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9ª CÂMARA CÍVEL
Trata-se de ação ordinária de responsabilidade obrigacional ajuizada por Vitor Antônio de Lima e
outros, em face de Sul América Companhia Nacional de Seguros, pleiteando o recebimento de
indenização, por conta dos danos havidos em seus imóveis, conforme regulado em seguro habitacional
celebrado entre as partes.
Vitor Antônio de Lima e outros interpuseram recurso de apelação (mov. 129.1), alegando, em
síntese, que deveria ser anulada a cláusula que afasta a responsabilidade de a seguradora indenizar os
segurados quando os danos forem oriundos de vício de construção.
É o relatório,
VOTO:
Inicialmente, de se consignar que a matéria atinente à competência já foi decidida pela Magistrada
singular, na decisão de mov. 1.38, do que a Caixa Econômica Federal agravou retidamente (mov. 1.42).
Contudo, denota-se que o banco renunciou ao prazo para recorrer da sentença (mov. 127), bem
como deixou de apresentar contrarrazões, pelo que deixou, consequentemente, de requerer expressamente
o conhecimento do agravo retido.
Assim, considerando o descumprimento da norma do art. 523, §1º do Código de Processo Civil de
1973, o recurso não pode ser conhecido, pelo que restou preclusa a matéria atinente à competência.
Pois bem.
Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora é moradora de conjunto habitacional de padrão
popular, tendo adquirido seu imóvel através de financiamento popular, por intermédio da Companhia
Paranaense de Habitação do Paraná, entidade que também coordenou a construção das unidades
habitacionais.
Ao adquirir o imóvel, a parte autora aderiu a apólice do seguro imobiliário (Ramo 68), passando a
contar com a cobertura do Seguro Habitacional.
Conforme a inicial, após a aquisição do imóvel, a parte autora passou a observar a existência de
diversas anomalias estruturais, cuja natureza encontra-se reportada no laudo pericial de mov. 1.50/1.52
(vício de construção).
A sentença foi de improcedência, entendendo o juízo singular que o contrato de seguro não possui
cobertura para vício de construção, assim como que não restou demonstrada ameaça de desmoronamento
do imóvel, pelo que fica desautorizada a reparação securitária.
A parte autora recorreu, alegando que deveria ser anulada a cláusula que afasta a coberta por vício
construtivo.
Com razão.
Infere-se do contrato de seguro firmado entre as partes que consta da cláusula 3.1 os riscos
cobertos pela apólice, assim como a exclusão para danos causados pelos componentes do prédio, senão
vejamos:
Trata-se, a toda evidência, de cláusulas limitativas, que somente poderiam ser consideradas
válidas, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, se não desnaturassem o contrato de seguro, por
diminuir substancialmente o risco ao impor ao segurado uma desvantagem excessiva.
Ao analisar as cláusulas contratuais que tratavam das coberturas securitárias e dos riscos
excluídos, o STJ esclareceu que, não obstante as cláusulas limitativas possam ser contratadas, a sua
validade depende da observância de determinadas diretrizes, dentre as quais se destaca a chamada “causa
contratual”, definida como sendo o legítimo interesse do segurado em relação aos riscos
predeterminados, que remete à ideia de boa-fé objetiva.
A definição de interesse legítimo, portanto, está intimamente relacionada com esta razoável
expectativa do segurado em relação à extensão e ao conteúdo da garantia contratada.
Ao interpretar a cláusula contratual que prevê a cobertura para danos físicos, em especial aquela
que exclui a indenização por danos estruturais que não causem risco de desmoronamento, com base nos
postulados da boa-fé objetiva, da função econômica do contrato de seguro habitacional e da legítima
expectativa do segurado, o STJ entendeu ser abusiva a negativa de cobertura para danos estruturais
gerados por vícios de construção.
Conclui, por outro lado, pela legitimidade da negativa de cobertura para o caso de danos gerados:
“por atos praticados pelo próprio segurado ou pelo uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo
como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre
o prédio”.
Conclui-se, assim, que a cláusula contratual que exclui da cobertura securitária os vícios
construtivos é abusiva, eis que ao excluir da responsabilidade do segurador todo e qualquer dano
decorrente da própria construção, acarreta enorme desequilíbrio contratual, trazendo um descompasso
entre os direitos e obrigações dos contratantes, enfraquecendo a posição do consumidor.
Partindo de tais premissas, convém analisar a prova produzida em juízo, para verificar se a parte
autora faz ou não jus à indenização requerida.
A prova técnica produzida demonstrou que o imóvel da parte autora apresentou os seguintes
vícios:
Marlene Tech
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade. Por
analogia das outras edificações do empreendimento considerou-se deficiência de
estanqueidade na face externa das paredes das áreas molháveis, revestidas apenas
com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Marlice Inês Adams
(...)
