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Resumo
O presente artigo constitui uma avaliação no módulo de Responsabilidade Civil, cujo objectivo
de estudo é analisar se há ou não responsabilidade civil do Estado pelo danos patrimoniais e não
patrimoniais sofridos pela população vítima do terrorismo na província de Cabo Delgado. Nestes
termos, abordar-se-á sobre o papel do Estado Moçambicano na protecção, garantia de segurança e
bem-estar dos seus cidadãos, conforme os objectivos constitucionalmente previstos nas alíneas c),
d), e) e g) do artigo 11 da Constituição da República de Moçambique, tendo em conta que
província de Cabo Delgado, vem sendo alvo de ataques terroristas desde Outubro de 2017 que
resultaram em mortes de civis, destruição e interrupção de actividades económicas e circuitos
comerciais, e no aumento da pobreza e insegurança alimentar, o que afectou cerca de 1.000.000
pessoas dos distritos de Mocímboa da Praia, Palma, Muidumbe, Nangade, Macomia, Quissanga,
Ibo, Meluco e Mueda, dos quais cerca de 786.520 são deslocados. Analisar-se-á igualmente o
conceito e os pressupostos da responsabilidade civil na sua vertente extracontratual e sobre a
caracterização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que a população vítima do terrorismo
sofreu devido ao impacto negativo deste fenómento resultante da acção humana, concluindo-se
estarem reunidos pressupostos para que possa haver responsabilidade civil do Estado em
consequência dos resultados das acções terroristas.
Abstract
This article constitutes an assessment in the Civil Liability module, whose study objective is to
analyze whether or not there is civil liability of the State for property and non-property damage
suffered by the population victim of terrorism in the province of Cabo Delgado. In these terms,
the role of the Mozambican State in protecting, guaranteeing the security and well-being of its
citizens will be discussed, in accordance with the objectives constitutionally set out in paragraphs
c), d), e) and g) of article 11 of the Constitution of the Republic of Mozambique, taking into
account that the province of Cabo Delgado has been the target of terrorist attacks since October
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Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Gestão, Turismo e Informática da Universidade Católica de
Moçambique - Pemba. Este trabalho é orientado pela Prof.ª Doutora Cátia Paulo na Cadeira de Responsabilidade
Civil. E-mail: chichangoruilagriamas@yahoo.com.br
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2017 that resulted in civilian deaths, destruction and interruption of economic activities and
commercial circuits, and an increase in poverty and food insecurity, which affected around
1,000,000 people in the districts of Mocímboa da Praia, Palma, Muidumbe, Nangade, Macomia,
Quissanga, Ibo, Meluco and Mueda, of which around 786,520 are displaced. The concept and
assumptions of civil liability in its extra-contractual aspect and the characterization of property
and non-property damage that the population victim of terrorism suffered due to the negative
impact of this phenomenon resulting from human action will also be analyzed, concluding that
they are prerequisites are met so that there may be civil liability of the State as a result of the
results of terrorist actions.
Keywords: Human Rights in Cabo Delgado. Civil responsability. Assumptions of civil liability.
Property and non-property damage.
Introdução
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1. O papel do Estado Moçambicano sobre a protecção e defesa dos seus cidadãos face às
acções terroristas
O marco simbólico deste período pode ser situado no ataque armado a uma esquadra da
polícia em Mocímboa da Praia, em Outubro, aumentando gradualmente a sua escalada
para outros distritos do norte da província. É assim que, ainda no mês de Outubro de
2017, foram atacados pontos onde se realizava comércio e um assalto armado à
delegação do Millenium BIM em Mocímboa da Praia, entre outros lugares. Em
Dezembro há também registos de ataques armados. No entanto, são os anos seguintes
que se mostram mais sangrentos. O ano de 2018 mostra-nos que depois de Mocímboa da
Praia os ataques se estenderam a outros distritos como Palma, Nangade, Quissanga e
Macomia, para além de Muidumbe. Em 2019 os ataques armados passaram a assumir
características diferentes, particularmente durante o segundo semestre, onde há
indicações de um maior profissionalismo, disciplina e uso de mais armamento pelo lado
dos atacantes (...) “os últimos seis meses de 2019 e os primeiros de 2020 foram infernais
para as populações e para as FADM” (...) os inúmeros ataques que ocorreram durante
este período e o alargamento das acções armadas a outros distritos do norte de Cabo
Delgado, os massacres realizados contra civis, o número incontável de habitações e bens
móveis e imóveis, unidades 44 hospitalares, escolas, lojas e outras infra-estruturas
públicas e privadas destruídas, sendo que o seu maior impacto é visualizado pelo número
de deslocados que chegaram a Pemba, Nampula, Niassa e ao norte do arquipélago das
Quirimbas e a outras ilhas, por terra e por mar, em busca de segurança e um pouco de
paz, (...) é possível verificar que Mocímboa da Praia, Macomia e Palma foram os
distritos mais atingidos por estes ataques armados ao longo destes cerca de dois anos,
apesar dos registos de ataques a outros distritos costeiros e do interior (...), (OSÓRIO,
SILVA. 2021, p. 43-45).
