TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE
vida. Um princípio central do tratamento é ajudar os
pacientes a se tornarem “o melhor que puderem”,
auxiliando-os a se concentrar e desenvolver as suas
potencialidades e a aprender a compensar melhor as
suas fraquezas (Murphy, 1995).
A esperança para o futuro, equilibrada com a rea-
lidade de que mudar hábitos e padrões comporta-
mentais exige muito trabalho e esforço prolongado,
propicia a promoção de uma atitude realista para
com o tratamento. Os clínicos podem exercer uma
forte influência na construção de uma atmosfera te-
rapêutica de esperança e otimismo, a fim de comba-
ter a desmoralização e o pessimismo tão comuns em
adultos portadores de TDAH. Equipados com essa
combinação de esperança, conhecimento e cons-
ciência do TDAH, os adultos portadores de TDAH
encontram-se em melhor posição para obterem
benefícios do tratamento, aprenderem a se adaptar
melhor às atuais tarefas e responsabilidades e vive-
rem mais plenamente do que podiam antes.
ABORDAGENS DE TRATAMENTO
PSICOSSOCIAL
Via de regra, recomenda-se uma combinação
de tratamentos para adultos portadores de TDAH.
Novamente, o tratamento de indivíduos com TDAH
não produz uma cura para a causa subjacente do
transtorno. O tratamento visa reduzir os sintomas e
diminuir os efeitos negativos do transtorno para au-
mentar a qualidade de vida geral. Apesar de algumas
pesquisas terem demonstrado que os tratamentos
clínicos concentrados no treinamento de habilida-
des, como as habilidades sociais, autocontrole ou
treinamento cognitivo-comportamental, não trouxe-
ram muitos benefícios aos indivíduos portadores de
TDAH (Abikoff, 1985, 1987; Diaz e Berk, 1995), e que
os efeitos do tratamento psicossocial de curta du-
ração não se generalizam fora do contexto em que
aplicados (Abikoff e Gittelman, 1984; Barkley, 1997b;
Barkley, Copeland e Sivage, 1980), o tratamento do
comportamento nos ambientes imediatos em que há
problemas para os indivíduos portadores de TDAH
já consiste em um objetivo louvável (Barkley, 1997a).
Conforme afirma Barkley,
Somente um tratamento que resulte em melhoras
ou na normalização do déficit neuropsicológico
em inibição comportamental pode resultar em me-
lhoras ou na normalização das funções executivas
que dependem dessa inibição. Atualmente, o único
tratamento que existe com qualquer esperança de
alcançar esse fim é a medicação estimulante ou ou-
709
tros agentes farmacológicos que melhoram os subs-
tratos neurais nas regiões pré-frontais que provavel-
mente estejam por trás desse transtorno. (Barkley,
1997a, p. 60)
Isso significa que nenhuma abordagem de trata-
mento psicossocial tem valor para ajudar os adul-
tos a lidarem com o TDAH? Claro que não. De fato,
pesquisas mais recentes, como o estudo Multimodal
Treatment of ADHD do Instituto Nacional de Saúde
Mental (MTA Cooperative Group, 1999; Capítulo
20), o maior estudo de tratamentos randomizados
já realizado, mostram que os tratamentos psicosso-
ciais em combinação com medicação obtiveram os
melhores resultados em certas circunstâncias. O tra-
tamento psicossocial pode não “curar” a disfunção
cerebral subjacente que causa os sintomas básicos
do TDAH, como a citação anterior procura afirmar,
mas pode ajudar na melhora dos efeitos colaterais,
das seqüelas emocionais e/ou das condições co-mór-
bidas associadas ao TDAH.
Os tipos mais comuns de tratamentos psicos-
sociais usados para tratar adultos com TDAH são o
aconselhamento individual, o aconselhamento em
grupo, o aconselhamento familiar e de casal, o acon-
selhamento vocacional, a instrução, o uso de apoios
tecnológicos e a representação.
