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Michael
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança dos fatos aqui narrados com pessoas,
empresas e acontecimentos da vida real é mera coincidência. Em alguns casos, uma
notável coincidência.
Índice
Direitos autorais
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Epílogo
Agradecimentos
"As coisas não ficam mais fáceis, você que fica mais forte para enfrentá-
las."
Um
ISADORA
Não era essa a libertação que eu queria. Não foi esse final que desejei.
Parece que o universo me atendeu de uma forma equivocada. Não era essa a
libertação que eu queria. No meu quarto, silencioso demais, calço os saltos
pretos e caminho até o espelho de corpo inteiro. Meus olhos inchados e
vermelhos pelo choro refletem a tragédia que caiu sobre mim.
Preferi prender meus cabelos pretos em um coque, o que de certa forma
combina com o vestido da mesma cor que cai muito bem em meu corpo,
mesmo que me cause desconforto na alma. Sempre detestei preto — apesar
de ser um coringa no guarda-roupa de qualquer mulher —, por isso evitei ao
máximo ter roupas dessa cor no armário. Superstição? Talvez. Preto é luto. E
eu achava que traria maus presságios se usasse.
Agora, cá estou dentro de um belo vestido preto que não me diz nada a
não ser: morte.
∞∞∞
Eloisa até diz que vai ligar para a massagista, e eu não recuso. Pouco
depois ela chega com uma notícia:
— Sim, claro.
∞∞∞
Penso na minha mãe que me odeia, por nunca ter aceitado minha
relação com Roberto. Além do mais eu a deixei sozinha quando me casei, e
acho que isso para ela foi uma traição. Eu quase nunca penso em minha mãe,
mas nesse instante, era justamente o que eu precisava: um carinho de mãe.
— Dona Isadora.
Levanto os olhos para a governanta. Seu semblante é de pura
compaixão.
— Diga, Eloisa.
∞∞∞
As roupas não demoram a chegar. Peço que leve para a sala de descanso
e desço, encontrando araras de roupas pretas.
— Senhora Isadora. Meus sentimentos. — As duas mulheres
uniformizadas dão as condolências, e eu apenas assinto. Dou uma olhada nos
vestidos pendurados. Para mim, tanto faz. Escolho sete vestidos, duas calças
de alfaiataria, quatro blusas de diversos modelos e duas camisolas com robes
pretos.
Eu sempre coloquei minhas contas no nome de Roberto e enviava a seu
escritório, para que ele pagasse. Ele insistia para que eu fizesse isso e pedia
para que eu nunca enviasse para a empresa. Por isso, dessa vez, decido usar
meu cartão.
Um pouco sem graça, o rosto rechonchudo da jovem se cobre de rubor
exibindo grande desconforto.
— Transação não autorizada.
— Como é? — Espio a máquina que ela me mostra. Não pode ser. Na
minha conta tem aproximadamente meio milhão, que sempre esteve lá para
emergências.
— Tente no crédito, por favor — peço, também já envergonhada. Ela
tenta, digito a senha e aparece a mesma mensagem.
Droga. O que aconteceu, Roberto?
— Pode ser alguma coisa na máquina. — Solidária, tenta contornar a
situação. — Tem outra forma que a senhora…?
— Sim, tem. Você pode enviar a conta para a empresa. Em nome do
meu marido.
Elas se entreolham.
— Tudo bem. — Insisto tranquilizando-a. — Já fiz isso, e a secretária
dele sabe.
— Certo. Vou preencher a nota fiscal e pedir para a senhora assinar.
Muito obrigada, dona Isadora.
Assim que elas vão embora, imediatamente pego meu celular para
analisar o aplicativo do banco. E para meu completo desespero, não consigo
acessar a minha conta. Nem tento investigar por conta própria, ligo
imediatamente para o banco.
— Preciso falar com Ernesto, o gerente do setor de clientes platinum.
— Qual é o nome da senhora?
— Isadora. Isadora Agostini.
— Um momento, dona Isadora.
Enquanto espero, caminho feito uma barata tonta. Minhas mãos estão
suadas, meu coração saltitante denota o nervosismo.
Alguns segundos mais tarde, a voz grave e relaxada atende, foi tão
rápido, que é como se ele estivesse esperando minha ligação.
— Isadora. Primeiramente, meus sentimentos.
O desespero é tanto, que descarto formalidades.
— Ernesto, há algo de errado com minha conta? Tentei fazer uma
compra tanto no débito como no crédito e não foi autorizada. E, para
completar, não consigo acessar a conta pelo aplicativo. Tem algo a ver com...
a morte... de Roberto?
Ele toma uma longa pausa, e eu imagino que esteja escolhendo as
melhores palavras.
— Isadora, eu sinto muito, mas a sua conta foi encerrada há alguns dias.
— Como assim, Ernesto? — Seguro com força minha garganta. —
Encerrada? Eu não encerrei nada. E toda a minha aplicação financeira?
— Pelo que consta, a conta não é individual, era do seu marido
também. Ele nunca te disse isso?
— Não. Ele... me deu o cartão e disse que... como assim, Ernesto? —
Eu me sento no sofá. O pavor me consome, me deixando quase pirada.
Lembro exatamente das palavras dele quando me deu o cartão e o
acesso pelo aplicativo: “É uma conta reserva que eu tinha, estou passando
para você.”
— E onde está esse dinheiro, Ernesto?
— Pelo que estou vendo, tudo foi transferido para outra conta no
exterior... que é no nome da senhora, dona Isadora. Essa transferência só
pode ter sido feita pela senhora ou pelo seu marido.
ISADORA
Desculpe, eu pedi para avisar que não precisava mais. Porém, fiquei
sabendo da última sessão que ficou em débito.
Sorrio com lágrimas nos olhos. O nosso bebê que não está mais entre
nós. Percebo que Roberto escreveu na agenda o nome que tinha escolhido a
princípio, e não o que nós dois chegamos a um consenso: João Gabriel.
Acaricio a anotação, deixando as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Quatorze
de maio é o dia mais triste da minha vida, o dia em que o meu tão esperado
tesouro não resistiu e não contemplou o mundo. Não dei o primeiro banho,
não o vi mamar em meus seios, não o vi abrir os olhinhos para me fitar. Deus
o tirou de mim, tão rápido quanto me deu.
Eu estava justamente prestes a começar uma nova preparação para uma
nova gravidez por causa do maldito lúpus o qual fui diagnosticada. Porém
agora não dá mais, Roberto se foi.
Com base nessa anotação, tento a data de nascimento do nosso filho e
dá certo. O cofre abre, o que me comove ainda mais. Roberto sofria calado a
perda do bebê.
No cofre, encontro pouquíssimas das joias caras que eu costumo usar, o
que me espanta já que ele havia comprando muitas. Aumentando assim a
minha suposição de que ele guarda todas em um cofre em um banco. Há
também um maço de dinheiro, em notas de cem. Não posso pegar as joias,
pois tenho medo de que estejam no espólio do testamento, mas pego o
dinheiro. Acho que será suficiente para me manter por esses dias, até que eu
consiga resolver meus problemas.
Acabo de fechar o cofre e ouço passadas rápidas pelo corredor, logo
batidas urgentes soam na minha porta. Saio imediatamente do closet e me
deparo com Eloisa, de olhos saltados.
— Senhora, há uns homens aí... com a polícia.
— A polícia? — Saio do quarto, seguindo-a apressadamente. Desço as
escadas e encontro uns quatro homens no hall, observando a casa. Um deles
caminha em minha direção quando me aproximo.
— Delegado Joel. Você deve ser a viúva do senhor Roberto.
— Sim, sou eu. Isadora. Aconteceu algo?
— Eu só estou acompanhando esses senhores que são representantes da
empresa Solaris, do seu falecido marido. Eles têm uma ordem judicial.
— Ok — assinto. — Sobre o que seria a visita? — Encaro os homens
que nunca tinha visto na roda de amizade de Roberto.
— Viemos confiscar alguns bens que estão no nome da empresa. O
novo presidente da Solaris entrou com um pedido imediato.
— Aqui não tem nada da empresa... — abalada e com um sorriso tenso,
começo a negar imediatamente.
— Aqui está a documentação. — Ele me entrega uma pasta, que eu
recebo com tremor. — O seu marido tinha uma grande dívida com o cofre da
empresa e deixou como penhora a casa, os carros e as joias. Vamos confiscar
chaves e documentos dos carros, a escritura da casa e as joias, onde quer que
elas estejam.
Mauro não se senta. Recebe o uísque que Eloisa serve, e fica ali, de pé,
com seu terno fino e cabelos bem penteados, meio intimidador, como um
mensageiro de más notícias.
— Tudo que você precisa saber estará no testamento que ele deixou —
ele me diz.
— E sobre as propriedades... se a empresa tomar essa casa, eu tenho
algum lugar de reserva para ir?
Enfim, o homem olha para mim. Não parece compadecido, parece
apenas indiferente, como se eu fosse a culpada pela situação. O cara estava
me traindo enquanto eu ficava presa em casa cuidando de uma doença
crônica. Ele planejava pelas minhas costas o divórcio. Tomou até o meu
carro, e eu que recebo esse olhar de menosprezo?
— Você não fez nada todos esses anos que pudesse lhe dar um pé de
meia, não é?
— Como assim?
— Bom, seu marido morreu há dois dias e está aí, desesperada
querendo saber das propriedades dele. O Roberto me dizia, mas eu não
acreditava. Ele era sua apólice de seguros, não é?
— Como ousa...? — cuspo com asco. — Como pode…?
— Ah, Isadora. Não tente se vender como santa para cima de mim. —
Dá uma risadinha cínica. — Eu era melhor amigo dele e sabia que você só
persistia no casamento por causa da vida boa. Roberto me contava como
você só gastava, esbanjava, sugava.
— Eu? Eu nunca pedi nada a ele... — Assustada com tais palavras de
acusação, não tenho forças para me defender. — Tudo que ele me dava... era
por vontade própria. Ele nem permitiu que eu trabalhasse e estudasse,
porque era rico demais para ter uma mulher assalariada que trabalha fora.
Cada dia, chegava com uma joia nova, e eu dizia para ele moderar...
— Ele estava com uma mulher no carro, no momento do acidente. —
Mauro corta meu discurso, que para ele não é nem um pouco tocante. — Iam
para a casa de férias dela em Ilhabela. Ele penhorou e vendeu todos os bens
com a ajuda da sua assinatura, afinal, mesmo que os bens fossem dele,
precisava da autorização da esposa para vendê-los. E, por fim, planejava
sumir por um tempo com ela, o amor da vida dele. — Segurando o copo de
uísque, dá um passo em minha direção e arrasta a língua pelo lábio. —
Enfim, ele estava se livrando de você. Não venha com esse papinho de que
recusava joias. O seu azar é que ele deu fim em todas.
— Saia da minha casa! — grito fervorosamente, com lágrimas ardentes
nos olhos. A fúria e o choque me tomam em níveis torturantes.
— Sua? — Ri ironicamente e bebe o uísque. Deixa o copo na mesinha
de centro e para na minha frente. — Eu juro que esperava te encontrar na
cama, esmorecida, porque não acreditava no que ele me contava. Agora eu
vejo.
— Eu perdi tudo — rosno na cara dele. — Toda a minha vida, eu não
tenho para onde ir, não tenho trabalho, não tenho dinheiro para comer, e
apesar de tudo, eu o amava. Eu perdi o meu único companheiro. Como você
queria que eu estivesse?
— Acabou de comprovar minhas acusações. Você perdeu o Roberto,
que era sua vida boa. Vá à luta, é mulher nova, bonita... — Passa os olhos de
modo sugestivo pelo meu corpo e torna lamber o lábio. — Saberá como
ganhar dinheiro... fácil.
Sem pestanejar, minha mão corta o ar com força e acerta o rosto dele.
— Você vai pagar por esse tapa.
— Saia! Fora! — berro, enlouquecida. Pego o copo que ele bebia e
arremesso contra a parede enquanto o homem sai cantarolando.
O ódio me consome junto com a tristeza, sentimentos que me dão
impulso para arrancar aliança e anel de noivado. As duas joias saem do meu
dedo com um grito angustiado da minha alma. Os anéis caem debaixo de um
móvel, e eu desabo em um sofá.
Três
ISADORA
São títulos e mais títulos de matérias que me recuso abrir para ler.
Todas abordam a mulher que morreu no acidente com Roberto. Não
desejando mais ver nada disso, desligo o computador. Desde que eu soube
do acidente, não tive cabeça para nada, a não ser sofrer por ele. Na sala de
espera do hospital, enquanto ainda tinha um pingo de chance de Roberto
escapar, todas as minhas energias estavam voltadas para ele, para depois
afundar no luto. E agora me sinto trouxa por ter doado tanto a esse imbecil.
Esgotada, enraivecida, decepcionada, subo para meu quarto, e armada
de fúria, rasgo as roupas de Roberto que estão no closet. Uso uma tesoura
para picotar seus ternos caros, as gravatas de seda, as camisas sob medida
que se ajustavam tão bem ao seu corpo.
Ele andava sempre tão alinhado, que mesmo não sendo novo nem tendo
um corpo malhado, ficava bonito e elegante. E foi justamente essa postura
que me atraiu. Foi fácil para ele impressionar a garota pobre que ele
conheceu à beira do rio, quando estava com outros engenheiros fazendo a
análise de minérios daquela região.
Ele fez de mim uma mulher de classe, me ensinou tudo com paciência e
me mostrou cada pequeno detalhe sedutor do mundo dos ricos. Roberto
Agostini me amou de verdade, eu sei. Só me pergunto em que momento da
curva ele deixou de ter tal sentimento por mim.
A imagem da jovem loira, que era a sua amante, não sai da minha
mente: Lisette Barone. Eu a odeio sem nem ter conhecido. Uma qualquer
que seria trocada também daqui há uns anos, quando ele se cansasse.
∞∞∞
∞∞∞
Eu mal consigo dormir à noite, preciso tomar um calmante para
descansar um pouco a cabeça girando a mil por hora desde a visita de
Mauro. Eu não posso acreditar que Roberto foi tão cruel ao falar de mim
para seus amigos. Colocando em mim a culpa pelo seu fracasso. Eu nem
mesmo tenho acesso às joias. E ele comprava muitas, sem o meu
consentimento. Algumas eu nunca nem mesmo usei.
É injusta a forma que ele me vendeu como uma megera gananciosa que
pisava nele. A dor da traição é ainda pior. Logo eu, que sempre fui uma boba
submissa e risonha. Nunca matei uma maldita barata, não faço mal a
ninguém... não é justo que eu seja punida.
Entre lágrimas, volto anos atrás quando morava com minha mãe em
uma cidade pequena do interior. Eu conheci Roberto e contra a vontade de
minha mãe, me apaixonei e me casei com ele. Gostaria de nunca ter saído do
meu lar.
∞∞∞
Ainda há regras. A quantia deve ser paga pela Solaris, segundo requer a
lei. Mas o pagamento será conforme o entendimento da empresa, e eles
podem requerer de mim algum serviço em troca.
— Não está terminado. — Eu digo interrompendo mais uma vez. —
Não vou sair daquela casa. Li muito bem sobre isso, mesmo que ainda não
tenha advogado, sei que eu como viúva sou herdeira dele.
— Dane-se, Mauro. A lei obriga que eu como viúva tenha um teto para
morar. Roberto não pode me deixar desamparada. A Solaris não pode me
tirar da casa.
— Sim, você tem razão. Ele deixou mesmo uma propriedade para você.
Assim como manda a lei, dividiu os bens restantes entre você e o outro
herdeiro dele. Uma propriedade para cada um. — O alívio me anima. Pego o
papel com a escritura que ele me estende. Vejo o endereço e não conheço,
mas tudo bem. Tenho um lugar que é meu.
Fico de pé. O esgotamento emocional atingiu o pico.
— Ainda não terminou. Não vai ouvir as considerações finais, Isadora?
— Mauro indaga com seu odioso sorriso debochado.
— Acho que já ouvi tudo que me interessa, não é?
— Claro. Você veio aqui na esperança de sair rica e vai sair com uma
pensão e uma casinha. E ainda é pouco visto o que você fez com Roberto.
Não duvido nada que você tenha obrigado ele a fazer esse empréstimo
milionário.
Sinto uma ânsia de vômito diante dos olhares acusatórios dos homens.
Minhas unhas cravam nas palmas, e a dor é a melhor sensação; me mantém
consciente. Eu queria gritar com ele, quebrar alguma coisa, mas apenas giro
nos calcanhares, pronta para sair.
— Se quiser, eu posso te sustentar em sigilo, aumentando o valor para
quatro mil por mês! — um dos homens grita, e os outros riem. — Ao menos
gostosa você é. De boca calada, deve ser um bom passatempo.
Paro perto da porta, os punhos ainda cerrados, a garganta seca e o
coração batendo disparado no pescoço. Engulo a fúria e miro o do homem
misterioso que passou todo tempo calado, sem dizer uma palavra. O olhar
dele para mim é pior do que dos outros homens, porque o dele contém fúria.
Como se quisesse me ferir. Amedrontada, caminho rápido e saio do
escritório.
O carro anda muito, passa bairros, e se afasta cada vez mais. A cidade
praticamente fica para trás e ele entra em uma via praticamente inabitável e
após andar um pouco em uma região deserta para diante de uma construção
inacabada.
∞∞∞
Eu posso cultivar uma nova vida longe disso tudo. Posso recomeçar em
um lugar onde ninguém me conheça. Eu ainda tenho uma propriedade que é
inabitável, mas posso tentar vendê-la. Eu vou conseguir um advogado, nem
que for defensor público e vou requerer tudo que me é de direito. Mauro não
vai sair por cima.
Depois de andar indo e vindo pelo espaçoso quarto de hóspede - onde
estou ficando por não conseguir deitar na cama que Roberto dormia - o que
era hipótese, se torna decisão.
ISADORA
— Bom, aqui diz que foi uma movimentação quando Roberto já estava
acidentado, e como a conta era conjunta, só pode ter sido...
— Eu não fiz isso. Investigue, chame a polícia, mas não fui eu.
— Talvez você não tenha se dado conta ainda, o seu marido fez uma
dívida gigantesca e coube a mim ser o cobrador. A empresa não vai ficar no
prejuízo por causa dele.
— Sim, eu sei muito bem disso. E como Roberto não deixou nada, não
posso cobrar. Não é?
— Exato.
ZION
Claro, ela tem leis robustas ao lado dela. Como viúva, Isadora tem
muitos direitos. Mas a minha sorte é que Roberto foi um estupido e deixou
dívidas aos montes justamente com a minha empresa. Eu só tinha que aplicar
um pouco de terror em Isadora, torcer para ela cair e se curvar a mim. E foi
justamente o que aconteceu. Em pânico, ela não me enfrentou ou sequer
contestou a veracidade de minhas ameaças.
Ela tentou fugir. Por que ela tentou fugir? E aceitou se submeter a mim
em troca de mais dinheiro. Interesseira. Ela é a personificação de tudo que
eu mais desprezo em uma mulher.
E, infelizmente, há uma questão pior.
