Você está na página 1de 4

1

João Francisco Naves da Fonseca

Doutor e mestre em Direito Processual pela USP – Largo São Francisco


Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Advogado

Seção IV
Dos Embargos de Divergência

Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que:


I – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro
órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito;
II – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro
órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de
admissibilidade;
III – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer
outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do
recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;
IV – nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão
do mesmo tribunal.
§ 1º Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de
competência originária.
§ 2º A divergência que autoriza a interposição de embargos de divergência pode verificar-se na
aplicação do direito material ou do direito processual.
§ 3º Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma que
proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de
seus membros.
§ 4º O recorrente provará a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou
credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente,
ou com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva
fonte, e mencionará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados.
§ 5º É vedado ao tribunal inadmitir o recurso com base em fundamento genérico de que as
circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.

1. Finalidades institucionais. Entre as funções dos embargos de divergência destaca-se a


uniformização da jurisprudência interna do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça. O exercício dessa função é dependente da iniciativa da parte, que opõe os embargos de
divergência objetivando a reforma ou a anulação do acórdão recorrido.
2. Cabimento. Os embargos de divergência são cabíveis contra acórdão, unânime ou
majoritário, lavrado por órgão fracionário do tribunal de superposição. Não são cabíveis, portanto,
contra decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ou pela Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça.
O novo CPC amplia as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência. Com efeito,
além de serem oponíveis em recurso extraordinário e especial, eles passam a ser admissíveis também
2
nos processos de competência originária dos tribunais de superposição (inc. IV). Desse modo, restam
excluídos do seu âmbito de cabimento apenas os acórdãos proferidos em recurso ordinário
constitucional. Com o novo Código, ademais, ao lado dos arestos proferidos pelas turmas dos referidos
tribunais, tornam-se sujeitos ao ataque por embargos de divergência aqueles oriundos de qualquer uma
das três seções do Superior Tribunal de Justiça.
A jurisprudência dos tribunais de superposição tem admitido embargos de divergência contra
acórdão que, em agravo regimental, julga recurso extraordinário ou especial (STF, Pleno, ED no RE
283.240-AgRg-EDcl-AgRg, rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, j. 26.4.2007, maioria, DJ 14.3.2008;
Súmula 316 do STJ). Com a entrada em vigor do novo CPC, esse entendimento deve ser estendido para
os arestos que, em agravo interno, julgarem as causas de competência originária (inc. IV).
A divergência pode se referir ao mérito ou ao juízo de admissibilidade dos recursos
extraordinário e especial (incs. I a III). Assim, fica superada a Súmula 315 do STJ, segundo a qual “não
cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.
Na verdade, o inc. II em comento não exige que os acórdãos embargado e paradigma tenham ambos
inadmitido o recurso extraordinário ou especial. Para serem cabíveis os embargos de divergência nessa
hipótese, basta que os acórdãos embargado e paradigma tenham analisado a mesma questão jurídica
relativa ao juízo de admissibilidade recursal, independentemente de terem depois adentrado no mérito.
Assim, p. ex., deve ser admitido o recurso fundado em confronto entre acórdão (a) embargado que
inadmitiu recurso especial por falta de assinatura na peça do advogado titular do certificado digital; e
(b) paradigma que admitiu e julgou recurso especial nessas circunstâncias, por entender suficiente o
fato de o titular do certificado digital ter procuração nos autos.
A hipótese de cabimento prevista no inc. III do art. 1.043 já estaria abrangida pelo próprio
inc. I. Todavia, ela se justifica porque, durante algum tempo, prevaleceu nos tribunais de superposição
entendimento no sentido de subordinar o “conhecimento” dos recursos extraordinário e especial ao seu
provimento (STJ, 3ª Turma, REsp 45.672-EDcl, rel. Min. Nilson Naves, j. 24.4.1995, v.u., DJ