Aconselhamento individual
O estágio inicial do aconselhamento individual
geralmente envolve informações/educação sobre o
TDAH, o estabelecimento de objetivos, o desenvol-
vimento de estratégias para alcançar tais objetivos e
lidar com conflitos ou crises agudas presentes. Reu-
niões de acompanhamento monitoram o progresso,
discutem questões relacionadas com a medicação,
adicionam ou alteram abordagens de tratamento e
trabalham para melhorar determinadas áreas pro-
blemáticas. Eis alguns exemplos: resolução de pro-
blemas sobre uma determinada situação relacionada
com o trabalho, com a escola ou com um relaciona-
mento; ajudar em transições da vida, como uma mu-
dança de carreira ou divórcio; trato de transtornos
co-mórbidos de humor ou ansiedade, ou desenvolvi-
mento de habilidades organizacionais ou quanto ao
tempo. O aconselhamento individual pode aumen-
tar a consciência dos adultos portadores de TDAH
sobre como o transtorno afeta as suas vidas e, assim,
ajudar na identificação de estratégias comportamen-
tais ou de autocontrole adequadas para lidar com os
sintomas. O entendimento do transtorno também
pode influenciar decisões imediatas e futuras. Por
exemplo, o conhecimento sobre o TDAH pode in-
710 RUSSELL A. BARKLEY & COLS.
fluenciar as escolhas profissionais do indivíduo, de
um parceiro/cônjuge, do curso na faculdade, ou a
volta ao estudo e onde (preferivelmente um local
com programa estabelecido de auxílio a estudantes
com TDAH/dificuldades de aprendizagem). A aquisi-
ção desse tipo de autoconhecimento contribui para
que adultos portadores de TDAH façam melhores
escolhas e tomem decisões mais acertadas.
Os adultos portadores de TDAH também podem
se beneficiar com um aconselhamento individual
sobre os princípios e estratégias da modificação
comportamental. O tratamento para o TDAH pa-
rece responder melhor a uma abordagem ativa e
pragmática por parte do terapeuta e do paciente.
De modo geral, quanto mais estrutura e rotina fo-
rem incorporadas à vida do paciente, melhor. Muitas
vezes, os objetivos do tratamento envolvem mudar
os padrões de pensamento e comportamentos dis-
ruptivos que interferem no funcionamento cotidia-
no. Os pacientes preferem usar estratégias que os
auxiliem a funcionar de forma mais efetiva, logo, em
vez de uma abordagem de longa duração e orienta-
da à descoberta. Dito de outra forma, preferem im-
plementar um plano comportamental imediato para
prevenir a perda diária das chaves do carro do que
explorar e tentar interpretar o significado subjacente
desse comportamento. A terapia comportamental e
a terapia cognitiva configuram duas formas de acon-
selhamento individual consideradas particularmen-
te proveitosas para os adultos portadores de TDAH.
Especificamente, acredita-se que o treinamento em
métodos de controle do tempo, habilidades orga-
nizacionais, habilidades de comunicação, controle
da raiva, tomada de decisões, automonitoramento
e gratificação, decomposição de tarefas grandes em
uma série de etapas menores e mudança de cogni-
ções errôneas seja potencialmente útil para cumprir
de forma eficiente as demandas cotidianas da vida
familiar, ocupacional e social. Esse treinamento aju-
da os pacientes a desenvolver objetivos explícitos,
métodos específicos para realizar os objetivos e es-
truturas de tempo para cumprimento dos objetivos.
Em essência, as mesmas formas de sugestões que
se mostram proveitosas para crianças portadoras
de TDAH na escola também podem ter valor para
adultos portadores de TDAH, quando adaptadas aos
contextos específicos. A implementação de estraté-
gias comportamentais para lidar com os problemas
mais debilitantes pode auxiliar os pacientes a dispor
de maior controle sobre suas vidas, reduzir a ansie-
dade e a frustração e aumentar a produtividade. As
seguintes sugestões proporcionam benefícios aos
pacientes, ajudando-os a desenvolver ou aumentar a
sua proficiência nessas áreas:
• Pratique o planejamento proativo, devotando al-
gum tempo a cada noite para planejar o dia seguin-
te. Separe os materiais necessários (p. ex., livros,
roupas, chaves, números de telefone, remédios,
papéis importantes), prepare o carro na noite an-
terior e faça o que for necessário para prevenir o
caos frenético no dia seguinte.