O desprezo cresce proporcionalmente à minha atração por ela. Essa é a
pior parte de encarar. Isadora é uma mulher bonita, que sabe usar sua beleza
em prol de ganhos materiais. Com o rostinho meigo, ela consegue facilmente
dobrar qualquer um; menos eu.
— Reginaldo.
— Boa noite, Zion.
— Novidades?
Desfilo pelo quarto, já vestido para o jantar, enquanto falo com um
amigo que está chafurdado na vida de Isadora. Eu já me apossei, como um
parasita, da vida dela, mas preciso saber de cada pequeno detalhe, e não
apenas o que Roberto deixou registrado.
— Não muita coisa. Ela quase nunca usava o cartão para grandes
gastos, tudo era enviado para a empresa, como você já sabe. Ao entrevistar o
motorista do casal, ele me disse que Isadora sempre saía sozinha, uma única
vez ele a levou a um hospital particular e em seguida a uma farmácia. Eu
vou depois nesse hospital dar uma olhada.
— Faça isso logo, depressa.
— Descobri de onde ela veio e amanhã vou até a cidade para saber
mais. Ela tem uma mãe viva. Quando voltar, investigarei o hospital. Eu
tenho duas opiniões, que ouvir?
— Manda.
— Será que ela não estava grávida ou tentando uma gravidez e por isso
foi ao hospital?
— Não. — Acaricio a testa e me sento na ponta da cama — Isso, não.
O maior sonho de Roberto era ser pai, e eu estive a par da gravidez de
Isadora. Vi mensagens que ela mandava para meu amigo odiando estar
grávida. Nunca quis ter um bebê. E ele apostava que ela fez algo contra a
própria gestação, já que perderam o bebê.
— Essa mulher é o próprio capeta. Cuidado com ela.
— Sou o próprio demônio, sei lidar com tipos como o dela. Qual sua
outra opinião?
— Obrigado.
Finalizo a ligação e saio do quarto, indo direto para a sala de jantar.
Eloisa e a servente me esperam e acenam quando entro.
— Eloisa, amanhã, às oito, quero uma reunião com todos os
empregados da casa.
— Sim, senhor.
Abro o guardanapo em meu colo e passo os olhos pela vasta sala
elegante.
— Onde está Isadora?
— Fazendo a mudança do quarto, senhor.
Insatisfeito, jogo o guardanapo na mesa e me levanto. Subo a escada, e
como nunca estive aqui, olho cada uma das portas até encontrar o quarto
principal.
Isadora está ofegante, com os cabelos presos em um coque mal feito,
uma roupa qualquer folgada. Ela segura uma caixa, indo em direção a uma
pilha com outras caixas. Quando me vê, estanca assustada no meio do
quarto.
Vejo uma gota de suor descer do rosto dela. Minha libido me trai
vergonhosamente. Eu, que sempre fui tão seletivo com mulheres, agora
estou quente de tesão por uma golpista fracassada que nesse momento está
desmazelada trabalhando pesado.
Meus olhos passeiam em volta, apreciando com asco o quarto onde por
muito tempo ela fez Roberto sofrer. Amanhã mesmo vou mandar redecorar
tudo. Meu olhar topa com a cama.
— Enquanto meu amigo viajava, você por acaso ganhava dinheiro
aqui? Com outros homens? — questiono, casualmente.
— Me respeita! Eu não admito…!
— Porra! — Massageio as pálpebras — Essa sua postura de querer ser
a santa do pau oco é o que mais me irrita. Eu estaria tão mais contente se
mostrasse a verdadeira face para mim. Uma golpista traiçoeira.
— O que quer aqui? Eu não terminei ainda a mudança.
— Você sabe que horas o jantar é servido? — indago, friamente. Ela
apenas balança a cabeça afirmando. — Fala! — Levanto o tom. — Quero
ouvir sua voz.
— Sim, eu sei.
— E por que caralhos não está lá embaixo, enfiada em um uniforme de
empregada e pronta para me servir?
— Eu... você pediu para eu desocupar o quarto.
— E levou tanto tempo? Ah, Isadora — Dou alguns passos até ela,
diminuindo nossa distância. Ela permanece no mesmo lugar, o olhar raivoso
e assustado ao mesmo tempo. — Você ainda caminha na vida mimada que
Roberto te deu. Isso acabou para você. Uma serviçal faz-tudo como você
precisa aprender a cumprir todas as tarefas em tempo recorde. Quer me
deixar zangado? — Seguro com leveza o queixo dela. Por que, maldição, eu
sou incapaz de ficar tão próximo e não a tocar?
Isadora não responde, apenas me fita, prendendo o ar, cheia de raiva.
— Fala! — Insisto.
— Não. Não quero.
— Então... — Aponto a porta. — Você sabe o caminho.
Ela não contesta, apesar de querer fazer isso. Deixa a caixa junto com
as outras e sai do quarto. Dou uma última olhada no ambiente e vou atrás
dela. Volto a me sentar à mesa, chamando a atenção de Eloisa, que se apressa
em servir a refeição.
— Deixa — ordeno, levantando uma mão. — Isadora vai servir.
— Sim, senhor — Eloisa faz um aceno para a servente, e as duas vão
para a cozinha.
Seis
ISADORA
Mas posso sim tomar providências. Tem que haver respaldo na lei para
me ajudar. Um advogado é a melhor solução.
Aparentemente meu ex-marido planejou muito bem, deixando provas
palpáveis capazes de ratificar suas palavras mentirosas; como aqueles e-
mails estrategicamente trocados com Zion. Eu me pergunto o que mais ele
pode ter deixado documentado sobre mim.
— Senhora... — Ouço batidas leves na porta. — O jantar precisa ser
servido.
— Já vou, Eloisa.
— Precisa de ajuda?
— Sim, por favor. — Percebo que preciso mesmo de ajuda para vestir o
uniforme.
A porta se abre, e ela entra receosa.
Rapidamente, antes que Zion venha pessoalmente me buscar, retiro
minha roupa e visto a calça e a camisa de botão, ambas de cor vinho. Na
frente, Eloisa amarra um pequeno avental branco e me ajuda com a touca
branca que cobre os cabelos.
Nossos olhares se encontram pelo espelho, e ela os abaixa
imediatamente.
— Estou acabada, Eloisa. Não me chame mais de senhora. Você está
um pouco acima de mim na hierarquia.
— Por que... ele está fazendo isso?
Apenas sorrio para ela, sem qualquer ânimo para explicar. Após calçar
os sapatos baixos e fechados, saio rapidamente do quarto. Zion está à mesa
falando ao celular, e quando me vê, abrevia a ligação.
— Espera. — Ele levanta o dedo indicador, e eu paro. A ironia brilha
em seus olhos quando me admira de cima a baixo satisfeito. — Que cena
deliciosa. Como eu queria que Roby estivesse aqui para apreciar isso. —
Zion tripudia. — A golpista cara dele enfim no lugar onde ela devia estar.
Minha empregadinha. Me sirva.
Engulo toda a mágoa e as lágrimas. Lágrimas de ódio são mais
dolorosas que as de tristeza. O choro de ódio te sufoca, te faz perder a
cabeça, ainda mais se for abafado, como estou fazendo agora. O coração está
pesado, encharcado de dor, rancor e desejo de vingança.
A servente traz a sopeira de porcelana, deixa sobre a mesa e sai quase
correndo. Pego o prato de Zion e, um pouco trêmula, sirvo a sopa de entrada,
colocando o prato à sua frente.
— Cuidado. Se derramar um pingo em mim, você fica sem salário por
um mês.
— Licença — digo, pronta para sair.
— Fica — ordena. — Fica de pé, me esperando comer. E se eu decidir
comer mais? Ou decidir não comer e passar logo para o prato principal?
Aceno, de cabeça baixa, controlando a respiração. Fico de pé, próxima
à parede, enquanto ele degusta a sopa, que está com um aroma delicioso. Só
então lembro que não comi nada o dia todo. Tantos problemas, tantas
reviravoltas, não tive nem chance de pensar em comida. Minha cabeça gira
junto com o estômago. Eu não deveria ficar sem comer.
Ele leva bastante tempo, enrolando, enquanto eu apenas espero. Quando
enfim pede o prato principal, eu agradeço silenciosamente, implorando para
que o suplício termine logo.
A servente leva a sopeira e coloca uma deliciosa carne assada que
cheira melhor ainda. Meu estômago ronca.
Com cuidado, seguro a faca e o garfo de churrasco, sob o olhar crítico
de Zion. Corto finas fatias e sirvo no prato, com purê de ervilhas e molho
agridoce.
— Você ao menos tem bom gosto e sabe montar um prato. — Ele
aprecia o prato enquanto eu volto para a parede, observando-o comer. —
Mais vinho — pede, e eu o sirvo. — Ótimo. — Come com vontade a carne
suculenta.
Enfim chega o momento da sobremesa. Retiro os pratos e talheres e vou
à cozinha buscar a sobremesa. Equilibrando a taça grande em uma bandeja,
chego à sala de jantar. Zion está relaxado, com aquele odioso sorriso na
minha direção.
— Trabalhava com o que antes de enfiar as garras em um milionário?
— questiona, de modo descontraído. Eu me assusto com a pergunta comum,
sem difamação.
— Eu... morava com a minha mãe. — Coloco a taça de sobremesa à
frente dele.
— Ela era a dona do bordel?
— Como é? — Surpresa, fito seus olhos.
— Ou era uma de suas companheiras de prostituição?
Endireito a coluna e cerro os dentes, trincados de raiva.
— Eu não vou admitir...
— Tudo bem. — Zion me corta, rindo. — Não precisa fazer esse papel,
se fingindo de ofendida. Pelo menos não para mim. Roberto já tinha me
contado sua história, que ele resgatou você de um prostíbulo.
— Ele... disse isso?
Zion enfia a colher no creme e prova, em seguida balança a colher para
mim.
— Sabe que eu fico curioso? Porque para uma jovem mulher da vida
conseguir seduzir e manipular o Roby a ponto de se casarem, ela deve ser
muito boa no que faz. Essa sua boquinha petulante deve fazer maravilhas,
hein? — Antes de eu retrucar, ele abana a mão para mim. — Pode sair.
Eu fico cega. Porra, o ódio enfim me cega, me consumindo, e eu deixo
a fúria falar mais alto.
— Seu filho da puta! — Zion se assusta com meu berro, e antes que
possa me impedir, agarro a taça com sobremesa, que é vermelha e branca, e
derramo nele, sujando completamente sua camisa branca. Em seguida, atiro
a taça no chão, espatifando-a. Ele pula da cadeira e fica de pé. — Você quer
a porra de uma vigarista? Pois eu serei. — Encaro a sua mandíbula dura,
Zion está parado me fitando sem piscar, tenso. — Você vai me respeitar, nem
que eu tenha que cortar sua garganta e passar os próximos vinte anos presa.
— Dou a volta à mesa e saio correndo da sala, subindo a escada.
Bato a porta do quarto e a fecho com a chave. Com a respiração
vacilante, a ponto de ter o coração pulando pela boca, ando pelo quarto.
Droga! Droga!
Eu perdi a cabeça. Eu deveria ter engolido o insulto e ido para a
cozinha. Em pânico, arranco a touca da cabeça e começo a tirar o uniforme
de empregada. Eu não tenho a quem recorrer, e isso faz minha aflição piorar.
Abaixo a calça e quase dou um grito de susto ao ouvir batidas altas na
porta, provavelmente provocadas por um punho forte. Termino de tirar a
roupa e visto um vestido solto.
— Abra a porta, Isadora.
— Vá embora! Me deixe em paz. — Coloco as mãos nos ouvidos.
— Abra a maldita porta! — o grito de Zion, junto com as batidas, me
causam calafrios.
— Você já teve tudo de mim. — Começo a chorar de medo. — Eu não
sou ninguém, me deixe em paz.
— Eu vou te dar uma chance para que abra a porta e me peça desculpas.
— Ele tenta manter a voz mansa, o que é uma falsidade. Sei que está
fervendo de raiva.
Eu me sento na cama, as mãos enfiadas nos cabelos, só esperando o
pior. Já estou no inferno, daqui não tem mais para onde descer.
As batidas cessam, e eu sei que ele foi buscar uma chave reserva ou
algo assim. Preciso agir com esperteza, preciso ser rápida. Posso sair daqui e
tentar fugir da casa, e uma vez lá fora, na rua, eu me viro. Visto um casaco,
pego minha bolsa e abro a porta devagar, espio o corredor silencioso, mas
antes de ter qualquer reação, uma mão grande segura a porta e a empurra.
O maldito estava ali, o tempo todo.
Zion sorri feito o diabo. Em seus olhos espelham a prepotência e me
deixam entrever tudo que pode fazer comigo sem que ninguém saiba ou se
importe. Como eu disse, sou uma ninguém.
— Zion... me desculpe.
— Xiu. — ele sussurra. — Não diga nada. — Ele se aproxima de mim e
segura na minha bolsa. — Solta — pede suavemente.
Eu solto a bolsa, fitando-o de olhos saltados. Ele joga a bolsa na cama,
tira o casaco dos meus ombros e puxa meu braço, me virando de costas para
ele. Sinto meu corpo pressionado ao poder de rocha que é ele.
— Sim, eu quero uma vigarista. É mais gostoso brincar com você
quando não está tentando fingir que é uma santinha. — Aperta meu braço
contra minhas costas.
Confesso que não sei usar a máquina de lavar nem a secadora. Mas sei
lavar uma roupa como ninguém. Era assim que minha mãe sobrevivia,
lavando roupa para fora, e eu a ajudava. E foi assim que conheci Roberto, na
beira do rio, ajudando minha mãe.
Enquanto passo um produto na camisa branca para tirar a mancha, as
lágrimas escorrem na face. Não por causa de Zion e sua loucura, mas pela
traição de Roberto.
O homem que eu dediquei metade da minha vida não só me traiu, como
acabou com a minha vida. E dói mais porque eu não esperava esse ataque
vindo justo dele. Roberto não deu sinais de que poderia me detestar,
estávamos bem, rindo durante as refeições, dormindo juntos, planejando
outro bebê...
O homem que me arrancou do meu seio familiar, me fez promessas
grandiosas e acabou com o fino laço que eu tinha com minha mãe. Ela
jamais concordou que eu saísse de lá com um homem milionário. Ela
preferia me ver pobre, mas honrada, já que o único falatório na cidadezinha
foi que eu seduzi um homem rico.
Não vou mentir. Eu era nova, no auge dos dezessete anos, e o dinheiro
de Roberto me deslumbrou. Todas as coisas caras que ele me mostrou
contribuíram para que eu aceitasse entregar a ele meu coração e minha
virgindade.
Após o produto fazer efeito na camisa, eu lavo na mão, tirando toda a
mancha da sobremesa vermelha. Passo na água com amaciante e torço com
cuidado, deixando de lado enquanto lavo a calça, que é mais fácil. Na
etiqueta diz: Armani. E eu penso que não terei dinheiro para pagar uma calça
assim caso a danifique.
Pelo pouco que conheço do maldito, ele ficaria feliz em me cobrar.
Termino de lavar a calça, e como não sei mexer na máquina que lava e
seca, penduro as roupas em um varal improvisado. Não vão secar tão cedo.
Nesse momento é que percebo que a fome aperta, me deixando quase tonta.
Mas como se lesse meus pensamentos, a porta abre, e Eloisa surge
amedrontada.
— Senhora...
— Eloisa. Você precisa sair daqui.
Ela entra e fecha a porta.
— Eu não podia dormir sem saber o que ele fez com a senhora. Fiquei
muito preocupada. Ele mandou dar toda a comida para os seguranças, mas
eu tirei a sua e deixei separado.
— Obrigada. — Começo a chorar encolhida, com o antebraço nos
olhos, e ela vem rápido ao meu encontro, me abraçando.
— Quem é esse homem, dona Isadora? Por que ele está fazendo isso?
Eu me afasto dela, limpando as lágrimas.
— Amigo de Roberto. Meu marido inventou coisas absurdas sobre
mim, e todos acham que ele morreu por minha causa. Zion é dono de tudo
que era de Roberto, e ele acha que eu sou uma golpista que tentou acabar
com o amigo dele. Roberto disse que sempre quis o divórcio, mas eu me
recusava, ameaçando-o, e isso é mentira. Nunca falamos sobre divórcio.
— Ah, meu Deus! Mas... eu posso dizer ao senhor Zion que a senhora
não fez nada disso.
— Não adianta, Eloisa. Você tem que preservar seu emprego. Ele não
quer me ouvir. Roberto deixou documentos, documentos mentirosos. Zion
tirou tudo que eu tinha, até o último centavo. Nem fugir eu posso.
— Eu sinto muito — ela sussurra dolorosamente, também sem qualquer
alternativa para me ajudar.
— Você precisa ir. Seu trabalho é precioso. Pode me deixar aqui.
— Ele trouxe a senhora aqui para quê? — Passa os olhos em volta,
intrigada.
— Lavar a roupa dele que sujei. — Indico a roupa torta pendurada em
um cordão de náilon. — Preciso entregar seca e passada.
— Deixa comigo. — Ela se apressa em ligar a máquina na função
“secar”, joga as roupas dentro e me explica como devo fazer quando acabar.
Em seguida, me explica como usar o ferro de passar e sai rápido para me
esperar na cozinha.
O tempo corre, eu espero ali, do lado, olhando para a máquina, até ela
dar o sinal de que está pronto. Tiro as roupas secas de dentro e fico feliz de
estarem cheirosas, por eu ter usado um pouco de amaciante. Com cuidado,
passo a camisa e dobro o mais caprichado possível.
Sorrio feliz quando concluo a tarefa. Mal posso esperar para jantar
logo.
— Sem tentar fingir alguém que você não é. Lembre-se que já conheço
a verdadeira Isadora.
— Com o que você gastou todo o dinheiro que Roberto pegou nos
cofres da empresa e o que fez com todas as joias que ele comprava?
— Eu não peguei...
— Foi estranho porque você dispensou essa casa sem que ninguém te
expulsasse, o que difere de sua reação mais cedo na leitura do testamento,
quando estava brigando por um lar e por sua parte na herança. Onde está o
dinheiro, Isadora?
— Você tem noção do mal que você fez com um bebê que ficou sem
pai e mãe, pois você impediu de Roberto ser feliz com a mulher que ele
escolheu?
— E tem noção de que é por isso que estou aqui para cobrar de você?
Para que saiba que não pode fazer o que bem entender e sair por cima?
— Posso ir?
— Veja isso. — ele pega o celular e estende para mim. Com a mão
trêmula, seguro o aparelho e tampo a boca com a mão quando vejo Roberto
ao lado de uma jovem loira que está com uma barriga enorme de gestante. E
ela pergunta:
Ver o meu marido assim, tão feliz, com outra mulher, simplesmente
acaba comigo. É como se minha ficha enfim tivesse caído.
— Vou te dar um tempo para pensar, Isadora. Mas eu vou extrair todas
as respostas de você.
Sem olhar para trás, corro pelo corredor atormentada de vários
sentimentos que me bombardeiam absurdamente.
Sete
ISADORA
Antes de dormir, liguei para a única pessoa que não tinha me tratado
como lixo, Ursula, madrasta de Roberto. Acho que ele esqueceu de
contaminá-la com as mentiras.