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Diante do acima exposto, pode-se perceber que os objectivos do Estado não foram
alcançados, ou seja, o Estado Moçambicano não desempenhou o seu papel na província de Cabo
Delgado, durante o período em que docorreram os ataques terroristas, como sendo: de edificar
uma sociedade de justiça social e criar bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos
cidadãos; de promover um desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país; de
defender e promover os direitos humanos e igualdade dos cidadãos perante a lei; de reforçar a
democracia, a liberdade, a estabilidade social e a harmonia social e individual; e de promover
uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz, conforme se reporta no Relatório dos
Direitos Humanos em Moçambique (2020, p. 2):
E os dados apresentados no Plano de Reconstrução de Cabo Delgado das Zonas Afectadas pelo
Terrorismo (2021, p. 6), que dão conta que até ao mês de Agosto de 2021, cerca de 165.741
famílias, o equivalente a 786.520 pessoas eram deslocadas por causa das acções terroristas, tendo
buscado refugio em zonas mais seguras no sul da província de Cabo Delgado (cidades e distritos)
e em outras províncias como Nampula e Niassa, gerando o estado de emergência humanitário
devido ao agravamento de famílias em situação de vulnerabilidades.
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instituto da responsabilidade civil extra-obrigacional (extra-contratual, delitual ou aquiliana), que
integra tanto a responsabilidade, quando ela depende da existência de culpa do agente, de culpa
do autor da lesão; e a responsabilidade objectiva, quando o agente se constitui na obrigação de
indemnizar independentemente de culpa, resultando a escolha desta modalidade de
responsabilidade civil pelo entendimento que se tem de que a possibilidade do Estado ressarcir a
população vítima do terrorismo em Cabo Delgado, não resulta do incumprimento de obrigações
contratuais.
Nos termos do n.º 1 do artigo 483 do Código Civil, os pressupostos da obrigação de
indemnizar por parte do lesante pela responsabilidade civil por factos ilícitos são:
a) Facto, que deve ser controlável pela vontade do homem, consistindo numa acção,
ou seja, num facto positivo, que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de
não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. Mas pode consistir também num
facto negativo, ou seja, numa abstenção ou numa omissão, conforme o artigo 486º Código Civil,
onde podem ser enquadrados os actos de terrorismo praticados na província de Cabo Delgado e a
omissão do dever ou da responsabilidade do Estado em cumprir os seus objectivos, tendo em
conta as alíneas c), d), e), f) e g) do artigo 11 da CRM).
d) Dano, que é o prejuízo causado a alguém pelo facto ilícito culposo, é a condição
essencial da obrigação de indemnizar. O referido prejuízo pode recair sobre a pessoa do lesado ou
nos seus bens e podendo ser classificado em danos pessoais - aqueles que se repercutem nos
direitos da pessoa; danos materiais - os que respeitam às coisas; danos patrimoniais - aqueles que,
sendo materiais ou pessoais, consubstanciam a lesão de interesses susceptíveis de avaliação em
dinheiro (danos emergentes e lucros cessantes); danos não patrimoniais (ou morais) – aqueles que
se traduzem na lesão de direitos ou interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, cujo
princípio da sua aplicabilidade é limitado à responsabilidade civil extra-contratual. E não deve ser
ampliado à responsabilidade contratual, por não haver analogia entre os dois tipos de situações.
Podem ser encontrados igualmente os danos presentes ou futuros, em função de já se ter
verificado ou não no momento da apreciação do direito à indemnização pelo tribunal; danos reais
– aqueles que foram efectivamente verificados, ou seja, os prejuízos avaliados em si mesmo; e
danos de cálculo - que é a avaliação dos danos em dinheiro. Segundo Varela (s.d. p. 57):
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores
subjectivos. Por um lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o
dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem
pecuniária ao lesado.
A reparação obedecerá a juízos de equidade tendo em conta as circunstâncias concretas
de cada caso (art. 496º/3 CC – 494º CC).
A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do
lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do
que uma indemnização.
e) Nexo de casualidade entre o facto e o dano, significa que para o dano ser
susceptível de indemnização é necessário que ele seja consequência do facto, ilícito e culposo no
domínio da responsabilidade subjectiva extra-obrigacional, facto não culposo no domínio da
responsabilidade objectiva, onde o facto gerador do dano pode mesmo ser um facto lícito. No
entanto, em qualquer das modalidades da responsabilidade civil, tem sempre de haver uma
ligação causal entre o facto e o dano para que o actor do facto seja obrigado a indemnizar o
prejuízo causado, que se afigura nitidamente que os factos ilícitos ocorridos em Cabo Delgado
são os causadores dos prejuízos sofridos pela população vítima do terrorismo.