• Aprenda a fazer uma lista de “afazeres” efetiva e ra-
zoável, com suas prioridades e tarefas importantes
e leve-a com você o tempo todo. Faça cópias para
o caso de perdê-la.
• Ajude-se a lembrar, mantendo as tarefas importan-
tes à vista, afixando listas de “afazeres” ou horários
em locais estratégicos da casa ou do trabalho.
• Pratique como usar uma agenda ou um organiza-
dor eletrônico e lembre-se de anotar seus com-
promissos imediatamente.
• Coloque blocos de notas em locais estratégicos
(no carro, no banheiro, no quarto, etc.) ou tenha
um gravador portátil à mão para registrar idéias e
pensamentos importantes que lhe vierem à mente
e que você queira lembrar.
• Aprenda e pratique habilidades de controle do
tempo. Compre um despertador para avisá-lo, a
fim de que você não se perca no tempo.
• Use um sistema de arquivos, organizadores, cai-
xas ou outros equipamentos organizacionais com
códigos coloridos para reduzir a confusão e au-
mentar a eficiência e a estrutura em sua vida. Se
considerar necessário, contrate um secretário pro-
fissional para ajudar a criar um sistema que fun-
cione para você, podendo envolver um meio de
garantir que as contas sejam pagas em dia, fazer
o balanço do talão de cheque e organizar o seu
espaço de vida.
• Faça várias cópias das chaves, para que a perda de
uma chave não se transforme em um desastre.
É também importante preparar os pacientes para
os sentimentos esperados e inevitáveis de decepção
e frustração quando houver retrocessos. Em vez de
considerar os retrocessos como fracassos catastrófi-
cos ou evidências de sua vez, os pacientes podem
aprender a conceituá-los como “normais”, esperados
e até desejáveis, pois representam oportunidades de
aprendizagem e crescimento pessoal. Por exemplo,
os adultos portadores de TDAH podem concluir que
fazer listas ou usar uma agenda é improdutivo, pois
os perdem com freqüência. Explicar que a mudan-
ça de hábitos e a aprendizagem de novas estratégias
exigem prática constante e não são questões para
uma única tentativa pode ajudá-los a continuar ten-
tando. O objetivo é praticar cada habilidade até que
ela se torne uma parte automática e natural da rotina
 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE
cotidiana. Essencialmente, os pacientes devem assu-
mir um compromisso consciente de trabalhar para
a mudança comportamental, considerá-la um inves-
timento crucial para o seu futuro e elevar a aprendi-
zagem dessas habilidades a um nível prioritário em
suas vidas. O aconselhamento individual que visa
ignorar as mensagens negativas de professores, pais,
cônjuges e patrões, e substituí-las por mensagens
mais racionais e otimistas, é outra área de benefícios
potenciais para adultos portadores de TDAH.
Deve-se também enfatizar e explicitar as poten-
cialidades e os traços positivos que os pacientes
possuem. Por exemplo, informar aos pacientes que
os resultados de seus testes indicam inteligência
média, acima da média ou superior pode ser uma
revelação importante. Explicar que as notas abaixo
do esperado ao longo do seu histórico escolar não
tinham nada a ver com pouca inteligência pode pro-
porcionar um grande alívio para adultos que tenham
vivido acreditando o contrário. Outro exemplo é
mostrar os traços de caráter positivos observados
nos pacientes, como tenacidade, disposição para
continuar tentando apesar dos muitos retrocessos,
energia e motivação ilimitadas, assertividade, senso
de humor, ou qualquer outra característica apropria-
da. Isso pode servir para contrabalançar autopercep-
ções negativas, reforçar potencialidades e promover
a aceitação pessoal.