Por telefone, contei a ela brevemente o que está acontecendo. Que estão
me acusando de ter roubado, junto com Roberto, a empresa. Além de que
estão dizendo que ele morreu aprisionado em uma teia de mentiras e
interesses financeiros tecida por mim.
Ursula ficou horrorizada com o que ouviu e para que ela não colocasse
tudo a perder, não contei que Zion está aqui me pressionando.
∞∞∞
— Senhora... digo, Isadora, tem uma pessoa querendo te ver. Disse que
é o advogado.
— Mande-o entrar, Eloisa. — Digo a ela sem desviar dos olhos bravos
de Zion. — Me dê licença. — Digo a ele e saio do escritório.
Corro o mais rápido que posso até a cozinha, peço a Eloisa que nos
sirva algo e volto correndo para o escritório. Não demoro trinta segundos, no
entanto, a porta já está fechada. Eu sabia! Zion está acabando com o rapaz,
posso ouvir sua voz alterada.
— Eduardo... — sussurro.
— Seu maldito! — Grito e entro no escritório feito uma fera. Voo para
cima de Zion, mas ele me segura morrendo de felicidade cruel. — O que
você fez?
— Eu não fiz nada! — berro na cara dele. — eu não fiz nada, porra.
— Você não pode me obrigar a trabalhar para pagar uma dívida que não
é minha. Ouviu o advogado.
ZION
Hoje ela quase conseguiu escapar de mim. Por pouco ela daria uma
cartada definitiva que a livraria de minhas mãos.
Mais cedo do que eu esperava, Eloisa vem anunciar a presença de
meu amigo. Agradeço e ordeno que Isadora e ela fiquem de prontidão
na sala. Saio do escritório e encontro Alexandros Katsaros ainda de pé,
aguardando ser recebido por mim. Seus olhos passeiam por Isadora e
Eloisa, paradas lado a lado à espera de alguma ordem.
— Isadora, pode sair, Eloisa fique — resmungo a ordem e me
aproximo de meu amigo, estendendo a mão.
— Katsaros.
— Meu amigo, vim assim que soube. — Seu forte sotaque grego é
vibrante e me traz um leve conforto nostálgico. Ele me dá um rápido
abraço de pêsames. — Estava em viagem de negócios. Eu sinto muito
por sua perda.
— Obrigado. Vamos ao meu escritório. — Estendo a mão para ele
e faço sinal para Eloisa ir na frente. Ela entende, e com passos rápidos
toma o rumo do escritório. Abre a porta, as persianas e puxa uma
poltrona para Alexandros se acomodar. Ele a agradece com um gesto e
desabotoa o terno antes de se sentar confortavelmente.
Alexandros é um legítimo grego que veio para o Brasil há uns
cinco anos e aqui se estabilizou. Além de ser parceiro em meus
negócios das refinarias, é um dos poucos homens que são de verdade
próximos a mim. Nos três anos que passamos na Grécia, descobrimos
que temos personalidades parecidas. Nossos pensamentos sempre estão
alinhados. Somos líderes natos.
— O que está fazendo nesta casa, Zion? Por que veio parar aqui?
— Tem a ver com aquele assunto que te falei por alto. — Troco um
olhar com Eloisa, ainda de pé no escritório nos observando enquanto
espera alguma ordem.
— Sobre Roberto?
— Sim. Esta era a casa dele. Quer beber algo?
— Está muito cedo para um conhaque? — Olha no relógio para ter
certeza. — Ou um brandy.
— Dois brandys. — Peço a Eloisa, que assente prontamente. —
Manda Isadora trazer. Rápido.
— Não quer me ceder ela? — meu amigo pede sem qualquer traço
de intenção maliciosa.
— Quem? — Olho em volta — A governanta?
— Sim. Esta parece obediente e comprometida com a casa. Preciso
de alguém para colocar minha casa em ordem.
— Contrate alguém. — Meu levantar de ombros insinua como essa
é uma opção óbvia para ele.
— Está bem difícil, devido a minha pequena animosidade... Elas
simplesmente não ficam. Você me conhece, nem sempre estou nos
meus melhores dias.
— É, eu te conheço. Infelizmente, não dá. Ela é necessária aqui.
— Hum... quer comê-la?
Franzo o cenho surpreso
— Não, porra.
— Então me conceda e fique com a outra que estava ao lado dela
na sala.
Isadora aparece nesse instante, de cabeça baixa carregando de
maneira amadora e trêmula a bandeja com os copos. Ela serve
Alexandros, que não tira os olhos do maldito decote que a safada exibe.
Ela provavelmente fez de propósito, afinal sabe que ele é rico. Se ela
conseguir apoio de alguém tão poderoso no nível de Alexandros, eu
perco todos meus planos.
Pego o outro copo na bandeja, e nossos olhos se topam. Os dela
brilham com raiva, como de costume. Essa é minha, para eu brincar
como quiser.
Com um aceno a dispenso.
— Fique com a governanta e me dê essa tonta. Posso ensiná-la à
força a servir um convidado.
— Vá tomar no cu e deixe minhas funcionárias em paz.
— Tudo bem. — Ergue as mãos em sinal de rendição. — Vou pedir
indicação. Me conte sobre essa casa e os problemas de Roberto.
— Essa que veio servir é a ex senhora Agostini. — Saboreio em
tom vitorioso ao falar.
— Como assim? — As sobrancelhas de Alexandros se erguem
instantaneamente, e ele curva para frente, intrigado. — A viúva?
— Isso.
— Aquela esposa gostosa que ele usava como troféu? — Ainda
está sem acreditar.
— Não fala assim dele. Vou te contar tudo sobre essa golpista
barata. E você entenderá o motivo da viúva de Roberto ser a minha
nova empregada preferida.
Rapidamente, pego uma cópia das notas fiscais dos serviços que
Isadora usou no dia do enterro.
ISADORA
∞∞∞
Me troco rapidamente e vou para a cozinha tomar meu café, antes de ter
que servir o de Zion. Dou bom dia para as mulheres e provo uma pequena
fagulha de ânimo quando me posiciono diante do fogão, observando Odete
preparar bolinhos de chuva. Não costumo comer frituras, mas hoje abrirei
uma exceção, já que ela está fazendo especialmente para os empregados.
O desjejum de Zion é bem mais magro. Vejo a anotação de que ele quer
frutas frescas, café sem açúcar, ovo pochê, pão integral e ricota.
O café com bolinhos de chuva estava uma delícia e trouxeram uma
brutal memória afetiva. Logo me lembrei da minha infância simples no
interior, quando tomava café sentada no fogão de lenha porque era
quentinho.
Só não pude aproveitar mais conversando com as mulheres na cozinha
porque Zion desceria a qualquer momento. Ajudei Eloisa a arrumar a mesa e
tomei meu lugar de prontidão, esperando as ordens dele.
Ser uma empregada não me afronta como ele imagina. A crueldade com
que Roberto me tratou é que mais me magoa.
Zion desce usando uma calça bege e uma camisa branca de linho, com
os primeiros botões abertos, revelando o peitoral e uma corrente com algum
pingente que não consigo detectar. Usa óculos escuros e sandálias.
— Você é pontual. — Sorri para mim. Ignoro-o e pego o bule para
servi-lo.
— Café?
— Hum... o dia está bonito, não acha, Isadora? — Ele não se senta, fica
de pé me encarando.
— Sim, está.
— Então sirva meu café na piscina. Quero aproveitar.
— Mas... já está servido. — Aponto para a mesa preparada.
— Quero meu café servido em cinco minutos. E se estiver frio, a culpa
será sua. — Ele dá uns passos, mas para e olha para Eloisa. — Ela serve,
você vá procurar algo para fazer.
— Sim, senhor.
Dez
ISADORA
Zion levanta os olhos para mim e vejo um sentimento forte e cru, algo
como dor, além de lágrimas. Engulo seco me encolhendo. Não vou provocar,
ele aparentemente não está bem.
— Café, forte. Rápido — ordena, e eu corro para atender. — Se é que
sabe fazer algo além de iludir homens ricos e idiotas. — Porra, ele está
visivelmente fora de si. Bêbado talvez?
Fico tentada a mandar uma mensagem para Eloisa vir ficar comigo, mas
deixei meu celular no quarto. Procuro nos armários, até encontrar o pó de
café. Torço para que consiga preparar da maneira correta.
— Quem mandou você ir dormir? — Zion sobe um tom na voz. Encho
a jarra da cafeteira com água e ligo-a. Só então encaro o homem de
expressão mortal.
— Eu também preciso dormir, Zion. Mas fiquei até às dez esperando...
— Você mente tão bem, tão cara de pau — o sorriso enquanto está com
os olhos tristes, avermelhados e lacrimejantes, o deixa um pouco mais
humano. Nada da frieza costumeira. — Era com essa carinha que você
levava homens para a cama quando seu marido não estava?
Eu me calo, de braços cruzados, apenas o fitando. Não vou responder as
provocações de um bêbado.
— Responda! — o grito reverbera pela casa silenciosa, se misturando
com o barulho da chuva lá fora. — Você me obedece. Você vai passar pelo
pior inferno, Isadora — Dá um sorriso amargo. Sim, muito amargo, Zion
está mesmo sofrendo. E por mim, foda-se, não importo.
— Eu não sei o que te responder — sussurro, meio atordoada. — Se eu
disser que eu não transava com homens você vai se zangar mais ainda
achando que é mentira.
— A verdade, eu quero a porra da verdade. Me diga o que sentia
quando resumia seu marido a um merda? Se sentia bem? Se masturbava feliz
imaginando-o derrotado e chorando?
— Foi isso que ele te disse? — Tento parecer fria diante dos insultos.
Por dentro, meu coração dispara com a adrenalina.
ZION
Hoje, pela manhã, preferi sair de casa para não colocar em prática meus
instintos que imploravam para seguir Isadora até o quarto, quando ela saiu
da piscina e saciar minha vontade que pulsa desde que coloquei os pés nesse
inferno de casa.
Então as coisas pioraram quando me encontrei com Reginaldo,
responsável por descobrir mais sobre Isadora. E ele me contou que
encontrou a mãe de Isadora presa em uma vida pobre em um vilarejo.
— Tem uma vida normal? Roberto dizia que era mulher da vida... —
indaguei, surpreso em saber que a mãe era uma mulher honesta e
evidentemente não usufruiu de nada do dinheiro que a filha arrancou de
Roberto.
E, como resposta, Reginaldo colocou a gravação da conversa que ele
teve com a mulher. Ali encontrei comprovação de que Isadora é mesmo
culpada.
“Ela se perdeu cedo.” A voz da mãe parecia cansada, combinava com a
foto que eu estava olhando. Uma velha senhora sofrida e triste. “Eu lutei
para dar uma vida honrada a ela, mas Isadora quis vida fácil. Não
descansou enquanto não conquistou homem rico e mais velho, e então sumiu
de casa sem nunca mais olhar para trás”
Abalado com mais aquela prova jogada em minhas mãos, marquei um
encontro com Mauro, advogado e amigo de Roberto, porque eu ansiava por
mais respostas, queria entender melhor a vida do casal e a face daquela
mulher misteriosa. E ele terminou de abalar minhas estruturas acrescentando
mais merdas sobre Isadora.
— Ela não iria fazer nada, Zion. — Mauro contrapôs. — Ela já tentou
fugir uma vez e você não permitiu. Só está esperando a poeira abaixar para
fugir novamente.
O meu ódio e desespero, é por querê-la tão vorazmente. E por isso bebi
demais e cheguei derrotado em casa.
∞∞∞
∞∞∞
Fico satisfeito por realizar uma reunião como novo presidente e ser
aprovado pelo conselho para o cargo. As pessoas ainda não se deram conta
de que a minha irmã morreu no acidente, esse é um detalhe que ainda gira
meio encoberto.
Ela morreu dias antes de Roberto, e sua missa de sétimo dia aconteceu
um dia depois que ele foi enterrado. Foi algo íntimo, na cidade em que ela
morava, apenas para os melhores amigos dela.
Ao meio-dia, saio para almoçar com alguns diretores da empresa, a fim
de ouvir mais a respeito das novas aquisições que a Solaris está negociando.
É uma conversa produtiva e que me anima substancialmente. Quero
conhecer mais a fundo cada um deles e o cargo que desempenham, coisa que
acontecerá com o tempo.
E quando estou de saída do restaurante, alguém se aproxima de mim.
São duas mulheres, uma delas risonha, mas que não me parece estranha.
— Zion, não é isso?
— Sim.
— Sou Melanie, amiga de Roberto. Nos conhecemos em uma social no
iate do meu pai, em São Paulo.
— Ah, claro. Você é filha do Edson, um dos nossos diretores da filial
em São Paulo.
— Exatamente. Minha amiga Raissa. — Apresenta a jovem ao lado
dela, e quando terminamos de nos cumprimentar, Melanie indaga:
— Ouvi dizer que está na cidade.
— Vou ficar por um tempo.
— Isso é ótimo. Bom... a Raissa estava interessada em te conhecer
melhor — ela diz, e eu olho para a jovem do lado dela, que sorri mordendo a
pontinha do lábio. — E talvez eu também queira... Raissa e eu
costumamos..., bom, você sabe... dividir.
Sei exatamente do que ela se refere. Estou zero interessado em qualquer
uma das duas, porém uma ideia brilha em minha mente.
— Conhece a Isadora? Viúva de Roberto?
— A vaca? Sim, infelizmente. Eu era amiga dela, até saber todas as
merdas que ela fazia com o pobre homem. Por que pergunta?
— Porque estou na casa deles.
— Na mansão de Roberto? — Os olhos saltam surpresos.
— Isso. É minha agora.
— Sua?
— Se quiser, podem dar uma passadinha por lá hoje depois das seis.
Talvez encontremos algo divertido para fazer.
∞∞∞
∞∞∞
ISADORA
Ele me olha por longos segundos, expressão muito fechada, mas que
deixa entrever o brilho do arrependimento. Até falar novamente, baixinho:
∞∞∞
Zion ordena que o jantar seja servido às nove da noite. E mesmo que eu
conteste que o meu expediente termina justamente às nove, ele insiste que eu
devo obedecê-lo.
Eles vão para a piscina, beber e festejar, fazendo de mim a garçonete
particular. Melanie faz questão de sempre gritar o meu nome pedindo
bebida, água, toalhas, chinelo.
— Zion, você me deu o presente do ano — diz ela, aos risos. — Fazer
essa mulher correr atendendo aos meus pedidos é a satisfação do ano.
Sem dizer nada, com semblante carregado, ele apenas pensava quieto
me observando.
A outra jovem, que se chama Raissa, está de biquíni dentro da piscina.
Como é noite, as luzes estão acesas, refletindo na água e deixando o
ambiente mais sensual.
Usando uma sunga de banho, Zion está deitado em uma
espreguiçadeira. Chego com outro balde de gelo com um champanhe, no
momento em que Melanie caminha até ele, senta-se sobre seu colo e o beija.
Coloco o balde na mesinha e pego as garrafas vazias.
Não queria, mas acabo olhando para o lado. As mãos grandes de Zion
acariciam o corpo de Melanie, parando em sua bunda. Então ele dá um tapa,
e ela para de beijá-lo para rir.
Zion me vê e parece adorar a minha presença enquanto beija a outra.
Como se eu fosse me importar. Viro-me e volto depressa para a cozinha,
onde me apoio na pia e respiro fundo várias vezes, recobrando o
autocontrole.
Ele não vai me afetar.
Ele não vai me afetar.
E mesmo que eu repita o mantra internamente, as horas são cruelmente
exaustivas.
Elas sobem para tomar um banho antes do jantar, e Zion mostra a
mansão para as duas mulheres, que parecem encantadas com o charme
maligno dele. O que não julgo, afinal, o homem consegue exalar uma aura
de poder e virilidade capaz de seduzir qualquer pobre alma.
Às nove, meu expediente termina oficialmente, mas não estou
dispensada. E uma ideia brilha na cabeça, acelerando o coração. Eu não
posso feri-lo diretamente, mas também não preciso ficar para trás.
— Eloisa, comece a servir o jantar se eles chegarem — peço.
— Mas... senhora. Para onde vai?
— Três minutos. Só três minutos.
— Certo, vá, depressa.
Saio correndo da casa. Correndo mesmo, passando pela piscina, agora
vazia, nem olho para os lados, até chegar à ala dos empregados. Bato a porta
e abro o armário. Roupas comportadas, todas muito elegantes.
Agitada, olho vestido por vestido. Não há nada muito provocante,
afinal, eu sempre me vesti de acordo com o que Roberto queria. Ele fez de
mim uma dama conservadora da alta-sociedade. Mas me lembro de um
vermelho que eu comprei e mandei colocar uma renda para tampar o decote,
pois era muito provocativo, e Roberto não gostava. Encontro o vestido em
uma das caixas com roupas que eu separei para não usar. Arranco a renda,
deixando o decote nos seios bem chamativo, além de uma fenda nas costas.
Visto-me, escolho um sapato de salto vermelho, solto os cabelos e
passo o batom vinho mais forte que tenho.
Para arrematar minha ideia, prendo o celular por baixo do vestido e
coloco fones de ouvido. E só então saio do quarto.
Zion e as mulheres já estão sentados à mesa quando entro na sala.
Rindo, conversando divertidamente, Zion paralisa surpreso no momento em
que me vê. Ajeito o decote, ergo o queixo, e me aproximo da mesa.
— O que está fazendo? — indaga, olhando direto para o decote em
meus seios e só depois fitando meus olhos.
— Estou aqui para servir — digo a ele e toco no fone de ouvido: — Um
instantinho, querido. Já volto. — O fone nada mais é que uma artimanha,
como se eu estivesse falando com um homem.
— Por que está vestindo assim, Isadora? E com quem está falando?
— Meu horário de expediente já terminou, senhor Zion. Eu estava de
saída para um compromisso, mas por causa da sua ordem, vou continuar
servido vocês. Aceita vinho? — Ignoro totalmente as mulheres, que parecem
confusas com a reação dele.
— Com quem está falando durante o seu serviço? — ele insiste, e
parece que essa questão o pegou desprevenido.
— Com a pessoa que eu ia me encontrar. Decidimos fazer o encontro
dessa noite por chamada de vídeo logo mais, quando eu terminar de servir e
puder me recolher ao meu quarto. Alguém vai querer vinho ou preferem que
eu sirva a entrada?
— A entrada. E seja rápida — Melanie ordena, furiosa por perceber que
Zion perdeu completamente a compostura por causa da minha jogada.
Começo a servir a salada fresca, com vieiras grelhadas ao antepasto de
alcaparras, até que repentinamente rio.
Zion me fita sem piscar, com cara de quem está muito puto.
— Desculpa — peço a eles, apontando para o fone, e sussurro alto o
suficiente para que escutem: — Fernado, não seja maldoso.
— Desliga essa merda e preste atenção em seu serviço, Isadora. — A
voz de Zion tem poder de fazer meus nervos vibrarem, mas seguro a onda e
finjo que não estou nem aí. Termino de servir a entrada e aviso:
— Me deem um segundo. Só vou pedir uma pausa ao meu
acompanhante. — Como sei que talvez Zion virá atrás de mim, fico no
corredor entre a sala de jantar e a cozinha e interpreto:
— Não fala isso — digo para o fone. — Claro, eu vou adorar. — Zion
aparece, puto da vida. Ele vem em minha direção, e eu sou rápida fingindo
que estou me despedindo. — Certo, te retorno quando eu terminar aqui. Um
beijo, meu querido.