28.8.1995; STJ, 4ª Turma, REsp 32.309-EDcl, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 13.9.1993, v.u., DJ
8.11.1993). Para essa corrente jurisprudencial, a impugnação fundada na alínea a do inc. III do art. 102
ou do art. 105 da Constituição Federal deveria ser conhecida somente quando se verificasse a efetiva
violação à norma constitucional ou federal infraconstitucional apontada. Essa impropriedade técnica
gerou, ao longo dos anos, confusão sobre o real conteúdo de algumas decisões dos referidos tribunais
que “não conheciam” do recurso, mas claramente enfrentavam o próprio cerne da impugnação. Por
conseguinte, em suma, o inc. III ora comentado tem o escopo de reforçar a diretriz segundo a qual o
dispositivo da decisão deve ser interpretado a partir de sua motivação (cf., a propósito, art. 489, § 3º).
3. Comprovação da divergência. O embargante pode confrontar acórdão proferido em
recurso com outro relativo a ação de competência originária, e vice-versa (art. 1.043, § 1º). O dissídio
pode se dar, em qualquer hipótese, na solução de questão de direito material ou processual (§ 2º).
O acórdão paradigma pode ser de qualquer órgão do tribunal, inclusive “da mesma turma que
proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de
seus membros” (§ 3º). Com a entrada em vigor do novo CPC, portanto, não haverá mais substrato legal
para aplicação da Súmula 353 do STF, segundo a qual são incabíveis os embargos com fundamento em
divergência entre decisões de uma mesma turma. Tendo em vista que as turmas dos tribunais de
superposição são compostas por cinco integrantes, a substituição de três deles já será suficiente
para configurar a hipótese prevista no § 3º do art. 1.043. Por fim, embora esse dispositivo refira-se
expressamente a acórdãos “da mesma turma”, sua interpretação teleológica e sistemática recomenda
que ele seja aplicado também na hipótese de o aresto ser de uma mesma seção do Superior Tribunal de
Justiça. Nesse caso, seis ministros representariam mais da metade dos membros do órgão fracionário.
O recurso ora analisado deve trazer dissídio atual. A esse respeito, a Súmula 168 do STJ
enuncia que “não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no
mesmo sentido do acórdão embargado”. Ainda nessa direção, dispõem o art. 332 do RISTF e a Súmula
3
247 do STF. Além disso, exige-se que o acórdão paradigma tenha sido proferido por órgão que ainda
mantenha competência para julgar a matéria ali tratada (Súmula 158 do STJ).
Conforme dispõe o § 4º do art. 1.043, o embargante deve comparar analiticamente o acórdão
recorrido com o paradigma, a fim de demonstrar que os julgados deram tratamento jurídico diverso
para situações fáticas idênticas ou muito semelhantes. Para tanto, a jurisprudência entende não bastar a
mera transcrição de ementas dos arestos conflitantes (STF, Pleno, ED no RE 140.829-EDcl, rel. Min.
Celso de Mello, j. 15.12.2011, v.u., DJ 10.12.2012; STJ, Corte Especial, ED no REsp 1.318.306-AgRg,
rel. Min. Luis Felipe, j. 19.12.2014, v.u., DJ 2.2.2015). Trata-se, em suma, de cotejo similar àquele
realizado em recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial (CF, art. 105, inc. III, c; e
CPC/2015, art. 1.029, § 1º).
O recorrente deve cuidar para não subsistir no acórdão embargado fundamento não impugnado
suficiente para sustentar a conclusão do decisum. Vale aqui a mesma lógica aplicável aos recursos
extraordinário e especial (Súmulas 283 do STF e 126 do STJ). Nesse sentido, “não se conhece dos
embargos de divergência se o paradigma colacionado diverge de apenas um dos fundamentos do aresto
embargado, sendo o outro, não objeto do dissídio, suficiente, por si só, para mantê-lo” (STJ, 1ª Seção,
ED no REsp 3.274, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 12.3.97, v.u., DJ 7.4.97).
Por fim, o § 5º do art. 1.043 decorre do dever de motivação das decisões judiciais, previsto
constitucionalmente (art. 93, IX) e bastante prestigiado no novo CPC (cf., p. ex., arts. 11, 489, §§ 1º a
3º e 1.029, § 2º). O dispositivo em comento impõe ao tribunal o ônus de apontar as diferenças nas
circunstâncias fáticas dos acórdãos confrontados, se entender que elas impediriam a admissão dos
embargos de divergência. Essa regra é salutar e tem certo caráter didático.

Art. 1.044. No recurso de embargos de divergência, será observado o procedimento


estabelecido no regimento interno do respectivo tribunal superior.
§ 1º A interposição de embargos de divergência no Superior Tribunal de Justiça interrompe o
prazo para interposição de recurso extraordinário por qualquer das partes.
§ 2º Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do
julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do
julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação.

