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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

9ª CÂMARA CÍVEL

Autos nº. 0000947-59.2009.8.16.0150

Apelação Cível n° 0000947-59.2009.8.16.0150 Ap


Vara Cível de Santa Helena
Apelante(s): MARLICE INES ADAMS, VALDEMAR LINK, VITOR ANTONIO DE LIMA,
SANDRA MARA SANTIN, SUELI DA COSTA, NELSON PEREIRA, VILMAR BRAMBILA,
MARLENE TECH PESSINI, NADIA LOPES FROHLICH, RAIMUNDA DE SOUZA e UILSO
FERREIRA SAMPAIO
Apelado(s): TRADITIO COMPANHIA DE SEGUROS
Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Junior

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE SECURITÁRIA


– COBRANÇA DE SEGURO – SEGURO HABITACIONAL FIRMADO
FORA DO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – APÓLICE
PRIVADA FIRMADA ATRAVÉS DA COHAPAR – VÍCIO DE
CONSTRUÇÃO – ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE
EXCLUI A RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA EM RELAÇÃO
AOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS ISSO QUANDO OS DANOS
SUPORTADOS PELOS SEGURADOS RESULTAM DE VÍCIOS
ESTRUTURAIS DE CONSTRUÇÃO A QUE NÃO DERAM CAUSA, NEM
PODERIAM EVITAR - PRECEDENTES DO STJ - COBERTURA
DEVIDA, ANTE A CONSTATAÇÃO DE VÍCIOS ESTRUTURAIS NOS
IMÓVEIS DA PARTE AUTORA – SENTENÇA REFORMADA –
INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – RECURSO CONHECIDO,
AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO.

Trata-se de ação ordinária de responsabilidade obrigacional ajuizada por Vitor Antônio de Lima e
outros, em face de Sul América Companhia Nacional de Seguros, pleiteando o recebimento de
indenização, por conta dos danos havidos em seus imóveis, conforme regulado em seguro habitacional
celebrado entre as partes.

Após a instrução do feito, a Magistrada julgou improcedente a demanda (mov. 100.1),


condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados
em R$1.000,00 (mil reais), para cada um, observada a concessão da gratuidade da justiça.

Vitor Antônio de Lima e outros interpuseram recurso de apelação (mov. 129.1), alegando, em
síntese, que deveria ser anulada a cláusula que afasta a responsabilidade de a seguradora indenizar os
segurados quando os danos forem oriundos de vício de construção.

Contrarrazões no mov. 132.1.


O feito foi sobrestado, em virtude da determinação pelo Superior Tribunal de Justiça (mov. 11.1-
TJ).

É o relatório,

VOTO:

Inicialmente, de se consignar que a matéria atinente à competência já foi decidida pela Magistrada
singular, na decisão de mov. 1.38, do que a Caixa Econômica Federal agravou retidamente (mov. 1.42).

Contudo, denota-se que o banco renunciou ao prazo para recorrer da sentença (mov. 127), bem
como deixou de apresentar contrarrazões, pelo que deixou, consequentemente, de requerer expressamente
o conhecimento do agravo retido.

Assim, considerando o descumprimento da norma do art. 523, §1º do Código de Processo Civil de
1973, o recurso não pode ser conhecido, pelo que restou preclusa a matéria atinente à competência.

Pois bem.

Cuida-se de ação de responsabilidade obrigacional securitária, em que a parte autora, amparados


na apólice do SH/SFH, pleiteia o recebimento de indenização securitária, por conta da existência de
danos físicos em seu imóvel. A ação foi julgada improcedente, por entender o magistrado, que não a
apólice securitária não possui cobertura para vícios intrínsecos do imóvel.

Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora é moradora de conjunto habitacional de padrão
popular, tendo adquirido seu imóvel através de financiamento popular, por intermédio da Companhia
Paranaense de Habitação do Paraná, entidade que também coordenou a construção das unidades
habitacionais.

Ao adquirir o imóvel, a parte autora aderiu a apólice do seguro imobiliário (Ramo 68), passando a
contar com a cobertura do Seguro Habitacional.