Zion arranca com força o fone do meu ouvido e bate a mão na parede
ao lado da minha cabeça, me prendendo contra seu corpo. Seus olhos de cão
ruim pousam urgentes sobre os meus, e em seguida, como se não
conseguisse se conter, desliza para baixo, em direção ao meu decote.
— Quem é Fernando?
— Não é da sua conta. — Mantenho meus olhos cravados nos deles.
Que Deus me ajude, mas não vou esmorecer.
— Não é?
— Não. Você é meu patrão, eu sou viúva e livre. Se não se afastar eu
vou entender como assédio. Agora eu tenho um contrato que me protege.
— Como tem coragem? Não tem sete dias que seu marido foi
enterrado...
Agora ele me passa a bola de mão beijada. E eu não deixo escapar a
oportunidade.
— Eu devo guardar algum tipo de consideração por ele? Me responda
com sinceridade, Zion? Eu devo qualquer pingo de respeito pela memória
dele? Você e todos os amigos dele têm certeza de que eu fui a puta megera
na vida do santo homem, então por que está cobrando isso de mim?
A garganta de Zion se mexe quando ele engole as palavras. Não há
motivos para ele exigir nada disso.
— Você não vai se encontrar com homem nenhum...
— Por quê? Segundo o contrato que assinei, você é meu patrão, não
meu dono. Sua vingança acontece apenas nessa casa, no âmbito
empregatício, e sem muitos exageros, senão te denuncio. Da porta para fora,
eu sou livre. E vou foder, vou festejar, vou ser feliz, com quem eu quiser.
Tento sair, mas ele me segura, empurrando meu corpo de volta contra a
parede. Rosna bem pertinho da minha boca.
ZION
— Quem é?
— Abra a porra da porta, Isadora. — Tento não bater com força, para
não a amedrontar. E até penso que ela vai me mandar embora e gritar que
não vai abrir, porém me surpreendo quando ouço a chave na fechadura e em
seguida a porta abre.
— O que você quer?
É uma boa pergunta. O que eu quero aqui? Sei que estou perdendo,
vergonhosamente, o controle das coisas, mas ainda assim não consigo dar
um basta na situação.
Perdi minha noite, perdi o sexo a três que Melanie oferecia, perdi a
concentração depois que Isadora mostrou um pedacinho da sua insolência
depravada. E agora não faço ideia do que estou fazendo aqui.
Empurro a porta e entro no quartinho. Isadora, usando um robe, dá um
passo para trás, sem qualquer sinal de intimidação pela minha presença. Os
resquícios da coragem ainda devem estar bombeando em seu sangue.
Corro os olhos em volta, admirando o ambiente que tem cara de um
quarto habitável depois que Isadora deu alguns toques. Fito a cama de
solteiro levemente desarrumada, como se ela já estivesse deitada quando
bati. O celular está na mesinha de cabeceira, desligado. Nem sinal da tal
chamada de vídeo. Ela estava blefando?
Inexplicavelmente, a torrente de alívio invade meu peito.
Alivio pelo quê?
Por que a leveza no meu coração ao saber que ela não está nua
falando com um bosta qualquer?
Dobrado em uma cadeira, está a porra do vestido vermelho que quase
me mata essa noite. Caminho até lá e o pego.
— O que está fazendo, Zion?
Sob o olhar dela, desdobro-o, seguro firme no decote e puxo com toda a
força, rasgando-o praticamente ao meio. E foda-se.
— Não faça isso! — aos berros, Isadora parte para cima de mim,
tentando arrancar o vestido das minhas mãos. — Você não tem o direito.
— Tenho! — berro de volta, enlouquecido e sem razão. Essa mulher me
atinge de uma maneira inexplicável — Isso aqui foi comprado com o
dinheiro do Roberto. — Termino de rasgar e jogo aos pés dela. — Se você
me provocar outra vez, Isadora...
— Você não pode fazer nada.
Dou alguns passos em direção a ela, até encurralá-la contra o armário.
— Posso. Dentro da minha casa, eu posso. Eu digo como um
funcionário deve se vestir. Eu vou te ensinar a...
— Não vai. — Ela me enfrenta sem abaixar o tom de voz. — Eu posso
aguentar as pancadas, não fui dama da sociedade a vida toda, sei me virar.
Você não me assusta.
Ela não devia ter feito isso, pois acaba de me desafiar. Sorrio para
Isadora, que ainda está a centímetros do meu corpo. Um palmo de distância
para que eu a pegue e prove novamente de seus lábios insolentes que
dominam minha mente constantemente.
— Tudo bem, senhora resiliente. Vamos ver até quando pode aguentar
sem pedir arrego. — Eu me viro e saio do quarto antes que eu não consiga
mais responder pelas minhas ações.
∞∞∞
ISADORA
ISADORA
Uma hora depois, o salão principal está lotado, assim como o jardim.
Eu já dei algumas voltas com uma bandeja de canapés, passando a maior
parte do tempo de cabeça baixa. Estratégia que pareceu dar certo. Ninguém
me reconheceu. Na verdade, esse tipo de gente nem olha duas vezes para os
rostos de serventes ou funcionários em geral.
Porém, Zion pede a atenção de todos usando um microfone e se
posiciona no centro, para que todos possam vê-lo. Ele me pega desprevenida
quando estou lendo uma mensagem de Eloisa que diz:
ZION
A próxima música que toca, sei bem qual é: A sky full of star, de
Coldplay. E me entristece, pois eu gosto deles, mas essa música vai marcar
de forma negativa. Seguro na mão dela e a arrasto dali, tirando do meio de
toda aquela gente. Conseguimos um lugar menos barulhento e reservado,
onde tem algumas mesas vazias.
— Eu... o amava. — Ela limpa as lágrimas. Agarro seus ombros,
sacudindo-a. Essas palavras me ferem inexplicavelmente.
— Não o amava, Isadora. Você não o amava.
Paralisada, observa meus olhos, e como se visse ali a resposta para
tudo, ela fica sem fala, boquiaberta.
— Fala! Fala a verdade, Isadora.
ZION
Confiro uma última vez toda a papelada que Reginaldo me deu sobre os
extratos médicos de Isadora. Estão lá todos os registros de procedimentos
estéticos, o que eu já não acreditava desde o dia que vi a foto do casamento
dela. Preciso de provas para confrontar Mauro.
Já são dez da noite, mesmo assim ligo para a minha secretária da
empresa. Peço desculpas pelo horário e digo logo o que desejo.
— Só preciso saber para onde vai a fatura do plano de saúde dos
funcionários da empresa.
— Estão chegando no e-mail de cada beneficiário — ela responde.
— Peça uma segunda via do plano de Roberto e da esposa dele. Diz que
preciso dos três últimos meses.
— Sim, senhor. Farei isso amanhã quando chegar à empresa.
∞∞∞
ISADORA
∞∞∞
O dia está lindo quando abro as cortinas. Belo, mas sem muito sol, o
que me diz que dá para caminhar um pouco. Eu me sinto bem após a noite,
sem qualquer resíduo do que aconteceu ontem me perturbando. Tomo meus
remédios matutinos, meço minha pressão arterial e minha glicose em jejum e
a saturação. Aparentemente, bem de saúde.
Passo protetor solar, visto um moletom e saio do quarto, colocando
boné e óculos escuros, para me exercitar um pouco.
Corro em direção ao labirinto de arbustos e, dessa vez, encontro o
jardineiro aparando-os para deixar as plantas com um desenho quadrado.
— Bom dia, dona Isadora.
— Bom dia, seu Leandro. Os arbustos estão bonitos.
— Obrigado. Veja depois as roseiras, uma beleza.
Percorro cada corredor do labirinto com o coração na mão, sempre com
a impressão de que vou topar com Zion em cada esquina. Mas, por sorte, não
o encontro. Nem mesmo no centro do labirinto, onde fica a fonte. Paro para
tomar um ar e volto à caminhada suave para sair do outro lado do jardim.
Ao sair, do lado oposto do caminho em que entrei, surpreendo-me ao
ver uma luta corporal entre homens na quadra de tênis de Roberto.
Assustada, corro para perto, e só então percebo que um deles é Zion lutando
ferozmente com seus homens. Uns cinco indo para cima dele, enquanto
socos voam para todo lado.
Não parece treino ou ensaio. São golpes mesmo, para valer.
Zion derruba um, que cai, mas se levanta cambaleando. Em seguida,
acerta o chute em outro, mas é pego por trás e recebe um soco. Faço uma
careta, pois deve ter doído. Zion fica tonto e recebe um golpe nas costelas,
caindo de joelhos na quadra.
Que bom vê-lo apanhar.
Viro as costas e corro de volta para a mansão. Não quero problemas
caso ele me descubra espionando.
Então é assim que ele conseguiu aquelas marcas nos nós dos dedos,
que vi no dia em que ele chegou?
Troco de roupa, arrumo os cabelos e, vestida com o uniforme de
empregada, vou para a cozinha tomar meu café antes que Zion chegue.
Eloisa não está na cozinha. Cumprimento Odete e Regina, e elas apenas
murmuram sem dar muita conversa. Espio na sala, mas nem sinal de Eloisa.
— Eloisa? — chamo, olhando para a área de serviço. Preciso conversar
com ela, é a única pessoa que confio. Quero contar a novidade, que a amante
de Roberto é irmã de Zion. — Eloisa?
— Não sabe, dona Isadora? — Odete indaga, com o semblante triste.
— O quê...?
— Eloisa não está mais aqui.
Ela dá a notícia, e eu quase caio para trás, colocando a mão no peito.
— Como assim? O que houve?
As duas se entreolham, visivelmente com medo de falar, mas Odete dá
de ombros e resolve me dizer.
— Ela foi mandada embora. Eu vi ontem quando o seu Zion falou...
— Como assim, ele a mandou embora? Ele... não podia. Por quê?
— Não sei se é isso, mas a gente acha que foi porque ela ajudou a
senhora ontem à noite. O seu Zion não deve ter gostado nem um pouco.
Nem termino de ouvir. Cega de ódio, saio da cozinha e corro rumo ao
jardim; entro no labirinto, com o coração explodindo nos tímpanos, e chego
do outro lado. Zion ainda está na quadra de tênis, mas agora não luta mais.
Ele conversa com os homens e toma água em uma garrafinha.
Puxo o portão de grade e entro feito uma onça brava. Os homens me
veem e chamam a atenção de Zion, que me vê também. Eu queria pegá-lo
desprevenido.
— Seu filho da puta desgraçado. — Parto com fúria para cima dele,
mas não consigo acertá-lo. Zion me segura no momento em que minha mão
ia acertar em cheio o seu rosto.
— Isadora! Está louca?
— Estou! Eu estou louca. Porra, me larga. — Chacoalho meus braços
até ele me soltar. Com passos trôpegos, coloco distância entre a gente e
aponto o dedo para ele, ofegante, furiosa. — Eu vou acabar com você. Vou
ser a megera que você queria...
— Podem ir. — Ele dispensa os homens, que não questionam e saem
sem olhar para trás. — O que foi que eu fiz para enfim mexer com as
emoções gélidas da viúva cobra? — Tripudia e cruza os braços diante do
peito suado e sujo.
— O seu problema era comigo. Eu destruí sua vida, como ama dizer.
Você demitiu a Eloisa só para me punir. Ela não tem culpa dessa merda entre
nós dois.
— Ela me desrespeitou ontem ao te ajudar a fazer aquele espetáculo.
— Que você desse uma advertência. Mas mandar embora só para me
ferir? Quem você pensa que é? — minha voz quase falha com a sensação de
afogamento que me toma, não estou totalmente bem depois de ontem. Zion
continua impassível assistindo meu surto.
— Não penso, eu sou. O dono disso tudo aqui e seu patrão. E patrão
dela também. Então eu decidi, e está feito.
— Você quer saber? Ela sustenta a família dela no interior. Ela
precisava desse emprego. Você poderia tirar o meu salário ou dividir com
ela. Mas mandar embora? Como quer que alguém tenha compaixão pelas
suas dores e que chore com você quando não consegue ter empatia com uma
funcionária?
Zion paralisa diante das minhas palavras, perdendo totalmente a pose
autoritária e inabalável. Ele abaixa a cabeça sem palavras, e eu me viro para
sair, porém ele fala:
— Não mandei ela embora por sua causa. — Eu me viro de volta para
ele. — Eu apenas a emprestei para meu amigo, por dois meses, até que ele
encontre uma governanta à altura. Eloisa vai ganhar o dobro, nós dois a
pagaremos, e ela aceitou o acordo.
Zion me desarma em segundos. Toda a fúria desaparece, me deixando
apenas com uma vergonhosa boca aberta. Tento falar algo, contestar, mas
não sai uma palavra.
— Pois é. Não sou tão cuzão a ponto de foder com a vida de quem
nunca fez nada comigo. — Ele se aproxima de mim, e com uma mão segura
meu maxilar. — E da próxima vez, não tente me agredir. Posso ficar bem
furioso. — E como se não fosse o meu fodido carrasco, se inclina e beija
minha boca. E o pior: eu deixo.
Zion me beija docemente, nada opressor, nada cruel. É um excitante
beijo de língua, com minha contribuição inclusive. Minhas pernas tremem
enquanto sua boca encaixa na minha e a sua mão acaricia minha bochecha.
Toco no seu peito para me apoiar e gosto dos músculos duros sobre minha
palma.
Zion interrompe o beijo e sorri com os olhos.
— Como está se sentindo agora pela manhã, além da fúria de onça
brava?
— Não te interessa. — Dou um tapa na mão dele e afasto um passo. —
Você disse ontem que era para fingir que nada aconteceu!
— Esqueça ontem, Isadora. Hoje é outro dia. — Simplesmente se vira,
e sai andando para fora da quadra.
∞∞∞
ZION
Acho que levo uns três minutos dentro do carro para voltar à
normalidade das minhas emoções. Estou sem cabeça para o trabalho, então
mando cancelar minha agenda. Sem nada para fazer, decido ver meu
sobrinho. É um grande contraste esses dois movimentos: acabei de bater em
um cara e vou visitar um bebê. Porém me sinto em um espiral, tentando
repensar minhas ações, por isso decido começar pela minha única família
restante.
É um belo menino. Carismático, forte e saudável. Eu o observo por
minutos enquanto brinca no tapete, balbuciando para mim, feliz de me ver.
Ele usa um macacão verde como uma fantasia de dinossauro, o capuz parece
uma boca. Dona Salete explica que ele adora a fantasia, seu tom de voz é
como se estivesse se desculpando por vesti-lo assim. Como se estivesse
amedrontada, esperando um sermão da minha parte. Eu meto medo nas
pessoas.
Ela relata os últimos acontecimentos, mas não presto atenção. Eu não
consigo desviar os olhos do bebê.
Abaixo em direção a ele e o pego do chão.
Não consigo ver a minha irmã nele. E isso dói muito. Mas posso fazer
dele um homem honrado, honesto e acima de tudo... diferente de mim. Como
eu posso criar esse menino para que não siga os meus passos?
— Vou sair com ele — digo a Salete. Ela reage correndo em volta,
pegando coisas e colocando em uma bolsa de bebê. Quando tenta me seguir,
eu não permito. — Eu vou sozinho com ele. — Tomo a bolsa de bebê,
coloco em meu ombro e saio com Lohan, sem esperar que ela o arrume.
Apenas acato a sugestão dela, de que eu vá no carro que está ali à disposição
deles e que já tem uma cadeirinha própria para bebês. Ela me ensina como
amarrá-lo na cadeirinha e parece apreensiva quando saio com o carro.
Não sei qual destino tomar. Não sei onde levar um bebê para ele se
divertir. Não sei como me divertir com um bebê sem deixá-lo com medo.
Um shopping parece uma aposta assertiva. E ao chegar, tiro-o com cuidado
do carro, encontrando uma posição boa para segurá-lo em meu braço. A
fantasia verde destoa de mim, que uso roupa social, tirei apenas o paletó.
Enquanto caminho pelo shopping com o bebê no braço, e a bolsa dele
no outro lado, pareço uma atração para as pessoas em volta. Umas jovens
sorriem encantadas, uma senhora até para de caminhar para olhar o bebê
risonho em meus braços.
— Está vendo, amigão? Você é sucesso por onde passa.
Ele balbucia alto, batendo palminhas.
Encontro uma área de recreação infantil, o que parece ser uma
excelente ideia. A mulher me indica quais brinquedos são apropriados para
bebês. Ele parece adorar a piscina de bolinhas, grita e ri, maravilhado com
tantas cores, novas experiências que não se resumem a ficar preso em uma
casa com uma senhora de meia-idade.
— Ele é muito lindinho — uma jovem diz e me olha. — É seu filho?
Encaro Lohan por segundos a fio. Ele só tem a mim, e eu só tenho ele.
É a minha chance de redenção, de criar um ser humano que preste, alguém
que não vá ferir as pessoas.
Não há qualquer outra resposta para dar.
— Sim, é o meu filho.
Vinte
ISADORA
Tive uma noite relativamente boa. Dormi em paz, sem muitas questões
na mente, apesar das novidades que Zion trouxe. Minha mãe ainda pensa
mal de mim, e agora sou acusada de limpar o cofre de um banco que nem sei
onde fica.
Eu me agarrei à palavra dele, de que não vai mais me tratar como
golpista, e por isso as preocupações desapareceram dando lugar ao sono.
Levanto pela manhã sentindo uma boa onda de ânimo. Decido novamente
fazer uma rápida caminhada antes de começar o serviço. Visto o costumeiro
moletom, óculos e boné. Saio de casa adorando a manhã levemente fria.
Estou prestes a entrar no labirinto do jardim quando ouço passos ao
meu lado. É Zion usando apenas um short, boné e tênis. Um homem gostoso
em toda a sua glória.
— Bom dia — ele diz, diminuído o ritmo para andar ao meu lado. Ele
cheira bem pra cacete. Certamente toma banho antes de se exercitar.
— Bom dia.
— Você é focada, não é? Em exercícios, medicamentos, alimentação.
— É a minha rotina.
Atravessamos o labirinto em silêncio, o que é estranho. Eu não quero
beijar esse homem, não quero jantar com ele, não quero caminhar com ele
pela manhã, muito menos ter qualquer afinidade com ele.
— Não gosto dessa casa — diz subitamente, e eu elevo o rosto para
olhá-lo. — Apesar de parecer o contrário.
— Não gosta? Ela não atinge o seu alto critério de qualidade? —
Ótimo, o cinismo é uma boa escolha para me defender, tanto como a rudez.
Os lábios dele curvam brevemente diante da minha cutucada.
— Eu a acho fria, é meio sem vida. Muitos cômodos inutilizados,
espaços grandiosos, uma decoração tão... trivial.
— O Roberto pagou uma designer — denuncio antes que me acuse de
ser brega quanto a decoração de casa.
— E todo esse jardim. Me parece uma autoafirmação de poder, que ele
não tinha.
— O Roberto? Ele não tinha poder?