1. Procedimento. É de 15 dias o prazo para oposição dos embargos de divergência (art. 1.003,
§ 5º). Aplicam-se aqui as regras gerais sobre contagem, prorrogação, suspensão e interrupção dos
prazos processuais.
Naquilo que não contrariar o novo CPC, o procedimento dos embargos de divergência é
aquele estabelecido, conforme o caso, no RISTF (arts. 330 a 332 e 334 a 336) e no RISTJ (arts. 266 e
267).
2. Efeito interruptivo dos embargos de divergência (art. 1.044, § 1º). O acórdão proferido
pelo Superior Tribunal de Justiça pode ser objeto, em tese, de três recursos: embargos de declaração,
embargos de divergência e recurso extraordinário. O legislador manteve a regra do efeito interruptivo
dos embargos declaratórios (art. 1.026, caput), segundo a qual sua interposição faz com que os prazos
para outros recursos recomecem a fluir por inteiro a partir da intimação de sua decisão. Além disso,
acertadamente estendeu o referido efeito para os embargos de divergência, pondo fim à insegurança
jurídica derivada da ausência de disposição nesse sentido no CPC de 1973. Quanto a esse ponto, o
Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “a interposição simultânea, contra o acórdão que julgou
o recurso especial, de embargos de divergência e recurso extraordinário, acarreta a inadmissibilidade
do recurso que foi protocolado por último, ante a preclusão consumativa” (STJ, Corte Especial, ED no
4
REsp 511.234-AgRg, rel. Min. Luiz Fux, j. 4.8.04, v.u., DJ 20.9.04); e o Supremo Tribunal Federal,
nas mesmas circunstâncias, não tem admitido o recurso extraordinário (STF, 1ª Turma, AI 563.505-
AgRg, rel. Min. Eros Grau, j. 27.9.05 v.u., DJ 4.11.05; STF, 2ª Turma, RE 355.497-AgRg, rel. Min.
Maurício Corrêa, j. 25.3.03, v.u., DJ 25.4.03). No entanto, como já dito, o novo CPC tende a trazer
maior segurança para o jurisdicionado nessa situação.
O § 1º ora comentado não impõe nenhuma condição para que o efeito interruptivo dos
embargos de divergência se opere. Todavia, a prevalecer a jurisprudência relativa ao aludido efeito em
sede de embargos declaratórios, a interposição intempestiva dos embargos de divergência não terá o
condão de interromper o prazo para outros recursos. Nesse sentido, em embargos de declaração: STJ, 3ª
Turma, REsp 434.913-EDcl-AgRg, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 12.8.03, v.u., DJ 8.9.03; STJ, 4ª Turma,
REsp 230.750, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 9.11.99, v.u., DJ 14.2.00; STJ, 5ª Turma, REsp
227.820, rel. Min. Felix Fischer, j. 26.10.99, v.u., DJ 22.11.99. Para a outra parte, porém, até mesmo
embargos de declaração intempestivos são dotados do efeito interruptivo, tendo em vista que ela “não
tem como verificar de plano a referida intempestividade” (STJ, 3ª Turma, REsp 869.366, rel. Min.
Sidnei Beneti, j. 17.6.10, v.u., DJ 30.6.10). Observe-se, no entanto, que a oposição intempestiva de
embargos de divergência não tornará oportuno o recurso extraordinário extemporâneo, sequer para a
outra parte, na medida em que ambos os recursos são interponíveis no mesmo prazo de 15 dias. Assim,
quando aqueles forem opostos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça já terá transitado em julgado;
por conseguinte, não haverá mais o que interromper.
Registre-se, por fim, que a oposição dos embargos de divergência deve interromper o prazo do
recurso extraordinário não só para as partes, mas também para outros possíveis recorrentes, tais como o
terceiro prejudicado e o Ministério Público atuante na condição de fiscal da ordem jurídica. Nesse
sentido, em sede de embargos declaratórios: STJ, 3ª Turma, REsp 712.319, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
25.9.06, v.u., DJ 16.10.06.
3. Desnecessidade de ratificação do recurso extraordinário (art. 1.044, § 2º). O efeito
interruptivo dos embargos, benefício instituído em favor da parte, não pode se transformar em
armadilha contra ela. Daí por que outra boa novidade do novo CPC consiste na dispensa do embargado
de reiterar seu recurso extraordinário interposto antes da publicação da decisão dos embargos de
divergência, se eles forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior. O § 5º do
art. 1.024 contém previsão similar a essa para os embargos de declaração, com o acréscimo de que, se
eles modificarem a decisão embargada, a outra parte terá o direito de complementar ou alterar as razões
do recurso já interposto – dentro dos limites da modificação – no prazo de quinze dias (art. 1.024, § 4º).
Trata-se de norma coerente com as garantias do contraditório e da ampla defesa, ínsitas ao devido
processo legal, razão pela qual ela deve ser aplicada analogicamente nas hipóteses em que os embargos
de divergência alterarem a conclusão do julgamento anterior.

Você também pode gostar