Conforme a inicial, após a aquisição do imóvel, a parte autora passou a observar a existência de
diversas anomalias estruturais, cuja natureza encontra-se reportada no laudo pericial de mov. 1.50/1.52
(vício de construção).

Diante disto, ajuizou a presente ação ordinária de responsabilidade securitária, buscando a


condenação da seguradora, ao pagamento de indenização referente ao valor necessário para reparar o
imóvel.

A sentença foi de improcedência, entendendo o juízo singular que o contrato de seguro não possui
cobertura para vício de construção, assim como que não restou demonstrada ameaça de desmoronamento
do imóvel, pelo que fica desautorizada a reparação securitária.
A parte autora recorreu, alegando que deveria ser anulada a cláusula que afasta a coberta por vício
construtivo.

Com razão.

Infere-se do contrato de seguro firmado entre as partes que consta da cláusula 3.1 os riscos
cobertos pela apólice, assim como a exclusão para danos causados pelos componentes do prédio, senão
vejamos:

CLÁUSULA 3a - RISCOS COBERTOS


3.1 - Estão cobertos por estas Condições todos os riscos que possam afetar o
objeto do seguro, ocasionando:
a) incêndio;
b) explosão;
c) desmoronamento total;
d) desmoronamento parcial, assim entendido a destruíção ou desabamento de
paredes, vigas ou outro elemento estrutural;
e) ameaça de desmoronamento, devidamente comprovada;
f) destelhamento;
g) inundação ou alagamento.
3.2 - Com exceção dos riscos contemplados nas alíneas a e b do subitem 3.1, todos
os citados no mesmo subitem deverão ser decorrentes de eventos de causa externa,
assim entendidos os causados por forças que, atuando de fora para dentro, sobre o
prédio, ou sobre o solo ou subsolo em que o mesmo se acha edificado, lhe causem
danos, excluindo-se, por conseguinte, todo e qualquer dano sofrido pelo prédio ou
benfeitorias que seja causado por seus próprios componentes, sem que sobre eles
atue qualquer força anormal.

Trata-se, a toda evidência, de cláusulas limitativas, que somente poderiam ser consideradas
válidas, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, se não desnaturassem o contrato de seguro, por
diminuir substancialmente o risco ao impor ao segurado uma desvantagem excessiva.

A questão referente à abusividade da cláusula contratual que exclui da cobertura do seguro


habitacional os vícios construtivos, foi objeto de análise pelo STJ, no Recurso Especial nº 1804965/SP,
assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚM. 211/STJ.


NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. IMÓVEL ADQUIRIDO PELO SFH. ADESÃO
AO SEGURO HABITACIONAL OBRIGATÓRIO. RESPONSABILIDADE DA
SEGURADORA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO (VÍCIOS OCULTOS). BOA-FÉ
OBJETIVA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de indenização securitária proposta em 11/03/2011, de que foi extraído o
presente recurso especial, interposto em 12/07/2018 e concluso ao gabinete em 16
/04/2019.
2. O propósito recursal é decidir se os prejuízos resultantes de sinistros
relacionados a vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro
habitacional obrigatório, vinculado a crédito imobiliário concedido para aquisição
de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados
impede o conhecimento do recurso especial (súm. 211/STJ).
4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente
fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional,
não há falar em violação do art. 1.022 do CPC/15.
5. Em virtude da mutualidade ínsita ao contrato de seguro, o risco coberto é
previamente delimitado e, por conseguinte, limitada é também a obrigação da
seguradora de indenizar; mas o exame dessa limitação não pode perder de vista a
própria causa do contrato de seguro, que é a garantia do interesse legítimo do
segurado.
6. Assim como tem o segurado o dever de veracidade nas declarações prestadas, a
fim de possibilitar a correta avaliação do risco pelo segurador, a boa-fé objetiva
impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros, de dar
informações claras e objetivas sobre o contrato, para permitir que o segurado
compreenda, com exatidão, o verdadeiro alcance da garantia contratada, e, nas
fases de execução e pós-contratual, o dever de evitar subterfúgios para tentar se
eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente determinados.
7. Esse dever de informação do segurador ganha maior importância quando se trata
de um contrato de adesão - como, em regra, são os contratos de seguro -, pois se
trata de circunstância que, por si só, torna vulnerável a posição do segurado.
8. A necessidade de se assegurar, na interpretação do contrato, um padrão mínimo
de qualidade do consentimento do segurado, implica o reconhecimento da
abusividade formal das cláusulas que desrespeitem ou comprometam a sua livre
manifestação de vontade, enquanto parte vulnerável.
9. No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma
vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da
casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-
se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do
imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim,
os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema.
10. A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função
socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório
vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos
riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da
seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio
segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a
expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais
sobre o prédio.
11. Os vícios estruturais de construção provocam, por si mesmos, a atuação de
forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é fragilizado o seu
alicerce, qualquer esforço sobre ele - que seria naturalmente suportado acaso a
estrutura estivesse íntegra - é potencializado, do ponto de vista das suas
consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação de
normalidade de fruição do bem.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (REsp
1804965/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
27/05/2020, DJe 01/06/2020).

