto espero, caminho feito uma barata tonta. Minhas mãos estão
suadas, meu coração saltitante denota o nervosismo.
Alguns segundos mais tarde, a voz grave e relaxada atende, foi tão
rápido, que é como se ele estivesse esperando minha ligação.
— Isadora. Primeiramente, meus sentimentos.
O desespero é tanto, que descarto formalidades.
— Ernesto, há algo de errado com minha conta? Tentei fazer uma
compra tanto no débito como no crédito e não foi autorizada. E, para
completar, não consigo acessar a conta pelo aplicativo. Tem algo a ver com...
a morte... de Roberto?
Ele toma uma longa pausa, e eu imagino que esteja escolhendo as
melhores palavras.
— Isadora, eu sinto muito, mas a sua conta foi encerrada há alguns dias.
— Como assim, Ernesto? — Seguro com força minha garganta. —
Encerrada? Eu não encerrei nada. E toda a minha aplicação financeira?
— Pelo que consta, a conta não é individual, era do seu marido
também. Ele nunca te disse isso?
— Não. Ele... me deu o cartão e disse que... como assim, Ernesto? —
Eu me sento no sofá. O pavor me consome, me deixando quase pirada.
Lembro exatamente das palavras dele quando me deu o cartão e o
acesso pelo aplicativo: “É uma conta reserva que eu tinha, estou passando
para você.”
— E onde está esse dinheiro, Ernesto?

— Pelo que estou vendo, tudo foi transferido para outra conta no
exterior... que é no nome da senhora, dona Isadora. Essa transferência só
pode ter sido feita pela senhora ou pelo seu marido.

Quase caio para trás. Uma conta em meu nome?


— É logico que não fui eu... eu nem sei dessa conta. — berro no
celular. — Meu Deus, era o único dinheiro que eu tinha, Ernesto. Eu tenho
contas a pagar. O banco tem que ser responsabilizado.
— Não, senhora. Foi tudo dentro da lei. A conta é conjunta, e um dos
interessados fez a transferência. Ele abriu a conta, ele podia encerrar...
— Eu tenho quase certeza que não foi nenhum de nós dois. Caímos em
um golpe, Ernesto. Faça alguma coisa, pelo amor de Deus.
— Tudo bem. Acalme-se. Eu vou tentar descobrir o que houve. Se for
algo ilegal, você pode entrar com um processo. Te ligo se descobrir algo.
Eu não sei o que fazer ou a quem recorrer. Nunca precisei lidar com
problemas de banco ou qualquer causa parecida. Roberto sempre tomou
conta de tudo, afinal o império era dele. No entanto, nesse momento, sei que
algo suspeito tem a ver com a empresa. O meu dinheiro foi enviado para o
caixa da empresa. Será que ele estava falido e fez isso para pagar as contas?
Ele pode ter pensado que eu não iria precisar do dinheiro nesse
momento e achou que daria tempo de repor sem que eu percebesse. É a
única alternativa plausível que me vem à mente.
O problema somado ao luto me tira totalmente a fome. Eu mal consigo
mexer na comida. Subo para meu quarto, esperando um retorno de Ernesto,
mas isso não acontece.
Dois

ISADORA

Eloisa me avisa tarde demais que a equipe da massagem já está com o


equipamento montado na sala de descanso. Eu não marquei e mesmo assim
vieram. Dou uma olhada na minha bolsa e encontro cem reais. No closet,
consigo mais duzentos que estavam ali guardados. Antes de descer, dou uma
olhada no cofre de Roberto. Vou tentar abri-lo depois.

— Meus sentimentos, dona Isadora. — O pessoal da massagem diz


quando entro na sala. Assinto cordialmente e os dispenso.

Desculpe, eu pedi para avisar que não precisava mais. Porém, fiquei
sabendo da última sessão que ficou em débito.

— Preciso relaxar só um pouquinho. — Digo. — Para não surtar.

— Entendemos. — A moça diz — A senhora prefere o pagamento


agora, ou...

— É o mesmo valor? — questiono um pouco envergonhada por tentar


saber o preço, já que eu nunca pagava, eles enviavam a conta para Roberto.
Penso nos trezentos reais que consegui e que estão na minha bolsa.
— Sim. Dois mil e seiscentos.
Porra! Quase desmaio. Nem é um pacote completo de spa. É só uma
massagem de uma hora e pouco. E eu achando que sobraria uns trocados
dos trezentos reais que estão em minha bolsa.
Acho que Dinorá, a esposa do procurador, tinha razão. Apesar de eu ser
esposa de um empresário milionário, ainda tenho alma de pobre.
— Vocês podem fazer como antes? Enviar para o escritório do meu
marido. Como ele faleceu, eu que estou no comando no momento das contas
dele — minto.
— Ah, sim, claro — a moça concorda sem pestanejar, acreditando em
mim. — Entendemos. Faremos isso. Obrigada, dona Isadora.
— A Eloisa vai acompanhá-los até a saída.

Eu deveria ter feito a massagem, pois agora a preocupação me bate


feroz.
E se a direção da empresa não aceitar essas duas contas?
Mas é claro que aceitarão. Além do mais, amanhã tem a abertura do
testamento, certamente ficarei com alguma coisa. Roberto jamais me
deixaria desamparada. Mesmo tendo amantes — afinal, ele nunca foi bom
em esconder —, sei que ele não me deixaria desamparada.

Ajoelho diante do cofre de Roberto, que fica no nosso closet. Eu nem


sei a senha...
Tento várias combinações, nenhuma dá certo. Desde a data do meu
aniversário, ao aniversário da madrasta dele e nosso casamento. Nada.
Abro as gavetas da mesa dele, na tentativa de encontrar a senha anotada
em algum lugar. Impressionantemente, há poucos objetos pessoais, e só
agora percebo. É como se ele tivesse levado várias coisas, aos poucos, sem
que eu percebesse. Faltam ternos, sapatos, e da sua coleção de relógios
restaram três somente.
Como eu pude ser tão tola? Ele já estava praticamente morando com a
amante...
Encontro duas agendas, folheio, mas não há nada de interessante a não
ser notas sobre reuniões, contas e mais contas. Pelo pouco que vejo, ele
parecia preocupado com a situação financeira.
Sou pega desprevenida por uma anotação em uma folha da agenda. É
um dia específico do mês de maio que foi muito emblemático para mim.
Coloco a mão no peito sentindo a emoção. A nota escrita por ele diz:

O dia em que meu herdeiro nasceu.


Lohan Agostini

Sorrio com lágrimas nos olhos. O nosso bebê que não está mais entre
nós. Percebo que Roberto escreveu na agenda o nome que tinha escolhido a
princípio, e não o que nós dois chegamos a um consenso: João Gabriel.
Acaricio a anotação, deixando as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Quatorze
de maio é o dia mais triste da minha vida, o dia em que o meu tão esperado
tesouro não resistiu e não contemplou o mundo. Não dei o primeiro banho,
não o vi mamar em meus seios, não o vi abrir os olhinhos para me fitar. Deus
o tirou de mim, tão rápido quanto me deu.
Eu estava justamente prestes a começar uma nova preparação para uma
nova gravidez por causa do maldito lúpus o qual fui diagnosticada. Porém
agora não dá mais, Roberto se foi.
Com base nessa anotação, tento a data de nascimento do nosso filho e
dá certo. O cofre abre, o que me comove ainda mais. Roberto sofria calado a
perda do bebê.
No cofre, encontro pouquíssimas das joias caras que eu costumo usar, o
que me espanta já que ele havia comprando muitas. Aumentando assim a
minha suposição de que ele guarda todas em um cofre em um banco. Há
também um maço de dinheiro, em notas de cem. Não posso pegar as joias,
pois tenho medo de que estejam no espólio do testamento, mas pego o
dinheiro. Acho que será suficiente para me manter por esses dias, até que eu
consiga resolver meus problemas.
Acabo de fechar o cofre e ouço passadas rápidas pelo corredor, logo
batidas urgentes soam na minha porta. Saio imediatamente do closet e me
deparo com Eloisa, de olhos saltados.
— Senhora, há uns homens aí... com a polícia.
— A polícia? — Saio do quarto, seguindo-a apressadamente. Desço as
escadas e encontro uns quatro homens no hall, observando a casa. Um deles
caminha em minha direção quando me aproximo.
— Delegado Joel. Você deve ser a viúva do senhor Roberto.
— Sim, sou eu. Isadora. Aconteceu algo?
— Eu só estou acompanhando esses senhores que são representantes da
empresa Solaris, do seu falecido marido. Eles têm uma ordem judicial.
— Ok — assinto. — Sobre o que seria a visita? — Encaro os homens
que nunca tinha visto na roda de amizade de Roberto.
— Viemos confiscar alguns bens que estão no nome da empresa. O
novo presidente da Solaris entrou com um pedido imediato.
— Aqui não tem nada da empresa... — abalada e com um sorriso tenso,
começo a negar imediatamente.
— Aqui está a documentação. — Ele me entrega uma pasta, que eu
recebo com tremor. — O seu marido tinha uma grande dívida com o cofre da
empresa e deixou como penhora a casa, os carros e as joias. Vamos confiscar
chaves e documentos dos carros, a escritura da casa e as joias, onde quer que
elas estejam.

— Mas isso... é um absurdo. E o meu direito como viúva? Essa casa é


onde eu moro.
— Deve ser cumprido imediatamente, senhora. Pode nos mostrar onde
estão os documentos mencionados?
Eu os levo até o escritório de Roberto, e enquanto analisam os
documentos da casa e dos carros, tento falar com o advogado de Roberto,
que demora uma eternidade para atender.
— Isadora? — Atende com a voz preguiçosa.
— Mauro, o que está acontecendo? Tem homens aqui, com um
delegado, confiscando os carros e a casa... O que está acontecendo?
— Isadora... infelizmente Roberto estava em maus lençóis. Ele
penhorou praticamente tudo. Eu não te disse nada pois achei que era do seu
conhecimento, já que tem assinaturas sua concordando com as penhoras e
vendas. Não sabia que eles viriam tão cedo.
— Minha assinatura? Como assim ele... vendeu tudo?
— Tudo que estava no nome dele. Ou seja... ele estava falido.
— Mas e a empresa? Ela não está falida. Semana passada, anunciaram
lucro de...
— Roberto planejava pedir o divórcio, Isadora. — Ele me interrompe
como se estivesse perdendo a paciência. — E se envolveu em um grande
empréstimo com os cofres da empresa. Ele não te contou? Roberto vendeu a
parte dele na empresa, não era mais acionista.
Desolada com todas essas revelações de uma única vez, desabo sentada
na cama. O coração dói de raiva e tristeza. Ele ia pedir o divórcio?
— Por que não me disse isso antes? O que eu vou fazer? Eu vou ficar
sem casa? E as outras propriedades dele?
— Calma. Vamos ver no testamento...
— Você é o advogado dele! — reajo, aumentando o tom de voz — Você
sabe das propriedades e dos bens dele. O que Roberto deixou? Me fala a
verdade.
— Nada.
— Nada? — Boto a mão no peito. — Como assim nada?
— Eu vou até a sua casa te explicar com calma. O buraco que seu
marido se meteu era fundo demais. Ele escolheu a saída mais fácil, que foi
fugir.
∞∞∞

— Senhora, terminamos — os homens dizem, levando consigo pastas


com os documentos apreendidos. — Precisamos também das chaves e
documentos da SUV branca.
— Não. — Balanço a cabeça negando. — Aquele carro é meu. Não vou
entregar nada.
— Infelizmente está listado nos bens da penhora.
— Como assim...? Ele penhorou o meu carro?
— Aqui está. Pode ver.
Pego o papel que ele me estende e, sem qualquer estrutura emocional,
tento ler as palavras que se embaralham em minha mente. O valor total da
penhora é de vinte milhões. Porra, Roberto!
— Esperem o advogado chegar, para que ele possa verificar... — peço,
já sem um pingo de ânimo.

Mauro, o advogado de Roberto chega pouco depois me encontrando a


beira de um colapso. Ele verifica a papelada que os homens apresentam, e
diz que está tudo dentro da lei, e para piorar mostra que tem mesmo a minha
assinatura, não é nada falsificado, eu assinei algo sem saber.

— Como assim tem a minha assinatura até na venda da casa? —


Verifico os papeis novamente, constatando que eu assinei mesmo.

— Você, por acaso, não assinou algo sem ler?

Engulo em seco, sem saber responder. Talvez sim eu tenha assinado


qualquer coisa. Eu confiava cegamente nele, já que não tinha bens, era tudo
dele, então não havia porque temer algo. A gente sempre viajava e ele pedia
para eu assinar documentos...

Não é possível, que Roberto tenha me enganado tanto a esse ponto. De


me deixar na sarjeta sem casa que é o meu direito básico como viúva.
Eles tinham a senha do cofre. Não levaram as joias, mas cadastraram
cada pequeno diamante ali presente e me advertiram de que eu não podia
pegar, até ter um posicionamento da justiça. Por sorte, eu tinha tirado antes o
dinheiro.
Levaram também a chave e o documento do meu carro, me deixando
em uma casa que não me pertence mais. Possuo apenas minhas roupas.

Mauro não se senta. Recebe o uísque que Eloisa serve, e fica ali, de pé,
com seu terno fino e cabelos bem penteados, meio intimidador, como um
mensageiro de más notícias.
— Tudo que você precisa saber estará no testamento que ele deixou —
ele me diz.
— E sobre as propriedades... se a empresa tomar essa casa, eu tenho
algum lugar de reserva para ir?
Enfim, o homem olha para mim. Não parece compadecido, parece
apenas indiferente, como se eu fosse a culpada pela situação. O cara estava
me traindo enquanto eu ficava presa em casa cuidando de uma doença
crônica. Ele planejava pelas minhas costas o divórcio. Tomou até o meu
carro, e eu que recebo esse olhar de menosprezo?
— Você não fez nada todos esses anos que pudesse lhe dar um pé de
meia, não é?
— Como assim?
— Bom, seu marido morreu há dois dias e está aí, desesperada
querendo saber das propriedades dele. O Roberto me dizia, mas eu não
acreditava. Ele era sua apólice de seguros, não é?
— Como ousa...? — cuspo com asco. — Como pode…?
— Ah, Isadora. Não tente se vender como santa para cima de mim. —
Dá uma risadinha cínica. — Eu era melhor amigo dele e sabia que você só
persistia no casamento por causa da vida boa. Roberto me contava como
você só gastava, esbanjava, sugava.
— Eu? Eu nunca pedi nada a ele... — Assustada com tais palavras de
acusação, não tenho forças para me defender. — Tudo que ele me dava... era
por vontade própria. Ele nem permitiu que eu trabalhasse e estudasse,
porque era rico demais para ter uma mulher assalariada que trabalha fora.
Cada dia, chegava com uma joia nova, e eu dizia para ele moderar...
— Ele estava com uma mulher no carro, no momento do acidente. —
Mauro corta meu discurso, que para ele não é nem um pouco tocante. — Iam
para a casa de férias dela em Ilhabela. Ele penhorou e vendeu todos os bens
com a ajuda da sua assinatura, afinal, mesmo que os bens fossem dele,
precisava da autorização da esposa para vendê-los. E, por fim, planejava
sumir por um tempo com ela, o amor da vida dele. — Segurando o copo de
uísque, dá um passo em minha direção e arrasta a língua pelo lábio. —
Enfim, ele estava se livrando de você. Não venha com esse papinho de que
recusava joias. O seu azar é que ele deu fim em todas.
— Saia da minha casa! — grito fervorosamente, com lágrimas ardentes
nos olhos. A fúria e o choque me tomam em níveis torturantes.
— Sua? — Ri ironicamente e bebe o uísque. Deixa o copo na mesinha
de centro e para na minha frente. — Eu juro que esperava te encontrar na
cama, esmorecida, porque não acreditava no que ele me contava. Agora eu
vejo.
— Eu perdi tudo — rosno na cara dele. — Toda a minha vida, eu não
tenho para onde ir, não tenho trabalho, não tenho dinheiro para comer, e
apesar de tudo, eu o amava. Eu perdi o meu único companheiro. Como você
queria que eu estivesse?
— Acabou de comprovar minhas acusações. Você perdeu o Roberto,
que era sua vida boa. Vá à luta, é mulher nova, bonita... — Passa os olhos de
modo sugestivo pelo meu corpo e torna lamber o lábio. — Saberá como
ganhar dinheiro... fácil.
Sem pestanejar, minha mão corta o ar com força e acerta o rosto dele.
— Você vai pagar por esse tapa.
— Saia! Fora! — berro, enlouquecida. Pego o copo que ele bebia e
arremesso contra a parede enquanto o homem sai cantarolando.
O ódio me consome junto com a tristeza, sentimentos que me dão
impulso para arrancar aliança e anel de noivado. As duas joias saem do meu
dedo com um grito angustiado da minha alma. Os anéis caem debaixo de um
móvel, e eu desabo em um sofá.
Três

ISADORA

“Tudo sobre Lisette Barone, morta no acidente com o empresário


Roberto Agostini”

“Herdeira do petróleo morre em acidente fatal.”

“Fontes dizem que Roberto e Lisette tinham um romance secreto.”

São títulos e mais títulos de matérias que me recuso abrir para ler.
Todas abordam a mulher que morreu no acidente com Roberto. Não
desejando mais ver nada disso, desligo o computador. Desde que eu soube
do acidente, não tive cabeça para nada, a não ser sofrer por ele. Na sala de
espera do hospital, enquanto ainda tinha um pingo de chance de Roberto
escapar, todas as minhas energias estavam voltadas para ele, para depois
afundar no luto. E agora me sinto trouxa por ter doado tanto a esse imbecil.
Esgotada, enraivecida, decepcionada, subo para meu quarto, e armada
de fúria, rasgo as roupas de Roberto que estão no closet. Uso uma tesoura
para picotar seus ternos caros, as gravatas de seda, as camisas sob medida
que se ajustavam tão bem ao seu corpo.
Ele andava sempre tão alinhado, que mesmo não sendo novo nem tendo
um corpo malhado, ficava bonito e elegante. E foi justamente essa postura
que me atraiu. Foi fácil para ele impressionar a garota pobre que ele
conheceu à beira do rio, quando estava com outros engenheiros fazendo a
análise de minérios daquela região.
Ele fez de mim uma mulher de classe, me ensinou tudo com paciência e
me mostrou cada pequeno detalhe sedutor do mundo dos ricos. Roberto
Agostini me amou de verdade, eu sei. Só me pergunto em que momento da
curva ele deixou de ter tal sentimento por mim.
A imagem da jovem loira, que era a sua amante, não sai da minha
mente: Lisette Barone. Eu a odeio sem nem ter conhecido. Uma qualquer
que seria trocada também daqui há uns anos, quando ele se cansasse.

∞∞∞

— Mas você vai nos demitir...? — Eloisa sussurra, pálida, diante de


mim no escritório de Roberto. Pela primeira vez na vida, estou sozinha nesse
cômodo, e pela primeira vez me sento na cadeira do homem que por dez
anos comandou a minha vida. O peso da viuvez é insuportavelmente
repulsivo, quando na verdade deveria ser um fardo de tristeza e saudade. O
testamento nem foi aberto, no entanto antecipo que Roberto não deixou nada
para mim.
— Eloisa... eu tenho que fazer isso — encaro os olhos assombrados da
minha governanta por trás dos óculos de grau. — Eu não tenho como pagar
todos vocês e não sei se terei alguma pequena parte na empresa que nem é
dele.
— Dona Isadora, a senhora não pode simplesmente permitir — Sua
voz, habitualmente baixa, sobe, indo a um tom um tanto aflitivo. — Foi
casada legalmente com ele durante anos. Tem que lutar pela sua parte. Não é
justo.
— Eu pretendo fazer uma reunião com um advogado. Ainda assim, vou
assinar a demissão da maioria dos empregados. Mas você pode ficar.
Percebo uma sombra de agradecimento silencioso cobrir sua face
delgada.
— Obrigada. Eu estou sustentando a casa sozinha, minha mãe está
enferma. Preciso desse emprego.
— Não se preocupe... — Apesar da dor no peito, lhe dou um sorriso. —
Se algo der errado, eu farei uma ótima carta de recomendação para você.
Emprego não te faltará.

∞∞∞
Eu mal consigo dormir à noite, preciso tomar um calmante para
descansar um pouco a cabeça girando a mil por hora desde a visita de
Mauro. Eu não posso acreditar que Roberto foi tão cruel ao falar de mim
para seus amigos. Colocando em mim a culpa pelo seu fracasso. Eu nem
mesmo tenho acesso às joias. E ele comprava muitas, sem o meu
consentimento. Algumas eu nunca nem mesmo usei.
É injusta a forma que ele me vendeu como uma megera gananciosa que
pisava nele. A dor da traição é ainda pior. Logo eu, que sempre fui uma boba
submissa e risonha. Nunca matei uma maldita barata, não faço mal a
ninguém... não é justo que eu seja punida.

Entre lágrimas, volto anos atrás quando morava com minha mãe em
uma cidade pequena do interior. Eu conheci Roberto e contra a vontade de
minha mãe, me apaixonei e me casei com ele. Gostaria de nunca ter saído do
meu lar.

∞∞∞

Pela manhã, me sento para o desjejum, arrumada para a leitura do


testamento, que acontecerá no escritório de Mauro. Minha personalidade
sempre gentil precisa ficar de lado, para que possa sair inteira do covil do
diabo.
Gostaria de usar um vermelho matador, tanto na roupa como nos lábios,
mas para não dar o que eles querem, visto um sutil vestido preto e coloco um
chapéu e óculos escuros. Por causa do lúpus, me acostumei a usar chapéus
para me proteger do sol, além de nunca esquecer o protetor solar. Vivo em
uma dieta rigorosa e acompanhamento mensal para o controle da doença,
que não tem cura.
Tenho motorista, mas não tenho permissão de pegar os carros, então
preciso pedir um Uber.
Ao chegar ao prédio, sou recebida por Mauro, que não faz questão de
me cumprimentar; alguns dos homens parecem me olhar com asco.
Reconheço um deles como sendo primo de Roberto. Eles bebiam e
conversavam como se estivessem em uma confraternização, mas agora estão
calados com minha presença.
Para meu completo choque, recostado em uma parede ao fundo, longe
dos demais, está o homem misterioso que vi no funeral. Engulo a saliva
junto com todo o nó causado pelo susto. Pateticamente, não consigo desviar
o olhar. Apesar de ser bonito, me passa uma má impressão, algo denso,
quase maligno. Recobro os sentidos e decido ignorá-lo, sentando-me na
cadeira que Mauro indica.
Com certeza esse homem deve ser um dos diretores da empresa.

A leitura do testamento começa como uma dose de veneno com pitada


de fogo infernal. Como eu devia esperar, é só humilhação. Roberto não tem
mais do que dívidas. E Mauro faz questão de reforçar que todas as
transações que meu marido fez ainda em vida são legitimas pois tem a minha
assinatura. A facada que Roberto me deu é terrivelmente dolorosa.
Em seguida, Mauro começa a ler as vontades do morto, saboreando
minha reação. É uma lástima assistir a um homem com mais de trinta anos e
em um cargo de advogado fazer uma pausa a cada frase para sorrir na minha
direção, se comportando como uma criança.

No texto, Roberto fala sobre as dívidas, sobre as hipotecas e ainda tem


a cara de pau de dizer que eu estava a par das dívidas e de que pegamos
dinheiro emprestado nos cofres da empresa.

— Eu não sabia disso, Mauro. — Interrompo-o no seu showzinho


barato.

— Aqui Roberto diz que você sabia — balança os papeis no ar — e há


sua assinatura comprovando a negociação. Onde estão as joias e o que fez
com dinheiro que vocês pegaram no caixa da empresa, Isadora?
— Eu não sei de joia e dinheiro algum. Você é advogado aqui, você
deveria me dar as respostas.
E, para me humilhar, diz que deixa uma renda de três mil reais para
mim. Tópico que Mauro lê um pouco mais alto, arrancando risadinhas da
plateia.

Ainda há regras. A quantia deve ser paga pela Solaris, segundo requer a
lei. Mas o pagamento será conforme o entendimento da empresa, e eles
podem requerer de mim algum serviço em troca.
— Não está terminado. — Eu digo interrompendo mais uma vez. —
Não vou sair daquela casa. Li muito bem sobre isso, mesmo que ainda não
tenha advogado, sei que eu como viúva sou herdeira dele.

— Herdeira de quê? Das dívidas? — Mauro zomba enchendo a sala de


gargalhadas. — Você não entendeu ainda? Você pode ser acusada de ter dado
um golpe na Solaris, pois tem uma assinatura sua que diz que você sabia sim
do grande empréstimo que seu marido pegou.

— Dane-se, Mauro. A lei obriga que eu como viúva tenha um teto para
morar. Roberto não pode me deixar desamparada. A Solaris não pode me
tirar da casa.

— Sim, você tem razão. Ele deixou mesmo uma propriedade para você.
Assim como manda a lei, dividiu os bens restantes entre você e o outro
herdeiro dele. Uma propriedade para cada um. — O alívio me anima. Pego o
papel com a escritura que ele me estende. Vejo o endereço e não conheço,
mas tudo bem. Tenho um lugar que é meu.
Fico de pé. O esgotamento emocional atingiu o pico.
— Ainda não terminou. Não vai ouvir as considerações finais, Isadora?
— Mauro indaga com seu odioso sorriso debochado.
— Acho que já ouvi tudo que me interessa, não é?

— Claro. Você veio aqui na esperança de sair rica e vai sair com uma
pensão e uma casinha. E ainda é pouco visto o que você fez com Roberto.
Não duvido nada que você tenha obrigado ele a fazer esse empréstimo
milionário.
Sinto uma ânsia de vômito diante dos olhares acusatórios dos homens.
Minhas unhas cravam nas palmas, e a dor é a melhor sensação; me mantém
consciente. Eu queria gritar com ele, quebrar alguma coisa, mas apenas giro
nos calcanhares, pronta para sair.
— Se quiser, eu posso te sustentar em sigilo, aumentando o valor para
quatro mil por mês! — um dos homens grita, e os outros riem. — Ao menos
gostosa você é. De boca calada, deve ser um bom passatempo.
Paro perto da porta, os punhos ainda cerrados, a garganta seca e o
coração batendo disparado no pescoço. Engulo a fúria e miro o do homem
misterioso que passou todo tempo calado, sem dizer uma palavra. O olhar
dele para mim é pior do que dos outros homens, porque o dele contém fúria.
Como se quisesse me ferir. Amedrontada, caminho rápido e saio do
escritório.

Chamo o Uber para me levar ao endereço da minha propriedade


deixada no testamento. Estou muito contente. Vou sair daquela casa e
começar uma vida sozinha, humilde, mas sozinha. Antes precisarei ajudar a
Eloisa a conseguir um outro emprego. A Solaris tem que pagar o seguro dela
e dos outros que inevitavelmente serão demitidos.

O carro anda muito, passa bairros, e se afasta cada vez mais. A cidade
praticamente fica para trás e ele entra em uma via praticamente inabitável e
após andar um pouco em uma região deserta para diante de uma construção
inacabada.

— Acho que é aqui, senhora.

— Aqui? — Espio pela janela do carro. O lugar é deserto e não tem


nem teto na casa. Apenas paredes levantadas. Isso só pode ser uma piada de
Roberto. Minha animação cai por terra.

Que merda Roberto estava pensando...?

∞∞∞

Choro apavorada na cama do quarto de hóspedes.


A raiva é tanta, que me causa náuseas. Tenho vontade de ferir alguém,
de mostrar as garras, ser maldosa com aqueles homens desprezíveis. Mas o
que eu sou atualmente senão a viúva golpista de um homem rico?
Sem saber a quem recorrer, limpo as lágrimas, pego o celular e toco no
primeiro nome que surge. Rosana, esposa de um dos amigos de Roberto. Ela
até me ajudou na ceia de Natal do ano passado. Rimos juntas, contamos
histórias e até trocamos telefones. Mas não veio falar comigo durante o
funeral.
Preciso conferir até que ponto Roberto acabou com minha reputação.
O telefone toca até cair na caixa-postal. Eu persisto, ligando
novamente, e então ela atende.
— Oi.
— Rosana, oi... tudo bem?
— Por que está ligando para mim? — Sua voz soa impaciente.
— Eu gostaria de conversar... estou passando por um momento...
— Querida, não sei se percebeu, mas em todo esse tempo nós apenas te
aturamos por ser esposa do Roberto. Não tem por que manter qualquer
relação. Tenha um pouco de dignidade e apague o meu número.
— Por quê? — grito para ela, antes que desligue. — O que eu te fiz?
Sempre te tratei tão bem, viajamos juntas...
— Porque você o matou! — Berra no mesmo timbre que eu. — Você
sufocou tanto aquele pobre homem, o afogou em dívidas por um capricho de
piranha e não permitiu que ele fosse livre para viver com a mulher que ele
amava. — E desliga na minha cara.
Como é? Chocada, caio sentada na cama. Roberto nunca nem mesmo
mencionou divórcio para mim. Como eu poderia impedir…?
Tremendo, apavorada, ligo para a próxima. Melanie, a mais nova do
grupo, solteira e famosa por ser influenciadora nas redes sociais e filha de
um homem milionário, amigo de Roberto. Eu lembro que Melanie era a mais
acessível e sensata do grupo de mulheres, me fazia rir e ficou ao meu lado
quando perdi meu bebê.
Mas fico desapontada ao ouvir as coisas que ela me fala. É tão cruel
quanto Rosana. E ainda acrescenta:
— Deus foi tão misericordioso em tirar aquele inocente bebê das suas
mãos...
— Não fale dele, sua piranha! — grito estridentemente no celular e
choro, tacando o aparelho no espelho do quarto. Vagabunda! A vontade de
ferir alguém cresce absurdamente. Porém nada mais posso fazer, a não ser
engolir cada insulto.
Há, no entanto, uma alternativa ganhando força em minha mente. O que
posso continuar fazendo em uma cidade em que todos me odeiam? Perdi
meu ciclo social, perdi meu único apoio emocional e financeiro e não tenho
coragem de voltar para a casa da minha mãe depois da briga que tivemos.

Eu posso cultivar uma nova vida longe disso tudo. Posso recomeçar em
um lugar onde ninguém me conheça. Eu ainda tenho uma propriedade que é
inabitável, mas posso tentar vendê-la. Eu vou conseguir um advogado, nem
que for defensor público e vou requerer tudo que me é de direito. Mauro não
vai sair por cima.
Depois de andar indo e vindo pelo espaçoso quarto de hóspede - onde
estou ficando por não conseguir deitar na cama que Roberto dormia - o que
era hipótese, se torna decisão.

Apresso-me em procurar na internet, o próximo voo para qualquer lugar


longe daqui.

Há um voo para Espírito Santo em duas horas. Pego o dinheiro que


roubei do cofre e coloco em uma bolsa de mão. Em outra maior, escolho
algumas poucas roupas para não fazer volume. Terminando de arrumar a
mala em trinta minutos.
Há algo mais. Não vou sobreviver em outro estado com pouca grana.
Olho para o cofre enquanto mordo o lábio. Eu seria procurada pela polícia
caso fizesse o que minha mente cogita, mas é a única opção.
Rapidamente, abro o cofre e escolho duas joias, que na minha opinião
devem ser as mais valiosas. Coloco no fundo da bolsa onde estão as roupas.
Tomo um banho na velocidade da luz, depois de ter pedido a Eloisa para
chamar um táxi.
Não vou parar para raciocinar, quero e preciso apenas agir. Hoje, eu
enterro a antiga Isadora.
Já pronta, dou uma última olhada no quarto. Carregada de rancor,
mostro o dedo do meio para uma foto minha e de Roberto e saio.
Caminhando sobre saltos altos, roupa preta e óculos escuros, desço a escada
me sentindo uma golpista de luxo de algum filme do Christopher Nolan.
— Eloisa! — chamo e descanso a bolsa no chão. Eloisa vem do hall, e
eu quase sorrio quando paro abruptamente ao ver que ela está acompanhada.
Meu coração falha uma batida assim que pouso os olhos no homem
misterioso que acompanhou o funeral e a leitura do testamento. Ele está na
minha casa, e todos os meus sentidos gritam forte no meu ouvido: “Corra!”
— Senhora... — Eloisa balbucia. Eu estou com a respiração presa,
enquanto um feitiço mantém meus músculos paralisados. Ele exibe a mesma
expressão fechada das outras vezes. E não saber quem ele é me assusta.
O homem misterioso carrega genes de uma beleza máscula e brutal que
indica perigo. Não é desses tipos que arrancam suspiros e provocam
fantasias de romance. Seu rosto demonstra que não deve esperar qualquer
sentimento básico de bondade vindo dele, ao mesmo tempo em que emana
uma forte aura sexual.
O maxilar anguloso, lábios bem desenhados rodeados por uma barba
baixa, em um tom de loiro-escuro, que combina com o corte de cabelo estilo
moderno - raspado na lateral e um pouco alto em cima. Seu olhar é duro,
mortífero, eu diria, e todo conjunto combina perfeitamente com sua estatura
e seu corpo poderoso, que posso ter um vislumbre por baixo do terno de
corte impecável.
— Pode ir, Eloisa. — A voz dele arranca arrepios ferozes de mim. E
Eloisa o obedece sem olhar para mim.
Ele dá alguns passos, olha os arredores e pousa casualmente os olhos na
minha bolsa.
— Ia a algum lugar?
— Quem é você? — consigo sussurrar.
Com as mãos nos bolsos da calça, ele não tem dificuldade em prender
os olhos aos meus.
— Eu seria raso e teatral se dissesse que sou seu pior pesadelo. Opto
pela parte direta. Me chame de Zion. Novo dono desta casa, e CEO da
Solaris.
Sua apresentação não me diz muito. E eu sabia que mais cedo ou mais
tarde alguém da empresa viria para tomar posse. Isso só confirma que eu
devo prosseguir com a fuga, agora mais rápido do que nunca.
Refeita do susto, engulo todo o choque e levanto o queixo, enfrentando-
o.
— Nesse momento, não me importa quem você seja. Fique à vontade,
faça bom aproveito da casa. — Pego minha bolsa, o fito uma última vez,
antes de colocar os óculos e sair. Abro a porta da frente e me deparo com uns
cinco homens de terno em pose de segurança. Todos dão um passo adiante,
indicando que vão me cercar.
— Acho que você não entendeu ainda. — Ouço a voz rouca às minhas
costas detestando como tem o poder de revirar minhas entranhas. — Você
está sob minhas ordens.
— Como é? — Rio incrédula ao me virar para Zion. Sua expressão não
é tão calma, me espanta como parece revoltado.
— O testamento foi claro: para que você possa ganhar a renda mensal
que a Solaris vai pagar, deve dar algo em troca conforme o interesse da
empresa, e como eu sou o CEO, eu quero que você me dê seu trabalho como
troca.
— Você que não entendeu. — Corajosa e farta de todas essas merdas,
dou um passo adiante. — Fica com tudo para você. Pensão do Roberto, casa,
empresa e até as cuecas dele. Faça bom aproveito! Eu estou fora desse circo.

— Está abrindo mão assim, sem nem contactar um advogado?

— Sim, estou abrindo mão dessa palhaçada.

— Pegou isso? — Ele olha para um dos seus homens.

— Sim senhor. — O homem dá um toque na lapela do terno, e eu tenho


quase certeza de que está filmando.

— Tudo bem. — Ele dá de ombros — Você está liberada.


Assinto com um sorriso, mas congelo quando ele acena para um dos
homens.
— Revistem a bolsa dela. A bolsa grande.
— O quê? — Em um impulso, abraço a bolsa contra o peito. — Não
podem fazer isso. São os meus pertences.
— Eu vou decidir que tipo de pertence você pode levar da minha casa.
Revistem.
— Não encostem — começo a gritar desorientada, e até tento correr,
mas os homens me pegam com uma facilidade ridícula, e como estou de
salto, caio na grama do jardim. Um deles me segura, e o outro toma minha
bolsa. Sem qualquer gentileza, derramam minhas coisas no gramado.
— Seus imundos! — Eu me chacoalho, ainda presa por mãos de ferro.
— Me larga! Não podem fazer isso com uma mulher.
Indiferente aos meus protestos, Zion caminha até as coisas espalhadas
sobre a grama e se agacha. Afasta minhas roupas, meus cremes para a pele,
minha bolsinha de medicamentos, e com o dedo indicador recolhe um colar
de esmeraldas, mostrando-o para mim. Sorri, vencedor.
— A senhora deseja resolver isso com a polícia ou prefere entrar
comigo e tomar um chá enquanto esfria a cabeça?
— Babaca! — grito, e o homem me solta. Zion recolhe as duas joias
que roubei, enfia no bolso e fica de pé. Um dos homens está filmando toda a
movimentação, o que é bem estranho.
— Para de drama, Isadora. Te espero em dois minutos no escritório.
Quatro

ISADORA

Abalada, aflita e sentindo a respiração falhar, volto para dentro da


casa, porque estou sem apoio algum para enfrentar qualquer processo na
justiça.
Antes de encontrá-lo no escritório, me dirijo para a cozinha, meço
minha pressão arterial e engulo um comprimido para aliviar o estresse, algo
que evito passar. O lúpus está controlado no momento, afinal eu estava
planejando uma nova gravidez depois da morte do meu bebê. Pensar nisso
me causa uma terrível emoção, mas eu afasto as memórias com rapidez.
— Senhora... tudo bem? — Eloisa indaga, preocupada. Apoiada no
balcão, eu nem olho para ela. Apenas tento controlar a aflição. — Ele... me
mostrou um documento, dizendo que é o novo dono da casa. É verdade?
— Sim. — Enfim a fito. — Pelo que disse... é dono da empresa e ficou
com os bens de Roberto. Faça um chá e nos sirva no escritório, tudo bem?
— Farei isso. — De imediato, ela enche uma chaleira e coloca no fogo.
Pega uma bandeja de prata e dispõe bule e xícaras.
Passo no banheiro, lavo o rosto e respiro pausadamente, observando
meu reflexo. Uma mulher de vinte e oito anos que até dias atrás tinha tudo
estabilizado, planos em andamento e um futuro promissor à frente; no
momento, pareço apenas uma austera viúva amedrontada. Desfaço o coque
dos cabelos e deixo os cachos soltos, e ao sentir que estou pronta, saio e
caminho com passos firmes até o escritório.
Zion é um homem alto, creio que deve ostentar por volta de um metro e
noventa; observo automaticamente como tem pernas musculosas e costas
fortes, preenchendo a camisa branca. Ele tirou o terno e dobrou as mangas
da camisa. Vejo os antebraços grossos cobertos de pelos claros, e um Rolex
no pulso, provando que é mesmo um homem de alta classe.
Ele me olha sem qualquer emoção, estava bisbilhotando a coleção de
prêmios de Roberto. Sem esperar uma ordem sua, me sento diante da mesa, e
ele faz o mesmo, sentando-se na cadeira do meu marido.
Por descuido, deixo minha mente comparar os dois homens, Zion tem
uma presença mais marcante e poderosa que Roberto.
— Isadora Agostini — diz, nem pisca me olhando. — Enfim a sós.
— De verdade, eu dispenso a pensão da Solaris. Só quero ir embora.
— Mas não vai. Tenho planos para você. — Ele pega um papel e lê em
voz alta: — Quinhentos mil, novecentos e setenta reais. Conhece esse valor?
— Escolho o silêncio enquanto raciocínio. — Está sem um centavo na conta
bancária. Não vai me perguntar como eu sei?
— Como você sabe? — Acabo caindo no jogo dele ao fazer a pergunta,
e Zion adora poder responder:

— Por acaso, consegui rastrear as contas de Roberto e eis que encontro


esse valor que foi transferido para uma conta no seu nome. Pode me dizer
onde está esse dinheiro?

— Eu não peguei dinheiro algum. Simplesmente sumiu.

— Bom, aqui diz que foi uma movimentação quando Roberto já estava
acidentado, e como a conta era conjunta, só pode ter sido...

— Eu não fiz isso. Investigue, chame a polícia, mas não fui eu.

— Talvez você não tenha se dado conta ainda, o seu marido fez uma
dívida gigantesca e coube a mim ser o cobrador. A empresa não vai ficar no
prejuízo por causa dele.

— Ok. Um problema entre você e ele. Você provavelmente é inteligente


e deve saber que não cabe a uma viúva pagar dívidas do marido morto.
Quem responde pela dívida é o patrimônio deixado pelo falecido.

— Sim, eu sei muito bem disso. E como Roberto não deixou nada, não
posso cobrar. Não é?

— Exato.

— Mas, não era dívida só dele.


Feliz mais que tudo, Zion empurra um papel para mim.

— Aqui é a sua assinatura. Você pode até pedir uma perícia ou


contestar judicialmente, mas é a sua assinatura e você sabia desse rolo de
Roberto, e eu tenho provas que você sabia. Portanto, não acho que era uma
dívida apenas dele.

— O que... quer de mim? — Quase solto um soluço.


Ele brinca com um anel em seu dedo, saboreando minha apreensão. É
desconcertante o fato de ele ser tão atraente e maldoso ao mesmo tempo.
— Estou louco para dizer que quero, da sua parte, que rasteje, mas acho
que ainda é cedo.
— Rastejar? — A cada segundo, me desespero mais.
— É, aos meus pés, como a puta insignificante que você é. — Sua voz
calma me irrita descontroladamente. — Sorte sua que sou bom em
negociação e vou pegar leve.
Fico de pé em um brusco movimento, assustada por ele ter me ofendido
de maneira tão casual, sem levantar o tom de voz. Diferente das mulheres
que me ofenderam pelo celular, agora não sinto ódio em demasia. A
apreensão se aviva, causando medo real. Zion exibe o seu arsenal de guerra
com apenas um olhar. Deixa entrever a facilidade de conseguir o que quer.
Pressinto que ele também esteja infectado pelas mentiras de Roberto ao meu
respeito.
— Eu quero que você me respeite! — peço, com a voz vacilante. — O
que acha que eu fiz? O que quer de mim?
Ele se recosta na cadeira e me observa por um bom tempo. Parece que a
raiva cresce conforme me fita.
— Eloisa continuará sendo a governanta e vai te supervisionar. Você vai
trabalhar aqui para mim, como minha empregada doméstica. E, em troca,
ganha a pensão da Solaris e mais algum adicional, se for boazinha.
Meu coração acelera, e o nervosismo provoca uma gargalhada
sarcástica. Zion nem se mexe, os lábios sexys estão repousados em uma
expressão neutra.
— Vá sonhando. Eu já disse que dispenso a pensão. Seja lá quem você
acha que eu sou, estou fora da sua vida, estou indo embora.
— Pode ir. Depois que pagar as contas das roupas que comprou e da
massagem que fez. — Calmamente ele coloca os papéis na mesa,
provavelmente as notas dos serviços. Engulo em seco.
— Eu... não tenho dinheiro.
— Então trabalhe para ter.
Entreolho para a porta, minha liberdade tão perto, e de volta para o
rosto cínico à minha frente. Tentada a apelar para a piedade do homem, se é
que há alguma, eu engulo a raiva e a vontade de bater na cara dele. Volto a
me sentar, e no automático encaro novamente suas mãos fortes, notando que
há hematomas nos nós dos dedos, como se tivesse batido muito forte em
alguma coisa ou em alguém.
Eu não precisava dessa visão quando já estou com tanto medo. É a
minha vida em jogo, e por mais que eu não tenha um teto sob minha cabeça,
não vou me rebaixar a alguém que pensa tão mal de mim.
— O que falaram sobre mim é mentira — digo, buscando uma postura
firme. — É mentira do Mauro, advogado de Roberto. Não estávamos no
melhor momento em nosso casamento, mas vivíamos bem, e ele nunca me
falou sobre divórcio ou sobre amar outra pessoa. Eu não suspeitava que ele
tinha amantes...
— Amantes? Vai querer jogar essa cartada?
— Sim. Nunca mencionou qualquer outra mulher... ou uma em especial
que ele estivesse apaixonado.
Zion não responde, me assiste de um jeito enigmático, indecifrável. Os
olhos cinza-azulados têm o poder de atrair todo o sangue para meu rosto, e
sinto-o queimar. Não sei o que ele está pensando e se vai me dar alguma
resposta. E isso dura por arrastados segundos, até que seus lábios se
comprimem, e ele pega uma pasta. Abre e empurra para mim.
Com a respiração difícil, encaro as palavras, até me dar conta de que se
trata de um documento de divórcio. Meu divórcio com Roberto. Mas juro
por Deus que jamais vi esses papéis antes. Preso aos papéis há várias cópias
de e-mails.
Zion se levanta e dá alguns passos pela sala, andando enquanto leio um
dos e-mails.
Afasto os papéis, sentindo uma náusea bruta me destruir. Se todas as
coisas que ocorreram nessas quarenta e oito horas não tinham ainda me
derrubado, agora sim recebi um belo nocaute.
Um bebê? Ele teve um bebê com outra?
Meu Roberto, que até semana passada estava transando comigo e
jurando amor? Estávamos planejando outro filho...
— Isso não é verdade — falo, e trêmula limpo as lágrimas. — Isso é a
porra de uma armação! — Minha reação é gritar, negando tudo, como se o
universo inteiro estivesse contra mim. De punhos cerrados, a ira me domina.
Estou acabada, surtada, não acreditando nessa situação enquanto Zion me
assiste de maneira fria, como se nada disso lhe importasse.
— Seu miserável! — de forma impensada, avanço para cima dele. —
Você fez isso, você falsificou um e-mail para me ferir. — Mas com
facilidade suas mãos enormes seguram meus pulsos, e eu me afasto
bruscamente, odiando sentir qualquer contato com ele.
— Seu show não vai funcionar comigo, Isadora. Isso é uma amostra de
tudo que sei sobre você. Tudo que tentou fazer com um homem inocente. —
Ele dá um passo em minha direção, ameaçadoramente, e eu me afasto para
trás, até bater as costas na estante de livros.
O perfume dele é caro e limpo. Em outro momento, eu diria que
bastante atrativo. Agora sei que é cheiro de perigo.
— Você vai trabalhar para mim. Vai pagar tudo que fez ao meu amigo e
à mulher que ele amava de verdade. Você os matou.
— Eu prefiro a sarjeta. — Cuspo as palavras com toda a raiva que me
cabe, gostando de saborear esse momento. Com movimentos bruscos da
mão, limpo as lágrimas. — Prefiro pedir dinheiro na rua, morrer debaixo da
ponte a me sujeitar a você ou qualquer filho da puta amigo daquele bosta
mentiroso. Eu espero que Roberto e a amante estejam queimando no inferno.
Satisfeita com minhas palavras e o poder que elas produzem em Zion,
me viro para sair, porém mãos firmes puxam minha roupa e me joga com
força contra a parede. Zion está enorme e furioso em cima de mim. A raiva
domina cada milímetro do seu rosto, seus olhos agora parecem a porta
escura do próprio inferno.
— Sua puta insignificante.
— Lixo! Me solta! — Forço minhas mãos em seu peito.
— Eu tenho filmagens de você roubando as joias de Roberto. Tem uma
câmera dentro do cofre que flagrou o seu roubo. Além de que tem indícios
de que talvez você tenha lavado dinheiro e eu posso te denunciar. Saia por
essa porta, e eu juro que vai passar anos atrás das grades. Você não vai ter
mais vida, não vai ter onde buscar apoio.
Imóvel, sabendo que este homem é capaz de qualquer coisa, eu vacilo.
A coragem em doses cavalares que me tomava de repente enfraquece, e o
medo de ser presa me abraça. O medo de não ter como tratar minha doença
crônica. Manter o lúpus controlado é minha principal meta, afinal, em
muitos casos pode afetar os rins. Sou uma mulher sozinha e doente contra
um bilionário. Qual é a minha chance?
Zion sente quando minha coragem vacila.
— Traga a bolsa dela — ele berra, ainda me segurando, e parece que
sabia que algum de seus brutamontes estava do lado de fora ouvindo.
— Não! — grito e tento me afastar do aperto maldoso dele. — Não
podem fazer isso. São minhas coisas.
— Quietinha gata arisca. — sussurra cinicamente.
Como uma onça em fúria, pronta para lutar, cravo minhas unhas em seu
pescoço e esbofeteio seu rosto com força. Zion segura meu maxilar,
aplicando força suficiente para me manter paralisada.
— Você está dificultando as coisas, Isadora! Não brinca comigo.
— Me larga. Me deixa ir. — Enfraquecida e humilhada, choro
copiosamente, mas isso parece o irritar ainda mais. O desespero me faz
implorar, me faz fraquejar, porque eu jamais me preparei para algo assim.
Até semana passada eu era a florzinha sensível de Roberto, me sentia amada
e protegida. Fito os olhos de Zion. — Me deixe ir embora — imploro em
meio ao pranto. — Eu já não tenho mais nada.
— Está errada, baby. — Zion acaricia meu cabelo com carinho
debochado. — Tem a mim. Eu vou te dar tudo que merece, tudo bem? Eu
vou tirar de você tudo que tirou de mim. Vai chegar um momento em que
sua vida se resumirá a mim, apenas ao seu carrasco, e você vai superar, e vai
acabar gostando da vida difícil que eu vou te dar. Assim como você fez com
Roberto.
Um homem abre a porta e entrega a Zion a minha bolsa de mão, é lá
que está o bloco de dinheiro que peguei do cofre. Era minha esperança de
fugir e começar a vida em algum lugar.
— Não! — grito, tentando pegar a bolsa. Ele ri e se afasta, e o homem
grandalhão me segura. Zion despeja o conteúdo na mesa e vai direto no bolo
de dinheiro.
— Você não pode fazer isso! Esse dinheiro é meu.
Ele nem mesmo me responde. Só enfia o bloco de dinheiro no bolso da
calça. Ouço toques na porta, e Eloisa aparece com a bandeja de chá. Ela fica
assustada ao me ver presa pelas mãos do segurança de Zion; dá um passo em
falso, pronta para voltar correndo, mas Zion a detém.
— Eloisa, coloque a bandeja aqui na mesa. Não precisa servir. Os dois
podem sair. — Sem pestanejar, ela faz o que lhe foi ordenado e se afasta,
dando uma última olhada para mim. O homem de Zion também sai, nos
deixando a sós.
— Sirva o chá para mim. — Ele se senta na cadeira de Roberto.
— Não. — Eu me rebelo e começo a juntar todas as coisas da minha
bolsa.
— Você tem contas para pagar, tem um vídeo comprometedor em que é
flagrada roubando pertences da minha casa, não tem ninguém para te apoiar
e ainda teima? — Ele escolhe um papel em uma pasta e empurra para mim.
Curiosa, leio sem tocar nele. É um contrato de serviços prestados. Leio por
alto e concluo sabendo que posso trabalhar para ele ganhando um salário no
valor de seis mil reais.
— Sabe que foi revigorante para mim quando recebi as contas que você
fez no dia do enterro de Roberto? — Zion se aproxima de mim. Com a mão
leve, tira meu cabelo da testa e passa o polegar na minha bochecha. — Eu
cheguei a duvidar que você era essa piranha fria e gananciosa que Roby
dizia. Mas então o que você faz? Compras em um valor exorbitante em uma
marca de grife e massagem de quase duas horas.

— Eu não fiz a massagem... pode perguntar a Eloisa...


— Parece que você está mentido, já que eu recebi a conta deles e tive
que fazer o pagamento. Enquanto seu marido tinha acabado de ser enterrado.
Foi um alívio para mim essa comprovação, porque soube que estava no
caminho certo, enfrentando uma aproveitadora calculista. — A mão dele
desce para meu pescoço e acaricia de forma ternamente falsa o local em que
minha artéria pulsa. — Então seja boazinha e sirva o chá para mim. E depois
vá tomar um banho, lavar esse rosto teatral e colocar um uniforme de
empregada.
Sem ter o que argumentar e sem querer também fazer isso, eu não me
movo. Ele já tem uma má impressão de mim, não há o que eu diga que o
faça voltar atrás. Não tenho quaisquer provas de que Roberto mentiu. Nem
sei por qual motivo meu marido mentiu para os amigos. Por que ele
simplesmente não pediu o divórcio para mim? Por que não foi sincero
comigo? Eu sofreria, mas entenderia. A única conclusão que me vem à
mente é que ele queria se safar de pagar qualquer quantia a mim com o
divórcio.
— Me sirva, Isadora. Não estou de brincadeira. Quer ficar sem as suas
mordomias? — Zion ameaça.
Penso mais uma vez no meu problema de saúde. Eu preciso do
tratamento, preciso de uma alimentação balanceada, preciso dos
medicamentos. Eu tenho uma equipe médica que me acompanha. Zion não
sabe disso? Ou talvez saiba e não se importa. Eu sei que pedi a Roberto que
mantivesse meu problema em segredo, porque eu não queria ninguém
olhando para mim com pena ou condescendência, mas Zion sabe de tudo,
com certeza ele sabe da doença.
— Quero o valor do contrato mais a pensão da Solaris. — Levanto os
olhos para ele. — Eu fico com essa condição. — Faço isso porque é mais ou
menos o que gasto nas consultas mensais e em outras necessidades. Ou terei
dinheiro suficiente para sumir de vez.
O lábio dele curva cinicamente para cima. Zion adorou ouvir isso.
— Eu sabia. Você fede a ganância. Nove mil ao total. Fechado. Com
direito a serviços adicionais.
— Que tipo de serviço?
— No momento certo, você será solicitada. — Ele volta a se sentar e
recolhe os papéis. — Dois cubinhos de açúcar para mim.
A xícara treme em minha mão enquanto sirvo o chá e levo até perto
dele, segurando a vontade de jogar na sua cara cínica. Coloco na sua frente e
me afasto.
— Recolha sua tralha e desocupe o quarto principal. Vou me mudar
para lá. Saia e fecha a porta.
Cinco

ZION

“Oi, maninho. Estou morta de saudade. Você precisa aparecer por


aqui mais vezes. A felicidade me consome por esses dias, e mesmo sozinha
com o bebê, ainda consigo ser feliz. Roberto só vai conseguir vir no final de
semana, ele está passando por uma situação horrível com a megera (pausa
e suspiro). Venha aqui depois, para que eu possa te contar com detalhes. Se
tudo der certo, vamos fazer um passeio na sexta...”

Interrompo o último áudio que recebi de Lisette, a minha irmã caçula. E


em reação, dando voz a tristeza furiosa que me domina, aperto o celular com
a mesma força com que travo os dentes. Fúria severa me faz ficar cego, e eu
preciso de muito controle mental para não ser um primata. Não quero ser um
monstro na vida de ninguém, apesar da minha dor e da culpa irrestrita de
Isadora.
Eu quis morrer. Juro que quis, quando soube do acidente que acabou
com a vida de minha querida irmã e do meu amigo. Culpei a mim, ao
universo, a Roberto e a esposa mesquinha dele. E, ao me aprofundar na vida
financeira de Roberto, uma ideia me ocorreu. Eu ainda estou entendendo
melhor quem é Isadora, porém o pouco que descobri é que ela não tinha
ninguém a não ser Roberto; essa mulher seria uma completa incapaz em uma
disputa contra mim.

Ela se preocupou demais em gastar os bens do meu amigo, esqueceu de


criar um sustento a longo prazo. Foi fácil planejar tudo em alguns dias e
colocar em prática a trama perfeita, que será o inferno dela. O mesmo
inferno que ela fez na vida daquele homem.

Claro, ela tem leis robustas ao lado dela. Como viúva, Isadora tem
muitos direitos. Mas a minha sorte é que Roberto foi um estupido e deixou
dívidas aos montes justamente com a minha empresa. Eu só tinha que aplicar
um pouco de terror em Isadora, torcer para ela cair e se curvar a mim. E foi
justamente o que aconteceu. Em pânico, ela não me enfrentou ou sequer
contestou a veracidade de minhas ameaças.

Olho o quarto de hóspede que Eloisa me instalou. Assim como toda a


casa, é luxuoso. Essa casa que minha irmã tanto desejou morar com o
filhinho deles. Mas não teve oportunidade por causa da ganância de Isadora.
Com lentidão, tiro minha roupa, encarando meu reflexo no espelho do
quarto e me deparando com as marcas de unhas dela, que salpicam meu
pescoço. Toco de leve e sorrio, decidindo que vou fazê-la pagar por isso
também. Entro no banheiro, para tentar relaxar com água fria.
Eu sei que minha irmã não fez a coisa certa ao se envolver com homem
casado. E eu briguei muito com Roberto por causa disso, até proibi o
romance. Mas logo veio o bebê, e eles queriam ser felizes juntos, criar juntos
o filho, formar uma família.
Minha irmã nasceu quando eu já tinha dez anos, o que me tornou mais
do que o amigo dela, mais do que irmão. Fui o guardião de Lisette. Jamais
havíamos brigado, até o dia em que soube do caso com Roberto. Confesso
que doeu dizer todas aquelas coisas para ela, intransigente quanto a minha
posição, a obrigando a deixar Roberto de lado. Ficamos por longos dois
meses sem conversar.
Até receber uma cópia do ultrassom do bebê, que Roberto me mandou,
e em seguida, ver pessoalmente Lisette feliz exibindo uma barriga de
gestante.
Foi a gota capaz de fazer meu coração de ferro ceder.
Eu mesmo pedi a Roberto a garantia de que honraria minha irmã e se
casaria com ela. Como tínhamos parceria nos negócios, ordenei também que
contasse tudo para a esposa e pedisse o divórcio, mas que desse a ela uma
vida confortável, para que ele, como representante da empresa, não tivesse
esse tipo de problema.
Foi então que eu soube que não seria tão fácil como imaginava. Foi a
primeira vez que tive conhecimento da esposa megera.
Roberto vivia em pé de guerra com a mulher, e esse foi um dos motivos
que o fez encarar um novo relacionamento. Segundo ele, carência provocada
pela solidão matrimonial.
Talvez eu tenha dado pouca importância por não ter acreditado naquele
papinho de Roberto. Mas, conforme eu acompanhava a vida deles com o
bebê que tinha acabado de chegar, passei a entender meu amigo, e agora o
entendo mais ainda ao estar em posse de todos os gastos. A maior parte em
joalherias, para alimentar o ego de Isadora.
Ela costumava fazer compras exorbitantes e mandar o total para
Roberto pagar. A megera o ameaçava se ele não pagasse. Só agora vejo que
ele e minha irmã sempre estiveram certos, acorrentados e sofrendo nas mãos
dela. Isadora fez a mesma coisa logo no dia do funeral, comprando e
mandando a conta para a empresa.

No momento em que recebi as cobranças, a fúria foi terrivelmente


amarga. Eu tinha um pingo de fé de que ela não era essa insensível como
todos pintavam.

Eu quero, eu preciso, desvendá-la. Desnudá-la de suas mentiras para


conhecê-la a fundo, para que só assim meus perversos sentimentos sejam
saciados.
Apoio uma mão na parede enquanto a água fria lava meu corpo.

Ela tentou fugir. Por que ela tentou fugir? E aceitou se submeter a mim
em troca de mais dinheiro. Interesseira. Ela é a personificação de tudo que
eu mais desprezo em uma mulher.
E, infelizmente, há uma questão pior.
O desprezo cresce proporcionalmente à minha atração por ela. Essa é a
pior parte de encarar. Isadora é uma mulher bonita, que sabe usar sua beleza
em prol de ganhos materiais. Com o rostinho meigo, ela consegue facilmente
dobrar qualquer um; menos eu.

Termino o banho ignorando como meu pau está duro, em riste, ao


pensar nela, em seu cheiro adocicado, algo como ameixa e coco, um
perfume sofisticado. Como pode o meu corpo ceder tanto a ela? Esse
sentimento me tira do sério.
Desde antes da morte de Roberto, eu já lutava contra esse desequilíbrio
de sentimentos, saboreando a raiva por sentir atração por uma mulher que eu
deveria desprezar. Lembro bem do dia em que eu a vi pela primeira vez, por
fotos.
— Eu já fui apresentado à megera e não recordo? — indaguei a ele, em
um almoço à beira da piscina na minha casa localizada em outro estado,
onde estava morando oficialmente. Eu me encontrava poucas vezes com
minha irmã, depois de ter me mudado para dar assistência de perto à filial da
empresa Energia e Minério Solaris, recém-aberta em Rondônia.
Minha postura era de puro desinteresse em relação a mulher que estava
fazendo meu amigo e minha irmã sofrerem. As imagens sobre ela que minha
mente criava eram suficientes para abastecer o meu ódio. Sempre pensava
em uma mulher carrancuda, de feições severas e olhar duro.
— Não. — Roberto soprou, cansado. — Creio que não chegou a
conhecer a maldita. Ela, Isadora, detesta estar com meus amigos, detesta
qualquer coisa que venha de mim.
— A não ser o seu dinheiro, não é, amor? — Lisette completou, se
aproximando da mesa, meio curvada e com a mão nas costas por causa da
barriga grande.
— Sim. Só o meu dinheiro. — Ele mexeu no celular e passou para
mim. — Essa é ela. Pode parecer meiga, mas não presta. Eu a resgatei do
bordel e agora estou mergulhado na amargura.
Olhei a foto e meu coração saltou tão depressa, que precisei puxar o ar
com força. Bela não é um adjetivo suficiente para descrevê-la. A maldita
esposa me prendeu com seu olhar quente. Os lábios fechados, mas
levemente curvados insinuando um sorriso, foram capazes de atiçar cada
parte do meu corpo. Não havia batom cobrindo a maciez impressionante,
todavia eram rosados e cheios. Os cabelos escuros, tão bem cuidados, caíam
em cachos pelos ombros, e ao acompanhar os fios até o final, me deparei
com a curva dos seios no decote, o que foi capaz de deixar meu corpo
levemente arrepiado.
— Em... um bordel? — sussurrei, voltando a fitar o rosto de Roberto e
lhe devolvendo o celular.
— Ela usava o corpo por dinheiro. E eu a salvei. — Ele demonstrou
toda a tristeza da situação, e eu podia entender. Um homem casado com uma
mulher tão deslumbrante, mas que não tinha qualquer retorno da parte dela.
Tocou novamente na tela do celular, escolheu outra foto e me mostrou.
Eu pude ver Isadora em sua forma original. Cabelo curto, olhar sedutor,
roupa de stripper, enquanto posava ao lado de duas outras mulheres vestidas
como ela.
— Isso tudo que está vendo são procedimentos estéticos que ela passa
constantemente.
E então eu entendi que aquilo era apenas beleza artificial. Tão feia
quanto seu interior. Ainda assim, me abalou e eu não a tirei mais da cabeça.
***

— Reginaldo.
— Boa noite, Zion.
— Novidades?
Desfilo pelo quarto, já vestido para o jantar, enquanto falo com um
amigo que está chafurdado na vida de Isadora. Eu já me apossei, como um
parasita, da vida dela, mas preciso saber de cada pequeno detalhe, e não
apenas o que Roberto deixou registrado.
— Não muita coisa. Ela quase nunca usava o cartão para grandes
gastos, tudo era enviado para a empresa, como você já sabe. Ao entrevistar o
motorista do casal, ele me disse que Isadora sempre saía sozinha, uma única
vez ele a levou a um hospital particular e em seguida a uma farmácia. Eu
vou depois nesse hospital dar uma olhada.
— Faça isso logo, depressa.
— Descobri de onde ela veio e amanhã vou até a cidade para saber
mais. Ela tem uma mãe viva. Quando voltar, investigarei o hospital. Eu
tenho duas opiniões, que ouvir?
— Manda.
— Será que ela não estava grávida ou tentando uma gravidez e por isso
foi ao hospital?
— Não. — Acaricio a testa e me sento na ponta da cama — Isso, não.
O maior sonho de Roberto era ser pai, e eu estive a par da gravidez de
Isadora. Vi mensagens que ela mandava para meu amigo odiando estar
grávida. Nunca quis ter um bebê. E ele apostava que ela fez algo contra a
própria gestação, já que perderam o bebê.
— Essa mulher é o próprio capeta. Cuidado com ela.
— Sou o próprio demônio, sei lidar com tipos como o dela. Qual sua
outra opinião?

— O fato de ela ir ao hospital corrobora os documentos os documentos


que você analisou no escritório de Roberto. Ela é viciada em procedimentos
estéticos. As contas são altas. Estava todo mês passando por consultas e
tratamentos. Roberto pagava tudo e anotava na agenda pessoal, além de ter
todos os extratos do plano de saúde, como vimos.

— Com certeza é isso. Eu mesmo vou me aprofundar nessa questão.


Essa semana minha mente está um desastre.
— Chame se precisar de algo, amigo.

— Obrigado.
Finalizo a ligação e saio do quarto, indo direto para a sala de jantar.
Eloisa e a servente me esperam e acenam quando entro.
— Eloisa, amanhã, às oito, quero uma reunião com todos os
empregados da casa.
— Sim, senhor.
Abro o guardanapo em meu colo e passo os olhos pela vasta sala
elegante.
— Onde está Isadora?
— Fazendo a mudança do quarto, senhor.
Insatisfeito, jogo o guardanapo na mesa e me levanto. Subo a escada, e
como nunca estive aqui, olho cada uma das portas até encontrar o quarto
principal.
Isadora está ofegante, com os cabelos presos em um coque mal feito,
uma roupa qualquer folgada. Ela segura uma caixa, indo em direção a uma
pilha com outras caixas. Quando me vê, estanca assustada no meio do
quarto.
Vejo uma gota de suor descer do rosto dela. Minha libido me trai
vergonhosamente. Eu, que sempre fui tão seletivo com mulheres, agora
estou quente de tesão por uma golpista fracassada que nesse momento está
desmazelada trabalhando pesado.
Meus olhos passeiam em volta, apreciando com asco o quarto onde por
muito tempo ela fez Roberto sofrer. Amanhã mesmo vou mandar redecorar
tudo. Meu olhar topa com a cama.
— Enquanto meu amigo viajava, você por acaso ganhava dinheiro
aqui? Com outros homens? — questiono, casualmente.
— Me respeita! Eu não admito…!
— Porra! — Massageio as pálpebras — Essa sua postura de querer ser
a santa do pau oco é o que mais me irrita. Eu estaria tão mais contente se
mostrasse a verdadeira face para mim. Uma golpista traiçoeira.
— O que quer aqui? Eu não terminei ainda a mudança.
— Você sabe que horas o jantar é servido? — indago, friamente. Ela
apenas balança a cabeça afirmando. — Fala! — Levanto o tom. — Quero
ouvir sua voz.
— Sim, eu sei.
— E por que caralhos não está lá embaixo, enfiada em um uniforme de
empregada e pronta para me servir?
— Eu... você pediu para eu desocupar o quarto.
— E levou tanto tempo? Ah, Isadora — Dou alguns passos até ela,
diminuindo nossa distância. Ela permanece no mesmo lugar, o olhar raivoso
e assustado ao mesmo tempo. — Você ainda caminha na vida mimada que
Roberto te deu. Isso acabou para você. Uma serviçal faz-tudo como você
precisa aprender a cumprir todas as tarefas em tempo recorde. Quer me
deixar zangado? — Seguro com leveza o queixo dela. Por que, maldição, eu
sou incapaz de ficar tão próximo e não a tocar?
Isadora não responde, apenas me fita, prendendo o ar, cheia de raiva.
— Fala! — Insisto.
— Não. Não quero.
— Então... — Aponto a porta. — Você sabe o caminho.
Ela não contesta, apesar de querer fazer isso. Deixa a caixa junto com
as outras e sai do quarto. Dou uma última olhada no ambiente e vou atrás
dela. Volto a me sentar à mesa, chamando a atenção de Eloisa, que se apressa
em servir a refeição.
— Deixa — ordeno, levantando uma mão. — Isadora vai servir.
— Sim, senhor — Eloisa faz um aceno para a servente, e as duas vão
para a cozinha.
Seis

ISADORA

Encaro o uniforme sobre a cama. Eloisa acabou de trazer, e apesar de


querer fazer algum comentário a respeito, ela não o fez, o que agradeci
silenciosamente. No fundo, sabe que eu estou no fundo do poço, mas não vai
se aliar a mim por medo de perder o emprego.
Eu me sento, desanimada na cama, ao lado do uniforme. Trabalho não é
o problema para mim. Sempre trabalhei, desde os doze anos, ajudando
minha mãe. O maior problema se resume às acusações mentirosas que estão
destruindo minha dignidade e me jogando sem pena numa poça de
humilhação.
O que eu poderia fazer para convencê-lo de que não sou uma golpista e
que Roberto mentiu sobre mim para todos os amigos? Entre a palavra de seu
santo amigo morto e a de uma suposta interesseira, não haverá o que eu
possa dizer para reverter.

