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Pereirinha Cap1 - Primeiro capítulo da bibliografia obrigatória


da UC
Política Social (Universidade Aberta)

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POLÍTICA SOCIAL - José António PEREIRINHA ( Capítulo 1 )

Índice
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CAPÍTULO 1. POLÍTICA SOCIAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
1.1. O que são Políticas Públicas
1.2. Políticas Públicas e o papel do Estado
1.3. Um modelo de descrição sistémica do processo político
1.4. As finalidades da Política Social
1.5. Objectivos e domínios de actuação da Política Social
1.6. Aspectos organizativos da Política Social
1.7. Diversidade de concepções de Política Social
1.8. O estudo da Política Social: algumas opções teóricas
1.9. Análise da Política Social
1.10. Aspectos metodológicos de análise da Política Social
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CAPÍTULO 1. POLÍTICA SOCIAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


Encontram-se na literatura diferentes significados para o termo "Política
Social", o que leva a que a generalidade dos manuais de Política Social se
iniciem com um capítulo introdutório sobre a explicação deste conceito.
Este livro não será excepção a esta regra. Política Social é entendida como
a actuação das políticas públicas dirigidas à promoção e garantia do bem-
estar, confundindo-se com a actuação, com finalidades sociais, do Estado
Social ou, como costuma ser designado em Portugal, do Estado-
Providência. É em torno desta concepção (ela própria susceptível de
diferentes interpretações) que iremos orientar o nosso trabalho. Política
Social vai então ser entendida como área de actuação das políticas
públicas, com finalidades sociais.
Mas encontramos também outro significado para Política Social, entendida
esta como disciplina científica, com objecto e método científico próprios,

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fazendo parte do conjunto das ciências sociais, e distinta da sociologia, da


economia, da ciência política. É neste sentido que encontramos, no Reino
Unido, alguma identidade entre social policy (como área de actuação) e
social administration (como tentativa de construção de uma área científica
ligada à compreensão e fundamentação da actuação social)[1]. Como
refere ALCOCK (1998), "Política Social é um conceito usado para descrever
actuações dirigidas à promoção do bem-estar; mas é também o termo
usado para designar o estudo, em termos académicos, dessas actuações".
Vamos centrar a nossa atenção na primeira destas duas concepções
(Política Social enquanto política pública) e remeter, para mais adiante, a
discussão em torno das questões do método científico de análise destas
actuações.
A nossa preocupação neste capítulo será, então, a de localizar a Política
Social no contexto da intervenção do Estado, na economia e na sociedade e
de como se caracterizam as políticas sociais no contexto das políticas
públicas. A nossa preocupação fundamental é a de fornecer os elementos
teóricos e metodológicos essenciais para se fazer "análise" da Política
Social. A análise das políticas públicas (e, em particular, das políticas
sociais) é um trabalho frequente dos técnicos que trabalham nestas
políticas, quer se trate dos que as fundamentam e preparam, quer dos que
as executam ou dos que as avaliam. Constitui, por isso, preocupação
central deste livro proporcionar os fundamentos e os princípios e métodos
necessários para que se façam alguns tipos de análise de Política Social.

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1.1. O QUE SÃO POLÍTICAS PÚBLICAS


Podemos entender, por políticas públicas, "um conjunto de acções
interrelacionadas entre si, tomadas por um actor ou conjunto de actores
políticos, respeitante à escolha de objectivos e meios para os alcançar no

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contexto de uma situação específica, devendo estas decisões, em princípio,


situar-se no âmbito do poder que estes actores têm para os alcançar"
(JENKINS, 1978). Considerando esta definição clássica, significa que
existem três aspectos fundamentais que caracterizam qualquer política
pública: i) ser um conjunto de decisões e não uma decisão isolada,
descontextualizada de um conjunto mais alargado e consistente de
decisões; ii) envolver actores políticos nessas decisões, isto é, o facto de
estas decisões serem tomadas por agentes com poder legitimado para as
tomarem; iii) o facto de essas decisões consistirem em identificar objectivos
a alcançar e em escolher os meios que, no âmbito do poder que têm,
podem ser utilizados tendo em vista alcançar esses objectivos.
O nosso ponto de partida consiste em considerar Política Social no contexto
das políticas públicas, isto é, em encarar uma política social como uma
política pública. Quando nos referimos ao conjunto das actuações de
política pública identificáveis como política social podemos falar em políticas
sociais (no plural). Mas frequentemente falamos em Política Social (no
singular) para nos referirmos ao conjunto das políticas sociais, privilegiando
assim a natureza conjunta que estas políticas têm na identificação do
carácter social das políticas públicas nos Estados-Providência modernos.
Se quisermos identificar uma certa política pública e proceder à sua
caracterização de base (distinguindo uma certa política pública de alguma
outra), temos de ter em conta dois aspectos fundamentais: a sua
substância (o que a política faz) e o seu processo (como a política é feita).
É o que faremos seguidamente.
Quando pretendemos distinguir uma dada política relativamente a outra
(por exemplo, comparar a política de saúde de um governo com a política
de saúde do governo anterior) temos de identificar, em cada uma delas, as
finalidades que pretendem atingir (por exemplo, "cuidados de saúde para
todos") e, para as alcançar, quais são os objectivos que se pretendem
prosseguir (por exemplo, reduzir os tempos de espera para consultas de
especialidade) e, nos casos em que estes objectivos sejam quantificáveis, o
valor fixado para as metas (valores quantificados para esses objectivos).

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Mas é necessário também conhecer os instrumentos (os meios) utilizados


para alcançar esses objectivos (por exemplo: construir novos hospitais,
privatizando hospitais públicos e comparticipando serviços privados de
saúde). Conhecer a substância de uma política significa identificar as
finalidades, os objectivos e os instrumentos de política. E é através da
substância (finalidades, objectivos, instrumentos) que podemos distinguir
uma categoria de política pública de outra categoria, por exemplo, entre
política de saúde e política de ambiente. É desta forma que podemos
chegar à identificação das políticas sociais (ou, no singular, da Política
Social).
Mas as políticas distinguem-se também pela forma como são feitas ou
realizadas, isto é, o processo seguido na sua concepção e execução.
Constitui um elemento essencial da sua caracterização o conhecimento de
quais os actores sociais que intervém, e como o fazem, na sua concepção
(por exemplo: é uma decisão tomada por um gabinete ministerial precedida
por auscultação de órgãos consultivos? e nestes, participam os parceiros
sociais? alguns destes parceiros sociais representam interesses
profissionais? participam também, nesse órgão consultivo, representações
de interesses dos utentes?). Mas também conta muito saber como a política
é executada (por exemplo, através, exclusivamente, de serviços públicos?
conta-se também com actores privados, que forneçam os serviços através
do mercado, devendo os utentes pagar preços, eventualmente
comparticipados? ou com a participação de organizações não-
governamentais, de natureza não lucrativa?). Todos estes aspectos (e
muitos outros que adiante trataremos) devem ser considerados para
comparar políticas públicas. E também para caracterizar políticas sociais
(ou Política Social), onde os aspectos de processo ganham formas próprias
e distintas de outras políticas públicas.

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1.2. POLÍTICAS PÚBLICAS E O PAPEL DO ESTADO


De uma forma sintética, pode-se considerar que uma política (policy) é o
resultado de um sistema político (political system) que funciona num certo
contexto (environment). E esse "funcionamento" consiste na utilização
deliberada de meios para alcançar finalidades desejadas, nesse contexto,
num dado horizonte temporal. Por exemplo, uma política de educação
consiste numa actuação, pelos poderes públicos com competência política
para tal, que consiste em fixar objectivos e metas para alcançar certas
finalidades (por exemplo, garantir o exercício do direito à educação), num
certo horizonte temporal (por exemplo, reduzir em 5 pontos percentuais a
taxa de abandono escolar até ao ano 2025) usando, para esse efeito, um
conjunto de meios sobre os quais esses poderes públicos têm poder para
actuar (utilizar um certo orçamento, afectar um conjunto de professores e
outros agentes de ensino a actividades lectivas, utilizar escolas com
diferentes equipamentos, redesenhar programas de ensino considerados
mais adequados, organizar transportes escolares, etc.). É desta forma,
posicionados deste modo, que vamos ver os principais aspectos a ter em
consideração nas análises de políticas públicas.
Sendo uma política uma forma de manipulação de meios para alcançar
finalidades desejadas, a sua realização exige poder, entendido como "a
possibilidade de uma pessoa, ou grupo de pessoas, realizar a sua vontade
através de uma actuação social, mesmo contra a resistência de outros que
participem na actuação" (WEBER, 1947). Esse poder traduz-se na
capacidade de modificara realidade num certo sentido (por exemplo,
garantir que não haja pessoas sem cuidados de saúde quando deles
carecerem, ou crianças sem frequentar o sistema escolar) e consiste na
capacidade de decidir sobre as opções desejadas (vencendo resistências de
quem não as deseja) e, naturalmente, de traduzir essas opções em
actuações concretas sobre a realidade.
O poder de uma pessoa, de uma instituição ou de um grupo, quando
legitimado (isto é, institucionalizado e aceite numa base moral nessa

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sociedade), traduz-se no exercício de autoridade nessa sociedade. Segundo


