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Introdução
A análise do perfil glicídico se trata de uma das principais investigações laborato-
riais, sendo frequentemente o tipo de análise mais realizado no setor de bioquímica.
Sua relevância está relacionada ao diagnóstico de distúrbios no metabolismo dos
carboidratos, como a hipoglicemia, a hiperglicemia e o diabetes melito.
Neste capítulo, você vai conhecer os dois principais distúrbios no metabolismo
da glicose, suas características e a forma como são detectados laboratorialmente.
Também vai conhecer a definição de glicemia e por que monitorá-la é tão impor-
tante. Por fim, vai descobrir quais são as principais metodologias diagnósticas
utilizadas na mensuração do perfil glicídico.
Metabolismo da glicose
Os carboidratos, também chamados de açúcares, são a principal fonte de
energia para o corpo humano. Trata-se de moléculas compostas, basicamente,
por átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio. Porém, a composição de alguns
carboidratos inclui grupos aldeído ou cetona, garantindo-lhes características
de substâncias redutoras, ou seja, que podem realizar reações de oxidação ou
redução em outros compostos (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2010). Essa caracte-
2 Perfil glicídico
rística é importante para que se possa entender a lógica por trás de algumas
metodologias utilizadas em laboratório para a avaliação de perfil glicídico.
Em geral, os carboidratos são classificados em monossacarídeos, dissaca-
rídeos e polissacarídeos, de acordo com o tamanho de suas cadeias químicas.
Diabetes melito
O diabetes melito é uma doença metabólica cuja principal característica é
a ocorrência de hiperglicemia, ocasionada por defeitos na secreção ou na
funcionalidade da insulina. Os efeitos do diabetes melito incluem lesão no
longo prazo, disfunção e insuficiência de vários órgãos, especialmente olhos,
rins, coração e vasos sanguíneos.
Segundo os consensos da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e da
Associação Americana de Diabetes, os estados de glicemia de jejum alterada
e tolerância diminuída à glicose, que consistem na detecção de glicose acima
dos valores de referência, mas abaixo do limiar considerado para o diagnóstico
de diabetes, compõem fatores de risco aumentados para o desenvolvimento
de diabetes, podendo ser considerados condições pré-diabéticas (BARCELOS;
AQUINO, 2018; MURPHY et al., 2019).
De forma semelhante, o diabetes gestacional é uma situação transitória
que ocorre por um conjunto de fatores que envolvem, principalmente, o
aumento da adiposidade materna e as alterações hormonais gestacionais.
Essa condição pode partir de uma gestação normal para o desenvolvimento
de resistência à insulina, que pode gerar níveis glicêmicos semelhantes aos
encontrados em pacientes portadores de diabetes tipo 2. Apesar de os níveis
glicêmicos retornarem ao normal após o parto, essa condição está relacionada
a complicações durante o parto e ao aumento do risco de diabetes para a
mãe, além de maiores chances de síndrome do desconforto respiratório,
hiperbilirrubinemia e hipercalcemia nos bebês (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2010;
BARCELOS; AQUINO, 2018).
Segundo as Diretrizes da SBD (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2019),
todas as gestantes sem diagnóstico prévio de diabetes melito, mas com gli-
cemia de jejum acima de 92 mg/dL, devem ser diagnosticadas com diabetes
melito gestacional. As que obtiverem níveis abaixo de 92 mg/dL devem realizar
o teste oral de tolerância à glicose, após sobrecarga com 75 g de glicose, entre
a 24ª e a 28ª semana de gestação, sendo considerado diabetes gestacional
nas seguintes situações: glicemia após 1 hora da sobrecarga ≥ 180 mg/dL ou
glicemia após 2 horas da sobrecarga ≥ 153 mg/dL.
Veja, no Quadro 1, os principais valores de referência utilizados pela SBD
para a avaliação do perfil glicídico.
8 Perfil glicídico
Normal
Diabetes
* Teste oral de tolerância à glicose. ** Hemoglobina glicada, também conhecida como glicohe-
moglobina. ***Método de cromatografia líquida de alta performance.
Glicemia de jejum
A glicemia de jejum consiste na mensuração da concentração de glicose
na corrente sanguínea. O jejum é um dos pontos críticos para a realização
desse exame, pois é necessário que o paciente esteja em um estado de
homeostasia durante a coleta, não em estado logo após a ingestão alimentar
(pós-prandial) ou de escassez metabólica por um período longo de jejum.
Para padronização desse parâmetro, recomenda-se um jejum de 8 a 10
horas, não sendo aconselhada a coleta em pacientes com jejum superior
a 16 horas. Durante o jejum, o paciente não deve ingerir alimentos sólidos
ou líquidos, mas pode beber água normalmente (BISHOP; FODY; SCHOEFF,
2010; BARCELOS; AQUINO, 2018).