Mas posso sim tomar providências. Tem que haver respaldo na lei para
me ajudar. Um advogado é a melhor solução.
Aparentemente meu ex-marido planejou muito bem, deixando provas
palpáveis capazes de ratificar suas palavras mentirosas; como aqueles e-
mails estrategicamente trocados com Zion. Eu me pergunto o que mais ele
pode ter deixado documentado sobre mim.
— Senhora... — Ouço batidas leves na porta. — O jantar precisa ser
servido.
— Já vou, Eloisa.
— Precisa de ajuda?
— Sim, por favor. — Percebo que preciso mesmo de ajuda para vestir o
uniforme.
A porta se abre, e ela entra receosa.
Rapidamente, antes que Zion venha pessoalmente me buscar, retiro
minha roupa e visto a calça e a camisa de botão, ambas de cor vinho. Na
frente, Eloisa amarra um pequeno avental branco e me ajuda com a touca
branca que cobre os cabelos.
Nossos olhares se encontram pelo espelho, e ela os abaixa
imediatamente.
— Estou acabada, Eloisa. Não me chame mais de senhora. Você está
um pouco acima de mim na hierarquia.
— Por que... ele está fazendo isso?
Apenas sorrio para ela, sem qualquer ânimo para explicar. Após calçar
os sapatos baixos e fechados, saio rapidamente do quarto. Zion está à mesa
falando ao celular, e quando me vê, abrevia a ligação.
— Espera. — Ele levanta o dedo indicador, e eu paro. A ironia brilha
em seus olhos quando me admira de cima a baixo satisfeito. — Que cena
deliciosa. Como eu queria que Roby estivesse aqui para apreciar isso. —
Zion tripudia. — A golpista cara dele enfim no lugar onde ela devia estar.
Minha empregadinha. Me sirva.
Engulo toda a mágoa e as lágrimas. Lágrimas de ódio são mais
dolorosas que as de tristeza. O choro de ódio te sufoca, te faz perder a
cabeça, ainda mais se for abafado, como estou fazendo agora. O coração está
pesado, encharcado de dor, rancor e desejo de vingança.
A servente traz a sopeira de porcelana, deixa sobre a mesa e sai quase
correndo. Pego o prato de Zion e, um pouco trêmula, sirvo a sopa de entrada,
colocando o prato à sua frente.
— Cuidado. Se derramar um pingo em mim, você fica sem salário por
um mês.
— Licença — digo, pronta para sair.
— Fica — ordena. — Fica de pé, me esperando comer. E se eu decidir
comer mais? Ou decidir não comer e passar logo para o prato principal?
Aceno, de cabeça baixa, controlando a respiração. Fico de pé, próxima
à parede, enquanto ele degusta a sopa, que está com um aroma delicioso. Só
então lembro que não comi nada o dia todo. Tantos problemas, tantas
reviravoltas, não tive nem chance de pensar em comida. Minha cabeça gira
junto com o estômago. Eu não deveria ficar sem comer.
Ele leva bastante tempo, enrolando, enquanto eu apenas espero. Quando
enfim pede o prato principal, eu agradeço silenciosamente, implorando para
que o suplício termine logo.
A servente leva a sopeira e coloca uma deliciosa carne assada que
cheira melhor ainda. Meu estômago ronca.
Com cuidado, seguro a faca e o garfo de churrasco, sob o olhar crítico
de Zion. Corto finas fatias e sirvo no prato, com purê de ervilhas e molho
agridoce.
— Você ao menos tem bom gosto e sabe montar um prato. — Ele
aprecia o prato enquanto eu volto para a parede, observando-o comer. —
Mais vinho — pede, e eu o sirvo. — Ótimo. — Come com vontade a carne
suculenta.
Enfim chega o momento da sobremesa. Retiro os pratos e talheres e vou
à cozinha buscar a sobremesa. Equilibrando a taça grande em uma bandeja,
chego à sala de jantar. Zion está relaxado, com aquele odioso sorriso na
minha direção.
— Trabalhava com o que antes de enfiar as garras em um milionário?
— questiona, de modo descontraído. Eu me assusto com a pergunta comum,
sem difamação.
— Eu... morava com a minha mãe. — Coloco a taça de sobremesa à
frente dele.
— Ela era a dona do bordel?
— Como é? — Surpresa, fito seus olhos.
— Ou era uma de suas companheiras de prostituição?
Endireito a coluna e cerro os dentes, trincados de raiva.
— Eu não vou admitir...
— Tudo bem. — Zion me corta, rindo. — Não precisa fazer esse papel,
se fingindo de ofendida. Pelo menos não para mim. Roberto já tinha me
contado sua história, que ele resgatou você de um prostíbulo.
— Ele... disse isso?
Zion enfia a colher no creme e prova, em seguida balança a colher para
mim.
— Sabe que eu fico curioso? Porque para uma jovem mulher da vida
conseguir seduzir e manipular o Roby a ponto de se casarem, ela deve ser
muito boa no que faz. Essa sua boquinha petulante deve fazer maravilhas,
hein? — Antes de eu retrucar, ele abana a mão para mim. — Pode sair.
Eu fico cega. Porra, o ódio enfim me cega, me consumindo, e eu deixo
a fúria falar mais alto.
— Seu filho da puta! — Zion se assusta com meu berro, e antes que
possa me impedir, agarro a taça com sobremesa, que é vermelha e branca, e
derramo nele, sujando completamente sua camisa branca. Em seguida, atiro
a taça no chão, espatifando-a. Ele pula da cadeira e fica de pé. — Você quer
a porra de uma vigarista? Pois eu serei. — Encaro a sua mandíbula dura,
Zion está parado me fitando sem piscar, tenso. — Você vai me respeitar, nem
que eu tenha que cortar sua garganta e passar os próximos vinte anos presa.
— Dou a volta à mesa e saio correndo da sala, subindo a escada.
Bato a porta do quarto e a fecho com a chave. Com a respiração
vacilante, a ponto de ter o coração pulando pela boca, ando pelo quarto.
Droga! Droga!
Eu perdi a cabeça. Eu deveria ter engolido o insulto e ido para a
cozinha. Em pânico, arranco a touca da cabeça e começo a tirar o uniforme
de empregada. Eu não tenho a quem recorrer, e isso faz minha aflição piorar.
Abaixo a calça e quase dou um grito de susto ao ouvir batidas altas na
porta, provavelmente provocadas por um punho forte. Termino de tirar a
roupa e visto um vestido solto.
— Abra a porta, Isadora.
— Vá embora! Me deixe em paz. — Coloco as mãos nos ouvidos.
— Abra a maldita porta! — o grito de Zion, junto com as batidas, me
causam calafrios.
— Você já teve tudo de mim. — Começo a chorar de medo. — Eu não
sou ninguém, me deixe em paz.
— Eu vou te dar uma chance para que abra a porta e me peça desculpas.
— Ele tenta manter a voz mansa, o que é uma falsidade. Sei que está
fervendo de raiva.
Eu me sento na cama, as mãos enfiadas nos cabelos, só esperando o
pior. Já estou no inferno, daqui não tem mais para onde descer.
As batidas cessam, e eu sei que ele foi buscar uma chave reserva ou
algo assim. Preciso agir com esperteza, preciso ser rápida. Posso sair daqui e
tentar fugir da casa, e uma vez lá fora, na rua, eu me viro. Visto um casaco,
pego minha bolsa e abro a porta devagar, espio o corredor silencioso, mas
antes de ter qualquer reação, uma mão grande segura a porta e a empurra.
O maldito estava ali, o tempo todo.
Zion sorri feito o diabo. Em seus olhos espelham a prepotência e me
deixam entrever tudo que pode fazer comigo sem que ninguém saiba ou se
importe. Como eu disse, sou uma ninguém.
— Zion... me desculpe.
— Xiu. — ele sussurra. — Não diga nada. — Ele se aproxima de mim e
segura na minha bolsa. — Solta — pede suavemente.
Eu solto a bolsa, fitando-o de olhos saltados. Ele joga a bolsa na cama,
tira o casaco dos meus ombros e puxa meu braço, me virando de costas para
ele. Sinto meu corpo pressionado ao poder de rocha que é ele.
— Sim, eu quero uma vigarista. É mais gostoso brincar com você
quando não está tentando fingir que é uma santinha. — Aperta meu braço
contra minhas costas.

— Me larga. — Me viro bruscamente escapando do aperto dele,


deixando-o surpreso. — Você não pode tocar em mim, você não pode
invadir o meu espaço, você é a porra de um empregador. NADA. MAIS.

De forma nenhuma eu ia ser a pobre coitada indefesa. Estou morrendo


de medo, mas caio lutando.

— E você pode derramar sobremesa em mim e me ameaçar?

— Não gostou? — Dou de ombros — Me demita...!

Inesperadamente, Zion voa para cima de mim e como é grande, me


prende facilmente nos seus braços. E para meu horror, me joga sobre seu
ombro, segurando em minhas pernas e minha bunda, não importando o
quanto eu bata nele e grite para me soltar.
Como ele dá indícios de que não vai me colocar no chão, decido
cooperar. Ele não seria tão louco de fazer nada grave comigo. Tem
empregados aqui como testemunhas. Não é possível que ele possa chegar a
esse ponto. Apesar que, pensando bem, os empregados são uns zeros à
esquerda. Quem será o louco de enfrentar um bilionário poderoso?
Cada passada é como se meus pulmões fossem explodir. A vontade de
chorar e de gritar é tão forte quanto a ânsia de vômito.

Passamos pela cozinha e sei que as funcionárias estão petrificadas


assistindo a cena, vendo-o me carregar como se fosse um saco de batatas.
— Se alguém vier atrás, será demitido — ele ordena friamente
passando por elas e chegando à área externa. Atravessamos a extensa
piscina, e ele empurra uma porta corrediça. É a lavanderia.
Só então me solta.
Eu me afasto rapidamente, mantendo distância de Zion. Estamos
sozinhos em um lugar isolado da casa. Já notei que esse homem, além de ser
muito maior que eu, tem uma força descomunal. Eu não seria páreo para ele
nem se tentasse.
Cooperar é a única saída.
Zion começa a desabotoar a camisa bem à minha frente, sem deixar de
me encarar. Tira-a com cuidado, revelando um corpo tão perfeito, que me faz
querer virar o rosto para não cair na decadência de achar bonito.
Os bíceps, mesmo relaxados, são grandes e bem definidos, assim como
o torso, que tem uma aparência firme, dura, na verdade; posso até imaginar
que seja pedra coberta de pele. Um fodido homem de pedra. E o que mais
me chama atenção é o peitoral largo, mas não liso. Há uma fina e charmosa
camada de pelos.
As mãos do homem percorrem o cinto, e ele retira sem muita pressa,
para em seguida descer a calça, ficando apenas de cueca boxer bem na
minha frente. E o meu ódio cresce por ele, afinal, o homem que mais odeio
nesse momento não parece ter defeitos. Até o volume na cueca é enorme.
— Você vai lavar a minha roupa, agora — comanda mansamente e joga
a calça e a camisa aos meus pés. — Eu tenho outras dezenas para vestir, ou
posso nem vestir nada. Mas eu preciso te ensinar a agir como um ser
humano e não como um animal.
Mesmo revoltada, abaixo e pego a roupa dele, ignorando o perfume
caro impregnado nas peças.
— Só sai daqui quando a roupa estiver seca e passada. Em seguida, tem
que entregar no meu quarto e limpar a bagunça que fez na sala de jantar. —
Ele dá as costas e caminha para a porta, mas para e se vira para mim. — Ah!
Eu acordo às seis, e quero meu café servido às sete. Se você não estiver à
mesa, serei obrigado a tomar providências.

Confesso que não sei usar a máquina de lavar nem a secadora. Mas sei
lavar uma roupa como ninguém. Era assim que minha mãe sobrevivia,
lavando roupa para fora, e eu a ajudava. E foi assim que conheci Roberto, na
beira do rio, ajudando minha mãe.
Enquanto passo um produto na camisa branca para tirar a mancha, as
lágrimas escorrem na face. Não por causa de Zion e sua loucura, mas pela
traição de Roberto.
O homem que eu dediquei metade da minha vida não só me traiu, como
acabou com a minha vida. E dói mais porque eu não esperava esse ataque
vindo justo dele. Roberto não deu sinais de que poderia me detestar,
estávamos bem, rindo durante as refeições, dormindo juntos, planejando
outro bebê...
O homem que me arrancou do meu seio familiar, me fez promessas
grandiosas e acabou com o fino laço que eu tinha com minha mãe. Ela
jamais concordou que eu saísse de lá com um homem milionário. Ela
preferia me ver pobre, mas honrada, já que o único falatório na cidadezinha
foi que eu seduzi um homem rico.
Não vou mentir. Eu era nova, no auge dos dezessete anos, e o dinheiro
de Roberto me deslumbrou. Todas as coisas caras que ele me mostrou
contribuíram para que eu aceitasse entregar a ele meu coração e minha
virgindade.
Após o produto fazer efeito na camisa, eu lavo na mão, tirando toda a
mancha da sobremesa vermelha. Passo na água com amaciante e torço com
cuidado, deixando de lado enquanto lavo a calça, que é mais fácil. Na
etiqueta diz: Armani. E eu penso que não terei dinheiro para pagar uma calça
assim caso a danifique.
Pelo pouco que conheço do maldito, ele ficaria feliz em me cobrar.
Termino de lavar a calça, e como não sei mexer na máquina que lava e
seca, penduro as roupas em um varal improvisado. Não vão secar tão cedo.
Nesse momento é que percebo que a fome aperta, me deixando quase tonta.
Mas como se lesse meus pensamentos, a porta abre, e Eloisa surge
amedrontada.
— Senhora...
— Eloisa. Você precisa sair daqui.
Ela entra e fecha a porta.
— Eu não podia dormir sem saber o que ele fez com a senhora. Fiquei
muito preocupada. Ele mandou dar toda a comida para os seguranças, mas
eu tirei a sua e deixei separado.
— Obrigada. — Começo a chorar encolhida, com o antebraço nos
olhos, e ela vem rápido ao meu encontro, me abraçando.
— Quem é esse homem, dona Isadora? Por que ele está fazendo isso?
Eu me afasto dela, limpando as lágrimas.
— Amigo de Roberto. Meu marido inventou coisas absurdas sobre
mim, e todos acham que ele morreu por minha causa. Zion é dono de tudo
que era de Roberto, e ele acha que eu sou uma golpista que tentou acabar
com o amigo dele. Roberto disse que sempre quis o divórcio, mas eu me
recusava, ameaçando-o, e isso é mentira. Nunca falamos sobre divórcio.
— Ah, meu Deus! Mas... eu posso dizer ao senhor Zion que a senhora
não fez nada disso.
— Não adianta, Eloisa. Você tem que preservar seu emprego. Ele não
quer me ouvir. Roberto deixou documentos, documentos mentirosos. Zion
tirou tudo que eu tinha, até o último centavo. Nem fugir eu posso.
— Eu sinto muito — ela sussurra dolorosamente, também sem qualquer
alternativa para me ajudar.
— Você precisa ir. Seu trabalho é precioso. Pode me deixar aqui.
— Ele trouxe a senhora aqui para quê? — Passa os olhos em volta,
intrigada.
— Lavar a roupa dele que sujei. — Indico a roupa torta pendurada em
um cordão de náilon. — Preciso entregar seca e passada.
— Deixa comigo. — Ela se apressa em ligar a máquina na função
“secar”, joga as roupas dentro e me explica como devo fazer quando acabar.
Em seguida, me explica como usar o ferro de passar e sai rápido para me
esperar na cozinha.
O tempo corre, eu espero ali, do lado, olhando para a máquina, até ela
dar o sinal de que está pronto. Tiro as roupas secas de dentro e fico feliz de
estarem cheirosas, por eu ter usado um pouco de amaciante. Com cuidado,
passo a camisa e dobro o mais caprichado possível.
Sorrio feliz quando concluo a tarefa. Mal posso esperar para jantar
logo.

Vacilante, bato na porta do quarto de Zion, e ele abre, agora usando um


robe preto aberto e apenas a cueca boxer de antes. Olha para as peças de
roupa na minha mão e se afasta para que eu possa entrar.
— Abra-as na cama — ordena. E eu ouço o som da porta se fechado.
Engulo em seco.
Faço o que ele pede e abro as roupas na cama.
Ele se aproxima, analisa com cuidado e cheira cada uma delas. O quarto
está muito organizado. Ele não é um homem desmazelado que joga meias
pelo chão e deixa a toalha molhada na cama. A televisão está ligada, e há
uma garrafa de vinho e um charuto aceso no cinzeiro.
— Arrume-as no armário — diz, e eu faço sem contestar. Ele está
instalado em um quarto de hóspedes por enquanto, por isso não há um
closet. Arrumo as peças no armário, junto com as outras roupas. Eu me viro
e tomo um susto ao deparar com Zion bem pertinho. Estudo seu corpo por
milésimos de segundos e volto a fitar seus olhos.
Ele está tão perto, que levanta a mão e consegue tocar em meu rosto,
sem esforço.
— Posso ir?

— Venha aqui — Ele afasta de mim e se senta na poltrona. Indica a


outra para eu me sentar. O temor e raiva me sufocam, mas faço o que ele
pede. Me sento na outra poltrona. O robe que ele usa se abre totalmente e ele
abre as pernas ficando relaxado. Parece um deus grego ultra sexy repousado
em seu trono.

— Eu quero ter uma conversa sincera com você. Pode ser?

De repente, sinto uma pontada de esperança. Talvez ele vá tentar me


ouvir. Mesmo relutante, balanço a cabeça concordando.

— Sem tentar fingir alguém que você não é. Lembre-se que já conheço
a verdadeira Isadora.

Não respondo, apenas aperto os lábios.

— Com o que você gastou todo o dinheiro que Roberto pegou nos
cofres da empresa e o que fez com todas as joias que ele comprava?

— Esse assunto novamente?

— Eu vou descobrir, e claro, vou acionar a polícia. Mas se me disser, se


falar para onde transferiu e como planejava fugir hoje mais cedo, eu juro que
não coloco seu nome na denúncia. Você vai continuar trabalhando aqui,
como empregada, e tudo fica bem.

— Eu não peguei...

Ele recosta na poltrona, me fitando e pega o charuto.

— Foi estranho porque você dispensou essa casa sem que ninguém te
expulsasse, o que difere de sua reação mais cedo na leitura do testamento,
quando estava brigando por um lar e por sua parte na herança. Onde está o
dinheiro, Isadora?

Me calo, diante do olhar inquisidor dele. Além de que estar aqui no


quarto com ele seminu, me intimida mais do que antes no escritório.

— Você tem noção do mal que você fez com um bebê que ficou sem
pai e mãe, pois você impediu de Roberto ser feliz com a mulher que ele
escolheu?

Isso me atinge mais do que uma facada. Engulo a mágoa e abaixo a


cabeça.

— E tem noção de que é por isso que estou aqui para cobrar de você?
Para que saiba que não pode fazer o que bem entender e sair por cima?

Fico de pé sem que ele mande.

— Posso ir?

— Veja isso. — ele pega o celular e estende para mim. Com a mão
trêmula, seguro o aparelho e tampo a boca com a mão quando vejo Roberto
ao lado de uma jovem loira que está com uma barriga enorme de gestante. E
ela pergunta:

“O que você deseja, meu amor?”

Rindo para a câmera, ele diz:

“Ser livre para ser feliz ao seu lado, querida.”

Ver o meu marido assim, tão feliz, com outra mulher, simplesmente
acaba comigo. É como se minha ficha enfim tivesse caído.

Devolvo o celular para Zion e caminho para a porta.

— Vou te dar um tempo para pensar, Isadora. Mas eu vou extrair todas
as respostas de você.
Sem olhar para trás, corro pelo corredor atormentada de vários
sentimentos que me bombardeiam absurdamente.
Sete

ISADORA

Já desocupei a suíte principal. Agora, durmo em um outro quarto no


mesmo corredor. E agradeço por Zion estar longe, em outra ala da mansão.
Ontem, após sair do quarto dele, consegui enfim me sentar diante de um
prato de comida quente, mas não pareceu tão apetitoso como eu esperava. As
palavras dele tiveram o poder de acabar com meu apetite.

O choro estava preso na garganta, mas me mantive forte. Roberto e


Zion não mereciam minhas lágrimas.
Tomei um banho e deitei encolhida debaixo do lençol, com a lembrança
do vídeo ainda me chicoteando cruelmente.

Enfim eu superei o choque inicial das circunstâncias absurdas: a morte


de Roberto e a chegada de Zion e suas acusações. Estou digerindo que essa é
minha mais nova realidade. O mais importante para uma luta é aceitar a sua
situação diante do rival.
Agora a única coisa que me move é pensar em uma maneira de fugir, de
escapar do poço onde me encontro. Talvez Roberto tenha achado que eu era
a donzela mimada que ele criou. Só esqueceu que eu nasci na beira do rio,
criada com os pés no chão e cabelos ao vento. Sou mais forte do que os
olhos alheios podem ver.

Antes de dormir, liguei para a única pessoa que não tinha me tratado
como lixo, Ursula, madrasta de Roberto. Acho que ele esqueceu de
contaminá-la com as mentiras.

Por telefone, contei a ela brevemente o que está acontecendo. Que estão
me acusando de ter roubado, junto com Roberto, a empresa. Além de que
estão dizendo que ele morreu aprisionado em uma teia de mentiras e
interesses financeiros tecida por mim.

Ursula ficou horrorizada com o que ouviu e para que ela não colocasse
tudo a perder, não contei que Zion está aqui me pressionando.

— Querida, para distrair do luto de Roberto, eu viajei. Estou em Paris.


Mas vou fazer uns contatos e mandar um advogado até você, para ajudá-la.
Não vai ficar desamparada.

Ouvir isso dela me acalentou confortavelmente e eu consegui dormir. O


cansaço emocional teve o mesmo efeito que um calmante.

Eloisa bate em minha porta às seis em ponto. Eu pedi que ela me


chamasse, afinal estou desacostumada a acordar cedo e seria bem capaz de
perder a hora. A preguiça me domina, a vontade de dormir mais um pouco
quase vence. Porém, sento na cama, como se tivesse dormido apenas dez
minutos, quando na verdade foram sete horas seguidas.
Tomo uma ducha gelada para despertar, arrumo os cabelos presos em
um coque e ponho a touca de pano por cima. Passo protetor solar, a
recomendação é usar mesmo ficando em casa; e ao olhar no espelho,
agradeço silenciosamente por não ter manchas avermelhadas na pele,
derivadas do lúpus.
Visto o uniforme de cor vinho. Respiro fundo, e até consigo dar um
sorriso para mim mesma no espelho. Prometo que as lágrimas acabaram.
Roberto e sua amante não vão vencer, muito menos esse imbecil que entrou
em minha vida. As lágrimas são preciosas demais, eles não as merecem.
Saio do quarto, indo direto para a cozinha. Na sala de jantar, Eloisa
prepara a mesa para o café.
Tomo meus medicamentos da manhã, corticoide, na companhia de
imunossupressores, para manter minha imunidade sempre baixa, já que o
lúpus é uma doença autoimune em que o próprio sistema imunológico ataca
o organismo.
— Bom dia — cumprimento as mulheres e me sento ao balcão.
— Quer que eu prepare ovos mexidos, senhora? — Ouço Eloisa atrás
de mim.
— Ela pode preparar os próprios ovos, Eloisa. — Ouço a voz grossa
antes que eu possa responder e me viro, dando de cara com Zion pegando
água para beber.
Ele usa apenas um short curto de ginástica, que marca explicitamente
suas coxas e dá destaque ao volume na frente. O peito nu está lavado de
suor, e enquanto observo vejo uma camiseta jogada no ombro.
Provavelmente ele estava usando a academia de Roberto ou correndo pela
extensão posterior da mansão, onde fica um pomar e a quadra de tênis.
— Além do mais, Isadora não é senhora de nada aqui.
— Ah... sim, senhor. — Eloisa gagueja. — Deseja algo específico para
o desjejum, senhor Zion?
Ele termina a água e nem olha para Eloisa, seus olhos zombeteiros
estão sobre mim, contemplando meu uniforme.
— Alguma sugestão, Isadora?
— Eu não sei do que você gosta, Zion.
O maldito sorri e limpa os lábios com o polegar.
— É... talvez não saiba... ainda. Desço às sete. Quero ovos pochê.
Ele sai, e nós quatro ficamos olhando para a porta, até ouvir o som de
uma porta se fechando ao longe.
— Uau! — Odete, a cozinheira resmunga voltando ao fogão. — O novo
patrão não é de se jogar fora.
— Odete! — Eloisa reclama, e eu rio junto com Regina, a servente.
— E estou mentindo? O seu Roberto, que Deus o tenha, não era um
terço no quesito gostosura. Esse tal de Zion, o que tem de ruim tem de
gostoso.
— Por Deus, Odete! — Eloisa volta a repreender, agora em tom
contundente.
— Ai, meu Deus, desculpe dona Isadora.
— Tudo bem. — Dispenso a desculpa dela com um aceno. — Você está
certa. Roberto não tinha foco algum em cultivar um corpo como esse. —
Aponto com o polegar para a porta atrás de mim, falando sobre Zion.
— Seu marido devia escutar o que você diz, Odete. — Eloisa fala para
Odete, que trabalha aqui há muito tempo e mora junto ao marido em uma
casa nos fundos da propriedade. Ele era o jardineiro de confiança de
Roberto. Ambos já estão chegando aos sessenta anos, mas dizem que não
querem aposentar. Afinal, aqui eles têm emprego e casa.
Eu mesma contratei Eloisa. A outra governanta era sisuda demais, e a
gente não se conectou. Eloisa é uma solteirona que sustenta a casa com
irmãos e mãe doente em outra cidade. Assim como Odete, Eloisa diz que
esse é o serviço perfeito, afinal ela tem emprego e onde morar em uma
cidade que para ela é hostil.
Finalizo meu café com calma, observando que ainda tenho quinze
minutos antes de servir a mesa. Estou comendo bem ultimamente. Gosto de
comer frutas para abrir o apetite e alguma proteína logo depois, com café.
— A senhora não serve para ser empregada, não, dona Isadora —
Regina diz me observando comer. — Olha a elegância que se senta no
banquinho e como usa os talheres.
Rio do que ela fala.
— Pode não parecer, Regina, mas quando cheguei nessa cidade, eu era
quase um bicho do mato. Venho de um lugar bem pequeno, amava subir nas
mangueiras para tirar manga. Tomava banho de cachoeira, cortava lenha
para o fogão. Éramos minha mãe e eu apenas, e trabalhávamos duro.
— Não imagino nunca uma coisa dessas.
O interfone dos hóspedes na cozinha toca, e Eloisa corre para atender
imediatamente. Em seguida, me olha estatelada.
— É o senhor Zion. Ele solicita sua presença agora no quarto. Disse
para levar produtos de limpeza.
Porra, o que esse homem está aprontando?
Reviro os olhos. Sem querer cogitar o que ele vai aprontar agora,
apenas levanto e recebo o carrinho de limpeza que Eloisa traz para mim,
como em um hotel. Zion está temporariamente na parte de baixo da mansão,
então empurro o carrinho até a porta dele. Mal dou um toque, e ela abre.
Está só de toalha. Os cabelos molhados e gotas de água nos ombros.
Prendo o ar, sem querer parecer abalada, mas tenho certeza de que ele
percebe minhas pupilas saltando.
— Seca o banheiro e arrume a cama.
— A Eloisa faz isso todos dias às...
— Você vai fazer isso a partir de agora. Troque os lençóis e seque o
banheiro. Já! — ordena em tom bruto.
Não contesto. Até rio em pensamento. Ele não tem mais qualquer poder
sobre minhas emoções. Já me abalou o suficiente para que eu possa criar um
sistema de defesa.
Zion faz questão de ficar na porta do banheiro enquanto seco cada
cantinho de maneira eficiente. Arrumo a pia onde ele acabou de aparar a
barba, seco tudo com afinco, ignorando vários pacotes de preservativos em
cima da bancada.
Ok, bonitão. Já entendi que você é fodão comedor.
Borrifo produto de limpeza no espelho e fico na ponta dos pés para
limpar. Pelo reflexo, o vejo me observando, ainda só de toalha.
Passo por ele, saindo do banheiro, descarto as luvas de borracha e pego
os lençóis novos que pedi a Eloisa um pouco antes e ela já os trouxe.
Tiro os lençóis da cama, e o cheiro de Zion vem todo em mim. Algo
suave e masculino, com toque de riqueza.
Sem qualquer pudor, ele retira a toalha e caminha pelado para o
armário, eu vejo a bunda, mas me viro rapidamente com o rosto ardendo de
vergonha. É uma atitude que eu não esperava, e sei que ele fez só para
provocar.
E, maldição! Fiquei tentada a olhar novamente.
Zion começa a se vestir, enquanto eu arrumo a cama, trocando as
fronhas, os lençóis e, por fim, um edredom.
Embolo a roupa de cama usada, coloco debaixo do braço e só nesse
momento posso enfim encará-lo. Já vestiu calça e camisa.
— Precisa de algo mais? — indago, solícita.
— Espere ao lado da mesa quando eu descer.
Assinto, caminho para a porta, mas paro e volto.
— O seu plano é esse? — Rio, saboreando uma boa dose de deboche.
— Tentar me humilhar com serviços domésticos?
Ele não responde. Calado, me fita.
— É mais idiota do que eu imaginei. Não sei o que você acha que sabe
sobre mim, mas com certeza só sabe mentiras. Isso aqui — aponto para o
carrinho — não me ofende, só me fortalece. Roberto não era incompetente
só na cama, mas também para tentar queimar minha imagem. Espero que ele
esteja queimando muito no inferno. — Beijo minha mão e sopro para Zion,
que está fixado em mim, com belas feições de ódio.

∞∞∞

— Para o escritório, agora — ele ordena quando aparece arrumado na


sala de refeições, e não me resta alternativa a não ser segui-lo. Fecho a porta
atrás de mim, mas escolho ficar de pé. Ele empurra um papel na mesa, me
obrigando a me aproximar e ver do que se trata. — O contrato de prestação
de serviços.
— Eu preciso de tempo para analisar.
— Leia agora. E assine.

— Não. Eu vou ter ajuda. — Como se acabasse de dar um xeque-mate,


miro os olhos rudes dele. Nesse momento, como um sinal divino, ouço o
interfone. Aponto o dedo para cima indicando o som que acabamos de ouvir,
denotando a minha vitória diante da expressão surpresa dele. — Parece que
ele chegou.

— Ele quem, Isadora?

Não respondo. Quem responde é Eloisa que bate na porta do escritório


e espia.

— Senhora... digo, Isadora, tem uma pessoa querendo te ver. Disse que
é o advogado.

Com um sorriso vitorio, miro Zion com satisfação.

— Mande-o entrar, Eloisa. — Digo a ela sem desviar dos olhos bravos
de Zion. — Me dê licença. — Digo a ele e saio do escritório.

Espero a pessoa na sala de visitas e quando entra, quase me decepciono.


Esperava um homem a altura de Zion para colocar medo nele, mas o que
vejo é um jovem rapaz. Ele parece acanhado e sorri para mim, não
escondendo a surpresa de ver o meu uniforme.

Antes que se confunda, me apresento.

— Sou Isadora Agostini.

— Oi, Isadora. — Seu sorriso, apesar de um pouco mais aliviado, ainda


é tenso. Sou Eduardo Kazzan. A dona Ursula solicitou os serviços imediatos
de Samuel Campos de Orzini. Infelizmente ele não se encontra na cidade e
me pediu para vir aqui imediatamente.

— Orzini? — Zion entra na sala, andando calmamente, com as mãos


nos bolsos. — Conheço bastante. Trabalha para ele, rapaz?
— Sou assessor principal, senhor. Poderiam me dizer em que o
escritório D’Orzini pode servi-los?

Quase solto um lamento. Quando penso que ia escapar, o universo dá


uma cartada debochada. Espero que o tal Samuel tome conhecimento do
caso o quanto antes e me ajude.

— Sente-se, por favor. — Ele se senta ao meu comando e eu ocupo o


outro sofá a sua frente. Zion recosta o ombro no batente da porta e sorri de
lábios fechados, pronto para apreciar a minha tentativa de contragolpe.
Rapidamente conto para Eduardo sobre o que está acontecendo, sobre me
empurrarem uma culpa que eu não tenho, e que segundo a lei, sou uma
herdeira legítima de Roberto.

— É um caso complicado, dona Isadora. — Ele diz pensativo. — Mas


não impossível. Primeiramente que quem acusa precisa ter provas, e copias
de e-mails não servem de provas definitivas para culpar uma pessoa. —
Eduardo dá um sorrisinho, mas para quando vê a carranca de Zion — Você
não pode ser forçada a trabalhar para o senhor Zion, para pagar uma dívida
que tecnicamente não foi sua. Além do mais, não podem te expulsar dessa
casa, a viúva tem direito à moradia. Podemos sim tentar reverter a
negociação dessa casa.

— Tem razão, Eduardo. — Zion diz me surpreendendo. — Vamos


resolver isso de uma vez por todas. Vamos ao meu escritório para eu mostrar
toda a documentação que tenho a respeito desse caso, e você poderá analisar
com cuidado.

— Ótimo. — Ele se levanta prontamente sorrindo, quase aliviado, os


olhos até brilham — Assim fica muito mais fácil, senhor Zion.

Aturdida, me levanto também para segui-los, mas cordialmente, Zion


me fita.

— Isadora, você tem que participar dessa reunião, é do seu interesse,


mas poderia apenas pedir a Eloisa que nos sirva algo, gelado? Por favor. —
Ele pede tão calmamente e quase amavelmente, mas seus olhos não dizem a
mesma coisa. Paralisada, trocamos um olhar por segundos. Ele sorri
agradecendo, abraça o ombro do rapaz e o leva em direção ao escritório.

Corro o mais rápido que posso até a cozinha, peço a Eloisa que nos
sirva algo e volto correndo para o escritório. Não demoro trinta segundos, no
entanto, a porta já está fechada. Eu sabia! Zion está acabando com o rapaz,
posso ouvir sua voz alterada.

— Zion, abra essa porta. — Bato com força. Ninguém responde. E


depois de quase um minuto, a porta se abre e Eduardo aparece de olhos
saltados.

Zion está com o quadril recostado na mesa, me fitando com um sorriso


vencedor.

— Eduardo... — sussurro.

— Eu preciso ir, dona Isadora. Eu sinto muito.

— Como assim? — Seguro-o. — Eu vou fazer uma denúncia a seu


chefe! Vou falar com dona Ursula, você veio para me ajudar, porra.

— Eu sinto muito. — ele sacode o braço se soltando e sai correndo sem


olhar para trás.

— Seu maldito! — Grito e entro no escritório feito uma fera. Voo para
cima de Zion, mas ele me segura morrendo de felicidade cruel. — O que
você fez?

— Eu só precisei fazer um telefonema para meu conhecido Samuel


Orzini, na frente do rapaz, e ele mandou o pobre coitado ir embora daqui. —
Zion segura minhas mãos atrás nas minhas costas e mantém meu corpo bem
perto. — Você não vai escapar fácil, Isadora. É minha, e ponto final.

— Me larga. Tenho nojo de você.

— E preste atenção no que eu vou falar — ele me solta e eu me afasto


rapidamente. — Se colocar Ursula nisso novamente, eu vou ter que mandar
para ela as cópias de todos os e-mails que Roberto me mandava, sofrendo.
Acha que ela vai ficar feliz ao descobrir tudo que você fez?

— Eu não fiz nada! — berro na cara dele. — eu não fiz nada, porra.

— Tudo bem. A gente acredita no que nos faz bem. — Dá a volta a


mesa, se senta na cadeira e empurra para mim o contrato de trabalho. —
Somos só nós de novo, anjo mau. Assine.

— Você não pode me obrigar a trabalhar para pagar uma dívida que não
é minha. Ouviu o advogado.

— Sim, mas não estou obrigando. Isso é uma negociação em que as


duas partes vão sair ganhando. Eu terei você como minha empregada, e você
terá a minha proteção, juro que não incluirei seu nome em qualquer
investigação de desvio de dinheiro. E por falar em dinheiro, é um bom
pagamento e você gosta de grana. Assine, Isadora.
Prendo o ar, já sem qualquer força de brigar. Eu me concentro e
começo a ler, de pé, sob o olhar inquisidor do homem de pedra.
Evito qualquer troca de olhar. Não quero ter qualquer tipo de interação
com ele que não seja profissional.
Leio tudo com atenção. Releio alguns tópicos, não deixando passar
nada. Levo em torno de trinta minutos, lendo e relendo.
Não parece ter pegadinhas. É um contrato de serviço em que terei de
dispor de meios de trabalho do tipo auxiliar de serviços gerais e domésticos
exclusivamente para a mansão. O que parece bom. Ele não pode tentar me
fazer trabalhar em outro lugar.
O salário também está especificado, mas diz que o empregador, no
caso, Zion, poderá descontar valores nos seguintes casos:
● Recusar-se a realizar uma ordem do empregador que
envolva as tarefas contratadas;
● Danificar a propriedade do empregador;
● Fazer refeições fora do horário dos empregados;
● Atrasar-se para algum compromisso que faça o empregador
perder tempo.

Pensei bastante nesses tópicos enquanto relia as outras cláusulas.


Não acho que aqui possa ter alguma brecha para que ele use contra
mim. Basta andar na linha para não ter com o que me preocupar.
Enquanto presto serviços ao senhor Zion, terei, por obrigação, de
residir nesse endereço. Afinal, não se sabe quando ele vai precisar. Ele
me quer aqui, na casa, é claro. E gosto dessa opção, afinal não
precisarei de aluguel e transporte.
Sem titubear, assino as duas vias e entrego a ele. Zion também
assina e guarda.
— Pode voltar a seus afazeres.
Apesar de ter certeza, estou apreensiva quando volto para a sala de
jantar, me perguntando se fiz uma grande merda em aceitar as
imposições do demônio. Não há o que ele possa fazer de tão ruim com
um contrato de trabalho que poderá me proteger também. Ele é meu
patrão a partir de agora e não poderá fazer nada que seja considerado
abuso.
Fico de prontidão para servir o café da manhã. Faço isso assim que
Zion chega, mas, graças a Deus, ele recebe uma ligação e não me amola
muito. Zion é breve no desjejum e mal me olha enquanto come, na
costumeira elegância rude.
— Vou receber um amigo na sala principal. Fique atenta caso eu
precise. — Joga o guardanapo na mesa e sai.
Vá se foder!, penso, girando nos calcanhares e voltando para a
cozinha, onde posso enfim relaxar os músculos e nervos.
Oito

ZION

Sentado na cadeira que era do meu amigo e tendo meus


pensamentos ruidosos como companhia, pego o celular, entro no
aplicativo de mensagens e toco no nome da minha irmã. Com o
indicador, pairo sob a tela, encarando o áudio que ela mandou. Suas
últimas palavras.
Desisto de ouvi-lo mais uma vez e me levanto de supetão da
cadeira, dando um empurrão na mesa.
Inferno!
Passei a noite em claro, remoendo minha realidade de merda.
Sempre fui um homem decidido, perspicaz e severo com o que ocorre à
minha volta. Não havia espaço para qualquer comodismo, frivolidades
não faziam parte do meu cotidiano sempre tão bem orquestrado. Meu
cronograma era mais importante que qualquer laço familiar, e por isso a
morte de minha irmã pesa tanto.
Eu decidi mudar de estado, me afastando dela. Eu escolhi a
empresa em detrimento à Lisette; não estava por perto quando ela mais
precisou.
Eu não estava por perto quando nosso pai precisou.
Era algo que Lisette sempre me criticava, falava que eu não tinha
uma vida relaxante, não aproveitava os momentos de lazer que o
dinheiro podia me proporcionar.
Eu nasci para ser um líder, então não podia ter contratempos
frívolos, como uma tarde em um parque ou uma manhã na praia. No
entanto, agora, no auge de meu amargor, juro que se ela estivesse aqui
eu abandonaria tudo e a acompanharia em qualquer um de seus hobbies
extravagantes, desde shows a jantares sofisticados. Eu não me resumiria
a um homem fechado e concentrado nos negócios.
No entanto, há uma pequena fagulha esquentando meu coração de
gelo. Vingança traz emoção, vingança traz vigor. Meus dias não estão
totalmente perdidos. Estou gastando tempo com algo necessário, que
me distrai e dá mais prazer que uma compra milionária de alguma
refinaria.
Acabar com Isadora aos poucos alimenta a minha raiva e supre a
minha dor. Eu não sabia que vingança era algo tão bom de apreciar até
eu me deparar com o olhar de pânico da megera.

No entanto, o medo dela me tornou forte, e eu gostei daquela


sensação de poder sobre ela. O medo dela aplacou um pouco da dor que
senti ao enterrar minha irmã e saciou o meu espírito, sempre tão
exigente com prazeres.

Hoje ela quase conseguiu escapar de mim. Por pouco ela daria uma
cartada definitiva que a livraria de minhas mãos.
Mais cedo do que eu esperava, Eloisa vem anunciar a presença de
meu amigo. Agradeço e ordeno que Isadora e ela fiquem de prontidão
na sala. Saio do escritório e encontro Alexandros Katsaros ainda de pé,
aguardando ser recebido por mim. Seus olhos passeiam por Isadora e
Eloisa, paradas lado a lado à espera de alguma ordem.
— Isadora, pode sair, Eloisa fique — resmungo a ordem e me
aproximo de meu amigo, estendendo a mão.
— Katsaros.
— Meu amigo, vim assim que soube. — Seu forte sotaque grego é
vibrante e me traz um leve conforto nostálgico. Ele me dá um rápido
abraço de pêsames. — Estava em viagem de negócios. Eu sinto muito
por sua perda.
— Obrigado. Vamos ao meu escritório. — Estendo a mão para ele
e faço sinal para Eloisa ir na frente. Ela entende, e com passos rápidos
toma o rumo do escritório. Abre a porta, as persianas e puxa uma
poltrona para Alexandros se acomodar. Ele a agradece com um gesto e
desabotoa o terno antes de se sentar confortavelmente.
Alexandros é um legítimo grego que veio para o Brasil há uns
cinco anos e aqui se estabilizou. Além de ser parceiro em meus
negócios das refinarias, é um dos poucos homens que são de verdade
próximos a mim. Nos três anos que passamos na Grécia, descobrimos
que temos personalidades parecidas. Nossos pensamentos sempre estão
alinhados. Somos líderes natos.
— O que está fazendo nesta casa, Zion? Por que veio parar aqui?
— Tem a ver com aquele assunto que te falei por alto. — Troco um
olhar com Eloisa, ainda de pé no escritório nos observando enquanto
espera alguma ordem.
— Sobre Roberto?
— Sim. Esta era a casa dele. Quer beber algo?
— Está muito cedo para um conhaque? — Olha no relógio para ter
certeza. — Ou um brandy.
— Dois brandys. — Peço a Eloisa, que assente prontamente. —
Manda Isadora trazer. Rápido.
— Não quer me ceder ela? — meu amigo pede sem qualquer traço
de intenção maliciosa.
— Quem? — Olho em volta — A governanta?
— Sim. Esta parece obediente e comprometida com a casa. Preciso
de alguém para colocar minha casa em ordem.
— Contrate alguém. — Meu levantar de ombros insinua como essa
é uma opção óbvia para ele.
— Está bem difícil, devido a minha pequena animosidade... Elas
simplesmente não ficam. Você me conhece, nem sempre estou nos
meus melhores dias.
— É, eu te conheço. Infelizmente, não dá. Ela é necessária aqui.
— Hum... quer comê-la?
Franzo o cenho surpreso
— Não, porra.
— Então me conceda e fique com a outra que estava ao lado dela
na sala.
Isadora aparece nesse instante, de cabeça baixa carregando de
maneira amadora e trêmula a bandeja com os copos. Ela serve
Alexandros, que não tira os olhos do maldito decote que a safada exibe.
Ela provavelmente fez de propósito, afinal sabe que ele é rico. Se ela
conseguir apoio de alguém tão poderoso no nível de Alexandros, eu
perco todos meus planos.
Pego o outro copo na bandeja, e nossos olhos se topam. Os dela
brilham com raiva, como de costume. Essa é minha, para eu brincar
como quiser.
Com um aceno a dispenso.
— Fique com a governanta e me dê essa tonta. Posso ensiná-la à
força a servir um convidado.
— Vá tomar no cu e deixe minhas funcionárias em paz.
— Tudo bem. — Ergue as mãos em sinal de rendição. — Vou pedir
indicação. Me conte sobre essa casa e os problemas de Roberto.
— Essa que veio servir é a ex senhora Agostini. — Saboreio em
tom vitorioso ao falar.
— Como assim? — As sobrancelhas de Alexandros se erguem
instantaneamente, e ele curva para frente, intrigado. — A viúva?
— Isso.
— Aquela esposa gostosa que ele usava como troféu? — Ainda
está sem acreditar.
— Não fala assim dele. Vou te contar tudo sobre essa golpista
barata. E você entenderá o motivo da viúva de Roberto ser a minha
nova empregada preferida.

Katsaros está de pé, recostado na estante me olhando intrigado


quando termino de contar tudo, desde que Roberto começou a ficar com
Lisette até a morte trágica de ambos. Ignoro seu olhar recriminador.
— Você é a porra de um cara do mau — é o que diz sobre as
minhas ações, a despeito de sua fama de cruel se espalhar como pólvora
em todo lugar em que ele vai.
— Vai me julgar? Logo você, que planejou para um cara assistir
você foder a esposa dele?
— Foi diferente, ele me ofendeu diretamente, o que não parece ter
sido o mesmo dessa pobre coitada.
— Duas vidas se perderam por causa do egoísmo dela... — Faço
uma pausa para refletir. — Só estou ensinando-a que certamente ela vai
colher o que plantar.

— Você passou por cima de algumas coisas da lei, não é?

Olho para a porta e tomo uns segundos observando o líquido no


copo, então levanto o rosto para ele e assinto.

— Apesar que há mesmo assinaturas dela provando que ela fazia


parte dos esquemas de Roberto, além de que, ela mesma raspou a conta
conjunta que eles tinham. Katsaros, eu sou um homem justo, e te juro
que não estaria aqui fazendo isso se não houvessem provas.

— Ela pode ter sido laranja de Roberto, sem saber.

— Pensei isso. Mas e a conta bancária que foi raspada depois do


acidente? E a tentativa de fuga dela, abrindo mão dessa casa, da pensão
que a Solaris ia pagar? Certamente ela tinha certeza de que havia algo
maior e não precisaria brigar por nada disso.

Rapidamente, pego uma cópia das notas fiscais dos serviços que
Isadora usou no dia do enterro.

— Veja isso, amigo. Acredita que ela fez compras e massagem no


dia do enterro?

Ele pega as notas e analisa abismado.

— E o que ela diz sobre isso?

— Nada. Ela simplesmente não consegue explicar.

— Ok. Então sua vingança constitui basicamente em rebaixá-la


como empregada?

— E ver até quando uma dondoca gananciosa consegue ficar sem


seus caprichos. Ela deu mais importância ao luxo e ao dinheiro, pois
agora vai perder tudo e viver como uma assalariada, para aprender.
Vamos falar de negócios agora. — Indico a cadeira à minha frente, e ele
volta a se sentar.
Quando Alexandros vai embora, decido fazer uma ligação de rotina
para a minha casa em São Paulo. Não sou mais a porra de um rei
sozinho. Agora tenho alguém que depende de mim, alguém que devo
amar e proteger como se tivesse saído das minhas entranhas. Quando
meus pais se foram, a responsabilidade sobre os negócios da empresa e
sobre a vida de Lisette recaíram em meus ombros; eu desempenhei essa
função da melhor forma possível. Ainda assim, uma tragédia aconteceu
com ela.
Apesar do meu orgulho por ter auxiliado bem no desenvolvimento
dela, sinto uma ponta de recriminação por ter aparentemente falhado
em algum ponto.
Agora há um bebê, o meu sobrinho, o filho de Lisette e Roberto,
que está sob os meus cuidados. E farei tudo que estiver ao meu alcance
para que ele tenha um futuro digno. Mesmo que eu não possa criá-lo
como deveria.
A governanta atende minha ligação quase imediatamente.
— Como está o bebê? — pergunto sem rodeios, mesmo sabendo
que está bem. Ela me passa um relatório todo fim do dia.
— Está bem, senhor. Acho que sente a falta dos pais, mas estamos
conseguindo acalmá-lo. Agora ele está brincando no jardim.
— Ótimo. Talvez eu vá visitá-lo no fim de semana...
— O senhor não... vai levá-lo? Eu acho que o menino adoraria
conviver com um rosto familiar... depois de ter perdido a mãe.
Coço o queixo pensando na situação. Não posso trazê-lo para cá,
estou em meio a um projeto de vingança, não posso expor uma criança
a um ambiente hostil. Ainda mais que seria o meu ponto fraco na guerra
contra Isadora; ela não pode conhecer os meus pontos fracos.
— Ainda não. Infelizmente ainda estou resolvendo problemas...
— Não podemos... talvez ficar em outra casa? Na mesma cidade,
para que fique mais perto, e o senhor possa vê-lo com mais frequência.
Perdoe-me a intromissão, mas o senhor é a figura paterna dele agora.
Tamborilo os dedos na mesa enquanto olho para uma foto de
Isadora e Roberto em um porta-retratos na mesa. Eu prometi à minha
irmã, diante do caixão dela, que ia vingá-la e que cuidaria do menino
como se fosse meu filho. Não posso falhar duas vezes com Lisette.
— Você tem razão. Eu vou preparar um lugar para que vocês
possam vir. O menino precisa da minha proteção.
Após a ligação, volto ao trabalho, sem deixar que essa questão se
torne tema principal nos meus pensamentos. As diligências da empresa
precisam de concentração total da minha parte. Acabamos de arrendar
uma refinaria, e estou focado nisso; tanto para ver a Solaris prosperar,
como para distrair minha mente que está em alta voltagem desde o dia
do acidente.

Pouco antes do almoço, toques na porta me distraem, me tirando da


bolha de trabalho que eu me afundo deliberadamente.
— Entra. — Eu me espreguiço e olho para a porta, adorando ver
Isadora um tanto incomodada, talvez até irritada também. — O que
deseja, Isadora?
Ela entra no escritório e fecha a porta atrás de si. Não se aproxima
da mesa, se mantém distante, com os braços cruzados, lançando sobre
mim a pior das expressões; uma admirável rivalidade com a doçura de
seus lábios e o brilho receoso dos olhos.
— Por que estão encaixotando minhas coisas que acabei de
arrumar no quarto de hóspedes?
— Porque eu sou o dono da casa e mandei. — Levanto da cadeira,
diminuo a distância entre a gente e encosto a mão na porta, ao lado da
cabeça dela.
— O que vai fazer com as minhas coisas? — Levanta o queixo, me
enfrentando cara a cara. Ela está bem puta de raiva, e eu adoro provocar
esse sentimento em uma mulher da laia dela.
— Nada. Não tem nada lá que me interesse. Mas você vai descobrir
logo mais. — Toco no rosto dela, afastando uma mecha de cabelo. —
Não vai apenas fazer serviços domésticos, Isadora. Vai ser colocada
abaixo da poeira todos os dias, para que lamente em todas as horas por
ter sido tão má e mesquinha. O divórcio teria sido muito mais fácil e
você o recusou.
Ela dá um tapa em minha mão, repudiando qualquer toque da
minha parte. Teimando e gostando de provocá-la, espalmo a mão em
seu pescoço, mantendo sua cabeça encostada na porta. Os olhos
saltados são de ódio para cima de mim.
— Por que não cede? — rosno, sorrindo bem pertinho dos seus
lábios — O seu joguinho me intriga, confesso. Roby disse certa vez que
você tinha a mania de seduzir os amigos ricos dele para tentar levar
vantagem. Aqui estou eu, bilionário e de boa aparência. Uma mulher
que foi resgatada do bordel devia usar todos os artifícios para se livrar.
Vai ganhar muito mais se for boazinha comigo.
A resposta de Isadora é certeira. Bate a mão no meu rosto,
provocando um ardor instantâneo. Eu me afasto, passo a mão no rosto e
noto que ela me arranhou.
Rio em contraste da reação de Isadora, que parece pasma e um
pouco arrependida.
— Eu assinei um contrato para trabalho aqui. — Ela berra
corajosamente, e até acho que só aceitou assinar a porra do contrato por
isso, para ter proteção contra mim — Isso não dá o direito de tocar em
mim, de me pressionar ou ameaçar. Se aproximar novamente, farei pior.
Deixo-a encostada na porta e dou uma olhada em meu rosto usando
a tela do celular como espelho. Um arranhão grande que pega do nariz
até meu lábio. Talvez hoje seja dia de me divertir bastante.
Quando percebe que estou pouco lixando para contrato, ela tenta
correr, mas eu seguro a porta, impedindo-a de sair.
— Zion... não toque em mim.
— Xiu. Deixe-me ver isso. — Seguro sua mão e observo as unhas
muito bem feitas e grandes, mas sem esmalte. — Para uma serviçal,
isso aqui é inadmissível.
— Eu vou cortar. — A promessa é súbita e cortante, mas sem poder
de me convencer.
— Além do mais, como uma mulher pode se dar prazer com uma
unha desse tamanho?
— Não é da sua conta! — grita, puxando a mão.
— É, sim. — Passo a chave na porta, para ela não sair, vou ao
telefone e chamo Eloisa. Peço para que ela traga um kit de manicure
imediatamente.
Espero, calado, olhando para Isadora acuada e recostada na porta,
me encarando, pronta para lutar caso eu dê qualquer sinal de que vou
avançar. Eloisa chega depressa e entrega o que eu pedi. Então fecho
novamente a porta e deixo as coisas na mesa de trabalho de Roberto;
que agora é minha.
— Venha aqui, Isadora.
— Me deixe em paz, ou não vou medir esforços para chamar a
policia e te denunciar.
— Vai me denunciar, Isadora? — Rio cinicamente — logo você
que está com rabo preso? — Chama a polícia para ver quem sairá daqui
algemado.
Caminho até ela e sem muito esforço puxo-a em direção a mesa.
Isadora tenta fincar os pés no chão e até luta bravamente, ainda assim
arrasto-a até a mesa, como se fosse uma gatinha leve. Não preciso de
nenhum esforço.
Coloco-a sentada e me enfio, de pé, no meio de suas pernas.
Ela segura firme na gola da minha camisa me mantendo afastado,
olhando sem piscar dentro dos meus olhos e trazendo a porra de
sensações distintas para meu coração, que começa a pulsar acelerado.
— Sei que para criar gatinhas selvagens e más, é necessário sempre
manter as unhas dela aparadas. Serei bem gentil.
Abro a caixa que Eloisa trouxe e escolho um cortador de unha.
Seguro a mão delicada e bem lisinha dela. Está gelada, mas dou um
beijinho para que fique tranquila.
— Vamos cuidar dessa arma que você tem aqui.
— Eu... posso fazer isso. Seu... ridículo. — A última palavra sai
quase um sussurro, como se eu não pudesse ouvir.
— Mas eu quero me certificar. Não se mexa. — Com cuidado,
corto a primeira unha e dou uma olhada no meu trabalho. — Ótimo. —
Vou para a próxima. — Costumava arranhar o Roby também?
— Não. Porque a gente tinha um relacionamento saudável...
— Saudável? — Rio na cara dela.
— Até onde eu sabia, sim, era. Eu fui enganada por ele.
— Então todas as pessoas, o advogado dele, a mulher que ele
amava, as provas e mais provas de gastos estratosféricos com vaidade
feminina, tudo isso é alucinação e sua palavra que é verdadeira?
Ela se cala. Prefere não tentar desmentir, já que é impossível. Eu
não estou aqui com base em boatos, eu vim porque havia provas
robustas contra ela. Isadora comprime os lábios, ainda nervosa por estar
tão perto de mim. E a boca dela é a maldição mais atrativa que já vi.
Em formato de coração, lábios cheios e rosados.
O desejo infame de provar seus lábios é uma traição para mim e
para as minhas convicções.
— Prontinho. — Termino a unha e passo para a próxima. — Você é
uma mulher má em ações diversas e bem experiente no quesito sexual.
Porém meu amigo estava infeliz nessa parte. Você evitava dar para ele?
— Vá se foder — sussurra. — Eu não vou responder esse tipo de...
— Não achei que teria censura de linguagem logo com você. Me
deixe ver um pouquinho da mulher que atirou a sobremesa em mim.
Gosto dela.
Mais uma vez, Isadora se cala, se escondendo no personagem de
pobre coitada que escolheu desempenhar para que eu me compadeça.
Eu cheguei aqui e vi uma golpista de luxo indo embora na surdina
levando joias e dinheiro na mala, usando saltos, óculos escuros e roupa
cara. Não parecia em nada com a viúva sofrida que ela tenta sustentar.
Termino uma mão e passo para a outra. Isadora fica calada
esperando que eu corte cada uma das unhas com calma, para que não
saia nada malfeito. Ela pode ser uma golpista de baixa qualidade, mas
devo preservar a beleza de cada parte de seu corpo.
— O que vai fazer com as minhas coisas? — ela pergunta quando
já estou no dedo mindinho. — Por que seus homens estão encaixotando
tudo?
— Porque eu mandei, já disse. — Dou uma última olhada nas
mãos, notando a falta da aliança. — Não esperou um dia sequer para
tirar a aliança?
— Não vou usar qualquer coisa que represente a união com aquele
demônio. — Ela empurra meu peito e salta da mesa. — Posso ir?
— Agora, sim. Nos vemos no almoço. — Eu a observo sair, me
deixando doente de raiva de mim mesmo. Porque eu deveria estar
trabalhando para derrubá-la e não para acariciar suas mãos tão macias.
Bato a mão na mesa, com raiva, derrubando as coisas de manicure.
Porra. É esse o poder dela. Foi assim que conquistou Roby, é assim
que ela tenta me amolecer. Mas não vai me dobrar. Hoje ela vai ter uma
grande surpresa.
Nove

ISADORA

— Não sei se a senhora gostaria de ter uma surpresa, mas já


adianto que é provável que ele esteja mudando a senhora de quarto.
— Como assim, Eloisa? — Sentada ao balcão da cozinha, levanto o
rosto para fitá-la. À minha frente, uma xícara com chá, a agradável
maneira que Eloisa encontrou de me acalmar após o encontro com
Zion, está praticamente intocada. Nada me desce na garganta após
tamanho desaforo por ele ter cortado minhas unhas. Isso pode ser
considerado um assédio entre patrão e funcionária. Mas ele tem razão,
eu não tenho cartucho algum para enfrentá-lo na justiça.
— Os homens dele limparam um quartinho na ala dos empregados.
Aquele menorzinho no fim do corredor.
Porra. Volto a abaixar o rosto mirando a xícara à minha frente.
Meu destino penoso está mesmo selado. Não há como lutar, não há
saída. Aquele homem vai fazer de tudo para me colocar abaixo de seus
pés, para me humilhar.

Cansada disso tudo, passo por cima da informação tentando não me


abalar mais do que já estou. Eu assinei o contrato de trabalho como
medida de segurança. É muito mais fácil ter um documento ao meu
favor, que vá impedi-lo de avançar limites contra uma empregada.

Portanto, enquanto eu penso na minha situação, enquanto eu


arrumo uma saída, serei empregada da casa sem qualquer aflição.
Trabalhar não me humilha. Porém, agora com esse contrato, ele não
pode mais humilhar uma funcionária.
— Sabe, Eloisa, isso é tão injusto e ao mesmo tempo tão irônico. O
que adianta tentar fazer bondade a maior parte do tempo? Eu fiz de tudo
para Roberto, porque julgava que tínhamos um grande amor. Suportei
aquelas peruas chatas da alta-sociedade e quando mais precisei, elas me
apunhalaram. Passei por tudo como uma miss, apenas sorrindo e
acenando a maior parte do tempo, e mesmo quando perdi meu bebê,
ainda tive que sorrir para as visitas que teimavam em invadir o meu
espaço. Para quê?
— Senhora...
— Nada. Não valeu de nada cada esforço que fiz para ser amada
por ele. Seria tão melhor se eu fosse essa vaca escrota que eles me
acusam... porque eu faria cada um deles se arrepender de terem mexido
comigo.
— Então faça. — Em tom urgente, olhando para os lados, ela
incentiva, sentando-se no outro banquinho ao meu lado. — Vai se fazer
de madre superiora até quando? Aquele homem cortou as unhas da
senhora e ainda debochou...
— O que eu posso fazer contra ele, Eloisa? Eu preciso do dinheiro
para meu tratamento... e ele é poderoso.
— Frite os miolos do sujeito. — Dá uma piscadinha maliciosa para
mim.
— Você não está parecendo a religiosa que sempre foi.
— Sou cristã, dona Isadora, não boba. Sei que a senhora é esperta e
pensará em algo que não seja tão grave, para que ele não tire seu
salário, mas será bom o suficiente para tirá-lo do sério.
Ainda encarando-a, tamborilo os dedos no balcão, pensando no que
acabo de ouvir. Tenho duas opções: continuar submissa para receber o
salário integral no fim do mês ou chutar o balde e ser o que ele me
acusa de ser.
— Obrigada. — Toco de leve na mão dela. — Vou pensar a
respeito, mas lhe peço que fique de fora. Essa é uma guerra minha.
Ela assente, conserta a gola da camisa e se afasta, bem nervosa,
como se tivesse acabado de planejar um crime.

∞∞∞

Eloisa tinha toda razão. Eu fui transferida para um quartinho na ala


dos empregados. Fui chamada no escritório quando já passava das seis
da tarde. Zion saboreou cada palavra quando informou o que eu já
antevia.
— Quando você assinou o contrato, deve ter lido a cláusula de que
deveria morar nas dependências dessa propriedade, mas em momento
algum dizia no conforto de um quarto de hóspede.
— Está fazendo isso apenas para me provocar?
— Não. — Dá de ombros de forma arrogante. — Porque eu vim
aqui para não permitir que você continue tendo vida de rainha. — Eu
apenas balanço a cabeça, assentindo.
— Posso ir agora?
O centro de sua testa se franze, revelando sua incredulidade diante
da minha passividade.
— Só isso? — Ri cinicamente. — Acabo de comunicar que você
vai dormir fora da casa, em um quartinho pouco maior que uma cela de
prisão e...
— Quer que eu faça o que, Zion? — Dou um passo em direção à
mesa do escritório. — Gritar, tentar te bater, quebrar alguma coisa? Eu
não tenho mais nada que possa ser arrancado de mim. A casa é sua, não
passo de uma empregada, sigo ordens apenas.
Ele leva algum tempo paralisado fitando meu rosto, então parece
recobrar as reações:
— Você não imagina como é prazeroso ouvir você dizer isso. Pode
ir. Desocupe o quarto de hóspedes imediatamente.

Chorando de raiva, silenciosamente arrumo minhas coisas no


pequeno armário que os homens montaram no quartinho. Não é tão
ruim, afinal os outros empregados que moram aqui usam quartos
parecidos.
Os homens de Zion pintaram as paredes e colocaram piso pré-
pronto. Armaram uma cama de solteiro, um guarda-roupa pequeno e
um colchão, que não é tão bom como o dos quartos da casa. Meu
consolo é que isso seria justamente o que eu encontraria por aí caso
tivesse fugido.
Levo pouco mais de uma hora arrumando tudo, até que esteja
habitável. Gosto do resultado. Nada comparado ao luxo e imponência
da suíte master onde eu dormia com Roberto, porém prefiro mil vezes
aqui a um lugar onde vou me lembrar daquele traste.
∞∞∞

O colchão é horrível. Acordo antes das seis com as costas


quebradas; tenho até certa dúvida se é mesmo a baixa qualidade do
colchão ou se algum sintoma do lúpus ameaçando ressurgir, porque
quando fui diagnosticada, as dores foram um dos primeiros sintomas.
Não posso deixar de mencionar a alta carga de estresse que passei
na última semana. Desde que soube do acidente, até a morte de
Roberto, não consigo de fato descansar.
O frio pela manhã me deixa muito mais irritada; meu humor está
péssimo, e a fim de animar, decido fazer uma breve caminhada pelo
jardim extenso da propriedade, aproveitando que o sol é bem fraco
nessa hora do dia. Passo protetor, escolho um conjunto de moletom,
boné, óculos escuros e saio, detestando essa nova fase da minha vida.
Eu não fui criada para dormir até tarde, mas Roberto me acostumou
mal, me proibindo de trabalhar fora ou até mesmo de administrar nossa
casa. Ele delegou os serviços para mais de vinte empregados e limitou
as minhas ações. Para mim, restou apenas cuidar da saúde e aprender
coisas novas, fazer curso de inglês, curso de pintura, yoga e dança, que
não concluí.
Por dez longos anos, fui a madame mimada da alta-sociedade.
Nada me faltava e não achei que um dia pudesse precisar.
Uma camareira abria as cortinas do meu quarto às oito, quando
Roberto já tinha saído para a empresa. Em seguida, preparava um
banho para mim, que durava em torno de uns quinze minutos. Então ao
sair do banheiro, a cama já estava arrumada e havia uma bandeja com
meus remédios da manhã, o aparelho de pressão e de saturação. Após
verificar minha saúde matutina e tomar os remédios, eu descia e me
sentava para o café.
A retrospectiva da minha vida de luxo tensiona meus nervos, então
aumento o ritmo dos passos. Entro em um corredor de arbustos bem
podados e sigo pelo labirinto que sei que vai dar em uma fonte que fica
no centro da área, onde poderei me sentar um pouco.
Eu não pesquei os sinais de que Roberto estava armando. Não
pesquei porque não existiam sinais. Uma semana antes do acidente, a
gente estava junto em uma consulta médica na qual o médico deu a boa
notícia, informando que minha doença estava controlada e que
poderíamos tentar uma segunda gravidez.
Como ele pôde ser tão vil e traiçoeiro? Jantamos juntos e transamos
naquela noite. Enquanto isso, ele tinha toda uma vida formada com
outra mulher, longe de mim.
Viro um beco do labirinto de arbustos quadrados, chegando ao
núcleo onde fica a fonte, e que não está vazia. Paraliso no instante em
que vejo Zion completamente suado, usando apenas short de corrida e
tênis, despontando por outra via do labirinto. Ele breca no mesmo
instante, e seu sorriso abre cinicamente.
— Uma empregada a essa hora fora do uniforme?
O clima pesa instantaneamente com a presença dele. Atinge cada uma
das minhas células, quase me deixando sem ação.
— Meu turno ainda não começou — ofego. — Entro às sete.
— Foda-se. — Ele dá de ombros, estupidamente gostoso. — Não quero
ver empregados vagando pelas dependências da casa fora do uniforme.
Apertando os dentes com muita força, apenas encaro o homem alto e
forte à minha frente. Eu queria poder lutar, mas a curiosidade feminina é
quase impulsiva e causa uma ruptura na minha fachada de firmeza, quando
meus olhos deslizam pelo corpo bem esculpido; o peitoral amplo, abdômen
trincado e o “V” de sua cintura descendo para dentro do short. É uma
imagem hipnotizante.
— Sim, senhor. Eu vou me trocar agora.
— Deve ser triste e inaceitável para você, não é?
Já estava de saída quando ouço a voz e me viro para o fitar ainda no
mesmo lugar sorrindo.
— O que, senhor Zion?
— Estar diante de um homem tão rico e poderoso como eu e não poder
usar suas garras de pistoleira barata porque eu já conheço sua laia.
— Quem disse que eu quero algo com você? Não enche...
Ele diminui a distância entre a gente o suficiente para que eu sinta o
calor de sua respiração.
— Sabe o que mais te deixa irritada? É que você me odeia, com toda a
razão, afinal, não sou seu amigo e quero o seu mal completo. Mas seu corpo
acostumado com a luxúria se derrete diante de mim. — Ele diminui ainda
mais a distância entre a gente, afasta uma mecha do meu cabelo e diz
pertinho do meu ouvido: — Não vai conseguir de mim o mesmo que pegou
com Roberto tão facilmente.
Ele se afasta e volta a correr, entrando por uma via do labirinto e me
deixando petrificada no mesmo lugar.
Volto para a mansão, me convencendo do nojo que sinto por ele. Eu
penso que quero vomitar só de imaginar um toque mais íntimo desse
homem. Eu penso que prefiro a sarjeta a me aproximar de alguém tão
repulsivo. Eu forço tudo isso na mente, para não permitir que eu percorra o
tênue caminho entre a raiva e a atração.