Em suma, o aconselhamento individual pode
ajudar os adultos portadores de TDAH a lidar com
uma variedade de problemas coexistentes, incluindo
depressão, ansiedade, auto-estima baixa, problemas
interpessoais e desorganização.
Tratamento em grupo
Embora nenhum dado científico sustente a efi-
cácia da terapia em grupo para o TDAH, ela parece
constituir uma intervenção bastante útil para adultos
com esse transtorno, com potencial para configurar
um ótimo método de apoio, educação e validação
para indivíduos portadores de TDAH. Os pacientes
podem aprender muito uns com os outros, sentin-
do-se aceitos e menos isolados e sozinhos. Um dos
meus pacientes que participaram de um grupo de
apoio se recusava a tomar medicação, mas acabou
mudando de idéia depois de discutir a questão com
os colegas do grupo e ouvir as suas opiniões. De
forma clara, o grupo o influenciou a experimentar
a medicação, nas questões que eu e o terapeuta in-
dividual não havíamos tido sucesso. Além do apoio
e validação que o grupo proporciona, ouvir como
outras pessoas lidam e controlam os seus sintomas,
entender que existem mais pessoas com problemas
711
semelhantes e ter um “laboratório” para aprender e
experimentar novas habilidades sociais e interpes-
soais pode ser de muito proveito para aqueles que
participam de grupos de terapia.
Em minha experiência, é melhor ter um forma-
to de grupo semi-estruturado e de tempo limitado,
com objetivos e temas determinados para cada ses-
são. Uma mistura equilibrada de instrução didática
com tempo livre para discussões abertas funcionou
melhor nos grupos que facilitei. Grupos contínuos,
abertos e focados no “aqui e agora” podem se tornar
caóticos e desorganizados e ser difíceis de conduzir
e controlar. Os temas que eu e meus colegas Angela
Tzelepis e Howard Schubiner, da Wayne State Uni-
versity, utilizamos envolvem questões relacionadas
com medicação, habilidades organizacionais, habi-
lidades de escuta/interpessoais, controle da raiva,
tomada de decisões, redução do estresse, questões
vocacionais e sobre o local de trabalho, bem como
estratégias pessoais de enfrentamento. Com um te-
rapeuta de grupo habilidoso e um grupo motivado
e cuidadosamente triado, de preferência com não
mais de 10 participantes, a terapia de grupo pode
consistir em um grande apoio a outras formas de tra-
tamento. A participação em organizações de apoio
em grupo, como a CHADD, é outra via de apoio e
educação.
Aconselhamento familiar e marital
A terapia familiar e marital tem potencial utilida-
de para resolver as dificuldades que afetam relacio-
namentos com familiares e cônjuges. O TDAH pode
destruir o funcionamento conjugal e familiar, por
ser muito perturbador para as tarefas rotineiras da
vida cotidiana. Uma porcentagem significativa dos
cônjuges sem TDAH que avaliei na Clínica de TDAH
em Adultos da UMASS durante a década de 1990
relatou insatisfação marital severa, aferida por seus
escores no Lock-Wallace Marital Inventory (Murphy
e Barkley, 1996). Os cônjuges e parceiros de adultos
portadores de TDAH que não apresenta o transtor-
no, muitas vezes, dizem que se sentem confusos, ir-
ritados e frustrados, e queixam-se de que os adultos
portadores de TDAH não sabem ouvir, não são con-
fiáveis, são esquecidos, autocentrados e insensíveis,
parecem distantes ou preocupados, são confusos,
não terminam projetos domésticos, ou agem de for-
ma irresponsável. A aquisição de uma compreensão
maior do transtorno e de que muitos desses pro-
blemas talvez não advenham necessariamente de
uma “conduta proposital” possibilita que as partes
do casal adotem um novo olhar sobre os seus pro-
blemas, pela perspectiva do TDAH, parem de culpar