— Não como talvez ele pensasse. Ele não tinha poder na Solaris, e
acredito que nem com você. Você mandava e desmandava, não é?
Rio. Acho que Zion não acredita nisso mas insiste para me provocar.
Dou de ombros sem me importar, sem qualquer ânimo para corrigi-lo.
— Sabe que eu queria mesmo ter tido esse lado que todos vocês
apontam? Uma putona poderosa e vigarista que se aproveita dos homens.
Afinal, acho que é para isso que a maioria serve.
— Bom, ainda está em tempo de deixar as máscaras caírem — ele diz, e
eu rio, deixando para lá. Ele vai se alimentar do que acredita, é fiel às
convicções criadas por terceiros.
— Você não morava por aqui, não é? — pergunto, mudando o assunto.
— Nunca tinha te visto entre os amigos de Roberto.
— Se tivesse visto, teria se interessado?
— Se você estivesse de boca fechada, certamente. — Zion ri. Eu finjo
desinteresse por mais que o sorriso do homem é capaz de arrepiar até
defunto. Ele não precisa se esforçar para fazer calcinhas gotejarem. Ele
precisa de alguns segundos em silêncio caminhando ao meu lado antes de
falar:
— Minha irmã e eu somos de São Paulo, mas eu estava na Grécia nos
últimos anos. Talvez por isso você não tenha me visto no meio social de
Roberto.
— Foi lá que conheceu aquele cara?
— Sim. Alexandros. Depois preferi morar em Rondônia, porém estava
me preparando para retornar à São Paulo, para ficar perto da minha irmã e
do filhinho dela.
Desconsidero essa parte. Varro da minha mente a informação para não
me abalar. Respiro fundo, olhando em volta. Damos uma volta na quadra de
tênis.
— Vai correr? — ele pergunta.
— Não, obrigada. Não costumo correr.
— Preguiçosa — Zion zomba. — Vou dar algumas voltas na quadra.
Assinto e caminho até um banquinho, para me sentar, enquanto ele
começa a correr em volta da quadra de tênis. É forte e ágil feito uma
máquina. Suas pernas fortes colocam força total, e em pouquíssimo tempo,
completa uma volta.
— Me fala como conheceu Roberto — ele grita, sem parar de correr.
— Provavelmente não vai acreditar e ainda dizer que eu sou uma
vagabunda mentirosa.
— Eu decido se acredito — responde rude quando passa perto de mim.
— Conta.
— Ele nunca te contou? — grito. Zion se afasta, passa correndo do
outro lado e novamente responde quando está mais perto:
— Já. Quero ver se as versões batem.
— Bom... ele foi inspecionar um terreno perto de onde eu morava.
Acho que procurando minério. O clichê de sempre: eu era pobre, e ele, muito
rico.
— E então você viu a oportunidade de subir na vida seduzindo o
homem?
Espero ele completar a volta e respondo, quando se aproxima de mim
novamente:
— Oh, pobre coitado do inocente homem de trinta e oito anos que foi
capturado por uma menina interesseira de dezessete.
Surpreso, ele para perto de mim, ofegante, mãos na cintura, expressão
incrédula.
— Você não tinha a porra de dezessete anos...
Dou de ombros sem qualquer vontade de explicar ou de tentar fazê-lo
acreditar em mim.
— Tinha? — insiste ao receber meu silêncio como resposta.
— Tenho uma certidão de casamento, caso queira conferir. Me casei
com dezoito. Ou também acha que eu seduzi o moço do cartório para ele
fraudar o registro?
Zion morde o lábio, olha para o céu, acaricia a barba e volta a me fitar.
— Ele me contou uma história fodida de que você estava em um bordel.
— Só se for um bordel em que Roberto era o cafetão, já que morei com
ele desde que saí da casa da minha mãe. — Elevo o rosto para encarar Zion
de pé em minha frente. — Há quanto tempo ele começou a falar de mim para
você? Uns meses?
Zion não responde. Pensa mais um pouco, calado, e volta a correr. O
silêncio é quebrado pelos passos dele e por uns dois trovões fracos ecoando
longe. Acho que a pior parte para Zion é começar a descobrir que os dois
não eram santos como ele acha. E para um homem prepotente como ele,
aceitar que errou deve ser uma facada no ego.
Ele corre mais um pouco, até que pingos de chuva comecem a cair.
— Estou indo! — grito e me afasto. Não estou a fim de me molhar.
Apresso o passo, entro no labirinto do jardim, e Zion me acompanha quando
chego na fonte. Ele me segura e empurra meu corpo contra a parede de
arbustos.
— O que está fazendo? — ele não responde e tenta me beijar, mas eu
luto, balançando meu rosto e empurrando seu peito.
— Isadora... — rosna. Tenta segurar minhas mãos, mas a raiva me
acende ainda mais. O nosso papo ainda há pouco, e saber que ele chegou
aqui com essa ideia baixa sobre mim, toda a humilhação que me fez passar...
Isso tudo me dá força para repeli-lo.
— Não! — grito. — Não quero. — E ele se afasta, me fitando
incrédulo. A chuva fica mais forte, todavia não ligo.
Zion passa a mão na barba, abaixa o rosto um segundo e volta a me
olhar com um leve tom zombeteiro nos olhos.
— Nos beijamos, e eu confessei o que sinto, e agora, sabendo que eu te
desejo, vai dar o seu preço, não é?
— Como é?
— Eu aumento seu salário. Se é isso que te importa.
Cética com o que acabo de ouvir, sinto o coração descompassado com a
pura decepção que suas palavras me causam. Burra. Eu achando que ia
começar a mudar...
— Vá se foder! — grito para ele, desistindo de qualquer discussão.
Conversar não vai dar em nada, então me viro para sair dali o mais rápido
possível. Como era de se esperar, Zion me segura.
— Ok, talvez você não morasse em um bordel literalmente. Mas
conheço tipos de mulheres que desde novinhas são aproveitadoras, Isadora.
E Roberto deixou provas documentadas. Como quer que eu reaja?
— Não me interessa! — grito e tento me afastar do seu corpo. A chuva
vai ficando mais forte, nos deixando ensopados.
— Vai mesmo se fazer de difícil? Eu sou a porra de um bilionário, e
você gostou de me beijar, duas vezes. Esse jogo não me atrai.
— Você só pode ser maluco de achar que eu vou cair de quatro só
porque é gostoso e rico. Eu já fui bem cretina em ter descido tão baixo
moralmente ao me sentir atraída por um homem como você.
— Um homem como eu?
— Mesquinho, maldoso, sei lá. Qualquer merda de rótulo. Estou aqui
nessa casa trabalhando para pagar as porcarias das contas e para não ser
denunciada. E enquanto você ocupava a suíte master da mansão, eu estava
presa naquele inferno de quartinho. Acha mesmo que vou continuar beijando
um cara que fez isso comigo?
Ele passa a mão nos cabelos e no rosto, tirando a água da chuva. Zion
parece refletir, um tanto raivoso.
— Então é isso? O problema foi o quarto?
Ainda mais desanimada, rio com as palavras dele.
— Você não consegue se desapegar do material, não é? Tudo para você
é sobre posse, sobre dinheiro, sobre bens. Se conseguisse descer só um
pouquinho de seu trono, talvez conseguisse ver o mundo de sentimentos que
povoam o coração de uma mulher e que nem todo dinheiro do mundo é
capaz de comprar, satisfazer ou entender.
Volto para dentro do labirinto, e dessa vez ele não me segue, fica lá no
núcleo, perto da fonte, parado, enquanto me distancio.
Vinte e um
ISADORA
O dia inteiro foi uma merda. Zion ficou novamente o dia todo sem
aparecer, nitidamente para me evitar. Eu não me arrependo das palavras que
joguei nele hoje pela manhã. Mais tarde, ele ligou para Odete dizendo que
passaria o dia com o sobrinho e que não viria almoçar nem jantar.
Soltei um suspiro de alívio e agradecimento. Primeiro por não precisar
encarar ele depois da conversa de mais cedo, e segundo porque apesar de
tudo, Zion respeitou meu desejo e não trouxe mais o sobrinho para essa casa.
Eu não saberia como me portar com o bebê de Roberto e da amante.
Liguei para Eloisa e conversamos bastante. Ela está horrorizada com a
naturalidade com que o grego vem se portando. Pela manhã, ele adentrou a
cozinha usando apenas short de dormir e tomou café assim, na cozinha
mesmo.
Eloisa também contou que flagrou, sem querer, quando ele estava
transando noite passada, com uma mulher, às duas da manhã na escada. Eles
não a viram, mas ela quase deu um grito.
— E como ele é, Eloisa? — rindo, questionei na ligação.
— Um demônio do pecado, dona Isadora. Eu não gosto de falar dessas
coisas, não.
— Por quê? É natural.
— Só quando eu me casar.
Eu fiquei tranquila, pois ela está bem, além de estar ganhando dobrado.
Sem muito o que fazer na casa, já que não sou fã de televisão, fiquei na
sala até às nove, e como Zion não apareceu, fui para o quarto.
O sono não vem de jeito nenhum quando me deito no delicioso colchão
de qualidade. Meu corpo, tão cansado dos últimos dias, agradece. Os lençóis
são melhores, os travesseiros, muito confortáveis, e o edredom, fofinho.
Ainda assim, não fecho os olhos.
Lá fora uma tempestade se anuncia. Parece que estamos em época de
chuva, só espero que passe logo. Amo chuvas, mas tenho pavor de
tempestades, principalmente dos relâmpagos, como o que clareia o quarto
nesse momento.
Para tentar me distrair, pego um livro que eu estava lendo semana
passada, deito novamente, e nesse momento um relâmpago dispara, e as
luzes se apagam. Droga.
Pulo da cama, tateando em volta, e encontro o interruptor do abajur,
mas nada acontece. Pego meu celular e praguejo por ver a bateria quase no
fim; aciono a lanterna do aparelho e corro a luz em volta. O medo
inesperadamente me atiça como um pivete travesso. Detesto quando a
energia cai. E mesmo torcendo para que volte logo, sentada na cama, com os
olhos fechados, demora para as luzes acenderem. Por fim, acabo desistindo
de esperar no quarto. Estou no andar de baixo, posso procurar velas ou
lanternas, já que a luz do celular não vai durar muito.
Abro a porta, ilumino o corredor, tomando coragem para sair. Estou
sozinha por aqui, Zion não voltou, e os empregados ficam em outra ala.
Vamos, Isadora. O que pode acontecer?
Um trovão estremece meus ossos. Dou o primeiro passo para fora,
engolindo o bolo de medo preso na garganta e respirando pausadamente.
Como se fosse uma proteção divina, mantenho o celular levantado à
minha frente, iluminando parcamente o caminho. Nesse momento, lembro de
Roberto. Nunca tive medo de pessoas mortas, ou melhor, nunca parei para
ter medo. Nos últimos anos, passei a maior parte do tempo acompanhada do
meu marido, não tinha por que ter esses pensamentos. Mas agora a imagem
dele não sai da minha mente enquanto ando pelo corredor escuro, que vez ou
outra é iluminado pelos relâmpagos. Estou tremendo, juntando cada
pontinho de coragem quase no fim.
A casa é muito grande, e tenho a impressão de que estou sendo
observada. A cada canto que eu aponto a luz, dá a impressão de que vejo
algo. Olho para o corredor que leva à cozinha e para o segundo salão, onde
está o quadro de Roberto e da amante. Tenho a tenebrosa impressão de que
se eu for lá, encontrarei um dos dois em um canto do salão sorrindo para
mim em meio à escuridão. Não quero nem pensar nisso. Corro para a
cozinha, abro a porta da dispensa, e completamente apavorada e ofegante,
olho em volta, procurando velas ou qualquer coisa que possa me ajudar a
passar a noite.
E com a ajuda de Deus, encontro um lampião a gás embaixo, na
prateleira. Espero que ainda funcione. Saio da dispensa, e nesse momento
vejo uma silhueta parada na entrada da cozinha.
O grito que dou é tão forte, que gela meu sangue. O lampião cai da
minha mão, fazendo o maior barulho, poderia até ser confundindo com os
trovões lá fora.
— Shiu. Sou eu, Isadora, deixa de escândalo. — A voz de Zion acalma
meu coração de uma forma tão voraz, que eu corro até ele e o abraço. — O
que está fazendo aqui, no escuro? — pergunta, me prendendo em seus
braços. Ele usa apenas um short, nada mais.
— Eu... vim procurar algo... para iluminar. — Eu me afasto dele,
levemente sem graça por ter pulado nos braços do homem.
— Hum... já pedi a alguém para ligar o gerador. Se é que está
funcionando. — Ele pega o lampião no chão, que caiu da minha mão, e
mostra familiaridade com o objeto: consegue acender com a ajuda de um
isqueiro. Deixa sobre a ilha e abre a porta do armário. — Não conseguiu
dormir?
— Não. Não gosto de tempestades.
— Sabe onde fica o chá? Também não consegui dormir.
Mando o comando para minhas pernas enfim saírem do lugar. Além da
luz do lampião, há a presença de Zion para me tranquilizar. Abro a porta
certa do armário, pego a caixa de madeira com divisórias e tampa de vidro,
onde guardamos os chás e entrego para que ele escolha um. Encho a chaleira
com água e coloco-a no fogão.
— Laranja doce selvagem. Parece bom. Pode ser? — Zion escolhe dois
pacotinhos de chá Tazo e deixa sobre a bancada. Em seguida, sem dizer
nada, começa a abrir as portas do armário, até encontrar as xícaras. Eu o
observo escolher duas xícaras de chá e levar para a bancada.
Zion fica calado, pensativo, de cabeça baixa, e eu prefiro remoer
meus pensamentos sozinha ao lado do fogão, observando a água, que
começa a ferver. Desligo o fogão, que é digital, de indução; demorou dias
para que eu aprendesse a mexer nele, e agora já me sinto familiarizada.
Sirvo a água nas duas xícaras e me sento ao lado de Zion. Ele bebe
alguns golinhos sem açúcar, em silêncio, me fitando.
— O que foi dessa vez? — Inclino a cabeça de lado.
— Você me odeia?
— Sim — respondo na lata. Mesmo que seja mentira; apenas sinto
raiva. Ele sorri e se cala por mais um pouco de tempo.
— Vai me perdoar?
— Não. — Sou curta e grossa novamente, sem deixar de encará-lo
como se aqui fosse um talk-show.
— Não?
— Não tenho por que me esforçar para perdoar alguém que não fará
parte da minha vida. Ao terminar tudo isso... eu vou embora para um lugar
onde... as lembranças e as dores talvez não me alcancem.
Zion parece levemente incomodado com minha resposta. De cabeça
baixa, ele observa seus próprios dedos batendo no balcão.
— Eu fui enganado. — Eleva o rosto culpado para mim. — Eu não
sabia que você tinha essa doença.
— E diferente de você, que nunca acreditou em mim, eu acredito em
você, Zion. — Minhas palavras o atingem impiedosamente, seu olhar
expressa isso. Ele toma um gole de chá e só volta a falar depois de uma
longa pausa:
— Se eu descesse do meu trono para ver o mundo de sentimentos que
rodeiam uma mulher... o que eu veria te rodeando, Isadora?
Encaro o chá à minha frente. Eu perdi tudo no dia que meu marido
morreu, não só financeiramente. Eu tinha um futuro à frente para desbravar,
uma nova gravidez para enfrentar, uma nova esperança para me agarrar.
Naquele dia do acidente, eu perdi tudo.
— Incerteza — sussurro para Zion, sem olhar nos olhos dele. — Não
sei o que o amanhã me reserva. Sinto raiva por ter deixado minha mãe.
Raiva de mim por ter sido passiva por tanto tempo. Raiva de Roberto. Raiva
de você. Raiva por... me sentir atraída por você. Descrença no amor... Eu
vivi quase dez anos com uma pessoa que me odiava pelas costas. E eu não
poderei saber se isso vai acontecer novamente, porque Roberto me deu todas
as declarações de amor possíveis... que na realidade eram vazias.
Zion está paralisado, sem piscar, apenas me fitando. E já que comecei,
coloco para fora a pior sensação que me acompanha:
— E... medo. Não tem como você conhecer uma pessoa quando ela está
com medo. Porque ela está em modo de sobrevivência. Não há diversão, não
há sorrisos, não há leveza. Além disso, é horrível não ter controle da própria
vida. Eu estou nas mãos de outra pessoa, sobrevivendo em função de manter
a doença controlada. Eu sinto medo. E sou nesse momento minha única
salvadora.
Aparentemente sofrendo ao ouvir tudo que desabafei, Zion toca na
minha mão por cima do balcão e faz uma leve carícia em minha palma.
— Desculpe — sussurra. — Desculpe pelo que falei hoje cedo. —
Balanço a cabeça, aceitando, e ele prossegue: — E desculpa não poder te
libertar. Porque você se tornou uma das poucas importâncias na minha vida
tão sem graça e monocromática. Eu não quero mais te ferir, mas também não
posso te deixar ir.
Sem fala, eu o encaro, admirando o belo rosto iluminado pela luz fraca
do lampião. Diferentemente do que deveria ser, suas palavras não me metem
medo, tanto que nem puxo minha mão, ainda presa à dele. Toco nos nós dos
dedos arranhados pela luta que vi entre ele e os seguranças.
— Para quê você quer por perto alguém que te odeia?
— Ao menos sente algo por mim, não é? Você não me ignora. Sente
atração e ódio, e isso é um belo combustível.
Afasto a mão, lutando contra o sorriso involuntário que meus lábios
cismam em dar a ele. Tomo um gole de chá morno.
— Você não parece mais com medo — ele comenta.
— Um pouco ainda. Mas sou boa em esconder.
— Então me diz algo que não te dá medo. Ou melhor, algo que você faz
para dissipar o medo.
— Tomar chá com meu inimigo no escuro certamente não é uma dessas
coisas.
— Não, com certeza. — Zion não sorri, mas não há a costumeira
carranca em seu rosto. Penso um pouco olhando a xícara enquanto circulo
meu dedo em volta na borda.
— Eu morava em uma cidade pequena, perto de uma praia não muito
famosa. Ver o mar à noite me dava sossego. Não entendia, mas gostava de
fazer isso. Eu ia de bicicleta e ficava lá sentada na areia olhando. Era bom
quando tinha lua e estrelas. Certa vez, já depois de ter me casado com
Roberto, tentei fazer isso, mas ele não gostou e me fez prometer que jamais
faria isso novamente, porque aqui é perigoso.
Zion está paralisado me observando. Seu semblante é ilegível, o homem
nem pisca. Pigarreio, tomo mais um golinho de chá e volto a falar.
— Ou um carinho em um cachorro.
— Cachorro? — Enfim sorri, surpreso.
— Eu amo animais. Tinha dois cachorros e um gato antes de me casar.
Roberto detestava e não me deixou trazê-los. Eu implorei para ter um
quando... — Abaixo a cabeça, inesperadamente incomodada por ter
lembrado desse assunto.
— Quando...
— Quando... perdi o meu bebê. — Termino de falar com um sussurro.
— Bom, pareço uma adolescente dizendo que amo cachorros e que gosto de
fugir à noite para a praia.
Zion fica de pé e para diante de mim. Não gosto nem um pouco de sua
expressão, como se fosse o homem de pedra. Seus olhos não me dizem
muito, encobertos sob a fraca iluminação da cozinha.