Me troco rapidamente e vou para a cozinha tomar meu café, antes de ter
que servir o de Zion. Dou bom dia para as mulheres e provo uma pequena
fagulha de ânimo quando me posiciono diante do fogão, observando Odete
preparar bolinhos de chuva. Não costumo comer frituras, mas hoje abrirei
uma exceção, já que ela está fazendo especialmente para os empregados.
O desjejum de Zion é bem mais magro. Vejo a anotação de que ele quer
frutas frescas, café sem açúcar, ovo pochê, pão integral e ricota.
O café com bolinhos de chuva estava uma delícia e trouxeram uma
brutal memória afetiva. Logo me lembrei da minha infância simples no
interior, quando tomava café sentada no fogão de lenha porque era
quentinho.
Só não pude aproveitar mais conversando com as mulheres na cozinha
porque Zion desceria a qualquer momento. Ajudei Eloisa a arrumar a mesa e
tomei meu lugar de prontidão, esperando as ordens dele.
Ser uma empregada não me afronta como ele imagina. A crueldade com
que Roberto me tratou é que mais me magoa.
Zion desce usando uma calça bege e uma camisa branca de linho, com
os primeiros botões abertos, revelando o peitoral e uma corrente com algum
pingente que não consigo detectar. Usa óculos escuros e sandálias.
— Você é pontual. — Sorri para mim. Ignoro-o e pego o bule para
servi-lo.
— Café?
— Hum... o dia está bonito, não acha, Isadora? — Ele não se senta, fica
de pé me encarando.
— Sim, está.
— Então sirva meu café na piscina. Quero aproveitar.
— Mas... já está servido. — Aponto para a mesa preparada.
— Quero meu café servido em cinco minutos. E se estiver frio, a culpa
será sua. — Ele dá uns passos, mas para e olha para Eloisa. — Ela serve,
você vá procurar algo para fazer.
— Sim, senhor.
Dez

ISADORA

Não tenho tempo para experimentar um surto de raiva. Segurando as


estribeiras o máximo que posso, começo a carregar as coisas para a mesa de
café na área da piscina, onde Zion se distrai com algo no celular.
Acho que dou umas três voltas, indo bem devagar e carregando a
bandeja com todo o cuidado para não derrubar nada. Deixo o ovo e o café
por último, pois pedi a Odete para esquentar um pouco.
Estou ofegante quando concluo, colocando tudo na frente dele.
— Café?
Enfim me olha, puxando um pouco os óculos para baixo. Assente, e faz
um sinal quando despejo a quantidade ideal na xícara. Zion prova, sorri para
mim e volta a olhar o celular, mas não perde a oportunidade de me ofender:
— Sei que seu ofício era servir na cama, mas devo parabenizar, está se
saindo bem como servente.
Olho em volta. A piscina está linda, a água cristalina e chamativa.
Lembro de como gostava de passar as manhãs dando mergulhos na água,
mas só quando o sol não estava tão forte, como agora. Volto meu olhar para
Zion. Ele começa a comer o ovo, ainda interessado em algo no celular. Vejo
a piscina e uma ideia brilha.
Por que não?
A primeira coisa que faço é puxar uma cadeira na mesa onde ele está
sentado. Eu me sento, e isso chama a atenção dele. Desamarro meus tênis,
deixando-os de qualquer jeito, tiro a touca da cabeça e solto os cabelos.
— O que está fazendo, Isadora? — Ouço a voz, mas nem olho para ele
ou ouso responder. Fico de pé, arranco o avental branco, e lentamente
desabotoo a parte de cima do uniforme. Retiro, ficando só de sutiã. —
Isadora! — Sua voz se torna mais grave. Eu ignoro. Estou tremendo, não sei
que merda vai acontecer, mas já cansei de raciocinar. Zion conseguiu abalar
minha sanidade.
Desabotoo a calça, e após ficar só de calcinha e sutiã, uma pena que não
seja um biquíni, me alongo dramaticamente e com leveza, como aprendi nas
aulas de yoga.
Curvo para frente, até tocar o chão com as mãos. Em seguida, ergo uma
perna, e depois a outra, sem deixar de praticar os exercícios de respiração.
Ouço a cadeira se afastar.
— É o seu horário de serviço, e eu posso aplicar uma multa...
Deixo-o falando sozinho, caminho elegantemente em direção à piscina
e faço um salto lindo, mergulhando como uma sereia, e aparecendo do outro
lado. Zion está parado na borda da piscina me assistindo, maxilar
tensionado, mãos na cintura. O sorriso perturbado mostra que detestou me
ver sem roupa, além de que deixou transparecer que está lutando contra a
atração que sente por mim.
— Se não sair, será pior para você. — A voz de Zion é rouca, mas
baixa. Decreta, em tom sombrio, o que incrivelmente não mais me mete
medo. Ele não vai fazer nada comigo além de me dar ordens.
— Não estou fazendo nada de mais — respondo em tom insolente. —
Apenas nadando.
— Você é minha empregada. E essa piscina não é para empregados. Eu
posso ser um patrão bem rígido, caso você esteja sentindo falta de um pulso
mais firme. — Ele continua pontuando tão calmo, que dá até nos nervos, sua
entonação faz meu coração acelerar. — Coisa que não ganhou durante toda a
vida fácil de mulher da vida à esposa de milionário tolo.
Encaro-o e passo segundos mordendo o lábio, junto com um risinho
idiota. Em seguida, mergulho, nado até a borda em que Zion está e saio.
Mesmo trêmula de nervoso, tento ser o máximo provocativa.
Fora da piscina, percorro a mão em meu corpo, tirando o excesso de
água, ciente dos olhos de Zion sobre mim. Caminho até o monte de toalhas
que Eloisa colocou para caso ele precisasse e pego uma.
— Você não deveria estar me provocando dessa forma.
Eu me enxugo calmamente, embrulho os ombros com a toalha, sem
amarrá-la em volta do corpo, e me aproximo de Zion.
— Você está obcecado, senhor Zion? — Ergo os ombros
sugestivamente. — Tem que parar de achar que tudo que eu faço é na
intenção de te provocar. Eu estou pouco me lixando para você, apenas quis
dar um mergulho.
Tento sair, mas ele segura meu braço, aproximando o rosto zangado do
meu. Por dentro, minha carne treme, por fora exibo uma falsa firmeza de
pedra.
— Será que pode me deixar colocar meu uniforme e voltar ao trabalho?
— Homem de pedra fodido.
Demora longos segundos me segurando, fuzilando meus olhos com os
seus. Então me solta com um empurrão, e eu saio rápido, pegando minha
roupa e indo em direção ao quartinho.
Recosto contra a porta fechada do quartinho, e só então solto o ar, em
um suspiro libertador, como se eu estivesse debaixo da água esse tempo
todo.
Foi pouco, mas eu o enfrentei. Eu o provoquei deliberadamente, e foi
bom. Eu me senti poderosa por milésimos de segundos, quando agarrei as
cartas as quais ele sempre é dono.
Eu me arrasto até a cama e me sento, observando minhas mãos
trêmulas.
Este homem chegou em minha vida tentando acabar com o restinho de
dignidade que Roberto não conseguiu destruir. Eu não posso deixar que um
completo estranho ateie fogo ao meu frágil telhado sem lutar.
Eu me troco apressadamente e saio do quarto, para me posicionar perto
de Zion novamente, caso ele precise.
Não está mais sentado à beira da piscina, volto a tempo de vê-lo entrar
em um carro de luxo e se dirigir para o caminho que leva a saída.
— O demônio se foi — digo quando entro na cozinha levando as sobras
do café.
— Enfim uma boa notícia — Eloisa rebate. — Espero que não almoce
aqui e deixe a gente em paz.
E é justamente o que acontece. Zion não vem almoçar, o que nos deixa
muito mais tranquilas.
Desde o dia da morte de Roberto, enfim tenho paz e conforto para
almoçar. E aproveito o momento tranquilo para ligar para o consultório do
meu médico, para marcar a próxima consulta. Escolho uma data baseada na
data de receber o pagamento, vou precisar de dinheiro, já que fui cortada
também do plano de saúde da Solaris.
Aproveitei o tempo sozinha para pesquisar mais sobre o meu caso. Eu
poderia solicitar um advogado público, mas prefiro pagar um com o salário
que vou receber. Por isso, quero entender bastante sobre o bolo que Roberto
me colocou.
Durante a tarde, apesar de descansar na sala, me mantenho em alerta,
esperando que Zion possa chegar a qualquer momento impondo alguma
bobagem. Não consigo deixar de pensar que talvez ele esteja armando
alguma coisa, por causa do que fiz hoje pela manhã.
Mas o que ele pode fazer contra mim quando já me resumiu a um
nada?
Conforme o dia avança, as nuvens cobrem o céu, pesando o clima e
indicando que uma forte chuva pode cair a qualquer momento.
A noite chega, a chuva não caiu ainda e Zion não chegou. Nem ligou
informando se devemos ou não preparar jantar. Vejo a tensão nos olhos de
Odete, que não sabe se prepara o jantar para esperá-lo ou faz algo comum
apenas para os funcionários. Ninguém quer errar com Zion. Eles, com medo
de perderem o emprego, eu, com medo do que aquela mente perversa pode
aprontar contra mim.
Jantamos na cozinha, sob o som da chuva que enfim chegou forte e
constante. Um jantar regado a uma calorosa conversa com as funcionárias.
Cada uma contava um pouco de sua vida, percorrendo lembranças
dramáticas e divertidas, e eu amei essa interação com elas.
Mesmo depois de jantar e de limpar cada pequena coisa fora do lugar,
eu escolho ficar na casa por mais algum tempo, para o caso de Zion chegar.
— Boa noite, senhora — Eloisa diz, com os olhos espremidos de sono,
quando já passa das dez. Ela sentou comigo na sala por um bom tempo, e
não é justo que fique acordada por causa de capricho de um homem adulto e
mesquinho.
— Boa noite, Eloisa. Obrigada pela companhia.
— Não acha melhor se recolher também?
Dou uma rápida olhada no celular, verificando as horas. Dez da noite, e
a chuva persiste.
— É. Tem razão. Encerramos o expediente por hoje.
Prontamente, ela pega um guarda-chuva e me entrega, já que para ir
para a ala dos empregados devemos passar por fora.
Observo-a acionar o alarme da casa, apagar as luzes extras, deixando
apenas a do hall acesa. E enfim saio da mansão, percorrendo toda a área
externa da piscina rumo a ala dos empregados.
Acabo de me trocar e enfim deito para mais uma noite de sono, sem
saber o que o amanhã me reserva.
Estou quase dormindo quando ouço batidas na porta. O susto domina
meu corpo, acelerando meu coração. A luz da luminária está acesa, pois
ainda estou me acostumando a dormir fora da casa. Olhando para o teto, não
esboço qualquer reação, pensando que talvez tenha sido sonho, até que as
batidas voltam, e dessa vez acompanhadas de uma voz que me chama.
Agarro o robe, visto por cima do pijama e me aproximo da porta.
— Quem é?
— Orlando, um segurança, dona... Isadora.
Abro a porta imediatamente ao ouvir a identificação. É mesmo um
segurança debaixo de um guarda-chuva preto.
— O senhor Zion exige sua presença na cozinha.
— Agora?
— Sim. Ele a espera. E mandou... er... — o desconforto do homem é
visível — avisar que será pior se ele vier buscá-la.
Eu poderia teimar dizendo que não vou e que ele pode mesmo vir tentar
me buscar à força. Mas só vai piorar as coisas no meu depreciativo fundo do
poço. Eu não tenho interesse em criar mais confronto com Zion a essa hora
da noite. Pego meu guarda-chuva e sigo o homem em direção a casa.
Ele está sentado em um banquinho do balcão, usando apenas calça
jeans, sem camisa e sem sapatos. Ao seu lado, estão chaves de carro, carteira
e celular. Cabeça baixa, apoiada em uma mão na testa, bem pensativo eu
diria.
— Zion... — sussurro. O segurança que não é bobo, sai rápido, nos
deixando a sós.

Zion levanta os olhos para mim e vejo um sentimento forte e cru, algo
como dor, além de lágrimas. Engulo seco me encolhendo. Não vou provocar,
ele aparentemente não está bem.
— Café, forte. Rápido — ordena, e eu corro para atender. — Se é que
sabe fazer algo além de iludir homens ricos e idiotas. — Porra, ele está
visivelmente fora de si. Bêbado talvez?
Fico tentada a mandar uma mensagem para Eloisa vir ficar comigo, mas
deixei meu celular no quarto. Procuro nos armários, até encontrar o pó de
café. Torço para que consiga preparar da maneira correta.
— Quem mandou você ir dormir? — Zion sobe um tom na voz. Encho
a jarra da cafeteira com água e ligo-a. Só então encaro o homem de
expressão mortal.
— Eu também preciso dormir, Zion. Mas fiquei até às dez esperando...
— Você mente tão bem, tão cara de pau — o sorriso enquanto está com
os olhos tristes, avermelhados e lacrimejantes, o deixa um pouco mais
humano. Nada da frieza costumeira. — Era com essa carinha que você
levava homens para a cama quando seu marido não estava?
Eu me calo, de braços cruzados, apenas o fitando. Não vou responder as
provocações de um bêbado.
— Responda! — o grito reverbera pela casa silenciosa, se misturando
com o barulho da chuva lá fora. — Você me obedece. Você vai passar pelo
pior inferno, Isadora — Dá um sorriso amargo. Sim, muito amargo, Zion
está mesmo sofrendo. E por mim, foda-se, não importo.
— Eu não sei o que te responder — sussurro, meio atordoada. — Se eu
disser que eu não transava com homens você vai se zangar mais ainda
achando que é mentira.
— A verdade, eu quero a porra da verdade. Me diga o que sentia
quando resumia seu marido a um merda? Se sentia bem? Se masturbava feliz
imaginando-o derrotado e chorando?
— Foi isso que ele te disse? — Tento parecer fria diante dos insultos.
Por dentro, meu coração dispara com a adrenalina.

— Exatamente — A expressão de Zion está cada vez mais desolada, o


rosto contorcido de raiva e tristeza — foi isso que ele me contou. Vai
desmentir?
Saboreio a raiva que me domina, porém decido me retrair. Estou
esgotada.
— Não, Zion. Não vou desmentir.
— Sua... megera infeliz. Como pode, Isadora?
Viro as costas para ele e vou preparar o café. Meu coração arrebentando
contra a caixa toráxica. Eu me sinto tomada de raiva, frustração e muita dor.
É triste saber que meu marido me resumia a esse tipo de mulher para os
amigos dele. Por isso nos últimos dias quase não saíamos juntos, por isso
todos me olhavam daquele jeito no velório.
Limpo uma lágrima, passo o café e coloco diante de Zion no balcão,
que me fita sem piscar, puto da vida.
Encontro as xícaras, coloco também na frente dele, e quando trago o
açúcar, Zion passa o braço no balcão, varrendo tudo para o chão e fazendo
um barulho ensurdecedor de coisas quebrando.
Salto para trás com as mãos na boca, suprimindo um grito.
De pé, parecendo um touro, ele vem em minha direção. O homem é
gigantesco e me intimida pra cacete. Eu nunca sei o que ele pode fazer.

— Zion... se afaste! — Ordeno, pronta para qualquer luta.


Em silêncio, me cerca contra a geladeira. Ele olha para minha boca,
ofegante e de olhos escuros como a noite. A chuva lá fora deixa as coisas
ainda mais medonhas, pois eu sei que estamos sozinhos aqui dentro.
— Me diga o que sente, Isadora? — Questiona. Miro seus olhos
apagados pela tristeza.
— O quê...?

— Me diga, o que sente? Agora...

— Zion, me deixe, vá para seu quarto. Podemos conversar amanhã.

— Porque eu não passo de um maldito sentindo atração... desejando... a


mulher que acabou com a minha vida. Você está contente de me ver assim?
— Me deixe sair. — Empurro o seu peito, mas nem se mexe; logo tiro
as mãos, pois quero evitar qualquer contato.
— Fica aqui. — Segura meu pescoço. Sua mão é enorme e abraça toda
a minha garganta. Ele aperta o corpo contra mim, e posso sentir como está
excitado. Completamente fora de si, Zion apenas me fita, ofegando e
olhando minha boca. Os cabelos estão assanhados - diferente do costumeiro.
Nos olhos, a escuridão de sua vida, que para mim é desconhecida. E só
então penso que não sei nada desse homem. Não sei o seu nome, não sei se é
casado, não sei se tem filhos.

— Você me faz experimentar instintos que eu nunca tinha sentido. Eu te


odeio, Isadora. — ele declara, sofrendo.
— Zion...
— Me larga. — Volto a empurrar o peito dele assim que seu corpo
pressiona mais contra o meu, e a sua boca fica tão perto, parada próxima a
minha. Eu não sei se ele quer mesmo me intimidar ou me beijar, e graças a
Deus não tive tempo de descobrir. Orlando, o segurança, volta.
— Senhor Zion. — Ele entra na cozinha e toca no ombro de Zion. — O
senhor está cansado, deixe ela ir e vai descansar também.
Zion parece acordar de um transe, solta meu pescoço e se afasta.
— Saia — grita — Os dois. Fora! Agora. Fora!
Não espero um segundo. Pego o guarda-chuva e saio correndo, para me
refugiar no quarto e não sair de lá até que o dia amanheça.
Estou no meio do caminho, atravessando a piscina debaixo da chuva,
quando ouço o segurança chamar Zion. Olho para trás, me deparando com o
homem vindo feito um demônio no meio da chuva atrás de mim.
Porra. Apresso o passo, louca para chegar logo no quartinho, com medo
de correr e acabar caindo no chão molhado. Mas Zion não tem esse mesmo
medo, ele corre e me alcança. Arranca o guarda-chuva da minha mão e me
aperta contra seu corpo molhado.
Assustada, inerte, eu apenas o encaro.
— Eu... odeio tanto — sussurra e repentinamente me beija.
Onze

ZION

Eu não sei que merda estou fazendo no meio da chuva agarrando o


corpo curvilíneo de Isadora contra o meu, enquanto desfruto de seus lábios.
Dou corda ao meu desejo, ao mesmo tempo em que me odeio por ser tão
fraco, me odeio por não conseguir escolher as vontades do coração, me
odeio por ter passado o dia sentindo necessidade de provar uma migalha da
parte dela.

Hoje, pela manhã, preferi sair de casa para não colocar em prática meus
instintos que imploravam para seguir Isadora até o quarto, quando ela saiu
da piscina e saciar minha vontade que pulsa desde que coloquei os pés nesse
inferno de casa.
Então as coisas pioraram quando me encontrei com Reginaldo,
responsável por descobrir mais sobre Isadora. E ele me contou que
encontrou a mãe de Isadora presa em uma vida pobre em um vilarejo.
— Tem uma vida normal? Roberto dizia que era mulher da vida... —
indaguei, surpreso em saber que a mãe era uma mulher honesta e
evidentemente não usufruiu de nada do dinheiro que a filha arrancou de
Roberto.
E, como resposta, Reginaldo colocou a gravação da conversa que ele
teve com a mulher. Ali encontrei comprovação de que Isadora é mesmo
culpada.
“Ela se perdeu cedo.” A voz da mãe parecia cansada, combinava com a
foto que eu estava olhando. Uma velha senhora sofrida e triste. “Eu lutei
para dar uma vida honrada a ela, mas Isadora quis vida fácil. Não
descansou enquanto não conquistou homem rico e mais velho, e então sumiu
de casa sem nunca mais olhar para trás”
Abalado com mais aquela prova jogada em minhas mãos, marquei um
encontro com Mauro, advogado e amigo de Roberto, porque eu ansiava por
mais respostas, queria entender melhor a vida do casal e a face daquela
mulher misteriosa. E ele terminou de abalar minhas estruturas acrescentando
mais merdas sobre Isadora.

— Conseguimos rastrear todas as joias que Roberto comprou. Estavam


em um cofre no banco. E Isadora as pegou.

— Não faz sentido. — Neguei no mesmo instante andando inquieto na


sala de Mauro. — Não faz a porra do sentido, já que ela acabou de assinar
um contrato sendo minha empregada. Se ela tivesse tantas joias...

— Ela não iria fazer nada, Zion. — Mauro contrapôs. — Ela já tentou
fugir uma vez e você não permitiu. Só está esperando a poeira abaixar para
fugir novamente.

— Como tem certeza de que foi ela?

— Está no documento de retirada do cofre. Além de que a pessoa tinha


a senha e a chave do cofre de Roberto. Você mesmo pode ir ao banco
constatar isso. Eu fiquei em choque quando descobri.

— Deixamos então nas mãos da polícia. — Falei, machucado por


dentro; eu tinha uma parca esperança de que ela talvez não fosse totalmente
culpada — Vou fazer uma denúncia e esperar que a justiça cumpra seu papel
investigando e punindo Isadora.

— Sim, você pode tomar esse caminho. Ou mantê-la um pouco mais


em suas mãos. Eu vou concordar com tudo que você decidir. Ela sabia sobre
sua irmã — Mauro falou me surpreendendo mais ainda — ela sabia sobre o
bebê deles, e eu mesmo presenciei uma discussão em que ela dizia a Roberto
que aquele casamento só acabaria em caso de morte.

O meu destino a partir dali foi ao banco. Conversei com o gerente


responsável pelos cofres e ele aceitou confirmar quem acessou o cofre de
Roberto. Lá estava a assinatura de Isadora Agostini.
O meu destino a partir dali foi um bar onde eu pudesse pensar com
calma. Confesso que todas as hipóteses vieram à mente. Há uma culpada
pela morte de Lisette, e ela não pode ter uma vida tranquila. É injusto com o
bebê órfão e com a memória da minha irmã.
Indiretamente, Isadora a matou, pois se tivesse deixado Roberto livre,
eles não precisariam viajar escondido.
Eu fui apunhalado pelo universo. No entanto, algo bem mais cruel
recaiu sobre mim; uma ironia perversa. E com certeza isso aumenta ainda
mais minha dor, meu sofrimento. A ironia do destino é que meu organismo,
todo o meu ser decidiu se sentir atraído justo por Isadora.

Eu gostaria de puni-la, de entregá-la para a polícia para que talvez haja


paz em meu coração. No entanto, a vontade de tê-la ao meu redor, de
saborear sua pele macia e seus lábios cheios e de me afundar em seu interior
repetidas vezes até que eu seja saciado, é robusta demais para ignorar.

O meu ódio e desespero, é por querê-la tão vorazmente. E por isso bebi
demais e cheguei derrotado em casa.

Quando estava pressionada entre meu corpo e a geladeira, parecia mais


bonita, parecia frágil demais, desprotegida e triste. Eu iria me odiar se
cedesse, e então a libertei. Mas me odiaria ainda mais se não provasse, e
então a persegui na chuva.
Eu paro de beijá-la, agarrando seu queixo com firmeza. Minhas mãos
abraçam o rosto da mulher, como se eu pudesse com um estalar fazê-la
desaparecer.
Surpresa com meu desequilíbrio, Isadora nem respira enquanto me fita.
Isadora pode ter culpa de muitas coisas, menos da minha obsessão por ela.
Então eu a solto. Ela dá um passo para trás, pisca várias vezes e anda
devagar debaixo da chuva deixando-me paralisado no mesmo lugar.

∞∞∞

Já são quase dez quando acordo. Eu me espreguiço na cama espaçosa e


confortável e rolo entre os lençóis em busca do meu celular. Não há
chamadas urgentes ou importantes.
Sento na cama, detestando a ressaca e as lembranças da minha
lambança à noite. Eu fui fraco, deixei que Isadora vislumbrasse um pingo do
que há dentro de mim. Permiti que ela soubesse da minha atração
impertinente.
E teve a porra de um beijo.
Uma maldição de beijo bom.
Afasto os lençóis e saio da cama, indo direto para o banheiro. E após
um banho relaxante e uma roupa limpa, saio do quarto, colocando os óculos
escuros. Isadora é a primeira pessoa que vejo. Bela feito uma cobra; pronta
para dar o bote em qualquer desavisado. Ainda bem que eu a conheço.
Ela está sentada na sala lendo e dá um pulo do sofá quando me vê. De
queixo erguido, me olha sem piscar, tensa, esperando alguma ordem.
— Não vou almoçar em casa — digo e saio. Preciso resolver algumas
coisas na empresa e verificar se prepararam o apartamento que vai receber
meu sobrinho. Ele chega no final de semana junto com a cuidadora.
Depois dos acontecimentos dessa noite, preciso dar um tempo dessa
casa e da obsessão por Isadora.
O prédio da Solaris é um espetáculo de beleza. Foi projetado por mim e
por Alexandros assim que ele veio da Grécia. Foi justamente dessa maneira
que nos tornamos amigos. Hoje o grego e eu temos a maior parte das ações
da Solaris, já que Roberto confiou sua parte a mim, quando decidiu vender
com a condição de que fosse para mim.
E como eu morava em outro estado, decidi que Roberto continuaria na
cadeira da presidência da empresa; no entanto, reportando a mim ou a
Alexandros cada decisão importante.
A secretária da presidência me recebe com olhar urgente assim que piso
na ala da direção. Ainda não fiz uma reunião oficializando que a partir de
agora eu estarei na cidade, comandando de perto a empresa.
Ela me dá os pêsames e entra comigo na sala, apressando-se em abrir as
persianas e ligando o ar-condicionado. Eu ainda não tinha colocado o pé
nessa sala.
— Estava fechada desde o acidente... — explica. — Mas pedi que
limpasse ontem mesmo.

Olho em volta, aprovando a aparência do lugar. Não vou precisar mexer


em nada. É uma sala ampla e moderna, mas com toques gregos. O teto é
coberto por uma pintura à mão, tal qual a Capela Sistina, a diferença é que
há o panteão dos deuses gregos. Possivelmente coisa de Alexandros. Na
estante de Roberto, noto algumas fotos e me aproximo para olhar
Há uma foto do casamento dele com Isadora. Porra, ela parecia uma
adolescente. Franzina e olhar meio surpreso. Pego o porta-retrato para
analisar a foto.
Jamais diria que essa mulher da foto seria uma trambiqueira safada que
seduziu um homem mais velho.
Há uma foto em que estamos Roberto, eu, Lisette e Alexandros. Sorrio
nostálgico lembrando desse dia.
Deixo as fotos de lado e me viro para a secretária, que ainda me
observa.
— O que temos para hoje...? — Caminho para a mesa e me sento na
poltrona confortável. Ela puxa uma poltrona, se senta à frente e começa a
passar os compromissos do dia.
Um deles dói meu coração. É a missa de sétimo dia de Roberto, que
será no sábado.

∞∞∞

Fico satisfeito por realizar uma reunião como novo presidente e ser
aprovado pelo conselho para o cargo. As pessoas ainda não se deram conta
de que a minha irmã morreu no acidente, esse é um detalhe que ainda gira
meio encoberto.
Ela morreu dias antes de Roberto, e sua missa de sétimo dia aconteceu
um dia depois que ele foi enterrado. Foi algo íntimo, na cidade em que ela
morava, apenas para os melhores amigos dela.
Ao meio-dia, saio para almoçar com alguns diretores da empresa, a fim
de ouvir mais a respeito das novas aquisições que a Solaris está negociando.
É uma conversa produtiva e que me anima substancialmente. Quero
conhecer mais a fundo cada um deles e o cargo que desempenham, coisa que
acontecerá com o tempo.
E quando estou de saída do restaurante, alguém se aproxima de mim.
São duas mulheres, uma delas risonha, mas que não me parece estranha.
— Zion, não é isso?
— Sim.
— Sou Melanie, amiga de Roberto. Nos conhecemos em uma social no
iate do meu pai, em São Paulo.
— Ah, claro. Você é filha do Edson, um dos nossos diretores da filial
em São Paulo.
— Exatamente. Minha amiga Raissa. — Apresenta a jovem ao lado
dela, e quando terminamos de nos cumprimentar, Melanie indaga:
— Ouvi dizer que está na cidade.
— Vou ficar por um tempo.
— Isso é ótimo. Bom... a Raissa estava interessada em te conhecer
melhor — ela diz, e eu olho para a jovem do lado dela, que sorri mordendo a
pontinha do lábio. — E talvez eu também queira... Raissa e eu
costumamos..., bom, você sabe... dividir.
Sei exatamente do que ela se refere. Estou zero interessado em qualquer
uma das duas, porém uma ideia brilha em minha mente.
— Conhece a Isadora? Viúva de Roberto?
— A vaca? Sim, infelizmente. Eu era amiga dela, até saber todas as
merdas que ela fazia com o pobre homem. Por que pergunta?
— Porque estou na casa deles.
— Na mansão de Roberto? — Os olhos saltam surpresos.
— Isso. É minha agora.
— Sua?
— Se quiser, podem dar uma passadinha por lá hoje depois das seis.
Talvez encontremos algo divertido para fazer.

∞∞∞

— Receberei visitas essa noite — falo com os empregados enfileirados


me observando. Isadora não me olha, mantém a cabeça baixa. —
Provavelmente vão dormir aqui, então prepare os quartos de hóspedes, não
sei se vamos precisar. Limpe a piscina, por causa do temporal de ontem.
Olho para os seguranças uniformizados.
— Não quero funcionários rondando por perto, mas espero que a
segurança seja reforçada. É uma pessoa importante.
— Sim, senhor — respondem prontamente.
— Eloisa, organize o jantar. Encontre um cardápio variado e refinado.
Não tenho preferências para proteína, mas me avise com antecedência sobre
a sua decisão, para que eu possa escolher os vinhos.
Enfim olho para o meu grande foco. Aquela que não consigo
simplesmente ignorar.
— Isadora. — Ela levanta os olhos para mim. — Você serve. Apenas
você, entendeu?
— Sim... Zion.
— Ótimo. Estão dispensados.
Hoje ela vai ver o que é bom para tosse e aprenderá a nunca mais me
enfrentar.

∞∞∞

Às seis da tarde, tomo um banho e me visto casualmente. Uma camisa


de linho, sunga por baixo da calça e um sapato qualquer de algum estilista
famoso. Dobro as mangas da camisa, escolho um relógio e finalizo com
algumas borrifadas de perfume.
Nada muito extravagante.
Desço na hora em que o carro de Melanie atravessa o jardim, parando
na frente da mansão. Um dos seguranças prontamente abre a porta do carro
para ela, e a mulher desce exuberante, usando um vestido que mostra as
pernas, além de saltos altos. Os cabelos castanhos soltos em cascatas nas
costas.
— Zion. — Caminha até mim para me cumprimentar com dois
beijinhos. A amiga dela desce logo em seguida, me cumprimenta também e
me acompanham pelo hall em direção à sala.
Eu pedi que assim que a visita chegasse, Isadora trouxesse uma bebida
que eu mesmo escolhi. Aguardo ansiosamente para o momento em que vou
assistir a surpresa nos olhos dela.
— Então, você está mesmo na mansão de Roberto — Melanie sussurra,
admirada olhando em volta.
— Pois é. É meu novo endereço.
— Como aconteceu isso?
— Sentem-se, por favor. — Indico o sofá para elas. — Roberto colocou
a casa como garantia de um valor que ele sacou do caixa da empresa, e com
o falecimento dele, preferi ficar com a propriedade, pagando o valor da
dívida na empresa.
— Mas... — Ela me olha com cenho franzido. — E a... viúva sirigaita?
— Você vai descobrir o que eu fiz com ela. Aí vem ela.
Isadora vem em nossa direção equilibrando uma bandeja com três taças
de vinho. Então ela paralisa aterrorizada ao se dar conta de quem é a visita:
uma de suas ex-amigas.
— Melanie, conheça minha nova empregadinha particular.
O silêncio é cortado pela risada estrondosa de Melanie e pela bandeja
de Isadora que despenca no chão, quebrando as taças e derramando vinho
por toda parte.
Doze

ISADORA

Sinto os respingos de vinho em minhas pernas, mas ignoro, agarrando


com força a bandeja de prata que pego do chão. Meu coração parece que
bate em câmera lenta durante os segundos que se arrastam, enquanto as duas
mulheres riem na minha frente; Zion, feliz com as mãos nos bolsos, assiste a
tudo com uma satisfação absurda.
Ele armou isso. De alguma forma, soube que Melanie era a mais
próxima de mim quando Roberto era vivo. Talvez até tenha conhecimento de
como ela foi cruel quando precisei.
— Querida Isadora... — Melanie diz entre risos, se levantando do sofá.
— Não imaginava encontrá-la tão... rebaixada. — Toca no ombro de Zion.
— Me conte, querido, como conseguiu convencer essa oportunista a ser sua
empregada?
— Digamos que era isso ou cadeia. Essa aí é mais suja que pau de
galinheiro, eu a prendi com facilidade.
— Ela cometeu crimes? Que era uma aproveitadora eu sabia, mas
criminosa...?
— Vou te explicar com calma. Enquanto isso, Isadora, limpe essa
bagunça.
Olho de um para o outro. Quero gritar, ofender os dois, fazê-los sofrer
como eu estou sofrendo. Mas não consigo me mover do lugar. Porque essa
merda é injusta demais. Eu nunca fiz nada com essas pessoas, e esse é o
preço por ter sido passiva demais.
— Isadora, eu não vou mandar outra vez. Limpe. Agora. — O tom de
Zion se torna cruel, então abaixo os ombros e viro as costas, saindo dalí, pois
não há como lutar contra isso.
— Dona Isadora. — Eloisa me acolhe. — Você está bem?
— Não me chame de dona, por favor. Seria tão melhor se Roberto
tivesse apenas me expulsado dessa casa...
— Não permita que façam isso com a senhora. Devolva na mesma
moeda. Pense em algo que possa atingir esse homem maldoso...
— Isadora! — Ouço a voz de Zion e me apresso. Eloisa me entrega o
carrinho de limpeza, e eu volto para a sala, sem querer olhar para a cara
deles.

Eu estou prestes a abaixar para limpar, trocando um olhar firme com


Zion, ouvindo as duas mulheres rindo felizes ao fundo. Melanie até pega o
celular para filmar. Então percebo que o desconforto toma Zion. Ele engole
em seco e desvia o olhar do meu rosto.

— Pode ir, Isadora. Peça para Eloisa vir limpar.

Melanie para de rir surpresa.

— Ah não, querido. Era a minha atração principal, vê-la de joelhos


limpando.

Ele me olha por longos segundos, expressão muito fechada, mas que
deixa entrever o brilho do arrependimento. Até falar novamente, baixinho:

— Pode ir, Isadora.

E eu saio correndo sem entender o que deu no homem. Ele


simplesmente vacilou no último segundo, e não vou esperar para entender.
Algo que possa atingir Zion. O que seria? Eu não sei nada da vida dele.
No entanto, paro subitamente no meio do caminho e olho para trás.
Melanie fala com ele de modo divertido, enquanto toda a atenção do homem
está em mim. Ele se alimenta da minha ruína, mas também se alimenta da
atração que inegavelmente sente.
Ontem à noite ele me beijou...
Isso pode ser útil.

∞∞∞
Zion ordena que o jantar seja servido às nove da noite. E mesmo que eu
conteste que o meu expediente termina justamente às nove, ele insiste que eu
devo obedecê-lo.
Eles vão para a piscina, beber e festejar, fazendo de mim a garçonete
particular. Melanie faz questão de sempre gritar o meu nome pedindo
bebida, água, toalhas, chinelo.
— Zion, você me deu o presente do ano — diz ela, aos risos. — Fazer
essa mulher correr atendendo aos meus pedidos é a satisfação do ano.

Sem dizer nada, com semblante carregado, ele apenas pensava quieto
me observando.
A outra jovem, que se chama Raissa, está de biquíni dentro da piscina.
Como é noite, as luzes estão acesas, refletindo na água e deixando o
ambiente mais sensual.
Usando uma sunga de banho, Zion está deitado em uma
espreguiçadeira. Chego com outro balde de gelo com um champanhe, no
momento em que Melanie caminha até ele, senta-se sobre seu colo e o beija.
Coloco o balde na mesinha e pego as garrafas vazias.
Não queria, mas acabo olhando para o lado. As mãos grandes de Zion
acariciam o corpo de Melanie, parando em sua bunda. Então ele dá um tapa,
e ela para de beijá-lo para rir.
Zion me vê e parece adorar a minha presença enquanto beija a outra.
Como se eu fosse me importar. Viro-me e volto depressa para a cozinha,
onde me apoio na pia e respiro fundo várias vezes, recobrando o
autocontrole.
Ele não vai me afetar.
Ele não vai me afetar.
E mesmo que eu repita o mantra internamente, as horas são cruelmente
exaustivas.
Elas sobem para tomar um banho antes do jantar, e Zion mostra a
mansão para as duas mulheres, que parecem encantadas com o charme
maligno dele. O que não julgo, afinal, o homem consegue exalar uma aura
de poder e virilidade capaz de seduzir qualquer pobre alma.
Às nove, meu expediente termina oficialmente, mas não estou
dispensada. E uma ideia brilha na cabeça, acelerando o coração. Eu não
posso feri-lo diretamente, mas também não preciso ficar para trás.
— Eloisa, comece a servir o jantar se eles chegarem — peço.
— Mas... senhora. Para onde vai?
— Três minutos. Só três minutos.
— Certo, vá, depressa.
Saio correndo da casa. Correndo mesmo, passando pela piscina, agora
vazia, nem olho para os lados, até chegar à ala dos empregados. Bato a porta
e abro o armário. Roupas comportadas, todas muito elegantes.
Agitada, olho vestido por vestido. Não há nada muito provocante,
afinal, eu sempre me vesti de acordo com o que Roberto queria. Ele fez de
mim uma dama conservadora da alta-sociedade. Mas me lembro de um
vermelho que eu comprei e mandei colocar uma renda para tampar o decote,
pois era muito provocativo, e Roberto não gostava. Encontro o vestido em
uma das caixas com roupas que eu separei para não usar. Arranco a renda,
deixando o decote nos seios bem chamativo, além de uma fenda nas costas.
Visto-me, escolho um sapato de salto vermelho, solto os cabelos e
passo o batom vinho mais forte que tenho.
Para arrematar minha ideia, prendo o celular por baixo do vestido e
coloco fones de ouvido. E só então saio do quarto.
Zion e as mulheres já estão sentados à mesa quando entro na sala.
Rindo, conversando divertidamente, Zion paralisa surpreso no momento em
que me vê. Ajeito o decote, ergo o queixo, e me aproximo da mesa.
— O que está fazendo? — indaga, olhando direto para o decote em
meus seios e só depois fitando meus olhos.
— Estou aqui para servir — digo a ele e toco no fone de ouvido: — Um
instantinho, querido. Já volto. — O fone nada mais é que uma artimanha,
como se eu estivesse falando com um homem.
— Por que está vestindo assim, Isadora? E com quem está falando?
— Meu horário de expediente já terminou, senhor Zion. Eu estava de
saída para um compromisso, mas por causa da sua ordem, vou continuar
servido vocês. Aceita vinho? — Ignoro totalmente as mulheres, que parecem
confusas com a reação dele.
— Com quem está falando durante o seu serviço? — ele insiste, e
parece que essa questão o pegou desprevenido.
— Com a pessoa que eu ia me encontrar. Decidimos fazer o encontro
dessa noite por chamada de vídeo logo mais, quando eu terminar de servir e
puder me recolher ao meu quarto. Alguém vai querer vinho ou preferem que
eu sirva a entrada?
— A entrada. E seja rápida — Melanie ordena, furiosa por perceber que
Zion perdeu completamente a compostura por causa da minha jogada.
Começo a servir a salada fresca, com vieiras grelhadas ao antepasto de
alcaparras, até que repentinamente rio.
Zion me fita sem piscar, com cara de quem está muito puto.
— Desculpa — peço a eles, apontando para o fone, e sussurro alto o
suficiente para que escutem: — Fernado, não seja maldoso.
— Desliga essa merda e preste atenção em seu serviço, Isadora. — A
voz de Zion tem poder de fazer meus nervos vibrarem, mas seguro a onda e
finjo que não estou nem aí. Termino de servir a entrada e aviso:
— Me deem um segundo. Só vou pedir uma pausa ao meu
acompanhante. — Como sei que talvez Zion virá atrás de mim, fico no
corredor entre a sala de jantar e a cozinha e interpreto:
— Não fala isso — digo para o fone. — Claro, eu vou adorar. — Zion
aparece, puto da vida. Ele vem em minha direção, e eu sou rápida fingindo
que estou me despedindo. — Certo, te retorno quando eu terminar aqui. Um
beijo, meu querido.
Zion arranca com força o fone do meu ouvido e bate a mão na parede
ao lado da minha cabeça, me prendendo contra seu corpo. Seus olhos de cão
ruim pousam urgentes sobre os meus, e em seguida, como se não
conseguisse se conter, desliza para baixo, em direção ao meu decote.
— Quem é Fernando?
— Não é da sua conta. — Mantenho meus olhos cravados nos deles.
Que Deus me ajude, mas não vou esmorecer.
— Não é?
— Não. Você é meu patrão, eu sou viúva e livre. Se não se afastar eu
vou entender como assédio. Agora eu tenho um contrato que me protege.
— Como tem coragem? Não tem sete dias que seu marido foi
enterrado...
Agora ele me passa a bola de mão beijada. E eu não deixo escapar a
oportunidade.
— Eu devo guardar algum tipo de consideração por ele? Me responda
com sinceridade, Zion? Eu devo qualquer pingo de respeito pela memória
dele? Você e todos os amigos dele têm certeza de que eu fui a puta megera
na vida do santo homem, então por que está cobrando isso de mim?
A garganta de Zion se mexe quando ele engole as palavras. Não há
motivos para ele exigir nada disso.
— Você não vai se encontrar com homem nenhum...
— Por quê? Segundo o contrato que assinei, você é meu patrão, não
meu dono. Sua vingança acontece apenas nessa casa, no âmbito
empregatício, e sem muitos exageros, senão te denuncio. Da porta para fora,
eu sou livre. E vou foder, vou festejar, vou ser feliz, com quem eu quiser.
Tento sair, mas ele me segura, empurrando meu corpo de volta contra a
parede. Rosna bem pertinho da minha boca.

— Isso, mostre a verdadeira Isadora. Eu gosto disso, e vou gostar mais


ainda de experimentar todas as ordens que poderei te dar...
— Mas sabe o que você nunca vai experimentar? Esse corpo aqui. —
Desço a mão em meu pescoço e toco suavemente em meus seios — Você
gosta disso, senhor Zion? Eu já percebi que me acha gostosa ao mesmo
tempo que me acha desprezível. Mas aqui você não toca. Nem se pagar, o
valor que for, vou te querer. Porque eu te desprezo e não acho que seja
homem suficiente para me satisfazer.
Ele está tão pasmo com minhas palavras, que não faz nada quando o
empurro, o afastando. Eu poderia apenas voltar para a sala de jantar, mas
gostei de atingi-lo, portanto continuo:
— E quando você subir com as magrelas para seu quarto, pense nisso
enquanto transa com elas: eu estarei nua, no meu quartinho, em uma
chamada de vídeo com um homem bom de cama chamado Fernando. E
então eu vou me masturbar com meus dedos — levanto os dois dedos —
para ele ver, e vou ter vários orgasmos, suada, gemendo, chamando o nome
dele. O. Nome. Dele.
Eu me viro e volto para a sala de jantar, deixando Zion paralisado no
mesmo lugar.

A noite do homem praticamente acabou. Ele voltou para a mesa, mas


não parecia de fato lá, apenas um corpo sentado, pensativo, com um nervo
saltado no maxilar, mal interagindo com as convidadas.
Ele mal tocou nos pratos que fiz questão de servir com
profissionalismo, ignorando as piadinhas de Melanie, que acabou se
cansando. Cansada de me provocar sem receber a devida atenção, cansada
de tentar chamar atenção de Zion, que estava em um mundo muito particular
e estranho.
O jantar terminou de forma morna, o que me fez rir por dentro. E assim
que pedi licença e me retirei, fui direto para meu quarto.
E para minha surpresa, vejo o carro delas saindo da propriedade. Ele as
dispensou. O baque das minhas palavras foi tão forte, que teve o poder de
acabar com a noite do homem.
Rio alto, mesmo sabendo que amanhã ele poderá dar o troco.
Treze

ZION

— Quem é?

— Abra a porra da porta, Isadora. — Tento não bater com força, para
não a amedrontar. E até penso que ela vai me mandar embora e gritar que
não vai abrir, porém me surpreendo quando ouço a chave na fechadura e em
seguida a porta abre.
— O que você quer?
É uma boa pergunta. O que eu quero aqui? Sei que estou perdendo,
vergonhosamente, o controle das coisas, mas ainda assim não consigo dar
um basta na situação.
Perdi minha noite, perdi o sexo a três que Melanie oferecia, perdi a
concentração depois que Isadora mostrou um pedacinho da sua insolência
depravada. E agora não faço ideia do que estou fazendo aqui.
Empurro a porta e entro no quartinho. Isadora, usando um robe, dá um
passo para trás, sem qualquer sinal de intimidação pela minha presença. Os
resquícios da coragem ainda devem estar bombeando em seu sangue.
Corro os olhos em volta, admirando o ambiente que tem cara de um
quarto habitável depois que Isadora deu alguns toques. Fito a cama de
solteiro levemente desarrumada, como se ela já estivesse deitada quando
bati. O celular está na mesinha de cabeceira, desligado. Nem sinal da tal
chamada de vídeo. Ela estava blefando?
Inexplicavelmente, a torrente de alívio invade meu peito.
Alivio pelo quê?
Por que a leveza no meu coração ao saber que ela não está nua
falando com um bosta qualquer?
Dobrado em uma cadeira, está a porra do vestido vermelho que quase
me mata essa noite. Caminho até lá e o pego.
— O que está fazendo, Zion?
Sob o olhar dela, desdobro-o, seguro firme no decote e puxo com toda a
força, rasgando-o praticamente ao meio. E foda-se.
— Não faça isso! — aos berros, Isadora parte para cima de mim,
tentando arrancar o vestido das minhas mãos. — Você não tem o direito.
— Tenho! — berro de volta, enlouquecido e sem razão. Essa mulher me
atinge de uma maneira inexplicável — Isso aqui foi comprado com o
dinheiro do Roberto. — Termino de rasgar e jogo aos pés dela. — Se você
me provocar outra vez, Isadora...
— Você não pode fazer nada.
Dou alguns passos em direção a ela, até encurralá-la contra o armário.
— Posso. Dentro da minha casa, eu posso. Eu digo como um
funcionário deve se vestir. Eu vou te ensinar a...
— Não vai. — Ela me enfrenta sem abaixar o tom de voz. — Eu posso
aguentar as pancadas, não fui dama da sociedade a vida toda, sei me virar.
Você não me assusta.
Ela não devia ter feito isso, pois acaba de me desafiar. Sorrio para
Isadora, que ainda está a centímetros do meu corpo. Um palmo de distância
para que eu a pegue e prove novamente de seus lábios insolentes que
dominam minha mente constantemente.
— Tudo bem, senhora resiliente. Vamos ver até quando pode aguentar
sem pedir arrego. — Eu me viro e saio do quarto antes que eu não consiga
mais responder pelas minhas ações.

∞∞∞

Lohan é o nome do bebê de Roberto. Ele me confidenciou em uma


oportunidade que escolheu o mesmo nome que ia dar ao bebê que Isadora
abortou. Esse era um segredo que ele não contou para Lisette, e eu preferi
também não contar à minha irmã, para não causar intrigas entre eles. Já
estavam passando por muitos perrengues.
Hoje acordo levemente tenso. Meu sobrinho chegará de viagem, e eu
vou recebê-lo, além de que o dia da missa de Roberto está chegando. Decidi
fazer uma social aqui na casa apenas para os amigos íntimos dele.
Com as lembranças da noite anterior persistindo em torturar minha
mente, me arrumo para trabalhar e desço, deixando claro a minha cara de
poucos amigos.
Isadora caminha até a mesa, se colocando à minha disposição. Apenas
Eloisa me deseja bom dia e pergunta se eu quero algo especial para o
desjejum.
— Não, obrigado, Eloisa. — Olho para Isadora. — Café com um cubo
de açúcar.
Rapidamente, e já familiarizada com os modos de servir, ela prepara o
café na xícara para mim, enquanto a observo inevitavelmente.
Está cheirosa, penso em proibi-la de usar qualquer produto de cheiro
bom, ainda que suspeite que ela vá exalar o melhor cheiro natural sem
precisar perfumes. Eu teria de prender Isadora em uma masmorra escura
para impedi-la de mexer comigo. Não há maquiagem em seu rosto, e
percebo que isso privilegia ainda mais sua beleza.
Algo estranho me atiça. Roberto dizia, e Reginaldo comprovou isso,
que Isadora vivia fazendo mil procedimentos estéticos, porém ela não tem
nada de diferente da foto de casamento que vi no escritório da Solaris. A
mesma beleza, o mesmo nariz arrebitado, os olhos amendoados misteriosos e
os lábios cheios, em formato de coração. A única diferença é que na foto
parecia bem mais nova e um tanto tímida.
— Algo mais? — ela pergunta quando dou um gole no café.
— Sirva-me uma fatia do bolo, por favor. — E ela serve, com toda
delicadeza. — Está com raiva, Isadora?
— Por que eu estaria? Tive uma noite maravilhosa. — Ela não fica de
pé ao lado da mesa, como instruí. Se vira e sai me deixando sozinho na
grande sala de refeições. Eu gostaria de ficar mais um pouco, mas
Alexandros me liga dizendo que já me espera na empresa.
No caminho para a empresa, recebo uma ligação da cuidadora de Lohan
informando que estão neste momento embarcando no jatinho e
provavelmente chegarão no almoço.
Eu me sinto tranquilo por saber que eles estão seguros. O piloto é de
confiança, o único que eu confio quando preciso viajar. Além de que dois
dos meus melhores homens estão a bordo. Nada vai acontecer com o bebê da
minha irmã.
— Ainda rígido quanto a decisão de me ceder uma funcionária? — É o
que Alexandros pergunta com seu sotaque carregado ao se sentar ao meu
lado na mesa de reuniões.
— Não conseguiu encontrar ainda alguém de confiança?
— Você também não conseguiria. Encontrou tudo alicerçado quando
chegou aqui.
— Porque precisa tanto…?
— Porque eu detesto ter que decidir coisas sobre casa, almoço ou
qualquer festinha que eu vá dar em minha casa. Quero uma governanta. Me
dê a loira, por favor. — Ele exibe uma expressão de súplica, o que não
combina com suas feições quase sempre fechadas e bem másculas.
— Vou ver se encontro alguém para te recomendar; nas minhas,
ninguém toca.
Quando termino o expediente, está na hora de recepcionar a chegada do
bebê. Passo em uma loja de brinquedos e fico bastante tempo olhando as
opções, me perguntando com o que ele gosta de brincar.
Uma atendente se aproxima gentilmente para me ajudar e me dá várias
opções para um menino de um aninho. Saio da loja com um dinossauro
verde de pelúcia. Não faço ideia de como entreter um bebê. Nunca precisei
cuidar de um, exceto quando minha irmã nasceu. Mas na fase infantil dela,
meus pais estavam presentes.
Eu li que os bebês conseguem sentir vibrações ruins ao redor.
Conseguem sentir quando o adulto não os suporta, e por isso preciso me
policiar, me lembrar a todo instante de ser carinhoso com ele, algo que nunca
precisei ser deliberadamente com as pessoas ao meu redor.
Apesar de generoso e de tentar fazer o bem, passei a vida sendo
solitário demais devido à minha frieza costumeira. Um verdadeiro homem
de gelo.
Caminho até o jatinho e respiro profundamente, controlando as
emoções conturbadas; tiro os óculos escuros assim que a mulher de meia-
idade desce a escada, trazendo consigo o meu sobrinho, tão pequeno e já
órfão.
Os cabelos não são loiros-castanhos característicos da minha família,
são escuros, como os de Roberto, e isso me chateia. Eu gostaria que o único
filho da minha irmã se parecesse com ela.
— Oi, bebê. — Eu bato palmas para ele, usando um sorriso não muito
forçado para não o assustar. Ele me olha por longos segundos, como se
quisesse me reconhecer. Não me via com frequência já que minha irmã
estava morando em outra cidade. — Vem com o titio. — Eu o pego, e ele
não se opõe, ainda olhando atentamente para meu rosto. — Não está
reconhecendo o tio Zion?
Ele balbucia algo para mim e aponta para meu carro. E isso parte meu
coração. Ele sente falta da mãe e talvez tenha achado que ela está no carro o
esperando.
— Vamos passear no carro do titio. — Enquanto os homens levam as
bagagens para outro carro, eu entro no automóvel junto com a babá.
— Ele está enjoadinho por causa da viagem. Precisa descansar — ela
diz.
— Vou levá-los para a minha casa, até que o apartamento fique pronto.
— Obrigada por isso, senhor Zion. Sua irmã ficaria muito grata pelo
que está fazendo.
— Eu sei. — Dou um breve sorriso para ela, voltando a atenção ao bebê
em meus braços, minha única família.
Quatorze

ISADORA

— Ele está trazendo alguém? — pergunto a Eloisa, que corre de um


lado para outro escolhendo prataria para o almoço e dando ordens à
cozinheira, que se apressa em variar o cardápio.
— Sim. Acabou de ligar dizendo que está trazendo uma acompanhante.
Me ajude montando a mesa, por favor?
— Claro. — Ela me entrega prato por prato, enquanto passo um
guardanapo limpo em cada um. — Provavelmente será a Melanie outra vez.
Noite passada ele a mandou embora, sem a festinha particular no quarto.
— Eu percebi... não ficaram para dormir. Provavelmente foi por causa
do que você aprontou.
— Foda-se ele. — Rimos juntas.
— A senhora vai me colocar em maus lençóis.
— Em você, ele não toca, pode ficar tranquila.
Terminamos de arrumar a mesa, eu vou ao banheiro e depois de usar o
vaso e lavar as mãos, me encaro no espelho. Estou bem. Vou ficar bem.
Se Melanie for novamente a visita, não vai conseguir merda nenhuma
contra mim. Apenas Zion ainda tem o poder de me tirar do sério, mas, sobre
isso, vou superar ao longo do tempo.
Saio do banheiro e imediatamente ouço vozes na sala; caminho até lá,
na intenção de cumprimentar quem quer que seja e mostrar que estou à
disposição, antes que ele tenha que me convocar apenas para me humilhar
novamente.
É uma mulher de meia-idade usando roupas comportadas e corte de
cabelo Chanel, o que a deixa com a aparência ainda mais austera. Eu não a
conheço, e antes que eu possa cumprimentá-la, vejo Eloisa inclinada sobre
Zion, que está sentado no sofá. Ela fala com voz meiga, não para ele, mas
para... um bebê.
Estremeço e paraliso, sem conseguir dar mais um passo à frente quando
vejo o bebê no colo dele. Um mau pressentimento domina todo meu corpo,
sinto que empalideci. E Zion tem prazer em comprovar os meus temores.
— Isadora, está é Salete, a babá. E este meninão é Lohan, filho de
Roberto.
Lohan? Eu não posso acreditar que Roberto fez isso. O mesmo nome
que seria do nosso filho.
Apenas me viro e saio correndo da sala. Entro na cozinha, passo pela
porta dos fundos, atravesso a área externa e me tranco em meu quarto.
Eu não me preparei para isso, não tenho qualquer estrutura para encarar
com frieza essa situação. Sentindo-me desolada e sozinha, tropeço pelo
quarto, até encontrar a cama e me encolher em posição fetal.
As memórias da minha gravidez inundam minha mente, trazendo um
trauma amargo que eu não estava disposta a experimentar novamente. As
longas sessões de terapia com a psicóloga parecem não ter tido sucesso.
Involuntariamente começo a tremer. Engravidar era uma chance única e
preciosa. O meu médico me avisou dos riscos para uma pessoa com lúpus,
mas ainda assim eu insisti. Roberto e eu estávamos dispostos a enfrentar
tudo para dar vida ao nosso filho.
E eu o perdi. Eu não o segurei nos braços, eu não o amamentei, não vi
os olhinhos dele.
E agora, ver o bebê de Roberto, que ele teve com outra, durante sua
infidelidade, é dilacerante para mim.
Batidas na porta me despertam das ácidas divagações, e logo uma voz
acompanha as batidas.
— Isadora, abra a porta. — É Zion. Ele não vai ter piedade.
— Me deixa em paz.
— Abra a porta, Isadora. Porque se eu tiver que abrir, será pior.
Esgotada, completamente arrasada emocionalmente, saio da cama me
arrastando e abro a porta. Eu me afasto, abraçando meu corpo, e ele entra no
quartinho. Limpo uma única lágrima solitária. Não quero me derreter e
parecer fraca na frente dele. Porém o gatilho acionado descobre a parte mais
sensível de mim.
— Que merda deu em você? — O semblante pesado indica que não
entende a minha reação. — Volte para lá e sirva o almoço.
— Zion, eu te imploro, não me faça ter que vê-lo... por favor, eu posso
aguentar qualquer coisa, tire meu salário, minha alimentação... mas não me
obrigue a isso.
— É um bebê, Isadora. Mas que merda de egoísmo é esse?
— Não é pelo bebê, é por mim. Ele não tem qualquer culpa, mas não
vou conseguir dar um pingo da reação amável que bebês precisam. — Minha
voz embargada o intriga mais do que comove. — Não me obrigue a ter que
enfrentar isso, por tudo que você ama, não faça isso comigo.
— Por que está fazendo isso? Como pode ser tão mesquinha a ponto de
odiar um…?
— Pense o que quiser. — Junto as minhas mãos em prece e deixo a
aflição aparecer em meus olhos. — Prometo que cumprirei qualquer ordem
sua, calada, sem reclamar, mas me deixe ficar aqui, só dessa vez.
Incrédulo, Zion continua me fitando por longos segundos até se virar e
caminhar para a porta.

Para uma última vez me olhando confuso, e em silêncio, sai do quarto.


E só então choro recostada no armário, até deslizar para o chão. Coloco
a mão em meu ventre, e o choro é ainda mais doloroso, porque de tudo que
Roberto fez, essa foi a pior apunhalada.
Se eu tivesse o meu bebê, eu teria tudo.

Zion não me perturbou mais depois do rápido encontro em meu


quartinho. Não sei o que estava passando na mente dele, se resolveu me dar
uma trégua ou se ia pensar em um troco à altura por causa da minha recusa.
O importante é que fiquei livre o restante do dia, já que ele saiu depois do
almoço levando o bebê e não voltou mais. E quando a noite chega, a tensão
me toma, mesmo assim ainda o espero.
Para meu alívio, ele não vem dormir em casa. Imagino-o nos braços de
Melanie, em um iate, sob estrelas, ou no apartamento dela com vista para a
praia. Não me importo. Visto o pijama e enfim deito, sentindo as costas
reclamarem em resposta ao dia tenso.
Eles se merecem. São duas cobras. Respiro fundo, fecho os olhos e
graças a Deus, apago.
A resposta para minhas indagações, sobre se ele ia ou não me dar o
troco, chega logo pela manhã.
Zion entra na sala quando estou arrumando a mesa para o café; usa
terno, gravata e camisa, todos pretos. E tem o prazer de fazer o anúncio:
— Teremos uma social hoje aqui. Preciso do empenho de todos. —
Com uma xícara e pires na mão, paraliso, tendo noção dos meus olhos
saltados mirando-o.
— Social...?
— Lembra que dia é hoje, Isadora?
Claro que sim. Sete dias da morte do diabo traidor, vulgo Roberto.
— Sim, sete dias da morte de Roberto.
— É bom saber que você se recorda. — O semblante frio e insondável
de Zion me causa um leve pânico. Detesto quando ele exibe essa expressão
de homem de pedra. Prefiro quando está furioso, pois sei o que esperar. — A
missa é agora às nove da manhã, e não quero que você vá.
Sem fala, apenas assinto concordando. Eu não tenho mesmo interesse
em celebrar qualquer coisa daquele canalha. Ainda com semblante ilegível,
Zion prossegue:
— É para os amigos íntimos, e a maioria solicitou que vetasse a sua
participação.
Dou de ombros mentalmente. Como se eu quisesse prestar homenagem
àquele crápula.
— Claro. — sussurro, olhando nos olhos cinza-azulados de Zion. —
Deseja que eu sirva o café agora?
Ele me observa por segundos, talvez tentando me desvendar, mas
desiste e acena confirmando.
Antes de sair, Zion reúne os empregados para dar ordens a respeito da
recepção que fará hoje à noite aqui na mansão.
— Eloisa, decore a casa com rosas naturais brancas. E, por favor, retire
aquele quadro. — Aponta para um quadro central na primeira sala —
Mandarei colocar uma homenagem bem ali.
Em seguida, seu olhar ardiloso cai sobre mim.
— Isadora, eu quero todos os quartos de hóspedes arrumados, com
novas roupas de cama. Você também vai pensar no cardápio para cinquenta
pessoas. As bebidas, eu escolho. Também vai fiscalizar a decoração e
instruir os serviços quando chegarem. Haverá garçons, mas você e Regina
ajudarão a servir na festa — aceno, concordando, mesmo que o coração
experimente um belo surto de desespero. Vou passar por essa, e amanhã
será um novo dia. Zion continua: — Eloisa recepcionará os convidados,
indicando onde poderão guardar chaves, bolsas, casacos ou qualquer outro
acessório. Os uniformes pretos dos funcionários devem chegar a qualquer
momento. Alguma pergunta?
— Não, senhor.
— Ótimo. — Ele se vira e sai. Solto a quantidade de ar que estava presa
nos pulmões, fitando Eloisa.
— Tudo bem, senhora?
— Sim. Está tudo bem. Eu vou ficar bem. Vamos começar.
No decorrer do dia, eu me envolvo com os preparativos, colocando
todas as minhas emoções em piloto automático. Hoje completam sete dias
desde que eu pensei ter perdido meu mundo. Passei dias ao lado do meu
marido no hospital, mesmo sabendo que ele estava com uma mulher no
acidente. Eu rezei por ele, implorei pela vida dele, eu sofri por ele.
Hoje me pergunto se era medo de perder meu amor ou de ficar sozinha
e enfrentar um mundo hostil, sem ter sido preparada para isso.
Quando os homens de Zion tiram o quadro da sala e colocam um
grande, de Roberto com uma jovem mulher loira, meu coração acaba de se
despedaçar.
Ninguém se preocupou com o que eu sentia desde que ele se acidentou
com ela no carro. Ninguém me acolheu quando passei pelo luto, e Zion não
acredita na minha dor, por ser trocada e ter a reputação assassinada. O
quadro gigante de Roberto e sua amante, na sala da casa em que morei por
longos anos, é o maior gesto de menosprezo por mim.
Ser uma fortaleza cansa.
Parada diante do quadro, limpo uma lágrima, sopro com firmeza,
segurando o choro, e dou as costas para a foto.
Não vai me derrubar.
Não vai me derrubar.

Após pensar, com a ajuda do chef de um restaurante, sobre o melhor


cardápio e escolher cada uma das comidas, ajudo as mulheres na cozinha
com a prataria e com as taças. Fiscalizo as flores que acabam de chegar, e
como era dona da casa, digo onde cada arranjo deve ficar.
Um dos homens da floricultura entra com uma coroa fúnebre gigantesca
de flores brancas e diz que Zion mandou colocar abaixo da foto de Roberto.
Eles colocam e depois me aproximo para ler a faixa:
“O amor de vocês durou nessa vida e vai durar em todas as outras, até
a eternidade.”
“Saudades eternas de seus amigos, familiares e do filhinho Lohan”
Suspiro e me afasto. Aceita, que dói menos, esse é o melhor lema para
mim.
Quinze

ISADORA

As portas francesas laterais da casa estão abertas, o jardim, iluminado,


incluindo varais de lâmpadas que dão um ar moderno e aconchegante.
A música ambiente é de um quarteto de cordas contratado por Zion. Os
seguranças estão a postos para receber os convidados e estacionar os carros.
Os garçons que servirão as bebidas estão de prontidão, Eloisa, em pé na
porta, vestindo um traje comportado preto.
E eu estou sentada em minha cama, com o rosto entre as mãos,
enquanto busco o restinho de autocontrole e coragem para passar essa noite.
Vou rever todas as pessoas que antes faziam parte do meu ciclo de amigos,
mas que agora me veem como o mais abjeto ser humano.
Eu não preciso da aprovação de nenhum deles.
Levanto, calço as sapatilhas pretas e me recuso a me olhar no espelho.
Meus cabelos estão presos em um coque firme e cobertos por com uma
touca branca, como das outras serventes. Minha roupa é um vestidinho preto,
reto, simples e com colarinho abotoado até o pescoço e um avental amarrado
na frente.
Saio do quartinho, caminho por toda a área externa da casa e entro na
cozinha, que tem uma movimentação grande. Atenta, assisto pela janela os
primeiros convidados chegarem. Vejo Zion andar até o jardim e receber
Melanie, que chegou com a amiga dirigindo o próprio carro de luxo. Ela
joga as chaves para que um segurança estacione e entra de braços dados com
Zion.
Ele está, como sempre, um gato. O que é uma grande porcaria para
lidar.
— Podem circular — digo aos garçons, e eles saem da cozinha.

Uma hora depois, o salão principal está lotado, assim como o jardim.
Eu já dei algumas voltas com uma bandeja de canapés, passando a maior
parte do tempo de cabeça baixa. Estratégia que pareceu dar certo. Ninguém
me reconheceu. Na verdade, esse tipo de gente nem olha duas vezes para os
rostos de serventes ou funcionários em geral.
Porém, Zion pede a atenção de todos usando um microfone e se
posiciona no centro, para que todos possam vê-lo. Ele me pega desprevenida
quando estou lendo uma mensagem de Eloisa que diz:

ELOISA: “Agora posso falar, dona Isadora. Os


ricos não sabem fazer festa.”