Outro cuidado pré-analítico importante relaciona-se com a utilização dos
inibidores da via glicolítica. Preferencialmente, a dosagem sérica de glicose
deve ser realizada a partir de amostras coletadas em tubos contendo fluoreto
de sódio ou iodoacetato, pois, assim, há a inibição de enzimas atuantes na
via glicolítica: a enolase, pelo fluoreto de sódio, ou gliceraldeído 3-fosfato
desidrogenase, pelo iodoacetato. Porém, é válido destacar que a inibição
não é imediata e, portanto, uma pequena quantidade de glicose é sempre
degradada, mas em situações típicas não ultrapassa 8 mg/dL de diferença
no resultado final (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2010; BARCELOS; AQUINO, 2018;
MURPHY et al., 2019).
Entretanto, muitas vezes a coleta de amostras para medida da glicemia
é feita em tubos mais versáteis, pois outros analitos podem ser dosados na
mesma alíquota. Quando a coleta for realizada em tubos sem anticoagulante
ou com anticoagulantes, mas sem inibidores da via glicolítica, deve-se ter
o cuidado de realizar a centrifugação e a separação da amostra de soro ou
plasma em, no máximo, 1 hora. Esse cuidado é importante para evitar que
ocorra consumo da glicose pelas células sanguíneas, especialmente pelos
leucócitos, em elevadas concentrações. A redução da glicemia final, nesses
casos, pode diminuir de 5 a 7% por hora, dependendo das condições da
amostra. Segundo Bishop, Fody e Schoeff (2010) e Barcelos e Aquino (2018),
caso não seja possível realizar as análises em pouco tempo, é aconselhado
que as amostras sejam mantidas em refrigeração.
10 Perfil glicídico
O TOTG é realizado após a ingestão de uma carga oral de uma solução com 75
g de glicose (ou 1,75 g de glicose por kg de peso em crianças). Nesse procedi-
mento, é dosada a glicemia de jejum e a glicemia 2 horas após a ingestão da
solução. É necessário que o paciente permaneça em repouso durante essas
2 horas, então, geralmente, o paciente permanece no laboratório até a última
coleta ser realizada (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2010; MURPHY et al., 2019).
O TOTG, também conhecido como “curva glicêmica”, é utilizado para o
diagnóstico de diabetes, mas também pode ser utilizado para a detecção de
tolerância diminuída à glicose. Entretanto, esse teste pode sofrer variadas
interferências pré-analíticas que acabam diminuindo sua reprodutibilidade.
Em primeiro lugar, o teste deve ser realizado, preferencialmente, durante
a manhã, em jejum de 10 a 16 horas. É importante que o paciente faça uma
ingestão de carboidratos de, pelo menos, 150 g antes do início do jejum, para
evitar resultado falso positivo. Também é necessário que a concentração de
glicose da solução esteja adequada ao peso/idade do paciente e que sua
ingestão ocorra em até 5 minutos. Alguns pacientes consideram a solução
enjoativa ao paladar, especialmente por estarem em jejum, podendo ocasio-
nar vômitos e diarreia. Nesses casos, o teste deve ser suspendido e repetido
posteriormente, ou deve ser utilizada outra metodologia. Além disso, inter-
ferentes como exercício físico intenso prévio ao teste, uso de medicamentos
e alterações hormonais podem alterar os resultados (BARCELOS; AQUINO,
2018; MURPHY et al., 2019).
Perfil glicídico 13
Hemoglobina glicada
5 97
6 126
6,5 140
7 154
8 183
9 212
10 240
Referências
BARCELOS, L. F.; AQUINO, J. L. (ed.). Tratado de análises clínicas. Rio de Janeiro: Atheneu,
2018.
BISHOP, M. L.; FODY, E. P.; SCHOEFF, L. E. Química clínica: princípios, procedimentos,
correlações. Barueri: Manole, 2010.
MCPHERSON, R. A.; PINCUS, R. M. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos
laboratoriais de Henry. 21. ed. São Paulo: Manole, 2012.
MURPHY, M.; SRIVASTAVA, R.; DEANS, K. Bioquímica clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan, 2019.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014. (E-book).
PINTO, W. de J. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-
2020. São Paulo: Clannad, 2019.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PATOLOGIA CLÍNICA/MEDICINA LABORATORIAL. Recomen-
dações da sociedade brasileira de patologia clínica/medicina laboratorial (SBPC/
ML): fatores pré-analíticos e interferentes em ensaios laboratoriais. Barueri: Manole,
2018. (E-book).