Ao analisar as cláusulas contratuais que tratavam das coberturas securitárias e dos riscos
excluídos, o STJ esclareceu que, não obstante as cláusulas limitativas possam ser contratadas, a sua
validade depende da observância de determinadas diretrizes, dentre as quais se destaca a chamada “causa
contratual”, definida como sendo o legítimo interesse do segurado em relação aos riscos
predeterminados, que remete à ideia de boa-fé objetiva.

Esclareceu-se que o consumidor, ao aderir ao seguro habitacional obrigatório, para aquisição da


casa própria pelo SFH, tem em mente a ideia de que receberá um imóvel adequado ao uso a que se
destina e, mais, que será: “indenizado pelos prejuízos suportados em decorrência de danos originados na
vigência do contrato e geradores dos riscos cobertos pela seguradora, segundo o previsto na apólice,
como razoavelmente se pressupõe ocorrer com os vícios estruturais de construção”.

A definição de interesse legítimo, portanto, está intimamente relacionada com esta razoável
expectativa do segurado em relação à extensão e ao conteúdo da garantia contratada.

Ao interpretar a cláusula contratual que prevê a cobertura para danos físicos, em especial aquela
que exclui a indenização por danos estruturais que não causem risco de desmoronamento, com base nos
postulados da boa-fé objetiva, da função econômica do contrato de seguro habitacional e da legítima
expectativa do segurado, o STJ entendeu ser abusiva a negativa de cobertura para danos estruturais
gerados por vícios de construção.

Conclui, por outro lado, pela legitimidade da negativa de cobertura para o caso de danos gerados:
“por atos praticados pelo próprio segurado ou pelo uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo
como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre
o prédio”.

Eis o trecho do voto que tratou do tema:

No particular, inclusive, infere-se, da leitura das cláusulas da apólice do seguro


