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Acórdãos TCAS Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul

Processo: 431/11.0BEBJA
Secção: CA
Data do Acordão: 02-06-2022
Relator: FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores: CONSTRUÇÃO NÃO LICENCIADA
REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE URBANÍSTICA
RELEVÂNCIA URBANÍSTICA
Sumário: I – Mesmo admitindo que a edificação aqui em causa (Chaminé) não revela significativa relevância em termos urbanísticos, mormente em termos de
impacto visual, não pode deixar de se atender a outros fatores, mormente a incomodidade que possa gerar face a edificações adjacentes, impondo-se
sujeitar o mesmo a fiscalização administrativa, nos termos e para os efeitos do artigo 93º do RJUE, de acordo com o qual, “a realização de quaisquer
operações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente de estarem isentas de controlo prévio ou da sua sujeição a prévio
licenciamento, comunicação prévia ou autorização de utilização”, sendo que sempre se imporia a verificação das condições de segurança e salubridade
do edificado.
II - Concluindo-se que a controvertida edificação se não mostra licenciada ou autorizada, estando assim numa situação de ilicitude, insuscetível de ser
legalizável, como o próprio Município reconheceu, não se justifica determinar uma nova reapreciação da situação, o que se mostraria dilatório,
redundante e inútil, fazendo perdurar uma situação de impunidade permissiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I Relatório
M....., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa Comum que intentou contra o Município de Alcácer do Sal
e L....., tendente:
“a) Ao reconhecimento dos direitos da Autora à propriedade, à saúde, a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida, e à salubridade,
coartados pela construção ilegal de uma chaminé e de um forno artesanal no imóvel contíguo à sua propriedade, ao arrepio dos mais elementares princípios
urbanísticos;
b) À adoção das condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos violados, por via da adoção de todos os atos e condutas tendentes a proceder à demolição da
construção em causa;
c) Ao pagamento de uma indemnização à Autora, a título de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa, no valor de €5.000 para
ressarcimento de danos não patrimoniais por ela sofridos”, inconformada com o Sentença proferida em 23.06.2019, no TAF de Beja, que:
“a) Julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré Laurinda Custódia Estragado e, em consequência, absolvo-a da instância;
b) Julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o Réu Município de Alcácer do Sal a adotar as condutas necessárias à reposição da legalidade
urbanística da construção de um forno artesanal, de um lava louça, de uma churrasqueira e de uma chaminé no prédio urbano propriedade do Interveniente A....., sito na
...Alcácer do Sal, e inscrito na matriz predial da Freguesia de Alcácer do Sal (Santiago), sob o art.º 3….., absolvendo-o do pedido, quanto ao demais, veio em 23 de
setembro de 2021, recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão para esta instância.
Formula a aqui Recorrente/Manuela nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
“1º - A aliás douta sentença recorrida não se afigura correta, tanto no que respeita ao julgamento dos pedidos em que a ora Recorrente decaiu na
totalidade, isto é, quanto aos pedidos referentes à condenação do Recorrido Município de Alcácer do Sal ao reconhecimento dos direitos da Recorrente à
propriedade, saúde, salubridade e ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e ainda à condenação daquela edilidade ao pagamento de uma
indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente; como, depois, na parte em que, aparentemente, a decisão lhe foi favorável, pois
que, aquele Recorrido foi condenado a adotar às condutas necessárias à reposição da legalidade urbanística da obra, quando deveria, desde logo, ter
sido condenado à demolição da mesma por se revelar ilegal e, irremediavelmente, irregular.
2º - Nesta decorrência, o Tribunal a quo incorreu em múltiplos erros de julgamento quanto à interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, mas
também, quanto à seleção e apreciação da matéria de facto constante dos autos, em especial, aquela que resultou da audiência de julgamento e ainda
dos documentos que foram juntos, tendo, deste modo, desconsiderado factos que se revelam impreteríveis para a boa decisão da causa e ainda
considerado de forma inadequada alguns dos factos que foram dados como provados, sendo que, por isso, o presente recurso vê o seu objeto alargado
também à reapreciação da matéria de facto.
3º - Com efeito, desde logo, relativamente à incompletude e insuficiência da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal a quo não deu como provado, na
sentença proferida, como se impunha, o ofício n.º 1108, de 21 de julho de 2011, emitido pelos serviços do Departamento de Urbanismo e Administração
do Município de Alcácer do Sal, que foi junto como Doc. 4 à Petição Inicial da Recorrente, e consta, igualmente, do processo administrativo, o qual se
mostra manifestamente relevante para a discussão dos presentes autos, porquanto do mesmo resulta a apreciação e confirmação por parte do Recorrido
Município de Alcácer do Sal quanto à desconformidade da obra com o disposto no artigo 113º do RGEU.
4º - Nestes termos, deve considerar-se provado o seguinte facto: “Em 21 de julho de 2011, e em resposta ao requerimento apresentado pela Autora em
08 de fevereiro de 2011, foi emitido pelos serviços do Departamento de Urbanismo e Administração do Município de Alcácer do Sal, na pessoa da
Senhora Vereadora, o ofício nº 1108, com o seguinte teor:
Ex.mª Senhora,
Na sequência do seu requerimento datado de 08.02.2011, e em complemento às nossas respostas de 08.11.2010; e 19.05.2011, cumpre-nos dizer o
seguinte:
1.º Reiteramos o teor do nosso ofício de 08.11.2010, no que respeita á construção objeto do processo n.º 84/2007;
2.º Quanto à construção do forno artesanal e da respetiva chaminé, feita a análise técnica da situação conclui-se o seguinte:
i) Os trabalhos de construção do forno artesanal e de chaminé integram-se no conceito de obras de escassa relevância urbanística, nos termos do
disposto no artigo 6º - A, alínea a), do RJUE, na sua atual redação;
ii) Por esta razão, apenas estão sujeitos a comunicação, (cf. artigo 6º do RJUE, na sua atual redação);
iii) Os materiais utilizados na construção do forno e chaminé são adequados ao fim a que se destinam, sendo as paredes da edificação de V. Exª distintas
das paredes do prédio contíguo, além de que o interior do referido forno é revestido por tijolo refratário;
iv) A chaminé não cumpre, de facto, o disposto no artigo 113º, do RGEU, contudo entende-se que a mesma integra as situações excecionais presentes no
artigo 114º, (cf. pareceres técnico e jurídico juntos ao processo);
v) Acresce que a fração propriedade de V.Exª se encontra devoluta, não havendo qualquer histórico de queixas quanto à emissão de fumos e odores
provenientes da chaminé em causa;
Nas diligências desencadeadas por este Município na sequência do requerimento de V. Exª, ora sob resposta, detetaram estes serviços a realização de
obras ilegais na propriedade de V. Exª.
Com efeito, verificou-se que as edificações existentes e as constantes na certidão do registo predial apresentam divergências, tendo estes serviços
apurado uma área ocupada superior em 8,75 m2 em relação ao que consta do registo.
Nestes termos, e quanto a esta questão, dispõe V. Exª de 10 dias para se pronunciar, querendo, quanto a estas divergências, sendo que a confirmar-se
esta situação será instaurado o competente processo de contraordenação.”
5º - Por outro lado, foi manifestamente desconsiderado pelo Tribunal recorrido, um facto que assume, de igual forma, particular relevância para os
presentes autos, influindo de sobremaneira no sentido da justa decisão, o qual redunda na impossibilidade de regularização da construção para efeitos do
cumprimento do disposto no artigo 113º do RGEU, que ficou comprovada pelas testemunhas Arq.º Alexandre Dias e Eng.º A....., e que resulta, de resto,
da informação elaborada pelos serviços da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara de Alcácer do Sal, com data de 29 de junho de
2011, no âmbito da qual se conclui que a correção da obra acarretaria problemas estéticos e estruturais que a tornam inviável.
6º- Nestes termos, deve considerar-se provado o seguinte facto: “A correção da chaminé para efeitos do cumprimento do disposto no artigo 113º do
RGEU não é possível porque a tornaria esteticamente desproporcionada e estruturalmente instável”.
7º - De resto, foram ainda desconsiderados pelo Tribunal a quo, para efeitos de violação dos direitos invocados pela Recorrente, os factos evidenciados
pelas testemunhas Eng.º L.....e G....., no sentido de que a chaminé em apreço expele fumos escuros e em grande quantidade, a qual por estar tão
próxima da habitação da Recorrente, maxime, da sua varanda, torna verdadeiramente impossível à Recorrente a fruição plena da sua propriedade
quando o forno artesanal está em funcionamento, além de que tais fumos entram para dentro de casa.
8º - Assim sendo, em conformidade com os depoimentos prestados por aquelas testemunhas, devem considerar-se provados os seguintes factos: i) “A
chaminé expele fumos escuros, em grande quantidade, e liberta cheiros intensos; ii) “O funcionamento do forno artesanal e da respetiva chaminé
impossibilitam a fruição da varanda e os fumos entram dentro da casa”.