WEBER (1947) podem identificar-se três factores de legitimação de
autoridade numa sociedade:
i) base racional-legal, segundo a qual o exercício da autoridade assenta
num conjunto de regras aceites nessa sociedade;
ii) tradicional, com base em tradições antigas, que surgem nessa
sociedade, como se de uma ordem natural se tratasse;
iii) carismática, resultado das características de forte personalidade de
quem exerce esse poder.
Quando nos referimos a uma política pública, como a actuação dos poderes
públicos na afectação de recursos a finalidades desejadas (e, no caso da
Política Social, destinada a promover e garantir o bem-estar social), tal
como o identificamos nas sociedades europeias actuais, estamos perante o
Estado (governo e outras instituições) que encontra a sua legitimidade
numa base racional-legal. É essa a base da legitimidade do Estado-
Providência.
Compreender a Política Social exige, então, que compreendamos a
estrutura do poder na sociedade. Esse conhecimento e compreensão são
fundamentais para se entender o processo de tomada de decisões políticas
e da sua execução. Mas este conhecimento exige que se considerem as
especificidades próprias em cada uma das áreas de Política Social e não de
forma indiferenciada sem atendermos às diferenças que possam existir
entre essas áreas. Por exemplo, as estruturas de poder que estão presentes
nas decisões políticas na área da saúde são de natureza distinta das que se
encontram na política de educação ou de protecção social. Voltaremos a
discutir este assunto mais adiante.
Na verdade encontramos, numa mesma sociedade, diferentes estruturas de
poder que permitem entender de que modo, em diferentes áreas de
funcionamento da sociedade, as decisões políticas são tomadas. Ajuda,
para compreender estas diferenças, enunciar algumas teorias, ou modelos
explicativos do exercício desse poder e do papel do Estado,

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designadamente os modelos pluralista, das elites e corporativo (HAM, C.;


M. HI LL, 1993).
Segundo a teoria pluralista, o poder numa sociedade é difuso, disperso
pelos cidadãos, não se encontrando concentrado em nenhum grupo social,
ou elite profissional ou, ainda que estas existam, repartem entre si o poder.
Isso não significa que não existam representações de interesses nas
sociedades (grupos de pressão, lobbles, sindicatos, partidos políticos), mas
nenhum deles dominante, no sentido em que não é possível prever-se o
resultado das discussões políticas sobre as alternativas de política. Os
sistemas eleitorais, em que assentam a formação dos governos (nacionais,
regionais e locais) constituem, nas modernas democracias, exemplos desta
forma de base constitutiva de poder em que assentam muitas decisões
políticas (na área da Política Social, ou outras áreas).
Mas o facto de haver formas de representação plural numa sociedade não
significa que não haja, também, outras estruturas de poder assentes em
lógicas diferentes. Segundo a teoria das elites existem, na sociedade, elites
económicas, profissionais, culturais, desportivas, políticas, etc., que
constituem focos concentrados de exercício de influência política, decisivas
para delas partirem, ou nelas assentarem, decisões políticas nas áreas, e
no contexto específico, onde detêm o poder. Esta concepção não contradiz
a existência de um poder plural, em relação a amplas áreas de decisão
política, à qual se acrescentaria, em relação a algumas outras, o poder de
elites em alguns domínios particulares.
Mas em algumas áreas de política os poderes encontram-se organizados
segundo lógicas de interesse, seja ele de natureza profissional (por
exemplo uma ordem profissional), ou sectorial (por exemplo uma
associação de industriais de um certo ramo de actividade), etc. Segundo a
teoria corporativista, esta representação de interesses pode estar inserida
no aparelho institucional de discussão e decisão política, constituindo
mesmo elemento essencial nesse processo quando, em processos de
consulta ou de negociação política, as partes envolvidas confrontam os seus

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interesses tendo em vista convergir para alguma solução consensualmente


desejada pelas partes.
Nenhuma destas teorias consegue, por si só, explicar como se configuram
os processos de tomada de decisão nas sociedades modernas. Em todas
elas encontramos exemplos de decisões colectivas que assentam no poder
político legitimado pelo voto democrático, expressão da vontade popular
dispersa por todos os eleitores. São os actos correntes da governação
política, do exercício do poder legislativo, da ratificação de diplomas. Mas
nas sociedades modernas há elites económicas, elites culturais, elites
religiosas, etc., que impulsionam decisões políticas nos mais diversos
domínios da vida económica e social. É nelas (nos seus interesses, nas suas
vontades) que encontramos a iniciativa (ou meramente o apoio) de
algumas decisões políticas. E os interesses (profissionais, económicos,
científicos) podem estar organizados de forma corporativa (associações de
classe) de forma a intervirem nos processos de decisão, influenciando-os de
acordo com os seus próprios interesses, estando a representação de
interesses de classe incrustada na própria organização do processo político.
Encontramos assim formas de expressão do poder cuja explicação radicaria
em qualquer das teorias acima expostas.

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1.3. UM MODELO DE DESCRIÇÃO SISTÉMICA DO PROCESSO POLÍTICO


O processo político (processo de tomada de decisões) assenta num sistema
político inserido num contexto. É a partir desta ideia fundamental que
iremos entender como se relacionam os diversos elementos presentes no
processo de decisão, como se relacionam entre si e como devem ser
considerados quando se pretende analisar esse processo. O modelo
sistémico do processo político de JENKINS (1978), apresentado na Figura

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1.1, constitui uma forma de representação desse processo que nos vai
servir essa finalidade.
Uma política pública traduz-se numa actuação que, a partir de alguma
necessidade diagnosticada, se utilizam melosa que se pode ter acesso,
contando para esse efeito com o conjunto dos apoios necessários para essa
actuação. A esse conjunto de necessidades, meios e apoios, vamos
designar por inputs para essa actuação. Por exemplo, conceber uma política
de habitação significa actuar sobre o mercado de habitação promovendo a
produção de casas para venda e arrendamento, a partir de uma
necessidade diagnosticada e traduzida numa estimativa credível de
carências habitacionais. Para isso pode conceber-se um plano de
construção e reabilitação de casas, envolvendo o apoio financeiro do Estado
a promotores de habitação em zonas urbanas onde estas carências tenham
sido identificadas e às quais se tenha dado prioridade mais elevada de
actuação e onde existem terrenos para construir e casas para reabilitar.
Foram portando identificados meios (financeiros, terrenos, casas, etc.) com
os quais se poderá actuar para realizar esse plano. Mas para que tal plano
se venha a realizar, o governo necessita de vários apoios: das autarquias,
que colaboram nesse plano, realizando projectos de construção e de
reabilitação, dos donos de terrenos que os disponibilizarão para essa
construção, dos proprietários das casas que estarão interessados em
participar no plano de reabilitação. São estes os Inputs desta política.
Mas essa actuação política vai consistir em actuar sobre a realidade,
produzindo alguma alteração nessa realidade. No caso do exemplo em que
temos vindo a trabalhar, essa alteração consiste, em termos imediatos, em
disponibilizar, pela produção de novas casas e pela reabilitação das casas
antigas, mais casas para realojar pessoas que tinham carências de
habitação. Esse constitui o resultado, ou output, dessa política.

* ver Figura 1.1 - Modelo sistémico do processo político

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É a partir desse resultado que teremos elementos importantes para avaliar


essa política comparando, por exemplo, o que foi realizado no horizonte
temporal em que está a decorrer a actuação dessa política, com o que foi
fixado como objectivo, por essa política, nesse horizonte temporal. Essa
comparação entre objectivos e resultados consiste na avaliação dessa
política em termos de eficácia. Uma política terá tido uma eficácia tão mais
elevada quanto mais próximos se encontrarem os valores dos resultados
alcançados dos valores fixados para os objectivos (ou metas) no horizonte
temporal fixado para essa política. Mas não é apenas a eficácia de uma
política que conta na sua avaliação. Também o é a sua eficiência, conceito
que envolve uma comparação entre meios e resultados. A eficiência de uma
política é tanto mais elevada quanto maior for o rácio resultado/meios,
usando uma unidade de medida adequada. Se a nossa atenção estiver
fixada nos meios financeiros usados na execução da política, a sua
eficiência pode ser medida pelo rácio "nº de casas construídas / custo total
da política". É claro que este critério permite comparar políticas em termos
da sua eficiência. Ou pode usar-se para se compararem propostas
alternativas de medidas de política se, para cada uma delas, se puderem
fazer previsões credíveis de resultados e de custos.
Seria, porém, demasiado limitativo cingimo-nos, na apreciação da política,
meramente aos resultados dessa política em termos do seu output, isto é,
do que "a política faz". Importa também conhecer e, se necessário e
possível, avaliar o que "a política provoca", ou seja, dos efeitos que gera
em domínios que estão fora do conjunto dos objectivos enunciados da
política. Designamos por "policy outcomes", ou impactos da política, estes
efeitos. Seguindo o exemplo da política da habitação, os "policy outputs"
referem-se ao número de casas construídas e reabilitadas, isto é, o número
de casas disponíveis para o realojamento de população carenciada e
efectivamente ocupadas pela população a quem se destinam. Mas este
realojamento teve certamente efeitos, que poderão não ter constituído
objectivo da política e, no entanto, serem englobados numa dimensão

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importante de análise dessa política: em que medida esse realojamento


permitiu formas adequadas de integração social da população a que se
destina? Ou em que medida esse realojamento originou efeitos ambientais,
pela escolha que foi feita do local de construção? Ou problemas de
transporte e de acessibilidades à população residente no novo bairro?
Trata-se de um conjunto de domínios que faz todo o sentido considerar na
avaliação da política, ainda que estejam para além da sua área de
actuação. Em todas as políticas encontramos efeitos externos sobre outras
áreas de política, ou efeitos a mais longo prazo (para além do horizonte
temporal de actuação da política) que importa considerar na análise.
A decisão política tem lugar em resultado do funcionamento do sistema
político, na área de actuação em que deseja, e se propõe, actuar. Importa
então considerar atentamente esse sistema, isto é, o conjunto de
instituições que, funcionando de forma organicamente regulada, assegura
que as decisões são tomadas e que essas decisões são postas em prática
através de actuações concretas sobre a realidade. O sistema político
comporta, então, dois níveis distintos, mas que se complementam na forma
como se articulam na organização dessa actuação: o sistema decisional
(que decide a política) e a rede organizacional, dos serviços (que executa
essa política).
É o sistema decisional, enquanto conjunto de órgãos que tomam as
decisões de política, que fixa a substância da política. É a este conjunto de
órgãos que cabe decidir sobre as finalidades da política (o que
efectivamente se pretende alcançar com essa decisão) e os objectivos a
atingir, fixando-se mesmo metas a atingir num certo horizonte temporal
(um ano, cinco anos, etc.). Esses objectivos correspondem a variáveis
sobre as quais se pretende actuar e que, ao permitirem alcançar os valores
fixados como desejáveis, tornam possível que as finalidades de política se
atinjam. Por exemplo, quando na política de saúde se estabelece, como
finalidade, que se "garanta o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de
medicina preventiva, curativa e de reabilitação" (Constituição da República
Portuguesa, art.° 64º), o governo pode fixar, como objectivos da política a