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vítimas de terrorismo em Cabo Delgado, pelo facto dos actos terroristas terem sido praticados
com o intuito de provocar o resultado catastrófico verificado e não actividades de outra índole,
que carregam consigo o risco nos moldes referidos nesta modalidade de responsabilidade civil.
Nos termos das alíneas c), d), e), f) e g) do artigo 11 da Constituição da República de
Moçambique, impõe-se ao Estado os objectivos fundamentais de edificar uma sociedade de
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justiça social e criar bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos; de
promover um desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país; de defender e
promover os direitos humanos e igualdade dos cidadãos perante a lei; de reforçar a democracia, a
liberdade, a estabilidade social e a harmonia social e individual; e de promover uma sociedade de
pluralismo, tolerância e cultura de paz. Ora; por um lado, o exercício pleno dos direitos
fundamentais nos termos constitucionalmente consagrados por parte dos cidadãos e das
populações na província de Cabo Delgado depende do desempenho eficaz do papel do Estado, ou
seja, os cidadãos só podem exercer os seus direitos fundamentais em pleno se o Estado cumprir
com eficácia o seu papel fundamental, tendo em vista as disposições do artigo supracitado; por
outro lado, a limitação do exercício dos direitos fundamentais só pode ser temporária em virtude
de declaração do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência nos termos
estabelecidos na Constituição, o que não foi o caso apesar das populações vítimas do terrorismo
terem ficado privadas de exercer os seus direitos por período indeterminado.
O n.º 1 do artigo 483 do Código Civil estabelece que:
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o disreito de outrem ou
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Analisada a segunda parte do n.º 1 do artigo referido, assaca-se o entendimento de que as normas
das alíneas c), d), e), f) e g) do artigo 11 da Constituição da República de Moçambique visam
proteger os direitos e os interesses da colectividade no seu todo, mas também visam proteger os
direitos e interesses dos cidadãos ou indíviduos, embora o destinatário da norma seja o Estado e
não o indivíduo singularmente considerado ou pessoa física.
Portanto, a inércia do Estado em assumir os ataques no princípio ( Outubro de 2017)
como actos de terrorismo no distrito de Mocimboa da Praia, bem como a sua intervenção tardia
para defender as populações, combater e controlar o alastramento dos ataques terroristas nos
demais distritos da zona norte da província de Cabo Delgado, tendo em conta a gravidade dos
prejuízos ou danos patrimoniais e não patrimoniais que daí resultaram, nomeadamente: a
destruição de bens ou de infraestruturas, desalojamento forçado das populações das suas zonas de
orígem, perda dos seus meios de subsistência, como machambas e seus negócios, as mortes por
decapitação ou por baleamentos, os traumas, doenças contraídas e os medos vividos, conforme
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referem as Narrativas e Práticas Sobre Direitos Humanos no Contexto do(s) Conflito(s) em Cabo
Delgado: Uma Análise de Género, os Relatórios de Práticas dos Direitos Humanos em 2020, e o
Plano de Reconstrução de Cabo Delgado das Zonas Afectadas pelo Terrorismo (2021 - 2024), se
afigura como uma omissão de conduta do Estado relevante sob o ponto de vista jurídico para a
responsabilidade civil e em que o Estado possa configurar o respectivo polo passivo e ressarcir os
danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelas populações de Cabo Delgado, se
devidamente accionados os mecanismos legais, tendo como fim garantir o cumprimento das
alíneas c), d), e), f) e g) do artigo 11 da Constituição da República de Moçambique.
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Considerações finais
O tema trazido neste artigo é actual, social e juridicamente relevante, uma vez que tem
haver com a análise da existência ou não da responsabilidade civil do Estado pelos prejuízos
sofridos pelas populações vítimas do terrorismo na província de Cabo Delgado e que ainda se
ressentem dos seus efeitos nefastos nos dias que correm, apesar da relativa restauração da
segurança e retorno das populações às suas zonas de origem, conforme refere o Relatório Balanço
do I Semestre do Serviço Provincial de Justiça e Trabalho de Cabo Delgado.
É um tema que sugere debates e estudos mais aprofundados sobre o seu objecto,
socialmente e na academia, para buscar um entendimento que possa mitigar o sofrimento das
populações vítimas do terrorismo em resultados prejuízos sofridos, através da busca incesssante
pela justiça e reflectir sobre o papel do Estado e sua conduta face à protecção e defesa dos seus
cidadãos nos termos constitucionalmente previstos.
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