9º - Por fim, no que à incompletude da matéria de facto diz respeito, e para efeitos da verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade
civil por danos não patrimoniais, peticionada nos autos, verifica-se ainda que o Tribunal a quo desconsiderou factos que demonstram os danos não
patrimoniais sofridos pela Recorrente, nomeadamente, a circunstância de a Recorrente, por via daquela construção, ter deixado de dormir, passar a ser
acompanhada por um cardiologista e ter aumentado substancialmente a sua medicação, o que ficou bastante evidenciado no depoimento prestado pela
testemunha Eng.º L....., seu marido.
10º - Nestes termos, deve considerar-se provado o seguinte facto: “Com o conhecimento da construção do forno artesanal e respetiva chaminé no prédio
contíguo ao seu e dos efeitos resultantes do seu funcionamento, a Autora deixou de dormir, passou a ser acompanhada por um cardiologista e aumentou
substancialmente a sua medicação.”
11º - Ora, para além dos factos que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo, e aos quais se aludiu, verifica-se ainda, quanto à impugnação da matéria
de facto, que o Tribunal recorrido julgou de forma errada alguns factos que foram dados como provados na sentença recorrida, neste caso, os factos aa) e
bb), deles retirando efeitos jurídicos que não concorreram para o correto julgamento desta lide.
12º - Pois que, desde logo, veio o Tribunal a quo socorrer-se do facto aa), nos termos do qual a chaminé só expeliu fumos uma vez, para sustentar que
não se vislumbrava qualquer violação dos direitos invocados pela Recorrente e que não se encontrava verificado o pressuposto relativo aos danos não
patrimoniais produzidos na esfera jurídica da Recorrente, tendo incorrido, assim, em manifesto erro de julgamento.
13º - É que, na verdade, não é significativo, muito menos determinante, que a chaminé tenha expelido fumo uma só vez ou mais vezes, até porque bastou
a chaminé ter funcionado uma vez para a Recorrente se aperceber das evidentes e graves consequências que tal construção implicaria na sua vida e no
exercício dos seus direitos.
14º - De facto, bastou que a chaminé tenha funcionado uma única vez para que daí resultasse, desde logo, um evidente prejuízo dos direitos à
propriedade e à salubridade alegados pela Recorrente, pois que, os fumos poluentes expelidos em grande quantidade quando o forno artesanal é
utilizado, dada a distância que medeia aquela construção da habitação da ora Recorrente, são diretamente direcionados para o terraço e interior da
habitação da Recorrente, com os efeitos que daí decorrem.
15º - Pelo que, atento o exposto, deve entender-se que a circunstância de a chaminé só ter funcionado uma vez não obsta à verificação da violação dos
direitos invocados pela Recorrente, nem o preenchimento do pressuposto referente aos danos não patrimoniais de que depende a apreciação da
responsabilidade civil do ora Recorrido.
16º - Depois, quanto ao facto bb), nos termos do qual a Autora e o marido são pessoas, nervosas, ansiosas e exigentes, existe igualmente um erro de
julgamento por parte do Tribunal recorrido, pois que, sempre haverá que referir que um este facto resulta de uma mera opinião subjetiva da testemunha
G....., emitida à distância e com pouco respaldo, já que é manifestada por alguém que, como ela própria admite, tem pouquíssimo contacto com a
Recorrente, só a tendo visto algumas vezes, o que não parece, assim, ser suficiente para que possa convictamente concluir que a Recorrente é uma
pessoa ansiosa, nervosa e exigente, pelo que, em bom rigor nem devia este facto ter sido dado como provado.
17º - De qualquer forma, ainda que o Tribunal a quo tenha considerado este facto provado nunca o poderia ter interpretado com o sentido que se encontra
evidente na sentença proferida, nem dele ter feito depender a conclusão pela improcedência do pedido de indemnização por via da responsabilidade civil
do Recorrido por danos não patrimoniais, pois que, o facto em apreço em nada obsta à verificação de danos não patrimoniais na esfera jurídica da ora
Recorrente.
18º - Terá, portanto, que se distinguir, neste conspecto, os traços de personalidade da Recorrente e os danos não patrimoniais por ela sofridos e
peticionados no processo, ou quanto muito, considerar-se que essas características pessoais aumentam a probabilidade e intensidade de danos
eventualmente sofridos e não como entende o Tribunal a quo, que as mesmas impedem ou anulam os danos causados.
19º - Destarte, deve, em consequência, entender-se que a circunstância de a Recorrente e o marido serem pessoas ansiosas, nervosas e exigentes não
obsta à existência de danos não patrimoniais na esfera jurídica da ora Recorrente.
20º - Aqui chegados, importa agora enfatizar, no capítulo da matéria de direito, os erros de julgamento incorridos pelo Tribunal a quo e que se reportam à
desconformidade da obra com os termos da licença nº 46/2008, à desconformidade da obra com as disposições do RGEU, à apreciação da violação dos
direitos invocados pela Autora à propriedade, saúde, ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado, à condenação contida na sentença no sentido
da reposição da legalidade urbanística da obra e ainda à responsabilidade civil pela violação dos direitos da Autora.
21º - Ora, em primeiro lugar, verifica-se que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao não ter verificado qualquer desconformidade
entre a construção em apreço nos presentes autos com a licença n.º 46/2008, emitida no âmbito do processo de licenciamento n.º 84/2007.
22º - É que, de facto, constata-se que, no âmbito do processo de licenciamento n.º 84/2007, foi tão-só licenciada a “construção de um alpendre e da
abertura de porta e portão”, sendo que, em momento algum se verifica qualquer alusão à construção de um forno artesanal e de uma chaminé, que não
foi requerida nem autorizada.
23º - Deste modo, é possível concluir que a construção em discussão nestes autos não foi objeto do referido processo de licenciamento, nem, na
verdade, de qualquer outro processo tendente à necessária averiguação da conformidade daquela obra com as disposições aplicáveis, conforme é
admitido pelo próprio Recorrido Município de Alcácer do Sal, sendo, por isso, manifestamente ilegal.
24º - Por outro lado, contrariamente ao que é entendido pelo Recorrido Município de Alcácer do Sal, a construção de um forno artesanal e chaminé não
consubstancia uma obra de escassa relevância urbanística, uma vez que não tem concretização no conceito genérico de “obra de escassa relevância
urbanística” previsto na alínea l) do artigo 2º do RJUE, nem sequer se subsume em qualquer das situações que se encontram concretamente plasmadas
no artigo 6º-A do RJUE.
25º - De qualquer forma, sempre se note que independentemente de se considerar que a construção em apreço constitui uma obra de escassa
relevância, sempre se concluirá pela sua ilegalidade: i) seja porque a construção, no caso de se considerar que não consubstancia obra de escassa
relevância urbanística, o que aqui, naturalmente se perfilha, não observa o necessário procedimento de controlo prévio, violando, assim, o disposto no
artigo 4º, nºs 1 e 2 do RJUE; ii) seja porque, considerando que se trata de obra de escassa relevância, ela não cumpre com as normas legais e
regulamentares concretamente aplicáveis, neste caso, o disposto no artigo 113º do RGEU, acabando, deste modo, por violar o preceituado no artigo 6º,
nº 8º do RJUE.
26º - Assim sendo, deveria o Tribunal recorrido, na sentença proferida, ter concluído, necessariamente, pela ilegalidade da construção, o que não logrou
fazer, tendo somente verificado que inexistia qualquer desconformidade entre aquela obra e a licença nº 46/2008, incorrendo, por isso, em erro de
julgamento.
27º - Porém, a desconformidade entre a obra e a licença existe de qualquer forma, pois que, tendo aquele forno e respetiva chaminé sido construídos no
âmbito do alpendre que foi objeto do competente licenciamento, fica claro que a Requerente pretendeu sujeitar algumas obras ao necessário controlo
prévio, e deixar outras em situação de evidente clandestinidade, talvez por antecipar que as mesmas não seriam passíveis de ser licenciadas nos termos
almejados.
28º - De facto, bem se compreende que se está aqui perante um projeto unitário da Requerente, consubstanciado na construção de um alpendre (incluído
no pedido de licenciamento) e ainda na instalação nesse alpendre de um forno artesanal e sua respetiva chaminé (excluídos do pedido de licenciamento
apresentado), tratando-se deste modo, de obras contemporâneas e indissociáveis entre si.
29º - Pelo que, tendo-se sujeitado umas obras a licenciamento e outras não, verifica-se, sem qualquer dúvida, que existe uma desconformidade entre
aquela licença e a obra que depois se verificou no local e que é discutida nos presentes autos, a qual redunda, de resto, na sua ilegalidade, pelo que, não
tendo assim sido decidido, viola a sentença recorrida o disposto nos artigos 4º, nºs 1 e 2, 6º, nº 8 e 93º do RJUE.