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alcançar nos próximos cinco anos, o reforço da rede hospitalar, a


construção de novos centros de saúde, o desenvolvimento de alguma área
de especialidade médica considerada ainda insuficiente através do ensino
dessa especialidade, etc.. Para atingir a finalidade pretendida actua-se
então de forma a que se alcancem aqueles objectivos, alguns dos quais
com valores concretos a atingir dentro de um certo número de anos. Para
se atingirem aqueles objectivos deve actuar-se através de instrumentos
adequados (elaborando e financiando projectos de ampliação de hospitais
ou construção de centros de saúde, elaborando protocolos com a medicina
privada em algumas áreas de especialidade, fixando numerus clausus mais
elevados nos acesso a algumas especialidades médicas, etc.). E para se
utilizarem estes instrumentos deve dispor-se dos meios (recursos) que
possibilitem a sua actuação: meios financeiros (para se realizarem os
projectos), meios técnicos (para se elaborarem esses projectos), meios
humanos (para os tornar viáveis), etc.. Decidir sobre uma política significa,
então, tomar decisões sobre as finalidades, os objectivos/metas, os
instrumentos/meios, que constituem a substância da política e em que se
consubstancia a actuação efectiva sobre a realidade.
Mas a actuação da política não se traduz apenas nos actos políticos de
decisão. Ela existe sempre que alguma decisão já tomada anteriormente
estiver a ser executada pelos serviços a que compete a responsabilidade
dessa execução. Nesse sentido, o processo político envolve, além do
sistema decisional, a rede organizacional com responsabilidade pela
execução da política: os serviços públicos, as escolas, hospitais e centros de
saúde, entidades privadas que tenham estabelecido acordos com o Estado
e, por isso, com responsabilidade de produzir serviços aos cidadãos, etc..
Entre estes dois níveis de actuação (o nível macro-decisional e o nível
organizacional de execução da política) estabelecem-se relações nos dois
sentidos. De facto, além da execução da política, que estabelece uma
relação no sentido do decisor (top) para as organizações (bottom), também
é verdade que o funcionamento destas, além de corresponder a algum
poder de decisão sobre situações concretas (em alguns casos pode existir

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mesmo algum poder discricionário atribuído propositadamente aos


serviços), também o seu funcionamento pode originar fundamento para
algumas decisões de nível superior ou estabelecer-se mesmo alguma
influência desses serviços (bottom) no sentido de certas decisões ao nível
mais elevado (top). Não é de estranhar, por exemplo, que sejam tomadas
decisões em matéria de política de saúde porque nesse sentido apontam
avaliações que sejam feitas sobre o funcionamento dos serviços, ou
resultantes de pressões destes serviços junto das entidades decisoras.
Outros elementos importantes do processo político são aqueles que se
situam entre os "inputs" (necessidades e meios de actuação) e o sistema
político (decisional e organizacional). A existência da necessidade de
actuação (e mesmo o seu reconhecimento político) e dos meios requeridos
para essa actuação são condição necessária, mas não suficiente, para que a
decisão política seja tomada. A decisão política radica, frequentemente, em
iniciativas parlamentares e em decisões tomadas no quadro de um espectro
de diversidade ideológico-partidária de representação através dos partidos
políticos. E para o reconhecimento político da necessidade de actuação
concorre a intervenção política de entidades representativas de interesses
económicos (organizações patronais, sindicatos), sociais (associações de
instituições sociais), ambientais, etc.. São variáveis de mediação entre os
inputs e o sistema decisional, cuja acção origina, facilita ou impulsiona a
decisão política.
Finalmente há que ter em consideração o facto de estas decisões políticas
serem tomadas num certo contexto, que determina os vários
condicionalismos em que essas decisões são tomadas. Esse contexto tem
diferentes contornos, com relevâncias distintas conforme a natureza das
políticas e das áreas sobre que actuam. Pode ser o contexto geográfico do
exercício do poder (de uma autarquia, do governo central), das relações de
poder existentes entre grupos sociais ou de interesses sócio-económicos,
do espaço político condicionante ou facilitador da decisão (por exemplo,
existirem financiamentos de fundos da UE), etc...

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1.4. AS FINALIDADES DA POLÍTICA SOCIAL


Quando pretendemos caracterizar uma política pública, é essencial que
conheçamos as finalidades que pretendem alcançar. Quando consultamos o
normativo legal em que essa política se encontra formulada, a sua leitura
atenta permite identificar essas finalidades, muitas vezes descritas pelo
legislador. Mas tal procedimento pode não ser suficiente (nem sempre estas
finalidades se encontram explicitamente referidas) ou pode mesmo não ser
a forma adequada de as conhecer, pois a identificação das finalidades
declaradas pelos decisores podem não corresponder às reais finalidades, ou
às finalidades que algum analista da política possa identificar nessa política.
Há portanto um trabalho de identificação das finalidades (ou de análise
crítica das finalidades declaradas pelos decisores) que é essencial quando
pretendemos caracterizar uma dada política.
Mas a fase em que nos encontramos é ainda preliminar a essa.
Pretendemos encontrar alguma finalidade geral que caracterize as políticas
sociais (ou a Política Social) de forma a que se possa distinguir essa política
de outras categorias de políticas públicas.
O que distingue a Política Social de outras áreas de actuação das políticas
públicas é o facto de esta prosseguir a finalidade de garantia e promoção
do bem-estar (welfare) na sociedade. Trata-se de um conceito complexo,
de natureza normativa e, como tal, susceptível de diferentes entendimentos
por diferentes pessoas na sociedade. Neste sentido, duas políticas sociais
bem distintas podem, ambas, prosseguir a mesma finalidade (declarada
pelo decisor, ou implícito nas suas intenções) de promover e garantir o
bem-estar na sociedade. A diferença entre essas políticas radica na
diferente concepção de bem-estar entre os autores (e/ou defensores)
destas duas políticas.

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Embora o conceito de bem-estar venha a ser retomado mais adiante, deve


desde já referir-se que garantia e promoção do bem-estar na sociedade,
enquanto finalidade da Política Social, envolve algumas dimensões
relevantes para a caracterização desta forma de actuação política.
Em primeiro lugar, garantir o bem-estar tem o significado (imediato) de
satisfazer necessidades. Mas, por necessidades, deve ter-se uma concepção
lata e não uma concepção estrita, de necessidade revelada (por exemplo,
através de um pedido de um subsídio para resolver uma carência) ou
mesmo de necessidade sentida, ainda que não revelada (por pudor, por
exemplo em situações de "pobreza envergonhada"). Podem significar
também necessidades não sentidas. Estas ocorrem quando, por exemplo,
os decisores políticos decidem sobre uma determinada forma de actuação
em nome de algum princípio de justiça social, ou alguma apreciação que
seja feita sobre a sociedade no seu conjunto (e não sobre uma situação
individual). Pode também ocorrer quando houver, por parte do avaliador
social (e decisor político) uma percepção da necessidade distinta da do
próprio indivíduo sobre quem a política actua. Estamos então perante
necessidades de natureza normativa, isto é, que são o resultado de uma
avaliação tendo como referência alguma norma social, com implicações
políticas. Estas situações originam actuações que obrigam o indivíduo a
decisões não desejadas, mas que deve cumprir por obrigação legal. A
segurança social obrigatória é um exemplo de uma actuação deste tipo.
Isto significa entender o conceito de necessidade como construção social,
relativa à sociedade.
Esta forma de actuação remete-nos para o domínio dos direitos, cujo
alargamento de âmbito corresponde ao surgimento do Estado-Providência
na Europa. Na verdade, o Estado-Providência veio, no séc. XX, acrescentar
os direitos sociais ao conjunto dos direitos civis e dos direitos políticos,
constituindo-se uma trilogia de direitos que consagra a cidadania social
característica do Estado-Providência (MARSHALL, 1950). Garantir e
promover o bem-estar social é, neste sentido, idêntico a garantir a
realização dos direitos sociais e promover o seu alargamento. Mas os

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direitos sociais têm uma natureza distinta dos direitos civis e políticos
(FITOUSSI, ROSANVALLON, 1996). Na verdade, enquanto estes últimos
têm a natureza de direitos-liberdade, os direitos sociais têm a natureza de
direitos-crédito, isto é, geram obrigações sociais em termos de
(re)afectação de recursos económicos tendo em vista a sua realização.
Neste sentido, a Política Social, visando a realização de direitos sociais,
obriga a sociedade a um esforço colectivo (cuja repartição, entre os seus
membros, é também ela própria uma decisão colectiva) para a sua
realização.
Um terceiro aspecto, também ele relacionado com a natureza do bem-estar
(consagrado em direitos) que a Política Social pretende garantir, é o facto
de os factores que podem originar a não satisfação de necessidades (no
sentido de necessidades sociais, isto é, de realização desses direitos) terem
natureza social, porque têm que ver com o funcionamento da sociedade:
factores demográficos, o ritmo de crescimento da economia, as alterações
do sistema de emprego, etc.. Sendo de natureza social (no sentido da
origem na sociedade) os factores que estão na causa da não realização dos
direitos, cabe também à sociedade a responsabilidade de encontrar formas
de garantir a realização dos direitos sociais, envolvendo utilização de
recursos, o que implica alguma redistribuição de recursos entre os
membros da sociedade para realizar esse objectivo.
Finalmente, outra dimensão do bem-estar relevante para se compreender a
substância da Política Social é o facto de as avaliações do bem-estar
constituírem percepções colectivas que a sociedade faz desse bem-estar,
em termos de normas sociais (consagrada em direitos) que a sociedade
assume e aceita, social e politicamente, realizar.
Entende-se então a Política Social como a forma de actuação das políticas
públicas com a finalidade de promover e garantir o bem-estar social,
através da consagração de direitos sociais e das condições necessárias à
sua realização na sociedade. É nestes termos que iremos tratar, ao longo
desta obra, o conceito de Política Social, analisando várias áreas e formas
de actuação, os seus fundamentos (económicos e normativos), os seus

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aspectos organizativos e formas de articulação com outras áreas da política


pública, designadamente a política económica.