— O que está fazendo?
Ele responde segurando meu rosto com uma mão e inclinando-se para
cima de mim. Eu não reajo, porém me sinto arrepiada e dominada quando a
boca gostosa dele se encaixa à minha e se movimenta deliciosamente,
deixando a língua rolar por entre meus lábios aprecisando o gosto de laranja selvagem.
Vinte e dois
ZION
ZION
∞∞∞
— Que merda você me fez praticar? — indago, de pé diante do túmulo
de Roberto. Minha consciência, no entanto, não permite que eu jogue a culpa
nele. Roberto não apontou uma arma na minha cabeça para que eu
maltratasse Isadora. Eu fiz porque estava cheio de fúria e achei que seria
uma boa ideia. — Por que mentiu sobre ela? Por qual motivo fez isso com
uma mulher que... — Não consigo mais falar, a fúria me cala.
Eu dei tudo a ele. Eu dei todas as oportunidades, eu dei minha benção
para a relação com minha irmã, eu o chamei de irmão. Por que mentiu para
mim?
O túmulo me responde com silêncio, e talvez essa seja a minha maior
raiva. Não há ninguém aqui para pagar além de mim mesmo.
∞∞∞
ISADORA
ISADORA
Durmo feito uma pedra, e quando acordo, quase tenho um treco. São
sete da manhã. Porra!
Pulo da cama, corro para o banheiro, e após escovar os dentes, arrumo
meus cabelos, descartando o banho. Eu me dispo rapidamente para vestir o
uniforme quando ouço toques na porta.
Pego um roupão, visto e caminho até lá.
— Quem é?
— Sou eu, Isadora. — É ele. Droga. Abro e me deparo com o homem
usando apenas um short de dormir. Zion passa os olhos pelo meu corpo e dá
um breve sorriso. Usando uma postura sedutora, recosta no batente. — Você
fugiu à noite. E eu disse que era para ficar.
— Lá não é meu lugar, você sabe.
— Eu te entendo. — Empurra a porta, entra e a fecha em seguida. — O
cômodo não faz diferença. Eu quero estar onde você estiver. — Zion vem
em minha direção, e eu dou um passo para trás, mas ele rapidamente enlaça
meu corpo com seu braço. Ainda enrijecida em seus braços, sinto quando
sua mão afasta a borda do roupão, e ele quase solta um gemido ao se deparar
com meu corpo nu por baixo.
— Me deixe em paz e saia do meu quarto, Zion.
Ele poderia impor algo, dizer que manda em mim de forma esnobe.
Mas sua resposta é um breve sorriso, seguido de um beijo que não me dá
chance de reagir. É como tomar um copo de veneno que me enfraquece; ele
beija minha boca suavemente, sorvendo meus lábios de maneira suave e
sensual, me seduzindo como uma serpente maléfica.
— Tudo que eu penso nesse momento é ouvir seus gritos de prazer
novamente enquanto meu pau ou minha língua trabalham pesado —
confessa entre o beijo. Parece um clamor de uma necessidade que o corrói.
— Me deixe satisfazer a nós dois, porque apesar de ter te ferido, eu ainda
posso te dar algo bom e prazeroso.
Não vou negar, gosto de abraçá-lo, de lamber sua pele, de cheirar seu
pescoço. Quero beijá-lo e deixar que afunde em mim, para que nós dois
esqueçamos todas essas merdas que nos fizeram sofrer; a mim
principalmente.
Porém não é assim que se cura o amargor deixado pela vingança que ele
produziu sobre mim. Zion parece estar acordando e enxergando os fatos, mas
a ferida ainda é recente.
— Não vou transar com você novamente. Não quero e nem posso ter
nada com você. — Empurro-o, e Zion permite que eu me afaste. Ele corre a
mão pelo cabelo e pensa um pouco.
— Por que fez sexo comigo ontem?
— Porque eu quis. — Dou de ombros. Parece óbvio.
— Eu tento fugir desses pensamentos, mas você sempre faz parecer que
dá e recua em seguida para que eu aumente o lance.
— Você é tão hipócrita e incoerente, Zion. Ao mesmo tempo que diz ter
provas de que eu roubei Roberto, diz que talvez eu queira arrancar algo de
você usando seduções baratas. Se eu tivesse roubado tanto, para que eu teria
que me submeter a isso?
— Ou talvez você goste de ver um homem como eu rastejando...
— Um homem como você?
— Da melhor qualidade, um que pode ter qualquer mulher aos pés se
fizer assim... — Estala os dedos pertinho do meu rosto.
— E por que está aqui às sete da manhã pedindo sexo? Vá conseguir as
tais mulheres que você pode ter.
— Esse é o problema. — Zion afasta uma mecha de cabelo da minha
testa. — Nenhuma delas é tão insolente, gostosa, me irrita e me excita como
você. E nenhuma delas consegue fazer tudo isso e ainda estar diante de mim
usando apenas um roupão.
— A que está na sua frente usando roupão começou a aprender a ser
dura para não apanhar tanto da vida. — Caminho até a porta e abro para ele.
— Então, senhor Zion, eu não sou obrigada a ter qualquer contato ou aceitar
qualquer proposta do senhor, a menos que seja uma ordem a respeito do meu
serviço nesta casa. Me dê licença, preciso me vestir para o trabalho.
— Uma ordem? — Ele sorri, assente, me olha mais uma vez e sai do
quarto.
Com as mãos na cabeça, sopro de maneira ruidosa quando fecho a
porta. Eu quase cedi. Por Deus, eu quase caí nos braços dele aqui mesmo na
cama, porque queria experimentar mais uma vez a satisfação que tive na
noite passada.
Mas isso não é um caso de paixão, é a merda da minha vida, que está
nas mãos dele.
Vinte e seis
ZION
∞∞∞
— Contou a ela? — Alexandros me olha quando o deixo em frente a
sua mansão, quase às seis da tarde. Tivemos um dia bem cheio, com reuniões
e vistorias; fomos visitar um projeto da Solaris fora da cidade, e ele decidiu
ir comigo, deixando o carro na empresa. Sei o motivo de sua pergunta sobre
Isadora, e quando solto uma lufada de ar, Alexandros já imagina a resposta.
— Dormimos juntos. Sem críticas, você faz merda pior. — Ele ri diante
da minha confissão.
— Você só se afunda mais.
— Fora do carro, grego. Sei onde estou pisando.
— Ok. — Ele abre a porta, sai e acena para mim.
Enquanto dirijo de volta, ligo para Isadora.
— Oi.
— Se arrume, vai comigo a um lugar.
— O quê...? Qual lugar?
— Você disse hoje pela manhã que apenas segue minhas ordens. Então
essa é uma ordem. Chego em trinta minutos.
ZION
∞∞∞
ISADORA
ISADORA
***
Tomo café na cozinha observando dona Salete andar atrás do menino,
que prefere caminhar para conhecer o ambiente.
O bebê parece melhor agora pela manhã, e de certa forma fico feliz que
ele esteja bem. Minha relutância anterior em me aproximar dele acaba se
transformando em curiosidade, e um pouco de admiração também. É uma
criança carismática que sorri com facilidade e balbucia muito, é fácil gostar
dele e esquecer sua origem.
Eu consigo separar as coisas. Mesmo que Roberto tenha dado a ele o
nome que tinha escolhido para o nosso filho. Eu sou a adulta aqui e tenho de
engolir a situação pelo bem de um bebê. Zion não precisa levá-lo daqui tão
rápido.
Mais tarde, noto uma movimentação no segundo salão e vou até lá
espiar, encontrando Zion e um dos seguranças retirando o quadro de Roberto
da parede.
— Onde eu coloco? — o segurança pergunta.
— Dê um fim nisso — Zion ordena, e eu saio rápido antes que me
vejam. Acabo ficando intrigada, sem conseguir chegar a uma razão que o
tenha levado a tirar o quadro.
Talvez tenha sido a nossa proximidade nos últimos dias, mas não quero
cogitar. De qualquer forma, me sinto feliz que ele tenha feito isso e que
tenha me deixado em paz em relação a toda essa merda que Roberto
inventou sobre mim. Talvez Zion tenha caído na real e percebido a farsa, ou
talvez apenas queira continuar transando e está me dando uma espécie de
prêmio de bonificação.
Pensar isso machuca minha dignidade, então prefiro não remoer tal
hipótese.
— Eu disse que não era para você fazer qualquer serviço hoje. —Tomo
um susto com a voz de Zion ao meu lado, enquanto, distraída, descasco
legumes para Odete. Não sou boa em quase nada na cozinha e não me
orgulho dessa característica, mas consigo ajudar em pequenos detalhes.
— Senhor Zion, eu disse a ela que não precisava...
— Está tudo bem, Odete. Ele está brincando. — Acalmo a mulher e
lanço um olhar de soslaio para o homem ao meu lado. — Você não disse
nada sobre eu não fazer serviços hoje.
— Mas estou dizendo agora. Você pode... sei lá, o que você fazia antes
para se divertir e passar o tempo?
— Vivia. A vida de uma madame da alta-sociedade não é muito
animada. Mesmo que tenha todos aqueles compromissos, como chá com
fulana, visita de sicrana, final de semana em só-Deus-sabe-onde.
— Já é a segunda vez que desdenha da vida dos ricos. — Zion meneia a
cabeça. — Me diga, Isadora, passou dez anos como uma senhora da elite
seguindo moldes, mas se o dinheiro fosse seu, como usaria para se divertir e
viver de forma intensa?
Antes que eu responda, Odete não consegue segurar o riso. Zion franze
o cenho olhando para a mulher.
— Algum problema, Odete?
Ela enrubesce no mesmo instante.
— Me desculpe, senhor Zion. Foi só minha boca frouxa.
— Conta pra gente o motivo de sua risada — ele persiste de modo
ranzinza, não amolecendo nem mesmo quando faço cara feia.
— Não estava rindo do senhor, não. É só que... foi a pergunta. O senhor
nem imagina como um pobre pode fazer um dinheiro render e ser muito feliz
sabendo gastar. E dona Isadora entende, porque ela foi pobre antes de vir
para cá.
Zion puxa um banquinho e se senta ao meu lado. Eu seguro o riso e
continuo descascando os legumes, o que não é difícil, desde que seja com a
ajuda do descascador.
— Estou ouvindo, Odete. O que faria se todo o dinheiro fosse seu?
Relutante, ela olha para mim, e eu assinto sorrindo, a incentivando a
falar.
— Bom... — Ela lava as mãos e enxuga em um pano. — Um dinheiro
assim, de uma hora para outra, eu pagaria as dívidas, né? Então eu comprava
uma casinha própria, mas não comprava essas coisas de joia e sapato caro,
não. Imagina gastar dez mil em um sapato, seu Zion? Com dez mil, eu
compro uma moto para o meu filho. Mas também eu ia dar umas festas boas,
com música para o povo dançar e comida de verdade. E eu ia viajar, sabe?
Conhecer lugares, pagar mico mesmo e ter história para contar, tirar fotos em
locais turísticos, e depois ir em vários barzinhos com meu véio.
Ele passa segundos encarando a mulher, até ela pedir licença, porque
precisa olhar as panelas no fogão.
— Obrigado, Odete. — Agora deixando um sorriso brotar no rosto,
Zion me fita. — Assina embaixo?
— Com certeza. Não é que eu esnobe a riqueza, eu seria hipócrita se
dissesse que não gostei de todo o conforto que o dinheiro me deu, de todas
as roupas de grife que usei e de todos os lugares que conheci. Mas a maneira
como eu era obrigada a viver me magoava às vezes, principalmente o ciclo
social.
— Te garanto que nem todos os ciclos sociais de elite são chatos como
os de Roberto — ele confidencia, me deixando surpresa.
— Você também detestou aquelas pessoas?
— Posso te dizer que você conheceu a riqueza com gente errada.
Garanto que mudaria de opinião com uma semana de Grécia comigo e
Alexandros.
— Não sei. Vocês metem medo. Alexandros tem um olhar assustador.
— Porque ele é assustador. Mas é legal com quem é importante para
ele.
Abro a boca para responder, mas sinto um puxão na minha calça.
Quando olho para baixo, encontro o bebê.
— Blah! — balbucia algo para mim. Completamente petrificada, sem
saber como reagir, apenas o observo. E Zion percebendo minha resistência, o
pega no colo. O bebê continua pedindo minha atenção com a mão estendida.
— Não precisa levá-lo — falo abruptamente, impedindo Zion de tirá-lo
da cozinha.
— Tem certeza?
— Claro. Fique de olho apenas, pois a cozinha pode ser um lugar
perigoso.
Convencido, ele volta a sentar com o bebê no colo, ao meu lado.
— Senhor Zion, me desculpe. — Dona Salete aparece em um rompante
na cozinha. — Tirei os olhos um segundo, e ele sumiu.
— Está tudo bem, dona Salete. Posso ficar com ele um pouquinho, não
é, filhão?
Estremeço ao ouvir como ele fala com a criança. Não é da minha conta,
mas indago sem perceber:
ZION
***
***
Dona Salete diz que precisa ir ao apartamento, pois não trouxe roupas
suficientes para ela e o bebê, então eu os levo e deixo no apartamento,
partindo em seguida para a empresa.
Pareço anestesiado sentado na cadeira que foi de Roberto. Olho para o
Olimpo dos deuses pintado no teto e que foi ideia de Alexandros, e
inevitavelmente me comparo a Zeus, o que se diz deus dos deuses, mas que
foi passado para trás algumas vezes. Me levanto e caminho pela sala,
tentando chegar a uma conclusão sobre as atitudes de Roberto que agora não
fazem sentido.
Ele tinha tudo, não faz sentido ter dado um golpe. Ele vendeu sua parte
da empresa para mim, no entanto continuou no cargo de presidente, porque
Alexandros e eu não podíamos ficar aqui. Se ele tivesse divorciado de
Isadora, teria o meu apoio irrestrito. Não faz sentido ele ter difamado ela
pelos quatro cantos.
Onde ele queria chegar?
Aturdido, implorando por uma luz que possa me guiar, sento-me diante
do computador e vejo as notificações na barra de tarefas. Clico e abro meu e-
mail. Tem mensagens não lidas, e após passar o olho sobre elas decidindo o
que quero ler agora ou deixar para depois, estanco em uma de Reginaldo.
São recibos de compras no nome de Isadora. Mais recibos que em outra
época a incriminariam, agora nem consigo ler tudo. Pego o celular e ligo
para Reginaldo a fim de confrontá-lo, no entanto, paro no ato. E se ele
também estiver contaminado com as mentiras de Roberto? Preciso de uma
prova.
Ligo para ele e me atende de imediato.
— Zion, diga amigo?
— Você descobriu algo sobre a gravidez de Isadora? Lembro que você
ia investigar...
— Ah, sim. Descobri sim, mas você disse que não precisava pois já
sabia.
— Pois é, mudei de ideia. Pode me mandar?
Se ele investigou mesmo, então terei registros da cesárea dela.
— Claro. Estou mandando agora, tudo para seu e-mail. — Agradeço,
desligo a chamada e aguardo ansiosamente; e quando chega, é justamente o
que pensei: mentiras. Cópias de um prontuário mostrando que ela ficou
internada por um dia após sofrer um aborto aos quatro meses de gestação.
Não espero mais um segundo. Saio correndo da sala, pois há outro que
preciso confrontar. Com meu punho se for possível. Roberto não está mais
aqui, no entanto, os discípulos dele vão sim pagar.
Reginaldo me recebe um pouco assustado, pois não esperava minha
visita. Vejo o pomo-de-adão em seu pescoço subir e descer quando engole
seco. Empurro o homem e entro em sua casa, dou alguns passos pela sala e
coço a barba, olhando fixamente para ele.
— Você não investigou porcaria nenhuma, não é?
— Zion...
— Você pode assumir e então eu te dou apenas um soco. Ou pode negar
e eu vou ter que te dar uma surra e tirar cada maldita palavra da sua boca.
Você investigou o que eu pedi?
Ele é um homem alto e de porte mediano, poderia me enfrentar se não
fosse tão medroso. Respira fundo e olha para os lados como se procurasse
uma rota de fuga, mas desiste de fugir e abaixa a cabeça.
— Mauro me deu tudo. No dia do testamento, eu contei por acaso que
estava investigando Isadora, então ele me deu um bom... dinheiro... para te
entregar as provas que ele já tinha contra a... infeliz viúva.
Avanço em cima dele, mas Reginaldo impede gritando:
— Tem uma coisa.
— O quê?
— Eu estava investigando sim, Zion. E descobri... bom. Vou te mostrar.
— Ele afasta e manda eu segui-lo. Entramos em algo que deveria ser seu
escritório se não estivesse feito um campo de guerra. Há pilhas de livros pelo
chão, a mesa abarrotada de papelada e caixas, além de ser escuro e fedendo a
mofo. Ele abre uma gaveta, pega uma pasta e me mostra.
— Antes de morrer, Roberto pretendia algo. Ele deu fim a cada um dos
bens dele, para que Isadora não pudesse herdar nada. Algumas coisas ele
vendeu, outras penhorou e outras passou para o nome de um laranja.
Folheio as páginas e Reginaldo fica ao meu lado e então aponta para
uma linha abaixo.
— Aqui. Eu sinto muito.
É o nome da minha irmã. Ela foi laranja de Roberto?
Uma grande placa de trouxa está pregada em minha cara. Saí da casa de
Reginaldo sem dar nele o soco que prometi, pois sua esposa apareceu na
hora e eu garanto que se começasse a bater nele, não ia conseguir parar.
Minha sede de vingança é crua demais. O ódio quase me faz gritar feito um
louco.
Além de tudo, ele quis insinuar que Lisette era cumplice de Roberto, o
que eu discordo totalmente. Ela tinha uma herança, ela não tinha motivos
para mentir ou tentar ajudar aquele merda em um golpe. Ela foi uma vítima
dele.
Dirijo de volta para a empresa, tentando não chorar de ódio. Desde o
dia do testamento Isadora está sendo vitima dessas pessoas e eu ajudei a
massacrá-la. Eu vi o que fizeram com ela, e gostei de vê-la sair de lá sem
nada e rebaixada.
— Porra, porra, porra! — Bato sucessivas vezes no volante. A raiva
tem gosto. É amarga, é dolorida, é angustiante.
Mudo minha rota, vou para o prédio de Mauro pois preciso fazer o rosto
dele de saco de pancadas. Eu vou matá-lo, mas foda-se, daqui uns sete ou
oito anos eu estarei livre, mas ele estará morto pagando no inferno por tudo
que fez.
No entanto, ele não se encontra. A secretária me olha assustada, pálida,
quase sem fala e diz em um resmungo que Mauro está desaparecido.
— É. Eu não posso dizer mais nada, sinto muito.
De volta a Solaris, me sento com um copo de uísque na mão. Giro de
um lado para outro na cadeira, remoendo a raiva que maltrata meu coração.
Isadora e minha irmã, ambas foram vítimas de Roberto. E onde eu
estava que não pude salvá-las? Uma lágrima escorre em minha face. O
sentimento de ser enganado, de ter sido usado como fantoche, é turbulento
demais para aguentar.