30º - Já relativamente à desconformidade da obra de construção em apreço com as disposições do RGEU, embora se verifique que o Tribunal a quo
venha concluir, pela observância da mesma, entende-se não ser de aceitar os fundamentos e a orientação seguida por este tribunal para concluir por
essa desconformidade.
31º - É que, reportando-nos ao caso específico dos presentes autos é possível verificar, que a construção do forno artesanal e da sua respetiva chaminé,
não respeita a regra constante do artigo 103º do RGEU, nem sequer consubstancia uma situação excecional que aquele normativo seja passível de
comportar.
32º - Pois que, desde logo, decorre do facto z) da factualidade constante da sentença recorrida que “entre o limite superior da chaminé, e o ponto mais
elevado do prédio da Autora, existe uma distância de aproximadamente quatro metros.”
33º - Quer isto dizer, portanto, que a chaminé construída no prédio contíguo ao da ora Recorrente situa-se cerca de 4 metros abaixo da parte mais
elevada do prédio da Recorrente, pelo que, desta forma, se confirma que a mesma não cumpre o parâmetro plasmado no artigo 113º quanto à “elevação
de 0,50 m acima da parte mais elevada dos prédios contíguos num raio de 10 metros”.
34º - Ora, verificando-se que aquela construção não cumpre a regra constante daquele preceito importa averiguar, se a situação em apreço nos presentes
autos é passível de consubstanciar uma exceção admitida pelo mesmo, sendo certo que tais exceções haverão sempre de respeitar a ratio e o sentido
daquela norma.
35º - Assim sendo, a aceitabilidade ou não de uma exceção ao artigo 113º exige sempre uma interpretação teleológica da norma, pois que, o que
importará aferir casuisticamente é se uma determinada construção, que não respeite os parâmetros concretamente estabelecidos naquele preceito,
cumpre, ainda assim o telos do preceito, isto é, se permite a defesa dos interesses que aquele visa tutelar em específico.
36º - Atendendo ao concreto teor do artigo 113º do RGEU, facilmente se conclui que a fixação pelo legislador de parâmetros métricos em relação à
própria habitação em que é instalada a chaminé e aos prédios contíguos num raio de 10 m tem por finalidade salvaguardar os interesses da coletividade,
e dos particulares, concretizados na salubridade, estética e segurança das edificações.
37º - Porém, no caso em presença, verifica-se que a construção daquele forno e respetiva chaminé não consubstancia uma situação de exceção com
cabimento neste preceito, pois que, atentas as suas características, no que concerne, nomeadamente, à natureza e localização face ao prédio da
Recorrente, constata-se que a mesma não permite salvaguardar a segurança, saúde e salubridade das edificações que a norma visa tutelar, já que,
conforme resulta da prova produzida nestes autos, são emitidos fumos escuros e em grande quantidade que são direcionados para a habitação da
Recorrente, em particular para a sua varanda/terraço.
38º - Desta forma, conclui-se, que a construção em apreço nos presentes autos, para além de ilegal, o que ficou anteriormente demonstrado, é
manifestamente irregular, porque viola o disposto no artigo 113º, porquanto, por um lado, não respeita a regra nele estabelecida, e por outro não configura
uma exceção compaginável com o espí-rito e finalidade daquele normativo.
39º - Esta constatação foi, aliás, perfilhada pelo Tribunal a quo, que concluiu que a construção incumpria, efetivamente, o artigo 113º do RGEU. Contudo,
veio o mesmo referir, nesta sequência, o Recorrido Município de Alcácer do Sal deveria desencadear um procedimento autónomo por forma a averiguar a
possibilidade de regularização da construção em conformidade com aquele preceito legal.
40º - Sucede que, conforme adiante se verá, a averiguação a que o Tribunal a quo alude já foi feita pelo Recorrido, tendo este concluído que a
regularização não era possível já que a mesma redundaria na transformação daquela chaminé numa construção desproporcionada em termos estéticos e
instável a nível estrutural, como se retira, mormente, do teor da informação dada como provada no facto v).
41º - Ora, perante a irregularidade detetada, o Tribunal a quo deveria, desde logo, ter determinado a demolição da obra, já que resultava do processo
administrativo que a regularização não era possível, sendo que, por não ter retirado estas consequências da constatação da irregularidade da obra,
incorreu, assim, em erro de julgamento que importa a violação do artigo 102º, nº 1, alínea e) do RJUE.
42º - Por outro lado, o Tribunal a quo incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar que a violação do artigo 113º do RGEU não se revelava
suficiente para se concluir pela violação dos direitos invocados pela Recorrente à propriedade, à saúde, a um ambiente de vida sadio e equilibrado, à
qualidade de vida e à salubridade.
43º - Pois que, se torna evidente que atenta a natureza e localização do forno artesanal e da chaminé relativamente ao prédio da ora Recorrente, os
direitos invocados pela Recorrente resultam manifesta e irremediavelmente prejudicados por via daquela construção ilegal e, de resto, irregular.
44º - É que, importará sublinhar, para estes efeitos, a flagrante proximidade daquele forno artesanal e da chaminé com a habitação da Recorrente, que
dado o seu escopo tendente à emissão de fumos poluentes acaba por comprimir, sem qualquer fundamento ou legitimidade, o seu direito de propriedade
que, como sabemos, consubstancia o direito real pleno de usar, fruir e dispor de determinada coisa.
45º - Pois que, se torna evidente que, por via daquela construção, a Recorrente deixa de poder usufruir, de forma plena, de todos os espaços da casa, em
particular, da sua varanda, seja quando a chaminé é efetivamente utilizada, seja até mesmo na circunstância em que não o é, porque, nesse caso, existe
sempre o receio de a chaminé vir a ser utilizada, o que, naturalmente, acaba por condicionar a livre fruição da sua habitação.
46º - Ademais, conforme resulta, de resto, do senso comum, uma chaminé que apresenta tal proximidade e altura em face da propriedade da Recorrente,
por ser manifestamente ilegal e irregular, sempre acarreta, necessariamente, a violação dos direitos da Recorrente à saúde, a um ambiente de vida sadio
e equilibrado, à qualidade de vida e à salubridade que resultam do disposto no artigo 66º da Constituição, já que os fumos poluentes que são expelidos
pela chaminé são diretamente direcionados para a habitação da Recorrente, nomeadamente, para o seu interior, sendo que o facto de apenas se ter
provado que a chaminé só funcionou uma vez não poderá obstar a esta conclusão e à aplicação das devidas consequências legais.
47º - Posto isto conclui-se que, os direitos da Recorrente à propriedade, à saúde, a um ambiente de vida sadio e equilibrado, à qualidade de vida e à
salubridade foram, e podem continuar a ser violados pela construção em apreço nos presentes autos, pelo que, não o tendo o considerado, incorreu o
Tribunal recorrido em erro de julgamento, violando a sentença recorrida, desta forma, o disposto no artigo 1305º do Código Civil e ainda o artigo 66º da
Constituição da República Portuguesa.
48º - Depois, verifica-se ainda que o Tribunal a quo incorreu em notório erro de julgamento ao ter condenado o Recorrido Município de Alcácer do Sal, na
sequência da constatada desconformidade da obra em apreço nos autos com o artigo 113º do RGEU, a adotar as condutas necessárias à reposição da
legalidade urbanística, pois que deveria ter, desde logo, condenado aquela edilidade à demolição da obra.
49º - Na verdade, ficou por demais demonstrado nos autos que a obra de construção em apreço, não cumpre os parâmetros métricos constantes no
artigo 113º do RGEU, nem sequer configura uma situação excecional que tenha respaldo naquele normativo uma vez que, dadas as suas características,
não é passível de assegurar os interesses de segurança, salubridade e estética nela visados.
50º - De resto, será de notar que esta patente irregularidade da obra foi, desde logo, assumida pelo Recorrido Município de Alcácer do Sal, no âmbito do
processo camarário, e após ter sido realizada a segunda vistoria à construção (cfr. ofício 1108, de 21 de julho de 2011 e junto como Doc. 4 à Petição
Inicial), e ainda confirmada pelo Tribunal a quo na sentença proferida (cfr. página 21 da sentença).
51º - Sucede que, resulta, de facto, evidente dos presentes autos que a regularização desta construção em conformidade com o disposto no artigo 113º
do RGEU não se afigura de todo possível, porquanto a mesma traduzir-se-ia numa edificação instável, em termos estruturais, e esteticamente
desproporcionada, e por isso manifestamente inviável (cfr. informação da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Alcácer
do Sal, datada de 29 de junho de 2011).
52º - Posto isto, não restam, dúvidas de que se verificam todos os necessários pressupostos para se entender que o Tribunal a quo estava
verdadeiramente vinculado a determinar, na sentença proferida, a condenação do Recorrido Município de Alcácer do Sal à demolição da obra em
discussão nestes autos, a saber: i) a obra não cumpre com a regra do artigo 113º do RGEU; ii) a obra não é suscetível de regularização; iii) a obra não
consubstancia exceção admitida pelo artigo 113º.