(conforme Circular SUSEP 111/1999), transcritas no acórdão recorrido,
especificamente quanto às condições particulares para os riscos de danos físicos
(item I), que a situação dos autos não se enquadra, perfeitamente, na hipótese
descrita na norma que trata expressamente dos riscos excluídos, mais
especificamente, nos itens 4.1, “f”, e 4.2, assim redigidos:
4. RISCOS EXCLUÍDOS
4.1 Essa apólice não responderá pelos prejuízos que se verificarem em
decorrência, direta ou indireta, de:
(...)
f) uso e desgaste;
4.2 Entende-se por uso e desgaste os danos verificados exclusivamente em razão
do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, ainda que cumulativamente,
a:
a) revestimentos;
b) instalações elétricas;
c) instalações hidráulicas;
d) pintura;
e) esquadrarias;
f) vidros;
g) ferragens,
h) pisos. (fl. 1.723, e-STJ)
Ora, os danos suportados pelos segurados não são verificados exclusivamente em
razão do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, mas resultam de vícios
estruturais de construção, a que não deram causa, nem poderiam de qualquer
modo evitar, e que, evidentemente, apenas se agravam com o decurso do tempo e a
utilização normal da coisa.
Em igual direção segue a leitura dos itens 3.1 e 3.2 do mesmo documento,
também mencionados no acórdão recorrido, os quais versam sobre as hipóteses
de cobertura quanto aos riscos indicados, nestes termos:
3.1 - Estão cobertas pelas presentes Condições todos os riscos abaixo indicados:
a) incêndio;
b) explosão;
c) desmoronamento total;
d) desmoronamento parcial, assim entendido a destruição ou desabamento de
paredes, vigas ou outro elemento estrutural;
e) ameaça de desmoronamento, devidamente comprovada;
f) destelhamento;
g) inundação ou alagamento.
3.2 - Com exceção dos riscos contemplados nas alíneas a e b do subitem 3.1,
todos os citados no mesmo subitem deverão ser decorrentes de eventos de causa
externa assim entendidos os causados por forças que, atuando de fora para dentro
sobre o prédio, ou sobre o solo ou subsolo em que o mesmo se acha edificado, lhe
causem danos, excluindo-se, por conseguinte, todo e qualquer dano sofrido pelo
prédio ou benfeitorias que seja causado por seus próprios componentes, sem que
sobre eles atue qualquer força anormal." (fls. 1.721-1.722, e-STJ – grifou-se).
É dizer, a interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função
socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório
vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos
riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da
seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio
segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a
expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais
sobre o prédio. Obviamente, os vícios estruturais de construção provocam, por si
mesmos, a atuação de forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é
fragilizado o seu alicerce, qualquer esforço sobre ele – que seria naturalmente
suportado acaso a estrutura estivesse íntegra – é potencializado, do ponto de vista
das suas consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação
de normalidade de fruição do bem. Ao contrário, portanto, do entendimento
exarado pelo TJ/SP, não é compatível com a garantia de segurança esperada pelo
segurado supor que os prejuízos que se verificam em decorrência de vícios de
construção estejam excluídos da cobertura securitária.
(…)
Sob a ótica do interesse público, revela-se ainda mais importante essa observação,
na medida em que a integridade estrutural do imóvel é condição essencial para
que o bem se mostre apto a acautelar o financiamento e, a um só tempo, a atingir
sua finalidade de facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria
ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população,
assegurando, por conseguinte, a continuidade da política habitacional.
(…)
De fato, por qualquer ângulo que se analise a questão, conclui-se, à luz dos
parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que os vícios
estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos
efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para
acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois
de sua extinção (vício oculto). Nesse sentido: REsp 1.717.112/RN, Terceira Turma,
julgado em 25/09/2018, DJe 11/10/2018; EDcl no AgInt no REsp 1.561.601/SP,
Terceira Turma, julgado em 02/09/2019, DJe 05/09/2019; AgInt no AREsp
1.171.213/PR, Terceira Turma, julgado em 01/07/2019, DJe 06/08/2019.

Conclui-se, assim, que a cláusula contratual que exclui da cobertura securitária os vícios
construtivos é abusiva, eis que ao excluir da responsabilidade do segurador todo e qualquer dano
decorrente da própria construção, acarreta enorme desequilíbrio contratual, trazendo um descompasso
entre os direitos e obrigações dos contratantes, enfraquecendo a posição do consumidor.

E, tendo em vista a abusividade da referida cláusula, deve-se interpretá-la em favor do


consumidor, de forma a entender que na cobertura para danos físicos com ameaça de desmoronamento
estão incluídos todos os danos decorrentes de vícios construtivos, ainda que não exista ameaça iminente
de desmoronamento.

Partindo de tais premissas, convém analisar a prova produzida em juízo, para verificar se a parte
autora faz ou não jus à indenização requerida.