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1.5. OBJECTIVOS E DOMÍNIOS DE ACTUAÇÃO DA POLÍTICA SOCIAL


A Política Social actua sobre a realidade social através de um conjunto de
instrumentos que permitem que sejam alcançados alguns objectivos
fundamentais em que se consubstanciam (ou que permitem atingir) as
finalidades atrás referidas. Esses objectivos são fundamentalmente os
seguintes:
1) a redistribuição de recursos, actuando sobre a sua distribuição original,
corrigindo esta distribuição e as suas formas originais de afectação, por
forma a que as finalidades de garantia e melhoria do bem-estar sejam
alcançadas;
2) a gestão de riscos sociais, protegendo os cidadãos dos efeitos negativos
que acontecimentos contingentes possam ter sobre a garantia de realização
dos direitos sociais, impedindo essa realização;
3) promoção da inclusão social, actuando sobre factores de exclusão social
(prevenindo situações e processos de exclusão) ou visando a integração
social de população excluída ou em riscos de exclusão. Vejamos cada um
destes objectivos e alguns dos instrumentos utilizados para os realizar.

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redistribuição
A natureza da Política Social, dirigida à realização de direitos sociais
enquanto direitos-crédito (no sentido que demos acima) apela à natureza

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essencialmente redistributiva desta política. E essa dimensão redistributiva


tem lugar em dois sentidos, ou em duas dimensões que nela estão
presentes. Por um lado, na produção de b ens e serviços (a garantia
dos direitos). Por outro lado, essa dimensão distributiva está também
presente no seu financiamento, isto é, na forma como os recursos devem
ser redistribuídos por forma a garantir que essa produção se possa realizar.
Na verdade, garantir direitos sociais traduz-se em formas de (re)afectação
de recursos, através da produção de bens e serviços destinados à
satisfação de necessidades que são normas sociais consagradas como
direitos (direito à educação, direito à saúde, direito à segurança e nível
mínimo de rendimento assegurado ao longo da vida, etc.). Trata-se assim,
através de actividades de produção, de afectação de recursos destinada a
finalidades sociais (i.e., de garantia de direitos sociais). É por razões de
eficiência que muitas destas actuações têm lugar. Isto quer dizer que se
trata, em muitas situações, de bens e serviços que, pela sua natureza
(serem bens públicos, terem elevadas externalidades, serem bens de
mérito, etc.) não poderiam ser fornecidos contando com a actividade
privada (o mercado) para a sua produção. Mas há também razões de
equidade, e essas encontram a sua fundamentação na natureza de direito
(social) em que assenta a necessidade da sua provisão. Na verdade, a
natureza universal dos direitos significa que todos os cidadãos que se
encontrem nas mesmas circunstâncias tenham um tratamento
adequadamente igual (significando coisas diferentes consoante o tipo de
direito que estivermos a considerar, a área de actuação e o tipo de
actuação que lhe deve corresponder). Trata-se, assim, de uma preocupação
de equidade horizontal.
Em certas áreas de actuação, outras preocupações de equidade podem
estar presentes, que originem formas de redistribuição distintas. Uma
dessas formas, de grande importância nos Estados-Providência, é a
garantia de rendimento ao longo do ciclo de vida assegurada pelos sistemas
de segurança social. Através destes sistemas, é assegurada uma
transferência de rendimentos de uma fase do ciclo de vida em que os

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rendimentos são gerados pela participação na actividade económica para


outra fase em que, por motivos de inactividade económica, estes
rendimentos não podem ser gerados (a idade da reforma). Estas
transferências de rendimento podem ser feitas pelo próprio indivíduo
(através de planos de poupança) ou assegurado pelo Estado, através dos
sistemas de segurança social. Uma das formas clássicas de assegurar essa
transferência é fazê-la por transferência entre diferentes gerações, isto é,
das gerações que geram rendimento para as que o não geram (inactivas,
em idade de reforma) mas dele necessitam (i.e., a ele têm direito). De
forma mais evidente, este sistema (que se designa de "repartição") opera
mecanismos obviamente redistributivos, entre gerações (de acordo com
princípios de equidade intergeracional) que visam assegurar direitos sociais,
quando estão presentes dimensões intertemporais.
Mas se estes objectivos redistributivos estão presentes no uso de
instrumentos de política social destinados à produção de bens e serviços,
eles estão também no seu financiamento, isto é, na forma como os custos
desta produção são suportados (e repartidos) pela população. Há também
uma dimensão de equidade distributiva na forma como estes custos estão
repartidos e aceita-se, de forma generalizada, que estes princípios tenham
a natureza de equidade vertical, isto é, que na forma como os custos são
repartidos devem tratar-se de forma adequadamente diferente (i.e.,
suportando diferentemente estes custos) quem se encontrar em
circunstâncias diferentes (i.e., com níveis diferentes de rendimento). A
progressividade fiscal constitui o exemplo mais adequado de princípios de
equidade vertical na repartição dos custos de produção de direitos sociais.

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gestão de riscos sociais

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A presença do risco e da incerteza nas sociedades constitui um facto


natural na vida dos cidadãos, que com eles lidam nas suas decisões
correntes, tomando precauções, protegendo-se dos efeitos adversos que
estes factos contingentes possam ter nas suas vidas. Alguns destes factos
contingentes originam situações de risco social, o que tem um duplo
significado.
Por um lado, a natureza social dos riscos tem a ver com o facto de estes
eventos contingentes poderem originar a não realização de direitos sociais.
Estão nesta situação, por exemplo, a ocorrência de uma situação de doença
que origine a perda de capacidade de trabalho e, portanto, de gerar
rendimento e também a ocorrência de uma necessidade acrescida de
rendimento para fazer face a despesas acrescidas. Estão em causa dois
direitos sociais fundamentais: o direito à saúde (realizado pelo consumo de
bens e serviços de cuidados de saúde) e o direito ao rendimento, em
condições de estabilidade ao longo da vida.
Outra razão para a natureza social do risco é o facto de a sua ocorrência ter
lugar em resultado da forma como as sociedades se encontram
organizadas. Isto distingue os riscos sociais dos riscos naturais, cuja
ocorrência é independente do funcionamento e organização da sociedade.
Um exemplo de facto contingente, que também ele origina efeitos
negativos sobre os direitos sociais (também no que respeita a efeitos sobre
a origem dos rendimentos) é a ocorrência de desemprego. A natureza da
ocorrência de desemprego como evento contingente com efeitos na
garantia de direitos sociais decorre do facto de o exercício de uma
actividade económica constituir a realização de um direito nas sociedades
modernas, mas ser também um meio, pelo rendimento que gera, para a
realização de muitos outros.
A gestão de riscos sociais, enquanto conjunto de formas de actuação
visando precaver os efeitos negativos, sobre os direitos, da ocorrência de
fados contingentes constitui, então, pela natureza social destes riscos, uma
obrigação da sociedade, na justa medida em que elegeu estes direitos na
sociedade e assume a responsabilidade para a sua realização. A existência

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de sistemas de segurança social constitui a forma de as sociedades actuais


assumirem a responsabilidade de efectuar esta gestão de riscos sociais
(desemprego, doença, invalidez, velhice, maternidade, etc.).

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promoção da inclusão social


Entre os direitos da última geração, de reconhecimento mais recente e que,
em vários aspectos, se distinguem dos outros direitos, encontram-se os
direitos de integração. Estes direitos retomam, em vários aspectos, a
natureza de direitos-liberdade característica dos direitos civis e políticos.
Mas, ao contrário destes, pressupõem uma plena realização dos direitos
sociais. Num certo sentido, os direitos de integração (enquanto conjunto
dos direitos a integrar, ou fazer parte plena, da sociedade a que se
pertence) pressupõe também a partilha de responsabilidades pela própria
gestão da sociedade e a comparticipação responsável pela assunção dos
custos da realização dos direitos (entre eles os direitos sociais).
A existência, nas sociedades modernas, de formas de exclusão social (de
origem económica, social, resultante do funcionamento das instituições)
constitui uma preocupação central da Política Social, na medida em que
coloca em causa a realização de direitos. A natureza complexa (e ainda mal
definida) destes direitos e, por outro lado, a diversidade de factores que
podem causar estas situações (isto é, dos processos de exclusão) levam a
que seja difícil categorizar os objectivos de promoção da inclusão social e
identificar os instrumentos de política que se lhes dirigem. Pelo que acima
foi dito, pode afirmar-se que promover a realização dos direitos civis,
políticos e sociais constitui uma condição necessária à realização de
objectivos de integração, promovendo a inclusão social porque se está a
lutar contra a exclusão social, prevenindo formas de exclusão (actuando
sobre os processos de exclusão social) ou reparando situações de exclusão.