53º - Ora, não tendo assim considerado, quando detinha todos os elementos necessários para o efeito, incorreu o Tribunal a quo em manifesto erro de
julgamento, que se traduz na violação do disposto no artigo 102º, nº 1, alínea e) do RJUE e, de resto, na violação dos direitos invocados pela Recorrente.
54º - Por fim, e derradeiramente, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento ao não ter considerado preenchidos os pressupostos da
responsabilidade civil por danos não patrimoniais e, assim, ao não ter condenado o aqui Recorrido Município de Alcácer do Sal ao pagamento da justa
indemnização.
55º - Pois que, de facto, inexistem dúvidas que a violação dos direitos da Recorrente à propriedade, saúde, salubridade redunda na atribuição à ora
Recorrente de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que esta tem vindo a sofrer ao longo destes anos a propósito daquela construção que é
claramente ilegal e irregular.
56º - Encontram-se, portanto, verificados, no caso concreto, os pressupostos constantes do art. 7º, nº 1 do Regime da Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas em conjugação com o artigo 483º do CCivil, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de
causalidade entre o facto ilícito e o dano.
57º - Assim, e desde logo, quanto ao facto ilícito, torna-se evidente que se verificou por parte do Recorrido Município de Alcácer do Sal uma omissão
ilegal por se ter abstido de promover todas as necessárias condutas tendentes ao respeito pelas normas legais e regulamentares aplicáveis à operação
urbanística em apreço nos presentes autos, compadecendo-se, ademais, com a situação de irregularidade patente.
58º - Já no que concerne à culpa, aplica-se o disposto no artigo 10º, nº 2 do Regime já aludido, o qual estabelece que “Sem prejuízo da demonstração de
dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.”, concluindo-se, nestes termos, pela existência de culpa
por parte do Recorrido.
59º - No que respeita aos danos não patrimoniais é preciso notar que toda esta situação que permanece sem solução à vista há mais de 8 anos provocou
e continua a provocar grande ansiedade, preocupação e graves problemas de saúde à ora Recorrida, sendo que, conforme resulta da prova produzida
nestes autos, mormente, em audiência de julgamento, a mesma deixou de dormir, passou a ser acompanhada por um cardiologista e desde então
aumentou substancialmente a sua medicação.
60º - Por fim, no que concerne ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos produzidos fica demonstrado nos autos que, de facto, todo este
grave quadro sintomático se verificou desde que a Recorrente tomou conhecimento da construção em apreço nestes autos e consciência dos efeitos que
a mesma acarretaria para a sua vida, encontrando-se, por isso, igualmente preenchido este pressuposto.
61º - O Tribunal a quo incorreu, assim, nesta matéria, em manifesto erro de julgamento ao não ter considerado preenchidos os pressupostos da
responsabilidade civil que nos presentes autos cabia apreciar, os quais se verificam efetiva e cumulativamente neste caso, tendo, deste modo, violado o
disposto no artigo 7º, nº 1 do Regime de Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas e ainda o artigo 483º do Código Civil.
62º - Face a tudo quanto exposto, é, deste modo, manifesta a total procedência do presente recurso, devendo ser alterada a decisão proferida pelo
Tribunal a quo sobre a matéria de facto, e ainda sobre a matéria de direito, reconhecendo-se, deste modo, a violação dos direitos da ora Recorrente, a
violação das normas legais e regulamentares aplicáveis, e condenando-se, em consequência, o aqui Recorrido Município de Alcácer do Sal à demolição
desta obra e ao pagamento à Recorrente da indemnização devida por danos não patrimoniais.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas, os Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado
procedente, por provado, e em consequência:
a) Ser alterada a matéria de facto julgada como provada, aditando os factos enunciados nas conclusões 4ª, 6ª, 8ª e 10ª das presentes Alegações;
b) Ser a sentença recorrida revogada, e substituída por decisão que julgue totalmente procedente a ação intentada pela Recorrente, condenando-se, em
consequência, o Recorrido Município de Alcácer do Sal:
i) Ao reconhecimento dos direitos da Autora à propriedade, à saúde, a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida e à
salubridade, coartados por via da construção ilegal de uma chaminé e de um forno artesanal no imóvel contíguo à sua propriedade, ao arrepio dos mais
elementares princípios urbanísticos;
ii) À adoção das condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos violados, por via da adoção de todos os atos e condutas tendentes a proceder à
demolição da construção em causa; e
iii) Ao pagamento de uma indemnização à Autora, a título de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa, no valor
de € 5.000 para ressarcimento dos danos não patrimoniais por ela sofridos.”

O Recorrido/Município veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 4 de novembro de 2019, tendo concluído:
“A. O facto de o Município, aqui Recorrido, ter admitido que a chaminé não cumpria a regra prevista no artigo 113º do RGEU, não significa
necessariamente a violação da lei.
B. O que também se encontra sustentado na sentença proferida pelo Tribunal a quo, e que aqui se reproduz, se acompanha e se deve manter:
“(…) Aquela norma estabelece claramente que a regra deve ser a elevação das condutas de fumo em mais de 0,50 metros acima da parte mais elevada
das coberturas do prédio, isto é, de todas as coberturas do prédio em que se insere a conduta de fumo em apreciação, mas também, das coberturas das
edificações contíguas existentes num raio de 10 metros.
O que significa que, no caso em apreciação nos presentes autos, a chaminé em causa não cumpre a regra estabelecida naquela norma uma vez que não
se eleva mais de 0,50 metros acima das demais coberturas do prédio em que se encontra implantada, nem da cobertura da moradia existente no prédio
da Autora, situada a menos de 10 metros da própria chaminé.
É verdade que, prevendo a norma aquela altura mínima acima das coberturas do prédio e das edificações existentes num raio de 10 metros como sendo
a regra, terá que se admitir a possibilidade existirem situações excecionais, fora da regra, em que aquelas condições possam não ser observadas sem
que tal implique a violação do art.º 113.º do RGEU. (…)”
C. O artigo 113º do RGEU admite exceções;
D. A apreciação que tem que ser efetuada da chaminé passa pela sua utilização e características da mesma, ou seja não estamos perante uma situação
de utilização contínua da chaminé como se de uma cozinha se tratasse, muito menos intensiva, de uma churrasqueira comercial.
E. Trata-se de uma chaminé de um barbecue e forno de utilização esporádica e lúdica.
F. A altura da chaminé aqui em causa, para dar cumprimento ao RGEU era efetivamente manifestamente desproporcionada à sua função, como aliás
ficou provado pelas testemunhas e transcrito pela A., pag 15 -16(Arqtº J…. e Eng.º A.....),
G. E como prevê o artigo 113º do RGEU “As condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0,50m acima da parte mais elevada das coberturas
do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros. As bocas não deverão distar menos de 1,50m de quaisquer vãos de
compartimentos de habitação e serão facilmente acessíveis para limpeza.”
H. A presente situação reveste um caracter excecional, o que não acarreta a sua inviabilidade de legalização tendo em consideração que a mesma,
dadas as suas características e utilização não põe em causa a saúde ou salubridade de terceiros.
I. Uma chaminé com a altura de 6/7m e para a função a que se destina (barbecue) é manifestamente excessiva.
J. Pode prescindir-se do cumprimento da regra prevista no artigo 113º do RGEU, designadamente de elevar-se, … em regra, pelo menos, 0,50m acima da
parte mais elevada das coberturas (…), das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros
K. O que foi, e bem, sustentado na douta sentença aqui sob recurso, a qual, atendendo às circunstancias concretas da situação em apreço, assim como
às características da chaminé, a sua normal utilização e
L. A ponderação de interesses em causa determinou que fossem adotadas medidas que minimizassem a possibilidade de provocar quaisquer situações
mais incomodas a terceiros.
M. Mesmo que o Tribunal considere que se deva dar como facto provado que: “A correção da chaminé para efeitos do cumprimento do disposto no artigo
113º do RGEU não é possível porque a tornaria esteticamente desproporcionada e estruturalmente instável”, como pretende a A., tal
N. Não significa que a impossibilidade de cumprimento do RGEU seja, no caso em concreto, motivo de ilegalidade.
O. Não podemos, nem pode o Tribunal extrapolar que pelo facto de ter existido uma suposta vez que a chaminé expeliu fumos que passará sempre a
emitir fumos escuros em grandes quantidades e liberta cheiros intensos.
P. Apenas o marido da A. identificou uma única vez a suposta emissão de fumos.
Nunca foi visto qualquer emissão de fumos pelas testemunhas, ou sequer pelos hóspedes do alojamento local que estiveram no local durante o ano de
2018.
Q. Assim como considerar-se que “o funcionamento do forno artesanal, e respetiva chaminé impossibilitam a fruição da varanda e os fumos entram dentro
de casa” como pretende a A. não sem fundamento pois tal nunca aconteceu, nem ficou provado,
R. Alem de que a A. nunca viveu, nem vive no local, pelo que o que alega nunca seria suscetível de causar qualquer diminuição dos seus direitos à
saúde, a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado à qualidade de vida e salubridade.