Enfio o celular no bolso frontal do avental e tento correr, mas a


primeira coisa que Zion diz é:
— Querida dona Isadora, fique. — E todo mundo olha em volta, me
procurando. — Quero agradecer a todos vocês que vieram participar dessa
homenagem ao Roberto. Que por muito tempo foi meu parceiro de negócios
e em seguida, grande amigo. — Ele faz uma pausa, me fitando, antes de
prosseguir amargamente: — É uma dor terrível estar diante de dois jovens
que perderam a vida pela fatalidade... — Segurando uma taça de champanhe,
aponta para o quadro na parede. As pessoas concordam silenciosamente,
com acenos de cabeça. — Esses dois tinham uma vida inteira de alegria,
com grandes sonhos que não puderam realizar por causa do destino, mas
antes por causa de uma pessoa. — Ele faz outra pausa, abaixa a cabeça e fica
um tempo escolhendo as palavras.
Olhando fixamente para Zion, eu poderia implorar para que ele não
falasse de mim. No entanto, meus punhos fecham com a raiva que me
domina. Ele não tem qualquer direito de me expor. Não vou permitir mais
um pouco de humilhação nessa noite repugnante, que é uma homenagem ao
patife do meu marido e à amante dele. Não vou engolir. Zion volta a falar:
— Roberto passou os últimos meses preso a essa casa, preso a um
casamento de fachada, sendo torturado, sendo chantageado pela esposa
interesseira. Todo mundo sabe que estou falando da Isadora. E por causa
dela, Roberto não pôde desfrutar da vida ao lado da mulher que escolheu
amar — diz e aponta a champanhe para o quadro.
— Espera! — grito bem alto, e Zion para de falar. Todo mundo me
olha. Pego meu celular, aciono a câmera e aponto para Zion. — Agora fala.
Vai expor uma de suas funcionárias ao ridículo? Tudo bem, vamos, comece
o show, que eu enfio com gosto um processo trabalhista em sua garganta. Eu
assinei um contrato de emprego com você, não me entreguei para ser sua
propriedade.
Eu sei que dei uma bela jogada quando ele perde a fala, olha em volta
meio sem graça.
— Vamos, senhor Zion, comece o show de difamação contra mim, esse
vídeo vai parar na internet e ainda com o rostinho de cada uma dessas
figuras digníssimas aqui. — Corro o celular ao redor, filmando as pessoas
pasmas com minha reação.
— É a sua cara, Isadora. Chantagear. — Mauro se intromete elevando a
voz em um tom debochado. — Foi assim que fez com Roberto?
— Ele não te contou tudo? O bom homem não deixou tudo
documentado? Devia saber como foi. Meu assunto aqui não é minha vida
pessoal, é profissional. — Rio, com a fúria crescendo em cada veia do meu
corpo por causa do surto de coragem que tenho. — Vamos, fala mal de mim,
que eu saio dessa merda de casa com uma indenização gorda.

Zion está calado me fitando, sem que eu consiga discernir seus


sentimentos. Mauro volta a me afrontar:
— Ah, arrancar dinheiro de homens ricos parece a sua especialidade —
dá uma sonora gargalhada batendo palmas e as pessoas o seguem rindo de
mim. Pessoas que eu conheço, as mulheres que era minhas amigas, os
homens que vinham a nossa casa ou viajavam no iate de Roberto.
As ofensas começam. Cada um me xinga em alto e bom som, me
rotulando de coisas repugnantes. Até Zion chamar atenção de volta.

— Pessoal, peço silêncio, por favor. — As pessoas o atendem e ele me


olha. — Pode se retirar, Isadora. Vamos fazer um brinde para os falecidos e
eu acho que você não queira participar. Está liberada.
Viro-me para sair, mas quatro mulheres entram em minha frente. As
quatro mais íntimas, minhas ex-amigas.
— Que decadência, hein? Se tornou empregadinha. — Rosana ri junto
com as outras mulheres. Engulo a ofensa, olho em volta e vejo Zion com os
olhos pregados em mim.
— Com licença — peço a elas, já sem paciência.
— Não vai dizer nada para a gente?
— Eu não tenho nada para dizer, Rosana.
— Viu o bebê do Roberto? — Melanie provoca.
— Uma fofura... — as mulheres dizem, sorrindo.
Balanço a cabeça, confirmando que vi, e me viro para sair dali o mais
rápido possível. É incrível que em uma situação dessas as mulheres sejam
tão maldosas umas com as outras.
— Como se sentiu sabendo que ele tinha um bebê lindo, enquanto você
não teve a chance porque Deus tirou o seu? — É Melanie que fala isso. Ela
já tinha me provocado usando meu filho, dias atrás por telefone. Paraliso, de
costas para elas, mas então me viro, até dar de cara com a filha da puta com
pose arrogante.
— O que disse?
— Eu disse que Deus poupou uma vida inocente de ter uma mãe tão
mau-caráter. Apesar que me pergunto se um filho seu não seria tão mau-
caráter também... talvez Deus tenha livrado o mundo. — Ela ri junto com as
outras, e eu fico cega. Arranco a taça de vinho da mão de uma delas e acerto
na cara de Melanie.
Ela dá um grito de susto, as outras pulam para trás, mas eu não dou
tempo de qualquer reação, voo em cima, acertando uma sucessão de tapas
nela.
— Eu te avisei, sua piranha. Mexa comigo — uma bofetada —, foda a
minha vida — uma bofetada —, mas não fale do meu filho com essa sua
boca suja. — um soco em cheio no nariz. Um homem me segura, eu me
solto das mãos dele, arranco o avental e olho para todo mundo.
— Querem saber a maior? Ninguém nunca se importou com a minha
dor porque eu vim da pobreza, não tenho berço. Quando eu perdi meu filho,
nenhum de vocês me deram uma palavra de carinho ou de consolo. Como
se... fosse uma pobre sendo ajudada pelo milionário homem bondoso. Eu
não tenho joias, eu não tenho a porra de uma propriedade, eu não tenho nada
em meu nome. Que bela golpista, não é? Que rouba as coisas dele e deixa
tudo no nome dele.
Todo mundo está calado me olhando. Até Melanie, com a mão no rosto,
sendo amparada pelas outras.
— Se vocês soubessem como me odeio por ter passado cinco dias na
merda do hospital rezando por esse monstro na UTI. — Com as lágrimas
escorrendo no rosto, aponto para o quadro. — Ninguém veio me perguntar o
que eu sentia por meu marido ter se acidentado com a amante. O problema
está em mim? Não! Está em vocês.
Caminho até a mesa de sobremesas, pego uma torta, ando rápido até o
quadro de Roberto e acerto a torta com toda força. Em seguida, me viro para
Zion.
— Vai fazer o que comigo? Me bater? Me trancar em uma masmorra?
Sabe de quem eu tenho pena? De você que é um amargurado mal-amado que
sempre terá apenas pessoas interessadas em seu dinheiro. E também tenho
pena daquele pobre bebê que vai crescer nesse meio aqui. Vai crescer com
um tutor como você, que não passa de um lixo que se acha o máximo por ter
reduzido uma viúva tola ao cargo de empregada. Não tenho vergonha disso,
Zion. Vergonha eu tenho da época que chamei cada uma dessas piranhas de
amigas.
Saio correndo em direção ao hall. Olho para trás, Zion deixa sua
bebida, empurra alguém, que entra em seu caminho, e vem rápido atrás de
mim.
Ofegante, à beira de um surto, chego na porta da frente, e Eloisa me
entrega uma chave.
— Vá. Eu cuido dele.
— Eloisa, você não precisa entrar nisso...
— Que Deus me perdoe, dona Isadora, mas foda-se. Toma. — Ela me
entrega a chave, e eu corro para o jardim. Aciono o alarme da chave e corro
até o carro. É justo o de Melanie. Eloisa, sua pilantrinha...
Ouço o grito de Zion ordenando para eu voltar, mas ligo o carro,
acelero e saio cantando pneus pela estrada que leva a saída. Dois seguranças
tentam entrar no meu caminho, mas não dou sinal de que vou parar, e eles
pulam para o lado.
Ganho a noite acelerando no carro potente, livre, mesmo que ainda
esteja presa.
Dezesseis

ZION

Melanie conseguiu rastrear o paradeiro do seu carro roubado por


Isadora. Não esperei mais nada, não esperei qualquer conjectura do que
poderia ser feito; Melanie queria chamar a polícia, e as mulheres davam
força para que fizesse isso. Sem avisar a ninguém, apenas entrei no meu
carro e saí da mansão, ganhando a noite, na busca implacável por Isadora.

Enquanto dirijo, com as mãos agarrando com força o volante, repasso


mentalmente toda a noite, até chegar no momento do surto de Isadora. O
Zion de sete dias atrás diria que ela não tinha o direito de me interromper,
porém hoje, ao acompanhar de perto sua vida, de conhecer o seu olhar e de
entender sua força, confesso que também entendo os seus motivos de ter
surtado.
Minhas emoções fervilham enquanto acelero, ignorando as chances de
sofrer um acidente. Ultrapasso carros, buzino, furo sinal vermelho. Sei onde
ela está e vou alcançá-la antes da polícia que Melanie ia chamar. Eu prometi
que se ela assinasse o contrato, eu a protegeria e não entregaria para a
polícia.
Minha consciência força o que meu coração já sentia. As palavras dela,
junto às lágrimas, hoje à noite, foram genuínas demais. Eu consegui ver a
dor quando falou do filho que perdeu, assim como consegui enxergar o
desespero ontem, quando tentei esfregar o filho de Roberto na cara dela.
Nem se fosse a melhor atriz ela conseguiria representar tão bem.
O que eu posso fazer quando essa mulher provoca o melhor e o pior de
mim? E no quanto é bizarro que ela consiga rachar aquela camada de gelo
que cobria meu coração. Eu queria continuar tendo raiva dela, para não ser
injusto com a memória da minha irmã. Deixar que a polícia leve Isadora,
deixar que ela passe uma noite sofrida na cela. E nesse instante, um
sentimento estranho me perturba, insistindo para olhar as coisas fora das
extremidades do oito ou oitenta.
“Que bela golpista, não é? Que rouba as coisas dele e deixa tudo no
nome dele.”
As palavras dela ecoam como um prego em minha cabeça. Essa mulher
sugou tudo do meu amigo, como ele deixou documentado, mas por que
precisou roubar joias para tentar fugir? Tinha dinheiro em uma conta, mas
era uma conta conjunta com ele. Não é possível que uma pessoa seja tão
burra de extorquir outra e não fazer um pé de meia.
Chego ao local onde Melanie rastreou seu carro. É uma casa de shows.
De longe posso ver o carro de Melanie parado de qualquer jeito, a seta ligada
e a porta aberta. Isadora nem se importou com a segurança do carro.
Paro o meu, entro no carro de Melanie, desligo e fecho a porta.
Caminho até a entrada da boate, que está lotada por ser um sábado à noite.
— Zion Barone, CEO da Solaris. — Eu me apresento ao segurança que
controla a entrada das pessoas. Rapidamente sua expressão muda para
surpreso.
— Seja bem-vindo, senhor Zion. — Ele me deixa passar, e eu sopro um
“obrigado”.
Foi assim que Isadora deve ter entrado também. Essa casa de shows é
um investimento que Roberto tinha acabado de se associar, e logo depois
vendeu para a Solaris.
Para que Roberto precisava de tanto dinheiro se ainda era o presidente
da empresa e tinha vendido suas ações para mim?
O interior movimentado da boate me recebe como uma onda de
radiação nauseante. Detesto boates, sempre fui um homem caseiro que
aprecia hobbies um pouco mais requintados e solitários. Prefiro uma tarde no
campo de golfe à enfrentar uma multidão em um show, até porque não há
muitos cantores que eu pagaria para ver. O John Lennon talvez, se estivesse
vivo.
A multidão dançante e barulhenta, junto à música eletrônica, me enerva
ainda mais. Pareço um velho ranzinza intolerante à juventude.
Caminho por entre as pessoas, sussurrando um “com licença” mesmo
que não me escutem por causa da música.
Parado no meio das pessoas, busco em volta por Isadora. Tenho certeza
de que está aqui.
Uma jovem esbarra em mim e sorri depois de me medir de cima a
baixo.
— Oi, bonitão? Procurando diversão?
— Já encontrei — falo mais alto para ela, após capturar, com os olhos,
Isadora no bar. Tudo à minha volta desaparece, tenho apenas ela na minha
frente. Nada impede minha passagem, nem peço mais licença, apenas
empurro as pessoas, abrindo caminho. Ela acaba de receber uma bebida, fica
olhando para o copo por um tempo, como se tentasse tomar uma decisão, e
depois vira todo o conteúdo na boca.
— Isadora! — berro, e ela me ouve. Com os olhos saltados, se vira, me
encontrando.
— Você vem comigo. — Seguro no braço dela.
— Uma porra! — grita. — Eu acabo de tomar um copo de qualquer
merda alcoólica, que meu médico proibiu. Hoje tudo vai se foder, Zion. —
Ela me empurra e mergulha no meio das pessoas, indo para a pista de dança.
Lá, ela solta os cabelos negros, que mudam de cor conforme as luzes da pista
de dança, os sacodindo enquanto dança e canta a música aos berros. É como
um belo pássaro que acaba de escapar da gaiola e volta ao céu livre.
Passo algum tempo a observando de longe. Ela canta a plenos pulmões
e sacode os cabelos, se remexendo não sensualmente, mas de maneira livre.
Mil coisas passam em minha mente, porque não entendo o motivo de ela não
agir como a vadia fria e antipática que minha irmã e Roberto narravam sem
parar.
Várias coisas acontecem ao mesmo tempo na boate. Vejo uma
movimentação estranha, uma bela mulher loira acaba de subir no balcão do
bar enquanto canta a música e tenta beber em uma garrafa. Um homem
furioso tenta interromper o espetáculo dela. Eu o conheço, é Max Ferraz, do
banco AMB; eles cuidam de algumas aplicações pessoais minhas aqui no
Rio. Não entendo como um executivo de alto patamar pode se expor assim.
Mal acabo de pensar, ouço gritos e um barulho de mesas quebrando. No
andar de cima acontece uma briga. E pouco depois, desce um homem
desvairado, empurrando as pessoas em seu caminho. Eu o conheço também,
é Enzo Brant, também executivo do Banco AMB, à sua cola está Maria
Luiza, outra executiva herdeira de Jonas Assumpção. Grandes nomes do
meio empresarial metidos em confusão. Deixo-os de lado e me volto
novamente para Isadora.
Vejo um cara se aproximar, e ela o empurra, porque quer estar sozinha.
Então eu a sigo, entrando na pista de dança. Ao me aproximar vejo que ela
chora enquanto canta a música.
A música em inglês fala sobre balançar no lustre e viver como se não
houvesse amanhã... sentir as lágrimas enquanto secam.
Ela me vê, para de dançar, e passa segundos me encarando. Revolta e
dor brincam em seus olhos. À nossa volta, as pessoas dançam.
— Não há mais nada para você destruir! — seu grito me atinge
diretamente no coração. — Roberto se certificou de fazer mesmo após a
morte. Mexe comigo de maneira cruel, em uma parte que não era para
ninguém ver. Uma parte tão sigilosa, que nem eu gostava de visitar.

— Talvez eu não tenha misericórdia, pois tudo de bom que eu tinha,


também foi destruído. — Retruco, gritando.
Ela faz uma pausa. Limpa as lágrimas, assopra e balança a cabeça.

— Você amava tanto o Roberto a esse ponto? Eu não consigo entender,


Zion...
Desde o acidente que me faço de rocha, demonstrando o coração duro
que sempre fui, agora, porém, pareço quase vacilar.
— Era a minha irmã, você não sabia? — grito com rancor em cada uma
das minhas palavras. — Era a minha irmã que estava no carro com Roberto.
Você sabia, sim, sobre ela, Roberto me disse que você sabia. — O choque a
abraça, sua mão tampa a boca, ao mesmo tempo que a perplexidade enche os
olhos castanhos. E essa reação não pode ser planejada.
Olho para os lados, com a merda da vontade de chorar por Lisette,
chorar por não ter conseguido intervir a tempo... a tempo de salvá-la.
— Minha raiva maior, Isadora, é que estou louco para levar para a cama
justamente a mulher que eu deveria apenas desprezar e despedaçar. Desde
quando seu marido me mostrou uma foto sua, eu sinto uma necessidade
espantosa de me acabar dentro de você. Mas isso seria a maior traição à
memória de minha irmã.
Ela continua assustada com todas as revelações que eu faço em voz alta
para superar a música, e sem controle das palavras, continuo:

— Eu vi minha irmã grávida. Eu a vi feliz, eu a vi fazer planos. Por que


não os deixou livres? Por que, porra? — Isadora se assusta com meu grito,
mas não se move. — Por que tinha que ser tão... gananciosa? Por que não
libertou aquele homem e foi viver sua vida? Você poderia ter ido atrás de
mim, colocar suas garras em mim, e a gente poderia ter transado pra cacete,
poderíamos ter viajado pelo mundo, ter nos divertido. Eu te daria isso.

Ainda assustada, volta a chorar subitamente. Os lábios tão belos


tremem enquanto Isadora se debulha em choro na minha frente, abraçando
seu corpo com força. Eu insisto, porque agora que deixei as emoções virem à
tona, não consigo mais ser frio.

A próxima música que toca, sei bem qual é: A sky full of star, de
Coldplay. E me entristece, pois eu gosto deles, mas essa música vai marcar
de forma negativa. Seguro na mão dela e a arrasto dali, tirando do meio de
toda aquela gente. Conseguimos um lugar menos barulhento e reservado,
onde tem algumas mesas vazias.
— Eu... o amava. — Ela limpa as lágrimas. Agarro seus ombros,
sacudindo-a. Essas palavras me ferem inexplicavelmente.
— Não o amava, Isadora. Você não o amava.
Paralisada, observa meus olhos, e como se visse ali a resposta para
tudo, ela fica sem fala, boquiaberta.
— Fala! Fala a verdade, Isadora.

Ela desvia o olhar, puxa o ar com força, abraçando o corpo, caminha


para longe de mim e recosta em uma mesa vazia; passa bom tempo olhando
as sapatilhas até conseguir me encarar.
— É... tem razão. Eu achava que o amava. Eu fui fraca para deixá-lo.
Eu nunca amei o Roberto.
Não é como uma punhalada, ao contrário, sinto alívio.
— Não tenho o que dizer — Ergue os ombros, desanimada. — Você
tem provas concretas contra mim... tem papéis de divórcio que ele te
mostrou, montanhas de e-mails, tem a palavra de sua irmã... eu desisto, Zion.
Me leve para casa e vamos fingir que o dia de hoje não existiu, amanhã às
sete estarei pronta para servir.
Passo a mão na boca descendo na barba refletindo sobre isso. Mas nada
é maior que o tesão que sinto por ela. Eu planejava, secretamente, ir atrás
dessa mulher depois que ela desse o divórcio a Roberto. Minha mente
pervertida só conseguia pensar nisso, até que aconteceu o acidente.
Olho para ela. Isadora me fita, aguardando minha reação.
Dou alguns passos em direção a ela, e Isadora não se afasta, mantém os
olhos nos meus. Chego bem perto, passo meu polegar em seu lábio
esfregando-o.
— Por que não tentou me seduzir? — indago.
Ela tenta abaixar a cabeça, mas eu ergo novamente, segurando seu
queixo.
— Eu não saberia como fazer — ela enfim responde. — Porque eu fui
burra e tola por muito tempo e não conheci nada fora da minha bolha de
regras. Como eu poderia laçar um homem experiente e poderoso como você?
Não rebato. Ainda segurando seu queixo, deixo culpa e julgamentos
enterrados em um lugar secreto. Eu me inclino e tomo seus lábios com os
meus. Ela desvia, e está ofegante. Arrasta os lábios em minha bochecha
puxando com força minha camisa. Também ofego contra o rosto dela,
esfregando minha boca em seu rosto enquanto lutamos uma batalha muda,
lutando contra a tensão sexual que nos envolve, no entanto, não temos força
o suficiente.
Isadora entreabre a boca e desce os lábios em direção aos meus
esfregando-os em um atrito quente e sensual. Beijo-a ternamente, nada
parecido com o beijo punitivo na chuva. Experimento o lábio quente e macio
inferior e, em seguida, sem pressa, o superior. Minha boca se mexe contra a
dela, envolvendo-a com delicadeza, da forma que imaginei desde o momento
em que vi a maldita foto.
Ela suspira, eu me afasto do beijo e depois de dois segundos nos
olhando, volto a beijá-la; dessa vez, profundamente, usando a minha língua,
que invade sua boca e encontra a língua dela, que permite minha invasão,
enrolando juntas em sintonia deliciosa, arrepiante. O beijo é bom, e o tesão
só cresce.
Trago-a mais para perto e sinto as mãos tímidas de Isadora tocando meu
pescoço.

Tomado pelas emoções e adrenalina da noite, pego-a no colo, tão leve


como eu imaginava, e suas pernas enlaçam minha cintura. Não paramos de
beijar, e acho que Isadora, assim como eu, mandou tudo se foder essa noite,
jogando a razão para o alto. Ao som da boate barulhenta, a gente viaja no
beijo até que preciso parar pois lembro que estamos em público.

— Vamos... — sussurro pertinho dos lábios dela. — Melanie chamou a


polícia, mas não vou deixar te levar.
Ela assente, meio assustada e parece instantaneamente pálida. Eu penso
que é por causa da luz, mas Isadora vacila e se apoia em meu corpo, então
tenta dizer algo e eu vejo-a se acabar em minha frente caindo desacordada.
Dezessete

ZION

Apavorado, ando de um lado para outro na sala de espera do hospital


para onde trouxeram Isadora. A boate tinha uma enfermaria, e eles
chamaram a ambulância para trazê-la.
Eu não sei o que houve. Ela simplesmente apagou nos meus braços
logo após o beijo. Não entendo o motivo de ter ficado tão desesperado por
uma pessoa que tecnicamente eu detesto. Ver Isadora sendo levada
desacordada mexeu brutalmente com o meu coração.
A mulher da recepção me chama e informa que eu já posso entrar para
acompanhar Isadora, que já está estabilizada no quarto. Ela coloca um
adesivo de “acompanhante” no meu peito e indica por onde devo ir. Sigo
uma enfermeira que me leva até a ala dos quartos, onde Isadora repousa,
ainda desacordada.
— O médico virá daqui a pouco conversar com o senhor — ela diz, mas
nem estou olhando, minha atenção inteira está cravada na mulher de
aparência simples, mas de beleza hipnotizante. Eu me aproximo
cautelosamente e puxo o ar com força ao tocar em seu rosto, agora já corado.
Passo os dedos pelo seu braço e seguro sua mão tão macia e delicada.
As unhas, cortadas por mim, ainda estão sem esmalte.
— Oi. — Ouço o chamado atrás de mim e me viro. É o médico
plantonista. — Você é o acompanhante de Isadora?
— Sim. Zion Barone. — Aperto a mão dele. — O que ela teve?
— Vamos conversar aqui fora. — Eu o sigo para fora do quarto, e ali
mesmo no corredor ele dá o diagnóstico. — Foi uma síncope vasovagal. É
originada por dificuldade em regulação entre a frequência cardíaca e a
pressão arterial. Resumindo, um desmaio bem comum, causado por gatilhos
específicos, como ficar muito tempo de pé, exposição a muito calor, ficar
muito tempo sem se alimentar, desidratação. Sabe dizer qual pode ter sido o
gatilho dela?
Penso na festa que dei hoje na mansão, deleguei funções a Isadora para
que ela organizasse a maioria das coisas. Ela teria ficado todo esse tempo
sem se alimentar? Não é possível...
— Pode ter sido... falta de alimentação.
— Eu vou passar um soro para ela. Há outra questão. Verificamos no
banco de dados e encontramos um registro dela aqui, uma internação...
— Ah...sim. Estou a par. — Relembro os relatórios médicos
informando que ela se internou para um procedimento estético.
— A doença dela requer um certo cuidado. Tudo indica que ela ingeriu
álcool e ficou sem se alimentar, o que não pode...
— Espera, desculpa, o senhor disse doença?
— Sim, lúpus.
Acho que passo quase um minuto paralisado, sem fala, encarando o
médico à minha frente sem entender que merda ele está falando.
— Lúpus?
— Sim, a paciente tem lúpus, não sabia?
— Eu... não... sabia — gaguejo pateticamente. O doutor olha a
prancheta em sua mão para me dar mais informações.
— Aqui diz que o reumatologista Humberto Casagrande foi o
responsável por ela. O lúpus é uma doença crônica, porém o dela está bem
controlado. Ela só precisa evitar esses descuidos...
Minha mente está em outro mundo enquanto o médico explica sobre a
doença. Consigo pescar palavras como “crônica” e “descuido”, mas não
parece fazer sentido na minha cabeça. Tudo que eu acreditava sobre Isadora
cai por terra. Definitivamente eu não a conheço.
— Tudo bem? — o médico me indaga. — Ouviu o que eu disse?
— Será que o senhor não se enganou? Não é possível que talvez ela
tenha forjado a doença?
— Forjado?
— Er...
— É um questionamento sério. O hospital não iria forjar um laudo
médico ou corroborar que um paciente faça isso, por qualquer motivo que
seja. Mas se tiver em dúvida, pode contactar o médico que cuidou dela. Ele
saberá te informar melhor.
— Compreendo. Pode me falar um pouco sobre a doença?
— É uma doença inflamatória, autoimune. O sistema imunológico ataca
seus próprios tecidos. Pode afetar articulações e órgãos como os rins. Por
isso o paciente deve fazer uso de imunossupressor, para diminuir a
imunidade do organismo. Todo cuidado é pouco. Alimentação, evitar sol,
estresse, fazer o acompanhamento periódico. Embora não tenha cura, o
tratamento pode melhorar a qualidade de vida do paciente.
Quando o médico se afasta, pois é chamado para outro atendimento, eu
continuo estancado no mesmo lugar, encarando a parede branca à minha
frente. Não é possível. Eu vi extratos do plano de saúde e não havia nada
sobre lúpus.
Como Isadora está desacordada, saio do hospital no piloto automático e
dirijo de volta para a mansão, onde a festa ainda acontece. Eu penso em mil
coisas enquanto dirijo, contemplando a noite sem estrelas, e nenhuma dessas
coisas que giram na minha cabeça consegue aplacar a confusão mental. Eu
não sei o que está acontecendo.
— Chamar Reginaldo — aciono o comando de voz, e a ligação para
meu amigo se completa. Ele atende bem rápido.
— Oi, Zion, diga.
— Você de fato investigou a respeito dos gastos de Isadora com
hospitais e clínicas?
— Sim, eu ia investigar, mas Mauro adiantou tudo, me entregando toda
a papelada que eu te mandei. Os extratos do plano de saúde e as contas de
clínicas particulares.
— O Mauro?
— É. Eu conversei com ele no dia da leitura do testamento e ele disse
que podia me passar as provas, já que ele tinha tudo.
— Certo. Eu vou dar mais uma olhada.
— Como estão as coisas? Tudo bem?
— Sim. Tudo bem. — Decido não contar nada para ele sobre Isadora
estar no hospital. — Te ligo se precisar.
Porra, o que está acontecendo? Eu não posso ter deixado a emoção me
cegar a ponto de não ter visto detalhes tão importantes. Não é possível...
Chego à mansão e me deparo com várias viaturas de polícia. Assim que
eu desço do carro, Melanie vem desorientada em minha direção.
— Onde está a bandida? Eu vou acabar com ela.
— Melanie, acalme-se. Está tudo bem com seu carro, já pedi a alguém
para buscá-lo.
— Não quero saber, Zion! — O seu berro cheio de revolta me deixa
irritado. — Eu quero aquela criminosa na cadeia. Todo mundo viu o que ela
fez.
— Isadora não fez nada, policial — eu interfiro, deixando Melanie
chocada. — Fui eu que peguei o carro de Melanie.
— Não foi. Tenho testemunhas que viram o roubo, eu vou denunciá-la.
— Denuncie, Melanie. — Aumento o tom de voz de modo rude, o que
a faz se calar surpresa. — Denuncia uma de minhas funcionárias, que eu
acabo com a parceria do seu pai com minhas empresas. Acha que ele vai
gostar disso?
Eu me afasto dela e me aproximo dos policiais para esclarecer as
coisas. Dramaticamente, Melanie começa a chorar, sendo acolhida pelas
outras mulheres. E não é uma tarefa difícil convencê-los de que foi um mal-
entendido; peço desculpas e apenas torço para que vão embora.
— A festa acabou! — grito, avisando todos os convidados que estão
por perto. — Por hoje chega, podem ir embora. — Não gosto dessa gente
mesmo.
— O que fez com ela... senhor Zion? — Eloisa se aproxima de mim,
meio medrosa, mas firme em me enfrentar. — Onde está a dona Isadora?
— Quero conversar com você. Agora. — Entro em casa, passo pela sala
onde ainda há pessoas cochichando, curiosas, tentando entender o que
aconteceu. Não dou explicação a ninguém; só quero que todas essas pessoas
saiam da minha casa.
— Zion. — Ouço me chamarem e me viro, me deparando com
Alexandros. — O que aconteceu...?
— Venha comigo — eu o chamo, e ele me segue para o escritório junto
com Eloisa.
Ela tenta esconder, inutilmente, a ansiedade ao entrar no escritório
conosco. Não se senta, e eu fico à sua frente, com o quadril encostado na
mesa e braços cruzados. Alexandros, de pé, um pouco mais afastado.
— Eloisa, sabia que Isadora tem uma condição... uma doença crônica?
— Sim, ela tem lúpus. O senhor não sabia? — Pela minha cara atônita,
ela empertiga o corpo, dá uma rápida olhada para Alexandros e continua: —
Ela achava que o senhor sabia da condição dela e que não se importava.
Eu me calo ao receber a resposta, que é tão incômoda quanto deve ser
uma agulha enfiada debaixo da unha. Abaixo o rosto por um momento. Ela
deve me achar o ser mais frio e mau de todo o planeta.
— Onde ela está agora? — Eloisa sussurra, meio temerosa.
— No hospital — digo, assustando-a. — Ela foi para uma boate...
bebeu e acabou desmaiando. Talvez ela não tenha se alimentado o dia
inteiro. Mas já está estabilizada e vai passar essa noite em observação. Pode
ir, Eloisa. Te chamo se precisar.
Ela assente e sai, um pouco mais aliviada. Eu me sento em um sofá do
escritório, completamente desnorteado. E quando Eloisa sai, Alexandros se
senta ao meu lado.
— O que descobriu, Zion?
Olho para ele. Rapidamente toco na maçã do meu rosto, descobrindo ali
uma lágrima solitária. A expressão de desespero de Isadora não sai da minha
cabeça, e isso me machuca de uma maneira que nunca senti com outra
pessoa. Justo eu, a porra do rei do gelo, que dava conta de embates sem
qualquer sentimento pelos meus oponentes. Derrubei impérios, fiz negócios
duvidosos, me dei bem sem derramar uma maldita lágrima. Mas,
subitamente, a lembrança dos olhos dela pedindo clemência enquanto eu
estava ali apenas para destruí-la sem piedade é capaz de curvar a minha
bravura. Outra lágrima me pune, e eu luto para não a deixar livre.
— O que houve, Zion? — Alexandros insiste.
— Roberto mentiu... Mauro mentiu... eles me fizeram acreditar... —
Viro o rosto para o homem ao meu lado, sabendo que estou pálido. — Que
ela era uma mulher rasa que vivia gastando rios de dinheiro em clínicas de
estética.
— E não é...?
— Ela tem uma condição séria, sem... cura. Lúpus. Pode atacar os
rins... pode... progredir... eu não sei o que eu estava pensando.
— Era o calor do momento, amigo. Tanta coisa acontecendo, você tinha
perdido sua irmã e queria encontrar um culpado.
— Não. Esse não sou eu. Você me conhece, eu sempre sou certeiro e
competente... tão habilidoso em levantar dados. — Fito os olhos verdes dele
por um tempo e confesso baixinho, dolorosamente: — Eu a cerquei de todos
os lados, eu aniquilei o único advogado que ela arrumou. E não permiti que
o embate fosse equilibrado.
— Porra, Zion.
Abano a cabeça desorientado, o remorso me consumindo.
— Minha irmã e Roberto pintavam a Isadora como a pior pessoa do
mundo, e eu te juro que só o desejo de vingança passou em minha mente
quando soube do acidente. Quando eu soube que Lisette tinha morrido sem
conseguir realizar o desejo de se casar com aquele...
— Mas você não fez uma merda grande, e nem faria. Você não é esse
tipo de homem.
— E que homem eu sou, Katsaros? Eu a fiz preparar a festa de hoje, eu
dei ordens para que ela trabalhasse, e isso a deixou preocupada e atarefada o
dia inteiro. Ela poderia ter precisado de ajuda... e se ela tivesse passado mal
dirigindo o carro de Melanie? Minha mente está um desastre. Eu tento ligar
as peças, mas parece que nada se encaixa. Não tenho respostas. Por que
Roberto inventou tudo isso? Por qual motivo?
— Vamos descobrir isso de perto. Antes de tomar qualquer providência
contra qualquer pessoa, vamos passar tudo a limpo. Para que não cometa
mais erros.
— Exato. Vou falar com Mauro. — Pego meu celular, levanto do sofá e
toco no nome de Mauro, para falar com ele. O sujeito atende no segundo
toque.
— Zion, amigo. Diga.
— Ainda está aqui na festa?
— Acabei de sair. Estou na casa de um amigo. Está tudo bem?
— Está. Vamos marcar uma hora para nos encontrar. Tenho perguntas
para te fazer.
— Sobre?
— Isadora.
— Ótimo. Você vai adorar ouvir mais merdas sobre aquela megera. Nos
encontraremos.
Desligo sem prolongar o assunto ou me despedir. Se Mauro tiver feito
tudo isso propositalmente, vão precisar me algemar para que eu não o mate.

Confiro uma última vez toda a papelada que Reginaldo me deu sobre os
extratos médicos de Isadora. Estão lá todos os registros de procedimentos
estéticos, o que eu já não acreditava desde o dia que vi a foto do casamento
dela. Preciso de provas para confrontar Mauro.
Já são dez da noite, mesmo assim ligo para a minha secretária da
empresa. Peço desculpas pelo horário e digo logo o que desejo.
— Só preciso saber para onde vai a fatura do plano de saúde dos
funcionários da empresa.
— Estão chegando no e-mail de cada beneficiário — ela responde.
— Peça uma segunda via do plano de Roberto e da esposa dele. Diz que
preciso dos três últimos meses.
— Sim, senhor. Farei isso amanhã quando chegar à empresa.

∞∞∞

Eu me sento afastado da cama de Isadora, enquanto ela descansa em


uma frágil tranquilidade. Ela parece desprotegida e sozinha nesse momento,
e eu me sinto culpado. Eu a fiz trabalhar no dia em que levei Melanie até a
mansão e deixei que as duas abusassem de Isadora. E todas essas merdas são
mais dolorosas que uma facada nas costelas. Porque não importa o que ela
tenha feito, se é ladra ou aproveitadora, Isadora tem uma doença, e eu estou
me sentindo um completo filho da puta por não ter conhecimento de um fato
tão importante quanto esse.
Ela foi firme e corajosa e me enfrentou, mesmo que estivesse frágil por
dentro.
Isadora acorda pouco depois, assustada e sem entender o que aconteceu.
Ela me olha com incredulidade, e até faz um gesto de se afastar quando tento
segurar sua mão. Ela não confia em mim, e tem todos os motivos para isso.
— Você desmaiou na boate. Está em um hospital. — Isadora olha em
volta, se dando conta de onde está, e fita meu rosto novamente. — Por que
ficou tanto tempo sem se alimentar? — indago. — Isso não devia ter
acontecido.
— Como se você se importasse...
— É claro que me importo. Você está sob os meus cuidados, é minha
funcionária, e não quero ser acusado de deixar meus subordinados morrerem
de fome.
— Olha só... Progredi de empregadinha para funcionária — ela
debocha, e quase sinto vontade de sorrir. Eu me controlo. Estou feliz que ela
esteja bem. — Por que está aqui? — Isadora pergunta, se ajeitando na cama
e recostando no travesseiro.
— Tem mais alguém na vida que poderia vir te visitar?
— Obrigada por me lembrar desse fato.
Eu me calo e a fito. Não vou tocar no assunto do lúpus agora. É melhor
esperar que ela se recupere mais um pouco.
— Aquele beijo — ela sussurra, fitando os dedos. — E tudo que você
me falou...
— Vamos esquecer por ora — digo.
— Ok. — Ela fecha os olhos, indicando que o papo acabou, e eu volto
para a poltrona.
Às duas da manhã, o médico vem dizer que Isadora está liberada.
Enquanto ele conversa com ela, eu os deixo a sós, para dar privacidade,
afinal consegui ler no olhar dela o incômodo por me ver presente.
Em seguida, eu a guio pelo corredor e até tento fazer com que se
apoie em mim, mas Isadora se recusa de imediato, o que é uma reação
plausível.
Chegamos à mansão, que graças aos céus está silenciosa. Todos já
foram embora, inclusive a polícia, que ficou satisfeita com o meu
depoimento. Isadora desce do carro e vai em direção à ala dos empregados, e
eu não tenho tempo de impedi-la, pois Alexandros ainda está aqui e vem
conversar comigo sobre uma proposta de emprestar Eloisa para ele.
Só depois de resolver isso e de ver meu amigo indo embora é que vou
ao quarto de Isadora.
Dezoito

ISADORA

Tenho a sensação de ainda estar tonta e confusa com os


acontecimentos.
Muita coisa aconteceu em um curto intervalo: Zion tentou me humilhar,
roubei um carro, bebi em uma boate, ele fez declarações, me beijou, e eu
acabei em um hospital. Tudo que deveria ter acontecido em um ano
aconteceu em uma noite.
Óbvio que eu não me alimentei bem o dia inteiro, além disso ainda foi
um dia estressante por conta da festa. Logicamente não poderia ser qualquer
festa, mas sim uma cerimônia para meu falecido marido e sua amante.
Embora tenha tido motivos para surtar no fim do dia, não devia ter tomado
aquele drinque na boate.
Penso em ir até a cozinha preparar algo leve para comer. E quando
troco de roupa e abro a porta para sair, dou de cara com Zion, que estava
prestes a bater na porta.
— Ah... oi — eu sussurro.
Zion não diz nada, só me observa. Seu olhar é vago e levemente
entristecido. Ele empurra a porta e entra no quartinho. Olha em volta, fixa os
olhos na minha cama, que graças aos céus está arrumada, e vira o rosto
novamente para mim.
— Escolha um dos quartos na casa para você ficar. — Apesar de baixa,
sua voz não indica que seja alguma maldade ou pegadinha. Parece um tom
bem verdadeiro.
— Por quê? — sussurro, o encarando. Zion caminha até a cama e senta,
passando alguns segundos em silêncio. Então indaga:
— Por que não me disse que tem lúpus? — Levo um susto com a
pergunta. Meu coração dispara e vai parar na garganta; buscando mascarar
minha surpresa, cruzo os braços diante dos seios e recosto no armário,
fitando-o.
— E você não sabia? Já que dizia que sabia tudo sobre a minha vida.
— Você achava que eu sabia e não me importava?
Não vou mentir, então apenas concordo balançando a cabeça. Vejo
mágoa cobrir suas belas feições.
— Eu não sabia.
— Como não? Chegou aqui dizendo que sabia tudo sobre mim... — Seu
olhar enfurecido me cala. Penso que Zion vai me atacar, mas ele não o faz.
Sua fúria parece destinada a outra pessoa.
— Roberto deixou tudo documentado, como se você estivesse gastando
uma fortuna com procedimentos estéticos.
— Procedimentos estéticos? — Minha entonação é como uma onda de
perplexidade. — De onde ele tirou isso?
— Eu queria confirmação e pedi a um amigo para continuar
investigando sua vida, então Mauro deu a ele extratos das clínicas que
mostravam procedimentos milionários.
— O Mauro? A troco de quê? Eu... nunca fiz nada contra essas pessoas.
Zion não responde. Agora há uma bela e escancarada expressão de
culpa e arrependimento, que não me alegra. Ele errou muito com uma pessoa
inocente, e não vou ficar com pena por causa de uma carinha abatida.
— Porra, você é todo poderoso, bilionário, ameaçador e deixou coisas
assim nas mãos de terceiros? Que provas tem contra mim, Zion?
— Eu não tenho mais nada contra você. Não posso mais acreditar
naquelas coisas todas sem que eu veja com meus próprios olhos. Foi difícil
para mim...
— Nossa, imagino como deve ter sido difícil — debocho e prossigo: —
Para mim, não deve ter sido tão ruim. Por favor, saia do meu quarto. Eu
quero ficar sozinha.
— Como é para você conviver com... essa condição? — ele indaga, um
tanto amargurado. Fico sem ar, surpresa com a pergunta e por fitar seus
olhos e ver que estão umedecidos. — Você sente alguma coisa... em relação
à doença? Tem algum sintoma, precisa de algum cuidado?
Ele está desarmado, com as defesas baixas. Seria o momento ideal para
eu o atacar, ofender e tentar feri-lo para dar o troco. Mas não sou essa
pessoa. Então solto o ar dos pulmões e me sento na cama, ao lado dele.
— Foi difícil no início. Mas aprendi a conviver. Eu não vivo em função
da doença, mas faço dela a minha companhia todos os dias, para que não
esqueça que preciso mantê-la estabilizada. Eu... só fiquei aqui e aceitei sua
proposta porque preciso do dinheiro para manter as consultas e o
acompanhamento, já que não tenho mais o plano de saúde da empresa.
— Por que não me disse naquele dia?
— Você teria acreditado?
— Eu estava transtornado e te flagrei fugindo levando joias. Isso
aumentou todas as minhas crenças...
— Essas são suas desculpas? — retruco, aumentando meu tom rude.
— Não. — Ele balança a cabeça. — Só preciso entender. Há muitas
pontas soltas e não sei em quem acreditar. Não consigo entender as
motivações que levaram as pessoas a mentirem sobre você... não consigo
compreender quem é você... — Zion fica de pé, olha em torno do quartinho,
me fita alguns segundos e caminha para a porta. — Arrume suas coisas, vai
sair desse lugar.
— Eu não preciso da sua empatia, Zion. — Também de pé, mantenho
distância dele.
— Não estou fazendo para te comprar. É só uma pífia tentativa de
consertar alguns dos meus erros. — Ele sai do quarto, me deixando a sós
com o silêncio.
Em dois minutos, homens chegam ao quartinho para me ajudar com a
mudança. Eu não contesto, apenas digo para eles levarem as caixas, que
ainda estão intocadas da última mudança, para o quarto de hóspede, no
corredor leste da casa. O último, com vista para o jardim.
Não fico feliz nem comemoro essa mudança. Não há nada na minha
vida para comemorar, mas posso dizer que a escalada para fora do poço
enfim começou. Não estou mais no fundo.
Em menos de duas horas, a mudança é toda concluída. Estou em um
novo quarto pela terceira vez. E espero não sair daqui tão cedo, pois é
cansativo emocionalmente. Afasto as cortinas e espio pela janela.
Arrumei minhas coisas no banheiro. Fiz questão de escolher uma
suíte, já que Zion permitiu. Termino colocando minha escova no suporte e
me olho no espelho. Não pareço feliz, mas aliviada. Que bom que ele
descobriu algo sobre mim, é impressionante como uma pequena fagulha em
um caminho escuro é capaz de trazer tanta esperança.
Sorrindo para mim mesma, deixo uma lágrima rolar pela minha face.
Não parece tão pesado agora que consegui chegar até aqui, mas, como minha
mãe dizia: as coisas não ficam mais fáceis, você que fica mais forte para
enfrentá-las.
Vou até a cozinha, pego algumas sobras da festa e volto rapidamente
para o quarto, e após comer, posso enfim me deitar numa cama confortável
sentindo o sono natural me abraçar.

∞∞∞

O dia está lindo quando abro as cortinas. Belo, mas sem muito sol, o
que me diz que dá para caminhar um pouco. Eu me sinto bem após a noite,
sem qualquer resíduo do que aconteceu ontem me perturbando. Tomo meus
remédios matutinos, meço minha pressão arterial e minha glicose em jejum e
a saturação. Aparentemente, bem de saúde.
Passo protetor solar, visto um moletom e saio do quarto, colocando
boné e óculos escuros, para me exercitar um pouco.
Corro em direção ao labirinto de arbustos e, dessa vez, encontro o
jardineiro aparando-os para deixar as plantas com um desenho quadrado.
— Bom dia, dona Isadora.
— Bom dia, seu Leandro. Os arbustos estão bonitos.
— Obrigado. Veja depois as roseiras, uma beleza.
Percorro cada corredor do labirinto com o coração na mão, sempre com
a impressão de que vou topar com Zion em cada esquina. Mas, por sorte, não
o encontro. Nem mesmo no centro do labirinto, onde fica a fonte. Paro para
tomar um ar e volto à caminhada suave para sair do outro lado do jardim.
Ao sair, do lado oposto do caminho em que entrei, surpreendo-me ao
ver uma luta corporal entre homens na quadra de tênis de Roberto.
Assustada, corro para perto, e só então percebo que um deles é Zion lutando
ferozmente com seus homens. Uns cinco indo para cima dele, enquanto
socos voam para todo lado.
Não parece treino ou ensaio. São golpes mesmo, para valer.
Zion derruba um, que cai, mas se levanta cambaleando. Em seguida,
acerta o chute em outro, mas é pego por trás e recebe um soco. Faço uma
careta, pois deve ter doído. Zion fica tonto e recebe um golpe nas costelas,
caindo de joelhos na quadra.
Que bom vê-lo apanhar.
Viro as costas e corro de volta para a mansão. Não quero problemas
caso ele me descubra espionando.
Então é assim que ele conseguiu aquelas marcas nos nós dos dedos,
que vi no dia em que ele chegou?
Troco de roupa, arrumo os cabelos e, vestida com o uniforme de
empregada, vou para a cozinha tomar meu café antes que Zion chegue.
Eloisa não está na cozinha. Cumprimento Odete e Regina, e elas apenas
murmuram sem dar muita conversa. Espio na sala, mas nem sinal de Eloisa.
— Eloisa? — chamo, olhando para a área de serviço. Preciso conversar
com ela, é a única pessoa que confio. Quero contar a novidade, que a amante
de Roberto é irmã de Zion. — Eloisa?
— Não sabe, dona Isadora? — Odete indaga, com o semblante triste.
— O quê...?
— Eloisa não está mais aqui.
Ela dá a notícia, e eu quase caio para trás, colocando a mão no peito.
— Como assim? O que houve?
As duas se entreolham, visivelmente com medo de falar, mas Odete dá
de ombros e resolve me dizer.
— Ela foi mandada embora. Eu vi ontem quando o seu Zion falou...
— Como assim, ele a mandou embora? Ele... não podia. Por quê?
— Não sei se é isso, mas a gente acha que foi porque ela ajudou a
senhora ontem à noite. O seu Zion não deve ter gostado nem um pouco.
Nem termino de ouvir. Cega de ódio, saio da cozinha e corro rumo ao
jardim; entro no labirinto, com o coração explodindo nos tímpanos, e chego
do outro lado. Zion ainda está na quadra de tênis, mas agora não luta mais.
Ele conversa com os homens e toma água em uma garrafinha.
Puxo o portão de grade e entro feito uma onça brava. Os homens me
veem e chamam a atenção de Zion, que me vê também. Eu queria pegá-lo
desprevenido.
— Seu filho da puta desgraçado. — Parto com fúria para cima dele,
mas não consigo acertá-lo. Zion me segura no momento em que minha mão
ia acertar em cheio o seu rosto.
— Isadora! Está louca?
— Estou! Eu estou louca. Porra, me larga. — Chacoalho meus braços
até ele me soltar. Com passos trôpegos, coloco distância entre a gente e
aponto o dedo para ele, ofegante, furiosa. — Eu vou acabar com você. Vou
ser a megera que você queria...
— Podem ir. — Ele dispensa os homens, que não questionam e saem
sem olhar para trás. — O que foi que eu fiz para enfim mexer com as
emoções gélidas da viúva cobra? — Tripudia e cruza os braços diante do
peito suado e sujo.
— O seu problema era comigo. Eu destruí sua vida, como ama dizer.
Você demitiu a Eloisa só para me punir. Ela não tem culpa dessa merda entre
nós dois.
— Ela me desrespeitou ontem ao te ajudar a fazer aquele espetáculo.
— Que você desse uma advertência. Mas mandar embora só para me
ferir? Quem você pensa que é? — minha voz quase falha com a sensação de
afogamento que me toma, não estou totalmente bem depois de ontem. Zion
continua impassível assistindo meu surto.
— Não penso, eu sou. O dono disso tudo aqui e seu patrão. E patrão
dela também. Então eu decidi, e está feito.
— Você quer saber? Ela sustenta a família dela no interior. Ela
precisava desse emprego. Você poderia tirar o meu salário ou dividir com
ela. Mas mandar embora? Como quer que alguém tenha compaixão pelas
suas dores e que chore com você quando não consegue ter empatia com uma
funcionária?
Zion paralisa diante das minhas palavras, perdendo totalmente a pose
autoritária e inabalável. Ele abaixa a cabeça sem palavras, e eu me viro para
sair, porém ele fala:
— Não mandei ela embora por sua causa. — Eu me viro de volta para
ele. — Eu apenas a emprestei para meu amigo, por dois meses, até que ele
encontre uma governanta à altura. Eloisa vai ganhar o dobro, nós dois a
pagaremos, e ela aceitou o acordo.
Zion me desarma em segundos. Toda a fúria desaparece, me deixando
apenas com uma vergonhosa boca aberta. Tento falar algo, contestar, mas
não sai uma palavra.
— Pois é. Não sou tão cuzão a ponto de foder com a vida de quem
nunca fez nada comigo. — Ele se aproxima de mim, e com uma mão segura
meu maxilar. — E da próxima vez, não tente me agredir. Posso ficar bem
furioso. — E como se não fosse o meu fodido carrasco, se inclina e beija
minha boca. E o pior: eu deixo.
Zion me beija docemente, nada opressor, nada cruel. É um excitante
beijo de língua, com minha contribuição inclusive. Minhas pernas tremem
enquanto sua boca encaixa na minha e a sua mão acaricia minha bochecha.
Toco no seu peito para me apoiar e gosto dos músculos duros sobre minha
palma.
Zion interrompe o beijo e sorri com os olhos.
— Como está se sentindo agora pela manhã, além da fúria de onça
brava?
— Não te interessa. — Dou um tapa na mão dele e afasto um passo. —
Você disse ontem que era para fingir que nada aconteceu!
— Esqueça ontem, Isadora. Hoje é outro dia. — Simplesmente se vira,
e sai andando para fora da quadra.

∞∞∞

Regina arruma a mesa quando entro na sala com o coração palpitando


no pescoço. Eu a ajudo, tentando não bater as coisas na mesa devido à
revolta que sinto. Eu o beijei de novo. E essa é a minha ruína.
Alguns minutos depois, Zion desce, já vestido para sair. Deslumbrante
dentro de uma roupa social, com uma gravata azul, o nó bem-feito, mas sem
o paletó, que está em sua mão. Zion o deixa na cadeira ao lado e olha alguns
instantes para mim, calado, quando pergunto se prefere café ou suco.
Penso que ele não escutou, afinal, não responde, só me olha. Tento
adivinhar suas intenções pelos olhos cinza malignos, mas é inútil.
— Café ou suco? — insisto. Talvez eu jogue na cabeça dele, arruinando
mais ainda minha situação.
— Puxa uma cadeira e sente-se, Isadora — ordena subitamente.
— Sentar? — Meus olhos saltados devem ilustrar o tamanho do meu
susto. E ele gosta de ver o que consegue causar em mim.
— É, sentar e tomar o café comigo. Depressa, pois não tenho a manhã
toda.
Olho para as cadeiras e de volta para os olhos dele. Não parece uma
pegadinha, Zion fala sério.
— Mas...
— Senta e toma café, Isadora. Estou mandando.
— Bom... se quiser, eu posso te servir antes...
— Não. — Ele recusa pegando o bule de café. — Eu nunca precisei de
ninguém para me servir; isso é uma frescura do cacete. Só obrigava você a
fazer isso para te ver rebaixada.
Atendendo à sua ordem, puxo uma cadeira e me sento; parece muito
estranho, mesmo que eu tenha passado anos morando aqui usando essa
mesa.
— Era nessa que costumava se sentar? — pergunta sem olhar para mim,
entretido em passar geleia em uma torrada.
— Não — sussurro. — Naquela. — Aponto para a esquerda dele. Pego
uma xícara, notando a mão levemente trêmula, coloco café e um pouco de
leite. Dou uma bicadinha na xícara e olho para ele, esperando qualquer
surpresa. Zion mastiga devagar, me assistindo.
— Coma, Isadora. Você precisa se alimentar.
E eu como. Escolho um pedaço de pão fresco quentinho que Odete
acabou de assar, passo manteiga e mastigo de cabeça baixa.
— O que sabia sobre a minha irmã? — Ele me pergunta de supetão, e
eu quase engasgo.
— Nada. Quase nada.
— Quão pouco sabia? — insiste. Que homem teimoso.
Dou de ombros. Não sabia nada mesmo sobre ela, afinal, só tomei
conhecimento da existência dela no dia do acidente. Tento pensar no que li
sobre ela. Nada. Eu nem entrei nos sites para ler, pois não queria saber
mesmo. Porém Zion não vai acreditar.
— Bonita. Loira, jovem... herdeira do petróleo... acho que foi o que li.
Eu só soube dela no dia do acidente.
— Não minta para mim.
Cansada disso tudo, desvio o olhar. Então uma ideia surge. Talvez eu
não precise responder, ele é quem precisa. Volto a encarar Zion.
— E você, Zion? O que fez quando soube que sua irmã estava com um
homem casado?
— Vai meter essa? — O canto do lábio sobe revelando pura ironia.
— Vou, sim. Você chegou aqui sendo o dono da moral. Então,
provavelmente deve ter dado ao menos um soco no santo homem casado que
estava saindo com sua irmã...
Ele sorri, aparentemente gostando da minha postura.
— É, eu fui contra. Eu quase agredi o seu marido. Só aceitei quando
ela... apareceu grávida. Então eu impus a ele que se casasse com minha irmã,
assumisse o filho e fosse morar com ela.
Ignoro essa parte, engolindo o nó na garganta.
— E nunca quis averiguar pessoalmente sobre a vadia interesseira que
estava torturando o seu amigo e sua irmã? — Pego ele no pulo, e Zion perde
o ar de espertalhão.
— Como?
— Você chegou aqui com tudo pronto, tudo documentado, e parece um
homem poderoso que se intromete onde quiser. Me admira que não tenha
vindo antes tentar me persuadir.
Ele se cala e me fita, agora bem sério. O maxilar tensionado, posso
sentir as engrenagens de sua mente girando enquanto reflete. Encontrei a
brecha, então decido forçar:
— Eles estavam sofrendo, seu sobrinho nasceu, e pelo e-mail que li,
Roberto te falou que até o menino estava em perigo, que eu estava
ameaçando. E você, o grande Zion Barone, ficou inerte sem ajudar os dois?
Interessante. — Volto a tomar o café, agora saboreando a minha facada em
suas frágeis convicções.
— Não estava sob o meu controle. Era um problema do Roberto, mas
acredite, eu ia, sim, me intrometer...
— Quando? Tinha uma mulher desprezível acabando com a paz de sua
querida irmã. Interessante que não tenha vindo tentar me coagir.
Ele faz uma pausa, olhando nos meus olhos, de sobrancelhas erguidas.
— Então você é mesmo essa mulher desprezível?
— Um rótulo que carrego sem escolha. — Ergo os ombros.
Zion toma um gole de café, pensa um pouco, limpa os lábios e cruza os
dedos sobre a mesa, me prendendo com o olhar denso.
— Me fale sobre o seu bebê, Isadora.
Agora ele retoma a posse das cartas do jogo, me pegando pelo
calcanhar, o meu ponto fraco.
— Não. Não vou falar.
— Vai me falar, sim. Me conte como o perdeu, afinal Roberto me
contou uma boa versão dos fatos.
— Ele... contou? — Espantada, perco a respiração.
— Sim. Me fale você sobre o bebê, para eu comparar as versões.
Recobro do susto que me pegou de assalto.
— Não. Não vou discutir sobre o meu filho justo com um homem como
você. Dá licença, senhor Zion. — Afasto a cadeira e saio da mesa sem dar a
chance de ele me impedir.
Ele não me pressiona nem me persegue. Faço uma pausa na cozinha, de
cabeça baixa apoiada no balcão, recobrando o controle de minhas emoções.
A manhã já começou agitada.
Zion aparece por trás, e eu volto a ficar tensa, mas ele me ignora.
— Odete e Regina, não vou almoçar em casa, então não precisam se
preocupar com o almoço. Dividam os serviços domésticos entre vocês.
Isadora — enfim me olha —, você está dispensada hoje de qualquer serviço
e, por favor, se alimente direito. — Ele não espera resposta, se vira e vai
embora. E só então me sinto mesmo livre.
Aproveito para mandar uma mensagem para Eloisa, e ela me responde
de imediato.
Dezenove

ZION

No carro, indo em direção à empresa, tenho dezenas de reflexões e


pensamentos torturantes como companhia. Talvez Isadora tenha razão, e não
é fácil admitir isso.
Eu me importei mesmo com os problemas de minha irmã? Eu poderia
ter vindo antes pressionar Isadora e fazê-la assinar o maldito divórcio.
Estava em meu poder ter feito isso, mesmo Roberto dizendo que não queria
que eu me intrometesse, para não alardear Isadora e ela se colocar na
defensiva.
Talvez a minha vingança contra Isadora não passe de tentativa
intrínseca de suprimir o meu descaso de não ter tentado resolver os
problemas de Lisette.
Depois de tudo que eu fiz, está sendo difícil aceitar que talvez Roberto
tenha mentido. Porque isso acaba comigo. Eu nunca erro, eu nunca falho. Eu
não posso, de maneira alguma, aceitar um ponto falho em minhas ações.
Chego à empresa e peço para a secretária me trazer um café forte, já
que mal comi em casa. Tenho algumas coisas para acertar com Alexandros, e
por isso aceito seu convite para almoçarmos.
Repasso meus compromissos do dia, fingindo que sou imune às
palavras que Isadora jogou na minha cara. Finjo o tempo inteiro que não
estão perfurando meu coração.
— Senhor Zion. — A secretária entra trazendo meu café junto de
algumas bobagens para comer. Serve em uma mesinha de centro, e eu
despenco no sofá em frente à mesinha. — Aqui estão os extratos do plano de
saúde que o senhor pediu ontem. — Ela deixa a pasta perto da bandeja de
café, pede licença e sai.
Tomo um gole de café, jogo alguns biscoitos na boca, limpo os farelos
no sofá e pego a pasta.
A estrutura dos extratos parece semelhante à que olhei antes, que
Mauro entregou. Corro os olhos, catando as informações mais importantes, e
encontro a primeira que me chama atenção.
Internação particular por três dias – Isadora Agostini.
Ao continuar a análise, encontro a motivação da internação de Isadora:
Acompanhamento de LES.
Continuo a leitura e encontro duas consultas. Uma com uma
nutricionista e uma com um reumatologista.
Motivação das consultas particulares: Acompanhamento de LES.
Deixo os papéis de lado e pego meu celular. Na barra de pesquisa,
digito a sigla “LES”, e sem muita surpresa aparece: Lúpus Eritematoso
Sistêmico.
Volto a ler os papéis do plano de saúde. Não há quase gastos com
Roberto, a maioria diz respeito a consultas para Isadora. Deixo os papéis de
lado, pego os outros que Reginaldo me passou e comparo. Só então vejo que
são cópias fraudadas dos extratos verdadeiros.
Como eu já suspeitava, ela não fez todos esses procedimentos estéticos
como Roberto havia dito.
Agitado e inconformado com minha passividade em ter deixado uma
coisa tão importante nas mãos alheias, pego meu celular e ligo para Mauro.
E ele aceita me encontrar agora em seu escritório.
Pego meu terno e saio correndo da sala.
— Cancele minha agenda da manhã — grito para a secretária sem nem
esperar qualquer resposta. O coração disparado é o reflexo de como estou
dominado pela raiva.
Enquanto dirijo não há nada na minha mente além das lágrimas de
Isadora enquanto ela implorava para que eu a deixasse em paz no início. E
nada mais ocupa meu coração além de uma pura aflição incômoda.
Eu não sou a porra de um monstro. Eu não sou...
Chego ao prédio onde funciona o escritório de advocacia de Mauro e
subo direto, sem anunciar nada. Estou inquieto dentro do elevador, que
parece levar uma eternidade para chegar ao andar dele.
Já estive aqui anteriormente, para a leitura do testamento de Roberto, e
detesto me lembrar daquele dia. O dia em que vários homens humilharam
uma viúva com um problema de saúde.
A secretária de Mauro fica de pé quando entro na sala. Ela tenta avisar
que precisa anunciar minha presença, mas nem ligo. Abro a porta da sala
dele e entro. Passo a chave na porta.
Mauro está focado em uma papelada e levanta os olhos quando me vê.
— Zion. — Sorri cheio de carisma para o meu lado. Minha fúria deixa
minhas veias pulsantes. Pareço um touro, mas ele nem percebe. — Entre,
sente-se.
Eu caminho até ele e bato a papelada sobre a mesa.
— Você vai me explicar essa merda de uma forma bem coerente, para
tentar me convencer a não te matar com a surra que eu vou te dar.
Em menos de dois segundos, sua expressão muda para susto, e de susto
para medo. Rapidamente, pega os papéis e até pigarreia quando percebe do
que se trata.
Mauro respira entrecortado, deixa os papéis de lado e fica de pé, se
entregando que foi pego no pulo. Quando me fita, não consegue esconder
que está se borrando de medo. É um covarde que cresceu para cima de uma
mulher, mas abaixa a crista para um homem.
— Ela tem lúpus, Mauro. E você me deu a porra de extratos fraudados,
como me explica isso?
— Olha, cara, eu não sabia. Isso é tudo coisa do Roberto, ele deixou
essa papelada pronta. Poucos dias antes do acidente, ele planejava... dar um
tempo longe. Fugir junto com a sua irmã. E me entregou todas as provas que
tinha contra Isadora.
Dou a volta na mesa, e ele, alguns passos para trás, insistindo em
manter uma boa distância entre a gente.
— Mas você, como advogado dele, sabia de todas as jogadas. Me
explique agora como vocês conseguiram a assinatura dela para que a casa e
todos os bens dele fossem vendidos, como se ela tivesse consentido.
— Como assim, Zion? — Mauro ri nervosamente. — A mulher é uma
golpista de primeira... ela estava nas nossas reuniões, ela sabia de tudo.
Sem que ele espere, acerto um soco tão forte, que o derruba.
Calmamente tiro meu terno, enquanto, assustado, Mauro se arrasta no chão,
até encontrar apoio em um sofá. Começo a dobrar as mangas da camisa e
caminho na direção dele. Prontamente fica de pé e me ataca, movido de
adrenalina. Mauro tenta acertar um soco em mim, mas seguro seu braço e o
torço em suas costas antes de o empurrar e o jogar contra o sofá. Ele corre,
pega algo na estante e arremessa na minha direção; joga livros, uma
escultura e porta-retratos, mas consigo desviar de seus ataques frenéticos e
me aproximar o suficiente para agarrá-lo com força pelo colarinho.
Mauro desfere um soco em meu abdômen, porém tenho preparo e não
tenho qualquer reação.
— É interessante que ela tenha participado dessa merda, mas não tenha
usufruído de nada. Cadê o dinheiro que Roberto pegou do caixa da empresa?
— Zion, por favor, Isadora... ela sabe desse dinheiro.
Ainda segurando-o pelo colarinho, acerto outro soco. Ele fica tonto, cai
por cima da mesa, mas dou um tapinha em sua bochecha.
— Reage, safado. Me fala a verdade.
— Você tem a prova de que ela raspou a conta conjunta deles e pegou
as joias no cofre do Roberto. — Insiste nessa mesma retórica pífia. — Por
isso ela renunciou à mansão.
— Você sabia que ela tinha essa doença? — Levanto um punho, pronto
para outro soco enquanto seguro-o com força contra a mesa.
Mauro treme na minha mão.
— Não sabia. Eu juro. Eu acreditava nas coisas que Roberto falava.
— É uma pena que eu não acredito que você tenha sido um inocente
manipulado por Roberto. — Acerto outro soco nele e o deixo caído no chão.
Há um pouco de sangue em minha mão, então tiro um lenço do bolso e
limpo. — Mauro, vou investigar eu mesmo o sumiço das joias e do dinheiro
da conta conjunta. Se eu descobrir que você mentiu, não acabo só com a sua
cara, mas com sua carreira de bosta também.