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É neste sentido que se encontra o conceito de exclusão social no sentido


anglo-saxónico em que este conceito significa alguma situação de não
realização da cidadania (ROOM, 1992). Mas pode não ser condição
suficiente, se tivermos em consideração uma concepção diferente de
exclusão social, na linha de pensamento seguida por sociólogos franceses,
que encaram a exclusão como processo social e materializada em formas
de "corte" de laços sociais que deveriam ligar os cidadãos entre si e às
instituições sociais, designadamente ao mercado de trabalho (PAUGAM,
2001; CASTEL, 1995). Nesta linha de pensamento, são mais complexos os
mecanismos sobre os quais se deve actuar tendo em vista objectivos de
inclusão. Coloca, aliás, novos desafios à política social, na articulação que
deve ter designadamente com a política de emprego e com a política
económica. A este assunto retornaremos mais adiante, nos capítulos
seguintes.

________________

1.6. ASPECTOS ORGANIZATIVOS DA POLÍTICA SOCIAL


Uma forma de identificar a Política Social, quer através da sua substância
quer do processo em que se traduz a sua forma de actuação, consiste em
enumerar as áreas de política que a constituem e os aspectos organizativos
da sua actuação. É o que faremos de seguida.
A identificação, no contexto dos estados europeus, de Política Social como
forma de intervenção das políticas públicas que caracterizam o modelo
social europeu, isto é, o Estado-Providência originário no pós-guerra na
Europa, leva-nos à consideração, como áreas centrais da Política Social, dos
designados big-five enunciados como propósito de intervenção social do
Estado por Sir William Beveridge no seu famoso relatório Social Insurance
and Allied Services (de Novembro de 1942) e que, em grande medida,
marca o nascimento do Estado-Providência. A actuação primordial do

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Estado deveria centrar-se nas cinco áreas seguintes: educação, saúde,


habitação, segurança social, acção social. Numa concepção muito estrita de
Política Social, poderíamos dizer que esta se confinaria às políticas públicas
nestas áreas, através das quais, atingindo os objectivos atrás enunciados,
se alcançaria a finalidade de garantir o bem-estar, através da realização
dos direitos sociais que constituem o contrato social firmado na sociedade,
e visível nos seus princípios constitucionais.
O Quadro 1.1 apresenta, de forma sintética, quanto representa,
actualmente, a despesa pública em algumas das funções sociais dos
Estados-Providência na União Europeia (UE-15).
A estas áreas de política correspondem diferentes formas de actuação do
Estado. Em muitos casos, o Estado é um agente produtor de serviços, cuja
provisão é assim assegurada à população, fornecendo gratuitamente ou a
um preço que não reflecte o custo da sua produção (nos serviços de
Educação e de Saúde, por exemplo). Noutros casos o Estado regula a
actividade de outros agentes, delegando neles a actividade de produção de
serviços, cuja provisão é assegurada pela subsidiação desses serviços pelo
Estado aos produtores privados. Em alguns casos esses produtores
privados são agentes económicos produtores que realizam a sua actividade
numa óptica empresarial, com objectivos lucrativos (uma escola privada,
uma clínica particular). Outras vezes essa actividade é realizada por
agentes privados sem finalidades lucrativas: em Portugal é o caso das IPSS
(Instituições Particulares de Solidariedade Social).
A referência a outros sectores para além do Estado na provisão de serviços
com vista à realização de direitos sociais constitui uma das características
da Política Social nos modernos Estados-Providência. Na verdade
encontramos, para além do Estado, agentes do sector privado lucrativo (o
mercado) e também agentes que realizam actividades económicas segundo
uma lógica não lucrativa, que engloba o conjunto dos actores que se
designam genericamente por terceiro sector, ou sector da economia social.
Esta forma de organização do Estado-Providência, que combina de forma
articulada a participação dos três sectores da política social, e que vem

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assumindo crescente importância na provisão do bem-estar, tem a


designação de welfare mix, ou welfare pluralism.

* Ver Quadro 1.1 - Despesa Pública em algumas área sociais

A par de actividades de produção de bens e serviços, através dos quais o


Estado garante a realização de direitos sociais, o Estado intervém também
pela redistribuição de rendimento, através de transferências sociais
concedidas a título de seguro social (pensões) ou de assistência social
(solidariedade, não correspondente a contribuições prévias para os regimes
de segurança social).
O Quadro 1.2 apresenta os aspectos fundadores da Política Social em
Portugal, tendo como referência o quadro normativo estabelecido para os
direitos sociais, tal como foi estabelecido na Constituição da República
Portuguesa. A Constituição consagra um conjunto de direitos nos domínios
assinalados no quadro e que constituem direitos universais, isto é, direitos
reconhecidos a todos os cidadãos, sem quaisquer restrições ou
condicionantes ao seu acesso. Foram identificados cinco domínios
(emprego, educação, saúde, habitação e protecção social) em que estes
direitos se encontram estabelecidos de forma universal. A estes direitos
correspondem várias políticas, de natureza sectorial (i.e., especializadas
segundo os direitos sociais que visam realizar) publicadas em legislação
corrente, a que correspondem quadros decisionais e organização
administrativas próprias (ministérios, secretarias de Estado, direcções
gerais).
Mas esta não é a única forma de organização da Política Social que
encontramos nos Estados modernos. A complexidade das sociedades
modernas e a forma como os problemas sociais vão sendo percepcionados,
levam a que se vão identificando direitos segundo uma lógica que, não
pondo em causa a sua universalidade, se orientam para algumas

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características específicas de alguns grupos da população ou segundo


algumas categorias de problemas ou riscos sociais. Isso leva a considerar
uma lógica categorial de direitos e, portanto, de políticas. São as
designadas políticas sociais categoriais. Encontramos exemplos destas
políticas, em Portugal, as que são concebidas e realizadas face a direitos
sociais que a Constituição da República Portuguesa estabelece para a
família (CRP, art.° 67.0), as mulheres (CRP, art.°s 9, 59, 68, 109), a
infância e juventude (CRP, art.°s 69 e 70), a terceira idade (CRP, art.°
72.9, os imigrantes e as minorias étnicas (CRP, art.° 74.0), a população
com deficiência (CRP, art.° 71.9 e os toxicodependentes (CRP, art.° 64 n.°
3-f).
As políticas sociais categoriais são políticas sociais de natureza transversal,
que envolvem as várias dimensões dos direitos universais que encontramos
em algum grupo populacional ou risco social específico e que obrigam,
tendo em consideração as especificidades destes grupos e riscos, a
coordenar as políticas sociais sectoriais que actuem sobre cada uma dessas
dimensões.

* Ver Quadro 1.2 - Direitos Sociais de Cidadania em Portugal (direitos


universais)

A complexidade dos problemas sociais nas sociedades contemporâneas leva


a que haja uma terceira forma de organização da política social, tendo em
consideração o facto de a multidimensionalidade dos problemas sociais
poder ser transversal a vários grupos populacionais, não sendo específico
de nenhum deles, devendo assim originar políticas globais, não centrando
em nenhum grupo específico mas, por exemplo, um âmbito nacional (ou
regional/local) de actuação, abrangendo todos os grupos sociais nessa
sociedade. São exemplo deste tipo de políticas as que se dirigem, num

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âmbito local, à pobreza ou à exclusão social (por exemplo, projectos locais


de luta contra a pobreza).

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1.7. DIVERSIDADE DE CONCEPÇÕES DE POLÍTICA SOCIAL


Encontramos alguma diversidade de concepções de Política Social entre os
vários países europeus, estando-se ainda longe de um consenso em termos
conceptuais e de fundamentação teórica. Desde uma concepção muito mais
centrada, em termos de objectivos de actuação, na "promoção dos
interesses da sociedade no seu conjunto", até uma concepção em que os
objectivos se orientam para a "protecção do bem-estar dos indivíduos
membros da sociedade" (JONES, 1985, pp. 13-14)[2], ou concepções
intermédias entre estas, encontramos exemplos, ao longo do
desenvolvimento histórico do Welfare State, onde uma ou outra destas
concepções são dominantes. E esta diversidade encontra, nos vários países,
diferentes formas de enquadramento, em termos académicos (de ensino e
de investigação), nos ramos científicos que suportam o seu estudo.
Assim (e a mero título de ilustração), em França o termo "politique sociale"
surge de forma relativamente recente para designar um tipo de política
pública em áreas bem definidas e compartimentadas em termos de
objectivos e instrumentos de actuação (segurança social, educação, saúde,
habitação, etc.), não correspondendo propriamente a uma disciplina
científica autónoma[3]. Na Alemanha, já o termo "sozialpolitik" pretende
designar a actuação política tendo por objectivo a promoção dos interesses
da sociedade no seu todo no longo prazo, tendo originado mais
recentemente o desenvolvimento da política social enquanto objecto
autónomo de estudo em algumas universidades, embora enquadrados em
departamentos como os de sociologia, ou em escolas profissionais de saúde
pública, educação ou serviço social.

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Mas é no Reino Unido que encontramos a criação, em 1912, do


"Department of Social Science and Administration" na LSE (London School
of Economics and Political Science), que inicia o desenvolvimento da
disciplina de política social com a designação de "social administration"[4],
na verdade como uma amálgama de disciplinas com o contributo científico
de várias ciências sociais como a economia, a ciência política, a sociologia,
e igualmente a história económica, a filosofia e a estatística, ela própria
evidenciando uma evolução em que encontramos recentemente várias
tendências: de empiricismo a-teórico (que radica na origem desta disciplina
no Reino Unido), de imperialismo disciplinar (em que um quadro teórico
surge como dominante no estudo de um dado problema social), de trabalho
multidisciplinar (de colaboração de várias disciplinas) e de avanços de
natureza interdisciplinar (novas análises de problemas antigos segundo a
perspectiva de uma disciplina diferente)[5].
Na forma como este livro está organizado, e nas opções teóricas que
assumimos, há uma forte influência do pensamento anglo-saxónico sobre
esta temática, em termos do desenvolvimento que a disciplina tem tido no
Reino Unido, e às perspectivas que se têm vindo a colocar quanto ao seu
desenvolvimento no futuro em resposta aos problemas e desafios que se
vêm pondo às sociedades modernas.
Adopta-se, assim, o conceito de Política Social, muito na linha que é
defendido por WALKER (1985, p. 141)[6], segundo o qual " 'Spocial policy'
might be defined therefore, as the rationale underlying the development
and use of social institutions and groups which affect the distribution of
resources, status and power between different individuais and groups in
society".
Ficam assim especificados, a priori, os contornos da Política Social enquanto
objecto de estudo científico. Mas devem também apresentar-se algumas
ideias fundamentais que estão presentes na orientação que vai ser dada ao
longo deste livro e que surgem em estreita ligação com o que atrás ficou
dito.