S. Da prova produzida apenas resultou provado que a A. era uma pessoa nervosa, ansiosa e exigente. Não se provou qualquer facto de que se possa
concluir que esses estados tenham sido provocados ou sequer agravados pela simples existência daquela construção.
T. Não foi apresentado um único relatório médico que demonstrasse que a A. Sofreu problemas de saúde em consequência da… existência da chaminé
no prédio vizinho
U. O único testemunho apresentado sobre os factos relativos à saúde da A. apenas foi prestado pelo marido da mesma, o qual tem interesse direto no
desfecho da ação e no caso de ser determinada ou não uma indemnização a conceder à A.
V. Não deve ser alterada, aditada ou ampliada a matéria de facto dada como provada, atendendo os fundamentos supra expostos.
W. A obra em causa tem acolhimento no disposto na alínea e) no n.º 1 do artigo 6-A, do RJUE, que prevê “A edificação de equipamento lúdico ou de lazer
associado a edificação principal com área inferior à desta última”
X. Aliás, ao contrário do afirmado pela Recorrente, a obra em questão não tem qualquer impacte urbanístico;
Y. Tal como o não tem um fogareiro, grelhador ou barbecue, que pela sua utilização, idêntica à da obra em causa, se destina a fins esporádicos e lúdicos.
Z. O mesmo se aplicando à chaminé, que se destina à evacuação dos fumos dos equipamentos de uso esporádico e lúdico.
AA. Ao contrário do que teima em afirmar a recorrente, sendo esta uma obra se escassa relevância urbanística, não está a mesma sujeita a controlo
prévio (crf. alínea c) n.º 1 artigo 6º do RJUE);
BB. Não tendo por isso havido qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
CC. O Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização de Alcácer do Sal, n.º 136/2016, de 8 de fevereiro de 2016, só entrou em vigor após a
propositura da ação, muito menos estaria em vigor à data das reclamações apresentadas pela Recorrente;
DD. Não se podendo por isso aplicar à obra em causa;
EE. Não obstante, e por mero dever de patrocínio veja-se “(…) estabelece a alínea k) do artigo 2º do referido Regulamento Municipal que se entende por
equipamento lúdico e de lazer todo o “equipamento (…), associado a edifício principal e que não ultrapasse a área deste, destinado a utilização privativa
para recreio e prática de atividades lúdicas ou desportivas e que não seja utilizado com fins comerciais ou de prestação de serviços.”
FF. Ora, no referido normativo se lê que equipamento lúdico é aquele que é destinado a utilização privativa para recreio e prática de atividades lúdicas e
que não seja utilizado com fins comerciais ou de prestação de serviços, o que, caberia perfeitamente na obra em causa.
GG. Porém, e como já atras foi referido, o Regulamento não estava em vigor é data das reclamações apresentadas pela Recorrente, o que de acordo
com o princípio do tempus regit actum, não pode ser aplicado, nem extrapoladas as suas regras à presente situação.
HH.Não logrando à Recorrente provar o contrário, pese embora o seu esforço.
II. A redação do artigo 113º do RGEU, que prevê:
“As condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0,50m acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações
contíguas existentes num raio de 10 metros. As bocas não deverão distar menos de 1,50m de quaisquer vãos de compartimentos de habitação e serão
facilmente acessíveis para limpeza.”
JJ. O supra transcrito normativo dever ser interpretado na sua totalidade, e não apenas na parte que mais interessa à Recorrente,
KK. Tal como consta da alínea y) da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a segunda parte do artigo 113º e que se refere que às
bocas das condutas que não deverão distar menos de 1,50m de quaisquer vãos de compartimentos de habitação, o que no caso das obras em apreço,
está cumprido
LL. Foi da fiscalização que o Município fez na obra em causa, que resultou que a mesma, por ser obra de escassa relevância urbanística, não carecia de
licenciamento, motivo pelo qual foi dado cumprimento ao previsto no artigo 93º do RJUE.
MM. A recorrente apenas afirma que entende que a obra em questão não é passível de consubstanciar uma exceção admitida pelo artigo 113º do RGEU,
não provando o porquê da sua afirmação.
NN. Aliás afirma ainda a recorrente que “(…)a distância que medeia a construção do prédio da Recorrente é diminuta”, o que como a mesma bem sabe,
não corresponde à verdade, bastando para isso ler a alínea y) da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
OO. Motivo pelo qual estas obras se conformam em absoluto com a parte final do artigo 113º do RGEU, ao contrário do afirmado pela Recorrente. A única
testemunha a afirmar que a chaminé emite fumos, e que apenas os emitiu uma única vez, foi L....., marido da Recorrente, que pela sua relação familiar
com a mesma, salvo o devido respeito, não terá a isenção necessária, dado que o mesmo tem interesse direto no desfecho da presente ação.
PP. Nem a Recorrente, nem o seu marido residem em Alcácer do Sal, nem nunca residiram, conforme consta da alínea cc) da matéria de facto dada
como provada pelo Tribunal a quo.
QQ. Não sendo a construção ilegal, e sendo como já atrás se demonstrou uma obra de escassa relevância urbanística, não haveria, como não houve,
qualquer razão para o Tribunal a quo, impor a demolição da construção.
RR. Não obstante, sempre podem ser adotadas as medidas previstas no artigo 114º do RGEU, «As chaminés de instalações cujo funcionamento possa
constituir causa de insalubridade ou de outros prejuízos para as edificações vizinhas serão providas dos dispositivos necessários para remediar estes
inconvenientes”
SS. Para haver responsabilidade civil do estado e demais entidades públicas têm que estar verificados os pressupostos referidos no artigo 483º do
Código Civil,
TT. Não estão verificados os pressupostos para ao contrário do alegado pela Recorrente, porquanto:
Não existiu qualquer conduta omissiva por parte do Município, o qual diligenciou face às reclamações apresentadas, realizando as vistorias, elaborando
as informações técnicas e delas dando conhecimento à A., ora Recorrente, e tal como consta vertido na matéria de facto dada como provada pelo
Tribunal a quo
UU. Não foi provado pela A. / Recorrente a existência de danos não patrimoniais muito menos qualquer nexo de causalidade entre o suposto estado de
saúde da A e a construção da chaminé em causa.
VV. Na verdade, não se pode exigir a demolição de uma construção, máxime, a chaminé aqui em causa, só pelo simples facto da possibilidade de esta vir
a produzir fumos.
Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 1022/2006-2 de 17.05.2007, disponível em www.dgsi.pt que:
“(…) Não são, pois, todas as emissões que podem ser proibidas, mas, apenas, aquelas que, em alternativa:
- ou importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel;
- ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela ([5]) que «exigindo-se um prejuízo substancial, põe-se de lado as emissões que produzem um dano não
essencial. O prejuízo deve ser apreciado, além disso, objetivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio, e não segundo a sensibilidade do
dono». Já o «uso normal do prédio depende do seu destino económico, que deve ser também apreciado objetivamente e em relação a cada caso».
Quanto às emissões desnecessárias, seja qual for o prejuízo que causem aos prédios vizinhos, devem considerar-se sempre ilícitas, quer porque
traduzem uso anormal do prédio de que emanam, quer porque envolvem, na maior parte dos casos, um abuso de direito.”
WW. Também, o acórdão da Relação do Porto, de 02.03.2015, disponível em www.dgsi.pt refere que:
“(…) De tudo quanto temos dito, decorre para nós (e como os exemplos iniciais, salvo melhor saber, logo evidenciavam) que que as normas públicas
chamadas a terreno, no caso as normas regulamentares do RGEU, por si só ou em si mesmas, nunca resolvem o problema, mesmo que se admita que,
só elas e em determinado caso concreto, já provem a ilicitude (do comportamento, tido por quem construiu, violador da norma), uma vez que sempre será
necessário que os factos apurados integrem/preencham as previsões do direito privado, ou seja – e no que importa – o disposto no artigo 1346 ou o
disposto no artigo 483, ambos do CC. E mesmo que se admita a aplicação direta dos Direitos Fundamentais (dos direitos de personalidade e do seu
confronto com o direito de propriedade), essa aplicação terá de ocorrer com o preenchimento das aludidas normas de direito privado.
(…)
Dito de outro modo: quer haja autorização administrativa, quer esta seja dispensável e haja ou não violação do RGEU, e mesmo que daí se retire a
ilicitude do comportamento do vizinho infrator, sempre será necessário preencher as previsões do direito civil privado para se eliminar, afastar ou reparar
o prejuízo, o dano. Por isso, e necessariamente, é sempre preciso que esse dano ocorra.
(...)”