Minha irmã... ela não era culpada.
Pego o celular e ouço o último áudio dela. Vejo as últimas mensagens e
sorrio para uma foto que ela mandou, com a barriga grande. Mas sinto meu
sorriso morrer aos poucos até estar sério encarando a foto. E como se
acendesse uma luz em minha cabeça, deixo o celular de lado e abro o e-mail.
Na barra de pesquisa digito: “Roberto ultrassom”, e encontro o e-mail que
ele me mandou, com o ultrassom do bebê.
Olho por um instante a imagem escura do exame. Não quero fazer isso,
não quero colocar em dúvida a minha irmã, mas todos os impulsos me levam
a jogar a imagem na internet para pesquisar similares, e não demora muito
para encontrar. Passo minutos analisando os dois exames, até chegar a uma
conclusão de que são os mesmos.
E o exame que está em um blog de mamães e bebês, veio dois anos
antes do exame que Roberto me mandou. Ele não teve a preocupação de
bolar algo mais complexo, me mandou uma imagem da internet.
Trinta e um
ZION
— Prepare para mim um voo de emergência para São Paulo. Precisa ser
hoje. — Ordeno a secretária. Ela se prontifica a fazer as ligações necessárias
enquanto eu volto ao meu celular observando a foto que minha irmã me
enviou quando estava gestante.
A partir de agora, farei o que deveria ter feito no início: eu mesmo vou
investigar, sem mandar ninguém fazer isso por mim. Preciso ver com meus
próprios olhos.
— Eu preciso que converse com Isadora Agostini, ouça o que ela tem
para falar. — Digo a mulher que me atende. — Eu preciso viajar, mas vou
deixar aqui na empresa, com a secretária, tudo que você precisa para
entender melhor o caso. É sobre herança e testamento.
Alexandros não atende minha ligação e preciso enrolar até dar as onze
horas e enfim sair acelerado, da mesma forma que meu coração bate desde
que vi a merda do exame na internet.
Um voo de jatinho entre Rio e São Paulo não á algo demorado, mas
parece que levou uma eternidade. Eu parecia contar cada minuto enquanto
olhava sem parar para o relógio, rezando para que o avião voasse mais
rápido. Na velocidade da luz talvez.
Ao lado está a suíte principal. Abro a porta, vou direto na janela e puxo
as cortinas deixando a claridade entrar. Olho em volta. Tem a cama, o closet,
uma mesinha de chá com conjunto de poltronas. O tapete é felpudo, os
quadros na parede são caros e coloridos assim como o papel de parede.
Lisette amava cor.
Saio correndo do closet. Não pode ser, porra. Não pode ser... meu
Deus!
Abro as gavetas de uma cômoda, jogando tudo pelos ares. Não há nada
senão roupas de cama. Na próxima gaveta, encontro uma bagunça com
papelada, e o que me chama atenção é uma agenda rosa estampada de
florzinha. Me sento na cama e folheio. Há muitas coisas escritas, que não
parecem ter importância. São mais lembretes como por exemplo: “Lembrar
de iniciar o pilates” “escolher um vestido para o coquetel” “comprar um
bolo para fulana”
Continuo procurando, algo que enfim faça sentido na minha mente, até
que uma bolsa na porta lateral da cômoda me chama atenção. Abro-a
encontrando o notebook da minha irmã. Com certeza quem esteve aqui
cobrindo os móveis e arrumando tudo, guardou o notebook de Lisette. Sei
que é dela pois é branco e tem adesivos colados. Eu a vi várias vezes
usando-o.
Incrivelmente está tudo apagado, noventa e nove por cento de tudo que
eles conversaram. Posso subir a conversa o tanto que conseguir, está
apagado. Então desço a seta para ler as últimas mensagens que eles trocaram
e por algum motivo, ela não apagou. É do dia do acidente.
LISETTE: Meu irmão cuida dele se eu pedir, a gente diz que não pode
levar. Zion está na nossa fita. Por favor, Roby. Eu já estou aturando demais
esse moleque, quero ficar só um pouquinho a sós com você.
Por isso ele precisava destruir a imagem de Isadora e fazer parecer que
ela era uma golpista fria. Era o plano perfeito: eles a matariam fazendo
parecer que ela estava desaparecida; as joias do banco também sumidas e
todos iam supor, inclusive eu, que ela fugiu roubando as joias. Então, o
pobre Roberto seria a grande vítima ao lado de sua jovem namorada e seu
bebezinho.
Porque a força dela, era maior que toda a maldade que tentou derrubá-
la.
Não há mais nada que eu possa fazer por aqui. Deixo a cidade
duplamente em luto, porque da outra vez eu enterrei a minha irmã, dessa
vez, eu a enterrei de vez em meu coração deixando-a para trás em definitivo.
∞∞∞
Ouço risos vindo de fora da casa e uma mulher entra usando biquíni e
uma toalha amarrada na cintura. Ela está ao celular, para de falar e paralisa
me encarando. Não me é estranha, e imediatamente olho para Alexandros
esperando apresentações.
— Oi, Zion. A bela morena estende sua mão para mim e me brinda com
um sorriso charmoso. Ela é linda e agora relembro de ter visto a foto dela e
ouvir sua história quando era quase noiva de Alexandros. É muito
interessante, já que ele quase nunca dá segundas chances.
Uma das coisas que mais me machucam, enquanto dirijo, é ter a certeza
de que eu estava fadado a cair feito um patinho no plano de Roberto. Eu
certamente passaria anos nutrindo raiva da maldita esposa dele que fugiu no
mundo após dar um golpe perfeito deixando o coitado em maus-lençóis.
Certamente eu passaria meses pagando todo tipo de detetive para encontrá-
la, no entanto, a dor no meu peito é que eu estaria condenado ao mesmo
mundo de gelo que me criei.
— Boa noite.
— Oi. — Sussurro.
— Oi.
— Algum problema?
Isadora olha para o lado fitando meus olhos e dá uma levantadinha nos
ombros ao mesmo tempo que esboça um sorrisinho.
— Ficar próxima a você, ter qualquer relação. Sei que você não me
propôs nada, mas eu não posso. — Isadora se levanta e eu seguro sua mão
detendo-a.
Ela puxa a mão e faz uma leve massagem como se meu toque a tivesse
queimado. Isadora comprime os lábios enquanto caminha no quarto, e ao
manter uma boa distância entre a gente, enfim me olha. A maneira como
seus olhos parecem tristes, porém decididos me causa pura apreensão.
— Não está encaixando para mim. O que vai restar para mim depois
disso tudo? Entrar em uma nova relação com um homem bilionário sem
saber para onde estou indo, sem um pingo de segurança emocional...
— Não me compare com ele. — ela não sabe metade dos planos
malignos de Roberto.
— Não diga uma merda dessa. — Fico de pé, abalado com a conversa,
passando a mão na cabeça enquanto penso em uma alternativa prática para
dar a ela, e claro, que envolva estar ao meu lado.
— Isso é apenas o início, não será algo baseado em sexo... tem algo
sério que preciso te contar que vai mudar tudo. Estou disposto a ir muito
além de apenas sexo. Eu quero você, já deixei claro inúmeras vezes...
— Jamais, Zion? Olhe para trás e veja tudo que fez com uma mulher
desprotegida e sozinha, por pura convicção e você só não foi adiante porque
por coincidência, descobriu sobre o meu problema. O que criamos juntos
que vai me garantir que você não vai se virar contra mim no futuro por causa
de um boato que ouviu? Nada. Não nos conhecemos, apenas transamos.
Precisa de muito mais para me convencer a entrar em uma nova relação.
Quase abro a boca para gritar para ela que talvez o filho dela esteja
vivo, e que isso muda tudo em relação a nós dois. Mas esse assunto não é
para ser jogado no calor do momento.
— Eu posso te dar o que você quiser, Isadora. Eu estou disposto a
qualquer coisa, porra, eu nunca senti isso por ninguém, eu quero estar com
você. Pode estudar se quiser, pode trabalhar na empresa... podemos conhecer
lugares, eu, você e o bebê.
— E agora caberá a mim, me curar dos erros de outras pessoas? Por que
sou eu que tenho que virar a chave e aceitar os erros alheio ignorando como
isso me machucou? Eu vou embora amanhã, Zion. E para o meu bem, não
vamos mais nos ver. Se quiser me denunciar ou chamar a polícia, fique à
vontade.
ISADORA
Acabo de arrumar minhas coisas e fico ereta, com as mãos nas costas
que doem bastante e não é por causa do extenso esforço. As articulações
também estão doendo desde ontem pela manhã, além da fadiga que me
incomoda. O dia está amanhecendo, quase não dormi depois da conversa que
tive com Zion, e não por preocupação ou mente transbordando de ideias
agitadas, mas sim porque de repente comecei a ter sintomas que já conheço.
É uma crise do lúpus. Eu preciso ir com urgência ao médico. Talvez tenha
sido o estresse dos últimos dias.
Ontem coloquei fim em algo que nem começou, mas eu não poderia
deixar continuar por mais que doa meu coração ter que fazer isso.
Não dá para simplesmente sorrir e ir para cama com ele todas as noites
entregando mais uma vez minha vida a um futuro desconhecido.
Ainda assim, não serei tão dura comigo, não serei cruel maldizendo a
minha vida, porque no fim sobra eu comigo mesma.
Minha bolsa está ao meu lado. Abro-a, pego minha carteira e tiro uma
foto pequena. A única recordação que tenho do meu bebê. Roberto teve a
ombridade de tirar uma foto dele para que eu pudesse ver quando acordasse.
Nunca fui capaz de mostrar a ninguém, é o meu maior tesouro.
Ao pensar em anéis, lembro que havia algo sim em minha posse. Feliz,
sentindo um pingo de ânimo, saio do quarto. O dia acabou de amanhecer e a
casa está silenciosa tomada dos primeiros raios de claridade.
Sorrio para o anel imaginando quanto pode custar. Acho que consigo
me manter por ao menos um mês se vender ele e a aliança.
Zion desce, como sempre, antes das sete. E pela expressão consternada
acompanhada das olheiras, sei que também não dormiu nada. É um clima
estranho, ele mal cumprimenta as pessoas presentes na cozinha e ocupa um
banquinho na ilha sentado à minha frente, mirando-me.
Lutando para ignorar sua presença, contínuo o café, notando a minha
mão trêmula ao segurar a xícara.
— Zion?
— Diga, Zion.
Zio massageia os olhos fechados e toma uma boa quantidade de ar, pois
parece buscar forças para me contar.
— Pelo que eu descobri, pode ser que o seu bebê esteja vivo.
— O que... disse?
— Para! — Grito para ele. — O que está tentando fazer com isso? Me
manipular?
— Por favor... isso não pode ser verdade. — Quase inaudível, miro
Zion que parece compadecido.
— Eu sinto muito por estar provocando isso. Mas você precisa encarar
os fatos. Tudo leva a crer que Roberto roubou o seu filho no hospital e te
falou que ele morreu.
Sei que a coisa é bem séria quando presencio uma lágrima rolar no
rosto de Zion.
— Eu sinto muito.
ZION
Percebo que ela está muito abalada, e tento ser um pouco mais
condescendente com sua dor. Vou até a porta e grito o nome de Regina que
aparece em segundos e eu peço que traga água para Isadora. Puxo uma
poltrona e me sento bem perto dela.
— É impossível, Zion.
Ela fita meus olhos em um tom que diz que não é da minha conta, e
isso, apesar de triste, é revoltante. Não vou conseguir sua confiança com
facilidade.
— Ele ia me matar... depois de tudo que eu vivi com ele? Sabendo das
minhas dores, dos meus sonhos, dos meus medos... ele sabia como eu lutava
pela minha vida e... ia me descartar em uma vala feito uma...
— Chega, ok? Agora você vai tentar se reerguer com o que tem.
Ela limpa a bochecha com dedos finos e trêmulos enquanto assente para
mim, engolindo o choro, mesmo que por dentro ela sabe que estará longe de
superar tudo isso.
— E sobre o bebê...?
— Isadora...
— Me deixe olhar para ele. Eu prometo que não vou assustá-lo, não
vou fazer escândalo. Nem preciso tocar nele, apenas olhar.
∞∞∞
Apesar de calada, Isadora parece estar aos gritos por dentro, sentada ao
meu lado no carro. Não chora mais; um tom rosado cobre o rosto, e ela
mantém o queixo levantado lidando com tudo a sua volta e com todos os
pensamentos, dúvidas, anseios que a pressionam interiormente. Há algo em
que ela é boa: enfrentar os golpes de cabeça erguida.
Dona Salete já está avisada, então ela nos espera na sala. Entro, fecho a
porta e observo a mulher pegar o menino no cercadinho onde ele está se
divertindo. Ela se aproxima com o bebê, e Isadora não tem qualquer reação
fitando-o como se fosse a primeira vez que estivesse vendo-o.
Eu poderia contestar dizendo que não é a minha culpa, mas tenho sim
uma parcela de contribuição. Eu dei créditos a Lisette e Roberto acreditando
neles, incitando-os a difamar ainda mais Isadora.
— Agora... que eu sei de tudo, consigo ver os meus olhos naquele bebê.
Mas é só isso? Só a aparência em comum? Eu não tive uma conexão com
ele, não o alimentei no meu seio, não o fiz reconhecer a minha voz, não
cuidei de cada dor que ele sentiu. Eu perdi um ano de vida do meu filho, e
tudo que você se importou foi acabar comigo por causa de mentiras.
— Eu fui enganada! — Ela berra tão alto que as veias saltam em seu
pescoço. — Eu tive que engolir a suposta morte de um filho e depois encarar
que o meu marido tinha uma amante e que falava coisas absurdas sobre mim.
Tive que ser a sua empregada porque eu não tinha saída. Você teve escolhas,
Zion, entre acreditar ou não em Roberto.
— É um pedido, entenda como quiser. Você não vai sair daqui nesse
estado. — Seguro a mão dela e sem dar oportunidade para escapar, puxo
seus braços trazendo-a para perto de mim.
— Zion... me largue.
— Não sou sua amiga. A sua vingança deixou para sempre um gosto
amargo. — Sussurra e eu não tenho o que responder. Saio do quarto e puxo a
porta deixando-a lá dentro. Nem preciso passar a chave, sei que ela não vai
sair. Isadora está aparentemente esgotada demais.
Trinta e quatro
ZION
Reginaldo não sabia nada sobre Mauro e não foi difícil entender que
estava falando a verdade. Ele é um cagão, seus olhos denunciaram que
naquela hora falaria tudo que eu perguntasse só para ficar em paz.
— Também não quero ficar aqui. Vou para um lugar meu... — faz uma
pausa, parece engolir saliva e então sopra baixinho: — com o bebê.
— Você não pode levá-lo para lugar nenhum, Isadora. Tudo indica que
é seu filho, mas legalmente eu ainda sou o tutor dele. Você e essa criança
não vão sair de debaixo dos meus olhos.
— Não é crueldade.
— O que é então? Me deixe ir embora da sua vida, pode ficar com toda
a herança...
— Não vou discutir com você. Foda-se herança. Você fica e o bebê
também.
— Tudo bem. Eu não preciso ficar aqui, mas você fica nesse
apartamento, pois é seguro e tem tudo que você precisa. Vou buscar suas
coisas na mansão.
Eu não sei do que Isadora seria capaz no momento da tensão elevada,
mas ainda assim confio que ela nunca tomará uma atitude imprudente que
possa coloca-la em risco. A confiança não é cem por cento, então, peço dona
Salete que mantenha a porta fechada.
Não sei ainda qual atitude tomar com a mansão de Roberto e com os
empregados que lá estão. Alguns trabalham naquela casa há dez anos, como
dona Odete e o marido jardineiro que além de tudo mora nos fundos da
propriedade.
Digo a Regina que não precisa se preocupar com refeições para mim,
pois Isadora e eu ficaremos fora por algum tempo.
Em meu quarto pego tudo que é necessário para passar uns dias. Talvez
eu fique na cobertura que comprei no leilão do banco, mas ainda não
reformei e está trancada. Por hora, vou aceitar o pedido de Isadora, ficando
longe dela, dando o espaço que necessita.
Não lidei bem com a morte prematura de minha mãe, não lidei nada
bem com o vício em álcool do meu pai, achando, naquele momento, que ele
precisava de punição para “aprender a ser gente”. Meu coração endurecido
não conseguia visualizar que ele precisava de ajuda. O fim do homem que
me colocou no mundo foi sozinho em uma casa qualquer.
Eu não lidei bem com a minha irmã. Por mais que diga que me
intrometi no caso dela com Roberto, sei no fundo que isso é uma mentira. Eu
os deixei juntos enquanto me afundava em trabalho. Eu ouvia as
barbaridades sobre a tal esposa megera e não intervia por estar acostumado a
não lidar com emoções humanas.
Apenas anuo ao que ela diz e saio rápido verificar Isadora, mas ao
passar em frente ao quarto do bebê, paro na porta e espio. Isadora está
sentada na ponta da cama, com as duas mãos apertando a boca enquanto
chora e observa o menino dormir.
— Não precisa. Só estou avisando para que não crie problemas achando
que estou tentando fugir.
Noto que o rosto dela está mais vermelho do que antes. Não é qualquer
rubor, certamente deve ser causado pela doença. Ela parece fadigada e não
discute, apenas me segue para fora.
∞∞∞
Não entrei com ela durante a consulta, esperei na sala folheando umas
revistas velhas sem enxergar nada que estava impresso, toda minha atenção
impregnada na porta do consultório. E quando ela abriu, eu dei um pulo e
aproximei de Isadora amparando-a sem que pudesse contestar. E o médico
recomendou:
— É tão irônico que por causa do lúpus preciso ter a imunidade sempre
baixa, porém foi justamente ele que fortaleceu minhas defesas para a vida.
∞∞∞
Quando a noite chega, peço a dona Salete para levar um pouco de sopa
na cama para que Isadora não precise se levantar. E algum depois, a mulher
volta com a tigela com um pouco do alimento restante.
— Ela pediu para levar o bebê ao quarto, antes de dormir. Devo fazer
isso?
Dona Salete não sai, fica ali sentada na ponta da cama observando a
interação de Isadora com Lohan. Ele ainda está intrigado com a presença
dela, mas não é uma criança que se assusta fácil, então ele dá toda a atenção
que ela precisa.
Achei que ficaria em vigília por toda a noite, mas acabei dormindo e só
acordo quando os primeiros raios de sol batem em meu rosto. Eu não liguei
o ar-condicionado para evitar esgotar a bateira do carro, e para não sufocar
em um local fechado, deixei uma fresta do vidro aberta; o que é algo bem
perigoso. Preciso encontrar uma alternativa para dormir por perto.
— Não?
Isadora acaba sorrindo. Eu quero perguntar a ela sobre como está sendo
os seus sentimentos em relação ao bebê, mas antes que qualquer um de nós
fale algo, dona Salete aparece.
ISADORA
Ou teria?
Eu nunca tive uma boa intuição com pessoas ruins, Roberto é uma
prova disso, mas agora minha intuição parece funcionar e ela diz que Mauro
não está morto.
Eu soube que era ele sim e como um milagre inexplicável, o amor que
eu nutri por aquele bebê que eu julgava morto, foi transferido para este
menino, que tem os meus olhos.