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A primeira ideia fundamental é a de que a Política Social não se dirige


necessariamente, de forma prioritária, à promoção do bem-estar individual,
mas sim ao bem-estar social. E, neste sentido, afastamo-nos das
concepções iniciais da disciplina e que ainda encontramos em T. H. Marshall
(director do Departament of Social Science and Social Administration da
LSE no período 1944-1950), para quem as políticas sociais se dirigem ao
bem-estar individual e as políticas económicas se dirigem à "prosperidade
comum"[7], aproximando-nos assim muito mais das concepções mais
recentes de D. V. Donnison, R. Mishra[8] e M. Rein[9] para quem o âmbito
da política social se dirige preferencialmente, como forma de intervenção
colectiva, ao bem-estar social e não ao bem-estar individual.
Na sequência disto, outra ideia fundamental que emerge da definição de
Política Social apresentada acima, é que a sua essência é a produção e
distribuição social do bem-estar. Isto é, para a Política Social é crucial o
resultado, em termos distributivos, das decisões e actividades de um amplo
conjunto de instituições e grupos, envolvendo não apenas o rendimento
mas também um amplo conjunto de outros recursos sociais (educação,
saúde, estatuto social, poder, etc.). Esta concepção de Política Social
assenta assim na ideia que o padrão de bem-estar numa sociedade
depende da forma como estes recursos estão distribuídos, de forma
equitativa ou não, relativamente a uma norma social de necessidade.
Conceitos fundamentais como os de cidadania, equidade e justiça surgem
assim, neste contexto, como fazendo parte integrante de um conjunto de
valores presentes (de forma explícita ou implícita) na actuação das
instituições e grupos na sociedade, e necessariamente presentes na
avaliação dos resultados da sua actuação. Neste sentido, não deve encarar-
se (e, claramente, não se encara nesta disciplina) Política Social como a
"política económica dos pobres", mas antes envolvendo actuações que têm
efeitos na sociedade no seu conjunto. Ou, citando do novo WALKER (1985,
p. 142), "social policy is conceived as a blueprint for the management of
society towards social ends".

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Por outro lado, a forma como esta definição está formulada chama a
atenção para o facto de a Política Social não se identificar apenas com a
actuação do Estado na produção e distribuição do bem-estar, sendo antes o
resultado da actuação de todas as instituições sociais e grupos na
sociedade. A partir dos anos 1970, a expressão "welfare mix" tem vindo
progressivamente a substituir o conceito de "welfare state" para significar
exactamente a existência de pluralismo na provisão do bem-estar: Estado-
Mercado-"Sociedade Civil" (o chamado "triângulo do bem-estar”), cada uma
destas componentes com diferente importância relativa entre diferentes
sociedades, e com diferentes dinâmicas de evolução correspondendo a
formas e graus distintos de “inovação social”. Além disso, permite encarar a
análise da Política Social não exclusivamente em função dos objectivos
explicitados na política do Estado, mas igualmente em termos dos valores
implícitos na sua actuação.
Finalmente, resulta da definição acima a necessidade de encarar a
avaliação da Política Social em termos de grupos sociais, não só em termos
de "quem beneficia" e "quem contribui” para a provisão do bem-estar, mas
igualmente em termos da estratificação social que a política social tende a
consolidar ou a alterar[10].
Vindo bastante na linha do que foi dito atrás, esta opção enquadra-se no
âmbito das preocupações actuais dos estudos que têm sido efectuados
sobre problemas sociais na Europa, e que muito têm contribuído para a
compreensão dos problemas e sua diversidade no espaço europeu, da
natureza das políticas desenvolvidas ao nível dos vários Estados-membros e
os desafios que se colocam à Política Social, e igualmente sobre o papel da
UE, como instância supranacional, na sua capacidade de influenciar as
políticas sociais nacionais. Atendendo à importância de que se têm
recentemente revestido os estudos de natureza transnacional sobre Política
Social ao nível europeu, é nosso entendimento que esta perspectiva deve
estar presente no estudo da Política Social. Por outro lado, nela deve
igualmente estar presente o estado actual do debate sobre a construção de

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uma Política Social Europeia, e as principais dificuldades que se colocam a


este objectivo.

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1.8. O ESTUDO DA POLÍTICA SOCIAL: ALGUMAS OPÇÕES TEÓRICAS


Devemos fazer algumas reflexões sobre o estudo da Política Social. Ela
encontra tradição nas Escolas superiores que se destinam a formar técnicos
superiores que desempenham funções que correspondem ao conceito
anglo-saxónico de "social worker” e que, em Portugal, corresponde à
designação vulgarmente utilizada de "assistente social" ou "técnico de
serviço social". Já ao nível de outras licenciaturas não é vulgar existirem
disciplinas com a designação de Política Social nos seus planos curriculares.
Por esta razão, destinando-se este livro à formação genérica em Ciências
Sociais, devemos esclarecer sobre as linhas de orientação seguidas.
A orientação seguida neste livro vai apelar a uma contribuição da teoria
económica, atendendo à "dimensão social” que a realidade económica
comporta e à "dimensão económica" que os fenómenos sociais apresentam.
Em relação ao primeiro aspecto, atenda-se a algumas disfunções sociais
fundamentais das economias, de que o desemprego, as desigualdades
sociais e a pobreza são exemplos a ter presentes na preparação e avaliação
da política económica de curto e médio/longo prazos. Em relação ao
segundo (a dimensão económica dos fenómenos sociais) recorde-se a
importância da existência de recursos económicos necessários para a
realização de direitos sociais (por exemplo, a necessidade de construir e
manter em funcionamento escolas e hospitais, a necessidade de recursos
para pagar subsídios às famílias necessitadas, etc.).
No que respeita à justificação da intervenção do Estado em termos de
Política Social, a sua fundamentação exige alguma formação em economia.
Questões como as externalidades (no consumo e no rendimento), a

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informação imperfeita (risco moral, selecção adversa), o risco e a incerteza,


só para citar alguns exemplos, são tópicos da microeconomia fundamentais
para se compreender a fundamentação das transferências públicas, da
provisão pública de bens e serviços, e da protecção social da
responsabilidade do Estado. Em geral, o conhecimento dos teoremas
fundamentais da economia do bem-estar são elementos teóricos
necessários para compreender a fundamentação económica da intervenção
do Estado à luz dos fracassos de mercado. Dirigindo-nos a pessoas sem
essa formação, teremos o cuidado de apresentar, ao longo do texto, os
elementos necessários para essa compreensão.
Também no que respeita ao domínio dos valores presentes na formulação e
avaliação da Política Social, as questões relativas à equidade e à
desigualdade na repartição dos rendimentos e da pobreza só podem ser
estudadas com base nos importantes contributos que a teoria económica
tem dado relativamente a estas matérias, tendo-se verificado, nos últimos
anos, um interesse científico crescente sobre estas matérias e surgido
contribuições muito significativas, designadamente em termos de medição
destes fenómenos[11]. É matéria que se situa no campo da teoria
económica e que será tratada neste livro, em capítulo próprio.
Por outro lado, a Política Social envolve a intervenção do Estado na área da
economia pública, concepção que está subjacente à identificação entre
"social policy" e "welfare state", que dominou o pensamento sobre estas
questões na literatura anglo-saxónica (Reino Unido) nos anos que se
seguiram à II Guerra Mundial (o período de construção do Estado-
Providência). Daí a importância que deve dar-se à Economia Pública para o
estudo da Política Social. Porém a Política Social ultrapassa a exclusiva
actuação do Estado, e esta tendência é cada vez mais generalizada e
visível. Desempenham igualmente um papel muito importante na Política
Social não apenas as organizações com fins lucrativos (as empresas), mas
igualmente o sector privado não lucrativo: as famílias enquanto agentes
produtores de bens e serviços, o sector cooperativo, as vulgarmente
designadas "organizações não governamentais" (ONGs, tal como as IPSS,

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as Misericórdias, etc.), os clubes, as fundações, etc.. E, sendo certo que,


em geral, a formação económica nas licenciaturas incide sobre as teorias
relativas à economia privada e à economia pública, já tal não sucede
relativamente ao que, por simplificação, se costuma designar por "terceiro
sector" (ou "economia social''), para englobar o terceiro grupo de
instituições acima referidas. Daí que, sendo fundamental o conhecimento
dos conceitos e teorias da economia do sector público para compreender e
explicar a intervenção do Estado em termos de Política Social, deve
igualmente incluir-se o estudo deste sector, bem como das formas de
intervenção do Estado na presença (cada vez mais forte) deste sector.
Finalmente, o estudo da Política Social engloba o estudo de coordenação de
estratégias e políticas, mas não se confunde com a política económica e
com o planeamento, em termos de objectivos, do enfoque analítico, no tipo
e alcance das actuações que envolve e dos instrumentos usados, e nas
formas organizativas requeridas. Se é certo que a fundamentação teórica
da Política Económica, em termos da macroeconomia, deva estar sempre
presente na discussão da Política Social (e, nesse aspecto, apresentam
áreas de sobreposição claras em termos de alguns dos suportes teóricos em
que assentam), os objectivos da Política Social (o do bem-estar social,
como objectivo geral, mas com a presença, como objectivos específicos, de
eficiência, equidade e justiça, como foram acima referidos) traduz um
enfoque, em termos de actuação no sistema económico, que vai para além
do da Política Económica “tradicional”[12]. Por outro lado, tal como foi
apresentada na (ainda, e sempre, precária) definição de Política Social
acima exposta, esta envolve uma actuação em que são utilizados
instrumentos específicos, segundo lógicas de organização próprias (políticas
universais, políticas categoriais, políticas globais), e envolvendo, como
actores sociais, não apenas o Estado, mas igualmente, como acima se
disse, a economia privada com fins lucrativos e a economia social.
Colocam-se assim, no estudo da Política Social, questões de coordenação
de políticas sociais sectoriais e, bem assim, questões de coordenação de
actores sociais na sua implementação, que vão para além das questões, de