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deve recurso apresentado pela
Recorrente ser julgado improcedente, por não provado, e em consequência:
a) Manter-se a matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal a quo;
b) Ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com todas as legais consequências.”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 24 de setembro de 2019.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 14 de novembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo
submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de verificar se a controvertida chaminé edificada
se mostra suscetível de vir a ser autorizada ou licenciada, e sendo caso disso, se justificará a sua demolição, mostrando-se o Recurso
balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi
Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto


O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“a) A Autora é proprietária de um prédio urbano sito na antiga …, inscrito na matriz predial da Freguesia de Santa Maria do castelo, …, sob o art.º 5…. fracção A; cfr doc
junto pela Autora com o requerimento de fls 269,
b) Em 14.01.1994, o prédio urbano situado na antiga …, Alcácer do Sal, então inscrito sob o art.º 3…. na matriz predial da Freguesia de Santiago foi registado em nome
de E..... e de L....., por partilha; Cfr doc de fls 9 do processo administrativo junto aos autos
c) Em 25.10.2002, ½ do prédio urbano situado na antiga ..., Alcácer do Sal, então inscrito sob o art.º 3…. na matriz predial da Freguesia de Santiago foi registado em
nome da Ré L....., por sucessão testamentária; Cfr doc de fls 9 do processo administrativo junto aos autos
d) Em 21.04.2011, o prédio urbano situado na antiga ..., Alcácer do Sal, então inscrito sob o art.º 3… na matriz predial da Freguesia de Santiago, composto de rés-do-
chão, 1.º andar e logradouro, destinado a habitação, foi registado em nome de A....., por doação de L.....; cfr doc junto pela Autora com o requerimento de fls 269,
e) Este prédio confronta a sul com o prédio da Autora, a norte com a Rua …, e a Ponte com a Estrada Nacional n.º ….; cfr doc junto pela Autora com o requerimento de fls 269, e
doc de fls 9 do processo administrativo, constituídos pelo registo predial do prédio do qual consta a sua composição e todas as suas confrontações.
f) Em 21.08.2007, deu entrada nos serviços do Réu Município de Alcácer do Sal requerimento da Ré L..... solicitando autorização para obra de “construção de um muro,
abertura de porta e portão e…… alpendre”, no prédio indicado nas anteriores alíneas b), c) e d); Cfr doc de fls 7 a 13 do processo administrativo
g) A tal requerimento foi junto um documento com a memória descritiva e justificativa da obra, com o seguinte teor:
“A presente Memória Descritiva e Justificativa diz respeito ao Projecto de Arquitectura para a Obra de Construção Civil que a requerente, L....., pretende levar a efeito no Prédio Urbano sito na ..., Alcácer do
Sal, de que é proprietária.
A obra decorre do processo de partilhas que determinou a divisão de um prédio urbano existente constituído por uma Habitação Unifamiliar, Casão Agrícola e Logradouro, em dois prédios urbanos
autónomos, constituídos por uma Habitação Unifamiliar com logradouro e por um Casão Agrícola com logradouro.
A presente pretensão prevê:
. A construção de um muro a dividir os dois prédios
. A alteração do muro exterior de acesso ao logradouro da Habitação Unifamiliar, com abertura de uma porta e de um portão para acesso de veículos automóveis
. A construção de um pequeno alpendre com 21,00 M2 de área bruta de construção no estremo oeste da parcela.
O Alpendre terá estrutura em betão armado, alvenarias de tijolo de barro furado, rebocado e pintado de branco, e cobertura em telha de barro de cor vermelha assente em ripado de betão.
O Pavimento será executado em betonilha afagada para eventual posterior assentamento de pavimento cerâmico conforme decisão do dono da obra.
O Muro de divisão das duas propriedades será construído em tijolos de barro rebocado e pintado de branco, com soco pintado de cinzento claro, à semelhança do soco da habitação existente.
O muro exterior e os portões propostos serão idênticos ao muro e ao portão existente que confrontam com a EN 253.
Em tudo mais serão observadas as normas e as disposições regulamentares em vigor, nomeadamente o PDM de Alcácer do Sal.”; Cfr doc de fls 9 do processo administrativo
h) Com data de 11.01.2008, os serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal prestaram informação sobre aquela pretensão, com o seguinte teor:
“Pretende-se a construção de um alpendre a tardoz do logradouro que será dividido por questões de partilha entre herdeiros.
Trata-se de uma construção muito simples com a utilização de materiais correntes.
Inserindo-se o prédio em área urbana consolidada, não se vê inconveniente no deferimento, dado ficarem salvaguardados todos os aspectos legais e regulamentares aplicáveis.
Convirá informar a interessada de que se pretender dividir o prédio em duas parcelas autónomas, terá que solicitar um pedido de destaque, nos termos previstos no n.º 4, do art.º 5.º do actual RJUE.
Dada a simplicidade da obra deverá apresentar somente projecto de estruturas.”; Cfr doc de fls 13 do processo administrativo
i) Com data de 16.01.2008, pelo presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, foi proferido despacho de deferimento daquele requerimento, nos termos da
informação antecedente; Cfr doc de fls 13 do processo administrativo
j) Em 18.02.2008, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal Memória Descritiva e Justificativa respeitante àquela pretensão construtiva, com o
seguinte teor:
“A presente Memória Descritiva e Justificativa diz respeito ao Estudo para a Estrutura da Obra de Construção Civil que a requerente, L....., pretende levar a efeito no Prédio Urbano sito na ..., Alcácer do Sal,
de que é proprietária.
O presente estudo é composto por uma Planta de Fundações, uma Planta de Distribuição de Pilares, assim como os pormenores relativos à execução das Sapatas, Pilares e Vigas.
Face às características da obra – um pequeno telheito anexo ao muro existente – considera-se que as peças gráficas agora disponibilizadas são suficientes para a aprovação do projecto e para a correcta
execução dos trabalhos de construção civil.
Em tudo o mais serão observadas as normas e as disposições regulamentares em vigor, nomeadamente o PDM de Alcácer do Sal.”; Cfr doc de fls 16 a 18 do processo administrativo
k) Com data de 20.02.2008, sobre informação dos serviços respeitante à pretensão construtiva em questão, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Os proj. especialidades estão aprovados, de acordo com a informação. Comunicar ao requerente as condicionantes da informação.”; Cfr doc de fls 21 do processo administrativo
l) Com data de 13.03.2008, os serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal prestaram informação naquele procedimento, com o seguinte teor:
“O processo encontra-se agora completamente instruído, estando conforme.
Tem despacho favorável de 16.01.2008, e de 20.02.2008.
Pode emitir-se o alvará, logo que requerido, informando o que é salientado no parecer da DOM e liquidado as taxas que sejam devidas; Cfr doc de fls 27 do processo administrativo
m) Com data de 17.03.2008, sobre essa informação, foi aposto despacho com o seguinte teor:
“Deferido c/ base na informação”; Cfr doc de fls 27 do processo administrativo
n) Em 29.04.2008, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, requerimento de L....., pedindo a emissão do alvará de construção de alpendre e
abertura de porta e portão; Cfr doc de fls 48 do processo administrativo

o) Com a mesma data, sobre esse requerimento, foi aposto despacho de deferimento, pelo presidente da Câmara Municipal; Cfr doc de fls 48 do processo administrativo

p) Em 06.08.2008, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, requerimento de L....., pedindo a concessão de alvará de licença de utilização do
que foi licenciado a coberto da licença de obras n.º … datada de 29.04.2008, emitida na sequência do procedimento n.º …/2007; Cfr doc de fls 67, 68 e 69 do processo
administrativo
q) Com data de 22.08.2008, foi aposto despacho de deferimento sobre esse requerimento, pelo presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal; Cfr doc de fls 67 do
processo administrativo
r) Em 21.09.2010, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, carta da Autora com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
Cfr doc de fls 72 do processo administrativo
s) Em 21.10.2010, os técnicos da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, Engº A....., Arqtº J..... e Arqª I....., procederam a uma vistoria àquele local, tendo elaborado auto
com o seguinte teor:
“Na sequência da vistoria municipal ao prédio sito na estrada nacional 5, n.º 6 em Alcácer do Sal por motivo de denúncia de obra clandestina apresentada por escrito pela munícipe M..... contra a sua vizinha
L....., verificou esta comissão de vistorias que a obra em causa foi objecto de licenciamento municipal conforme processo de obras n.º …/2007 tendo sido emitido o alvará de obras d construção n.º …/2008,
tendo sido executada de acordo com o projecto aprovado, com as condições de licenciamento e com o uso previsto na licença de construção sendo dada por concluída pelo serviço de fiscalização de obras e
despacho favorável do Sr presidente da Câmara Municipal datado de 22.08.2008.
Estando a obra concluída e devidamente licenciada (h)á cerca de dois anos e apresentada queixa a 20/09/2010 com base em pressupostos que não se verificam no local, designadamente, como referido na carta
“sito”:
(…) existe uma construção edificada recentemente.”