Problemas observados: A residência foi implantada com caimento de águas
pluviais corretamente, havendo, contudo deficiência na drenagem lateral direita
na direção da edificação vizinha com carreamento das águas em sua direção. A
edificação foi amplamente reformada, ampliação de área construída à esquerda
da unidade original, aos fundos e na frente. Por analogia das outras edificações
do empreendimento considerou-se deficiência de estanqueidade na face externa
das paredes das áreas molháveis, revestidas apenas com chapisco e parte da
calçada de proteção externa.
(...)
Nadia Lopes Frohlich
(...)
Problemas observados: Não foram observados vícios na parte original. A unidade
foi reformada e ampliada não sendo possível verificar defeitos exclusivos da
edificação original. Por analogia das outras edificações do empreendimento
considerou-se deficiência de estanqueidade na face externa das paredes das áreas
molháveis, revestidas apenas com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Nelson Pereira
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ao fundo do lote ocasionado
pelo caimento invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno
da unidade. Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da
unidade. Trinca de recalque. Umidade na face externa da alvenaria das áreas
molháveis e calçada de proteção externa.
(...)
Raimunda de Souza
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade. Por
analogia das outras edificações do empreendimento considerou-se deficiência de
estanqueidade na face externa das paredes das áreas molháveis, revestidas apenas
com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Sandra Mara Santin
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pela falta de
drenagem do entorno. A unidade ainda hoje não possui um sistema de drenagem
das águas de chuva sendo que as águas tendem para a lateral esquerda da
unidade onde pode ser verificado um início de ascensão capilar nas bases das
alvenarias. Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da
unidade.
(...)
Sueli da Costa de Andrade
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade.
(...)
Valdemar Link
(...)
Nota explicativa: Apesar de atualmente funcionar no local um condomínio de
quitinetes, construído no entorno do imóvel original, foram orçados serviços de
drenagem do entorno visto que originalmente as águas pluviais se depositavam no
fundo do lote. Foi orçado também o serviço de impermeabilização da face externa
das paredes das áreas molháveis. revestidas apenas com chapisco quando da
entrega dos imóveis.
(...)
Vilmar Brambila
(...)
Problemas observados: Não foram observadas patologias na parte original
remanescente da unidade. Por analogia das outras edificações do empreendimento
considerou-se deficiência de estanqueidade na face externa das paredes das áreas
molháveis, revestidas apenas com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Vilso Ferreira Sampaio
(...)
Problemas observados: A residência foi implantada com caimento de águas
pluviais corretamente, havendo contudo deficiência na drenagem lateral esquerda
com carreamento das águas em sua direção. Deficiência de estanqueidade na face
externa das paredes das áreas molháveis revestidas apenas com chapisco e parte
da calçada de proteção externa. Trinca de início de recalque que poderá ser
combatida com a colocação da calçada de proteção e implantação de sistema de
drenagem.
(...)
Vitor Antônio de Lima
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade.
Deficiência de estanqueidade na face externa das paredes das áreas molháveis
revestidas originalmente apenas com chapisco.
Indagado sobre o motivo dos vícios, esclareceu que foram ocasionados ante a: “falta de alguns
elementos na construção. Sistema de drenagem de águas pluviais, falta de revestimento mais
impermeável nas faces externas das áreas molháveis e calçada de proteção no perímetro da residência.”
(item 9.2, “d” – mov. 1.51).
Muito embora o perito tenha afirmado que na data da perícia não havia risco de desabamento nos
imóveis, esclareceu que: “Os danos constatados podem evoluir ainda que muito lentamente para um
desmoronamento parcial, ressalvado a patologia descrita na viga da unidade da Sra. Sandra Mara
Santin que terá sua evolução mais rápida e mais perigosa aos ocupantes” (item 33 – mov. 1.51).
Conclui-se, assim, que os vícios apresentados nos imóveis da parte autora são de natureza
construtiva e que a indenização que ora se pretende alcançar encontra amparo no seguro contratado, eis
que a cláusula que exclui da cobertura para vícios construtivos, nos termos da jurisprudência do STJ, é
abusiva, porque fere a legítima expectativa do consumidor.
Neste contexto, inegável a procedência da pretensão da parte autora, pelo que a sentença deve ser
integralmente reformada, julgando procedentes os pedidos iniciais, e condenando a seguradora ao
pagamento da indenização securitária.
Diante do exposto, VOTO por CONHECER o recurso de apelação interposto pela parte autora, e
por DAR-LHE PROVIMENTO, reformando a sentença, e julgando procedente o pedido inicial, a fim
de condenar a seguradora ao pagamento da indenização securitária, com consequente inversão do ônus da
sucumbência, nos termos da fundamentação.
O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Roberto Portugal Bacellar, sem voto, e dele
participaram Desembargador Francisco Luiz Macedo Junior (relator), Desembargadora Ângela Khury e
Desembargador Luis Sérgio Swiech.