Acho que levo uns três minutos dentro do carro para voltar à
normalidade das minhas emoções. Estou sem cabeça para o trabalho, então
mando cancelar minha agenda. Sem nada para fazer, decido ver meu
sobrinho. É um grande contraste esses dois movimentos: acabei de bater em
um cara e vou visitar um bebê. Porém me sinto em um espiral, tentando
repensar minhas ações, por isso decido começar pela minha única família
restante.
É um belo menino. Carismático, forte e saudável. Eu o observo por
minutos enquanto brinca no tapete, balbuciando para mim, feliz de me ver.
Ele usa um macacão verde como uma fantasia de dinossauro, o capuz parece
uma boca. Dona Salete explica que ele adora a fantasia, seu tom de voz é
como se estivesse se desculpando por vesti-lo assim. Como se estivesse
amedrontada, esperando um sermão da minha parte. Eu meto medo nas
pessoas.
Ela relata os últimos acontecimentos, mas não presto atenção. Eu não
consigo desviar os olhos do bebê.
Abaixo em direção a ele e o pego do chão.
Não consigo ver a minha irmã nele. E isso dói muito. Mas posso fazer
dele um homem honrado, honesto e acima de tudo... diferente de mim. Como
eu posso criar esse menino para que não siga os meus passos?
— Vou sair com ele — digo a Salete. Ela reage correndo em volta,
pegando coisas e colocando em uma bolsa de bebê. Quando tenta me seguir,
eu não permito. — Eu vou sozinho com ele. — Tomo a bolsa de bebê,
coloco em meu ombro e saio com Lohan, sem esperar que ela o arrume.
Apenas acato a sugestão dela, de que eu vá no carro que está ali à disposição
deles e que já tem uma cadeirinha própria para bebês. Ela me ensina como
amarrá-lo na cadeirinha e parece apreensiva quando saio com o carro.
Não sei qual destino tomar. Não sei onde levar um bebê para ele se
divertir. Não sei como me divertir com um bebê sem deixá-lo com medo.
Um shopping parece uma aposta assertiva. E ao chegar, tiro-o com cuidado
do carro, encontrando uma posição boa para segurá-lo em meu braço. A
fantasia verde destoa de mim, que uso roupa social, tirei apenas o paletó.
Enquanto caminho pelo shopping com o bebê no braço, e a bolsa dele
no outro lado, pareço uma atração para as pessoas em volta. Umas jovens
sorriem encantadas, uma senhora até para de caminhar para olhar o bebê
risonho em meus braços.
— Está vendo, amigão? Você é sucesso por onde passa.
Ele balbucia alto, batendo palminhas.
Encontro uma área de recreação infantil, o que parece ser uma
excelente ideia. A mulher me indica quais brinquedos são apropriados para
bebês. Ele parece adorar a piscina de bolinhas, grita e ri, maravilhado com
tantas cores, novas experiências que não se resumem a ficar preso em uma
casa com uma senhora de meia-idade.
— Ele é muito lindinho — uma jovem diz e me olha. — É seu filho?
Encaro Lohan por segundos a fio. Ele só tem a mim, e eu só tenho ele.
É a minha chance de redenção, de criar um ser humano que preste, alguém
que não vá ferir as pessoas.
Não há qualquer outra resposta para dar.
— Sim, é o meu filho.
Vinte

ISADORA

Zion voltou para casa já à noite, na hora do jantar. Eu já tinha trocado


o uniforme, crendo que ele não viria para casa, mas chegou de repente
quando eu acabava de me sentar ao balcão, diante de um prato de guisado de
frango com legumes feito por Odete.
Eu notei a presença de Zion quando Regina paralisou e ficou olhando
para a porta. Estávamos sozinhas na cozinha, Odete tinha ido levar o jantar
para seu marido na casa de zelador, nos fundos.
Olho para trás me deparando com ele recostado no batente da porta me
fitando. Ele anda até o balcão e puxa um banquinho, se sentando ao meu
lado. Olha para o meu prato e para o meu rosto.
— O que é isso?
— Senhor Zion — Regina balbucia antes que eu o responda. — Não
achamos que apareceria, por isso não preparamos o jantar...
— O que é isso que Isadora está comendo?
— É... um guisado... que a Odete fez, mas posso preparar algo caso o
senhor queira.
— Eu quero experimentar um pouco disso aqui. — Ele deixa o paletó
no banquinho ao lado e me fita, sem sorrir, apenas olhando minha boca por
longos segundos e meus olhos em seguida. — Como passou o dia, Isadora?
— Muito bem.
Regina vai levando os pratos para a sala, mas Zion a impede.
— Pode me servir aqui mesmo, Regina.
Ficamos calados, esperando-a colocar um sousplat na frente dele, taça
de água e taça de vinho, garfo, faca e colher para sopa, guardanapo e um
prato menor com pão. Nada do que colocou para mim. Em seguida, traz o
guisado, servido em um prato de sopa, colocando-o sobre o sousplat, e um
vinho que sobrou do dia anterior.
— Se o senhor desejar outro vinho...
— Esse está ótimo. Obrigado. — Zion toma a garrafa da mão dela e se
serve. — Você não bebe, não é? — pergunta para mim.
— Não. O que está fazendo?
— Comendo? — Zomba e coloca uma colherada na boca. — Hum...
gostoso isso.
— Por que está tentando ser amável quando sabemos que é uma pessoa
intragável? — Minhas palavras são certeiras e tem rápido poder nele. Zion
me encara, em seguida abaixa os olhos para o prato e bebe um gole de vinho.
Ele limpa os lábios e me fita.
— Um amigo meu encontrou sua mãe.
— Como é que é? — Até me arrepio com a notícia.
— Faz alguns dias. Eu que o mandei investigar.
— Por que... fez isso?
— E ela disse coisas bem duras sobre você. Palavras que só
confirmaram tudo que Roberto dizia sobre você.
— Não me impressiona que ela tenha passado a vida o detestando, mas
no fim tenha combinado com ele em alguma coisa. Ambos parecem me
odiar.
— Então sua mãe não gosta mesmo de você?
— Não, mas você não tem o direito de invadir minha vida. Já não basta
tudo que está fazendo?
— Tem mais coisas, Isadora. Todas as joias que Roberto tinha em um
cofre em um banco foram levadas.
— Levadas?
— Eu queria saber quem as pegou, fui ao banco e o gerente me
confirmou que foi você que as levou.
Essa, não. Me lasquei sem ter feito nada.
Tomo um gole da água da taça dele, que Regina deixou ali. Aflita e
completamente confusa, tento digerir as informações que ele jogou. O
maldito do Roberto fez de tudo para me incriminar. Eu nem sei em que
banco estavam essas malditas joias, que eu deveria mesmo ter roubado
quando tive chance. Mas não acho que Zion vá acreditar em mim.
Volto a olhar para ele. Zion está comendo numa boa, assistindo minha
aflição.
— Certo. Agora eu sou uma ladra de joias. Vai me denunciar?
— Talvez. Eu tive que ir atrás de toda pequena informação. Não podia
simplesmente me vingar de uma pessoa sem conhecer as nuances da vida
dela. E depois do meu erro com a sua saúde, eu não estou tentando ser
amável, só não vou mais te tratar como a golpista barata que te pintaram. Eu
vou descobrir tudo, e quem tiver culpa vai pagar dentro da lei. — Ele come
mais um pouco e dá um sorriso charmoso para mim após limpar os lábios.
— O lado bom é que você está bem presa em minhas mãos, não vai fugir.
Ignoro sua expressão vitoriosa, e inesperadamente sinto alívio por não
receber uma onda de fúria.
— Coma, Isadora — Zion comanda. Suspiro e coloco uma colherada
na boca.

Tive uma noite relativamente boa. Dormi em paz, sem muitas questões
na mente, apesar das novidades que Zion trouxe. Minha mãe ainda pensa
mal de mim, e agora sou acusada de limpar o cofre de um banco que nem sei
onde fica.
Eu me agarrei à palavra dele, de que não vai mais me tratar como
golpista, e por isso as preocupações desapareceram dando lugar ao sono.
Levanto pela manhã sentindo uma boa onda de ânimo. Decido novamente
fazer uma rápida caminhada antes de começar o serviço. Visto o costumeiro
moletom, óculos e boné. Saio de casa adorando a manhã levemente fria.
Estou prestes a entrar no labirinto do jardim quando ouço passos ao
meu lado. É Zion usando apenas um short, boné e tênis. Um homem gostoso
em toda a sua glória.
— Bom dia — ele diz, diminuído o ritmo para andar ao meu lado. Ele
cheira bem pra cacete. Certamente toma banho antes de se exercitar.
— Bom dia.
— Você é focada, não é? Em exercícios, medicamentos, alimentação.
— É a minha rotina.
Atravessamos o labirinto em silêncio, o que é estranho. Eu não quero
beijar esse homem, não quero jantar com ele, não quero caminhar com ele
pela manhã, muito menos ter qualquer afinidade com ele.
— Não gosto dessa casa — diz subitamente, e eu elevo o rosto para
olhá-lo. — Apesar de parecer o contrário.
— Não gosta? Ela não atinge o seu alto critério de qualidade? —
Ótimo, o cinismo é uma boa escolha para me defender, tanto como a rudez.
Os lábios dele curvam brevemente diante da minha cutucada.
— Eu a acho fria, é meio sem vida. Muitos cômodos inutilizados,
espaços grandiosos, uma decoração tão... trivial.
— O Roberto pagou uma designer — denuncio antes que me acuse de
ser brega quanto a decoração de casa.
— E todo esse jardim. Me parece uma autoafirmação de poder, que ele
não tinha.
— O Roberto? Ele não tinha poder?
— Não como talvez ele pensasse. Ele não tinha poder na Solaris, e
acredito que nem com você. Você mandava e desmandava, não é?
Rio. Acho que Zion não acredita nisso mas insiste para me provocar.
Dou de ombros sem me importar, sem qualquer ânimo para corrigi-lo.
— Sabe que eu queria mesmo ter tido esse lado que todos vocês
apontam? Uma putona poderosa e vigarista que se aproveita dos homens.
Afinal, acho que é para isso que a maioria serve.
— Bom, ainda está em tempo de deixar as máscaras caírem — ele diz, e
eu rio, deixando para lá. Ele vai se alimentar do que acredita, é fiel às
convicções criadas por terceiros.
— Você não morava por aqui, não é? — pergunto, mudando o assunto.
— Nunca tinha te visto entre os amigos de Roberto.
— Se tivesse visto, teria se interessado?
— Se você estivesse de boca fechada, certamente. — Zion ri. Eu finjo
desinteresse por mais que o sorriso do homem é capaz de arrepiar até
defunto. Ele não precisa se esforçar para fazer calcinhas gotejarem. Ele
precisa de alguns segundos em silêncio caminhando ao meu lado antes de
falar:
— Minha irmã e eu somos de São Paulo, mas eu estava na Grécia nos
últimos anos. Talvez por isso você não tenha me visto no meio social de
Roberto.
— Foi lá que conheceu aquele cara?
— Sim. Alexandros. Depois preferi morar em Rondônia, porém estava
me preparando para retornar à São Paulo, para ficar perto da minha irmã e
do filhinho dela.
Desconsidero essa parte. Varro da minha mente a informação para não
me abalar. Respiro fundo, olhando em volta. Damos uma volta na quadra de
tênis.
— Vai correr? — ele pergunta.
— Não, obrigada. Não costumo correr.
— Preguiçosa — Zion zomba. — Vou dar algumas voltas na quadra.
Assinto e caminho até um banquinho, para me sentar, enquanto ele
começa a correr em volta da quadra de tênis. É forte e ágil feito uma
máquina. Suas pernas fortes colocam força total, e em pouquíssimo tempo,
completa uma volta.
— Me fala como conheceu Roberto — ele grita, sem parar de correr.
— Provavelmente não vai acreditar e ainda dizer que eu sou uma
vagabunda mentirosa.
— Eu decido se acredito — responde rude quando passa perto de mim.
— Conta.
— Ele nunca te contou? — grito. Zion se afasta, passa correndo do
outro lado e novamente responde quando está mais perto:
— Já. Quero ver se as versões batem.
— Bom... ele foi inspecionar um terreno perto de onde eu morava.
Acho que procurando minério. O clichê de sempre: eu era pobre, e ele, muito
rico.
— E então você viu a oportunidade de subir na vida seduzindo o
homem?
Espero ele completar a volta e respondo, quando se aproxima de mim
novamente:
— Oh, pobre coitado do inocente homem de trinta e oito anos que foi
capturado por uma menina interesseira de dezessete.
Surpreso, ele para perto de mim, ofegante, mãos na cintura, expressão
incrédula.
— Você não tinha a porra de dezessete anos...
Dou de ombros sem qualquer vontade de explicar ou de tentar fazê-lo
acreditar em mim.
— Tinha? — insiste ao receber meu silêncio como resposta.
— Tenho uma certidão de casamento, caso queira conferir. Me casei
com dezoito. Ou também acha que eu seduzi o moço do cartório para ele
fraudar o registro?
Zion morde o lábio, olha para o céu, acaricia a barba e volta a me fitar.
— Ele me contou uma história fodida de que você estava em um bordel.
— Só se for um bordel em que Roberto era o cafetão, já que morei com
ele desde que saí da casa da minha mãe. — Elevo o rosto para encarar Zion
de pé em minha frente. — Há quanto tempo ele começou a falar de mim para
você? Uns meses?
Zion não responde. Pensa mais um pouco, calado, e volta a correr. O
silêncio é quebrado pelos passos dele e por uns dois trovões fracos ecoando
longe. Acho que a pior parte para Zion é começar a descobrir que os dois
não eram santos como ele acha. E para um homem prepotente como ele,
aceitar que errou deve ser uma facada no ego.
Ele corre mais um pouco, até que pingos de chuva comecem a cair.
— Estou indo! — grito e me afasto. Não estou a fim de me molhar.
Apresso o passo, entro no labirinto do jardim, e Zion me acompanha quando
chego na fonte. Ele me segura e empurra meu corpo contra a parede de
arbustos.
— O que está fazendo? — ele não responde e tenta me beijar, mas eu
luto, balançando meu rosto e empurrando seu peito.
— Isadora... — rosna. Tenta segurar minhas mãos, mas a raiva me
acende ainda mais. O nosso papo ainda há pouco, e saber que ele chegou
aqui com essa ideia baixa sobre mim, toda a humilhação que me fez passar...
Isso tudo me dá força para repeli-lo.
— Não! — grito. — Não quero. — E ele se afasta, me fitando
incrédulo. A chuva fica mais forte, todavia não ligo.
Zion passa a mão na barba, abaixa o rosto um segundo e volta a me
olhar com um leve tom zombeteiro nos olhos.
— Nos beijamos, e eu confessei o que sinto, e agora, sabendo que eu te
desejo, vai dar o seu preço, não é?
— Como é?
— Eu aumento seu salário. Se é isso que te importa.
Cética com o que acabo de ouvir, sinto o coração descompassado com a
pura decepção que suas palavras me causam. Burra. Eu achando que ia
começar a mudar...
— Vá se foder! — grito para ele, desistindo de qualquer discussão.
Conversar não vai dar em nada, então me viro para sair dali o mais rápido
possível. Como era de se esperar, Zion me segura.
— Ok, talvez você não morasse em um bordel literalmente. Mas
conheço tipos de mulheres que desde novinhas são aproveitadoras, Isadora.
E Roberto deixou provas documentadas. Como quer que eu reaja?
— Não me interessa! — grito e tento me afastar do seu corpo. A chuva
vai ficando mais forte, nos deixando ensopados.
— Vai mesmo se fazer de difícil? Eu sou a porra de um bilionário, e
você gostou de me beijar, duas vezes. Esse jogo não me atrai.
— Você só pode ser maluco de achar que eu vou cair de quatro só
porque é gostoso e rico. Eu já fui bem cretina em ter descido tão baixo
moralmente ao me sentir atraída por um homem como você.
— Um homem como eu?
— Mesquinho, maldoso, sei lá. Qualquer merda de rótulo. Estou aqui
nessa casa trabalhando para pagar as porcarias das contas e para não ser
denunciada. E enquanto você ocupava a suíte master da mansão, eu estava
presa naquele inferno de quartinho. Acha mesmo que vou continuar beijando
um cara que fez isso comigo?
Ele passa a mão nos cabelos e no rosto, tirando a água da chuva. Zion
parece refletir, um tanto raivoso.
— Então é isso? O problema foi o quarto?
Ainda mais desanimada, rio com as palavras dele.
— Você não consegue se desapegar do material, não é? Tudo para você
é sobre posse, sobre dinheiro, sobre bens. Se conseguisse descer só um
pouquinho de seu trono, talvez conseguisse ver o mundo de sentimentos que
povoam o coração de uma mulher e que nem todo dinheiro do mundo é
capaz de comprar, satisfazer ou entender.
Volto para dentro do labirinto, e dessa vez ele não me segue, fica lá no
núcleo, perto da fonte, parado, enquanto me distancio.
Vinte e um

ISADORA

O dia inteiro foi uma merda. Zion ficou novamente o dia todo sem
aparecer, nitidamente para me evitar. Eu não me arrependo das palavras que
joguei nele hoje pela manhã. Mais tarde, ele ligou para Odete dizendo que
passaria o dia com o sobrinho e que não viria almoçar nem jantar.
Soltei um suspiro de alívio e agradecimento. Primeiro por não precisar
encarar ele depois da conversa de mais cedo, e segundo porque apesar de
tudo, Zion respeitou meu desejo e não trouxe mais o sobrinho para essa casa.
Eu não saberia como me portar com o bebê de Roberto e da amante.
Liguei para Eloisa e conversamos bastante. Ela está horrorizada com a
naturalidade com que o grego vem se portando. Pela manhã, ele adentrou a
cozinha usando apenas short de dormir e tomou café assim, na cozinha
mesmo.
Eloisa também contou que flagrou, sem querer, quando ele estava
transando noite passada, com uma mulher, às duas da manhã na escada. Eles
não a viram, mas ela quase deu um grito.
— E como ele é, Eloisa? — rindo, questionei na ligação.
— Um demônio do pecado, dona Isadora. Eu não gosto de falar dessas
coisas, não.
— Por quê? É natural.
— Só quando eu me casar.
Eu fiquei tranquila, pois ela está bem, além de estar ganhando dobrado.

Sem muito o que fazer na casa, já que não sou fã de televisão, fiquei na
sala até às nove, e como Zion não apareceu, fui para o quarto.
O sono não vem de jeito nenhum quando me deito no delicioso colchão
de qualidade. Meu corpo, tão cansado dos últimos dias, agradece. Os lençóis
são melhores, os travesseiros, muito confortáveis, e o edredom, fofinho.
Ainda assim, não fecho os olhos.
Lá fora uma tempestade se anuncia. Parece que estamos em época de
chuva, só espero que passe logo. Amo chuvas, mas tenho pavor de
tempestades, principalmente dos relâmpagos, como o que clareia o quarto
nesse momento.
Para tentar me distrair, pego um livro que eu estava lendo semana
passada, deito novamente, e nesse momento um relâmpago dispara, e as
luzes se apagam. Droga.
Pulo da cama, tateando em volta, e encontro o interruptor do abajur,
mas nada acontece. Pego meu celular e praguejo por ver a bateria quase no
fim; aciono a lanterna do aparelho e corro a luz em volta. O medo
inesperadamente me atiça como um pivete travesso. Detesto quando a
energia cai. E mesmo torcendo para que volte logo, sentada na cama, com os
olhos fechados, demora para as luzes acenderem. Por fim, acabo desistindo
de esperar no quarto. Estou no andar de baixo, posso procurar velas ou
lanternas, já que a luz do celular não vai durar muito.
Abro a porta, ilumino o corredor, tomando coragem para sair. Estou
sozinha por aqui, Zion não voltou, e os empregados ficam em outra ala.
Vamos, Isadora. O que pode acontecer?
Um trovão estremece meus ossos. Dou o primeiro passo para fora,
engolindo o bolo de medo preso na garganta e respirando pausadamente.
Como se fosse uma proteção divina, mantenho o celular levantado à
minha frente, iluminando parcamente o caminho. Nesse momento, lembro de
Roberto. Nunca tive medo de pessoas mortas, ou melhor, nunca parei para
ter medo. Nos últimos anos, passei a maior parte do tempo acompanhada do
meu marido, não tinha por que ter esses pensamentos. Mas agora a imagem
dele não sai da minha mente enquanto ando pelo corredor escuro, que vez ou
outra é iluminado pelos relâmpagos. Estou tremendo, juntando cada
pontinho de coragem quase no fim.
A casa é muito grande, e tenho a impressão de que estou sendo
observada. A cada canto que eu aponto a luz, dá a impressão de que vejo
algo. Olho para o corredor que leva à cozinha e para o segundo salão, onde
está o quadro de Roberto e da amante. Tenho a tenebrosa impressão de que
se eu for lá, encontrarei um dos dois em um canto do salão sorrindo para
mim em meio à escuridão. Não quero nem pensar nisso. Corro para a
cozinha, abro a porta da dispensa, e completamente apavorada e ofegante,
olho em volta, procurando velas ou qualquer coisa que possa me ajudar a
passar a noite.
E com a ajuda de Deus, encontro um lampião a gás embaixo, na
prateleira. Espero que ainda funcione. Saio da dispensa, e nesse momento
vejo uma silhueta parada na entrada da cozinha.
O grito que dou é tão forte, que gela meu sangue. O lampião cai da
minha mão, fazendo o maior barulho, poderia até ser confundindo com os
trovões lá fora.
— Shiu. Sou eu, Isadora, deixa de escândalo. — A voz de Zion acalma
meu coração de uma forma tão voraz, que eu corro até ele e o abraço. — O
que está fazendo aqui, no escuro? — pergunta, me prendendo em seus
braços. Ele usa apenas um short, nada mais.
— Eu... vim procurar algo... para iluminar. — Eu me afasto dele,
levemente sem graça por ter pulado nos braços do homem.
— Hum... já pedi a alguém para ligar o gerador. Se é que está
funcionando. — Ele pega o lampião no chão, que caiu da minha mão, e
mostra familiaridade com o objeto: consegue acender com a ajuda de um
isqueiro. Deixa sobre a ilha e abre a porta do armário. — Não conseguiu
dormir?
— Não. Não gosto de tempestades.
— Sabe onde fica o chá? Também não consegui dormir.
Mando o comando para minhas pernas enfim saírem do lugar. Além da
luz do lampião, há a presença de Zion para me tranquilizar. Abro a porta
certa do armário, pego a caixa de madeira com divisórias e tampa de vidro,
onde guardamos os chás e entrego para que ele escolha um. Encho a chaleira
com água e coloco-a no fogão.
— Laranja doce selvagem. Parece bom. Pode ser? — Zion escolhe dois
pacotinhos de chá Tazo e deixa sobre a bancada. Em seguida, sem dizer
nada, começa a abrir as portas do armário, até encontrar as xícaras. Eu o
observo escolher duas xícaras de chá e levar para a bancada.
Zion fica calado, pensativo, de cabeça baixa, e eu prefiro remoer
meus pensamentos sozinha ao lado do fogão, observando a água, que
começa a ferver. Desligo o fogão, que é digital, de indução; demorou dias
para que eu aprendesse a mexer nele, e agora já me sinto familiarizada.
Sirvo a água nas duas xícaras e me sento ao lado de Zion. Ele bebe
alguns golinhos sem açúcar, em silêncio, me fitando.
— O que foi dessa vez? — Inclino a cabeça de lado.
— Você me odeia?
— Sim — respondo na lata. Mesmo que seja mentira; apenas sinto
raiva. Ele sorri e se cala por mais um pouco de tempo.
— Vai me perdoar?
— Não. — Sou curta e grossa novamente, sem deixar de encará-lo
como se aqui fosse um talk-show.
— Não?
— Não tenho por que me esforçar para perdoar alguém que não fará
parte da minha vida. Ao terminar tudo isso... eu vou embora para um lugar
onde... as lembranças e as dores talvez não me alcancem.
Zion parece levemente incomodado com minha resposta. De cabeça
baixa, ele observa seus próprios dedos batendo no balcão.
— Eu fui enganado. — Eleva o rosto culpado para mim. — Eu não
sabia que você tinha essa doença.
— E diferente de você, que nunca acreditou em mim, eu acredito em
você, Zion. — Minhas palavras o atingem impiedosamente, seu olhar
expressa isso. Ele toma um gole de chá e só volta a falar depois de uma
longa pausa:
— Se eu descesse do meu trono para ver o mundo de sentimentos que
rodeiam uma mulher... o que eu veria te rodeando, Isadora?
Encaro o chá à minha frente. Eu perdi tudo no dia que meu marido
morreu, não só financeiramente. Eu tinha um futuro à frente para desbravar,
uma nova gravidez para enfrentar, uma nova esperança para me agarrar.
Naquele dia do acidente, eu perdi tudo.
— Incerteza — sussurro para Zion, sem olhar nos olhos dele. — Não
sei o que o amanhã me reserva. Sinto raiva por ter deixado minha mãe.
Raiva de mim por ter sido passiva por tanto tempo. Raiva de Roberto. Raiva
de você. Raiva por... me sentir atraída por você. Descrença no amor... Eu
vivi quase dez anos com uma pessoa que me odiava pelas costas. E eu não
poderei saber se isso vai acontecer novamente, porque Roberto me deu todas
as declarações de amor possíveis... que na realidade eram vazias.
Zion está paralisado, sem piscar, apenas me fitando. E já que comecei,
coloco para fora a pior sensação que me acompanha:
— E... medo. Não tem como você conhecer uma pessoa quando ela está
com medo. Porque ela está em modo de sobrevivência. Não há diversão, não
há sorrisos, não há leveza. Além disso, é horrível não ter controle da própria
vida. Eu estou nas mãos de outra pessoa, sobrevivendo em função de manter
a doença controlada. Eu sinto medo. E sou nesse momento minha única
salvadora.
Aparentemente sofrendo ao ouvir tudo que desabafei, Zion toca na
minha mão por cima do balcão e faz uma leve carícia em minha palma.
— Desculpe — sussurra. — Desculpe pelo que falei hoje cedo. —
Balanço a cabeça, aceitando, e ele prossegue: — E desculpa não poder te
libertar. Porque você se tornou uma das poucas importâncias na minha vida
tão sem graça e monocromática. Eu não quero mais te ferir, mas também não
posso te deixar ir.
Sem fala, eu o encaro, admirando o belo rosto iluminado pela luz fraca
do lampião. Diferentemente do que deveria ser, suas palavras não me metem
medo, tanto que nem puxo minha mão, ainda presa à dele. Toco nos nós dos
dedos arranhados pela luta que vi entre ele e os seguranças.
— Para quê você quer por perto alguém que te odeia?
— Ao menos sente algo por mim, não é? Você não me ignora. Sente
atração e ódio, e isso é um belo combustível.
Afasto a mão, lutando contra o sorriso involuntário que meus lábios
cismam em dar a ele. Tomo um gole de chá morno.
— Você não parece mais com medo — ele comenta.
— Um pouco ainda. Mas sou boa em esconder.
— Então me diz algo que não te dá medo. Ou melhor, algo que você faz
para dissipar o medo.
— Tomar chá com meu inimigo no escuro certamente não é uma dessas
coisas.
— Não, com certeza. — Zion não sorri, mas não há a costumeira
carranca em seu rosto. Penso um pouco olhando a xícara enquanto circulo
meu dedo em volta na borda.
— Eu morava em uma cidade pequena, perto de uma praia não muito
famosa. Ver o mar à noite me dava sossego. Não entendia, mas gostava de
fazer isso. Eu ia de bicicleta e ficava lá sentada na areia olhando. Era bom
quando tinha lua e estrelas. Certa vez, já depois de ter me casado com
Roberto, tentei fazer isso, mas ele não gostou e me fez prometer que jamais
faria isso novamente, porque aqui é perigoso.
Zion está paralisado me observando. Seu semblante é ilegível, o homem
nem pisca. Pigarreio, tomo mais um golinho de chá e volto a falar.
— Ou um carinho em um cachorro.
— Cachorro? — Enfim sorri, surpreso.
— Eu amo animais. Tinha dois cachorros e um gato antes de me casar.
Roberto detestava e não me deixou trazê-los. Eu implorei para ter um
quando... — Abaixo a cabeça, inesperadamente incomodada por ter
lembrado desse assunto.
— Quando...
— Quando... perdi o meu bebê. — Termino de falar com um sussurro.
— Bom, pareço uma adolescente dizendo que amo cachorros e que gosto de
fugir à noite para a praia.
Zion fica de pé e para diante de mim. Não gosto nem um pouco de sua
expressão, como se fosse o homem de pedra. Seus olhos não me dizem
muito, encobertos sob a fraca iluminação da cozinha.
— O que está fazendo?
Ele responde segurando meu rosto com uma mão e inclinando-se para
cima de mim. Eu não reajo, porém me sinto arrepiada e dominada quando a
boca gostosa dele se encaixa à minha e se movimenta deliciosamente,
deixando a língua rolar por entre meus lábios aprecisando o gosto de laranja selvagem.
Vinte e dois

ZION

Apesar de tremular em minhas mãos, sinto que Isadora enfim cede.


Assim como na boate, seus lábios são receptivos aos meus, e não preciso de
muita pressão para que ela me beije de volta. Nada tão pervertido como me
disseram que ela seria; o beijo de Isadora é levemente tímido, ao mesmo
tempo que excitado. Ela deixa que eu comande a situação.
Não vou negar que passou pela minha mente que talvez isso possa ser
uma jogada dela para me conquistar e assim fugir do seu castigo. Não
importa. Essa noite, eu preciso saciar a obsessão que me consome.
Agarro Isadora em meus braços, segurando com força sua coxa, que
envolve perfeitamente a minha cintura. Ela não sabe o que pretendo, mas
ainda assim não me faz parar.
Levo-a para a ilha, que é mais baixa, empurro as coisas no chão sem me
importar com o barulho, a coloco sentada e afasto suas pernas, me
encaixando de pé entre elas.
Isadora ofega, admirando meus olhos, e volta a me beijar, gemendo
quando minhas mãos deslizam por sua coxa. E como ela veste uma camisola
de algodão, encontro facilmente a calcinha. Engancho meus dedos, puxando
a peça facilmente para o lado, sem tirá-la totalmente.
Seus olhos dizem que posso continuar quando puxo a camisola para
cima, embolando o tecido perto da cintura. Porra, ela é linda. Isadora é a
visão feminina mais satisfatória que tenho nos últimos anos.
Ela passa as mãos pelo meu dorso, apertando meus músculos, indicando
que esse era o seu desejo reprimido. Gosto das suas mãos delicadas em mim,
gosto do sabor de seu beijo urgente, gosto de como seu corpo se envolve ao
meu.
Um homem pode estar à beira do precipício se deixar seus desejos
carnais falarem mais alto que a racionalidade. No entanto, não há melhor
satisfação do que saciar tais desejos.
O precipício nunca foi tão sedutor...
Minha mão percorre a boceta de Isadora, apalpando de modo suave,
para conhecê-la, testá-la. Sinto-a lisa, depilada em minha palma, e isso faz
meu coração disparar quase como se eu estivesse na porra de uma maratona.
— Eu não posso acreditar que... seja tão gostosa — sussurro, deixando
os lábios dela para descer com a boca pelo seu pescoço, sem abandonar seu
ponto latejando em meus dedos. Sinto-a quente, desejosa, mas me limito a
carícias externas apenas.
Isadora não parece ouvir minha voz, seus belos olhos amendoados são a
coisa mais bonita que existe; estão sombreados de desejo e tesão. Penso que
se essa for a arma que ela usa para sedução, então não precisa de muito. O
jeito que ela me olha, pidona, é capaz de aquecer qualquer ponto em mim
que antes era frio.
Isadora para um instante para olhar meu corpo, prende o ar, me
admirando, em seguida sobe os olhos, ainda pidões e ardentes, para meu
rosto. Ela me quer, ela me desejou em cada maldito momento. Seguro seu
rosto com minhas mãos, e passamos segundos nos olhamos.
— O que... estamos fazendo? — ela sussurra.
— Não faço ideia. Você continua sendo uma viúva megera...
— E você... desprezível. Eu te odeio tanto...
— Você odeia me desejar.
— Sim — ela acaba por confirmar, e minha resposta se dá comigo
abocanhando seus lábios e voltando ao beijo gostoso com sabor de chá que
nos tira novamente da realidade. Ela passa as mãos pelo meu peito,
arrastando as unhas curtas de maneira erótica. Inesperadamente sinto que
preciso apreciar essas unhadas enquanto a fodo com meus dedos.
Encontro a boceta escaldante e úmida. Delicadamente, faço círculos por
fora com o polegar, espalhando sua umidade, até chegar no clitóris, onde
aplico uma gostosa pressão. Isadora geme contra minha boca. Sinto sua
entrada latejante clamando por carinho intenso. Introduzo um dedo olhando
nos olhos dela, em seguida tiro e chupo, disparando um sorriso, ela nem
pisca me fitando.
Devagar, deixo dois dedos a rechear, adorando sua maciez pulsante.
Quase solto um lamento de prazer.
Ofegantes, nos encaramos sem piscar, enquanto meus dedos entram e
saem, e tornam a entrar.
Ela agarra a lateral do meu corpo, prendendo minha carne com força
em seus dedos. Então me puxa e morde meu peito, para abafar o grito,
quando aumento a pressão dos dedos em seu interior.
Sinto-a ondular contra mim, seus olhos reviram tamanho prazer. Suas
mãos me apertam com mais força, e eu a afasto, empurro-a para trás, para
que fique quase deitada sobre a ilha da cozinha. Eu me inclino, mergulhando
entre suas pernas e após arrancar sua calcinha, abocanhando-a feito um
vampiro sedento. Chupo Isadora como se dela nascesse um elixir que eu
precisasse para viver. Sugo o clitóris, adorando como ela eleva o quadril,
mordendo a mão para não berrar.
Preciso de diversão pervertida, preciso de alívio para meu coração
pesado, preciso de emoção. O orgasmo não demora, e tudo que eu preciso
nessa noite é a minha desafeta que me dá.
E como se fosse para selar o momento, as luzes voltam, iluminando
tudo. Isadora se senta, porém não chegamos nem perto de terminar.
— Droga... sem camisinha... Você está tomando anticoncepcional? —
Essas palavras parecem atingir um ponto de Isadora como um gatilho, e ela
olha em volta, como se acordasse do transe. Pula da ilha e desce a camisola.
— Vamos para o meu quarto. — Tento segurar em sua mão. Entretanto ela
puxa.
— Não vai rolar.
— Como é?
Ela para com a calcinha na mão e me fita com incredulidade.
— Não vou transar com você.
— Eu acabei de te chupar. Isso é sexo. — Meu pau está impaciente, eu
estou impaciente.
— Foi bom, obrigada. Não vai ter mais que isso.
Incrédulo com sua petulância e revoltado com meu tesão longe de ser
saciado, observo-a vestir a calcinha com rapidez.
— Podemos deixar toda a nossa merda... lá fora, essa noite.
— Não. Vou. Transar. Com. Você.
Sentir o gosto de ser dispensado é horrível. Ainda mais quando abaixei
as defesas. Busco a calma, afinal é ela que meu corpo cismou de querer.
— É uma jogada para me fazer rastejar? É assim que faz suas
seduções?
— Você é inacreditável. — Isadora termina de se vestir e me olha. —
Eu não vou transar com você porque dias atrás estava armando um
espetáculo para me humilhar na frente dos seus amigos ricos.
— Não são meus amigos.
— Foda-se. Você vem me maltratando há dias e acha que eu vou
cavalgar em você?
Rio amargamente.
— Não parece diferente de me deixar dedilhar e beijar sua boceta.
Ela dá de ombros, e apesar de estar obviamente abalada pelo orgasmo
recente, tenta se fazer de firme.
— Uma chupada e um orgasmo, muito bom por sinal, foi um brinde que
ganhei por ter aguentado toda essa merda até aqui. Eu precisava, Zion. Ah,
como eu precisava desse orgasmo. — Ela sorri para mim e sai correndo da
cozinha.
Vinte e três

ZION

Dirijo impaciente, o trânsito parece querer acabar de foder com minha


mente, que já amanheceu perturbada. Tive uma noite de merda por não ter
me aliviado do tesão descomunal que experimentei à noite com Isadora. Até
pensei em finalizar com a mão no banheiro, no entanto descartei de imediato
essa opção, por não aceitar saciar minha fome de forma tão rasa.
É um inferno tentar dormir com o pau duro feito rocha pressionado
contra o colchão, as bolas doloridas implorando por alívio. Sonhei cada
segundo em me afundar até o talo naquela mulher e ela me dispensou.
Resultado: acordei de mau humor e decidi mergulhar nas investigações
sobre todo esse lamaçal que Roberto deixou.
Primeira parada: rever a papelada que eu juntei para incriminar Isadora.
Na minha sala, releio os e-mails que ele me mandava, inclusive imprimi os
mais importantes.
“Ela matou o meu bebê. Tenho certeza de que ela induziu o aborto,
porque tinha horror a danificar o corpo. E você não imagina como é para
mim ter outra chance de ser pai, com sua irmã. Nosso bebê é o sinal de que
Deus nos abençoou, Zion.”
Leio essa parte, que é de quando ele me mandou uma foto da
ultrassonografia de Lisette.
Mas agora, conhecendo Isadora, e presenciando a fúria que a tomou
quando Melanie falou do bebê, duvido muito que ela tenha provocado o
aborto como Roberto afirmava. Ela queria aquele filho.
Com o coração pesado, chegando a ponto de me sentir desconfortável,
pego outro e-mail.
“Uma coleção inteira de joias simplesmente evaporou, e ela não quer
dizer onde está. Diz que não viu as joias, que com certeza estou tentando
deixá-la doida. Eu não sei mais o que faço, amigo. Ela manipula todos à sua
volta e me faz acreditar que sou eu quem está louco.”
Isadora manipulando alguém? Isso é uma piada. Deixo de lado esse e-
mail e escolho uma cópia de uma mensagem de celular que também
imprimi.
Tem uma foto em que é nitidamente o hall da mansão. Isadora está ao
lado da porta, parecendo retirar os saltos. Usa um vestido de festa. Na
mensagem, com o horário das quatro da manhã, Roberto diz:
“Olha a hora que ela está chegando em casa. Segundo o segurança
que a seguiu, ela passou em duas boates e acabou na casa de um homem
desconhecido.”
Vejo a data da mensagem e vou para o computador que era de Roberto.
Clico na agenda, não há nada para o dia da foto, porém dois dias antes está
marcado como: Jantar com investidores da Noruega. Penso um pouco,
sentindo as engrenagens da minha mente girarem, e abro o perfil de Roberto
na rede social. Nada. Abro o de Isadora. Nada, praticamente abandonado.
Penso mais um pouco e abro o de Mauro. O coração já descompassado feito
um leopardo veloz. Desço as postagens de Mauro e encontro uma foto.
A legenda diz apenas: Conexões. À mesa estão alguns homens que não
conheço, Roberto e Isadora. Pego a foto da mensagem que ele mandou e
comparo com a de Mauro. Isadora usa o mesmo vestido.
Que filho da puta. Que filho da...
Sinto meu maxilar ranger conforme aperto os dentes. A raiva me
consome de maneira excessiva. Ela estava chegando de um jantar com ele, e
para incriminá-la, Roberto tirou a foto e me enviou dois dias depois. Pego
uma cópia de outra mensagem de celular.
É uma foto de Eloisa limpando algo no chão perto da mesa. Ela não
parece perceber que ele tirou a foto. Na mensagem, Roberto diz:
“Você acredita que a vaca da minha esposa humilhou outra
funcionária? A agrediu verbalmente e a fez limpar o chão.”
Ela jamais faria isso com qualquer pessoa, muito menos com Eloisa.
Desabo na cadeira. Eu fui alimentado com ódio dia após dia, sonhei em ver a
tal esposa maldosa pagar caro por cada uma dessas atrocidades. Agora
conhecendo aquela mulher, sabendo que é portadora de uma doença, que
sofre por um trauma por ter perdido o bebê, me sinto um completo trouxa.
Uma lágrima de fúria deixa meu olho. Eu gostaria que Roberto
estivesse na minha frente para que eu pudesse acabar com ele. Eu estava
morando longe, e ele aproveitou esse fato para me sobrecarregar, já que eu
não podia conferir tudo pessoalmente.
A mulher é inocente.
Ela é inocente, cacete! E eu a maltratei...
Minha segunda parada é no banco onde estavam as joias que sumiram.
Um advogado de confiança já analisou a papelada em relação às transações
que Roberto praticou antes do acidente e me garantiu que são legítimas.
Roberto estava planejando algo, e isso casa exatamente com o que Mauro
disse: que Roberto estava planejando fugir com minha irmã. Fato que eles
não me contaram antes do acidente.
Engulo essa informação para não ficar mais abalado do que já estou. Eu
não queria estar errado. Roberto pode ter tentado mexer os pauzinhos, mas
minha irmã, não. Ela jamais faria algo assim comigo.
Ao chegar no banco, sou atendido pela mesma pessoa que me atendeu
da última vez, mas agora tenho um pedido especial.
— Eu só preciso ver a câmera de segurança do dia exato. Apenas isso.
— Praticamente imploro ao senhor sentado à minha frente, em sua sala
imponente. Ele me olha longamente, com os dedos cruzados abaixo do
queixo.
— Infelizmente não posso, senhor Barone.
— Como não?
— É algo confidencial... a menos que tenha uma ordem judicial.
Recosto na cadeira. Eu estava usando minha face educada, mas ele não
parece querer cooperar, então terei de partir para a ameaça.
— O que diria de um escândalo vazado para a imprensa, em que eu,
com todo meu renome, dou uma bela entrevista dizendo como esse banco
não é seguro? Será que os seus clientes continuariam aqui ao saber que uma
fortuna de quase dez milhões em joias desapareceu?
— Não foram roubadas.
— Como posso ter certeza?
— Porque o senhor Roberto não era o único dono do cofre.
— Não?
— Ele colocou a esposa dele como contraparte. E foi ela quem retirou,
tenho a assinatura...
Essa informação me pega desprevenido. Roberto colocou Isadora como
dona do cofre para que ela também pudesse retirar joias? Agora, mais
interessado ainda em desvendar todo esse rolo, prossigo na provocação:
— Até agora eu não acionei a polícia, afinal, os documentos dizem que
a própria esposa do senhor Roberto Agostini sacou as joias, no entanto, acho
que devo começar a mexer os pauzinhos para trazer a tal ordem judicial que
o senhor deseja. E se isso acontecer, não vou guardar qualquer informação
em segredo da mídia.
Caminho atrás do homem, que se mostra mais revoltado do que
amedrontado. Descemos alguns lances de escada até um pavimento
subterrâneo do prédio. Ele passa o crachá em uma porta, entramos e
seguimos por um corredor. Chegamos a uma outra porta, ele coloca a digital,
e ela se abre, revelando uma sala de monitoramento.
Mantendo a distância, o vejo pedir a um homem uniformizado que
encontre a filmagem do dia e do horário que requisitei. Fui obrigado a deixar
o celular lá em cima, portanto poderei apenas olhar, nada de filmar ou tirar
qualquer cópia.
Eu me aproximo da mesa de controle e olho quase sem piscar para o
monitor.
— Ali. — O homem mostra. — A viúva veio pessoalmente com um
segurança. Ela tinha chave e senha. Foi tudo legal.
A imagem é bem nítida. Mostra uma mulher de chapéu preto, roupa
preta e cabelos ondulados escuros. Ela está quase sempre de costas e se
parece, sim, com Isadora. Engulo a saliva junto com puro nervosismo. Ela
segue sozinha para o cofre, sempre de cabeça baixa, para que a câmera não
pegue seu rosto. E mesmo dentro do ambiente, não tira o chapéu.
A mulher em questão se parece com Isadora, mas não é. Esses dias eu a
observei bastante, feito um abutre. Conheço o seu modo de caminhar e seu
traseiro. Não é ela.
Tem a assinatura dela. Tem a imagem de uma mulher que é muito
parecida com ela. E tem o agravante de que somente Roberto e ela tinham
acesso ao cofre, e ele estava na UTI nesse dia.
Tudo leva a crer que Isadora é a culpada. Mas esse é justamente o
problema: coincidências demais às vezes geram desconfiança.

∞∞∞
— Que merda você me fez praticar? — indago, de pé diante do túmulo
de Roberto. Minha consciência, no entanto, não permite que eu jogue a culpa
nele. Roberto não apontou uma arma na minha cabeça para que eu
maltratasse Isadora. Eu fiz porque estava cheio de fúria e achei que seria
uma boa ideia. — Por que mentiu sobre ela? Por qual motivo fez isso com
uma mulher que... — Não consigo mais falar, a fúria me cala.
Eu dei tudo a ele. Eu dei todas as oportunidades, eu dei minha benção
para a relação com minha irmã, eu o chamei de irmão. Por que mentiu para
mim?
O túmulo me responde com silêncio, e talvez essa seja a minha maior
raiva. Não há ninguém aqui para pagar além de mim mesmo.

∞∞∞

— Acho que preciso fazer uma denúncia na polícia — digo a


Alexandros, de pé diante dele, no escritório de sua casa.
— Já não devia ter feito? — Ele me entrega um copo com conhaque e
se senta confortavelmente em uma poltrona, indicando a outra para mim.
Apenas olho, mas não me sento. Há questões demais na minha cabeça neste
momento, me deixando inquieto, impedindo-me de relaxar.
— Essa merda foi uma grande confusão desde o início. Roberto sempre
disse que Isadora consumia joias como se fossem doces, às vezes sumia uma
ou outra, e mais outra, e ela nunca tinha uma explicação plausível.
— E você teve confirmação de que ela tinha acesso às joias?
— Sim. — Enfim me sento, sem beber, fito de modo preocupado o
rosto do meu amigo. — Quando Roberto morreu, eu quis ver o espólio das
joias, e apesar de ter todas as notas de joalherias, o desfalque era grande
demais, faltavam muitas peças. As poucas joias que Mauro conseguiu
resgatar estavam no cofre da casa e não condiziam com a realidade dos
gastos. E eu flagrei ela tentando fugir levando joias.
O olhar de Alexandros é julgador, eu não consigo o encarar por muito
tempo.
— Então, legalmente, essas poucas joias restantes pertencem a ela e ao
bebê, que são herdeiros de Roberto. — Alexandros diz, e me calo abaixando
a cabeça. — Não é, Zion?
— Sim. Mas não estavam no testamento, e arrisquei mentindo para ela.
Eu a pressionei, ameacei, e ela caiu. E por isso eu sabotei o único advogado
que ela arrumou, que poderia tirá-la das minhas garras.
— Você é um canalha. — Vira o copo todo na boca. Sei que não é um
julgamento da parte dele, é uma constatação. Alexandros até solta uma
risada, porque ele é igual a mim.
Lembro do dia em que cheguei em casa à noite transtornado e beijei
Isadora na chuva. Foi no dia em que Mauro me mostrou que ela havia
esvaziado o cofre do banco.
— Mas então, dias depois, Mauro me ligou dizendo que achou o
paradeiro do restante das joias. Estavam em um banco... e tinha registro de
retirada, quando Roberto ainda estava na UTI.
— Porra — Alexandros sussurra. — E foi ela?
— Tinha a assinatura dela. Eu fiquei muito puto com Isadora, porque
ela ia fugir abrindo mão da casa e de tudo ali, simplesmente porque ela já
tinha todas as outras joias. Ela só aceitou a minha ameaça para ganhar tempo
e impedir que eu não envolvesse a polícia no caso. Foi isso que acreditei.
— E não acredita mais?
— Não, não acredito. — Fico de pé, com a mão penteio os cabelos,
dando alguns passos pelo escritório — Nem se ela fosse uma ótima atriz
dissimulada poderia fingir o olhar que não mente. Ela tem uma doença, e
Roberto mentiu para mim a respeito disso. Como eu posso acreditar em todo
o resto?
— Faça as perguntas certas, meu amigo. — Alexandros vem até mim.
— Por que Roberto não colocou as joias restantes em um espólio no
testamento, para deixar o filho dele seguro? Ele simplesmente manteve o
restante das joias em um cofre de uma casa que ele já tinha vendido para
você. Por quê?
Penso bastante nessa pergunta, pois é algo que faço a mim mesmo
desde que soube do sumiço das joias.
— Eu não sei.
— Você reluta em crer que foi enganado, não é?
— Não tem nada disso, porra. Eu só preciso ter todas as provas para...
ter certeza da inocência dela.
— Ou você já tem essa certeza? — A testa dele enruga, denotando a
incredulidade.
— O que está tentando dizer?
— Que eu nunca tinha te visto tão abalado como vi quando descobriu a
doença dela. O que está passando em sua mente, Zion?
Tomo um gole de conhaque, pensativo. Alexandros espera minha
resposta. Eu me apoio na mesa dele e o encaro. Sei que posso ser sincero
com ele, que me conhece como ninguém jamais conheceu.
— Estou pensando que não quero envolver a polícia no caso para não
desorganizar todo o meu plano contra Isadora. Porque eu não quero perdê-la.
— Ao encarar os olhos de Alexandros, ele não parece surpreendido com
minha confissão, então concluo: — Tudo que eu quero fazer com ela a partir
de agora envolve prazer e saciar a minha incontrolável atração.
— E se ela descobrir que tem direitos legítimos e que você sabe da
inocência dela, mas ainda assim a mantém sob o seu domínio por puro
capricho?
— Então ela vai ter o poder de me ferrar. Mas, ainda assim, vai valer a
pena. Eu estou louco por aquela mulher.
Vinte e quatro

ISADORA

Tento ignorar a ansiedade conforme as horas passam e o dia caminha


para o fim. Zion não apareceu para almoçar nem veio à tarde. De certa forma
é bom, pois posso ficar despreocupada, descansar, ler alguma coisa, passar o
tempo sem a pressão que sua presença exerce. No entanto, na prática, não
funciona tão bem assim, já que a ansiedade causada pela expectativa de ele
chegar a qualquer momento não me deixa relaxar.
A loucura que fizemos noite passada foi capaz de me perturbar o dia
inteiro. Minha mente, conturbada, e minhas entranhas saltando pelo gostoso
orgasmo que alcancei nos lábios dele.
Eu me flagrei sorrindo sozinha duas vezes, mas logo me dei uma
sacudida mental para deixar de ser tonta.
Agora à noite, Odete veio me perguntar se eu queria pizza, pois elas
estavam se juntando aos homens de Zion para pedir. E eu aceitei
prontamente. Uma hora depois, cinco pizzas chegaram, e nos sentamos com
eles na área dos fundos para saborear. Enquanto a maioria tomava
refrigerante, fiquei na água gaseificada. Os homens na verdade queriam
cerveja, porém é impossível beber em serviço.
Eu faço parte desse meio agora, do proletariado. E digo sem sombra de
dúvida que gostei muito mais de passar um tempo com eles do que em
qualquer encontro luxuoso que eu tinha com os amigos de Roberto.
A conversa é legal, descontraída, mas não dura muito tempo.
Estávamos na parte lateral da casa, quando somos surpreendidos com Zion,
que apareceu do nada.
Os homens estavam rindo e conversando alegremente, porém todos
fazem silêncio quando o patrão se aproxima. Ele olha para cada um com
uma expressão séria e, por fim, seus olhos batem em mim, que estou sentada
em um banquinho ao lado de Regina. Como sempre, é quase impossível
saber o que ele sente apenas fitando os olhos.
— Ah... terminamos o expediente, senhor Zion. — Odete é a primeira a
se explicar. Ele mal olha para a mulher, pois não consegue desviar os olhos
dos meus.
— Tudo bem. Já estão dispensados por hoje. Isadora, preciso conversar
com você. Me encontre em dez minutos.
— Claro — sussurro. Ele não espera mais qualquer gesto, apenas se
vira e sai. E então todo mundo solta o ar que estava preso nos pulmões,
como se estivessem diante de uma fera.
Ajudo Regina a arrumar a bagunça enquanto os homens terminam de
comer e vão para os seus postos. Alguns pingos de chuva começam a cair, e
corro pela área externa, até conseguir entrar pela cozinha. Subo a escada
iluminada apenas pela luz do segundo piso.
Dou dois toques e ouço a voz de Zion me mandando entrar. Abro, entro
e me deparo com ele bebendo algo; um uísque talvez, olhando para a porta,
como se já me esperasse. Usa apenas calça social desabotoada, a braguilha
aberta.
— Fecha a porta, Isadora. — Comanda, e eu fecho, recostando nela. O
quarto, como sempre, está impecável. Ele não é bagunceiro como os outros
homens. A roupa que tirou está dobrada em uma poltrona. E me impressiona
como o ambiente está impregnado com o cheiro caro dele.
Me observando, Zion termina de beber sem pressa, deixa o copo em
uma mesinha de centro e caminha até mim. Coloca uma mão na porta, ao
lado da minha cabeça, e sensualmente faz um carinho em meu queixo.
Mantenho os olhos erguidos, cravados nos dele.
— Então estava confraternizando com os empregados...
— É o que sou.
— Hum... — Ele afasta um pouco a aba do meu robe e espia meu
pijama. — Nesses trajes?
Olho para meu corpo e aperto as faixas do robe na minha cintura.
— Estou composta. O que você deseja? — Ensaio um tom de voz
firme, quase rude. — Diga logo, porque eu estava indo dormir.
— A despeito do meu arrependimento, que virá, eu preciso
experimentar você, Isadora.
Já imaginava algo assim, mas ouvir da boca dele deixa tudo mais
intenso. A forma como ele confessa, é capaz de me acender por completo em
um estalar de dedos, parecendo um isqueiro.
— Você só pode estar louco... se acha que vou transar com alguém
que... me torturou. — Ele sente o baque das minhas palavras, e isso faz a
gente perder o contato visual.
— É a minha irmã, droga — Ele se inclina diante de mim, falando
baixinho. — Me desculpe por todo aquele circo... precisa me compreender,
eu tinha que saciar minha fúria...
— Tinha? Então... não vai...
— Sei que está achando que vou aliviar para você. — Ele segura meu
queixo e fala tão perto da minha boca, que nossos lábios se tocam. — Mas
sua penitência está longe de acabar, meu belo anjo mau. — Zion passa a
língua em meus lábios, e eu suspiro, juntando forças para empurrá-lo, porque
é uma grande sacanagem ser seduzida justo por ele. Seu perfume é fresco e
gostoso, e o hálito de uísque só incrementa mais seu charme. O gosto
amargo da vingança com uísque. Detesto olhar nos olhos cinza-azulados,
pois sou capaz de sucumbir.
— Vai trair suas convicções? — sussurro.
— É a minha penitência. Carregar a culpa por te desejar... ou melhor, é
mais que um desejo, é uma necessidade que me contaminou.
Em um instante, estou respirando rápido, arfando. Eu sei o que vai
acontecer se eu não empurrar o homem agora e gritar que ele não pode tocar
em mim. Mas a questão não é deixar que ele me toque, é controlar meu
desejo de tocá-lo.
Não sou a coitada indefesa que cairá nas mãos dele. Sou apenas uma
mulher idiota atraída pela luxúria de um homem perverso.
A mão de Zion passeia pelo meu queixo em direção ao meu pescoço. E
como se estivessem em câmera lenta, seus olhos descem, acompanhando o
movimento da mão. Neste momento deixa escancarado seu desejo irrefreável
por mim. Sou em suas mãos uma obra de arte valiosa capaz de deslumbrar
qualquer artista. Zion não quer apenas me usar, ele precisa provar um pouco
de mim.
E eu só posso ser muito azarada para encontrar o olhar de deslumbre
que Roberto não me deu justo no homem que está tentando me destruir.
Uma lágrima tenta escapar, mas eu a limpo de imediato, assim que os
lábios dele pousam em meu pescoço. Gosto de como sua boca é dócil,
subindo pela minha garganta e se acabando contra meus lábios ansiosos, que
se movem contra os deles em um prazer doloroso.
Nenhum dos dois queria estar aqui. Mas foi assim que aconteceu, e
apesar de doer, é desastrosamente gostoso.
Ele segura meu rosto com as duas mãos para me beijar. Ofegante, passa
os lábios pela minha bochecha, morde meu queixo, arrancando de mim um
suspiro. Como se estivesse drogada, me delicio também com as mãos presas
em seus cabelos.
Zion arranca o meu robe com pressa e paralisa ao encontrar o meu
pijama amarelo com florzinha. Demostrando que gostou, os lábios se curvam
para cima, e ele tira meu pijama pela minha cabeça. Em seguida, engancha
as mãos na calça e puxa para baixo, me deixando apenas com a calcinha, que
não é das melhores. Eu não estava preparada para mostrar a alguém. Isso, no
entanto, não parece importar. Zion me observa com veneração crua e uma
pitada de incredulidade.
Não tento tampar meus seios. Apesar de ser meu desafeto, me sinto
livre, e os deixo livres. Zion corre as mãos pelos meu ventre e para o polegar
sobre a cicatriz da cesárea travando-me instantaneamente. Não quero que ele
toque nesse ponto, então tiro sua mão, e ele não contesta, continua
percorrendo a minha pele e chega aos seios.
Sabendo o que faz, ele passeia os dedos pela minha pele arrepiada, o
polegar desliza em torno do mamilo, e minha garganta se movimenta,
engolindo o nó de prazer. Anseio por mais, no entanto nada digo,
aguentando suas carícias enquanto apenas conhece meu corpo.
Zion me ergue do chão, e só então tenho contato com seu corpo quando
o abraço, sentindo seu corpo seminu, selvagemente, duro, contra o meu, que
estremece nos seus braços poderosos. Então nos beijamos com loucura, um
beijo de língua que acelera meu coração ainda mais, e, porra, como Zion é
gostoso e beija bem.
Com passos trôpegos, batendo nos móveis à frente, ele vai em direção
ao banheiro, e nenhum dos dois faz questão de interromper o beijo. Só
quando minha bunda bate na pia é que me recordo que estou no meu antigo
quarto, aquele que dividia com Roberto. Não me importo. Talvez seja um
bom troco para tudo que ele fez contra mim pelas costas.
— Que merda de loucura vai fazer aqui comigo? — Agarro seu
pescoço, o encarando com os olhos acesos. A gente mal consegue respirar.
— Te degustar com champanhe. Garanto que vai gostar.
Entra comigo na banheira ainda vazia, e eu tenho a impressão que ele
preparou essa noite antecipadamente. Vejo taças, champanhe e preservativos.
Ele me deixa dentro da banheira e sai, penso que vai ligar a água, mas Zion
não faz isso, empurra meu corpo para que eu encoste na borda. Então me
olha por segundos, e eu o fito de volta, sem saber o que o homem quer com
isso.
— Impressionante como você é valiosa, Isadora. E acho que você sabe
disso. E usa isso ao seu favor.
Engulo em seco quando ele pega um champanhe e começa a abrir.
Então ele inclina a garrafa sobre mim, e imediatamente fecho os olhos ao
receber as primeiras gotas de champanhe que caem do alto. Zion joga a
bebida pelas minhas pernas, ventre e seios.
Ele para e sorri.
— Tira a calcinha para mim, Isadora.
— Que loucura... é essa?
— Se chama desejo. Foi assim que te imaginei... e agora eu posso
realizar. Tire a calcinha.
A voz é tão rouca e provocante, que nem penso em negar.
Corro minhas mãos pelo quadril, enquanto olho para cima, para Zion
de pé, fora da banheira me assistindo. Tiro a calcinha. Ele sorri, sexy pra
cacete, e volta a jogar champanhe em mim, me dando um banho de bebida
cara; conheço a marca, era uma das preferidas de Roberto. Quando acaba,
ele deixa a garrafa, abaixa a calça junto com a cueca, revelando como é
grande, belo e potente. O homem está duro feito metal, tão esticado, que faz
uma leve curvatura para cima.
Involuntariamente, me arrepio por saber que eu o faço ficar assim.
Ele entra na banheira, inclina-se para cima de mim e beija a minha
boca, em seguida desce os lábios, e dessa vez, não apenas faz carícias, ele
lambe cada parte molhada de champanhe; ao chegar nos seios, posso ouvir
seu gemido rouco. Então a boca abraça meu seio como se fosse um doce
fofo, os lábios prendem o mamilo, saboreando-o junto com a língua, que
sabe o que fazer. Molhada, ela rola por todo lado, preparando o local para ser
novamente sugado pela boca voraz do homem em cima de mim.
— Eu tinha razão — sussurra. — Você com champanhe é gostoso
demais. — Desce a boca pelo meu ventre, e ao chegar na minha vulva, afasta
minhas pernas e inclina o rosto contra meu sexo dolorido de prazer.
Assim como ontem, quando me chupou na cozinha, Zion me faz ver
estrelas. Seguro firme nas bordas da banheira enquanto ele me encaminha
para o mais gostoso e excitante dos orgasmos. Todavia não me liberta.
Minhas pernas se contraem quando ele afasta a boca.
Rapidamente, vejo-o alcançar um preservativo e revestir o pau enorme
e ereto, então me segura contra o seu corpo. Nós dois ajoelhados dentro da
banheira.
Eu o agarro com força. Olho para seu peito forte bem diante de mim,
mas não tenho tempo de fazer nada, ele me gira, e uma vez de costas para
ele, me empurra contra a borda da banheira, posicionando-se por trás.
O corpo grande dele me cerca por todos os lados, mas não faz disso
uma opressão; com delicadeza, abre minhas pernas, sua mão corre pelas
minhas costas e me empurra para frente, e então sinto a pressão da cabeça
grande contra a minha entrada ainda pulsando pelo orgasmo não alcançado.
Quero-o depressa, a razão está presa fora do quarto, apenas emoção e desejo
governam meu corpo.
Agarro a borda da banheira quando o pau me preenche de maneira
constante, sem parar, até se envolver completamente em minhas carnes
ardentes. Está tão gostoso e apertado, mas fica ainda melhor quando Zion
agarra meus cabelos, morde minha nuca e gira devagar o quadril, para que
eu o sinta por inteiro.
— Caramba... — lamento. A mão dele agarra minha garganta, e o pau
dentro de mim parece pulsar, exigindo espaço para se mover.
Zion me maltrata gostoso na banheira, com seus lábios, que percorrem
meu ombro e pescoço; suas mãos grandes reivindicam a posse de meu corpo
para ele. Não está apenas me segurando, mas sim me tomando para si, me
agarrando com firmeza. Até que diz no meu ouvido:
— Para que você saiba que agora me pertence, Isadora. — Puxa meu
pescoço para que eu olhe para trás. Seus olhos brilham. — E eu vou cuidar
de você, meu anjo maligno, do jeito que eu quiser — diz e beija minha boca
enquanto entra e sai deliciosamente de dentro de mim. Estocada firmes e
alucinantes do pau que sem dúvida foi desenhado para o prazer.
— Isso... é só fraqueza, Zion. Eu não sou sua.
— É. — Estocada gostosa. — Minha para servir — estocada funda —,
minha para o prazer....
Ele não para de meter, aumentando a velocidade, até que eu esteja
esgotada, então sai, me deixando dolorida, ansiando por mais, ansiando por
libertar o orgasmo que mais parece uma bomba em preparação. Ele se senta
na banheira, me puxa para cima dele e me ajuda a sentar sobre o pau,
recebendo-o robusto, me abrindo até estar completamente encaixado.
— Muito bom, Isadora? — Sorri de um jeito arrogante, por ter visto a
minha expressão prazerosa quando minha vagina o engoliu inteiramente.
— Você entende das coisas, miserável.
Ele ri, me puxa, para eu me inclinar sobre ele e me prende em um beijo,
enquanto me acostumo com o monumento abaixo de mim. As coxas fortes
de Zion me sustentam. Eu levanto e sento algumas vezes, devagar,
apreciando a sensação gloriosa de um prazer indescritível. A cada vez que o
pau entra com minhas investidas, eu aumento a velocidade, cavalgando em
Zion como jamais fiz nas poucas vezes em que estive nessa posição com
Roberto.
As mãos grandes de Zion agarram meus seios, enquanto cavalgo
gritando, seus olhos se tornam vorazes, escuros feito o mar ao anunciar um
temporal. E chego enfim ao orgasmo, observando-o me possuir brutalmente
de forma fascinante.
Zion não goza, ele sai de dentro de mim, me ajuda a sair da banheira e
me leva para a cama. Então cai em cima de mim, afasta minhas pernas com
seus joelhos e penetra novamente, me embalando em seus braços. Dessa vez,
em um abraço quente, melado pelo champanhe, gostoso e selvagem.
Enquanto ele se move, é a minha vez de passar a língua em seu corpo,
lambendo os braços, correndo pelo peito e abocanhando o pescoço com
meus dentes.
Zion sorri, gemendo, tão gato, que me faz soluçar.
Então seu gozo vem vindo, mas ele me quer junto com ele. Sua mão
desce entre nossos corpos, alcança minha vulva e acaricia meu clitóris. Zion
olha nos meus olhos quando consigo alcançar outro orgasmo, cansada,
exausta, mas maravilhada. E dessa vez ele endurece, rosna e goza.
Vinte e cinco

ISADORA

Acordo sobressaltada, presa em músculos quentes. Com a claridade


que vem da luz do banheiro reconheço que estou no meu quarto, o qual
dividi com meu marido por anos. De um lado vejo a porta do closet, o jogo
de poltronas que eu escolhi, o tapete caro que Ursula nos deu, o papel de
parede brega que Roberto escolheu e a coleção de quadros com moldura
prateada.
Estou de volta ao meu quarto, mas não é Roberto que me abraça; eu
nem preciso olhar para saber quem é. Primeiro porque meu marido não me
abraçava assim, desse jeito possessivo. E segundo, porque as lembranças
quentes e inesquecíveis de horas atrás transbordam em minha cabeça,
ameaçando atiçar o meu corpo novamente.
Zion me abraça de maneira dominante ao mesmo tempo que é
reconfortante. Gosto de como sua perna se entrelaça às minhas e como ele
faz com que nossos corpos se encaixem. Ele está apenas de cueca, mas posso
sentir o volume pressionando atrás. Sim, eu poderia fechar os olhos e voltar
a dormir, mas não faço isso.
Essa noite ficará aqui, neste quarto, e não se repetirá.
Com cuidado para não o acordar, começo a me afastar. Porra, era uma
posição gostosa de verdade.
Lembro do que aconteceu horas atrás, quando enfim caímos lado a lado
na cama, ofegantes, e, no meu caso, exausta após dois orgasmos. O homem
pintou e bordou comigo de uma forma que ninguém nunca tinha feito.
Enquanto recuperava o fôlego, decidi que não me culparia e nem
surtaria de arrependimento. E torcia para que ele não me humilhasse logo
depois.
Quando Zion se levantou e caminhou pelado para o banheiro, retirando
o preservativo no caminho, me senti levemente envergonhada pela minha
conduta; estava pronta para brigar, caso ele fosse um babaca, porém Zion me
desarmou totalmente ao vir me buscar. Ele encheu a banheira, colocou sais
de banho e entramos juntos.
Eu já tinha chegado ao limite da coerência ao transar com meu
carrasco, o banho foi apenas uma cereja no bolo.
Sentados um de frente para o outro na espaçosa banheira que Roberto e
eu quase nunca usávamos, Zion apenas me observava calado. Os olhos ainda
em chamas me dissecando.
— O que foi? — perguntei, desconfiada.
— Fazia isso com Roberto?
— Não quer saber sobre isso.
— Se perguntei é porque quero. Fala.
Eu já deveria ter aprendido que o homem é teimoso e adora mandar.
Pensei um pouco, buscando na memória as vezes que fizemos algo fora do
padrão.
— Não com frequência. Roberto era um homem à moda antiga...
— Sexo papai-e-mamãe? — A testa de Zion criou dobras de ruga ao
mesmo tempo que o lábio tremeu para cima na insinuação de um sorriso.
— Basicamente.
E após a surpresa, ele pareceu gostar da minha resposta, mas não se
manifestou. Voltou a me observar calado.
— Bom... — sussurrei sem graça. — Preciso ir.
— Você fica. Quem é Fernando?
Curvei a cabeça de lado, encarando-o com as sobrancelhas juntas,
indicando minha dúvida, e antes que eu pudesse indagar, ele elucidou:
— Aquele que você falava ao celular no dia em que Melanie esteve
aqui.
Que coisa! Ele não esqueceu do tal Fernando, eu mesma já tinha me
esquecido. Eu podia admitir que não existe Fernando e que fiz aquilo para o
provocar, ou poderia continuar por cima. Se ele queria saber quem era
Fernando é porque aquilo o incomodava.
— Roberto queria que eu aprendesse outros idiomas. E até fiz um curso
de inglês um bom tempo. — Informação verdadeira. — Fernando era um dos
professores. — Informação verdadeira, mas nunca tivemos nada.
— Então tinha um caso com ele?
— Não necessariamente. Fernando era casado. — Passeei os olhos ao
redor para que Zion não descobrisse a minha mentira. — E agora se
divorciou e nos aproximamos, pois eu sou viúva. — Informação falsa.
— Não vai mais encontrá-lo.
— Por quê? — Meu coração disparou ao captar a presunção em seus
olhos.
— Porque eu estou dizendo.
— Você não é nada meu para tentar mandar em mim.
Ele riu, pegando minha fala como um desafio.
— Você não entendeu ainda, Isadora. Eu relutei o máximo que pude
para não tocar em você, porque eu sabia que se tocasse, teria que te fazer
minha, até quando fosse bom para nós dois. Não sou um homem que se sacia
fácil, e não estou a fim de te dividir. Portanto, não vai ver ou falar com outro.
Claro, se quiser preservar a integridade física dele.
— Você é ridículo. Como diz essas coisas... quando ainda me mantém
como sua empregada?
Zion pegou minha mão e me puxou. Eu até tentei resistir, mas ele é
forte e conseguiu, em instantes, me colocar sentada em seu colo, abraçando
meu corpo.
— Sim, vai continuar sendo minha empregadinha obediente. Dona de
uma das bocetas mais apetitosas que já encontrei. Você é valiosa, gata do
mau, e não vou abrir mão do meu achado.
Eu queria esmurrá-lo, ao mesmo tempo em que seu corpo molhado e o
hálito de champanhe insistiam para que eu aproveitasse um pouco mais.
Mal tínhamos nos recuperado e acabamos transando novamente, dessa
vez bem mais enlouquecidos. Ele me empurrou contra a bancada da pia e
ficou atrás, de pé, me agarrando com força enquanto nos saciava
vorazmente. E vê-lo pelo espelho, me possuindo com vontade, com seu olhar
dominador, ao mesmo tempo que sorria sedutor, foi sem dúvida a imagem
mais excitante que já presenciei. Eu tenho um tesão enlouquecido por esse
cara.
Terminamos embolados na cama, apagando após a exaustão de outro
orgasmo.
Agora praguejo por ter dormido demais. Consigo sair da cama, cato a
minha roupa pelo quarto e saio pisando na ponta dos pés para não acordar
Zion. Atravesso o corredor escuro, desço a escada, tendo cuidado para não
tropeçar. Quando chego na primeira sala, de longe vejo o quadro de Roberto
e Lisette. Há um abajur aceso. Eu me aproximo, paro diante deles e não sinto
nada.
Talvez eu tenha tido a minha revanche contra meu falecido marido
mentiroso. Acabei de transar com o amigo dele, na nossa cama de casal. Dou
uma última olhada em seus olhos e corro para o corredor dos quartos de
hóspedes.
Eu me sento na cama e passo minutos a fio no escuro, relembrando
tudo, as palavras possessivas de Zion, seu beijo, seu toque... seu gosto.
Sorrio como uma burra, puxo o edredom e acabo caindo no sono novamente.