(…) está construída exactamente na parede do meu prédio”
(…) estrutura que se crê ser clandestina e carente de qualquer autorização”
Do exposto considera esta comissão de vistorias municipal não existir fundamento que suporte a denúncia apresentada.” Cfr doc de fls 79 do processo administrativo
t) Em 08.02.2011, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, requerimento da Autora, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
Cfr doc de fls 91 do processo administrativo
u) Com data de 23.02.2011, os serviços de fiscalização de obras da Câmara Municipal de Alcácer do Sal prestaram informação com o seguinte teor:
“De acordo com despacho do Sr Chefe de Divisão de 21.02.2011 deslocaram-se estes Serviços de Fiscalização ao local e informamos que dentro do telheiro devidamente autorizado foi construído um forno
artesanal, um lava-louça e um barbecue com cerca de 1 m2, parece ser obras de pouca relevância, no entanto deixo à consideração do Sr Chefe de Divisão; Cfr doc de fls 95 do processo administrativo
v) Com data de 29.06.2011, os serviços da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, elaboraram informação, com o
seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
Cfr doc de fls 109 a 111 do processo administrativo
w) Em data não determinada, foi implantada debaixo do telheiro contruído ao abrigo do processo de obras n.º …./2007, com respeito a prédio urbano inscrito na matriz
predial sob o art.º 3….., e descrito no registo predial sob o n.º 6…./19900906, e confinante com o prédio da Autora, uma bancada com lava louça, um forno e uma
churrasqueira ligados a uma chaminé; Cfr informação escrita do funcionário do sector de fiscalização de obras de 23.02.2011, que atesta a existência dessas estruturas em visita ao local em
21.02.2011, conjugada com as fotografias do local anexas a tal informação, a fls 93, e 94 do processo administrativo, .
x) Essa chaminé eleva-se até cerca de 2 metros acima da superfície do terraço do prédio da Autora, e entre 0,50 metros e 2 metros acima da cobertura do telheiro; Cfr doc
3 junto com a contestação do Réu Município, constituído por um desenho do local, com referências às distâncias entre vários pontos, nomeadamente, à distância entre o limite da chaminé e a grade da varanda,
cuja autoria foi assumida pela testemunha Jorge Alexandre Ferreira Dias, arquitecto da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, e que em audiência explicou o desenho, bem como de acordo com o que é visível
nas fotografias do local juntas também com a mesma contestação, conjugadas com o depoimento da testemunha Gonçalo Nuno de Matos Henriques, que esteve no local no âmbito das suas funções de consultor
de alojamento local, que referiu que a chaminé fica a poucos metros da janela do quarto e à mesma altitude desta, e com o depoimento da testemunha L....., o qual neste ponto foi coincidente com os demais
depoimentos e com a restante prova documental, ao referir que a chaminé tem sensivelmente 1,5 metros acima do pavimento do terraço, e da testemunha A......; Dos mesmos elementos de prova documental –
desenhos e fotografias, nomeadamente a de fls 141 do processo administrativo, conclui-se que a altura da cobertura da moradia é maior do que a cobertura do telheiro e da própria chaminé.
y) O prédio da Autora, tem várias janelas em volta, que estão sensivelmente à mesma altura daquela a que ficam as saídas da chaminé, e entre esta a as janela do quarto
e porta de ligação ao terraço, há uma distância de entre três a cinco metros; doc 3 junto com a petição inicial, constituído por desenho e fotografias do local, e depoimentos da testemunha
G......, da testemunha J......, autor daquele desenho que falou em cerca de quatro metros entre esses dois pontos, da testemunha A......, que afirmou que os vãos estão a uma distância de ¾ metros da chaminé, e
da testemunha F......, que apontou para uma distância de 5/6 metros.
z) Entre o limite superior da chaminé, e o ponto mais elevado do prédio da Autora existe uma distância de aproximadamente quatro metros; doc 3 junto com a petição inicial,
constituído por desenho e fotografias do local, no qual é visível medição à escala dessa distância, com os depoimentos das testemunhas J......, A......, e F...... que afirmaram que para que a altura da chaminé,
que já tem dois metros acima do terraço, ultrapassasse a altura do ponto mais alto do prédio da Autora, teria que ficar com mais de seis metros de altura.
aa) A chaminé apenas expeliu fumo uma vez; Cfr depoimento da testemunha L....., marido da Autora que afirmou que apenas viu a chaminé deitar fumo por uma vez, afirmando ainda que depois de a
sua mulher se ter queixado desse fumo, os seus vizinhos deixaram de usá-la. Também a testemunha G......, que foi várias vezes ao local, nunca viu a chaminé a deitar fumo, e afirmou que o próprio marido da
Autora nunca lhe disse ter visto esse fumo a sair da chaminé. Assim como as demais testemunhas, que em todas as vezes que estiveram ou passaram no local nunca viram qualquer emissão de fumo, e viram
ainda, tal como o próprio marido da autora, que não existiam quaisquer vestígios de fumo ou de gorduras nas saídas da chaminé em questão. E ainda a circunstância de durante os meses de verão de 2018, em
que a casa já esteve a ser utilizadas por pelo menos duas famílias – facto relatado pela testemunha G....-, nunca ter existido qualquer queixa de emissão de qualquer fumo daquela chaminé.
bb) A Autora e o seu marido são pessoas, nervosas ansiosas e exigentes; Cfr depoimento da testemunha G......, contactado para fazer a promoção da casa para locação e para alojamento local,
o qual afirmou que através dos vários contactos que teve com aqueles acabou por ficar a conhecer essas suas características.
cc) A Autora e o seu marido vivem habitualmente em Sintra; Cfr depoimento da testemunha L....., marido da Autora, que afirmou que ambos vivem habitualmente em Sintra só se deslocando
esporadicamente a Alcácer do Sal, e do depoimento desta testemunha e da testemunha G......, que o seu propósito não é habitarem no local, mas sim, fazer a sua exploração económica através de locação e de
cedência para alojamento local “

IV – Do Direito
Desde logo, e no que aqui releva, consta do discurso fundamentador da Sentença Recorrida, o seguinte:
“(…) Da desconformidade da obra de construção com os termos da licença n.º 46/2008
Conforme decorre da matéria de facto provada, a licença de obras n.º …./2008, foi emitida no âmbito do procedimento de obras n.º …./2007. (Cfr alíneas f) a q) da matéria de
facto provada)
Este procedimento teve início em requerimento da Ré L....., com vista à obtenção de autorização de licença para uma obra de construção de um muro de divisão, de
alteração de um muro exterior com a abertura de uma porta e de um portão, e de um alpendre com uma área de 21 m2 de área bruta de construção. (Cfr alíneas f) a q) da
matéria de facto provada)
Foram essas obras que foram sendo objeto de instrução e de apreciação ao longo do procedimento, e foram essas as obras que acabaram por vir a ser licenciadas
através da licença n.º …./2008. (Cfr alíneas f) a q) da matéria de facto provada)
Assim, aquela licença não permitiu à Ré a construção de um forno artesanal, de uma churrasqueira, de um lava louça, e de uma chaminé dentro daquele alpendre, que
também nem sequer foi requerida ao Réu Município de Alcácer do Sal através do requerimento que deu origem ao procedimento de obras n.º …/2007.
Aquela licença não só não poderia servir de parâmetro de legalidade para aquelas construções, como também não poderia ter por elas sido violada, pois nada resultou
da matéria de facto provada que elas tenham sido requeridas, apreciadas e decididas, favorável ou desfavoravelmente, naquele procedimento e naquele ato de
licenciamento.
Não se vislumbra por isso qualquer desconformidade entre tais obras e a licença n.º 46/2008.
Da desconformidade da obra de construção com as disposições do RGEU
Dispõe o art.º 113.º do Regime Geral das Edificações Urbanas (RGEU) que “As condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0,50 m acima da parte mais
elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros. As bocas não deverão distar menis de 1,50 m de quaisquer
vãos de compartimentos de habitação e serão facilmente acessíveis para limpeza.”
Como decorre da matéria de facto provada, a chaminé em causa na presente ação eleva-se mais de 0,50 metros acima da cobertura do telheiro, mas não da cobertura da
própria habitação do prédio no qual foi construído o telheiro e a própria chaminé, nem da cobertura da moradia do prédio da Autora, contíguo àquele, e a menos de 10
metros de distância. (Cfr alíneas w), x), y) e z) da matéria de facto provada)
Aquela norma estabelece claramente que a regra deve ser a elevação das condutas de fumo em mais de 0,50 metros acima da parte mais elevada das coberturas do
prédio, isto é, de todas as coberturas do prédio em que se insere a conduta de fumo em apreciação, mas também, das coberturas das edificações contíguas existentes num
raio de 10 metros.
O que significa que, no caso em apreciação nos presentes autos, a chaminé em causa não cumpre a regra estabelecida naquela norma uma vez que não se eleva mais de
0,50 metros acima das demais coberturas do prédio em que se encontra implantada, nem da cobertura da moradia existente no prédio da Autora, situada a menos de 10
metros da própria chaminé.
É verdade que, prevendo a norma aquela altura mínima acima das coberturas do prédio e das edificações existentes num raio de 10 metros como sendo a regra, terá que
se admitir a possibilidade existirem situações excecionais, fora da regra, em que aquelas condições possam não ser observadas sem que tal implique a violação do art.º
113.º do RGEU.