A prova técnica produzida demonstrou que o imóvel da parte autora apresentou os seguintes
vícios:

Marlene Tech
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade. Por
analogia das outras edificações do empreendimento considerou-se deficiência de
estanqueidade na face externa das paredes das áreas molháveis, revestidas apenas
com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Marlice Inês Adams
(...)
Problemas observados: A residência foi implantada com caimento de águas
pluviais corretamente, havendo, contudo deficiência na drenagem lateral direita
na direção da edificação vizinha com carreamento das águas em sua direção. A
edificação foi amplamente reformada, ampliação de área construída à esquerda
da unidade original, aos fundos e na frente. Por analogia das outras edificações
do empreendimento considerou-se deficiência de estanqueidade na face externa
das paredes das áreas molháveis, revestidas apenas com chapisco e parte da
calçada de proteção externa.
(...)
Nadia Lopes Frohlich
(...)
Problemas observados: Não foram observados vícios na parte original. A unidade
foi reformada e ampliada não sendo possível verificar defeitos exclusivos da
edificação original. Por analogia das outras edificações do empreendimento
considerou-se deficiência de estanqueidade na face externa das paredes das áreas
molháveis, revestidas apenas com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Nelson Pereira
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ao fundo do lote ocasionado
pelo caimento invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno
da unidade. Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da
unidade. Trinca de recalque. Umidade na face externa da alvenaria das áreas
molháveis e calçada de proteção externa.
(...)
Raimunda de Souza
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade. Por
analogia das outras edificações do empreendimento considerou-se deficiência de
estanqueidade na face externa das paredes das áreas molháveis, revestidas apenas
com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Sandra Mara Santin
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pela falta de
drenagem do entorno. A unidade ainda hoje não possui um sistema de drenagem
das águas de chuva sendo que as águas tendem para a lateral esquerda da
unidade onde pode ser verificado um início de ascensão capilar nas bases das
alvenarias. Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da
unidade.
(...)
Sueli da Costa de Andrade
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade.
(...)
Valdemar Link
(...)
Nota explicativa: Apesar de atualmente funcionar no local um condomínio de
quitinetes, construído no entorno do imóvel original, foram orçados serviços de
drenagem do entorno visto que originalmente as águas pluviais se depositavam no
fundo do lote. Foi orçado também o serviço de impermeabilização da face externa
das paredes das áreas molháveis. revestidas apenas com chapisco quando da
entrega dos imóveis.
(...)
Vilmar Brambila
(...)
Problemas observados: Não foram observadas patologias na parte original
remanescente da unidade. Por analogia das outras edificações do empreendimento
considerou-se deficiência de estanqueidade na face externa das paredes das áreas
molháveis, revestidas apenas com chapisco e parte da calçada de proteção externa.
(...)
Vilso Ferreira Sampaio
(...)
Problemas observados: A residência foi implantada com caimento de águas
pluviais corretamente, havendo contudo deficiência na drenagem lateral esquerda
com carreamento das águas em sua direção. Deficiência de estanqueidade na face
externa das paredes das áreas molháveis revestidas apenas com chapisco e parte
da calçada de proteção externa. Trinca de início de recalque que poderá ser
combatida com a colocação da calçada de proteção e implantação de sistema de
drenagem.
(...)
Vitor Antônio de Lima
(...)
Problemas observados: Acúmulo de águas de chuva ocasionado pelo caimento
invertido das águas e/ou falta de elementos de drenagem no entorno da unidade.
Ausência de calçamento de proteção no perímetro remanescente da unidade.
Deficiência de estanqueidade na face externa das paredes das áreas molháveis
revestidas originalmente apenas com chapisco.

Indagado sobre o motivo dos vícios, esclareceu que foram ocasionados ante a: “falta de alguns
elementos na construção. Sistema de drenagem de águas pluviais, falta de revestimento mais
impermeável nas faces externas das áreas molháveis e calçada de proteção no perímetro da residência.”
(item 9.2, “d” – mov. 1.51).
Muito embora o perito tenha afirmado que na data da perícia não havia risco de desabamento nos
imóveis, esclareceu que: “Os danos constatados podem evoluir ainda que muito lentamente para um
desmoronamento parcial, ressalvado a patologia descrita na viga da unidade da Sra. Sandra Mara
Santin que terá sua evolução mais rápida e mais perigosa aos ocupantes” (item 33 – mov. 1.51).

Conclui-se, assim, que os vícios apresentados nos imóveis da parte autora são de natureza
construtiva e que a indenização que ora se pretende alcançar encontra amparo no seguro contratado, eis
que a cláusula que exclui da cobertura para vícios construtivos, nos termos da jurisprudência do STJ, é
abusiva, porque fere a legítima expectativa do consumidor.