Durmo feito uma pedra, e quando acordo, quase tenho um treco. São
sete da manhã. Porra!
Pulo da cama, corro para o banheiro, e após escovar os dentes, arrumo
meus cabelos, descartando o banho. Eu me dispo rapidamente para vestir o
uniforme quando ouço toques na porta.
Pego um roupão, visto e caminho até lá.
— Quem é?
— Sou eu, Isadora. — É ele. Droga. Abro e me deparo com o homem
usando apenas um short de dormir. Zion passa os olhos pelo meu corpo e dá
um breve sorriso. Usando uma postura sedutora, recosta no batente. — Você
fugiu à noite. E eu disse que era para ficar.
— Lá não é meu lugar, você sabe.
— Eu te entendo. — Empurra a porta, entra e a fecha em seguida. — O
cômodo não faz diferença. Eu quero estar onde você estiver. — Zion vem
em minha direção, e eu dou um passo para trás, mas ele rapidamente enlaça
meu corpo com seu braço. Ainda enrijecida em seus braços, sinto quando
sua mão afasta a borda do roupão, e ele quase solta um gemido ao se deparar
com meu corpo nu por baixo.
— Me deixe em paz e saia do meu quarto, Zion.
Ele poderia impor algo, dizer que manda em mim de forma esnobe.
Mas sua resposta é um breve sorriso, seguido de um beijo que não me dá
chance de reagir. É como tomar um copo de veneno que me enfraquece; ele
beija minha boca suavemente, sorvendo meus lábios de maneira suave e
sensual, me seduzindo como uma serpente maléfica.
— Tudo que eu penso nesse momento é ouvir seus gritos de prazer
novamente enquanto meu pau ou minha língua trabalham pesado —
confessa entre o beijo. Parece um clamor de uma necessidade que o corrói.
— Me deixe satisfazer a nós dois, porque apesar de ter te ferido, eu ainda
posso te dar algo bom e prazeroso.
Não vou negar, gosto de abraçá-lo, de lamber sua pele, de cheirar seu
pescoço. Quero beijá-lo e deixar que afunde em mim, para que nós dois
esqueçamos todas essas merdas que nos fizeram sofrer; a mim
principalmente.
Porém não é assim que se cura o amargor deixado pela vingança que ele
produziu sobre mim. Zion parece estar acordando e enxergando os fatos, mas
a ferida ainda é recente.
— Não vou transar com você novamente. Não quero e nem posso ter
nada com você. — Empurro-o, e Zion permite que eu me afaste. Ele corre a
mão pelo cabelo e pensa um pouco.
— Por que fez sexo comigo ontem?
— Porque eu quis. — Dou de ombros. Parece óbvio.
— Eu tento fugir desses pensamentos, mas você sempre faz parecer que
dá e recua em seguida para que eu aumente o lance.
— Você é tão hipócrita e incoerente, Zion. Ao mesmo tempo que diz ter
provas de que eu roubei Roberto, diz que talvez eu queira arrancar algo de
você usando seduções baratas. Se eu tivesse roubado tanto, para que eu teria
que me submeter a isso?
— Ou talvez você goste de ver um homem como eu rastejando...
— Um homem como você?
— Da melhor qualidade, um que pode ter qualquer mulher aos pés se
fizer assim... — Estala os dedos pertinho do meu rosto.
— E por que está aqui às sete da manhã pedindo sexo? Vá conseguir as
tais mulheres que você pode ter.
— Esse é o problema. — Zion afasta uma mecha de cabelo da minha
testa. — Nenhuma delas é tão insolente, gostosa, me irrita e me excita como
você. E nenhuma delas consegue fazer tudo isso e ainda estar diante de mim
usando apenas um roupão.
— A que está na sua frente usando roupão começou a aprender a ser
dura para não apanhar tanto da vida. — Caminho até a porta e abro para ele.
— Então, senhor Zion, eu não sou obrigada a ter qualquer contato ou aceitar
qualquer proposta do senhor, a menos que seja uma ordem a respeito do meu
serviço nesta casa. Me dê licença, preciso me vestir para o trabalho.
— Uma ordem? — Ele sorri, assente, me olha mais uma vez e sai do
quarto.
Com as mãos na cabeça, sopro de maneira ruidosa quando fecho a
porta. Eu quase cedi. Por Deus, eu quase caí nos braços dele aqui mesmo na
cama, porque queria experimentar mais uma vez a satisfação que tive na
noite passada.
Mas isso não é um caso de paixão, é a merda da minha vida, que está
nas mãos dele.
Vinte e seis

ZION

“E se ela descobrir que tem direitos legítimos e que você sabe da


inocência dela, mas ainda assim a mantém sob o seu domínio por puro
capricho?”
A pergunta que Alexandros me fez pulsa feito uma britadeira em minha
cabeça. A minha honradez escondida diz que devo colocar as cartas na mesa
com Isadora, mostrar a ela todas as suas opções e devolver sua liberdade.
Porém, fui inescrupuloso em alguns momentos da minha vida, e esse
parece ser mais um deles. Não posso libertar Isadora, mesmo suspeitando de
que ela seja inocente. Porque se eu mostrar todas as chances que têm de ficar
livre de mim, ela nunca mais olhará na minha cara.
Prová-la foi como experimentar uma droga poderosa, quero mais, e
mais, e muito mais.
Eu mal consigo trabalhar durante a parte da manhã, então saio da
empresa e vou direto para o apartamento onde o bebê está com a cuidadora.
Eu venho vê-lo todos os dias, e às vezes, como ontem, passo grande
parte do dia com ele. Lohan já me conhece e abana os bracinhos
demostrando estar feliz quando me vê.
— Oi, meu filho. — Pego-o no colo e esfrego o nariz em sua bochecha.
— Sentiu saudade do papai?
— Babá! — grita e bate palminhas, arrancando um sorriso de mim e da
dona Salete.
— Ele estava um pouco molinho hoje pela manhã. Mal tomou a
mamadeira. Agora parece melhor — ela informa, como faz todos os dias.
— Tem que comer para ficar grandão. O menino mais lindo do papai.
— Caminho com ele pela sala e me sento no sofá com o bebê em minha
perna. Ele me olha por longos segundos e imediatamente quer ir para o chão.
Deixo-o ir apreciando o menino correr de modo desequilibrado pelo tapete.
Pega um brinquedo e traz para mim, enquanto balbucia coisas indecifráveis.
Dona Salete consegue traduzir o que ele quer.
— É um pião musical, tem que encaixar essa parte, girar e colocar no
chão para o pião rodar. Ele adora esse brinquedo. E quer que o senhor
brinque com ele.
— Ah... — Eu me ajoelho no tapete perto de Lohan. Encaixo a parte de
cima no pião, giro o mecanismo algumas vezes e solto, vendo o brinquedo
rodopiando e tocando uma música no tapete. Lohan vibra, gritando e
batendo palminhas.
— Convivo com ele há tanto tempo, que já consigo interpretar o que ele
quer. — Dona Salete diz sem maldade, mas meu coração recebe essas
palavras como uma pancada. Porque eu quero ser o pai dele, quero criá-lo de
um jeito diferente daquele com o qual fui criado. Mas como poderei fazer
isso se nem conheço direito o meu sobrinho? Ele não mora comigo, não sei o
que ele come, não o coloco para dormir.
O garoto me entrega o pião novamente, para que eu coloque para girar.
Faço isso, observando sua alegria com o brinquedo. Lohan tem de estar
comigo, porque independentemente do que Roberto tenha feito ou mentido,
essa criança não tem culpa de nada.
Ele não me larga em nenhum momento. Eu preciso ir, pois tenho vários
compromissos na empresa, mas o bebê parece pressentir que eu vou sair.
Acabo cedendo e aceitando ficar mais um pouco na companhia dele. Peço a
dona Salete para me deixar dar banho nele. Ela me explica como geralmente
faz, e eu sigo as instruções. Dobro as mangas da camisa e passo minutos a
fio diante da banheira, enquanto ele ri feliz, cercado de brinquedinhos.
Depois de assistir Salete vestindo-o, me sento à mesa com eles para
observá-la dando a papinha para ele. Consegui uma bela mancha na manga
da camisa quando ele tomou a colher dela e fez birra para tentar comer
sozinho.
Poderia ficar mais um pouco, porém recebi uma ligação de Alexandros
dizendo que me esperava na empresa. E apesar da manga suja e molhada, eu
saio da casa com uma sensação de alegria e pertencimento.

∞∞∞
— Contou a ela? — Alexandros me olha quando o deixo em frente a
sua mansão, quase às seis da tarde. Tivemos um dia bem cheio, com reuniões
e vistorias; fomos visitar um projeto da Solaris fora da cidade, e ele decidiu
ir comigo, deixando o carro na empresa. Sei o motivo de sua pergunta sobre
Isadora, e quando solto uma lufada de ar, Alexandros já imagina a resposta.
— Dormimos juntos. Sem críticas, você faz merda pior. — Ele ri diante
da minha confissão.
— Você só se afunda mais.
— Fora do carro, grego. Sei onde estou pisando.
— Ok. — Ele abre a porta, sai e acena para mim.
Enquanto dirijo de volta, ligo para Isadora.
— Oi.
— Se arrume, vai comigo a um lugar.
— O quê...? Qual lugar?
— Você disse hoje pela manhã que apenas segue minhas ordens. Então
essa é uma ordem. Chego em trinta minutos.

Isadora está arrumada me esperando quando chego à mansão. Ela está


na primeira sala, e fica de pé ao me ver entrar pelo hall. Gosto da sua
aparência; na verdade, meu coração parece balançar em qualquer ocasião
diante dessa mulher, independentemente do que ela esteja vestindo. Seus
olhos quase sempre surpresos e acesos são um charme a mais.
Seu vestido é verde, tem um caimento perfeito no corpo, provavelmente
é um vestido caro, como todas as outras roupas. Gosto de como ressalta os
seios, mesmo os escondendo completamente. Uma quantidade dos cabelos
escuros e ondulados está presa no alto da cabeça com uma presilha, e o
restante, solto às suas costas.
Eu preciso tomar um rápido banho e trocar de roupa. Deixo-a esperando
e subo para meu quarto, ficando pronto dez minutos depois.
— Vamos — ordeno, e ela me segue sem questionar.
No carro, a caminho do local em que pretendo levá-la, Isadora opta pelo
silêncio enquanto olha pela janela. Eu tamborilo os dedos no volante e busco
algo para quebrar o clima e puxar papo.
— Precisava tomar um banho, trocar a camisa — digo, chamando a
atenção dela. — Passei a manhã com meu... sobrinho, dei banho nele e
acabei me sujando com papinha. — Isadora olha para minha roupa e fita
meus olhos, então assente.
— Se sujar com papinha não é algo que combina com você.
— Eu posso imaginar como é difícil para você, mas...
— Não. Não pode — interrompe de imediato.
— Ele é só um bebê.
— Eu não tenho nada contra a criança. E que bom que você está
cuidando dele, dando todo o carinho que ele precisa.
Eu a compreendo. De verdade, agora sem a fúria cegando minha
racionalidade, consigo enxergar como a existência do bebê de Roberto pode
abalar Isadora. Não acho que o sentimento dela seja pela traição do marido,
afinal ela confirmou que não o amava. O desconforto certamente é por ter
perdido o seu bebê. Por isso, decido não tocar mais nesse assunto por hoje.
Chegamos ao destino, um prédio de luxo em um bom bairro da cidade.
Isadora olha para o prédio e depois para minha mão estendida para ela.
Sem me indagar, confia em mim e me segue, descartando minha mão, o
que é um chute de leve no meu ego. Entramos no elevador, e ela fica em um
canto, de braços cruzados. Aciono a senha da cobertura, e quando o elevador
abre as portas no elegante hall, Isadora está aparentemente tensa pelo
desconhecido.
— Que lugar é esse? — indaga, ainda dentro do elevador, apenas
espiando para fora.
— Meu apartamento. Acabei de comprar.
Ela dá um passo para fora e olha em volta, surpresa.
— Comprou um apartamento aqui na cidade?
— Eu comentei que não gosto da mansão de Roberto. — Caminho em
direção a sala, acendendo as luzes, e ela me segue. — Além do mais, tem
meu sobrinho...
— Vai ficar por aqui...? Você disse que morava em... Rondônia?
— Sim, Rondônia. Mas sou de São Paulo e voltei antes do acidente da
minha irmã, agora decidi ficar aqui por um tempo, por causa dos negócios.
Ela assente, mordendo o lábio e segurando firme sua bolsa de ombro.
Isadora dá alguns passos pelo ambiente, analisando tudo, enquanto eu
arranco os lençóis que cobrem os poucos móveis. Apesar de novos, não
foram escolhas minhas.
— Vou providenciar um designer para uma reforma, para deixar com a
minha cara, então esses móveis serão descartados.
Isadora puxa a cortina pesada e antiquada, revelando a vista
esplendorosa da noite lá fora. Ela olha por um tempo lá para baixo, é uma
janela de frente para a praia, em um local muito privilegiado da cidade.
Em seguida, se vira para mim, mostrando-se pensativa.
— Então me trouxe aqui para... limpar?
Eu me aproximo dela, mansamente. Tiro sua bolsa do seu ombro, e ela
permite, sem desviar os olhos dos meus.
— Você não vai mais fazer esse tipo de serviço.
— Então me trouxe aqui para...
— Jantar. — Sorrio, e enfim ela parece relaxar. Isadora espia atrás de
mim, como se procurasse vestígios de alguma mesa posta ou funcionário
para nos servir. — O problema é que não deu tempo de preparar nada. —
Levanto os ombros, e ela acaba sorrindo.
— Me trouxe para jantar com você, mas não preparou o jantar? Você é
péssimo em planejamentos. Já devo adiantar que eu não sei cozinhar.
— Você por acaso pode comer hambúrguer?
— Não costumo comer com frequência, porque preciso de uma dieta
mais saudável, mas, sim, posso comer.
— Que ótimo. — Acabo de falar, e o interfone toca. — Chegou! —
Diante da expressão curiosa de Isadora, corro até o interfone e libero a
subida do entregador.

— Me trouxe para um apartamento de luxo pouco mobiliado, cheio de


poeira, para comer McDonald’s? — Ela observa os pacotes em minha mão e
me segue até a cozinha.
— Não gosta?
— Não sou fã. A batata do Burguer King é muito melhor.
— Um ponto de vista. — Pego alguns guardanapos e passo na mesa
empoeirada antes de abrir os pacotes — Assim como tem pessoas que
preferem Nescau a Toddy.
— Eu sou uma dessas.
— Puta merda, você é toda errada. Só falta chamar bolacha de biscoito.
— Não estamos em São Paulo, portanto é biscoito.
Rindo, disponho tudo sobre a mesa, para que ela possa escolher.
Batatas, sanduíches e refrigerante.
— Escolhi quatro tipos, não sabia qual te agradava mais.
Isadora pega qualquer um, abre a caixinha e dá uma olhada no
sanduíche, afastando o pão e espiando o que tem dentro. Em seguida, dá uma
mordida. Parece gostar, então arrasta uma cadeira e se senta. Eu a observo
comer com elegância, apesar de parecer faminta. Pega duas batatas e enfia
na boca. Eu escolho um hambúrguer e pulo na bancada perto da parede, me
sentando ao lado da pia.
— Isso não combina com você — ela comenta. — Comer sanduíche
sentado perto da pia.
— Não acho que também combine com você. Roberto contava sobre os
jantares caros em locais exóticos.
— Que eu detestava, mas ele insistia em ir. Como você mesmo disse,
ele queria mostrar um poder que não tinha. Um idiota. — Enche o sanduíche
de ketchup e dá uma mordida. Antes eu não suportava ouvir alguém falando
de Roberto, ferindo a memória dele, agora, acho graça e concordo com
Isadora.
— Então devo acreditar que a vida da gananciosa Isadora Agostini era
uma farsa e que ela preferia comer um sanduíche com fritas à noite?
— Você não imagina o quanto desejei apenas ir a uma lanchonete
qualquer, encher a barriga de comida gordurosa e voltar para casa.
— Não tinha momentos simples?
— Certa vez, eu quis muito ver um filme, — ela começa a contar
apontando uma batata para mim — então depois de implorar bastante,
Roberto fechou uma sala de cinema para nós dois, pois ele não queria se
misturar. Quando na verdade eu queria viver o combo completo de ficar na
fila com meu marido segurando um balde de pipoca e reagir ao filme junto
com todas aquelas pessoas.
— Ele era um grande otário. Em compensação, você tinha todo o luxo
que uma mulher sonha em ter.
— É, eu tinha. — Isadora sopra enquanto parece deixar a mente vagar
para aquela época não tão distante. — Não era muito surpreendente, na
verdade. As mulheres que se diziam minhas amigas viviam em constante
disputa de ego, quem tinha a melhor joia, quem tinha a bolsa da nova
coleção, quem tinha móveis assinados por fulano. Desculpa, mas rico não
sabe gastar todo o dinheiro que tem.
Sei que ela não está falando essas coisas para me convencer. Isadora
nunca quis me convencer de nada. Conhecer a verdadeira Isadora está sendo
fascinante.
— Se você não se importava, por que tentou roubar aquelas joias que
estavam no cofre da casa? — pressiono, apenas para ouvir da boca dela.
— Para vender e sobreviver, ué. Eu estava indo para qualquer outro
lugar e precisava de dinheiro, principalmente por causa da minha saúde.
Consigo tratamento pelo sistema de saúde pública, mas se eu tiver um meio
particular, é mais eficiente.
E essa é uma grande confirmação de que ela não tem nada a ver com o
sumiço das joias no banco. Se Isadora as tivesse pegado, não teria tentado
levar um mísero colar. Que legalmente pertence a ela, mas que prefiro não
revelar isso ainda.
Ela não consegue comer todo o hambúrguer, e eu como mais um sob o
olhar divertido dela, enquanto belisca uma batata ou outra.
— Desculpa a inconveniência, mas quanto custou esse lugar? —
Isadora sai da cozinha e observa a área externa, com área gourmet e vista
exuberante.
— Alguns milhões.
— Porra? — Olha para mim, chocada.
— É uma cobertura em uma área nobre. O que você esperava?
— Não acredito que com tanto... ainda teve coragem de tomar o único
dinheiro que estava na minha bolsa.
Ouvir isso é como um soco no estômago. Mesmo que ela diga isso sem
dar muita importância.
— Ainda tenho aquele montinho... posso te devolver.
— Não quero uma verdade inventada. Não era meu, era do Roberto. —
Ela dá as costas e volta para dentro do apartamento — Não quero nada que
era dele.
Mais palavras que conseguem perfurar a bolha de proteção que sempre
esteve ao redor do meu coração. Isadora parece boa demais para as palavras
duras que Roberto soltava sobre ela. E isso me traz angústia e ódio na
mesma proporção.
Mostro o restante da cobertura para Isadora, que parece gostar do
ambiente, assim como eu gostei logo que vi. A planta é boa, os cômodos
grandes, com direito a três salas, sendo uma delas para confraternizações. A
suíte principal é imensa, e a vista também é exuberante. Por trás da cama,
uma extensa vidraça, é como uma pintura realista para a beleza da noite. O
céu estrelado se ergue acima da cidade iluminada, dá para passar um bom
tempo apenas observando.
— De quem era o apartamento?
— Não sei. O antigo proprietário tinha dívidas e acabou perdendo para
o banco. Eu tenho contato com os executivos do banco AMB, e eles me
convidaram para o leilão.
Eleva uma sobrancelha antes de indagar:
— Você nem quis saber se pertenceu a alguém que possa ter morrido
aqui?
— Não...
Com o olhar abismado para cima de mim, Isadora parece não acreditar
que deixei passar um detalhe que ela julga tão importante.
— Tem medo de gente morta, Isadora?
Ela ergue os ombros e caminha para fora do quarto. Eu a sigo.
— Sei lá. Mas eu gostaria de saber se alguém se enforcou ali, no fim do
corredor. — Olho para onde ela aponta e rio, porque é impossível alguém se
pendurar em um teto liso. Descemos para o primeiro piso, e ao chegar na
sala, nossos olhares se topam de modo automático, e isso parece deixá-la
levemente tímida. Suas bochechas enrubescem, e ela morde o lábio,
desviando o olhar.
— Um McDonald’s não vai me comprar, Zion. Nem tente. — Seu tom
não é bruto, na verdade ela quase sorri de lado.
— Poxa, mas tinha batata, refrigerante e milk-shake. — Eu me
aproximo e prendo o rosto dela em minhas mãos. — Apesar de nos
odiarmos, eu estou babando de vontade de comer você em todas as posições
que conseguirmos, por todo esse espaço empoeirado. — Eu aproximo
devagar meus lábios em direção à sua boca, e Isadora não me repele. Eu a
beijo, enfim, contente, apreciando suas mãos agarrarem meu pescoço quando
retribui o beijo.
Vinte e sete

ZION

Isadora permite que eu a dispa devagar, admirando seu corpo, beijando


cada pedaço de pele descoberta. O vestido escorrega em ondas, até cair aos
seus pés. Concentrada, ela passa as mãos pelo meu cinto e as desliza para
baixo da minha camisa, passeando os dedos pelo meu abdômen.
— Não quero que se sinta usada por mim — eu digo ao cruzarmos o
olhar. — Quero que se sinta desejada, porque não tem coisa mais verdadeira
agora.
— Eu também te desejo. Infelizmente ninguém é perfeito. — Antes que
eu pense que se refere a mim, ela sorri de lado e emenda: — O meu erro é te
desejar. E não consigo parar de insistir nesse erro.
Em frente à parede de vidro com vista para a noite, eu a conduzo para o
mesmo mar de tesão o qual mergulhei desde o maldito primeiro dia que a vi.
E quando caio de joelhos diante dela, de pé, recostada no vidro, penso
que eu poderia ter duelado por ela, poderia ter lutado por Isadora quando
Roberto ainda vivia. Isadora não é só um corpo belo, não é só o troféu
daquele homem. Ela é pura força por ter se mantido de pé após todas as
pancadas, foi a brasa que esquentou meu coração de gelo.
Sua calcinha é descartada, e meus lábios se deliciam no centro pulsante
dela enquanto seus finos dedos percorrem meus cabelos. Minha boca se
movimenta ferozmente, chupando-a, e logo meu dedo pressiona o clitóris,
enquanto olho para cima. Sinto uma enorme satisfação ver seu belo rosto
distorcido de prazer.
Isadora alcança o orgasmo aos gritos, agarrando meu corpo quando fico
de pé diante dela. Sorrio, seguro seu rosto e a beijo, me afogando em seus
lábios ofegantes com os meus e fazendo com que sinta o seu gosto, que
impregna minha boca.
Não tenho tempo de terminar de me despir antes de conseguir capturar
um preservativo em minha carteira; abaixo a calça o suficiente e visto o pau
sob o olhar excitado dela.
— Dizem que todo cara mau fode muito bem — ela fala, voltando os
olhos para mim. — Eu detesto ter que comprovar isso. — Levanto-a do
chão, mantendo suas costas pressionadas contra o vidro, pouco me
importando se alguém lá embaixo possa ver, talvez se usarem um binóculo
ou algo do tipo.
Nossas respirações estão suspensas quando pressiono minha cabeça
latejante contra a entrada macia dela, que se abre, me sugando
deliciosamente. E enfim soltamos um gemido juntos na ligação mais intima,
no momento que aconchego por completo em seu interior. Isadora rebola,
mordendo o lábio enquanto a boceta contrai em torno do meu pau.
— Ah, droga. — Isadora geme alto ao receber uma estocada funda.
Suas costas batem no vidro, eu forço mais duas vezes, e ela crava as unhas
no meu ombro...
— É gostoso demais... seu idiota.
— Porra, você tem um olhar pidão que me deixa louco. — Ofegante,
busco os lábios dela, sem parar de meter em um ritmo alucinante.
— Pidão?
— É. Um olhar de desejo, como se estivesse pedindo pau. — Eu
enlouqueço. Não dou chance de resposta, embalo-a em meus braços com
firmeza enquanto me aprofundo sucessivas vezes sem parar, sentindo as
pernas tremerem. Isadora desabotoa minha camisa e passa a língua em meu
peito assim que o vê.
É gostosa e satisfatória a forma como ela adora o meu corpo, a minha
boca, meu pau, do mesmo jeito que gosto de tudo dela.
Sem parar de comê-la, caminho pela sala, me sento no sofá, abrindo os
braços contra o encosto, e deixo Isadora tomar conta, me levando ao céu e
inferno em segundos com sua cavalgada doce e esfomeada. Ela quer tudo,
profundamente, sem frescura.
Então, feito um animal faminto, agarro sua cintura apertando meus
dedos na pele macia, jogo-a deitada no sofá e monto sobre ela, deixando que
sinta um pouco do meu peso, do meu calor e da força do meu quadril. Fodo-
a vorazmente agarrando sua cintura com as duas mãos. Meu pau entra e sai
usando de força e velocidade, provocando barulho de nossos corpos que é
abafado pelos gritos de Isadora.
Ela enlouquece com o meu poder de satisfazê-la em prazer visceral de
sexo gostoso.
— Uau! — Eu rio, fazendo uma pausa com o pau latejando todo dentro
dela. Tiro-o devagar e acaricio-o com a mão.
— Quase perdi minha alma aqui. — Ela retruca, rindo também em meio
a respiração arfante.
— Você vai aguentar mais um pouco. — Afasto suas pernas e me
posiciono ajoelhado no meio, então seguro meu pau, dou algumas batidas na
entrada dela aproveitando para pincelar o clitóris, e aprofundo novamente.
Isadora revira os olhos quando forço por inteiro e inclino-me sobre ela para
beijá-la.
Outra sessão de foda selvagem, até que o orgasmo a consome e eu
arranco o preservativo, punhetando duas vezes até jorrar enlouquecido no
ventre dela. Limpo-a com o lençol que estava cobrindo o sofá e em seguida,
aninho-a em meus braços.
Eu me aconchego sob o corpo quente de Isadora enquanto ela ainda está
ofegante pelo orgasmo. Deitada no sofá, ela abraça meu pescoço, e suas
pernas se envolvem nas minhas.
Como se a venerasse, penteio seus cabelos, jogando-os para o lado.
Admiro seu rosto jovem e natural, seus olhos amendoados acesos me
observando. Gosto de como ela me olha, de uma forma curiosa, como se não
acreditasse que estou aqui.
— O que vai ser a partir de agora? — eu indago.
— Eu que deveria fazer essa pergunta. Eu não quero ter um caso com
você.
— A gente pode chegar a um acordo...
— Não há qualquer possibilidade. — Apesar do olhar gentil, seu tom é
sério demais.
— Mas o sexo é bom — rebato.
— O sexo é ótimo. Como eu jamais tive. Porém, eu não te perdoei.
E ela tem toda a razão de reagir dessa forma.
— E vai fazer isso em algum momento?
— Não sei. Eu não quero gostar de você, Zion. Eu não quero gostar de
transar com você... porque eu não posso simplesmente te dar um perdão.
Assinto, como se não me importasse. Mas no fundo sei que tudo vai
ficar ainda pior quando ela souber que eu já acredito em sua inocência e que
ela tem direitos legais, que eu a enganei. Isadora não pensará duas vezes
antes de virar as costas para mim.
— Você não precisa mais trabalhar...
— Não. — Ela tenta me empurrar para se levantar. — Não quero que
me dê qualquer privilégio só para continuarmos transando. Eu vou me sentir
sendo paga.
— Não é sobre isso, porra. — Mantenho-a presa abaixo de mim. —
Você não precisa trabalhar porque agora eu sei que tem uma doença.
— Que não me impede de ajudar na casa e ganhar um salário no fim do
mês. Eu quero um dinheiro que me pertença.
— Então eu te demito.
— Perfeito, só assim saio daquele mausoléu que Roberto chamava de
mansão.
Sem querer discutir sobre isso, saio de cima dela, mas mantendo-a
aninhada em meu corpo, nos espremendo no sofá. Isadora decide ficar mais
um pouco aconchegada comigo.
— Para onde iria? — questiono, fazendo um carinho perto do seio dela.
— Não sei. Sou sozinha no mundo.
— Não iria atrás do tal Fernando? — pergunto, e ela ri.
— Não. Não iria. Talvez eu pudesse voltar para o interior, onde minha
mãe mora. Sei lá, tentar uma reaproximação.
Detesto ouvir essa hipótese, mas não demonstro qualquer reação.
— Tem ao menos dinheiro para pagar a passagem de ônibus?
— Eu planejava te pedir um adiantamento ou pedir emprestado. —
Acabo rindo de sua resposta. Minha mão corre dos seus seios até o ventre.
Círculo o umbigo com o dedo, desço mais um pouco e encontro a cicatriz
que vi na primeira vez que transamos.
Isadora reage se tensionando, e eu retiro a mão.
— Por que tem essa cicatriz?
Isadora volta os olhos para meu rosto e parece não entender minha
pergunta.
— Foi por causa do... bebê? — questiono.
— Sim. — Ela sopra devagar e desce a mão, pousando sobre a cicatriz.
— Uma cesárea.
— Uma cesárea? Foi tão grave assim... o aborto?
— Aborto? — Em sinal de estranheza, a testa dela se franze. — Eu não
tive um aborto.
— Como não?
Isadora me empurra e se senta no sofá. Rapidamente alcança a calcinha
e se veste.
— Desculpa, não gosto de falar sobre isso.
— Isadora, eu compreendo sua dor. Mas... seu marido dizia que foi uma
gestação interrompida por um aborto.
Ela gira a cabeça na minha direção, nitidamente incrédula com minha
revelação.
— Ele dizia isso? Mas...
— O que houve de fato?
— Eu... tive um bebê. Estava com oito meses de gestação. Mas... quase
não resisti à cirurgia. E quando acordei... dois dias depois. Bom... eles
disseram que meu bebê não resistiu.
Mais uma mentira de Roberto descoberta. Essa revelação me atinge
brutalmente. Eu quero ter um surto de raiva por causa de Roberto, mas tudo
que tenho é compaixão por ela. Passo segundos abismado fitando-a, até que
Isadora quebra o contato visual e vai se vestir.
— Eu sinto muito — falo em tom baixo, e não tento saber mais sobre o
assunto, pois é algo que sempre a machuca. E agora eu posso compreender
melhor por que ela agiu daquela forma quando levei o bebê de Roberto para
a mansão.
— Era minha única chance — Isadora diz, após se vestir e se sentar
para amarrar as sandálias. — Gravidez para quem tem lúpus é algo bem
complicado.
Balanço a cabeça assentindo, cheio de pena dela. Eu me visto também,
detestando como minha mente está inchada de remorso e pensamentos
incômodos. Eu gostaria de ter vindo antes, de conhecer Isadora
pessoalmente, porém me deixei ser manipulado.
— Vamos. — Eu caminho para a porta, e ela me segue. — Vou te levar
a um lugar.

∞∞∞

Isadora fica por um tempo paralisada abraçando o próprio corpo e


admirando o mar à noite. Eu dou a ela o tempo que precisa enquanto sua
mente viaja por caminhos misteriosos. É uma das vistas mais belas que
poderíamos encarar, e ela tinha total razão, a imensidão do mar à noite
parece cobrir todos os problemas, tornando-os um nada diante de tudo isso.
É sombrio e reconfortante.
Dou alguns passos e fico ao lado dela. Sem desprender o olhar do mar à
frente, sussurra:
— Obrigada. Fazia tanto tempo que eu não o via à noite. Me faz
lembrar da minha mãe.
Eu me sento na areia, chamando a atenção dela. E dessa vez, Isadora
aceita minha mão quando a convido para se sentar ao meu lado. Não
precisamos dizer nada, o barulho do mar diz tudo que ela precisa ouvir.
— Você está tentando ser o cara bonzinho...?
— Não. Isso não cola em mim. Ainda sou bem mau para um pessoal
por aí.
— Não precisa ter pena de mim só porque tenho uma doença. Na
verdade, detesto pena...
— Não tenho pena de você. Só estou mais interessado em foder você do
que foder sua vida e sua cabeça.
— Oh, que sorte! Ganhei o privilégio de não ser mais humilhada
porque chamei atenção do meu carrasco. Estou tão agradecida.
Rio alto, atraindo o olhar divertido dela para mim. Isadora sacode os
cabelos e volta a fitar o mar.
— Precisa concordar que não é tão ruim assim. Tenho um pau muito
bom que se encaixa com perfeição na sua bendita boceta, consegue atingir
orgasmos brutais comigo e já experimentou mais posições em dois dias do
que nos dez que ficou casada.
— Bendita boceta. — Ela gargalha. — Obrigada pela parte que me
toca. Tem um pouco de razão. Eu já estava no fundo do inferno mesmo, por
que não beijar o diabo?
Poderíamos ficar mais tempo aqui, sentados na areia acertando os
pontos, mas meu celular toca e preciso atender, pois é dona Salete. Eu me
afasto, atendo e recebo a notícia. Em um minuto volto para onde Isadora
está.
— Precisamos ir. O bebê... o meu sobrinho está com febre.
Ela nem contesta, fica de pé imediatamente, tira a areia da roupa e me
segue.
Volto o mais rápido possível para o prédio, e antes de entrarmos no
carro, olho para Isadora.
— Eu vou te levar em casa...
— Não. — Nem me deixa terminar de falar. — Você tem que verificar
se ele está bem. Eu posso pegar um Uber...
— Não vou deixar você voltar sozinha à noite para casa com um
desconhecido.
— Então eu posso esperar dentro do carro. Não se preocupe comigo, ele
é prioridade. — Ela abre a porta do carro e entra, dando por encerrada a
conversa. E só me resta entrar logo atrás.
Vinte e oito

ISADORA

Aperto com força a mão de Roberto enquanto o medo comprime os


meus órgãos, o ar me falta a cada tentativa de respirar. Uma enfermeira me
empurra na cadeira de rodas pelo corredor claro da clínica. Tudo parece
muito comum, mas há algo errado, posso sentir. Uma das minhas mãos está
na minha barriga e a outra apertando com força a mão do homem que eu
amo e que me deu um bebê, o nosso bebê vai nascer, e só quero que isso
termine, para eu abrir os olhos e vê-lo em meus braços.
— Eu não queria... vir nessa clínica. — Por trás da máscara de
oxigênio, falei a Roberto. Passei mal em casa e ele me trouxe nesse lugar
dizendo que era o mais perto.
— Querida, não dava tempo de chegar ao hospital que você queria.
Mas já liguei para sua obstetra, ela está a caminho.
— Ela precisa chegar a tempo, Roberto. Eu confio nela...
— Sim, fique tranquila, ok? Vai dar tudo certo.
A minha vida mudaria a partir daquele momento. Um filho foi tudo que
desejei por anos, e o momento chegou. Eu o amava antes mesmo de
conhecê-lo. Eu vi a luz redonda acima de mim, da sala de cirurgia, e então
apaguei; feliz e confiante. Quando abri os olhos novamente, encontrei
silêncio e uma claridade tênue que não provocava meus olhos. Em questão
de segundos lembrei o que vim fazer aqui e automaticamente toquei em
minha barriga confirmando que o bebê não estava mais lá.
Roberto chegou no quarto exibindo um olhar consternado, depois uma
enfermeira entrou, mas meu marido pediu a ela que nos deixasse a sós. Tudo
que ele me pedia era para ter calma, e nunca respondia a minha pergunta
sobre onde estava o meu bebê.
E quando a notícia veio, o meu mundo acabou ali.
— Não. Isso, não é possível... — Desesperada, sentindo as vistas
escurecerem, tentei arrancar o soro e descer da cama.
— Isadora, você precisa ficar calma, vamos passar por isso juntos.
— Não, Roberto, isso é mentira.
— Querida, não fique assim, eu estou aqui. — Mesmo ele me
amparando, eu o afastei com brusquidão e caí da cama alta. Roberto correu
para a porta pedindo ajuda, enquanto a escuridão cobria meus olhos por
causa da fraqueza. O local da cirurgia rasgava de dor, mas nada importava.
Arrastei-me pelo chão apavorada, e me amparei em uma poltrona.
— Por favor, Deus, isso não. — Gritei o mais alto que podia odiando a
dor sufocante tomando meu coração — Meu filho... meu Deus, meu filho!
Era tudo que eu tinha... não tire ele de mim. Abrevie os meus dias, mas
devolva a vida dele.
— Isadora, você precisa se acalmar. — As mãos de Roberto me
seguraram por trás, suspendendo-me do chão e segurou meu corpo com
força aninhando em seus braços — Não tem mais o que fazer, querida.
— Me deixe vê-lo, por favor, me deixe vê-lo uma única vez, me deixe
ver o rosto dele.
— Ele já foi enterrado, querida. Eu sinto muito.

Revivendo lembranças indesejadas, espero no saguão do prédio


enquanto Zion sobe para visitar o sobrinho. É um prédio bonito,
aparentemente seguro e em um lugar bom da cidade. Ele está cuidando bem
do bebê, não é totalmente um homem ruim.
Meu pé bate impaciente no chão, enquanto, de cabeça baixa, aguardo.
Zion me arrastou para uma armadilha com a desculpa de que íamos
jantar, quando na verdade sua intenção era fazer sexo comigo. Por que eu
não consigo ter uma raiva descontrolada dele depois dos dias terríveis que
ele me fez passar?
Foi só ele desarmar um pouquinho que caí feito uma patinha tola, e o
pior é que gostei dessa nova experiência sexual. Mas justo com ele? Que
porra, Isadora.
Os minutos passam, levanto, ando pelo pequeno espaço, olho o celular
pela milésima vez, constatando que ainda são oito da noite. Então o elevador
se abre e Zion sai segurando o bebê em seus braços, a cuidadora logo atrás
carregando a bolsa. Eu me assusto e petrifico, sem ter qualquer reação. Eu
queria correr e me esconder, mas apenas miro a cena com olhos saltados.
— Vou levá-lo ao hospital — Zion diz. O bebezinho, que deve ter em
torno de um ano e alguns meses, levanta o rosto do ombro dele e me olha.
Meu coração quase para de bater. Acho que ele se parece com Roberto.
Minhas pernas fraquejam, e em reação seguro com força a minha bolsa. —
Isadora? Você vem?
— S... sim. Eu vou sim.
Entramos no carro, e Zion entrega o bebê para a senhora que está no
banco traseiro. O bebê choraminga, pois queria continuar com ele.
Eu sou adulta e forte para encarar qualquer situação. Mais cedo ou mais
tarde, eu teria de superar, não posso pensar em minhas dores nesse momento
quando uma criança está precisando de ajuda. Respiro pausadamente,
restabelecendo meu controle. Está tudo bem. Roberto é o culpado, apenas
ele.
Chegamos ao hospital, e eu me sento na sala de espera enquanto Zion
dá a entrada do bebê no balcão. É um hospital particular, então não precisa
esperar muito. Eles entram com o menino, e eu continuo na sala de espera,
rodeada pelos meus fantasmas inoportunos.
Levanto, caminho por ali, a ansiedade explodindo em mim, porque
lembranças ruins enchem minha mente. Detesto estar em hospitais, porque
sempre me recordo da noite desesperadora em que acordei e recebi a notícia
de que meu filho não tinha resistido.
Chacoalho a cabeça, espantando essas lembranças, e me sirvo de um
pouco de café, para tentar aplacar a ansiedade.
Mais de quarenta minutos depois, eles saem com o bebê. Já parece
calmo dormindo no ombro de Zion.
— É um resfriado — Zion me informa. — Eu preciso levá-lo para a
mansão, quero ficar perto dele. — Ele parece me pedir permissão.
— Claro — concordo. — Você tem que levar ele.
Zion dá um breve sorriso para mim e caminha ao meu lado, saindo do
hospital.
Não conversamos muito durante o caminho. Ele apenas diz que o
médico passou uma solução isotônica para desentupir o nariz, recomendou
repouso e hidratação. Passamos na farmácia para comprar o que foi receitado
e enfim chegamos em casa.
Eu me despeço de dona Salete e de Zion e vou para meu quarto. Eles
sobem para cuidar do bebê, que certamente ficará no quarto de Zion.
A cada dia que passa, me sinto mais exausta com as circunstâncias que
se apresentam. O medo prevalece, pois ainda não conheço o meu futuro,
nem faço ideia do que o amanhã trará.
Tomo um banho relaxante, escolho um pijama fresco e agradeço
mentalmente pelo colchão de qualidade. Eu estou precisando. Os olhinhos
do bebê me fitando com curiosidade não saem da minha cabeça.
Umas duas horas depois, desperto com batidas na porta. Dou um pulo
da cama e abro sem perguntar quem é. É dona Salete.
— Desculpe te acordar, querida. Mas será que pode subir e verificar se
o bebê precisa de algo? Ele está chorando, mas fico sem graça de bater na
porta do senhor Zion.
— Ah... claro. — Nem cogito recusar. Subo as escadas e percebo que o
garotinho está mesmo chorando. Bato na porta de Zion, e ele não demora em
abrir.
— Está tudo bem? Ouvi o choro dele... e dona Salete está preocupada.
— Entre — Zion diz para mim. Cautelosamente, entro. — Eu não faço
ideia do que pode ser. Mas já medi a temperatura, e ele não está com febre.
Meu coração bate desesperado conforme me aproximo da cama, seguro
a respiração e olho para a criança sentada na cama, chorando e coçando o
olhinho. Sento-me na cama, e brandamente toco na testa, verificando que
está mesmo sem febre.
— Oi, bebê. — Ele para de chorar ao som da minha voz. Em seguida,
me olha com atenção e funga o narizinho. — Ah, tadinho, provavelmente o
nariz entupido está te irritando.
— Tá, vou chamar dona Salete para cuidar disso. — Zion sai correndo
do quarto, me deixando sozinha com a criança. Olho em volta, assustada,
porque de repente estou em meu antigo quarto observando um bebê, como
eu imaginei tantas noites enquanto estava grávida.
Sorrio para ele, segurando sua mãozinha que imediatamente aperta
meus dois dedos. Os cabelos são pretos e cheios, enrolando nas pontas. Os
olhos castanhos, mas eu estava enganada, não se parece com os de Roberto.
São acesos, mesmo estando doente.
— Você é muito lindo. — Em resposta, balbucia alguma coisa para
mim e coça o nariz, voltando a se irritar. Dona Salete chega, eu me afasto e
fico de longe observando-a cuidar do menino.
Não tem como não pensar e não fantasiar que eu ainda posso ter alguma
chance de um dia ser mãe ao assistir uma cena como essa.
Saio do quarto sem que eles percebam, volto para o meu e me deito
novamente. Não há tristeza, apenas uma inexplicável sensação reconfortante.
Vinte e nove

ISADORA

Acordo bem cedo, e como de costume, penso em andar pelo jardim,


preciso exercitar o meu corpo. O dia da consulta de acompanhamento está
chegando e, apesar da ansiedade, a expectativa é que o lúpus esteja
controlado.
Abro as cortinas e me espreguiço, bocejando diante da bela manhã. Os
dias nublados se foram, preciso tomar cuidado com o sol, que por sinal
acaba de nascer. Preciso ser rápida para pegar esses primeiros raios fracos na
caminhada.
No banheiro, decido tomar uma chuveirada, só para me despertar por
completo e tirar a vontade de passar mais duas horas na cama.
Estou me ensaboando quando ouço um barulho de porta abrindo e
fechando. Em seguida, a porta do banheiro é aberta. Pelo vidro do boxe vejo
um vulto e quase dou um berro, mas engulo o susto quando Zion puxa a
porta do boxe, tira a calça de pijama e sem dizer qualquer coisa entra no
chuveiro comigo, segurando meu corpo da forma possessiva costumeira.
— O que está fazendo? — indago, sem qualquer vontade de afastá-lo.
— Vim te dar bom dia.
— Você é meu patrão, não pode fazer essas coisas.
— Você está demitida — fala e me beija sem encontrar qualquer
objeção da minha parte. Agarro o corpo molhado de Zion, passando as mãos
por seus músculos relaxados e descendo em direção ao pau. E então agarro-
o, sem saber o que me deu para ser tão ousada.
Ele para de me beijar e sorri, adorando minha mão o segurando com
força. Nós dois olhamos ao mesmo tempo para baixo, para a minha mão que
o manipula. É gostoso senti-lo grosso e grande em minha mão, e tenho
certeza de que está pulsando. Meus dedos deslizam até a base, afastando o
prepúcio e descobrindo a cabeça rosada.
— Você o quer? — Zion indaga, baixinho.
— Sim, na minha boca. — Não espero sua reação, me afasto do abraço,
o empurro contra a parede e agarro o corpo, fazendo um caminho com
minhas mãos junto com a boca. Agora sim estou saciando minhas fantasias,
pois nem mesmo com Roberto eu tinha a liberdade sexual que construí com
Zion.
Beijo o abdômen, o umbigo e a virilha. Então ajoelho entre suas pernas
e seguro o pênis em minha mão, maravilhada, o meu prazer e a minha
petulância dominando a minha mente. Como fiz as outras vezes, deixo a
racionalidade fora disso aqui. Como se não pudesse mais esperar um
segundo, beijo a ponta e engulo a cabeça, chupando e sugando, como se
fosse um pêssego.
Zion solta um gemido feliz, gostoso de escutar. O sexo com ele é
excitante em todas as etapas. Roberto não era fã de sexo oral, gostava apenas
que eu fizesse nele e quase sempre sem paixão, como se eu não estivesse
fazendo certo.
Nem preciso fazer muito para Zion quebrar essa perspectiva que eu
tinha. Ele rosna:
— Porra, que boca gostosa... — Os dedos enroscam em meus cabelos, e
ele força o quadril um pouco, aprofundando o pau dentro da minha boca. —
Relaxa, me deixe entrar e sair, foder sua boca como eu sempre sonhei. — E é
justamente o que eu faço. Agarro as coxas musculosas dele, olho para cima e
mantenho a boca aberta, enquanto ele tira e coloca até onde aguento. Acabo
me engasgando e tossindo.
— Tudo bem? — Ri e se inclina para beijar minha boca.
— Tudo. Uau...!
— Mais um pouco?
— Sim. — Continuo agarrando suas coxas e olhando para cima, dando
a ele o tal olhar pidão que ele confidenciou que o fascina. Zion puxa meu
queixo para baixo e volta a introduzir o pau em minha boca.
Podíamos ficar a manhã toda fazendo isso, mas ele me ergue contra seu
corpo, me suspende do chão e desliga o chuveiro. Saímos do boxe, e ele me
coloca na bancada da pia.
Sabendo o que fazer, Zion pega sua calça no chão, encontra um
preservativo que estava no bolso, abre no dente e reveste o pau diante do
meu olhar curioso.
Ele é alto, então não precisa de qualquer esforço para se encaixar entre
as minhas pernas. Sentada na bancada da pia, o recebo deliciosamente,
adorando como é grosso e muito duro. De frente um para o outro, nos
encaramos enquanto o pau avança, provocando uma eletricidade delirante
nas minhas entranhas.
— Eu gosto de te comer olhando nos olhos. Para que você possa ver
que de todo esse inferno, a única verdade é o desejo que eu sinto por você.
Eu me acendo por completo, excitada ao limite, e tudo parece duplicar
quando ele para o pau dentro de mim e se inclina para chupar o meu seio.
Dessa vez, sem voracidade, usa de calma e sensualidade para adorar cada um
deles, como se fossem obras de artes sensíveis.
Ele tem um surpreendente poder de me manter cativa, desde os dedos
até os lábios. Zion deixa os meus seios, estoca forte o pau dentro de mim e
sorri quando mordo meu lábio. Faz outra vez, pois parece viciado em ver as
expressões que tomam meu rosto a cada metida.
— Você é a pedra no sapato mais satisfatória que encontrei, Isadora. —
Ele me tira da bancada, e eu agarro seu corpo, sem nos desconectarmos.
Num vai e vem delirante e lento, ele caminha comigo para fora do banheiro.
Quando chegamos na cama, Zion senta na ponta, me mantendo montada em
seu colo, e de modo devagar volta a estocar profundamente. Nessa posição,
eu o sinto por inteiro. Posso olhar nos olhos dele enquanto temos um contato
físico gostoso.
Os braços de Zion parecem aço me rodeando, sua boca lambendo e
mordendo cada parte de meu ombro e pescoço é como gotas de brasa sobre a
minha pele. Ele eleva o queixo e ri, sentindo o ardor das minhas unhas, que
correm pelos seus ombros e braços, impossível de controlar. Agarro seu
maxilar e o beijo, gemendo contra a sua boca.
Quando chego ao orgasmo, estremecendo no aperto de seus braços,
Zion se afasta um pouquinho para olhar minha expressão e não para de
meter durante meus espasmos, até que também goza, afogando o rosto em
meu ombro.

— Está tudo bem para você... em relação ao bebê? — Zion pergunta, de


pé ao meu lado na pia enquanto arrumo meus cabelos. Ele já vestiu a calça e,
de braços cruzados, me observa.
— Sim, depois do primeiro impacto, superei. Como ele está?
— Bem. Conseguiu dormir depois daquela hora e ainda estava
dormindo quando saí da cama. É bem estranho dividir a cama com um bebê.
— Para você, que nunca nem passou perto de um...
— Exato. Não tenho um pingo de habilidade. Sem falar que tive medo
de rolar para cima dele. Fiz uma barricada de travesseiros.
Sorrio com o que acabo de ouvir, achando fofa a postura de um homem
que aparentemente é mau quando se trata de suas atitudes.
— Esse perigo existe, mas você não parece ser uma pessoa que se mexa
demais enquanto dorme.
— Como sabe disso?
— Não esqueça que tive o desprazer de dormir algumas horas com
você. — Termino com o cabelo e saio do banheiro. Zion me segue, rindo.
Pego o uniforme, mas antes de vestir, ele me impede.
— Não vista.
— Ué, por quê? Vai ordenar que eu trabalhe pelada?
— Você está demitida, Isadora. Eu disse...
Intrigada, o fito.
— Eu preciso do dinheiro para...
— Eu te entrego aquelas joias que você tentou pegar. Venda e fique
com o dinheiro.
— Não quero — recuso instantaneamente.
— Por quê?
— Porque são sujas, não quero porcaria nenhuma de Roberto. Eu
preciso ficar na casa e preciso do dinheiro. Se você me expulsar, vou atrás de
Fernando. — Apesar de estar segurando o sorriso por ter jogado a mentira
sobre Fernando, Zion não acha isso engraçado.
Com as mãos na cintura, me fita um pouco indignado. Pensa bastante e
revira os olhos, perdendo a batalha.
— Então vista essa porra. Vai continuar trabalhando aqui e esqueça esse
Fernando, pelo bem dele. Senão vou ser obrigado a ter uma conversa com
ele. — Cheio de revolta, caminha para a porta e solta: — Mauro é a prova do
que faço com quem tenta me ferrar.
— Você bateu no Mauro? — Caminho atrás dele.
— Dei uns ensinamentos.
— Droga, eu queria ter visto — falo, e Zion sorri, balança a cabeça e
sai do quarto ainda revoltado.

***
Tomo café na cozinha observando dona Salete andar atrás do menino,
que prefere caminhar para conhecer o ambiente.
O bebê parece melhor agora pela manhã, e de certa forma fico feliz que
ele esteja bem. Minha relutância anterior em me aproximar dele acaba se
transformando em curiosidade, e um pouco de admiração também. É uma
criança carismática que sorri com facilidade e balbucia muito, é fácil gostar
dele e esquecer sua origem.
Eu consigo separar as coisas. Mesmo que Roberto tenha dado a ele o
nome que tinha escolhido para o nosso filho. Eu sou a adulta aqui e tenho de
engolir a situação pelo bem de um bebê. Zion não precisa levá-lo daqui tão
rápido.
Mais tarde, noto uma movimentação no segundo salão e vou até lá
espiar, encontrando Zion e um dos seguranças retirando o quadro de Roberto
da parede.
— Onde eu coloco? — o segurança pergunta.
— Dê um fim nisso — Zion ordena, e eu saio rápido antes que me
vejam. Acabo ficando intrigada, sem conseguir chegar a uma razão que o
tenha levado a tirar o quadro.
Talvez tenha sido a nossa proximidade nos últimos dias, mas não quero
cogitar. De qualquer forma, me sinto feliz que ele tenha feito isso e que
tenha me deixado em paz em relação a toda essa merda que Roberto
inventou sobre mim. Talvez Zion tenha caído na real e percebido a farsa, ou
talvez apenas queira continuar transando e está me dando uma espécie de
prêmio de bonificação.
Pensar isso machuca minha dignidade, então prefiro não remoer tal
hipótese.
— Eu disse que não era para você fazer qualquer serviço hoje. —Tomo
um susto com a voz de Zion ao meu lado, enquanto, distraída, descasco
legumes para Odete. Não sou boa em quase nada na cozinha e não me
orgulho dessa característica, mas consigo ajudar em pequenos detalhes.
— Senhor Zion, eu disse a ela que não precisava...
— Está tudo bem, Odete. Ele está brincando. — Acalmo a mulher e
lanço um olhar de soslaio para o homem ao meu lado. — Você não disse
nada sobre eu não fazer serviços hoje.
— Mas estou dizendo agora. Você pode... sei lá, o que você fazia antes
para se divertir e passar o tempo?
— Vivia. A vida de uma madame da alta-sociedade não é muito
animada. Mesmo que tenha todos aqueles compromissos, como chá com
fulana, visita de sicrana, final de semana em só-Deus-sabe-onde.
— Já é a segunda vez que desdenha da vida dos ricos. — Zion meneia a
cabeça. — Me diga, Isadora, passou dez anos como uma senhora da elite
seguindo moldes, mas se o dinheiro fosse seu, como usaria para se divertir e
viver de forma intensa?
Antes que eu responda, Odete não consegue segurar o riso. Zion franze
o cenho olhando para a mulher.
— Algum problema, Odete?
Ela enrubesce no mesmo instante.
— Me desculpe, senhor Zion. Foi só minha boca frouxa.
— Conta pra gente o motivo de sua risada — ele persiste de modo
ranzinza, não amolecendo nem mesmo quando faço cara feia.
— Não estava rindo do senhor, não. É só que... foi a pergunta. O senhor
nem imagina como um pobre pode fazer um dinheiro render e ser muito feliz
sabendo gastar. E dona Isadora entende, porque ela foi pobre antes de vir
para cá.
Zion puxa um banquinho e se senta ao meu lado. Eu seguro o riso e
continuo descascando os legumes, o que não é difícil, desde que seja com a
ajuda do descascador.
— Estou ouvindo, Odete. O que faria se todo o dinheiro fosse seu?
Relutante, ela olha para mim, e eu assinto sorrindo, a incentivando a
falar.
— Bom... — Ela lava as mãos e enxuga em um pano. — Um dinheiro
assim, de uma hora para outra, eu pagaria as dívidas, né? Então eu comprava
uma casinha própria, mas não comprava essas coisas de joia e sapato caro,
não. Imagina gastar dez mil em um sapato, seu Zion? Com dez mil, eu
compro uma moto para o meu filho. Mas também eu ia dar umas festas boas,
com música para o povo dançar e comida de verdade. E eu ia viajar, sabe?
Conhecer lugares, pagar mico mesmo e ter história para contar, tirar fotos em
locais turísticos, e depois ir em vários barzinhos com meu véio.
Ele passa segundos encarando a mulher, até ela pedir licença, porque
precisa olhar as panelas no fogão.
— Obrigado, Odete. — Agora deixando um sorriso brotar no rosto,
Zion me fita. — Assina embaixo?
— Com certeza. Não é que eu esnobe a riqueza, eu seria hipócrita se
dissesse que não gostei de todo o conforto que o dinheiro me deu, de todas
as roupas de grife que usei e de todos os lugares que conheci. Mas a maneira
como eu era obrigada a viver me magoava às vezes, principalmente o ciclo
social.
— Te garanto que nem todos os ciclos sociais de elite são chatos como
os de Roberto — ele confidencia, me deixando surpresa.
— Você também detestou aquelas pessoas?
— Posso te dizer que você conheceu a riqueza com gente errada.
Garanto que mudaria de opinião com uma semana de Grécia comigo e
Alexandros.
— Não sei. Vocês metem medo. Alexandros tem um olhar assustador.
— Porque ele é assustador. Mas é legal com quem é importante para
ele.
Abro a boca para responder, mas sinto um puxão na minha calça.
Quando olho para baixo, encontro o bebê.
— Blah! — balbucia algo para mim. Completamente petrificada, sem
saber como reagir, apenas o observo. E Zion percebendo minha resistência, o
pega no colo. O bebê continua pedindo minha atenção com a mão estendida.
— Não precisa levá-lo — falo abruptamente, impedindo Zion de tirá-lo
da cozinha.
— Tem certeza?
— Claro. Fique de olho apenas, pois a cozinha pode ser um lugar
perigoso.
Convencido, ele volta a sentar com o bebê no colo, ao meu lado.
— Senhor Zion, me desculpe. — Dona Salete aparece em um rompante
na cozinha. — Tirei os olhos um segundo, e ele sumiu.
— Está tudo bem, dona Salete. Posso ficar com ele um pouquinho, não
é, filhão?

Estremeço ao ouvir como ele fala com a criança. Não é da minha conta,
mas indago sem perceber:

— Vai tratá-lo como... filho?

— É. — Zion sussurra, concentrado impedindo que Lohan agarre a


vasilha onde estou colocando as cascas dos legumes. — Ele só tem a mim, e
eu a ele. Ser apenas o tio dele me parecia frio e distante demais. — Quando
Zion eleva o rosto para me fitar, lhe brindo com um sorriso admirável.

— Você fez a escolha certa, Zion.


— Dá! — impaciente, ele continua gritando para mim, de olhos nos
legumes que estou descascando.
— É o horário do lanchinho dele — dona Salete diz. — Vou preparar
uma banana. — Rapidamente ela pega a fruta, corta em um prato, amassa e
depois de colocar o menino sentado na cadeirinha alta, tenta enfiar as
colheradas na boca dele. E isso o irrita. Lohan tenta pegar a colher da mão
dela, mas ela não permite.
— Não, você vai se sujar. Abra a boquinha.
Zion não parece entender, porque observa a cena com tranquilidade, no
entanto, eu não consigo ter a mesma paciência.
— Desculpe me intrometer, mas ele não vai comer assim. — Sob o
olhar deles, pego outra banana, lavo bastante, tiro a casca apenas da metade
e entrego para que Lohan segure na parte com casca.
O bebê interrompe a birra, completamente interessado no que acaba de
receber e come a banana com ferocidade.
— Ele já tem dentinhos — digo. — O bebê tem que explorar o
alimento.
— Meu deus, e se ele se engasgar? — Dona Salete me olha, espantada.
— Não vai. — Tranquilizo-a. — Ele sempre vai morder o necessário.
— Você se preparou, não é? — Zion está me fitando com interesse.
— Sim... — Levanto os ombros. — Eu... busquei todo tipo de
informação quando estava grávida. Se chama método BLW, que
resumidamente consiste em dar os alimentos para que o bebê o explore e
coma sozinho, como fiz com a banana.
Zion me olha por longos segundos, visivelmente admirado com minhas
palavras. Sinto meu rosto esquentar diante do olhar dele e volto a atenção
para o bebê à nossa frente, muito atraído pela fruta.
Instruo Dona Salete a usar o mesmo método na hora do almoço. Ela
cozinha os legumes em forma de palitos, para facilitar o manuseio do bebê.
E como se fosse uma atração cara, nós três, adultos, observamos novamente
Lohan comer sozinho os alimentos cozidos. Ele parece feliz e disposto a
experimentar cada um dos legumes e um pouco do purê com carne.
Foi sem dúvida a coisa mais bonita que Roberto fez em toda a vida. Em
vez de repulsa, sinto um inexplicável conforto com a presença do bebê.
***

O dia passa rápido conforme vou me acostumando com o novo hóspede


da casa. As risadinhas, o balbuciar, os brinquedos espalhados pela sala, tudo
contribui para encher a mansão, antes tão fria, de calor humano.
Tranco em minha mente tudo sobre o meu filho que não resistiu e evito
comparações. Apesar de ser filho da amante de meu marido, nem consigo
mais esconder que a criança me conquistou. E além de tudo, gosto de ver
como Zion está dando tudo de si pelo bem do bebê. Um homem que antes
não era poupado de meus pensamentos ruins agora provoca em mim
sensações positivas.
Quando o dia enfim está terminando, o bebê dorme, e eu sigo para o
meu quarto. Zion saiu à tarde e não apareceu para o jantar, e acabei sentindo
a falta dele. Não quero pensar sobre essa e outras emoções que estão
aflorando ultimamente. Eu senti falta dele, coisa que não deveria acontecer, e
acho que remoer isso só vai piorar tudo.
Eu me troco, e quando me deito na cama, ouço toques na porta.
Levanto, e ao abrir dou de cara com Zion. Parece cansado, apesar da
aparência fresca por possivelmente ter acabado de sair do banho. Usa nada
mais que um short de dormir.
— Vem aqui. — Estende a mão para mim.
— Eu já ia dormir, Zion...
— Venha aqui — insiste, segura minha mão e me arrasta para fora do
quarto. Eu o sigo sem questionar, prevendo no fundo que talvez eu saiba
qual seja sua intenção. Subimos a escada, atravessamos o corredor, e ele
entra na suíte principal. Então fecha a porta e me olha enquanto começa se
despir.
— O que você quer, Zion?
— Ter você em minha cama.
Descarta o short, ficando só de cueca, então me beija, segurando meu
rosto nas duas mãos. E não para de beijar enquanto me direciona para que eu
dê passos para trás, até que eu chegue na cama. Ele me empurra, subindo
sobre mim logo em seguida.
Trinta

ZION

Que droga, uma conchinha perfeita com a mulher que eu queria


destruir. E o pior: amanheceu e não saí imediatamente da cama, muito menos
a expulsei, como costumava acontecer em raras ocasiões em que dividi cama
com mulheres. De olhos presos na parede a minha frente, busco uma
resposta em minha reflexão silenciosa. Inevitavelmente, sinto recair sobre
mim o peso do julgamento de Isadora caso descubra as minhas omissões. E
essa sensação só me é incomoda porque há algo maior que atração sexual
brotando em meu coração.
Eu queria que fosse uma troca casual de prazer, nada mais substancial
do que troca de prazer, nada que pudesse corromper minhas emoções,
comprometer minhas decisões. Me divertir momentaneamente, sem o peso
dos dias passados e sem a ansiedade dos dias futuros. No entanto, é maior
que isso.
Por que eu me importo com ela?
Por que me incomoda mentir para ela?
Por que sinto a necessidade de protegê-la da maldade de pessoas como
Mauro e Roberto e até eu mesmo?
A cada vez que eu transo com Isadora, eu a quero mais e sofro mais
ainda mergulhado no lamaçal de arrependimento pelo que fiz movido pelas
manipulações de Roberto. O ódio me estremece e eu preciso apertar meu
abraço em torno dela.
Ela está aqui. Não vai a lugar algum. Pelo menos ainda tenho controle
da situação.
Eu juro que foi sem querer, foi contra a minha vontade. E quanto mais
eu revidava contra a atração, mais eu queria essa mulher. O que antes eu
tinha, parece pouco demais agora que meu corpo conheceu o sabor do seu
corpo.
Inesperadamente, Isadora se mexe em um solavanco tentando escapar
do meu abraço, eu ainda tento segurá-la, mas recebo uma cotovelada perto
do olho, o que me afasta.
Sentada na cama, Isadora olha em volta e me fita. Os olhos saltados e a
mão no peito. Parecia ter acordado de um pesadelo e só agora se dá conta de
onde está.
— Porra, você quase me nocauteou.
— Desculpe. — Sussurra, ajeitando os cabelos ao mesmo tempo em
que puxa o lençol e olha em volta aprontando para sair da cama. — você
estava me apertando e eu assustei.
Arrasto na cama e me encaixo por trás dela esfregando meu nariz em
meio aos seus cabelos, adorando ter meu pau pressionado contra o seu corpo.
— Já imaginou que talvez seja por eu não te odiar tanto?
— Difícil acreditar, mas opto por fingir.
Ainda abraçando-a por trás, percorro minhas mãos pelos seios
percebendo como ela se arrepia ao meu toque. Está nua, estamos nus. Jamais
imaginei que dormiria impregnado de suor de sexo compartilhando isso com
uma mulher, no entanto, com Isadora as coisas parecem mais viscerais, meu
tesão por ela é descomunal a ponto de ignorar detalhes como esse.
Mantendo uma mão em seu seio, desço a outra até o meio de suas
pernas apalpando-a ao mesmo tempo que percorro os lábios em seu pescoço.
O suspiro que ela exala é música para meus ouvidos.
— Preciso te comer de novo. — Sussurro no ouvido dela. — E então
poderá ter mais um pouco de certeza que não te odeio tanto.
— Sexo não diz muito... pessoas transam sem sentimento.
— Você não entendeu, minha gata. Não é sexo, é necessidade de ter
você, de sentir tudo de você pulsar em mim: suas veias, coração, lábios e
boceta. É como um vício de possuir e possuir e possuir, repetidas vezes, até
que esteja cansado, mas não cansado de querer mais.
A mão de Isadora, levantada para trás, afaga meu cabelo.
— Acho que eu devo me preocupar...
— Não deve.
— Devo. Porque estou viciada em deixar você me consumir. E eu me
odeio por saber como isso é errado... — então ela se afasta, joga as pernas
para fora da cama e me olha por pouco tempo. — Eu estou cheirando a você.
E isso é preocupante, porque eu gosto. — Isadora se levanta, caminha para o
banheiro enrolada em um lençol que arrasta pelo chão. Eu poderia passar
todos os segundos admirando-a até que sumisse pela porta. Mas reajo com
rapidez e corro seguindo-a.
Acho que eu tirei Isadora do fundo do poço que Roberto a jogou e
infelizmente, eu fiquei no lugar dela.

***

Encarando meu semblante no espelho, termino de dar um nó na gravata


e resfolego ao ver em meu olhar que não estou trilhando um bom caminho.
Não estou fazendo a diferença para dar um bom exemplo a Lohan. Não estou
agindo bem com Isadora.