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natureza idêntica, que se colocam a respeito da Política Económica. Não


sendo fácil a distinção entre Política Económica e Política Social (e sendo
tema controverso o das "fronteiras" que se estabelecem entre si), certo é,
porém (e não aprofundando aqui o debate) que são áreas de actuação
distinguíveis[13].
Neste livro far-se-á uma abordagem da Política Social num contexto
europeu, e isto tem vários alcances. Significa, por um lado, que não tem
por objectivo o tratamento exclusivamente teórico dos problemas, mas é
igualmente orientada no sentido de abordar os problemas sociais concretos
que as sociedades modernas defrontam, e as características da actuação
política tendo em vista a sua resolução (em termos correctivos e/ou em
termos preventivos), e a diversidade de situações que a estes níveis
encontramos nessas sociedades. E significa também, por outro lado, que no
estudo de tais aspectos, na perspectiva dessa diversidade, se privilegia o
espaço europeu em que Portugal se encontra enquadrado (o da União
Europeia).

________________

1.9. ANÁLISE DA POLÍTICA SOCIAL


Nem sempre, quando nos referimos a análise de uma política, queremos
atribuir a este termo o mesmo significado, dependendo do nível de
exigência que desejamos por no trabalho a realizar. Esta diferença tem a
ver com o objectivo deste trabalho, do que efectivamente se pretende
efectuar, do contexto (académico, técnico, profissional, político) em que
nos colocamos, da perspectiva disciplinar em que este trabalho vai ser
realizado, etc.. Vejamos então alguns dos seus significados.
Analisar uma política pode significar meramente descrever essa política. É a
forma mais elementar de análise, mas de facto é o ponto de partida para
formas mais exigentes e complexas. Só se pode trabalhar técnica ou

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academicamente um assunto a partir de um conhecimento elementar que


se tenha desse assunto, baseado na sua descrição simples. Para analisar,
por exemplo, a política de educação que está a ser seguida num certo país,
num certo período, precisamos de a descrever, isto é, dizer o que ela é. E
para o fazermos teremos de fazer incidir a nossa atenção em dois aspectos
fundamentais: a sua substância (o que ela é, o seu conteúdo) e o seu
processo (ou seja, como ela é feita). Vejamos o que significam.
Quando nos referimos à substância da política, como elemento fundamental
para a descrever, queremos significar quais são as finalidades da política,
os objectivos que se pretendem alcançar para atingir os fins que se propõe
atingir, os meios de que os adores políticos irão fazer uso para conseguir
alcançar esses objectivos, o horizonte temporal em que a política vai
decorrer, os valores concretos que se pretende que esses objectivos
venham a ter num certo momento ou período fixado na política (isto é, as
metas a alcançar), os actores políticos envolvidos na concepção e na
execução dessa política, os recursos afectos à sua execução, etc.. Esta
descrição permitirá perceber "o que é” esta política. Fazer esta descrição
pode não ser difícil, quando a sua apresentação for (como é habitualmente)
feita em diplomas legais e for possível, complementarmente, recorrer a
documentação técnica de preparação dessa política. Mas descrever uma
política pode exigir algum trabalho adicional de pesquisa, por nem sempre
alguns elementos fundamentais dessa descrição estarem suficientemente
bem descritos nessa documentação. Por exemplo, se queremos conhecer as
reais finalidades dessa política, as relações que possam estar a ser
pretendidas com outras políticas (que a podem reforçar, ou condicionar), o
contexto internacional em que ela é formulada, etc., o bom conhecimento
desta política pode, então, exigir informação e pesquisas adicionais.
Mas descrever uma política também se refere ao modo como a política é
feita, isto é, qual foi o processo de decisão seguido, que actores sociais
estiveram envolvidos na sua preparação, e quais vão participar na sua
execução, de que modo o funcionamento dos serviços que a executam
foram determinantes para que essa política fosse concebida e executada.

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Isto é, conhecer o processo significa dar atenção ao sistema político, às


formas e lógicas do seu funcionamento nesta área específica de actuação e
também à rede organizacional que a executa: quais são os serviços
públicos intervenientes, os agentes privados que possam também estar
envolvidos, e de que forma participam na execução dessa política.
Analisar uma política deve, em geral, ultrapassar a sua mera descrição. Em
geral pretende-se mais. Frequentemente queremos compreender e explicar
essa política. Queremos, por exemplo, responder a questões como: "porque
surge esta política nesta altura, neste país?", ou "que semelhanças, e que
diferenças, existem entre esta política e decisões políticas já anteriormente
decididas neste país" ou, ainda "já, em algum país, uma medida como esta
foi levada a cabo com sucesso?". Vejamos, por exemplo, as experiências de
reforma dos sistemas de segurança social na Europa e consideremos um
caso particular, de algum país que tenha aprovado uma lei de reforma do
seu sistema. Analisar o novo sistema de segurança social reformado
significa, em primeiro lugar, descrever esse sistema (a primeira acepção de
análise acima referida). Pode ser suficiente, para esse efeito, uma leitura
atenta da legislação que o aprovou. Mas compreender e explicar essa
reforma (a segunda acepção, que estamos a ver) significaria, então,
entender as razões que levaram a que esta reforma tivesse tido lugar, nos
termos em que ocorreu. Houve unanimidade de opiniões quanto ao
diagnóstico da situação e cenários de médio/longo prazo quanto à
sustentabilidade do sistema de pensões? Houve opiniões divergentes
quanto a soluções de política e, neste caso, que grupos sociais, ou de
interesse, defendiam cada uma dessas posições? As soluções de política
que deram origem às decisões tomadas reflectem a predominância do
interesse de alguns desses grupos? Há algum contexto internacional (de
mera comparação de referência ou de requisito político de convergência)
que tenha originado a solução política encontrada?
Mas por análise de política podemos também significar fazer uma
apreciação normativa da política, isto é, procurar responder a questões
como: esta política é (ou foi, ou tem sido) a política adequada face ao

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problema que pretende resolver (ou prevenir)? Está a originar (ou irá
originar) os resultados pretendidos, no horizonte temporal fixado? Mesmo
que tenha esses resultados esperados, terá efeitos secundários indesejáveis
para outros objectivos de (outra) política, havendo formas alternativas de
os conseguir alcançar sem esses efeitos indesejáveis? Haverá políticas
alternativas que permitam alcançar os mesmos objectivos com custos
financeiros menores? Todas estas questões são formas de fazer avaliação
da política, outra perspectiva de análise da política, frequentemente
realizada. É no âmbito do trabalho de avaliação que se colocam as questões
(de que as anteriores são exemplo) de eficácia (que envolve a comparação
entre os resultados da política e os objectivos e metas pretendidos com
essa política) e de eficiência (que envolve a comparação entre os resultados
alcançados e os meios utilizados para executar essa política).
Há assim diferentes perspectivas de análise de política. Vimos três, que
correspondem a diferentes abordagens, que se destinam a diferentes
finalidades e que fazem apelo a diferentes métodos: descrição,
compreensão e explicação, avaliação. Em qualquer destas perspectivas de
análise, precisamos de dispor de um quadro conceptual e de
enquadramento dos elementos constitutivos da política pública que
permitam identificar os diversos aspectos relevantes dessa análise, em
qualquer as perspectivas indicadas.

________________

1.10. ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE DA POLÍTICA SOCIAL


A análise das políticas sociais exige que se tenham presentes alguns
aspectos metodológicos fundamentais que o quadro analítico apresentado
na secção anterior ajuda a situar. Para esta análise contribuem várias
ciências sociais, o que leva a que muito do trabalho de análise de políticas
conte com a contribuição multidisciplinar de equipas situadas em diferentes

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áreas científicas. É o que iremos ver de seguida e, exemplificando com um


trabalho específico de análise, na secção seguinte deste capítulo. É possível
perceber qual a contribuição das várias ciências sociais para a análise da
Política Social e para a fundamentação das práticas de actuação política, a
partir da definição que se está a utilizar de Política Social, como “actuação
política dirigida ao bem-estar social”.
Comecemos pelo conceito de "bem-estar social”. Trata-se de um conceito
normativo, não sendo possível a sua conceptualização sem nela termos
presente as diferentes concepções filosóficas em que assentam as diversas
abordagens que dela fazem as ciências sociais. Entre essas ciências sociais
encontra-se a ciência económica, onde diferentes conceitos de justiça e de
equidade se traduzem em diferentes formas de ordenar o bem-estar
individual e em obter o bem-estar social a partir da agregação do bem-
estar individual dos membros de uma sociedade: as diferentes formulações
das funções de bem-estar social (Nash-Bernoulli, de Bérgson-Samuelson,
de Rawls) correspondem à tradução de diferentes concepções filosóficas na
agregação do bem-estar para a sociedade no seu todo[14].
A ciência económica também se ocupa dos aspectos da medição, não
directamente do bem-estar mas, de forma indirecta, de défices de bem-
estar social ou de défices de bem-estar individual para alguns grupos da
população. Trata-se, no primeiro caso, da forma como a ciência económica
faz a medição da desigualdade da distribuição do rendimento, encarada
como a distância (medida em unidades adequadas) entre o bem-estar
social associado a essa distribuição do rendimento e o bem-estar social
máximo alcançável com o mesmo rendimento total, repartido de forma
diferente (distribuição entendida como equitativa). Trata-se, no segundo
caso, na forma como se mede o desvio, relativamente a uma norma de
bem-estar mínimo, o bem-estar dos indivíduos que se encontram abaixo
dessa norma (entendidos como indivíduos pobres nessa sociedade): é a
forma como as ciências sociais (em particular a ciência económica) medem
a pobreza.