Meu coração soube antes mesmo de Zion descobrir tudo. O dia em que
eu vi Lohan na cama da suíte principal na mansão, algo estranho aconteceu.
Não houve tristeza, como eu imaginei que teria; eu estava hipnotizada
admirando-o e quando me deitei para dormir, o que eu senti foi puro
conforto e alegria. O meu coração reconheceu o meu filho e soube que
estava tudo bem.
∞∞∞
— Não fui. — Ele sorri — Optei pelo silêncio apesar de ser ainda
apenas suspeito e de ter interesse em me inocentar.
O dia amanhece e mais uma vez Zion está em casa bem cedo, o que é
bem estranho. Ele não está dormindo no apartamento, verifiquei essa noite.
Me pergunto por que aparecer aqui tão cedo? Ainda não são sete da manhã.
— Que bom que pode caminhar. — Ironiza, mas não me solta. Ele fica
encostado na pia, de braços cruzados enquanto me sento no vaso.
— Porra, nós não somos nada e você vai me ver usar o vaso?
— Eu estou bem, você que está sendo acusado de homicídio. Não está
preocupado?
Levanto os olhos encontrando o rosto dele pelo espelho. Zion está sério,
mas não do tipo maligno, e sim enigmático.
— Bom, eu confio que você não tenha feito nada... — Sussurro, com a
escova de dentes parada no ar.
Zion trouxe as roupas para cá, então ele toma banho, se arruma e vai
para a empresa. E tudo que eu quero é passar cada segundo observando o
bebê. Me sento no sofá da sala, acompanhando cada movimento dele como
se fosse uma atração exclusiva.
Mais uma vez quero chorar, porque, eu deveria entender o que ele está
dizendo, todavia, não criamos a conexão desde o nascimento. É algo triste
que não deixo me abalar e suspiro várias vezes tirando isso na minha mente.
Não tenho pelo que chorar quando sei que terei todos os anos dele adiante
para conhecê-lo e aproveitar cada fase de sua vida.
A noite caí, a casa está silenciosa. Lohan dormiu e dona Salete está na
sala lendo. Saio do meu quarto para tomar um banho e me preparar para a
noite. Seguro na maçaneta do banheiro e tomo um baita susto quando ela se
abre revelando Zion que aparece com cabelos molhados e uma toalha em
volta da cintura. Ele chegou e eu nem percebi. Meus olhos batem em seu
peitoral repleto de gotas de água e inevitavelmente relembro o quanto tive
prazer nos braços dele.
Ele pediu comida e se sentou com a gente a mesa para jantar. Foi
descontraído e agradável. E em um instante eu analisei meu coração
descobrindo que ali não havia mais raiva guardada em questão a ele. Apesar
de tudo, reconheço que foi por causa de Zion Barone que meu filho voltou
para meus braços.
— Até amanhã. — Solto um sorriso e quase grito para ele ficar e dividir
a cama comigo. Mas deixo-o ir embora. Vou até a janela da sala, abro as
cortinas e espio para fora. Em poucos minutos vejo Zion sair do prédio,
atravessar a rua e entrar no carro dele. Permaneço mais um tempo olhando
sem entender porque ele não liga o carro e sai. Os minutos passam, e então
percebo o obvio: O louco está dormindo dentro do carro na rua.
Pego o celular e ligo para ele. Daqui da janela, vejo a luz do celular
acender dentro do carro e ele atende.
— Oi, Isadora.
— Então fique aqui dentro, na sala... ou peço para dona Salete dormir
comigo, sobrando a cama dela.
Homem teimoso idiota. Observo o carro mais um pouco, então vou para
meu quarto. E o sono simplesmente não chega, somando com a preocupação
de saber que Zion está na rua sozinho nesse momento, só aumenta mais
minha tensão.
Para meu horror vejo o momento em que outro homem mascarado sai
do quarto de Lohan trazendo-o nos braços e apontando uma arma para dona
Salete. Ela chora baixinho apavorada e caminha até a sala sentando-se no
sofá.
— Ele vai tirar a mão da sua boca e você não vai gritar, ouviu? —
Ordena para mim usando a ameaça cruel para me fazer cooperar. Concordo
imediatamente para não ter que continuar vendo o meu filho na mira de um
revólver.
Sem ter o que fazer e a quem recorrer, vejo minha vida inteira passar
diante de meus olhos. Foram muitos anos bons, mas eram anos mentirosos.
Eu achei que tive uma vida plena de amor verdadeiro, no entanto, era falso
como uma nota de três reais. E impressionantemente, todos os momentos
bons que passam em minha mente não foram ao lado de Roberto.
— Não tem que ter barulho? Para chamar atenção dos vizinhos?
— O tiro não pode ser na nuca, seu idiota. Tem que parecer que ela
brigou com o cara e ele meteu chumbo nela.
Ele se afasta uns passos de mim, e agora estou frente a frente com o
criminoso, olhando para a pistola em sua mão apontada em direção ao meu
peito. Dona Salete chora em desespero, o bebê também começa a chorar
assustado, o que parece tirar atenção do homem.
— Sim. Você está fodido. — Não posso ver sua expressão por trás da
máscara, todavia, o homem percebe, se vira bruscamente, não a tempo de
desviar de uma pancada com um extintor de incêndio que Zion acerta. Ele
cai na hora desacordado. Zion aproxima com seu olhar raivoso e, de forma
fria, acerta mais duas pancadas na cara do homem caído no chão.
Eu penso que ele vai mesmo matar o cara ali a sangue frio, e acho que o
homem pensou o mesmo, pois grita no último segundo.
— Diga.
ZION
Eu não sei quanto tempo levei para sair do carro e correr para o prédio,
mas não foram mais que poucos segundos. O porteiro liberou minha entrada
e nem parei de andar quando gritei para ele chamar a polícia imediatamente.
Não havia dúvidas, Isadora e o bebê estavam em perigo.
Os policiais levam os dois homens, fazem perguntas para nós três e até
estranham o fato de que eu estava no carro em frente ao prédio, no entanto
ficam convencidos com a minha versão de que estava ali apenas por sorte.
Quando enfim eles vão embora, me sento ao lado de Isadora no sofá. Ela
abraça, com força, Lohan que está mais calmo e parece voltar ao sono
novamente.
— Não está.
Ela apenas assente, traumatizada pelo que viveu essa noite. Isadora já
estava chocada por descobrir o plano de seu ex-marido de assassina-la, e
agora ela vivenciou isso em seu momento de maior fragilidade.
Há algo que ele contou apenas para mim e pedi que não contasse ainda
para a polícia. O local exato onde Mauro está escondido. E eu vou atrás
daquele miserável. E, já que foi dado como morto, eu vou matar o filho da
puta.
— Venha comigo. — Seguro na mão de Isadora, ela me olha uns
segundos parecendo entender o que está acontecendo, olha para a criança
dormindo em seus braços e antes que possa contestar, tranquilizo-a.
— Acho que estamos quites. — Digo para ela. — Porque você salvou a
minha.
— Ora, ora. Parece que temos mesmo uma viúva megera. Você quase
me matou aquela noite.
— Ah, enfim um feedback satisfatório. — Ela retruca me fazendo rir.
∞∞∞
— Eu já estou melhor, Eloisa. Foi a pior noite da minha vida. Por pouco
não conseguiram ir adiante.
— Estará segura aqui, pode confiar. — Ela desvia a atenção para o bebê
que acaba de sair do carro nos braços de Salete.
∞∞∞
— Eu preciso verificar. E quero que prometa que vai dar todo apoio que
Isadora precisa, caso algo aconteça...
— Não posso permitir que você faça uma merda dessa. Uma hora de
viagem... um lugar remoto. Avise a polícia, deixe que eles cuidem do
homem.
Esse é um conselho que eu acato. Ele tem toda razão. E preciso planejar
toda a viagem o mais rápido possível. Ligo para o chefe da minha segurança
pessoal, atendendo-me bem rápido. Em trinta minutos, ele e mais dois
homens chegam à casa de Alexandros se reunindo comigo no escritório.
— Você precisa saber apenas que está segura aqui. Não tenho que te dar
satisfação.
— Então me diga, por quê? Por que quer tanto ir atrás desse cara...? Por
que não deixa isso para lá?
Ela fica completamente em choque com o que sai da minha boca sem
filtro. Eu poderia negar e dizer que falei besteira, sem querer. Mas não faço
pois é a verdade e já venho me acostumando com isso. É, acho que amo uma
mulher e incrivelmente não serei correspondido já que pisei na bola com ela.
Sopro profundamente e passo algum tempo calado de frente para a pálida
Isadora, ainda em choque.
∞∞∞
Aceno para Isadora, que não retribui e saio rápido sem chance de
prolongar a despedida. Entramos na caminhonete e partimos.
∞∞∞
Conseguimos detectar antes, pelo GPS, que o local em que o rato está
escondido é cercado por uma área vegetal quase como uma floresta. Depois
de uma hora de viagem, nos aproximamos e decidimos deixar o carro em um
local para terminar o percurso a pé, apenas para não sermos detectados antes
da hora. Precisamos pegá-lo desprevenido. E para maior segurança, ligo para
o delegado, que está no comando do caso, contando onde estou e o que
descobri, ele diz para eu não avançar, mas claro, não o escuto.
Do nada ouço barulho de tiros, espio a tempo de ver Mauro atirar contra
os homens e correr em direção a um Troller T4 que é um carro apropriado
para trilha.
— Não soube que seu plano, nessa madrugada, deu errado? Seus
comparsas estão presos. Acabou o jogo, Mauro. — Continuo pressionando a
orelha que dói pra cacete.
Espio para ver onde ele está, Mauro me encontra e atira sem parar na
árvore que me protege e como está distraído, é pego por trás, por um dos
homens que foi bem mais esperto.
Quero bater nele até matar, essa é a minha vontade, mas um barulho
vindo de dentro da casa me chama atenção.
— Quem está aí com você?
— Você se acha o máximo, Zion... mas foi feito de trouxa... sempre foi.
— Mauro ri debochado, em meio as dores da surra.
— Amarra ele. — ordeno para um dos homens e sigo com outros dois
para dentro da casa.
ISADORA
— Então faça alguma coisa. Como pode ter deixado esse homem ir para
o meio do nada em busca de algo que ele nem sabe se é real?
— Mas pelo visto é minha babá, afinal, não quer deixar eu sair.
— Perdão pelas palavras, senhorita Isadora, mas você não está bem de
saúde, não tem um pouco de treinamento, nem sabe se defender. Só iria dar
mais trabalho a ele.
— Assim como ele não tentaria acabar com uma viúva sem verificar a
veracidade das informações? Pois ele fez, movido pela raiva e pela
impulsividade. Por favor, me leva até ele.
Alexandros não parece ser o tirano como Zion afirmou certa vez. Ou
talvez tenha decidido não ser cruel comigo. Ele atendeu meu pedido. E
porque acho que no fundo, ele também quer impedir que Zion faça uma
loucura.
Sei que Lohan está seguro na casa de Alexandros, e será bem cuidado
por Eloisa e Salete. Eu não posso ficar de braços cruzados esperando Zion se
matar depois de ter jogado aquilo na minha cara.
Vou.
— Não sei.
Não respondo, pois, toda minha atenção está nas preces internas que
faço sem parar.
— Zion!
— Zion!
— Eu só quero ver. O que houve? Ele está bem? O que aconteceu com
ele?
Por isso Zion está preso a cama, pois certamente teria matado Roberto.
— Por quê? — Sussurro para meu marido. — Por que fez tudo aquilo
comigo? Como pode...?
— Ah, você não deixou de ser essa lesma sonsa? Está olhando para o
cara que te fodeu sem piedade e vem com esse papinho de “porque?”.
Porque era um plano, escolhas, você estava no caminho e vida que segue,
não tem explicação profunda, vai ter que lidar com isso.
∞∞∞
ISADORA
Roberto queria fazer parecer que eu roubei todo o dinheiro que ele
pegou emprestado dos caixas da empresa. Então uma parte pagou suas
dívidas, e a outra parte estava no banco em joias.
E então viria a próxima etapa do plano: Fazer com que todo mundo
soubesse que eles iam viajar. Enquanto estavam viajando, eu seria
assassinada, e assim ele voltasse diria que eu fugi levando as joias que
estavam no banco e todo o restante do dinheiro.
O lado bom é que Roberto está sendo acusado de vários crimes, entre
eles o sequestro do bebê, falsidade ideológica, formação de quadrilha, entre
outros. E isso me deixa um pouco aliviada, ele vai passar um bom tempo
atrás das grades. Além de que, com ajuda das informações de Mauro,
conseguiram rastrear as contas dele e enfim encontraram as joias roubadas.
Mal saí de uma relação de dez anos e ia me meter em outra, mas não
havia dúvidas. O que adiantava estar sozinha quando todo meu coração
estava preso ao dele?
Eu tenho um filho. Caramba, o meu bebê está vivo e de volta para mim.
Pulei da cama em dois segundos assustando Zion que se sentou assustado,
olhando-me intrigado.
— O que houve?
E por falar em mãe, fui atrás da minha mãe. Zion me levou. E cortou o
coração saber que ela estava à míngua sendo cuidada por vizinhos. A
pobreza da casa era tão extrema que foi impossível segurar as lágrimas. Ela
estava em um colchão velho no chão. Ao lado, uma cadeira de rodas
quebrada. Minha mãe teve trombose, perdeu uma perna e não podia mais
trabalhar.
Por mais que ela parecia não querer me ver, eu a abracei e me sentei ali,
diante dela, contando tudo que aconteceu comigo. No fim, ela ainda estava
calada, mas havia lágrimas em seus olhos.
— Toda semana vou vir visitar a senhora, e vou trazer seu netinho para
te conhecer.
∞∞∞
Foi um jantar comum, delicioso, com uma companhia que tem sido
uma das melhores partes desse novo mundo que estou vivendo.
Ainda deitados, nus, no tapete, ele puxa a calça jogada no chão, tira
algo do bolso e sem dizer nada, abre a caixinha diante de meus olhos. É um
anel.
— O que é isso...?
— Isso não foi um pedido. — Rio, com lágrimas nos olhos fixos no
anel.
— Se eu disser não?
— Vai continuar comigo, porém sem casar.
Mais uma lágrima para a coleção. Acho que já chorei uns cinco litros
nos dois últimos meses.
∞∞∞
Nessa mesma noite, algo estranho aconteceu. Já era tarde e estávamos
dormindo quando ouvi meu celular apitar. Estendi a mão e o peguei. Uma
mensagem de Eloisa.
Ela pedia a minha ajuda, o que era bem estranho. E perguntou se podia
ligar para explicar melhor. Corri para o banheiro e a atendi.
— Eu fiz uma grande cagada. Eu... acabei metendo os pés pelas mãos
aqui na casa do senhor Alexandros, e ele ia chamar a polícia para mim...
— O que você fez, mulher? — Com a mão no peito, olho meu reflexo
em choque pelo espelho.
— Certo. Você vai pegar um Uber, e pedi-lo para trazer você aqui no
meu endereço. Vou pensar em algo.
Eu não tenho dinheiro para dar a Eloisa e ajudá-la. Não sei o que ela
fez, mas minha consciência diz que não devo virar as costas para quem
sempre me ajudou. Olho para minha mão. O anel que Zion me deu deve
valer uma fortuna, é a única coisa de valor que tenho...
Ou melhor...
— Eu os vi falando por alto desse projeto milionário, por que fez isso,
Eloisa?
Abro a bolsa, pego o anel de noivado que Roberto me deu e entrego ela.
— Deve valer um bom dinheiro. E aqui para você gastar enquanto não
consegue vendê-lo. Dou a ela apenas trezentos reais que eu tinha na bolsa
desde o dia do velório de Roberto.
— Vamos nos ver novamente, eu sei disso. Agora vá, seja esperta.
∞∞∞
Depois de um mês, quando tudo estava enfim entrando nos eixos, Zion,
eu e Lohan viajamos para a Grécia com Alexandros.
Alexandros tinha certeza de que Eloisa passou a perna nele e fugiu com
o dinheiro que ganhou vendendo as ideias do projeto dele.
E eu acabei me perguntando: E se ela fez isso mesmo?
Naquela noite, uma novidade abalou todos nós. Eu passei mal, com
enjoos e um quase desmaio. Zion, meio desesperado, me levou ao hospital,
mesmo que eu dissesse que não precisava. E então foi detectado uma
gravidez de quatro semanas.
Chorei a noite quase toda, assustada, com medo e muito feliz também.
O meu maior medo era do lúpus se complicar e eu acabar perdendo o bebê.
Zion me deu todo o apoio que pode, ficou ao meu lado o tempo todo, e
só depois, por um pequeno momento, levantei da cama saindo do quarto e
encontrei Zion morrendo de felicidade abraçando Alexandros, porque vai ter
um filho biológico. E eu percebi que não havia nada para temer. A gente ia
passar juntos.
Tudo que importava para a gente estava ali: nós dois, Lohan e nosso
único amigo, Alexandros.
Nós quatro usamos branco. Zion usava calça branca com camisa de
linho. E eu um vestido leve de renda com um arco de flores na cabeça.
Não podia ter sido mais romântico, único e perfeito ao lado da minha
pequena família que era tudo que me importava na vida.
∞∞∞
ZION
Não era para acontecer, mas Isadora acabou engravidando. Entramos
em pânico inicialmente, mas lutamos juntos por todos os meses. Era um dia
de cada vez vencido, como uma guerra lenta. E ela foi forte até o final
quando enfim chegou o grande dia.
Eu sei que para ela teria vários gatilhos, que a levava para o dia em que
Lohan foi sequestrado. No entanto, o medo dela não era em relação a mim,
não precisei de muito para que ela confiasse que eu a amava e que não faria
jamais uma merda como Roberto fez.
Isadora apertou com força a minha mão durante todo momento e nosso
olhar dizia tudo que precisávamos naquele momento.
Eu quase tive que ir para a camisa de força enquanto ela estava na sala
de cirurgia, e não me orgulho disso. Fique transtornado, fora de mim.
— Esse cara, merece o castigo que Deus jogou, de dar para ele uma
prole de três bebês. — Enzo falou comigo, apontando Max, o novo papai.
— Três?
— Vai contar para todo mundo o que eu fiz na minha intimidade, porra?
— Max empurrou o amigo. — respeita, hoje é meu dia.
E não revelaram o que de tão grave o Max fez para receber o insinuado
castigo.
Isadora não queria nada na empresa e não queria que eu desse nada a
ela, e nem queria qualquer bem de Roberto. Então, passei para Logan
metade das ações que Roberto tinha me vendido, além da casa e das
propriedades que aquele verme vendeu para mim. Agora, era tudo do
menino, e será administrado por ela.
∞∞∞
Ele fugiu a noite com outros criminosos. Um golpe de sorte para ele?
Afinal, aqueles criminosos o convidaram para a fuga, já que Roberto tinha
dinheiro. Conseguiram roubar um carro e dirigiram para fora da cidade,
entraram em uma vegetação para se esconder da polícia que estava ao
alcance deles.
— Não posso permitir que ameace minha família. Ele não é seu filho.
Fim.
Agradecimentos
Beijos,
Valentina K Michael