Como eu quero protegê-la de pessoas ruins se eu também fiz mal a ela e


ainda continuo fazendo trancando-a aqui?
Não dá mais para sustentar essa situação quando as coisas que sinto são
complexas demais para ignorar.
Saio do quarto arrumado e desço. Ela já saiu após o nosso banho e sexo
matinal no chuveiro. E agora, paro um segundo no pé da escada observando-
a enquanto parece hipnotizada assistindo o bebê sentado no tapete da
primeira sala de visitas.
— Isadora, venha ao meu escritório. — Eu peço e ela não questiona, me
segue imediatamente. Ela está novamente vestida com o uniforme. Se antes
inflava meu ego, agora me incomoda.
Isadora entra, fecha a porta e fica de pé diante da mesa.
— Quero que você procure um advogado. — Eu mal consigo olhar nos
olhos dela. Eu perdi uma batalha, na verdade, me orgulho de ter perdido, de
estar nessa posição, pois isso mostra que ela estava certa o tempo todo.
— Como é que é? — o cenho dela franze e a mão no peito demostra o
susto.
— Eu posso indicar alguns muito bons. Você vai pedir a revisão de
todas as merdas que Roberto fez pelas suas costas, colhendo sua assinatura
de modo indevido. Você precisa reclamar o que é seu por direito.
— Por que está fazendo isso? Não quero sua bondade só porque
estamos transando.
— Não tem a ver com isso. É nítido como Roberto mentiu em tudo para
mim. Ele passou meses te ofendendo por você ter abortado um bebê, e agora
sei que isso é mentira, você tem uma cicatriz que prova o contrário. Ele
passou meses dizendo que você gastava tudo com tratamentos estéticos
escondendo sua real condição. Eu queria arrumar um culpado pela morte da
minha irmã. E infelizmente, o maior culpado, morreu com ela.
Assustada, completamente comovida, Isadora se senta a minha frente,
mantendo-se calada. Solto o ar com pesar, e cravo meu olhar no seu.
— As joias... que estavam no cofre dessa casa, sempre foram suas. Você
poderia ter ido embora levando-as, mas eu te fiz acreditar que não podia,
porque queria você... pagando, alimentando o meu ódio.
— Você está falando isso só agora por quê...?
— Porque eu te quero pra caralho. — A confissão sai sem eu perceber,
mas nunca fui um homem de indiretas, eu preciso deixar claro todas as
minhas intenções. — Não estou conseguindo imaginar como pode ser, caso
você vire as costas e saia dessa casa e me processe e não queira me ver
nunca mais. Mas eu tinha que assumir os riscos, não dá mais para esconder
nada da mulher que eu quero.
Ela fica de pé, meio atordoada, caminha para a porta, mas volta e me
olha nos olhos. Está pálida, perplexa.
— Quando soube? Quando teve certeza de que Roberto te enganou e te
manipulou?
— Quando eu te vi inconsciente no hospital. Eu tive certeza, mas
precisava das provas.
Ela assente, caminha para a porta e antes de sair, diz que precisa de um
tempo sozinha. E eu sei que ela precisa. Uma tonelada acaba de sair dos
meus ombros.

***
Dona Salete diz que precisa ir ao apartamento, pois não trouxe roupas
suficientes para ela e o bebê, então eu os levo e deixo no apartamento,
partindo em seguida para a empresa.
Pareço anestesiado sentado na cadeira que foi de Roberto. Olho para o
Olimpo dos deuses pintado no teto e que foi ideia de Alexandros, e
inevitavelmente me comparo a Zeus, o que se diz deus dos deuses, mas que
foi passado para trás algumas vezes. Me levanto e caminho pela sala,
tentando chegar a uma conclusão sobre as atitudes de Roberto que agora não
fazem sentido.
Ele tinha tudo, não faz sentido ter dado um golpe. Ele vendeu sua parte
da empresa para mim, no entanto continuou no cargo de presidente, porque
Alexandros e eu não podíamos ficar aqui. Se ele tivesse divorciado de
Isadora, teria o meu apoio irrestrito. Não faz sentido ele ter difamado ela
pelos quatro cantos.
Onde ele queria chegar?
Aturdido, implorando por uma luz que possa me guiar, sento-me diante
do computador e vejo as notificações na barra de tarefas. Clico e abro meu e-
mail. Tem mensagens não lidas, e após passar o olho sobre elas decidindo o
que quero ler agora ou deixar para depois, estanco em uma de Reginaldo.
São recibos de compras no nome de Isadora. Mais recibos que em outra
época a incriminariam, agora nem consigo ler tudo. Pego o celular e ligo
para Reginaldo a fim de confrontá-lo, no entanto, paro no ato. E se ele
também estiver contaminado com as mentiras de Roberto? Preciso de uma
prova.
Ligo para ele e me atende de imediato.
— Zion, diga amigo?
— Você descobriu algo sobre a gravidez de Isadora? Lembro que você
ia investigar...
— Ah, sim. Descobri sim, mas você disse que não precisava pois já
sabia.
— Pois é, mudei de ideia. Pode me mandar?
Se ele investigou mesmo, então terei registros da cesárea dela.
— Claro. Estou mandando agora, tudo para seu e-mail. — Agradeço,
desligo a chamada e aguardo ansiosamente; e quando chega, é justamente o
que pensei: mentiras. Cópias de um prontuário mostrando que ela ficou
internada por um dia após sofrer um aborto aos quatro meses de gestação.
Não espero mais um segundo. Saio correndo da sala, pois há outro que
preciso confrontar. Com meu punho se for possível. Roberto não está mais
aqui, no entanto, os discípulos dele vão sim pagar.
Reginaldo me recebe um pouco assustado, pois não esperava minha
visita. Vejo o pomo-de-adão em seu pescoço subir e descer quando engole
seco. Empurro o homem e entro em sua casa, dou alguns passos pela sala e
coço a barba, olhando fixamente para ele.
— Você não investigou porcaria nenhuma, não é?
— Zion...
— Você pode assumir e então eu te dou apenas um soco. Ou pode negar
e eu vou ter que te dar uma surra e tirar cada maldita palavra da sua boca.
Você investigou o que eu pedi?
Ele é um homem alto e de porte mediano, poderia me enfrentar se não
fosse tão medroso. Respira fundo e olha para os lados como se procurasse
uma rota de fuga, mas desiste de fugir e abaixa a cabeça.
— Mauro me deu tudo. No dia do testamento, eu contei por acaso que
estava investigando Isadora, então ele me deu um bom... dinheiro... para te
entregar as provas que ele já tinha contra a... infeliz viúva.
Avanço em cima dele, mas Reginaldo impede gritando:
— Tem uma coisa.
— O quê?
— Eu estava investigando sim, Zion. E descobri... bom. Vou te mostrar.
— Ele afasta e manda eu segui-lo. Entramos em algo que deveria ser seu
escritório se não estivesse feito um campo de guerra. Há pilhas de livros pelo
chão, a mesa abarrotada de papelada e caixas, além de ser escuro e fedendo a
mofo. Ele abre uma gaveta, pega uma pasta e me mostra.
— Antes de morrer, Roberto pretendia algo. Ele deu fim a cada um dos
bens dele, para que Isadora não pudesse herdar nada. Algumas coisas ele
vendeu, outras penhorou e outras passou para o nome de um laranja.
Folheio as páginas e Reginaldo fica ao meu lado e então aponta para
uma linha abaixo.
— Aqui. Eu sinto muito.
É o nome da minha irmã. Ela foi laranja de Roberto?

Uma grande placa de trouxa está pregada em minha cara. Saí da casa de
Reginaldo sem dar nele o soco que prometi, pois sua esposa apareceu na
hora e eu garanto que se começasse a bater nele, não ia conseguir parar.
Minha sede de vingança é crua demais. O ódio quase me faz gritar feito um
louco.
Além de tudo, ele quis insinuar que Lisette era cumplice de Roberto, o
que eu discordo totalmente. Ela tinha uma herança, ela não tinha motivos
para mentir ou tentar ajudar aquele merda em um golpe. Ela foi uma vítima
dele.
Dirijo de volta para a empresa, tentando não chorar de ódio. Desde o
dia do testamento Isadora está sendo vitima dessas pessoas e eu ajudei a
massacrá-la. Eu vi o que fizeram com ela, e gostei de vê-la sair de lá sem
nada e rebaixada.
— Porra, porra, porra! — Bato sucessivas vezes no volante. A raiva
tem gosto. É amarga, é dolorida, é angustiante.
Mudo minha rota, vou para o prédio de Mauro pois preciso fazer o rosto
dele de saco de pancadas. Eu vou matá-lo, mas foda-se, daqui uns sete ou
oito anos eu estarei livre, mas ele estará morto pagando no inferno por tudo
que fez.
No entanto, ele não se encontra. A secretária me olha assustada, pálida,
quase sem fala e diz em um resmungo que Mauro está desaparecido.
— É. Eu não posso dizer mais nada, sinto muito.
De volta a Solaris, me sento com um copo de uísque na mão. Giro de
um lado para outro na cadeira, remoendo a raiva que maltrata meu coração.
Isadora e minha irmã, ambas foram vítimas de Roberto. E onde eu
estava que não pude salvá-las? Uma lágrima escorre em minha face. O
sentimento de ser enganado, de ter sido usado como fantoche, é turbulento
demais para aguentar.
Minha irmã... ela não era culpada.
Pego o celular e ouço o último áudio dela. Vejo as últimas mensagens e
sorrio para uma foto que ela mandou, com a barriga grande. Mas sinto meu
sorriso morrer aos poucos até estar sério encarando a foto. E como se
acendesse uma luz em minha cabeça, deixo o celular de lado e abro o e-mail.
Na barra de pesquisa digito: “Roberto ultrassom”, e encontro o e-mail que
ele me mandou, com o ultrassom do bebê.
Olho por um instante a imagem escura do exame. Não quero fazer isso,
não quero colocar em dúvida a minha irmã, mas todos os impulsos me levam
a jogar a imagem na internet para pesquisar similares, e não demora muito
para encontrar. Passo minutos analisando os dois exames, até chegar a uma
conclusão de que são os mesmos.
E o exame que está em um blog de mamães e bebês, veio dois anos
antes do exame que Roberto me mandou. Ele não teve a preocupação de
bolar algo mais complexo, me mandou uma imagem da internet.
Trinta e um

ZION

— Prepare para mim um voo de emergência para São Paulo. Precisa ser
hoje. — Ordeno a secretária. Ela se prontifica a fazer as ligações necessárias
enquanto eu volto ao meu celular observando a foto que minha irmã me
enviou quando estava gestante.

A partir de agora, farei o que deveria ter feito no início: eu mesmo vou
investigar, sem mandar ninguém fazer isso por mim. Preciso ver com meus
próprios olhos.

Consigo um voo no jatinho particular da empresa, para as onze horas. É


o plano de voo mais rápido que conseguiu e eu preciso me acalmar e
aguardar. Aproveito para ligar para o escritório de advocacia de confiança da
Solaris e eles disponibilizam um de seus advogados para falar comigo.

— Eu preciso que converse com Isadora Agostini, ouça o que ela tem
para falar. — Digo a mulher que me atende. — Eu preciso viajar, mas vou
deixar aqui na empresa, com a secretária, tudo que você precisa para
entender melhor o caso. É sobre herança e testamento.

— Tudo bem, senhor, Zion. Farei isso agora mesmo.

Alexandros não atende minha ligação e preciso enrolar até dar as onze
horas e enfim sair acelerado, da mesma forma que meu coração bate desde
que vi a merda do exame na internet.

Um voo de jatinho entre Rio e São Paulo não á algo demorado, mas
parece que levou uma eternidade. Eu parecia contar cada minuto enquanto
olhava sem parar para o relógio, rezando para que o avião voasse mais
rápido. Na velocidade da luz talvez.

Mais ou menos uma hora depois, estou em frente a casa de Lisette. Eu


não sei quem foi à última pessoa que esteve aqui, dona Salete talvez,
pegando as coisas do bebê. Eu entrei no dia da missa de sétimo dia, mas
passei apenas uns minutos na sala, com lágrimas queimando os olhos e saí
rapidamente pois precisava ir atrás de Isadora.

Reluto alguns segundo encarando a chave na minha mão. Eu não posso


estar enganado sobre ela. Lisette não era uma pessoa ruim, além do mais, ela
não teria me enganado. Ela não faria essa sujeira comigo. Não comigo.

Rodo a chave na fechadura, empurro a porta e entro. A casa está escura


pois as cortinas estão fechadas. Quem esteve aqui por último teve a gentileza
de cobrir os móveis com lençóis, o que deixa o ambiente muito sombrio.

Na sala, há uma foto grande de Lisette e o bebê. Eles sorriem para a


câmera. Ela amava o filho. Isso não tem como fingir. Atravesso o corredor
escuro e espio a cozinha. Tudo limpo em seu devido lugar. Na geladeira,
pequenos detalhes mostrando que aqui viveu uma família feliz. Tem fotos do
bebê presas aos imãs, e uma de Roberto e Lisette.

Volto para a outra sala e subo as escadas agradecendo pela claridade


que vem das janelas retangulares da escada que é circular. Os quartos estão
fechados e eu vou direto ao quarto do bebê. Apesar de ser bonito e bem
montado, é silencioso demais, dramático demais, e só consigo agradecer aos
céus por eles terem deixado o bebê com dona Salete, ou então poderia estar
morto também.

Ao lado está a suíte principal. Abro a porta, vou direto na janela e puxo
as cortinas deixando a claridade entrar. Olho em volta. Tem a cama, o closet,
uma mesinha de chá com conjunto de poltronas. O tapete é felpudo, os
quadros na parede são caros e coloridos assim como o papel de parede.
Lisette amava cor.

Puxo a porta do closet. A raiva me consome ao ver algumas roupas de


Roberto. Ele ainda estava casado com Isadora, ainda a mantinha em um falso
relacionamento enquanto já morava com minha irmã.

Abro as gavetas sem um pingo de paciência. Não há nada de


importante. Vou para o lado dela evitando olhar seus vestidos caros, suas
roupas que eu conhecia, seus vários jeans e camisetas coloridas.

Abro as gavetas. Roupas intimas, mais camisetas, roupas de academia e


a última está emperrada. Forço a gaveta puxando-a e então ela cede saindo
do lugar, e eu vejo o que estava prendendo-a. Pego no chão e quase tenho
uma parada cardíaca. Meu corpo inteiro se arrepia. Não preciso ser um
expert para entender que é uma barriga falsa de gestante.

Como se tivesse fogo queimando minha pele, jogo-a no chão e ao


levantar o rosto, vejo o meu reflexo perturbado no espelho a frente.

Saio correndo do closet. Não pode ser, porra. Não pode ser... meu
Deus!

Abro as gavetas de uma cômoda, jogando tudo pelos ares. Não há nada
senão roupas de cama. Na próxima gaveta, encontro uma bagunça com
papelada, e o que me chama atenção é uma agenda rosa estampada de
florzinha. Me sento na cama e folheio. Há muitas coisas escritas, que não
parecem ter importância. São mais lembretes como por exemplo: “Lembrar
de iniciar o pilates” “escolher um vestido para o coquetel” “comprar um
bolo para fulana”

Continuo passando as folhas até chegar na data em que retornei ao


Brasil. Tem um lembrete:

“Zion volta de viagem. Ir visitar para ele ver a barriga”

Passo mais folhas e vejo outra anotação:

“A bruxa vai ganhar neném.”

Concluo que é sobre Isadora. O resto é sem importância.

Continuo procurando, algo que enfim faça sentido na minha mente, até
que uma bolsa na porta lateral da cômoda me chama atenção. Abro-a
encontrando o notebook da minha irmã. Com certeza quem esteve aqui
cobrindo os móveis e arrumando tudo, guardou o notebook de Lisette. Sei
que é dela pois é branco e tem adesivos colados. Eu a vi várias vezes
usando-o.

Ligo-o no carregador e assim que ele acende, vibro internamente por


não ter senha. Tem abas de internet abertas, e é a primeira coisa que vou
olhar. Uma aba com sua página no Instagram, outra de destinos paradisíacos,
página de uma companhia área e por último o próprio WhatsApp. Recarrego
a página e ele reconecta automaticamente.

Peço perdão mentalmente a minha irmã, por estar bisbilhotando as


coisas dela e leio a última conversa que ela teve, que foi justamente com
Roberto.

Incrivelmente está tudo apagado, noventa e nove por cento de tudo que
eles conversaram. Posso subir a conversa o tanto que conseguir, está
apagado. Então desço a seta para ler as últimas mensagens que eles trocaram
e por algum motivo, ela não apagou. É do dia do acidente.

LISETTE: Já estou pronta, te esperando. Podíamos deixar o pirralho


com alguém.

ROBERTO: É meu filho, poxa. Vamos levar sim.

LISETTE: Meu irmão cuida dele se eu pedir, a gente diz que não pode
levar. Zion está na nossa fita. Por favor, Roby. Eu já estou aturando demais
esse moleque, quero ficar só um pouquinho a sós com você.

ROBERTO: Eu vou pensar nisso, ok? Nossa liberdade está próxima, o


fim da minha mala sem alça está bem pertinho.

LISETTE: meu sonho era assistir o momento em que ela vai de


arrasta-para-cima. Aquela songamonga não vai fazer falta para ninguém.

ROBERTO: Ahahhahahha idiota. Vou voltar ao trabalho, nos vemos


mais tarde.
Passo bons segundos olhando a tela, petrificado, mas tomado de uma
dor que até então eu não havia sentido. Não é como a dor do arrependimento
que sinto, e nem a dor da perda que passei. É dor de decepção com
desespero.

Fico de pé e encaro o nada a minha frente, com as mãos na cabeça,


horrorizado em concluir em minha mente as peças que enfim fazem sentido.

Eles roubaram o bebê daquela mulher. E iam matar ela.

Por isso ele precisava destruir a imagem de Isadora e fazer parecer que
ela era uma golpista fria. Era o plano perfeito: eles a matariam fazendo
parecer que ela estava desaparecida; as joias do banco também sumidas e
todos iam supor, inclusive eu, que ela fugiu roubando as joias. Então, o
pobre Roberto seria a grande vítima ao lado de sua jovem namorada e seu
bebezinho.

Eu tenho um impulso de fúria e acerto o notebook com toda força


contra o espelho do quarto que se espatifa em pedacinhos.

— Filhos da puta. — O grito sai do fundo do meu coração. Puxo as


gavetas da cômoda jogando as coisas para o alto, quebro o abajur contra a
parede, derrubo móveis, e quebro tudo que posso até que esgotado, me sento
no tapete recostado na cama.

— Eu te dei tudo, Lisette — soluço, sem importar que as lágrimas


quentes de ódio desçam em minha face — Sua vagabunda mimada. Eu te
criei, te dei carinho, tinha do bom e do melhor que o dinheiro podia
comprar... como pode...? Como teve coragem?

Recordo com peso no coração do momento em que levei o bebê para a


mansão e Isadora teve uma crise entrando em desespero, e eu não consegui
compreender. O choque em seus olhos, a face lívida, a tristeza de uma mãe
em eterno luto. Era a chance rara dela, de ser mãe, e ela viveu por esse
momento, agarrou com unhas e dentes a chance de ter o filho, e tiraram isso
dela.

É revoltante, meu coração está nublado, e essa é a minha punição.


Nenhum deles está mais aqui e caberá a mim pagar por ter levado dias
nublados e dolorosos para aquela mulher. Eu tirei sua liberdade, a humilhei e
tripudiei. Isadora nunca quis ser a coitada, a vítima, ela lutou bravamente se
mantendo de pé encarando todas as merdas que jogaram nela.

Porque a força dela, era maior que toda a maldade que tentou derrubá-
la.

Não há mais nada que eu possa fazer por aqui. Deixo a cidade
duplamente em luto, porque da outra vez eu enterrei a minha irmã, dessa
vez, eu a enterrei de vez em meu coração deixando-a para trás em definitivo.

∞∞∞

— Você tem certeza disso? — Alexandros me fita bem perturbado, e


como o conheço, sei que algo raramente o perturba. Acabo de pousar no Rio
e vou direto ver Alexandros. Já é noite, o voo demorou um pouco para ser
liberado e precisei passar umas horas naquela cidade me sentindo um lixo.

— Tenho certeza de que o bebê é o filho de Isadora. Mas não tenho


como provar. — Esgotado, abaixo a cabeça forçando as mãos na nuca. Sinto
ele sentar ao meu lado.

— Um teste de DNA dos dois. — Katsaros opina — Mas ela precisa


saber.

— É. — sussurro encarando-o. — ela precisa saber. — Paro de falar


quando Eloisa entra na sala servindo bebidas que Alexandros solicitou.

— Tudo bem, Eloisa?

— Tudo bem, senhor Zion. Se precisarem de algo, só me chamar. Com


licença.

— Parece está dando certo, hein? — Comento com Alexandros sobre


Eloisa.
— Muito. Eloisa é competente e consegue organizar toda a minha vida,
é impressionante. — Ele recosta confortavelmente no sofá e dá um sorriso
antes de beber — até meus horários para compromissos importantes ela
consegue organizar melhor que minha assistente na empresa.

Ouço risos vindo de fora da casa e uma mulher entra usando biquíni e
uma toalha amarrada na cintura. Ela está ao celular, para de falar e paralisa
me encarando. Não me é estranha, e imediatamente olho para Alexandros
esperando apresentações.

— Zion, essa é a Aisha, uma ex-namorada que me encontrou. Aisha,


esse é o cara que mencionei, Zion Barone.

— Oi, Zion. A bela morena estende sua mão para mim e me brinda com
um sorriso charmoso. Ela é linda e agora relembro de ter visto a foto dela e
ouvir sua história quando era quase noiva de Alexandros. É muito
interessante, já que ele quase nunca dá segundas chances.

Quando saio da casa do meu amigo, carregando alguns conselhos dele,


vou direto para a mansão. Preciso ver Isadora. Talvez não conte ainda tudo
que descobri, mas preciso vê-la agora.

Uma das coisas que mais me machucam, enquanto dirijo, é ter a certeza
de que eu estava fadado a cair feito um patinho no plano de Roberto. Eu
certamente passaria anos nutrindo raiva da maldita esposa dele que fugiu no
mundo após dar um golpe perfeito deixando o coitado em maus-lençóis.
Certamente eu passaria meses pagando todo tipo de detetive para encontrá-
la, no entanto, a dor no meu peito é que eu estaria condenado ao mesmo
mundo de gelo que me criei.

Eu jamais conheceria Isadora profundamente, sem nunca contemplar os


poucos momentos em que ela sorri genuinamente, não poderia jamais
admirar suas feições enrubescidas e o olhar quente e apaixonado que me
entrega quando chega ao ápice do prazer. Não saberia que ela é simples, com
desejos e sonhos simples, e que usaria o dinheiro de uma forma bem
diferente para se divertir.
Eu jamais saberia que ela possui medos que a perseguem, mas que não
são fortes suficientes para derrubá-la, e que tem insegurança com seu futuro
por causa da doença. Eu jamais saberia que mesmo com a saúde em risco,
ela lutou para engravidar e manter a gravidez, fazendo cursos, aprendendo
coisas novas, e se preparando para ser a melhor mãe possível para aquele
bebê.

Eu jamais teria me apaixonado.

Ouço vozes animadas quando adentro a mansão. Agora cada canto


dessa casa tem um significado diferente. Minha irmã sempre dizia que era o
seu sonho morar aqui com Roberto e o bebê. Sabendo de tudo agora, só
consigo ter nojo desse lugar.

Espio na cozinha encontrando as três mulheres conversando


animadamente. Isadora tira os pratos da lava-louça, Odete está diante do
fogão e Regina prepara uma bonita travessa com salada. Elas demoram a
descobrir minha presença e quando me veem, se calam imediatamente, em
choque.

— Boa noite.

— Boa noite, senhor Zion. — As duas respondem, mas Isadora apenas


me fita curiosa. Eu acho que meus olhos falam demais, então desvio do olhar
dela e sorrio para Odete.

— O cheiro está bom.

— Já vamos colocar a mesa, o senhor pode se preparar.

— Tudo bem, vou tomar um banho.

— Dona Salete e o bebê não vieram? — Regina indaga.

— Não. — Sussurro inevitavelmente olhando Isadora. — Vão ficar por


lá.

Subo para o quarto. Paro um segundo diante da porta e então a


empurro. A porra do quarto de Roberto. Olho em volta tendo ódio na mesma
proporção da repulsa. Ele mantinha Isadora sendo enganada aqui enquanto
planejava a morte dela por trás. Ele a viu chorar tantas noites pela morte do
bebê, e não se importou; na verdade, deve ter tripudiado dela por trás.

Eu gostaria de quebrar tudo a minha volta e depois colocar fogo na


casa, para não restar nada daquele filho da puta. No entanto, o que eu faço é
entrar debaixo do chuveiro e passar minutos sentindo a água quente arder em
minha pele.

Quando saio do banheiro, usando uma toalha em torno da cintura, tomo


um susto ao ver Isadora sentada na cama me esperando.

— Oi. — Sussurro.

— Oi.

— Algum problema?

— Só quero agradecer. — Ela diz escondendo o olhar do meu. —


Conversei com a advogada, ela disse que consegue reverter muita coisa,
porque Roberto agiu de má fé comigo.

— Não precisa me agradecer. Na verdade, eu que te devo desculpas. —


Sento-me ao lado dela. — Não quero que trabalhe mais como empregada.

— Então eu terei que sair dessa casa.

— Sim. Você tem que sair. — Concordo seriamente.

Isadora olha para o lado fitando meus olhos e dá uma levantadinha nos
ombros ao mesmo tempo que esboça um sorrisinho.

— Eu achei que você fosse criar problemas.

— Eu vou criar. Você sai dessa bosta de casa e eu também. E então eu


estarei onde você estiver, não importando se quer ou não. Foda-se.

— Então... você arrumou advogado para mim, está me demitindo do


emprego, mas vou continuar presa a você?
— Você não é tão inocente a ponto de não perceber que aqui... sou eu
que estou preso a você.

Ela sorri de forma triste e então aproxima um pouco e dá um beijinho


em meu braço, em seguida encosta a testa ali e fica um tempo assim. Eu sei
que ela quer dizer algo, mas tudo que faço é um cafuné em seus cabelos até
que Isadora possa voltar a olhar nos meus olhos.

— Não podemos... eu não posso continuar com isso.

— Com isso? — sinto um baque instantâneo no peito, provocado pelo


seu olhar sincero.

— Ficar próxima a você, ter qualquer relação. Sei que você não me
propôs nada, mas eu não posso. — Isadora se levanta e eu seguro sua mão
detendo-a.

— O que está dizendo? Logo agora que as coisas parecem estar se


encaixando?

Ela puxa a mão e faz uma leve massagem como se meu toque a tivesse
queimado. Isadora comprime os lábios enquanto caminha no quarto, e ao
manter uma boa distância entre a gente, enfim me olha. A maneira como
seus olhos parecem tristes, porém decididos me causa pura apreensão.

— Não está encaixando para mim. O que vai restar para mim depois
disso tudo? Entrar em uma nova relação com um homem bilionário sem
saber para onde estou indo, sem um pingo de segurança emocional...

— Não me compare com ele. — ela não sabe metade dos planos
malignos de Roberto.

— Eu não te conheço, Zion.

— Então me conheça. Vamos começar do zero, vamos descobrir sobre


o que gostamos. Muita coisa começou a fazer sentido para mim, e eu estava
louco para ter várias experiencias ao seu lado.
— Não. — O balançar de cabeça dela é como um tapa em meu rosto,
pois tudo que vejo é que ela já tomou a decisão — Eu preciso de um
encontro comigo mesma. Porra, eu tenho uma doença crônica, não sei
quanto tempo me resta. Eu passei dez anos presa a essa casa e a um
relacionamento mentiroso. E eu me pergunto, o que eu gostaria de ter feito?
Em que eu gostaria de trabalhar? Eu poderia estudar ou vender bala no sinal?

— Não diga uma merda dessa. — Fico de pé, abalado com a conversa,
passando a mão na cabeça enquanto penso em uma alternativa prática para
dar a ela, e claro, que envolva estar ao meu lado.

— Qualquer coisa a ter que depender de alguém novamente, Zion. O


que você está me oferecendo na verdade, além do sexo gostoso?

Inflado de um sentimento que desconheço, desespero talvez, cerco-a.


Isadora se reprime encolhendo-se.

— Isso é apenas o início, não será algo baseado em sexo... tem algo
sério que preciso te contar que vai mudar tudo. Estou disposto a ir muito
além de apenas sexo. Eu quero você, já deixei claro inúmeras vezes...

— Roberto também me queria. — As palavras são cortantes, mesmo


que no fundo eu entenda o medo dela.

— Não me compare a ele! — aumento o tom de voz — Eu jamais seria


tão sujo como...

— Jamais, Zion? Olhe para trás e veja tudo que fez com uma mulher
desprotegida e sozinha, por pura convicção e você só não foi adiante porque
por coincidência, descobriu sobre o meu problema. O que criamos juntos
que vai me garantir que você não vai se virar contra mim no futuro por causa
de um boato que ouviu? Nada. Não nos conhecemos, apenas transamos.
Precisa de muito mais para me convencer a entrar em uma nova relação.

Quase abro a boca para gritar para ela que talvez o filho dela esteja
vivo, e que isso muda tudo em relação a nós dois. Mas esse assunto não é
para ser jogado no calor do momento.
— Eu posso te dar o que você quiser, Isadora. Eu estou disposto a
qualquer coisa, porra, eu nunca senti isso por ninguém, eu quero estar com
você. Pode estudar se quiser, pode trabalhar na empresa... podemos conhecer
lugares, eu, você e o bebê.

— Não posso. — Sussurra para mim e tem lágrimas nos olhos. — Eu


não te odeio, na verdade, está longe de ser ódio o que sinto por você, mas
não posso deixar que você se aproxime mais. Posso ter outra pessoa um dia,
mas você não será essa pessoa.

— Isadora! Porra, não fale isso, me dê uma chance de te mostrar que eu


estou arrependido, fui enganado, eu caí em uma armadilha peçonhenta.

— E agora caberá a mim, me curar dos erros de outras pessoas? Por que
sou eu que tenho que virar a chave e aceitar os erros alheio ignorando como
isso me machucou? Eu vou embora amanhã, Zion. E para o meu bem, não
vamos mais nos ver. Se quiser me denunciar ou chamar a polícia, fique à
vontade.

Ela caminha para a porta dando por encerrado o assunto. Está me


abandonando, como logicamente é o direito dela, no entanto, não vou
desistir tão fácil, darei a ela um tempo para refletir e se preparar. Há algo
sério para contar para Isadora, e ela vai precisar de força para digerir a
revelação.
Trinta e dois

ISADORA

Acabo de arrumar minhas coisas e fico ereta, com as mãos nas costas
que doem bastante e não é por causa do extenso esforço. As articulações
também estão doendo desde ontem pela manhã, além da fadiga que me
incomoda. O dia está amanhecendo, quase não dormi depois da conversa que
tive com Zion, e não por preocupação ou mente transbordando de ideias
agitadas, mas sim porque de repente comecei a ter sintomas que já conheço.
É uma crise do lúpus. Eu preciso ir com urgência ao médico. Talvez tenha
sido o estresse dos últimos dias.

Ontem coloquei fim em algo que nem começou, mas eu não poderia
deixar continuar por mais que doa meu coração ter que fazer isso.

Eu gosto de Zion e talvez eu tenha me apaixonado por aquele


miserável. Gosto de ouvi-lo falar, gosto de como me olha e de como ama-me
com veneração na cama. E esse é justamente o perigo. Eu me recuso a entrar
novamente em qualquer tipo de relação depois do que Roberto me fez. E as
coisas complicam ainda mais por se tratar de Zion Barone, o homem que
veio se vingar de mim.

Não dá para simplesmente sorrir e ir para cama com ele todas as noites
entregando mais uma vez minha vida a um futuro desconhecido.

Olho para as duas malas. Vou levar apenas o essencial. Vestidos de


gala, sapatos caros, não estarão na minha nova vida.

Aliviada e triste ao mesmo tempo, me sento na cama observando o


quarto. Talvez eu vá atrás da minha mãe implorando perdão, talvez eu peça
ajuda a Eloisa. É terrível me sentir sozinha, e ter ainda a intuição de que
talvez essa seja a minha sina. Não vou mais conseguir confiar em um
homem, não terei outra chance de engravidar, não tenho irmãos ou amigos.
Corta-me por dentro pensar que posso estar sozinha até que a solidão seja
minha única companhia.

Ainda assim, não serei tão dura comigo, não serei cruel maldizendo a
minha vida, porque no fim sobra eu comigo mesma.

Minha bolsa está ao meu lado. Abro-a, pego minha carteira e tiro uma
foto pequena. A única recordação que tenho do meu bebê. Roberto teve a
ombridade de tirar uma foto dele para que eu pudesse ver quando acordasse.
Nunca fui capaz de mostrar a ninguém, é o meu maior tesouro.

Isso é tudo que eu preciso levar daqui. As únicas coisas que me


restaram no momento são minhas roupas, pois nem mesmo joias estavam ao
meu alcance. Até brincos e anéis, Roberto dizia para guardar no cofre. E
agora eu entendo o porquê.

Ao pensar em anéis, lembro que havia algo sim em minha posse. Feliz,
sentindo um pingo de ânimo, saio do quarto. O dia acabou de amanhecer e a
casa está silenciosa tomada dos primeiros raios de claridade.

Na sala de estar, ajoelho no tapete olhando embaixo dos móveis, e por


sorte, encontro o meu anel de noivado e a aliança que tirei e joguei longe,
dias atrás.

Sorrio para o anel imaginando quanto pode custar. Acho que consigo
me manter por ao menos um mês se vender ele e a aliança.

Volto para o meu quarto e por segurança, guardo no fundo falso da


bolsa. Não quero novas surpresas.

Zion desce, como sempre, antes das sete. E pela expressão consternada
acompanhada das olheiras, sei que também não dormiu nada. É um clima
estranho, ele mal cumprimenta as pessoas presentes na cozinha e ocupa um
banquinho na ilha sentado à minha frente, mirando-me.
Lutando para ignorar sua presença, contínuo o café, notando a minha
mão trêmula ao segurar a xícara.

— Eu preciso conversar com você. — Diz, sem muito calor na voz,


apesar de parecer assunto sério o que tem a dizer.

— Tudo bem. — Sussurro. Ele me olha mais um pouco, não consigo


saber se as faíscas no olhar azulado são de decepção ou cansaço. Acena
negativamente para Regina recusando a xícara que ela coloca a sua frente e
sai da cozinha. Talvez ele tenha compreendido que isso que existiu entre nós
foi pura ilusão.

Ou sou eu que estou tentando me convencer que foi ilusão?

Sopro o ar longamente, levanto-me da ilha soltando um gemido baixo


ao sentir a dor nas articulações. Preciso mesmo ver o meu médico.

Antes de chegar ao escritório, um segurança entra e para a minha frente.

— Bom dia, dona Isadora. — Eles nunca pararam de me chamar de


dona ou senhora, o que apesar de ser estranho, demostra o respeito que ainda
têm por mim. — Dois investigadores de polícia estão querendo falar com o
senhor Zion.

— Ah... tudo bem. Obrigada, direi a ele. — Investigador de polícia? O


que Zion está aprontando? Vou até a cozinha, peço a Regina para receber as
visitas e chamo Zion no escritório. Dois toques na porta e abro-a. Ele está
sentado, com uma mão apoiando a testa, pensativo.

— Zion?

— Entre e feche a porta. — Diz levantando a cabeça.

— Tem investigadores da polícia querendo te ver.

— Me ver? Agora? — Ele fica de pé, e as ondulações na testa mostram


que está mesmo surpreso. Não é coisa dele. Zion sai rápido e eu o
acompanho até a sala.
— Senhor Zion. — um dos homens se adianta e aperta a mão dele e o
outro faz igual, ambos se apresentando como investigadores.

— Senhores. — Zion indica o sofá para eles se sentarem, mas como os


dois me olham de maneira curiosa, ele apresenta-me. — Isadora Agostini,
viúva de Roberto Agostini, acho que souberam do acidente.

— Sim, soubemos. Meus sentimentos, dona Isadora.

Apenas anuo, recebendo as condolências sem qualquer emoção. É


como se tivesse passado anos e a morte dele tenha sido um fato muito
longínquo. Ou as vezes, esqueço, como se não fosse eu a viúva do traste.

— Bom, vou dar licença.

— A senhora pode ficar, talvez até poderia responder algumas


perguntas, informalmente, para nos ajudar.

— Sobre o que seria? — Zion indaga, quase pálido de curiosidade.

— Sobre Mauro Cerqueira. Conhece?

Inevitavelmente, trocamos um olhar.

— É o advogado do meu falecido marido. — Eu digo.

— Qual foi a última vez que o viu, senhor Zion?

— Não sei. Uns dias atrás. O que houve?

— Mauro está desaparecido. E essa madrugada o carro dele foi


encontrado incendiado.

Os investigadores pedem para conversar com Zion a sós e vão para o


escritório. Até dizem que Zion não é obrigado a responder nada, mas ele faz
questão que deseja sim responder pois não teve nada com o desaparecimento
de Mauro.
Eles vão embora uns trinta minutos depois e parecem satisfeitos. Foi
uma conversa rápida e eu não faço ideia do que falaram.

— Está tudo bem? — Zion indaga, olhando-me com o mesmo


semblante duro que me olhou na cozinha.

— Sim, estou. Acha que Mauro está tramando algo?

— Pode ser, mas não me preocupa. Eu preciso mesmo te contar algo,


pode ser agora?

— Claro. — Sigo-o até o escritório. Zion anda no cômodo,


completamente tenso. Fecho a porta e o encaro.

— Diga, Zion.

— Sente-se aqui. — Mostra a poltrona, e como estou intrigada com a


reação dele, me sento esperando-o dizer; estou pronta para negar qualquer
proposta ou insinuação que ele tente, se o assunto for nosso caso. Zion
aproxima e fica de pé com o quadril encostado na mesa. Ele me olha de cima
por um tempo, e como se fosse insuportável mirar meus olhos, desvia.

— O que te disseram quando perdeu o seu bebê? — É direto. O assunto


vive trancado em minha mente e sem que eu possa intervir, Zion o acessa
com facilidade deixando-me atônita.

— Como assim? — Sussurro.

— Quem te deu a notícia quando você voltou à consciência no hospital?

Incomodada com o assunto, enrolo uma mecha de cabelo no dedo,


pensando sobre aquele dia. Meus gritos ainda me apavoram. O olhar triste de
Roberto enquanto segurava minha mão...

— O Roberto. E depois o médico confirmou. Por quê?

— Você não viu... o bebê, nem por um momento?


— Não. Eu tenho apenas uma foto dele. Onde quer chegar? Por que
está tocando nesse assunto?

— Posso ver essa foto?

— Não. Eu prefiro não mostrar. Onde você quer chegar? — Começo a


perder a paciência, e para impedir que eu fuja, ele diz:

— Eu descobri algo, Isadora. É bem delicado, e você precisa ter


controle para encarar isso.

— O que aconteceu? Está me deixando tensa. Tem... a ver com... o meu


filho? O túmulo foi violado?

Zio massageia os olhos fechados e toma uma boa quantidade de ar, pois
parece buscar forças para me contar.

— Pelo que eu descobri, pode ser que o seu bebê esteja vivo.

A informação demora bons segundos para fazer algum sentido na


minha cabeça. E então quando meus neurônios acordam do susto coletivo
que tiveram, eu fico de pé e dou uns passos me afastando de Zion.

— O que... disse?

— Querida, eu sei que é algo bem complicado de entender, eu mesmo


demorei a...

— Para! — Grito para ele. — O que está tentando fazer com isso? Me
manipular?

— Não, Isadora. Não. — Ele reage bravo e muito sincero — Eu jamais


usaria algo assim para tentar me dar bem.

— Então, por que falou isso para mim? Por quê?

— Porque eu tenho muitas provas que indicam isso — munido de


tensão, Zion empurra alguns papéis na mesa, e horrorizada eu olho como se
fosse um bicho prestes a me pegar. Eu não quero acreditar, pois não quero
perder meu filho novamente. Tenho medo de ele dizer que o bebê está vivo
em algum lugar que eu jamais saberei. Uma lágrima de desespero escorre em
meu rosto ao mesmo tempo em que uma força estranha me prende ao chão.

Todos os gatilhos começam a ser acionados, e eu revivo as cenas várias


vezes na mente, como um flashback de mal gosto. Desde o momento que fui
para a clínica, ao entrar segurando a mão de Roberto, a apreensão que senti
naquela hora junto com a vontade de conhecer logo o nosso filho. E então o
desespero a seguir. Eu o perdi.

— Por favor... isso não pode ser verdade. — Quase inaudível, miro
Zion que parece compadecido.

— Venha aqui. — Segura em meus ombros e guia-me de volta para a


poltrona sentando-me ali como se eu fosse um ser inanimado. Estou me
tremendo por completo, e a fadiga evolui quase me afogando.

Zion abaixa diante de mim e busca minhas mãos segurando-as. Seu


semblante é triste, ele sabe o que estou sentindo e ainda assim, tenta
transmitir forças para mim.

— Eu sinto muito por estar provocando isso. Mas você precisa encarar
os fatos. Tudo leva a crer que Roberto roubou o seu filho no hospital e te
falou que ele morreu.

— Não. — O grito de pânico sai sem eu pressentir e é capaz de me


arrepiar por completo, pois agora, depois de saber tudo que Roberto fez, algo
me diz que isso é bem possível. Mesmo assim, reluto em crer no pior do ser
humano, justo do homem que viveu comigo por dez anos. — Não, não Zion.
Ele chorou comigo... ele me viu desesperada por dias, semanas... me viu
quase definhar, ele estava mal também. Ele não fez isso.

Sei que a coisa é bem séria quando presencio uma lágrima rolar no
rosto de Zion.

— Eu sinto muito.

— Me mostre. — Limpo as lágrimas com brutalidade e ainda mais


ofegante, agarro a roupa dele. — Mostre o que descobriu.
Ele está diante de mim, ainda me mantendo sentada e segurando minhas
mãos. O semblante de Zion é o que mais me incomoda, pois, um homem tão
frio e quase sempre indecifrável, está transparente feito vidro. Posso ler seus
sentimentos, e percebo que tudo que ele tem para me mostrar é chocante
demais até para um homem como ele encarar.

— Eu fui ontem a São Paulo. Visitei a casa da minha irmã e descobri


que ela não estava grávida. Ela mentiu para mim. Ainda preciso fazer um
teste de DNA, mas tudo indica que o Lohan não é meu sobrinho, é o seu
filho.
Trinta e três

ZION

— Não é possível. — Isadora sopra baixinho, incrédula e assustada


após tomar o tempo necessário compreendendo as minhas palavras. — Não é
possível. Eu... tenho uma foto do meu filho... eles são diferentes e... e...eu o
teria reconhecido.

Percebo que ela está muito abalada, e tento ser um pouco mais
condescendente com sua dor. Vou até a porta e grito o nome de Regina que
aparece em segundos e eu peço que traga água para Isadora. Puxo uma
poltrona e me sento bem perto dela.

— É impossível, Zion.

Mantenho a mão dela segura nas minhas fazendo caricias em seus


dedos, até que toques na porta avisam que Regina trouxe a água. Isadora
recebe o copo, agradece com um breve sorriso e toma um pouco e com isso
o copo quase cai de sua mão, mas aparo a tempo.

— Desde ontem eu comecei a sentir... alguns sintomas. — Ela informa,


apertando o copo com as duas mãos e olhando para ele. — Acho que é uma
crise do lúpus.

— Porra, por que não contou antes?

Ela fita meus olhos em um tom que diz que não é da minha conta, e
isso, apesar de triste, é revoltante. Não vou conseguir sua confiança com
facilidade.

— O que faz quando tem uma crise?


— Eu só preciso passar por uma consulta e com os exames saberei
como está a doença. Me fale sobre suas suspeitas — rapidamente volta ao
assunto anterior — Por favor, não me deixe no escuro novamente.

Anuo concordando com ela.

— Eu descobri que a cópia do ultrassom que Roberto me mandou,


sobre a gravidez da minha irmã, era falsa. Ele pegou da internet. Então eu fui
até a casa da minha irmã e vi indícios de que era tudo uma farsa para me
enganar. Eu era o foco deles. De Roberto e minha irmã.

— Você era o foco? Como assim?

Como já comecei a revelar tudo, decido contar todas as partes, afinal


ela precisa estar a par de toda a maldade planejada às suas costas. Pego na
mesa os prints impressos da conversa entre minha irmã e Roberto e após um
segundo de hesitação, passo para Isadora.

Ela me entrega o copo de água e recebe os papéis. Assisto o tempo se


passar enquanto sua expressão muda de incredulidade para espanto em
questão de segundos e quando termina, está com a mão na boca.

— O... bebê... não é dela. — Os olhos chorosos me encaram. — Não


era dela.

— Não era. — Concordo.

— Isso é o que estou pensando?

Assinto, meio envergonhado das ações de minha irmã a qual defendi


com afinco. Eu coloquei um quadro dela com Roberto aqui nessa casa e fiz
Isadora engolir a homenagem para eles. Não me sinto muito melhor que
eles.

— Era um plano certeiro. Roberto estava criando sua má fama, de


golpista e megera. Então chegaria o dia em que ele iria... bom... — não
consigo terminar de dizer, olhando nos olhos dela.

— Acabar com minha vida?


— E então diria que você fugiu no mundo após dar um golpe milionário
deixando-o falido. Como todos estariam te detestando, ninguém jamais
sentiria sua falta.

Isadora envolve o corpo com os próprios braços e abaixa a cabeça, e a


despeito das lágrimas que parecem tristeza, suas palavras revelam outra
coisa quando diz:

— Eu estou com tanto medo... — ela balbucia... — só em pensar que


poderia ter dado certo. Eu ia morrer iludida... nas mãos dele.

— Para de pensar isso. Você está aqui e bem.

— Ele ia me matar... depois de tudo que eu vivi com ele? Sabendo das
minhas dores, dos meus sonhos, dos meus medos... ele sabia como eu lutava
pela minha vida e... ia me descartar em uma vala feito uma...

— Chega, ok? Agora você vai tentar se reerguer com o que tem.

Ela limpa a bochecha com dedos finos e trêmulos enquanto assente para
mim, engolindo o choro, mesmo que por dentro ela sabe que estará longe de
superar tudo isso.

— E sobre o bebê...?

— Precisamos fazer um teste de DNA. Mas tudo indica que sim...


Lohan pode ser o seu bebê.

— Me deixa vê-lo de novo, Zion. — implora, voltando a chorar


agarrando minhas mãos com ânsia.

— Isadora...

— Me deixe olhar para ele. Eu prometo que não vou assustá-lo, não
vou fazer escândalo. Nem preciso tocar nele, apenas olhar.

∞∞∞
Apesar de calada, Isadora parece estar aos gritos por dentro, sentada ao
meu lado no carro. Não chora mais; um tom rosado cobre o rosto, e ela
mantém o queixo levantado lidando com tudo a sua volta e com todos os
pensamentos, dúvidas, anseios que a pressionam interiormente. Há algo em
que ela é boa: enfrentar os golpes de cabeça erguida.

Chegamos ao prédio onde dona Salete está morando com o bebê. Eu


olho para Isadora e recebo de volta suas intensas emoções pairando nos
belos olhos amendoados.

— É quase certeza de que é o seu filho, mas precisamos de


comprovação. — Ela assente, lutando para parecer estável.

Abraço o seu ombro, em um genuíno gesto de proteção, e entramos


juntos no prédio. Os segundos no elevador parecem horas pesadas e
incomodas; eu quero dizer mil coisas, ao mesmo tempo em que reconheço
que o silêncio a afaga. Sem piscar, Isadora mira os números dos andares no
painel acima.

Não há mais como esconder a ansiedade quando aproximamos da porta


do apartamento. Ela torce os dedos, respira com dificuldade e pressiona os
lábios. É péssimo vê-la assim, mas compreensível que esteja tão nervosa.

Dona Salete já está avisada, então ela nos espera na sala. Entro, fecho a
porta e observo a mulher pegar o menino no cercadinho onde ele está se
divertindo. Ela se aproxima com o bebê, e Isadora não tem qualquer reação
fitando-o como se fosse a primeira vez que estivesse vendo-o.

Ao mesmo tempo em que os olhos são como estrelas brilhantes, uma


lágrima pesada e solitária viaja pela bochecha dela.

— Dah! — Lohan grita para mim estendendo as mãozinhas, querendo


vir para meu colo e o pego imediatamente.

Isadora toca na bochecha dele com o nó do dedo, e mais lágrimas se


libertam. Ela segura a mãozinha dele e acaricia cada dedinho. Lohan apenas
a observa sem qualquer estranhamento.
Em um lapso de segundos, o semblante de Isadora enrubesce por um
sentimento que se parece raiva. Ela se vira e voa rumo a saída em um
rompante com a mão na boca.

Em reflexo, entrego o bebê para dona Salete e corro atrás dela


segurando-a no corredor.

— Me larga! — Berra e tenta me acertar um tapa. — Onde você estava


quando eles fizeram isso? — o grito estridente e doloroso dela é cortante. —
Onde estava o guardião da moral, o vingador, quando sua irmã roubou o meu
filho?

Eu poderia contestar dizendo que não é a minha culpa, mas tenho sim
uma parcela de contribuição. Eu dei créditos a Lisette e Roberto acreditando
neles, incitando-os a difamar ainda mais Isadora.

— Agora... que eu sei de tudo, consigo ver os meus olhos naquele bebê.
Mas é só isso? Só a aparência em comum? Eu não tive uma conexão com
ele, não o alimentei no meu seio, não o fiz reconhecer a minha voz, não
cuidei de cada dor que ele sentiu. Eu perdi um ano de vida do meu filho, e
tudo que você se importou foi acabar comigo por causa de mentiras.

— Você sabe que eu fui enganado...

— Eu fui enganada! — Ela berra tão alto que as veias saltam em seu
pescoço. — Eu tive que engolir a suposta morte de um filho e depois encarar
que o meu marido tinha uma amante e que falava coisas absurdas sobre mim.
Tive que ser a sua empregada porque eu não tinha saída. Você teve escolhas,
Zion, entre acreditar ou não em Roberto.

E ela está certa. Recosto na parede mantendo a cabeça baixa, ouvindo o


choro dilacerantemente desesperador dela. Eu poderia ter interferido, poderia
ter investigado mais antes de tentar me vingar. Deixei a emoção falar mais
alto.

Isadora se afasta, como se estivesse um pouco tonta. Para, apoia na


parede do corredor e parece tomar ar.

— Aonde vai? — Indago.


— Eu vou agora na polícia. Preciso ter a certeza legal de que é o meu
filho e então eu irei embora com ele.

— Não, você não vai.

— Como é? — Vira-se furiosa para mim.

— Você não está bem. Vai entrar e descansar um pouco.

— Não acha que vai conseguir mandar em mim novamente, não é?

— É um pedido, entenda como quiser. Você não vai sair daqui nesse
estado. — Seguro a mão dela e sem dar oportunidade para escapar, puxo
seus braços trazendo-a para perto de mim.

— Zion... me largue.

— Ah, que se dane, eu já estou fodido mesmo. — Pego-a no colo, e


mesmo sob seus protestos e gritos, levo-a de volta para dentro do
apartamento, bato a porta com o pé e caminho rumo ao quarto deixando-a
sob a cama.

— Vai ficar aqui e eu vou resolver essa situação.

— Você não é nada meu, não tem esse direito.

— Você é minha amiga. Vou te ajudar mesmo que não queira. —


Caminho até a porta e incrivelmente, Isadora não tenta correr. Ele se senta
recostada na cabeceira e abraça os joelhos.

— Não sou sua amiga. A sua vingança deixou para sempre um gosto
amargo. — Sussurra e eu não tenho o que responder. Saio do quarto e puxo a
porta deixando-a lá dentro. Nem preciso passar a chave, sei que ela não vai
sair. Isadora está aparentemente esgotada demais.
Trinta e quatro

ZION

Isadora está me ignorando. Mas, para a infelicidade dela, eu estou


metido até as tampas nos problemas que nos rodeia. Eu não posso
simplesmente me afastar nessa altura do campeonato. Não tem cara feia que
me faça afastar.

Conversei com um advogado sob a situação do bebê. Ele pediu


imediatamente o exame de DNA para comprovar a maternidade de Isadora e
só então entraremos com os outros processos legais, entre eles, denunciar
Roberto e a clínica pelo sequestro do bebê. Roberto está morto, mas alguém
vai ter que pagar por esse crime.

Na minha lista mental de assuntos a resolver, ir atrás de Reginaldo era o


top 2, logo depois do advogado. O desaparecimento de Mauro me intriga e
obriga-me a tomar providências, como buscar informações por conta
própria. Os investigadores não quiseram me dar muitos detalhes sobre o
caso, resumindo a dizer que a investigação está sob sigilo.

Reginaldo não sabia nada sobre Mauro e não foi difícil entender que
estava falando a verdade. Ele é um cagão, seus olhos denunciaram que
naquela hora falaria tudo que eu perguntasse só para ficar em paz.

De volta ao apartamento, encontrei Isadora ainda isolada no quarto,


deitada encolhida encarando a janela. Sento-me na cama, de costas para ela,
passando um tempo ali calado sendo ignorado.

— Consegui marcar para amanhã a colheita do material do exame de


DNA. Eles vão vir aqui. — Ela não responde, continua na mesma posição.
Reconheço que ela precisa de tempo, sendo assim, nada de pedir perdão por
enquanto, ou forçar a barra. Isadora precisa se curar das feridas abertas
internas.

Me levanto, abro a porta e antes de sair, ela enfim diz:

— Não vou voltar para aquele lugar. — Se refere a mansão.

— Tudo bem. Posso mandar pegar suas coisas.

— Também não quero ficar aqui. Vou para um lugar meu... — faz uma
pausa, parece engolir saliva e então sopra baixinho: — com o bebê.

Sei que não é o momento de contestar, porém, é impossível não dizer


nada.

— Você não pode levá-lo para lugar nenhum, Isadora. Tudo indica que
é seu filho, mas legalmente eu ainda sou o tutor dele. Você e essa criança
não vão sair de debaixo dos meus olhos.

— O que você está tentando forçar? — Ela se senta na cama


bruscamente cravando o olhar duro no meu rosto. Já parou de chorar, porém
os olhos estão vermelhos e levemente inchados. E mesmo com os cabelos
assanhados, ainda é tão bela capaz de fazer meu coração saltar. Meu coração
gelado foi mesmo pescado por essa mulher. — Vai insistir nessa crueldade
para cima de mim?

— Não é crueldade.

— O que é então? Me deixe ir embora da sua vida, pode ficar com toda
a herança...

— Não vou discutir com você. Foda-se herança. Você fica e o bebê
também.

— Não vou ficar debaixo do mesmo teto que você, Zion.

— Tudo bem. Eu não preciso ficar aqui, mas você fica nesse
apartamento, pois é seguro e tem tudo que você precisa. Vou buscar suas
coisas na mansão.
Eu não sei do que Isadora seria capaz no momento da tensão elevada,
mas ainda assim confio que ela nunca tomará uma atitude imprudente que
possa coloca-la em risco. A confiança não é cem por cento, então, peço dona
Salete que mantenha a porta fechada.

Não sei ainda qual atitude tomar com a mansão de Roberto e com os
empregados que lá estão. Alguns trabalham naquela casa há dez anos, como
dona Odete e o marido jardineiro que além de tudo mora nos fundos da
propriedade.

Digo a Regina que não precisa se preocupar com refeições para mim,
pois Isadora e eu ficaremos fora por algum tempo.

Em meu quarto pego tudo que é necessário para passar uns dias. Talvez
eu fique na cobertura que comprei no leilão do banco, mas ainda não
reformei e está trancada. Por hora, vou aceitar o pedido de Isadora, ficando
longe dela, dando o espaço que necessita.

No quarto dela, encontro suas coisas arrumadas, indicando que era o


seu plano ir embora antes mesmo das revelações. No closet restam algumas
roupas que possivelmente serão abandonadas. Também, ainda há caixas não
abertas no canto do quarto. Abro uma encontrando roupas muito bem
embaladas. Permitindo que a curiosidade fale mais alto, abro um pacote ao
acaso. É um vestido de noite muito bonito que eu adoraria ter visto ela
usando.

Eu gostaria de ver um pouco da vivência natural de Isadora, no entanto,


como ela mesmo disse: não dá para conhecer uma pessoa quando ela está em
modo sobrevivência.

Volto para o apartamento suportando todo tipo de pensamento


incômodo pressionando minhas emoções. Eu jamais lidei com sentimentos,
jamais precisei lidar com problemas pessoais no meu mundo de concreto em
que eu era acostumado a empurrar assuntos desse tipo para debaixo do
tapete.

Não lidei bem com a morte prematura de minha mãe, não lidei nada
bem com o vício em álcool do meu pai, achando, naquele momento, que ele
precisava de punição para “aprender a ser gente”. Meu coração endurecido
não conseguia visualizar que ele precisava de ajuda. O fim do homem que
me colocou no mundo foi sozinho em uma casa qualquer.

Eu não lidei bem com a minha irmã. Por mais que diga que me
intrometi no caso dela com Roberto, sei no fundo que isso é uma mentira. Eu
os deixei juntos enquanto me afundava em trabalho. Eu ouvia as
barbaridades sobre a tal esposa megera e não intervia por estar acostumado a
não lidar com emoções humanas.

Tudo para mim se resumiu ao controle. Dar ordens e estar na posição de


mandante. Como agora faço com Isadora.

Entro no apartamento encontrando-o silencioso. Jogo as malas na sala,


apressando-me em ir até a cozinha abastecido com um lapso de medo de
Isadora ter fugido. Salete está sozinha lavando alguns pratos.

— Onde eles estão? — Sussurro, com medo de ouvir a resposta.

— O bebê dormiu um pouco. — A mulher faz uma pausa no serviço


para me fitar — Isadora não quis almoçar. Acho que ela precisa ir ao
médico, parece abatida.

Apenas anuo ao que ela diz e saio rápido verificar Isadora, mas ao
passar em frente ao quarto do bebê, paro na porta e espio. Isadora está
sentada na ponta da cama, com as duas mãos apertando a boca enquanto
chora e observa o menino dormir.

Eu a deixo sozinha se acostumando com sua nova realidade.

Passo parte do tempo na sala, sentado lidando com cada merda de


problema. Só agora, sentado em silêncio usufruindo de minha própria
companhia, penso no bebê que já tinha conquistado o meu coração. Não
quero pensar em perdê-lo, não quero pensar em me afastar do menino, que
por dias foi a minha esperança de ser um homem melhor.

Interrompo as reflexões quando sou surpreendido por passos vacilantes.


Isadora está com uma bolsa no ombro e para na minha frente.
— Preciso sair. Eu não estou bem e consegui marcar uma consulta.

— Tudo bem. Eu vou te levar. — Me levanto te prontidão.

— Não precisa. Só estou avisando para que não crie problemas achando
que estou tentando fugir.

— Eu vou te acompanhar, Isadora.

Noto que o rosto dela está mais vermelho do que antes. Não é qualquer
rubor, certamente deve ser causado pela doença. Ela parece fadigada e não
discute, apenas me segue para fora.

∞∞∞

Não entrei com ela durante a consulta, esperei na sala folheando umas
revistas velhas sem enxergar nada que estava impresso, toda minha atenção
impregnada na porta do consultório. E quando ela abriu, eu dei um pulo e
aproximei de Isadora amparando-a sem que pudesse contestar. E o médico
recomendou:

— Certamente algum tipo de estresse desencadeou a crise. Ela precisa


se submeter a alguns exames e descansar bastante, e ingerir alimentos leves.
Frutas vermelhas, por exemplo. Logo o anti-inflamatório começará a fazer
efeito. — Agradeço ao médico, levo-a para o carro e passamos em uma
farmácia para comprar o que foi receitado. Amanhã a levarei para realizar os
exames.

— Você... fazia isso sozinha? — Indago, depois de bastante tempo


calado.

Ela me olha e assente. Passa uns segundos e então diz:

— Mas não quero aqui me fazer de coitada. Eu até preferia assim.


Gostava de fazer isso sozinha, me sentia independente. Era o meu momento,
o momento em que eu cuidava de mim sem que Roberto tivesse controle da
situação.

— A doença te fez mais forte, não é?

Isadora mira os meus olhos de forma cumplice, e com um leve sorriso,


concorda comigo.

— É tão irônico que por causa do lúpus preciso ter a imunidade sempre
baixa, porém foi justamente ele que fortaleceu minhas defesas para a vida.

∞∞∞

Isadora passa o resto do dia em repouso na cama. Não faço companhia


a ela respeitando sua vontade, mas tento deixá-la confortável.

— Eu posso arrumar uma televisão para colocar aqui...

— Não quero, Zion, obrigada.

— Gostaria de... um livro? Posso providenciar alguns.

— Talvez depois, eu estou sonolenta e preciso apenas descansar.

Atendo ao pedido dela, mas antes abro a janela e puxo a cortina


fechando-a um pouco, mergulhando o quarto em uma penumbra relaxante.

Quando a noite chega, peço a dona Salete para levar um pouco de sopa
na cama para que Isadora não precise se levantar. E algum depois, a mulher
volta com a tigela com um pouco do alimento restante.

— Ela pediu para levar o bebê ao quarto, antes de dormir. Devo fazer
isso?

— Sim, deixe-a ficar um pouco com ele.


Dona Salete leva o menino para o quarto em que Isadora está e eu sigo-
a espiando da porta. Ela está deitada, recostada contra os travesseiros com o
cobertor cobrindo metade do corpo.

Dona Salete não sai, fica ali sentada na ponta da cama observando a
interação de Isadora com Lohan. Ele ainda está intrigado com a presença
dela, mas não é uma criança que se assusta fácil, então ele dá toda a atenção
que ela precisa.

Logicamente não vou embora abandonando as duas mulheres e um


bebê sozinhos em um apartamento durante toda a noite. Porém há apenas
dois quartos, dona Salete ocupa um com o bebê e Isadora está no outro. O
sofá é pequeno demais para que eu durma, então, saio do apartamento,
estaciono meu carro estrategicamente do outro lado da rua em frente ao
prédio e passo a noite dentro do carro.

Achei que ficaria em vigília por toda a noite, mas acabei dormindo e só
acordo quando os primeiros raios de sol batem em meu rosto. Eu não liguei
o ar-condicionado para evitar esgotar a bateira do carro, e para não sufocar
em um local fechado, deixei uma fresta do vidro aberta; o que é algo bem
perigoso. Preciso encontrar uma alternativa para dormir por perto.

— Acabei de passar o café, seu Zion. — dona Salete aponta para a


garrafa térmica. — Quer que eu te sirva um pouco?

— Obrigado, Salete. Me dê uma caneca, eu mesmo me sirvo. — Ela faz


isso imediatamente, e ainda coloca algumas coisas a minha frente para
acompanhar o café. Depois de comer um pouco, saio da cozinha, vou até o
quarto e espio. Isadora acordou. Está deitada olhando para a janela. Volto
para a cozinha, sirvo um pouco de café em outra caneca na intenção de
agradá-la. Dou toquinho na porta do quarto chamando sua atenção.

Entro quando ela me olha e se ajeita na cama, parecendo sentir dor


quando se mexe para recostar nos travesseiros.

— Você toma café, não é?

— Sim. — Sussurra e recebe a caneca da minha mão. — Obrigada. —


Ela acompanha meu movimento quando me sento na cama em que está
deitada. — Dormiu aqui?

— Não. Acabei de chegar.

— Hum... — beberica o café e volta a me fitar. — Você não combina


com cuidador de enfermos.

— Não?

— Não. Sua cara não é de bonzinho.

— Porque eu não sou.

— E ainda assim está aqui dando café na cama a uma enferma.

— Só estou te ajudando a se curar depressa para poder voltar aos meus


planejamentos anteriores.

Isadora acaba sorrindo. Eu quero perguntar a ela sobre como está sendo
os seus sentimentos em relação ao bebê, mas antes que qualquer um de nós
fale algo, dona Salete aparece.

— Senhor Zion, a polícia está aqui querendo falar com o senhor.

Sem contestar, levanto-me rápido saindo do quarto para encontrar os


mesmos investigadores que já me visitaram anteriormente na mansão.

— Senhor Zion, desculpe incomodar tão cedo. — Um deles se antecipa


desculpando-se assim que nos cumprimentamos. Fomos a mansão e um dos
funcionários nos disse que o encontraríamos aqui. O senhor precisa vir com
a gente. Está sendo solicitado formalmente para depor na delegacia.

— Ainda sobre o caso de Mauro? — Olho de um para o outro com


cenho franzido.

— Sim. Foi encontrado sangue no carro dele. O sangue é de Mauro.


Estamos trabalhando com a suspeita de homicídio.
Trinta e cinco

ISADORA

Inevitavelmente, a preocupação bate quando Zion sai para se encontrar


com o advogado que o acompanhará no depoimento na delegacia. E não
posso deixar de perceber como é estranho o fato de eu me preocupar com
alguém que ontem eu queria manter distância. Meu coração fica pequenino
ao pensar que algo grave pode acontecer a Zion, e se acontecer, sei que será
uma armação ou injustiça. Ele não teria coragem de matar alguém.

Ou teria?

Lembro que ele me contou que deu um ensinamento em Mauro sem


especificar o que fez com ele. E isso tira a minha paz, pois, não sei qual é o
limite de Zion.

Eu nunca tive uma boa intuição com pessoas ruins, Roberto é uma
prova disso, mas agora minha intuição parece funcionar e ela diz que Mauro
não está morto.

Ao menos me distraio um pouco quando dona Salete traz o bebê para


me dar bom dia. E ela ainda faz muito mais, deita ele ao meu lado e entrega
a mamadeira que ele segura sozinho, a coisa mais linda do mundo.

— Fica de olho nele um minutinho enquanto vou preparar uma bandeja


de café para você. — Dá uma piscadinha cumplice para mim quando sai na
porta. Eu sei que ela está me ajudando a ter mais contato com ele, não sei se
sabe da história, no entanto é evidente que de qualquer forma ela está me
ajudando.

Ontem veio primeiro o choque com a revelação de Zion. Meu coração


doeu de verdade, foi uma dor insuportável. Porque eu criei o amor inabalável
ao meu bebê enterrado em um cemitério. Não fazia sentido para mim que
este menino pudesse ser o meu filho. Mas coração de mãe não se engana. Eu
queria vê-lo porque eu saberia na hora. Como de fato aconteceu assim que
olhei os seus olhinhos e toquei sua mão.

Eu soube que era ele sim e como um milagre inexplicável, o amor que
eu nutri por aquele bebê que eu julgava morto, foi transferido para este
menino, que tem os meus olhos.

Meu coração soube antes mesmo de Zion descobrir tudo. O dia em que
eu vi Lohan na cama da suíte principal na mansão, algo estranho aconteceu.
Não houve tristeza, como eu imaginei que teria; eu estava hipnotizada
admirando-o e quando me deitei para dormir, o que eu senti foi puro
conforto e alegria. O meu coração reconheceu o meu filho e soube que
estava tudo bem.

Maldita crise que iniciou justo nesse momento. Eu queria abraçar o


menino, brincar com ele, levá-lo em meus braços, dar banho, trocar sua
roupa, alimentá-lo. Todavia, tudo que posso fazer no momento é admirar o
meu sonho que se tornou real, deitado ao meu lado, tomando mamadeira.

Limpo uma lágrima. Agora são lágrimas boas, de felicidade e emoção.


Ele está aqui, e apesar de esgotada em saúde, sinto-me capaz de derrubar
montanhas por ele.

Zion volta a tempo de acompanhar a coleta do material para o exame de


DNA. Ele solicitou que um laboratório de confiança viesse em casa colher, o
que foi algo confortável e gratificante.

Passei todo o tempo tensa, com o coração explodindo acelerado de


várias maneiras diferentes. Quase achei que ele pararia tamanha foi a
intensidade das emoções.

— Obrigada. Foi o que consegui sussurrar para Zion, com a voz


embargada. Ele não impediu que Roberto e Lisette armassem contra mim,
mas agora, foi o responsável por investigar e descobrir sobre o bebê; ele me
devolveu motivos para lutar. Como resposta, Zion segurou minha mão com
firmeza.

∞∞∞

— A secretária de Mauro contou à polícia que eu o agredi. — Zion


confidencia para mim sobre o seu depoimento hoje mais cedo na delegacia.
De pé, diante da janela do quarto, ele olha para fora, pensativo. — E agora
estão me apontando como principal suspeito.

— Mas você não...

— Eu não o matei. — Zion deixa a janela e se senta na cama, ao meu


lado. De maneira carinhosa toca em minha perna massageando de leve. —
mas agora, estou com vontade de ter feito isso.

— Espero que não tenha sido sincero a esse ponto, na delegacia.