Nesse sentido, vejamos decisões recentes deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE


OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. SEGURO FINANCEIRO HABITACIONAL
(SFH) – RAMO 68. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1. LAUDO PERICIAL
QUE IDENTIFICOU VÍCIOS CONSTRUTIVOS NOS IMÓVEIS DOS
APELANTES. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA SEGUNDA SEÇÃO DO
STJ QUANDO DO JULGAMENTO DO RESP 1804965/SP. CORTE SUPERIOR
QUE DECIDIU PELA ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA QUE EXCLUI A
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA EM RELAÇÃO AOS VÍCIOS
CONSTRUTIVOS QUANDO OS DANOS SUPORTADOS PELOS
SEGURADOS RESULTAM DE VÍCIOS ESTRUTURAIS DE CONSTRUÇÃO A
QUE OS SEGURADOS NÃO DERAM CAUSA, NEM PODERIAM EVITAR.
DEVER DE INDENIZAR VERIFICADO. EXCLUÍDOS APENAS OS
VALORES REFERENTES AOS DANOS DECORRENTES DE MÁ
CONSERVAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA.2. CONDENAÇÃO DA
SEGURADORA AO PAGAMENTO DA MULTA DECENDIAL.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL.3.
PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO QUE ACARRETA A
REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.RECURSO CONHECIDO
E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJPR - 9ª Câmara Cível - 0008239-26.2009.8.16.0173 - Umuarama - Rel.:
SUBSTITUTO GUILHERME FREDERICO HERNANDES DENZ - J.
19.06.2023)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SENTENÇA DE


IMPROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE SECURITÁRIA. APÓLICE QUE
PERTENCE AO RAMO PRIVADO, SEM VÍNCULO COM O SFH. VÍCIOS
CONSTRUTIVOS CONSTATADOS PELA PERÍCIA. DEVER DE INDENIZAR.
APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DISPOSTO NO RESP 1.804.965/SP DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INDENIZAÇÃO CONFORME OS
VALORES APURADOS PELO EXPERT. MULTA DECENDIAL. NÃO
DEMONSTRAÇÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE
PROVIDA.
(TJPR - 9ª Câmara Cível - 0007253-72.2009.8.16.0173/1 - Umuarama - Rel.:
DESEMBARGADOR ARQUELAU ARAUJO RIBAS - J. 29.09.2022)

Portanto, como a negativa da seguradora não se apresenta como justificável, é devido o


pagamento da indenização securitária, no montante indicado no laudo pericial, à parte autora.
Não se olvide, ainda, que em virtude da inversão do ônus da prova, incumbia à seguradora
comprovar a existência de causa de extinção da responsabilidade, ou seja, comprovar que os reparos não
eram necessários para evitar a propagação dos danos, ônus do qual não se desincumbiu.

Neste contexto, inegável a procedência da pretensão da parte autora, pelo que a sentença deve ser
integralmente reformada, julgando procedentes os pedidos iniciais, e condenando a seguradora ao
pagamento da indenização securitária.

Por consequência, é de se inverter os ônus da sucumbência, condenando a parte ré ao pagamento


das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor da condenação, nos
termos do art. 85, §2º do CPC.

Diante do exposto, VOTO por CONHECER o recurso de apelação interposto pela parte autora, e
por DAR-LHE PROVIMENTO, reformando a sentença, e julgando procedente o pedido inicial, a fim
de condenar a seguradora ao pagamento da indenização securitária, com consequente inversão do ônus da
sucumbência, nos termos da fundamentação.

ACORDAM os Membros Integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná,


por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso de apelação e em DAR-LHE PROVIMENTO,
nos termos do voto do relator.

O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Roberto Portugal Bacellar, sem voto, e dele
participaram Desembargador Francisco Luiz Macedo Junior (relator), Desembargadora Ângela Khury e
Desembargador Luis Sérgio Swiech.

Curitiba, 26 de janeiro de 2024

Francisco Luiz Macedo Junior


Relator

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