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A avaliação do bem-estar, ou de défices de bem-estar relativamente a


alguma norma social existente, deve ser entendida no modo como a
sociedade reconhece essa norma e como ela se estabelece como critério
dominante, nessa sociedade, de avaliação social e de fundamentação social
e política para a intervenção da Política Social. Estas normas diferem no
espaço (são diferentes entre diferentes espaços regionais, entre diferentes
grupos de referência no mesmo país) e ao longo do tempo, em diferentes
contextos de reconhecimento político de problemas sociais (por exemplo,
em resultado da integração em espaços políticos mais alargados, a UE,
colocando as referências para a actuação política em termos diferentes).
Teremos de recorrer a análises sociológicas ou da ciência política para se
poderem compreender estas diferenças e estas mudanças, em particular
das alterações do contexto em que estas políticas são concebidas e
executadas.
Sendo direccionada ao bem-estar (no sentido de o garantir e promover), a
política social prossegue finalidades que nem sempre se encontram
explicitamente referidas, de forma compreensível, nos textos ou no
discurso político dos decisores. Tratando-se de domínios normativos,
também deles não se tem um entendimento unânime na sociedade. A
identificação dos princípios normativos que orientam as concepções de
Política Social que está sendo analisada e da sua execução deve, então, ser
uma preocupação fundamental de análise.
A Política Social é uma actuação política, se um dado sistema político, num
certo contexto. Então, todos os elementos referidos na secção anterior
devem estar presentes na análise de uma política, como elementos
fundamentais da sua caracterização: os inputs (necessidades para actuação
política, os apoios existentes, os recursos disponíveis), o processo (o
sistema decisional e a rede organizacional), as variáveis de mediação
(grupos de representação de interesses, organizações partidárias, etc.), os
outputs e os outcomes e o contexto em que as decisões e a execução das
políticas têm lugar (a sua caracterização, as diferenças e alterações que
têm lugar ao longo do tempo). É do contributo de diferentes ciências sociais

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que resulta a compreensão destes processos. A compreensão de uma certa


política exige que todos estes elementos se encontrem devidamente
caracterizados. Isto obriga a uma análise da natureza do Estado (ciência
política), crucial para entender a forma de intervenção do Estado nas áreas
sociais (corporatista, social democrata, liberal), requerendo,
frequentemente, abordagens históricas (história) para entender as formas
actuais de actuação dos poderes públicos e de que modo se constituíram,
no passado (path-dependency), essas formas de actuação. A análise dos
processos de decisão exige a compreensão dos processos de escolha
colectiva (ciência política, teoria económica) e do funcionamento dos
serviços (sociologia das organizações). É necessário conhecer o contexto de
geração dos problemas sociais e do seu reconhecimento político e processo
de decisão (demografia, economia, geografia económica), efectuar a
identificação dos actores e as suas lógicas de racionalidade distintas (ex: o
Estado, o mercado, a Economia social e os diferentes níveis do Estado:
central, regional, local), bem como da articulação dos actores entre si e as
suas alterações (privatização, descentralização) e as implicações destas
alterações nos princípios normativos em que assenta a Política Social.
Estão assim apresentados os elementos fundamentais para se entender o
que é, e como se analisa, a Política Social nos Estados modernos.

________________
[1] Veja-se, a respeito desta distinção, Alcock, P.; Glennester, H.; Oakley,
A.; Sinfield , A. (eds) (2001). Welfare and Wellbeing. Richard Titrnuss is
contribution to social policy. The Policy Press. Esta obra reune vários textos

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de autoria de R. Titmuss, organizados tematicamente e comentados pelos


editores. Recomenda-se a leitura dos textos incluídos na Parte 6 desta obra
C' The subject of social policy).
[2] Jones, C. (1985). "Patterns of Social Policy. An Introduction to
Comparative Analysis". The Harvester Press.
[3]Vide, a este respeito, Greffe, X. (1975). La Politique Sociale. PUF,
designadamente o capítulo IV ("La politique sociale en France"), mas
também a concepção de política social deste autor em Greffe, X. (1987).
Politique Économique: Programmes, Instruments, Perspectives. Económica.
[4] Esta disciplina encontra a sua origem historicamente em Inglaterra a
partir das políticas colectivistas e das práticas de intervenção do Estado nos
inícios do séc. XX, e sob uma forte influência da Fabian Society, liderados
pelos Bosanquet e pelos Webb que originaram, a partir da Charity
Organisation Society 's School of Sociology, o Department of Sodal Science
and Administration na LSE em 1912. Esta fase foi marcada por diferentes
visões disciplinares entre Bousanquet e Webb, embora em ambas
predomine uma concepção bastante marcada pelo empiricismo e
investigação com vista à preparação para a acção: enquanto que para
Bousanquet a teoria deveria preceder a recolha da informação, para Webb
só o trabalho empírico prévio é passível de produzir resultados capazes de
originar quadros teóricos. É com T. H. Marhall (director do Departamento
no período 1944-50) e, principalmente, com R. Titmuss (que foi seu
director no período 1950-73) que, desenvolvendo as suas ideias de "social
division of welfare", contribuiu para uma visão mais alargada da política
social.
[5] A diversidade de concepções de política social e, por vezes mesmo a
sua ambiguidade, tem levado alguns autores a interrogar-se se se trata
essencialmente de um "assunto" (subject) ou de um "objecto de análise"
(object), já que ela é simultaneamente um conjunto de práticas políticas e
igualmente uma disciplina em construção (vide F Williams, 1989, p. 3). Daí
que C. Jones (1985) afirme que "social policy, therefore, is a blanket
expression: blanket not merely in the expected sense that it may be taken

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to refer to a broader or narrower range of activities in any particular


national conctext, but blanket in that it can also stand for different sources
of 'social' objective and motivation" (p. 14).
[6] Walker, A. (1985). "Social Policy, Social Administration and the Social
Construction of Welfare". Open Univ. Press, pp. 127-150.
[7] Esta concepção encontra-se bem clara na definição deste autor de
política social, ao afirmar que "social policy uses political power to
supersede, supplement or modify operations of the economic system in
order to achieve results which the economic system would not achieve on
its own, and that in doing so it is guided by values other than those
determined by open market forces" [T. H. Marshall (1975). Social Policy,
4th edition. Hutchinson, London, p. 15].
[8] Para este autor, política social refere-se a "those arrangements,
patterns and mechanisms that are typically concerned with the distribution
of resources in accordance to some criterion of need” [R. Mishra (1977).
Society and Social Policy. Macmillan, London].
[9] Segundo este autor, "the study of social policy is basically concerned
with the range of human needs and the social institutions created to meet
them" e a política social é "above all, concerned with choice among
competing values" [M. Rein (1976). Social Science and Public Policy.
Penguin), sendo o igualitarismo o valor dominante.
[10] Particularmente interessante a este respeito é a abordagem de G.
Esping-Andersen ao considerar, na sua análise comparativa de regimes de
bem-estar ("welfare regimes") tendo em vista o estabelecimento de
tipologias, os critérios de "de-commodification" da política social (isto é, o
grau de independência da realização dos direitos de cidadania
relativamente ao mercado) e os sistemas de estratificação incorporados nos
vários regimes de bem-estar. Ver G. Esping-Andersen (1990). The three
worlds of welfare capitalism. Polity Press.
[11] É curioso, a este respeito, citar P. Townsend, professor de Política
Social na Universidade de Bristol (U K), ao referir que "from the time of
Adam Smith onwards it is economists more than other social scientists who

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have played a big part in defining and measuring the phenomenon of


poverty" [P. Townsend (1993). The International analysis of poverty.
Harvester Wheatsheaf, p. 44], opinião que pode considerar-se insuspeita
tendo em consideração que o Prof. Townsend é sociólogo.
[12] Para uma discussão sobre a relação entre política social e política
económica e planeamento, veja-se o texto A. Walker (1988). Social policy
versus economic policy: the future of social planning. Peter Hodge Memorial
Lecture, Department of Social Work, University of Hong Kong. É ilustrativo,
a propósito da relação entre política económica e política social, citar este
autor quando, nesta obra, diz que: "There is a conflit, then, between
economic policy on the one hand and on the other soda/ policy and planned
social development. The aims of social policy and social planning are
frustrated by often narrowly basic economic definitions and economic
priorities. These do not have to be imposed by force; they are usually
implicit in the policy-making and planning process as a result of the
ascendency of particular economic interests" (op. cit, p. 12).
[13] A este propósito, vale a pena referir um posicionamento algo radical
de P. Hodge: "Social planners are those who insist on the development of
planning of social aspects along with economic aspects, and have rebelled
against the prolonged dominance of economists among the social scientists,
and of economic considerations in planning" (citado em A. Walker (1988).
Social policy versus economic policy: the future of social planning. Peter
Hodge Memorial Lecture, Department of Social Work, University of Hong
Kong, p. 15.
[14] Ver, sobre este assunto, ACOCELLA, N. (2000), no capítulo 4
("Theories of justice, social welfare functions and the social optimum'').

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