— Não fui. — Ele sorri — Optei pelo silêncio apesar de ser ainda
apenas suspeito e de ter interesse em me inocentar.

— Acha que ele está mesmo morto?

— Não. Mauro é espero, eu ameacei acabar com a carreira dele. Então


o safado deu uma jogada mais valiosa. — Termina de falar e passa um
tempo me fitando com o semblante tranquilo demais para quem está sendo
investigado como suspeito de assassinato. Zion é muito seguro de si, e
parece ter o controle de tudo em suas mãos. — Ainda me detesta? —
Pergunta, mantendo a mão em minha perna.

— Sim, em intensidade menor.

— Vou trabalhar para que a intensidade diminua mais. pode descansar


mais um pouco. Preciso resolver algumas coisas da empresa e talvez eu
venha... jantar com vocês. — Ele caminha para a porta, dá uma última
olhada e sai deixando-me com a minha barulhenta companhia. Os
pensamentos enlouquecidos me fazem tremer. Há tantas coisas acontecendo
ao mesmo tempo, até parece que quem está escrevendo minha vida, despejou
todos os potes de reviravoltas ao mesmo tempo.

Suspiro profundamente fechando os olhos me entregando ao conforto


da cama e descanso agradável.

Mais um dia se passa e começo a notar melhoras em mim. o grande


ponto porém, é a volta do meu ânimo, da esperança, pois agora há algo
grande que faz sentido em minha vida. Ainda não consigo acreditar que o
meu bebê está vivo, e só terei pura certeza e paz em meu coração quando o
resultado do DNA sair.

O dia amanhece e mais uma vez Zion está em casa bem cedo, o que é
bem estranho. Ele não está dormindo no apartamento, verifiquei essa noite.
Me pergunto por que aparecer aqui tão cedo? Ainda não são sete da manhã.

Um pouco mais tarde, decido me levantar para ir ao banheiro e me


preparar para o dia, quando Zion aparece para me dar bom dia e verificar se
estou melhor. Os cabelos dele estão assanhados e a camisa amassada. O
mistério sobre onde ele está passando a noite, aumenta.

— Eu te ajudo. — Ele diz e já segura em meu braço e nem consigo


impedir.

— Eu não estou inválida. Posso caminhar.

— Que bom que pode caminhar. — Ironiza, mas não me solta. Ele fica
encostado na pia, de braços cruzados enquanto me sento no vaso.

— Vai ficar aí?

— Sim. Pode ficar tranquila, não vou olhar.

— Porra, nós não somos nada e você vai me ver usar o vaso?

Vencido, revira os olhos, vai até a porta e recosta no batente assumindo


a posição de costas para mim.
— Está preocupado? — Pergunto puxando assunto mirando as costas
largas.

— Sim, sobre você.

— O que tem eu?

— Estou preocupado com você.

— Eu estou bem, você que está sendo acusado de homicídio. Não está
preocupado?

Ele faz silêncio, acho que está pensando na resposta. Termino,


aproximo da pia e então ele se vira ficando de frente.

— É difícil condenar alguém por homicídio se não houver um corpo.


Acontece, mas as provas precisam ser robustas. Eu tenho álibi.

Levanto os olhos encontrando o rosto dele pelo espelho. Zion está sério,
mas não do tipo maligno, e sim enigmático.

— Bom, eu confio que você não tenha feito nada... — Sussurro, com a
escova de dentes parada no ar.

— Se eu tivesse matado ele, não seria tão amador. Ninguém jamais


descobriria. — E eu acredito nele.

Zion trouxe as roupas para cá, então ele toma banho, se arruma e vai
para a empresa. E tudo que eu quero é passar cada segundo observando o
bebê. Me sento no sofá da sala, acompanhando cada movimento dele como
se fosse uma atração exclusiva.

Ele ri sozinho, balbucia alto, engatinha por toda a sala se divertindo


com os brinquedos. Vez ou outra aproxima me entregando algo e falando
comigo com sua linguagem de bebê. Já tem um aninho, mas fala tudo
confuso.

Mais uma vez quero chorar, porque, eu deveria entender o que ele está
dizendo, todavia, não criamos a conexão desde o nascimento. É algo triste
que não deixo me abalar e suspiro várias vezes tirando isso na minha mente.
Não tenho pelo que chorar quando sei que terei todos os anos dele adiante
para conhecê-lo e aproveitar cada fase de sua vida.

Assisto Salete dando banho nele, e para minha completa alegria


extasiante, ela pede para que eu vista a roupa nele. Lohan me fita com
atenção naquele momento em que, emocionada, visto com cuidado cada
peça de roupa e penteio os volumosos cabelos escuros.

A noite caí, a casa está silenciosa. Lohan dormiu e dona Salete está na
sala lendo. Saio do meu quarto para tomar um banho e me preparar para a
noite. Seguro na maçaneta do banheiro e tomo um baita susto quando ela se
abre revelando Zion que aparece com cabelos molhados e uma toalha em
volta da cintura. Ele chegou e eu nem percebi. Meus olhos batem em seu
peitoral repleto de gotas de água e inevitavelmente relembro o quanto tive
prazer nos braços dele.

Foi verdadeiro e gostoso, isso não posso negar.

— Hãm... pode passar. — Sussurro afastando o olhar.

— Ok. — Ele resmunga de volta. — Eu vou... me trocar no seu quarto,


se não tiver problema.

— Não tem. Pode sim...

Parecemos jovens dividindo uma casa pequena, o que é bem estranho


para um homem refinado como ele. No entanto, Zion parece bem a vontade
de estar vivendo sem todo o conforto exacerbado que o dinheiro oferece.

Ele pediu comida e se sentou com a gente a mesa para jantar. Foi
descontraído e agradável. E em um instante eu analisei meu coração
descobrindo que ali não havia mais raiva guardada em questão a ele. Apesar
de tudo, reconheço que foi por causa de Zion Barone que meu filho voltou
para meus braços.

Quando chega o momento de Zion ir embora, ele para em minha frente


e não diz nada, em contrapartida do olhar aceso que me diz muito. Ajeita
uma mecha do meu cabelo, avança e dá um beijinho em minha bochecha,
deixando-me gelada pelo susto, já que pensei que roubaria um beijo dos
meus lábios.

— Até amanhã, inimiga.

— Até amanhã. — Solto um sorriso e quase grito para ele ficar e dividir
a cama comigo. Mas deixo-o ir embora. Vou até a janela da sala, abro as
cortinas e espio para fora. Em poucos minutos vejo Zion sair do prédio,
atravessar a rua e entrar no carro dele. Permaneço mais um tempo olhando
sem entender porque ele não liga o carro e sai. Os minutos passam, e então
percebo o obvio: O louco está dormindo dentro do carro na rua.

Pego o celular e ligo para ele. Daqui da janela, vejo a luz do celular
acender dentro do carro e ele atende.

— Oi, Isadora.

— Você está louco? Dormindo dentro do carro?

— Sim, e espero que ninguém perceba.

— Por que não vai para sua casa, ou para a mansão?

— Porque não vou deixar vocês sozinhos. — Ele é curto, grosso e


teimoso. Não vai adiantar discutir.

— Então fique aqui dentro, na sala... ou peço para dona Salete dormir
comigo, sobrando a cama dela.

— Amanhã providenciaremos isso. Boa noite, Isadora.

Homem teimoso idiota. Observo o carro mais um pouco, então vou para
meu quarto. E o sono simplesmente não chega, somando com a preocupação
de saber que Zion está na rua sozinho nesse momento, só aumenta mais
minha tensão.

Uma da manhã e nada de dormir.

Uma e meia e nem sinal de sono.


Duas horas da manhã é demais. Vou preparar um chá e convidá-lo para
subir e dividir comigo. Levanto-me, calço os chinelos e saio do quarto. Entro
na cozinha e antes de abrir o armário, sinto uma mão me agarrar por trás
apertando com força minha boca. Me debato aterrorizada ao notar que é o
corpo de um homem, e quanto mais bato os pés e mãos, mais ele me aperta
como uma cobra que se enrola em suas presas. Meu corpo ainda está
dolorido pela crise do lúpus, por isso, me vejo perdendo as forças de lutar.

Ele é forte e com facilidade consegue me arrastar para fora da cozinha


levando-me para a sala.

Para meu horror vejo o momento em que outro homem mascarado sai
do quarto de Lohan trazendo-o nos braços e apontando uma arma para dona
Salete. Ela chora baixinho apavorada e caminha até a sala sentando-se no
sofá.

— Me dê o bebê. — Ela pede, mas o homem balança a cabeça negando.


Sob meu olhar de horror, ainda presa nos braços do outro, assisto quando ele
aproxima a arma para a cabeça do bebê que está sonolento.

— Ele vai tirar a mão da sua boca e você não vai gritar, ouviu? —
Ordena para mim usando a ameaça cruel para me fazer cooperar. Concordo
imediatamente para não ter que continuar vendo o meu filho na mira de um
revólver.

Cautelosamente, o homem afrouxa a mão na minha boca e com cuidado


me larga. Sinto o cano de uma arma atrás na minha cabeça.

— Agora ajoelhe, dona. Rápido, pois não temos a noite toda.

— Por favor... — suplico em meio ao pranto. — Eu não tenho


dinheiro... mas posso arrumar.

— Já fomos pagos, dona. Você tem uma escolha. Ou coopera e morre


sozinha, ou morre os três e a senhora vai ver o moleque ir primeiro. — O
outro volta a apontar a arma para a cabeça de Lohan no colo de Salete.

— Tudo bem, ... deixe-o em paz. Só farei um pedido... leve-o para o


quarto.
— Não. Ele vai ficar aqui, quietinho. Ajoelha.

Sem ter o que fazer e a quem recorrer, vejo minha vida inteira passar
diante de meus olhos. Foram muitos anos bons, mas eram anos mentirosos.
Eu achei que tive uma vida plena de amor verdadeiro, no entanto, era falso
como uma nota de três reais. E impressionantemente, todos os momentos
bons que passam em minha mente não foram ao lado de Roberto.

— Fecha a cortina. — O homem atrás de mim ordena ao outro e ele


atende o comando imediatamente. Assim que fecha a cortina, indaga:

— Não tem que ter barulho? Para chamar atenção dos vizinhos?

— Sim, mais tarde. Faremos o barulho e fugiremos.

— O tiro não pode ser na nuca, seu idiota. Tem que parecer que ela
brigou com o cara e ele meteu chumbo nela.

— Hum... tá certo. Fique de pé, dona. Rápido, porra. — Eu fico de pé


imediatamente.

Ele se afasta uns passos de mim, e agora estou frente a frente com o
criminoso, olhando para a pistola em sua mão apontada em direção ao meu
peito. Dona Salete chora em desespero, o bebê também começa a chorar
assustado, o que parece tirar atenção do homem.

— Leve os dois daqui. Depois a gente dá um jeito na velha.

Enquanto o segundo homem sai da sala levando dona Salete e Lohan,


eu permaneço na mira do revólver, ofegando em meio a lágrimas,
desesperada de medo. Então a porta abre devagar, pelas costas do homem, e
quase solto um grito ao ver Zion despontar. Choro copiosamente de alívio.

— Quer dizer suas últimas palavras?

— Sim. Você está fodido. — Não posso ver sua expressão por trás da
máscara, todavia, o homem percebe, se vira bruscamente, não a tempo de
desviar de uma pancada com um extintor de incêndio que Zion acerta. Ele
cai na hora desacordado. Zion aproxima com seu olhar raivoso e, de forma
fria, acerta mais duas pancadas na cara do homem caído no chão.

Faz sinal de silêncio para mim, caminhando para o quarto do bebê. O


outro homem sai nesse instante na porta recebendo o ataque de Zion. Como
foi inesperado, a arma dispara. Em reflexo, me abaixo com as mãos no
ouvido, vendo os dois travarem uma luta corporal brigando pela arma. Outro
tiro dispara para o alto e mais outro.

Zion é maior e mais forte que o outro homem e consegue desarmá-lo. E


para o azar do criminoso, Zion não é um rico mimado despreparado. Eu o vi
lutar com seus seguranças que não eram nem um pouco fracos. Ele é tão
letal como uma máquina de guerra. Agride o homem brutalmente e não
importa o que faça para se defender ou revidar, Zion sempre o acerta até
derrubá-lo. Então pega a arma no chão, e ofegante, aponta para o homem.

Eu penso que ele vai mesmo matar o cara ali a sangue frio, e acho que o
homem pensou o mesmo, pois grita no último segundo.

— Espera. Vou falar... eu falo quem me mandou.

Zion afasta a arma.

— Diga.

— Mauro. — Recostado na parede, ofegante e ferido, ele diz — O


nome dele é Mauro Cerqueira. Me deixe ir preso... e eu juro que levo ele
comigo.
Trinta e seis

ZION

Justo hoje eu estava aceso, sem conseguir pregar os olhos. Dentro do


carro, vi os minutos passarem lentamente. Tentei me distrair ouvindo
música, tentei ver alguns e-mails pendentes da empresa, e mesmo que
tivesse bastante, não havia saco para focar naquilo.

Declinei o banco, fechei os olhos, contei carneirinhos, fiz o truque de


enrijecer os músculos do corpo e soltar para relaxar e ainda assim, nada
aconteceu. E eu acho que tudo não passava de um sinal, eu tinha que ficar
acordado.

Recostado no banco, olhei por longo tempo para o prédio pensando na


minha relação com Isadora que estava de mal a pior. E naquele momento
notei que acenderam a luz da sala.

Seria dona Salete indo à cozinha? Ou Isadora que também não


conseguia dormir? Só tive a confirmação de que não era nenhuma das duas
quando presenciei uma figura incomum aproximar da janela e fechar as
cortinas.

Eu não sei quanto tempo levei para sair do carro e correr para o prédio,
mas não foram mais que poucos segundos. O porteiro liberou minha entrada
e nem parei de andar quando gritei para ele chamar a polícia imediatamente.
Não havia dúvidas, Isadora e o bebê estavam em perigo.

Por pouco eu não matei o desgraçado macetando sua cabeça com o


extintor, só parei, pois, vi o olhar aterrorizado de Isadora.

Agora, com os dois homens rendidos, consigo apenas agradecer aos


céus, a força maior que me manteve acordado. Por pouco, por muito pouco,
uma tragedia teria acontecido.

Os policiais levam os dois homens, fazem perguntas para nós três e até
estranham o fato de que eu estava no carro em frente ao prédio, no entanto
ficam convencidos com a minha versão de que estava ali apenas por sorte.
Quando enfim eles vão embora, me sento ao lado de Isadora no sofá. Ela
abraça, com força, Lohan que está mais calmo e parece voltar ao sono
novamente.

Isadora olha sem piscar para o nada enquanto um filete de lágrima


deixa o seu olho.

— Está tudo bem. — Sopro no ouvido dela, abraçando seu ombro.

— Não está.

— Você precisa descansar, ok? Uma viatura vai ficar em frente ao


prédio essa noite e eu ficarei aqui, não sairei.

Ela apenas assente, traumatizada pelo que viveu essa noite. Isadora já
estava chocada por descobrir o plano de seu ex-marido de assassina-la, e
agora ela vivenciou isso em seu momento de maior fragilidade.

Um dos criminosos deu com a língua nos dentes, contou exatamente


qual era o plano do Mauro: matar Isadora para a culpa cair sobre mim, e
então eu estaria acabado e preso. Certamente eles matariam Salete também.

Com Isadora morta e eu preso, ninguém mais o investigaria. Mas não


foi o plano perfeito e agora ele vai pagar.

Um dos criminosos, ainda me surpreendeu dizendo que Mauro estava


monitorando meus passos e por isso soube que eu trouxe Isadora para cá. E
após escalar a lateral, invadiram o prédio que não se mostrou tão seguro
como eu achava.

Há algo que ele contou apenas para mim e pedi que não contasse ainda
para a polícia. O local exato onde Mauro está escondido. E eu vou atrás
daquele miserável. E, já que foi dado como morto, eu vou matar o filho da
puta.
— Venha comigo. — Seguro na mão de Isadora, ela me olha uns
segundos parecendo entender o que está acontecendo, olha para a criança
dormindo em seus braços e antes que possa contestar, tranquilizo-a.

— Você vai ficar com ele. Precisa descansar.

— Eles quase conseguiram...

— Não. — Interrompo-a. — Não conseguiram e não vão conseguir.


Você está bem, ok? — Levo-a para o quarto, Isadora coloca o bebê no meio
da cama e se deita ao lado. Eu saio, vou até o quarto de Salete verificar se
ela está bem, e quando me garante que sim, confiro as fechaduras, olho cada
cantinho do apartamento e volto para o quarto de Isadora. Já são cinco da
manhã. Tiro os sapatos e me deito do outro lado. O bebê fica no meio de nós
dois.

Viramos de lado, um de frente para o outro, nos olhando.

— Você salvou a minha vida. — Ela sussurra, emocionada, com os


olhos lacrimejantes — E a do meu filho.

— Acho que estamos quites. — Digo para ela. — Porque você salvou a
minha.

Ela enfim solta um sorriso, estende a mão e segura a minha. Eu


entrelaço nossos dedos.

— Amigos? — indago, baixinho.

— Amigos. — ela concorda rindo. Voltamos ao silêncio compartilhado


que fala mais do que uma conversa inteira.

— Fernando não existe, não é? — pergunto do nada para aliviar o


clima, e isso faz ela rir em um tom mais alto.

— Não. Eu o inventei baseado em alguém que conheço.

— Ora, ora. Parece que temos mesmo uma viúva megera. Você quase
me matou aquela noite.
— Ah, enfim um feedback satisfatório. — Ela retruca me fazendo rir.

— Descanse, Isadora. — Beijo sua mão entrelaçada à minha — Eu não


sairei daqui.

∞∞∞

Um dos únicos lugares para onde eu posso levar Isadora e o bebê e


conseguir ficar em paz sabendo que estão seguros, é a mansão de Roberto.
Mas levá-la de volta para aquele lugar seria como tocar em feridas não
curadas. Por isso, encontro outro local que é tão seguro quanto a mansão: a
casa de Alexandros.

Isadora praticamente não dormiu. Estava a todo instante sobressaltando


aterrorizada. Sei que ela vai se sentir segura na casa do meu amigo.

Saímos do apartamento bem cedo, afinal, acho que exceto Lohan,


ninguém conseguiu de fato dormir depois da loucura que aconteceu na
madrugada.

As tensões que Isadora ostenta em seu rosto, começam a desaparecer


assim que o carro entra na propriedade do meu amigo. Ela está curiosa com
o lugar, olhando a beleza única que o grego criou aqui. A fachada da casa
tem aparência de um templo grego. Acho bem brega, mas ele adora, me resta
respeitar.

Eloisa já espera do lado de fora. Eles já sabem do que passamos e estão


a nossa espera. Ela deixa qualquer formalidade de lado ao se apressar em
passos urgentes na direção de Isadora, abraçando-a.

— Que susto, dona Isadora. — ofega, com pesar na expressão, ao se


afastar do abraço. — O senhor Alexandros contou tudo.

— Eu já estou melhor, Eloisa. Foi a pior noite da minha vida. Por pouco
não conseguiram ir adiante.
— Estará segura aqui, pode confiar. — Ela desvia a atenção para o bebê
que acaba de sair do carro nos braços de Salete.

— É... real? É ele mesmo? — É contagiante a perplexidade de Eloisa


admirando o menino. Enquanto ela conversa com Isadora em meio a sua
estupefação, eu aproximo da escadaria central e cumprimento Alexandros
parado nos degraus observando a situação.

— Obrigado, por deixar ela ficar aqui.

— As portas estão sempre abertas. O que me magoa é não terem vindo


antes, e por causa disso passou por todo esse horror.

— Eu aprendi a lição. Quero te falar sobre o que farei hoje ainda.

∞∞∞

— Você é um louco estupido, Zion. — Alexandros rebate de imediato


ao ouvir todo o meu plano de caçar Mauro e fazê-lo pagar. Quero quebrar
cada osso do corpo dele para que nunca mais pense em encomendar
assassinato de uma pessoa inocente. — Você não sabe o que vai encontrar
nesse lugar. Nem sabe se é uma informação verdadeira.

— Eu preciso verificar. E quero que prometa que vai dar todo apoio que
Isadora precisa, caso algo aconteça...

Abismado, o grego me fita enrugando a testa.

— Não posso permitir que você faça uma merda dessa. Uma hora de
viagem... um lugar remoto. Avise a polícia, deixe que eles cuidem do
homem.

— Amigo, eu já decidi. Eu vou. — Bato no ombro dele; incomodado,


Alexandros empurra minha mão sem perder a expressão de desgosto. —
Avisarei a polícia quando estiver próximo ao local, eu prometo. Só preciso
ter uns minutos a sós com ele.

— Irei com você, foda-se.

— Não. Você é a minha certeza de que nada acontecerá com Isadora,


caso algo me aconteça. Você fica.

— Então leve os seus homens com você. Anda por aí parecendo um


Corleone, cercado de seguranças, e não vai usar quando mais precisa?

Esse é um conselho que eu acato. Ele tem toda razão. E preciso planejar
toda a viagem o mais rápido possível. Ligo para o chefe da minha segurança
pessoal, atendendo-me bem rápido. Em trinta minutos, ele e mais dois
homens chegam à casa de Alexandros se reunindo comigo no escritório.

Eu mal começo a explicar a situação a eles, quando batidas tímidas na


porta nos interrompe. É Isadora.

— Posso falar com você? — Olha desconfiada para cada um dos


presentes no cômodo. Peço um minuto para os caras e vou até ela.

— O que está acontecendo? — De braços cruzados, inquieta, ela crava


seus olhos desconfiados nos meus. Ela nem consegue esconder a
preocupação que sente por algo que ainda desconhece.

— Nada que você precise saber, Isadora. — Ergo os ombros fazendo


pouco caso. Quero que ela fique o mais distante possível dessa confusão.

— Como assim...? Que postura é essa?

— Você precisa saber apenas que está segura aqui. Não tenho que te dar
satisfação.

— Vai atrás dele, não é? Do Mauro.

Me calo, recostado na parede do corredor, olhando para ela sem revelar


muito; ser indiferente e gelado fez parte de minha vida, sei como usar isso ao
meu favor sempre que quero.
— Não precisa fazer isso.

Não rebato, mesmo que o semblante dela comece a suavizar.

— Diga alguma coisa...

Mantenho a postura apática, mirando-a sem dar um pingo de minhas


emoções.

— Diga alguma coisa, porra! — Eleva o tom de voz, e acabo cedendo,


porque no fundo, detesto vê-la assim.

— Não teremos paz, Isadora, se eu não colocar um ponto final. Você


não precisa se preocupar, tudo já está encaminhado. O DNA sai daqui uns
dias e tem um advogado responsável por te guiar nesse processo para
reconhecer a maternidade. Alexandros vai te auxiliar no que precisar...

— O que é isso...? A porra de uma despedida?

— Se chama prevenção. Você ficará bem independente do que aconteça


comigo.

— Você é um grande idiota. — Brava, dá um empurrão no meu peito e


vira-se para sair, mas volta ainda mais furiosa: — E um egoísta. É isso que
você é. Não se importa com os sentimentos das pessoas, só quer saber de
saciar os seus anseios egoístas. Na verdade, eu acho que você não tem nada
de nobre para oferecer a ninguém.

— Pare de me falar umas merdas dessas.

— Então me diga, por quê? Por que quer tanto ir atrás desse cara...? Por
que não deixa isso para lá?

— Porque ninguém vai entrar na porra da minha casa, tentar matar a


mulher que eu amo e sair impune.

Ela fica completamente em choque com o que sai da minha boca sem
filtro. Eu poderia negar e dizer que falei besteira, sem querer. Mas não faço
pois é a verdade e já venho me acostumando com isso. É, acho que amo uma
mulher e incrivelmente não serei correspondido já que pisei na bola com ela.
Sopro profundamente e passo algum tempo calado de frente para a pálida
Isadora, ainda em choque.

— É, tem razão, não tenho muito a te oferecer Isadora. Se eu sou feito


de maldade, então é maldade que aquele miserável vai ter de mim.

∞∞∞

Após o planejamento com os homens, saio do escritório de Alexandro


acompanhado dele, que assim como Isadora, não está feliz com minha
decisão. O bebê está na sala com Isadora e Salete. Aproximo do menino e
faço um cafuné em seus cabelos.

— Até qualquer hora, meu garoto.

Aceno para Isadora, que não retribui e saio rápido sem chance de
prolongar a despedida. Entramos na caminhonete e partimos.

Eu espero que seja uma informação verdadeira, se for uma emboscada,


talvez termine aqui o meu legado. E seria bom mesmo acabar de vez com o
rastro dos Barone. Nenhum de nós prestou, de verdade.

∞∞∞

Conseguimos detectar antes, pelo GPS, que o local em que o rato está
escondido é cercado por uma área vegetal quase como uma floresta. Depois
de uma hora de viagem, nos aproximamos e decidimos deixar o carro em um
local para terminar o percurso a pé, apenas para não sermos detectados antes
da hora. Precisamos pegá-lo desprevenido. E para maior segurança, ligo para
o delegado, que está no comando do caso, contando onde estou e o que
descobri, ele diz para eu não avançar, mas claro, não o escuto.

Dois homens vão a frente com armas em punho. Eu no meio, sem um


pingo de medo, e por último, o terceiro homem na retaguarda.
Adamos mais ou menos um quilometro sem qualquer contratempo até
avistar a propriedade. Tudo pode acontecer, como por exemplo, ser uma
armadilha elaborada por Mauro, como uma precaução caso os homens
fossem pegos; como de fato foram.

Até minha respiração é cautelosa, assim como os passos conforme nos


aproximamos. Um dos homens faz sinal para o outro avançar enquanto ele
dá cobertura. Eu me escondo atrás de uma árvore observando a ação
silenciosa deles, que são profissionais treinados. Agora meu coração bate
alvoroçado diferente de minutos atrás. Penso em tudo que deixei para trás
para vir em busca de vingança e respostas, tudo que posso perder e que
verdadeiramente vale a pena.

Não é mais uma vida vazia de riquezas materiais e sem um pingo de


calor humano. Em meio a minha hipocrisia e maldade encontrei alguém para
amar. Sorrio quase emocionado em meio a estressante invasão: não uma
pessoa, foram duas. Isadora e o Lohan. Talvez eu não precise viver sozinho
até me afundar.

Do nada ouço barulho de tiros, espio a tempo de ver Mauro atirar contra
os homens e correr em direção a um Troller T4 que é um carro apropriado
para trilha.

— Não o deixe escapar. — Eu grito, e movido pela raiva e pelo medo


de que ele escape, avanço correndo mandando tudo se foder.

— Seu Zion, espera! — Um dos homens grita inutilmente, pois não


paro de correr para não permitir que o filho da puta fuja. Mauro está movido
pelo desespero, ele é só um advogado sem preparo para confrontos, que
enveredou pelo caminho do mal.

O maldito consegue entrar no carro, mantendo os tiros como uma forma


de cobertura para ele mesmo. Ele acelera, o carro canta pneu, mas não vai
muito longe. Um dos homens que me acompanha acerta o pneu com um tiro,
fazendo-o perder o controle e bater numa cerca.

Mauro sai meio tonto de dentro do carro, com a arma em punho e


começa a atirar sem direção. Consigo abrigo atrás de uma árvore, mas não a
tempo de sentir o ardor de um tiro que passar de raspão em minha orelha.
Coloco a mão e ao tirá-la, está molhada de sangue; além do zumbido que me
deixa tonto.

— Apareça, Zion seu bosta. Não é o bonzão? Me enfrenta agora para


ganhar chumbo.

— Só quero conversar, Mauro. — Pura mentira.

— Conversar uma porra. Como me achou aqui? — Ele troca o cartucho


da arma e volta a mirar.

— Não soube que seu plano, nessa madrugada, deu errado? Seus
comparsas estão presos. Acabou o jogo, Mauro. — Continuo pressionando a
orelha que dói pra cacete.

Espio para ver onde ele está, Mauro me encontra e atira sem parar na
árvore que me protege e como está distraído, é pego por trás, por um dos
homens que foi bem mais esperto.

Mauro está caído no chão, tonto e desarmado. Eu aproximo, enfio


minha arma no coldre na cintura e sem pestanejar acerto um chute no rosto
dele, que rola para o lado, tenta se levantar engatinhando, o que é inútil.
Movido apenas pela raiva, pensando em tudo que ele e Roberto fizeram com
Isadora e de como ele quase conseguiu matá-la essa noite, acerto outro chute
no seu abdômen, seguro sua camisa e levantando o rosto dele, obrigando a
me olhar. E então desfiro uma sucessão de socos, um atrás do outro.
apanhando feito o homem covarde que ele é.

— Ia matar um bebê, seu filho da puta?

— Me dá um tiro logo. — Ele ofega, mole feito um trapo, e cospe


sangue no chão.

— Não. É pouco demais para você.

Quero bater nele até matar, essa é a minha vontade, mas um barulho
vindo de dentro da casa me chama atenção.
— Quem está aí com você?

— Você se acha o máximo, Zion... mas foi feito de trouxa... sempre foi.
— Mauro ri debochado, em meio as dores da surra.

— Amarra ele. — ordeno para um dos homens e sigo com outros dois
para dentro da casa.

A sala parece algo comum, com televisão e sofá confortável, tapete e


até uma lareira pois deve ser frio durante a noite no meio da vegetação.
Porém há algo bem estranho ali. É uma poltrona reclinável forrada com
lençol branco ao lado de uma aparelhagem estranha, como um monitor
cardíaco de hospital e um suporte para soro.

O barulho vem de um dos cômodos a direita da sala. Um dos


seguranças que está comigo faz sinal para eu esperar e, com a arma, empurra
a porta.

— Para fora. — Ao som da ordem dele, sai um rapaz de dentro do


quarto. Ele veste branco, está amedrontado, com as mãos para cima.

— Eu sou apenas enfermeiro. Estou aqui a trabalho.

— De joelhos, agora. — O segurança ordena, e sem pestanejar, o rapaz


se ajoelha, tremendo de medo. O outro segurança entra rápido no quarto e
sai logo, assustado.

— Porra. — Ele sussurra, fazendo sinal para eu me aproximar. É quase


um quarto de hospital, até o cheiro se parece. Um gemido no canto do quarto
me chama atenção, aproximo devagar, vejo uma cadeira de rodas virada e
um par de pernas atrás do armário. Quase caio para trás em um desmaio de
susto ao me deparar com Roberto no chão, me olhando enraivecido.

Eu fiquei fora de mim, e precisou de dois homens para me tirar de cima


de Roberto que quase não conseguia se mover, provavelmente ainda em
recuperação pelo acidente que quase o matou.
— Seu filho da puta! — eu gritava em cima dele socando seu rosto com
toda a fúria que as lembranças me causaram. Os homens me arrastaram para
longe dele e precisou me algemar na grade da cama. Eu chorava de raiva
emitindo gruídos grotescos, estava cego pela ira.
Trinta e sete

ISADORA

Cansei de andar de um lado para outro sentindo-me impotente diante


dessa situação. Não sei o que pode acontecer com Zion, e até recuso a
formular hipóteses.

Saio do quarto designado para mim e o bebê, e sigo em direção ao


escritório de Alexandros. Bato na porta, nem espero a voz dele liberando a
entrada, empurro e entro.

— Vou atrás dele. — Já vou falando como se tivesse intimidade com o


cara.

— Um cacete que vai. — O grego me responde em um sotaque bem


carregado, como se tivéssemos mesmo intimidade.

— Então faça alguma coisa. Como pode ter deixado esse homem ir para
o meio do nada em busca de algo que ele nem sabe se é real?

— Eu não sou um... babá dele.

— Mas pelo visto é minha babá, afinal, não quer deixar eu sair.

Ele recosta na cadeira e me fita carregado de cinismo.

— Perdão pelas palavras, senhorita Isadora, mas você não está bem de
saúde, não tem um pouco de treinamento, nem sabe se defender. Só iria dar
mais trabalho a ele.

— Alexandros, você e eu podemos impedir aquele filho da puta de


acabar com a própria vida. Imagina se ele encontra o Mauro e bate nele até
matar? Podemos impedir, pelo bem dele.
— Zion não fará isso.

— Assim como ele não tentaria acabar com uma viúva sem verificar a
veracidade das informações? Pois ele fez, movido pela raiva e pela
impulsividade. Por favor, me leva até ele.

Alexandros não parece ser o tirano como Zion afirmou certa vez. Ou
talvez tenha decidido não ser cruel comigo. Ele atendeu meu pedido. E
porque acho que no fundo, ele também quer impedir que Zion faça uma
loucura.

Sei que Lohan está seguro na casa de Alexandros, e será bem cuidado
por Eloisa e Salete. Eu não posso ficar de braços cruzados esperando Zion se
matar depois de ter jogado aquilo na minha cara.

Me ama o caramba! Como diz que ama e some no mundo depois de


uma despedida tosca?

— Vai perdoar ele? — Alexandros me pergunta, durante a viagem.

Vou.

— Não sei.

— O cara sempre foi um demônio ruim, então, tente relevar algumas


coisas. Ele não era acostumado ao lado gentil das relações, tá aprendendo
agora e de verdade, sente algo por você.

Não respondo, pois, toda minha atenção está nas preces internas que
faço sem parar.

Chegamos ao local indicado no GPS depois de mais ou menos uma


hora de viagem. Nos deparamos com a caminhonete parada em um local
ermo, sem ninguém por perto.

Alexandros pragueja em grego e entra por um caminho em meio as


árvores, e ao longe podemos ver várias viaturas de polícia. O carro quase
nem para praticamente quando salto para fora. A cena é caótica, tem
policiais para todo lado e Mauro está ensanguentado algemado próximo a
uma das viaturas.

— Onde Zion está? O que aconteceu? — Pergunto a um dos homens


que trabalha para Zion.

— É melhor ficar aqui fora, dona Isadora...

— Ah, merda. — Desvencilho das mãos dele que tentam me segurar e


corro para o interior da casa. Ouço um policial falando que eu não posso
entrar, outro tenta me agarrar, mas ainda assim consigo passar pela porta.
Olho em volta na sala, corro de um lado para o outro, sem rumo, chamando
pelo maldito.

— Zion!

— Senhora, tem que esperar lá fora. — Um policial grita e vem na


minha direção. Noto que há uma movimentação em uma porta de um
cômodo e corro para lá.

— Zion!

— Dona, pelo amor de Deus! — O policial me segura.

— Eu só quero ver. O que houve? Ele está bem? O que aconteceu com
ele?

— Estou bem, Isadora, não venha aqui. — É a voz de Zion. Apesar de


acalmar meu desespero, só atiça ainda mais a minha curiosidade. Me debato
nas mãos do policial até que o delegado faz sinal para ele soltar. Corro para o
quarto me deparando com Zion sentado em uma cama, algemado e ferido.
Um lado do seu rosto está lavado de sangue.

O que esse idiota fez?

— Zion... o que houve? — Aproximo cautelosamente da cama. Tem um


curativo malfeito na orelha dele, não parece grave. — O que você fez? Por
que está preso?
Ele me olha com tristeza e então vira o seu rosto para o outro lado do
quarto e eu acompanho seu movimento olhando também. A primeira coisa
que sinto é susto coberto de horror e isso fica impresso no grito que dou,
afastando para trás e batendo as costas na parede. Não consigo processar a
imagem que vejo bem ali na minha frente.

Roberto. Sentado em uma cadeira de rodas, vigiado por um policial


plantado ao seu lado. Há muito sangue em seu rosto ao ponto de escorrer
pelo pescoço.

— Saia do quarto, Isadora. — Zion comanda. — Ignore ele.

— Como é possível? — Sussurro, aterrorizada sem conseguir desviar a


atenção do rosto de Roberto. Ele parece tranquilo até esbanja um sorriso
debochado.

— Isadora! — Zion grita forçando o braço algemado na grade da cama


— Não fale com ele.

Parece que só existe Roberto em minha frente, ignoro todo o resto.

— Eu te vi... no hospital. Na UTI. Você morreu, eu vi o seu corpo.

— Viu mesmo, querida? Você viu um corpo qualquer, deformado, no


necrotério. E estava feio demais para ter um velório de caixão aberto,
lembra? É, eu tive que pensar em tudo, em pouco tempo.

— Isadora, venha comigo. — Alexandros aparece atrás de mim, segura


gentilmente meu ombro para tentar me tirar dali. Eu até dou alguns passos
com ele em direção a porta, mas dou meia volta. Não posso simplesmente deixar pra
lá.

Eu preciso me apoiar em um móvel por causa do súbito mal estar. Acho


que a pressão caiu e ainda estou me recuperando de uma crise. É
inacreditável, eu simplesmente não consigo me acostumar com essa
informação. Ele está vivo...? Vivo...!

Por isso Zion está preso a cama, pois certamente teria matado Roberto.
— Por quê? — Sussurro para meu marido. — Por que fez tudo aquilo
comigo? Como pode...?

— Ah, você não deixou de ser essa lesma sonsa? Está olhando para o
cara que te fodeu sem piedade e vem com esse papinho de “porque?”.
Porque era um plano, escolhas, você estava no caminho e vida que segue,
não tem explicação profunda, vai ter que lidar com isso.

— Como espera que eu reaja depois de tanta merda? Você sequestrou o


meu filho...

— O meu filho. — Roberto me atropela petulante.

— Que tipo de monstro tira o bebê de uma mãe, vê ela desesperada


afundada em tristeza e não faz nada? Você tem razão, não tenho que
perguntar o porquê disso tudo. Eu já sei a resposta. Esse lamaçal de
escrotidão é seu, não tem por que eu tentar entender.

— Sabe, querida, eu não te odiava. Quem disse que eu te odiava?


Afinal fiquei longos dez anos com você, porque apesar de ser trouxa, não era
uma esposa ruim. Era submissa, era nova e muito bonita. — Ele para de falar
comigo e olha para Zion que está bufando de ódio. — Meu amigo, Zion,
todos invejavam minha esposa, inclusive você, seu safado. — Roberto usa
um olhar cínico para me fitar novamente.
— E você, sua hipócrita, vem me atacar quando não esperou um mês da
minha morte para trepar com um dos meus amigos? Você é bem vadiazinha,
Isadora.
— Eu não vou ficar aqui escutando suas baixarias. Já me sinto vingada
em te ver assim, preso, acabado, sem conseguir desfrutar de nada do que
roubou. — Antes de sair, ouço Roberto dizer a Zion, que sacode o braço
tentando quebrar a grade da cama.
— É, Zion, você a experimentou e sabe como ela pode ser boa. Mas
descobri que Isadora é uma mulher com data de validade. Eu sou um homem
viril, respeitado, precisava de alguém forte e saudável ao meu lado. Eu não
tinha tempo para ser enfermeiro de mulher. — Ele ri para mim quando sabe
que tocou em minha ferida. E continua falando com Zion, mas olhando para
mim — Você não pesquisou um pouquinho sobre a doença dela, Zion? O
lúpus é crônico e mesmo com todos os tratamentos, chegará um momento
que ela sucumbirá. Vai inchar e ficar feia, vai perder os rins, vai precisar de
hemodiálise até conseguir um doador, e pode até morrer na lista de espera.
Quem ia cuidar do meu filho? Quem ia estar ao meu lado?
— Cala a boca, seu filho da puta. — Zion berra sacudindo sem parar o
braço algemado. — Eu vou te matar. Eu vou te matar.
Aperto os dentes na mesma intensidade que aperto os punhos deixando
a raiva me consumir. Um dos homens de Zion aproxima e toca em meu
ombro.
— Vamos para fora, dona Isadora, por favor.
— Leve ela daqui, agora! — Zion ordena furioso, e Roberto, parece
adorar o poder que tem em deixar ele bravo.
— Claro que meus planos não foram motivados pela doença dela. Uma
coisa levou a outra, eu precisava do dinheiro, pois, me meti com gente da
pesada. Sua irmã, Zion, era gostosa e mais safada que Isadora, além de falar
a minha língua. E poderia ser boa mãe para Lohan, apesar que ela não
gostava do moleque. Quem iria sentir falta de Isadora? Ninguém. Ela sempre
foi meio invisível.
Olho em volta, o cenário é estressante, é apavorante na verdade. Limpo
minhas lágrimas enquanto observo Zion falar algo comigo. A voz dele
parece distante, igual um eco. Sua boca se mexe, mas o som não parece fazer
sentido. Roberto gargalha, e a dor em meu peito só aumenta.
Ouço o delegado dizendo para todos saírem do quarto, e o segurança de
Zion ao meu lado insiste para que eu o acompanhe. Ouço a voz dele bem
distante, porque tudo que tem dentro de mim é ódio e esse sentimento é tão
forte que impede até mesmo de escutar.
Olho para a cintura do homem, deparando-me com uma arma. Nem
penso muito, puxo a arma, ele avança no impulso para me impedir, mas eu
desvencilho bravamente e salto para a frente tropeçando até parar frente a
frente com Roberto; a arma apontada para a cabeça dele.
Ninguém faz movimentos bruscos, o policial ao lado de Roberto tirou
sua arma e aponta para mim. E o que me tira do transe são as batidas ferozes
da grade da cama de onde Zion tenta se libertar.
A voz dele enfim faz sentido e me traz algo bom, aquece minha alma e
eu percebo ali que não preciso ter medo de me relacionar. Nenhum outro
será a nível da maldade gratuita de Roberto. Ele não tem uma doença
psicologica, não tem um transtorno, não tem uma explicação, só quis fazer
maldade mesmo.
— Atira, putinha. — Roberto grita na minha frente. — Atira, coloque
sua raiva para fora, seja autêntica uma vez na vida.
— Abaixe a arma, senhora Isadora. — Ouço a voz do delegado atrás de
mim.
— Isadora, olhe para mim. Você não tem que fazer isso, você luta de
outra forma. — Zion implora.
— Pense que eu sequestrei o nosso filho — Roberto propaga acima das
outras vozes no quarto — eu vi você desesperada e não me importei. Pense
que eu te traí, assassinei sua reputação e iria te assassinar. Pense Isadora, seja
inteligente, faça o que seu coração manda.
— Ele vai tirar o seu bebê uma segunda vez, querida. — Zion diz em
um tom mais brando. — Isso seria dar a vitória a ele. Você estará presa longe
do seu filho. Longe de mim.
— Atira! — Roberto berra chegando a babar.
Tremendo e chorando, engulo toda a combustão de raiva e abaixo a
arma abaixo a arma após um grito. O delegado me agarra por trás e tira a
pistola da minha mão.
— Patética. Nem para se vingar presta. — Roberto ri debochando.
Esgotada emocionalmente, sou amparada por Alexandros e saio do
quarto.

∞∞∞

Uma ambulância veio buscar Roberto. Ele precisa de cuidados médicos


por causa das consequências do acidente.

Quando eu o acompanhei no hospital, e fiquei torcendo por sua


melhora, o médico veio falar comigo, e abriu o jogo em relação as fraturas
de Roberto. A mais grave foi na bacia, o que causou hemorragia e lesões na
uretra e bexiga. A perna também quebrou e precisou de placa e parafusos
para fixação do osso. Por isso não conseguiu correr e fugir quando Zion
chegou. E tenho quase certeza que é pelo mesmo motivo que ele ainda
estava tão perto da cidade. Roberto precisava de tratamento médico e devia
estar esperando melhorar para fugir de estado ou país.
Em passos trôpegos me afasto da propriedade, para longe do alvoroço
quando tiram Roberto de dentro da casa e Zion também. Caminho e ainda
posso ouvir os gritos de Zion.
“Me larga. Me solta. Eu vou colocar minhas mãos em você, seu
cuzão.”
Ele já tinha batido em Roberto e queria saciar a raiva batendo mais.
Quando me tiraram do quarto, me sentei na sala e pude ouvir Roberto
confidenciar a Zion que ele usou Lisette e que depois a descartaria também,
mas que por sorte, ela morreu no acidente.
Estou ferida demais e acho que por hoje chega de todas essas emoções
incomodas e traumas cruéis que não esquecerei tão cedo.
Me sento em uma pedra, olhando à minha frente o paraíso verde. As
montanhas, árvores e pássaros voando pelo céu azul.
Fecho os olhos e me escondo em um local só meu. Respiro
profundamente acessando na lembrança algo bom que eu possa me agarrar
em meio a tanta raiva.
Me vejo adolescente observando a praia a noite. De manhã tomando
café sentada no fogão de lenha enquanto minha mãe assava bolinhos.
Me vejo grávida, deitada na varanda conversando com meu bebê.
Enfim eu teria uma companhia em minha vida. Seria ele e eu, sem me
importar com o resto.
Vejo Zion em minha mente e sorrio abanando a cabeça; ele me pegou
mesmo. Falei que queria ter um tempo sozinha, que não confiava mais em
relacionamentos, e que queria me conhecer. No entanto, meu coração, corpo
e mente dizem outra coisa. Zion salvou a minha vida e me devolveu a
vontade de sorrir novamente.E então ouço sua voz. Abro os olhos e ele está
ao meu lado.
— Oi. Mais calmo?
— Não, até eu matá-lo. — Olha fixamente para frente. Inclino minha
cabeça para o lado e deito no ombro dele. Zion reage imediatamente
abraçando meu ombro.
— Quero sair desse lugar., dessa cidade. Vou sumir por uns tempos... e
vou levar meu filho. — Não é um pedido, é um comunicado.
— Eu vou preparar tudo, para que você possa ir aonde quiser, e será
feliz do jeito que escolher, eu te prometo. Porém, infelizmente, eu irei
também, você querendo, ou não.
Rio, aninhada ao corpo dele.
— Ainda estou presa?
— Está. Não vou te deixar nunca mais. Serei o pai de Lohan e faremos
dele um bom homem, mas que nunca será trouxa. Você vai ser a porra da
mulher mais feliz, porém estará comigo e então eu serei a porra do homem
mais feliz. E quando nos lembrarmos dessas merdas, não fará mais sentido,
porque não vai ter poder de perturbar nossa bolha.
Emocionada com suas palavras, fito os olhos azuis dele.
— Ainda vai me querer? Lembre-se o que ele disse... eu tenho uma
doença crônica...
— Xiu! — Rapidamente Zion coloca a mão na minha boca. — Você
está proibida de colocar aquelas merdas na cabeça, está ouvindo? Eu vim ao
mundo com dois rins com uma finalidade, pois se você precisar de um, eu
posso te dar um dos meus.
Rio de sua fala, abraçando-o ainda mais apertado.
— Todo mundo tem dois rins. — digo.
— Bom, então só aumenta suas chances. E então? Vai me aceitar em
sua vida ou vai lutar contra e terminar tendo que aceitar do mesmo jeito?
— Eu aceito. — Digo e beijo os lábios dele. — Merda, você perdeu um
pedaço da orelha. — Imediatamente, Zion toca no local ferido fazendo
careta por causa da dor.
— Tem algum problema com isso? — pergunta-me.
— As outras partes que importam estão intactas.
— Ou seja, meus rins. — Ele debocha, me agarra enquanto rimos e
caímos para trás em meio as folhas secas no chão.
Epílogo

ISADORA

Roberto ficou o tempo todo em silêncio durante o depoimento; me


falou tanta coisa, mas diante da polícia ficou pianinho. Mas, para o azar dele,
Mauro deu com a língua nos dentes em busca de um acordo e contou tudo.

Inicialmente o problema era apenas de Roberto e mais tarde, ele puxou


Mauro para o bolo. Roberto estava falido e devendo muito dinheiro a gente
da pesada, por causa de uma sociedade em uma rede de boates que ele
entrou. O plano dele consistia em pegar uma grande quantidade de dinheiro
da empresa de Zion para pagar essas pessoas. E, segundo Mauro, a irmã de
Zion elaborou com ele o plano.
Acho que esse foi um dos abalos mais pesados para Zion, quando soube
que a própria irmã ajudou a elaborar o golpe contra ele. Mauro afirma que
ela estava sendo enganada por Roberto, e é nisso que Zion tenta se agarrar
para não sofrer tanto.

Em seguida, Roberto me fez de laranja para suas sujeiras. Assinei


várias coisas sem saber o que eram, dando direito a ele de hipotecar e vender
nossos bens, como de fato ele fez para enganar Zion, fingindo que ele estava
pagando as dívidas.

O próximo passo foi começar a queimar o meu nome, assassinando


minha reputação, me colocando como uma golpista. Principalmente para
Zion. A grande sacada era fazer Zion acreditar neles, porque como ele é uma
voz confiável, todo mundo acreditaria (da boca de Zion) que eu não passava
mesmo de uma golpista.

Roberto queria fazer parecer que eu roubei todo o dinheiro que ele
pegou emprestado dos caixas da empresa. Então uma parte pagou suas
dívidas, e a outra parte estava no banco em joias.

E então viria a próxima etapa do plano: Fazer com que todo mundo
soubesse que eles iam viajar. Enquanto estavam viajando, eu seria
assassinada, e assim ele voltasse diria que eu fugi levando as joias que
estavam no banco e todo o restante do dinheiro.

Por fim, Roberto e a irmã de Zion seriam as vítimas que foram


roubadas pela esposa golpista, e como eu estaria morta, ninguém jamais
descobriria. Além de tudo, Zion perdoaria a dívida gigantesca, com pena do
seu amigo e da sua irmã que haviam sofrido um golpe.

O lado bom é que Roberto está sendo acusado de vários crimes, entre
eles o sequestro do bebê, falsidade ideológica, formação de quadrilha, entre
outros. E isso me deixa um pouco aliviada, ele vai passar um bom tempo
atrás das grades. Além de que, com ajuda das informações de Mauro,
conseguiram rastrear as contas dele e enfim encontraram as joias roubadas.

Passamos mais alguns dias na casa de Alexandros, até pudermos nos


mudar para a cobertura de Zion, enfim pronta após uma repaginação
relâmpago.

Mal saí de uma relação de dez anos e ia me meter em outra, mas não
havia dúvidas. O que adiantava estar sozinha quando todo meu coração
estava preso ao dele?

Não era um contidiano trivial. Parecia um sonho tirado de uma


realidade paralela. Eu tinha meu filho de volta, morando em uma casa linda
de frente para o mar e com o homem que estava me fazendo feliz de todas as
formas possiveis que ele conseguia. Não foi essa sensação que tive quando
me casei com Roberto, quando o medo e a insegurança faziam parte de
minha nova rotina.

No primeiro dia na cobertura, acordei sentindo os braços de Zion me


enlaçando. Sorri sozinha por causa da sensação indescritivelmente boa que
estava sentindo. É incrível como tudo muda quando se ama. O toque, o
beijo, o sexo, a companhia, as palavras, tudo sobre a outra pessoa é melhor.
A maneira como ele sempre quer ser o dominante em qualquer situação,
um grande puro-sangue feroz e indestrutível, mas acaba sendo um pônei
safado que adora receber carinhos.

Acariciei o braço dele curtindo mais um pouco do aconchego da cama e


do aconchego de seu corpo, no entanto, foi por pouco tempo. Quase não
acreditei ao ouvir o choro de Lohan ecoando na babá eletrônica.

Eu tenho um filho. Caramba, o meu bebê está vivo e de volta para mim.
Pulei da cama em dois segundos assustando Zion que se sentou assustado,
olhando-me intrigado.

— O que houve?

— Lohan acordou. — Vesti o robe e calcei as pantufas.

— O que tem de errado? — Me olhava com os olhos apertados.

— Nada, vou cuidar dele.

— Está sorrindo porque vai cuidar do bebê?

— Sim. — E saí correndo morrendo de felicidade. Dona Salete


escolheu voltar para São Paulo, a cidade natal dela. Depois do que
aconteceu, disse que não dava mais para ela, está traumatizada. Eu a entendi,
mas não procurei ninguém para substitui-la desde então. Queria ter meu
tempo com meu filho.

— Oi, meu bem. — O tirei do berço, dando vários beijinhos em sua


bochecha. Tirei a fralda que ele só usa para dormir, e o levei para a cozinha,
para fazer a mamadeira dele. Os primeiros dias convivendo com a novidade,
foram perfeitamente satisfatórios. Não porque sou obcecada em ser mãe,
mas porque eu achava que ele estava morto, e o ganhei de volta em meus
braços.

Era só felicidade de mãe.

E por falar em mãe, fui atrás da minha mãe. Zion me levou. E cortou o
coração saber que ela estava à míngua sendo cuidada por vizinhos. A
pobreza da casa era tão extrema que foi impossível segurar as lágrimas. Ela
estava em um colchão velho no chão. Ao lado, uma cadeira de rodas
quebrada. Minha mãe teve trombose, perdeu uma perna e não podia mais
trabalhar.

Por mais que ela parecia não querer me ver, eu a abracei e me sentei ali,
diante dela, contando tudo que aconteceu comigo. No fim, ela ainda estava
calada, mas havia lágrimas em seus olhos.

Eu a levei comigo e a colocamos em um bom abrigo para idosos, já que


ela se recusava a morar comigo vivendo de favor de dinheiro dos outros.

— Toda semana vou vir visitar a senhora, e vou trazer seu netinho para
te conhecer.

— Isadora. — Ela me chamou quando eu estava de saída. — Eu nunca


quis o casamento seu, porque eu vi a malicia nos olhos daquele homem. Eu
desejo que ele morra, pelo que fez com você.

Eu assenti, feliz em ouvir tão confissão, e fui embora deixando-a bem


cuidada.

∞∞∞

O meu divórcio com Roberto enfim aconteceu. E aguarda de Lohan


ficou inteira para mim, até porque, ele está preso. E no dia em que alcancei
essa vitória, cheguei em casa exausta mas feliz. A noite, depois que Lohan
dormiu, tive um jantar especial com Zion. Ele armou tudo, me deu um
vestido para usar naquela ocasião e se arrumou também. Era a comemoração
que mereciamos.

Foi um jantar comum, delicioso, com uma companhia que tem sido
uma das melhores partes desse novo mundo que estou vivendo.

O melhor, no entanto, veio depois. Ele guardou o melhor para o final e


não precisamos de roupas bonitas e caras para aproveitar a melhor parte.
Zion, como sempre faz, bruto e gostoso, me fez gemer loucamente na sala,
bombando gostosamente dentro de mim, agarrando com força minha cintura,
dando o melhor de si sem trégua, enquanto eu me segurava de costas para
ele ajoelhada no sofá.

Ele faz tudo de maneira apaixonada, mostrando o que de verdade sente


por mim. Seus olhos me veneram e suas mãos fazem de mim uma arte
valiosa.

Sentir o seu pau abrindo-me e chegando até o fundo em estocadas


gostosas, enquanto ele mordia a curva do meu ombro, foi o ápice do prazer e
eu cheguei ao orgasmo no momento em que sua mão rodeou minha cintura,
descendo pelo meu ventre e chegando até o meu clitóris. Foi o céu, puro e
perfeito.

Continuamos no tapete caro da sala, e ele mostrou que podia fazer um


papai e mamãe formidável. Zion estava sobre mim, estocando forte, quando
suas mãos se juntaram em meu pescoço e começou a apertar em uma pressão
leve. Ele sorria para mim, apertando meu pescoço e estocando rápido. Fui
novamente ao céu do êxtase quando beijou minha boca e se enrijeceu
gozando dentro de mim.

Ainda deitados, nus, no tapete, ele puxa a calça jogada no chão, tira
algo do bolso e sem dizer nada, abre a caixinha diante de meus olhos. É um
anel.

— O que é isso...?

— Você vai ser a primeira e única senhora Barone depois da minha


falecida mãe. Vamos nos casar e brigar, transar, xingar, sentir falta, apoiar,
amar acima de tudo, para sempre.

— Isso não foi um pedido. — Rio, com lágrimas nos olhos fixos no
anel.

— Sim ou não, minha gata? A escolha é toda sua.

— Se eu disser não?
— Vai continuar comigo, porém sem casar.

— Droga, eu aceito. Que merda.

— Boa escolha. — Ele tira o anel da caixinha, segura meu dedo e


empurra o anel. Em seguida, sem nem deixar eu admirar a joia, Zion rola
para cima de mim encaixando-se de maneira confortável.

— Eu te amo, Isadora. — Sussurra pertinho dos meus lábios. — Que


bom que vim para essa cidade atrás de você.

Mais uma lágrima para a coleção. Acho que já chorei uns cinco litros
nos dois últimos meses.

— Eu também... te amo... Fernando, digo, Zion.

— Porra. — Zion se endurece por inteiro arregalando os olhos.

— Mentira. — Eu rio e agarro-o para impedi-lo de se levantar. — Eu


estava brincando. — Mesmo assim ele se senta e alcança a cueca para se
vestir.

— Num momento desse? Eu te odeio, porra. Essa é a verdade.

Agarro-o pelas costas e beijo sua orelha ainda se curando do ferimento.

— Eu te amo, Zion. Eu te amo pelos seus defeitos, mas sempre guarda


as suas qualidades para mim. Eu te amo porque você me completa, você
salvou a minha vida e porque é o homem mais gostoso que já vi.

— Eu vou caçar todos os Fernandos do mundo. Para com essa besteira,


pelo bem deles. — Enfim ele sorri de lado, me puxa para o colo dele e
suspira aliviado quando me beija.

∞∞∞
Nessa mesma noite, algo estranho aconteceu. Já era tarde e estávamos
dormindo quando ouvi meu celular apitar. Estendi a mão e o peguei. Uma
mensagem de Eloisa.

Ela pedia a minha ajuda, o que era bem estranho. E perguntou se podia
ligar para explicar melhor. Corri para o banheiro e a atendi.

— Desculpe incomodar, dona Isadora. Só conheço você aqui...

— O que houve, Eloisa?

— Eu fiz uma grande cagada. Eu... acabei metendo os pés pelas mãos
aqui na casa do senhor Alexandros, e ele ia chamar a polícia para mim...

— O que você fez, mulher? — Com a mão no peito, olho meu reflexo
em choque pelo espelho.

— Eu mexi em coisas de valor dele...bom... é demais para explicar.


Eram documentos muito importantes. Eu preciso fugir da cidade. Me ajude,
dona Isadora.

— Onde você está?

— Eu consegui fugir da casa dele. E está me procurando. Estou na rua.


Estou sem dinheiro.

— Certo. Você vai pegar um Uber, e pedi-lo para trazer você aqui no
meu endereço. Vou pensar em algo.

Eu não tenho dinheiro para dar a Eloisa e ajudá-la. Não sei o que ela
fez, mas minha consciência diz que não devo virar as costas para quem
sempre me ajudou. Olho para minha mão. O anel que Zion me deu deve
valer uma fortuna, é a única coisa de valor que tenho...

Ou melhor...

Pego minha bolsa no quarto, e antes de sair espio o celular de Zion do


lado dele. É perigoso Alexandros ligar agora para ele, então coloco-o no
silencioso. Desço para a sala e espero uns quinze minutos, até o porteiro
avisar sobre a chegada de Eloisa e eu libero a entrada dela.

A mulher está pálida e tremendo muito quando entra pelo hall da


cobertura. Os olhos vermelhos de choro.

Rapidamente me conta o que houve. E posso garantir que ela está


mesmo ferrada. Até Zion, certamente, ficará contra ela.

— Eu os vi falando por alto desse projeto milionário, por que fez isso,
Eloisa?

— Desculpe... eu tentei argumentar, mas ele me segurou com força, me


jogou em um quarto e me trancou. Sorte que eu tinha a chave mestra das
portas e fugi.

Abro a bolsa, pego o anel de noivado que Roberto me deu e entrego ela.

— Deve valer um bom dinheiro. E aqui para você gastar enquanto não
consegue vendê-lo. Dou a ela apenas trezentos reais que eu tinha na bolsa
desde o dia do velório de Roberto.

— Obrigada, dona Isadora. Eu nunca vou te esquecer.

— Vamos nos ver novamente, eu sei disso. Agora vá, seja esperta.

∞∞∞

Depois de um mês, quando tudo estava enfim entrando nos eixos, Zion,
eu e Lohan viajamos para a Grécia com Alexandros.

E mesmo depois de um mês, ele ainda guardava fúria de Eloisa. Fiquei


calada e até fingi estar distraída enquanto ele contava para Zion que o
detetive que colocou na cola dela não havia encontrado nem rastro.

Alexandros tinha certeza de que Eloisa passou a perna nele e fugiu com
o dinheiro que ganhou vendendo as ideias do projeto dele.
E eu acabei me perguntando: E se ela fez isso mesmo?

Naquela noite, uma novidade abalou todos nós. Eu passei mal, com
enjoos e um quase desmaio. Zion, meio desesperado, me levou ao hospital,
mesmo que eu dissesse que não precisava. E então foi detectado uma
gravidez de quatro semanas.

Ficamos de boca aberta olhando um para o outro.

Chorei a noite quase toda, assustada, com medo e muito feliz também.
O meu maior medo era do lúpus se complicar e eu acabar perdendo o bebê.

Zion me deu todo o apoio que pode, ficou ao meu lado o tempo todo, e
só depois, por um pequeno momento, levantei da cama saindo do quarto e
encontrei Zion morrendo de felicidade abraçando Alexandros, porque vai ter
um filho biológico. E eu percebi que não havia nada para temer. A gente ia
passar juntos.

Zion e eu nos casamos, repentinamente, em Santorini, a bela e famosa


ilha grega com suas construções brancas. A notícia da gravidez ajudou a
gente a decidir.

Tudo que importava para a gente estava ali: nós dois, Lohan e nosso
único amigo, Alexandros.

Nós quatro usamos branco. Zion usava calça branca com camisa de
linho. E eu um vestido leve de renda com um arco de flores na cabeça.

Não podia ter sido mais romântico, único e perfeito ao lado da minha
pequena família que era tudo que me importava na vida.

∞∞∞

ZION
Não era para acontecer, mas Isadora acabou engravidando. Entramos
em pânico inicialmente, mas lutamos juntos por todos os meses. Era um dia
de cada vez vencido, como uma guerra lenta. E ela foi forte até o final
quando enfim chegou o grande dia.

Eu sei que para ela teria vários gatilhos, que a levava para o dia em que
Lohan foi sequestrado. No entanto, o medo dela não era em relação a mim,
não precisei de muito para que ela confiasse que eu a amava e que não faria
jamais uma merda como Roberto fez.

Isadora apertou com força a minha mão durante todo momento e nosso
olhar dizia tudo que precisávamos naquele momento.

Eu quase tive que ir para a camisa de força enquanto ela estava na sala
de cirurgia, e não me orgulho disso. Fique transtornado, fora de mim.

Naquele mesmo dia, encontrei um amigo que também passava pela


mesma situação que eu. Era Max Ferraz executivo do banco AMB. Ele fez
uma goleada, eram trigêmeos. O homem estava mais feliz que pinto no lixo,
dando brinde de recém-nascido para todo mundo que via pelo hospital.

Só parou um pouco porque os amigos dele chegaram.

Enzo Brant e seu irmão Davi, também executivos da AMB.

— Esse cara, merece o castigo que Deus jogou, de dar para ele uma
prole de três bebês. — Enzo falou comigo, apontando Max, o novo papai.

— Três?

— Vai contar para todo mundo o que eu fiz na minha intimidade, porra?
— Max empurrou o amigo. — respeita, hoje é meu dia.

E não revelaram o que de tão grave o Max fez para receber o insinuado
castigo.

Eles ficaram mais um pouco comigo fazendo companhia até


Alexandros chegar correndo, ofegante e ficamos ali nós dois sentados em
silêncio esperando a notícia que enfim chegou.
Minha filha nasceu.

Chorei de felicidade abraçando o grego. Não existia sensação melhor.


Eu já me considerava pai de Lohan, mas não consigo explicar a experiência
de saber que há um ser humano, bem pequeno que depende de mim, tem o
meu sangue e será a minha geração nos anos adiante.

Hannah Campos Barone. Esse é o nome da minha princesa que era a


coisa mais bonita que eu pude ter feito na vida. Eu a segurei apaixonado e
abismado com o amor por ela que já era forte demais.

Levei Lohan, que já tinha dois anos, para conhecer a irmãzinha.

— O bebê, papai. — No meu colo, ele gritava alvoroçado apontando


para ela nos braços de Isadora.

— É, o bebê. É a sua irmãzinha. Ela não é linda?

— É. — confirmou, batendo palminhas.

— Você venceu. — Sussurrei para Isadora e beijei a testa dela. — Estou


orgulhoso de você e da sua força, meu amor.

Nosso futuro era belo e cheio de esperança. Não importava o que


viesse, íamos encarar juntos. Isadora me ensinou muita coisa, e agora sou
um homem diferente, pelo menos com a minha família. Ainda sou meio cão
ruim, homem de pedra, com alguns que merecem.

Alguns meses depois, fiz uma cerimônia na Solaris apenas para


apresentar o novo grande acionista.

— Esse acionista é alguém que eu amo profundamente e tenho certeza


de que ele me dará orgulho um dia. Dará orgulho para mim, para a mãe dele
e para todos aqui nessa empresa. Lohan Agostini. Mas, como ele tem apenas
três anos, chamo agora a tutora legal dele para que vocês conheçam. Isadora,
a minha esposa e administradora das ações de Lohan. Uma salva de palmas
para a minha amada.
E ela veio estonteante em um vestido deslumbrante, de cabeça erguida,
em meio a algumas pessoas que um dia a humilharam.

Isadora não queria nada na empresa e não queria que eu desse nada a
ela, e nem queria qualquer bem de Roberto. Então, passei para Logan
metade das ações que Roberto tinha me vendido, além da casa e das
propriedades que aquele verme vendeu para mim. Agora, era tudo do
menino, e será administrado por ela.

E naquela mesma semana, Roberto mandou uma carta para Isadora


ameaçando-a, dizendo que ele pode estar preso mas os homens dele não. E
ainda escreveu:

“Cuidado por onde anda, Isadora. E só para te lembrar, Lohan é meu


filho. É melhor vigia-lo sempre”

∞∞∞

Em dois anos muita coisa pode acontecer, inclusive Roberto fugir de


uma penitenciaria.

Ele fugiu a noite com outros criminosos. Um golpe de sorte para ele?
Afinal, aqueles criminosos o convidaram para a fuga, já que Roberto tinha
dinheiro. Conseguiram roubar um carro e dirigiram para fora da cidade,
entraram em uma vegetação para se esconder da polícia que estava ao
alcance deles.

Naquele mesmo momento, os próprios companheiros de Roberto, o


acertaram na covardia derrubando-o no chão. Então um deles montou em
Roberto com uma faca bem afiada.

— O que está fazendo, porra, ficou louco, sou seu parceiro.


O homem nada disse, colocou um celular na cara de Roberto e,
aterrorizado, ele viu ali na tela o rosto de Zion.

— Não posso permitir que ameace minha família. Ele não é seu filho.

— Seu desgraçado, você armou isso? — Roberto se agitava embaixo


do outro criminoso — Você vai ser preso...

— Não vou. Até qualquer dia no inferno, Roberto. Mande lembranças


para minha irmã.

E sem piedade, Roberto foi esfaqueado sob o olhar da lua, no silêncio


da mata. E seu corpo enterrado ali, esquecido.

— Droga! — Acordo sobressaltado, respirando ofegante. Isadora


acorda do meu lado se assustando também com meu solavanco.

— Amor...? O que houve?

Acaricio o meu rosto e caio para trás de volta nos travesseiros.

— Tive uma merda de sonho ruim.

— Hum... — ela volta a deitar abraçando-me, e em pouco tempo está


ressonando, dormindo novamente. Eu permaneço acordado olhando para o
teto, quase nem pisco. Foi só um sonho. Acabou.

Fim.
Agradecimentos

Espero que tenham gostado da historia de Isadora e Zion. Muito obrigada


por terem lido o livro. Se quiserem saber mais sobre os executivos do banco
AMB, citados nesse livro, e ainda não os conhece, convido a ler a série
Executivos Indecentes disponível na Amazon. O primeiro livro é Deliciosa
Obsessão.

Beijos,
Valentina K Michael

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