Porém, o enquadramento de uma dada situação concreta naquelas exceções pressupõe um juízo prévio de ponderação de todos os interesses, públicos e privados,
envolvidos e protegidos pelo cumprimento de todas as normas do RGEU. Designadamente, de segurança, dos utilizadores dos prédios afetados pela chaminé e de toda a
comunidade, de estética, de higiene e de saúde pública.
Esse é um juízo que naturalmente cabe à Administração fazer, de acordo com as regras técnicas aplicáveis, apenas cabendo ao tribunal sindicá-lo nos seus aspetos
vinculados ou, nas suas eventuais ofensas aos princípios gerais aplicáveis a toda a atividade administrativa.
E esse é um juízo que deverá ser feito através de um procedimento específico, com a intervenção de todos os interessados, e no qual sejam ponderados todos esses
interesses, de maneira a que no final a Administração possa concluir, fundamentadamente, se numa determinada situação é possível a manutenção de uma determinada
chaminé com menos de 0,50 metros acima das coberturas existentes num raio de 10 metros, se é possível apenas com determinadas condicionantes técnicas e estéticas,
ou, no limite, se pura e simplesmente não é possível.
Ora, não foi feita qualquer prova de que tal tenha acontecido, o que significa que não se pode concluir que, no caso concreto, neste momento, a chaminé em causa possa
ser afastada da regra prevista no art.º 113.º do RGEU, e por isso, por não se encontrar elevada mais de 0,50 metros acima das coberturas existentes num raio de 10
metros, encontra-se em desconformidade com essa norma.
O que não significa que não seja suscetível de legalização nem que o seu desfecho tenha que ser inevitavelmente a sua demolição total, como adiante melhor se
explicitará.
Por outro lado, a possibilidade de as construções, realizadas conjuntamente ou posteriormente à construção do alpendre, esta autorizada por licença de construção,
poderem vir a ser consideradas obras de escassa relevância urbanística para efeitos do disposto no RJUE, não as isenta do cumprimento de todas as normas que lhe
sejam aplicáveis, nem as dispensa de qualquer ação de fiscalização com vista ao controlo da sua legalidade urbanística.
Efetivamente, e de acordo com o disposto no art.º 6.º n.º 1 c) do RJUE, as obras de escassa relevância urbanística, concretizadas no art.º 6.º A do mesmo diploma, estão
isentas de controlo prévio, mas, como decorre do n.º 8 daquele art.º 6.º, essa dispensa de controlo prévio, não as isenta da observância das normas legais e
regulamentares que lhe sejam aplicáveis.
De igual modo, essas operações, ainda que num primeiro momento isentas de controlo prévio, não ficam isentas de fiscalização, à posteriori.
Na verdade, e como se estabelece no art.º 93.º do RJUE, mesmo as obras isentas de controlo prévio, de prévio licenciamento, de comunicação prévia ou de autorização
de utilização, estão sujeitas a fiscalização administrativa.
Deste modo, perante qualquer denúncia ou perante qualquer outro modo de conhecimento de qualquer obra que suscite dúvidas sobre a sua conformidade com o quadro
legal e regulamentar em vigor, os órgãos e os serviços municipais competentes, estão obrigados a desenvolver as necessárias ações de fiscalização.
Aliás, só após terem sido concluídas essas ações de fiscalização podem esses serviços concluir se na verdade, uma determinada construção, pelas suas características,
poderia ou não ser enquadrada em qualquer das modalidades de obras de escassa relevância urbanística.
Isto é, antes de iniciar e concluir um procedimento de fiscalização de uma determinada construção, não se pode concluir, como pretende o Réu Município de Alcácer do
Sal, que uma determinada construção é uma obra de escassa relevância urbanística, e que, por isso, não viola nenhuma das disposições do RGEU.
Apenas se provou que os serviços de fiscalização se deslocaram ao local, e numa primeira visita, concluíram que as construções em causa não resultavam do ato de
licenciamento da construção do alpendre e que não haviam sido concluídas recentemente relativamente à data da denúncia, e numa segunda visita, apenas relataram a
existência de um forno artesanal, de um lava louça e de um “barbecue” dentro do telheiro, mas não de uma chaminé nem das suas características localização e
dimensões. (Cfr alíneas s) e u) da matéria de facto provada)
Assim, tendo em conta a matéria de facto provada, e em face do que acaba de se expor, terá que se concluir que as construções em causa na presente ação,
nomeadamente a chaminé, se encontram em desconformidade com o disposto no art.º 113.º do RGEU.
Adiante se verá, contudo, se tal é suficiente para a procedência de algum dos pedidos formulados pela Autora.
Da violação dos direitos da Autora à propriedade, à saúde, a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida, e à salubridade
A alegada violação destes direitos da Autora em consequência da construção em causa, não se mostra evidenciada pela matéria de facto que ficou provada.
Na verdade, a circunstância daquela chaminé não respeitar o art.º 113.º do RGEU é insuficiente para concluir pela violação de qualquer destes direitos na Autora.
Essa construção, por si só não coloca em causa o conteúdo do direito à propriedade da Autora sobre o seu imóvel, e, tendo ficado provado que a chaminé apenas expeliu
fumo uma vez (Cfr alínea aa) da matéria de facto provada), não se tendo provado a sua utilização após os seus proprietários terem sido advertidos pelo marido da Autora de que
o fumo prejudicava a utilização do prédio da Autora, e tendo ficado provado que esta não reside naquele local (Cfr alínea cc) da matéria de facto provada), tendo-o aliás
destinado a locação e alojamento local, não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer coartação dos seus direitos à saúde, a um ambiente de vida sadio e
ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida e à salubridade.
Da responsabilidade civil pela violação dos direitos da Autora
A obrigação de indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual decorre da verificação, cumulativa, de um conjunto de pressupostos, nomeadamente de
uma conduta ilícita, culposa, da existência de danos, e de uma imputação causal daquela conduta a estes danos.
Assim, basta que não se verifique um desses pressupostos para que não se verifique a obrigação de indemnização.
Ora, da mesma forma que a mera ilegalidade de um ato ou de uma omissão de um órgão administrativo são insuficientes para preencher o conceito de ilicitude que
constitui pressuposto da responsabilidade civil extra contratual dos entes públicos no exercício da função administrativa, também no caso concreto, qualquer omissão do
Réu Município de Alcácer do Sal no cumprimento rigoroso da sua função de fiscalização da legalidade urbanística, é insuficiente para preencher esse pressuposto de
ilicitude.
Isto porque, antes de se conhecerem os resultados dessa ação de fiscalização, não se pode dizer que dela resultaria inevitavelmente a ordem de demolição da chaminé em
causa, pois em face do princípio da proporcionalidade tal só poderia acontecer se a mesma for absolutamente insuscetível de legalização, mediante as necessárias obas
de adaptação às finalidades protegidas pela norma do RGEU por ela violada.
De resto, não resultou provada a emissão de fumo da chaminé, para além de uma única vez.
Por outro lado, apenas resultou provado que a Autora era uma pessoa nervosa, ansiosa e exigente (cfr alínea bb). Mas já não se provou qualquer facto de que se possa
concluir que essas características, ou esses estados tenham sido agravados substancialmente pela simples existência daquela construção, que como se disse, apenas terá
expelido fumo por uma única vez.
Não se nega que a insatisfação da Autora com aquela chaminé junto da sua varanda, associada à sua convicção de que a mesma não se encontra conforme ao RGEU, lhe
possam provocar algum tipo de desagrado, de insatisfação e de inquietação.
Porém, e perante a falta de prova de qualquer outro facto concreto demonstrativo do seu estado de ansiedade e preocupação e de que o mesmo tenha sido causado ou
agravado pela dita chaminé, já não se pode concluir sequer que esse estado seja suscetível de compensação por via de uma indemnização a pagar pelo Réu Município de
Alcácer do Sal.
Efetivamente, nos termos do art.º 496.º n.º 1 do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade,
mereçam a tutela do direito.”
Assim, haverá por isso danos não patrimoniais que, pela sua pouca gravidade, não justificam qualquer indemnização.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.”
Ora, não se vislumbra em que medida é que a simples existência daquela chaminé, ainda que construída em desconformidade com o RGEU, possa por si só ter causado à
Autora um “enorme estado de ansiedade e de preocupação, que tem tido graves reflexos ao nível fisiológico e psíquico.”
E nada de concreto foi provado que permita concluir que esses estados se ficaram a dever ou que foram substancialmente agravados pela construção daquela chaminé.
Aqui chegados, e uma vez feita a apreciação dos factos provados e do direito que lhes é aplicável, importa agora decidir se os pedidos formulados pela Autora deverão
proceder ou não.
Como se viu, não se provou que a mera construção da chaminé e do forno artesanal no prédio contíguo ao seu, associada à inércia do Réu Município de Alcácer do Sal
no desenvolvimento das necessárias diligências de fiscalização sobre a mesma tenha colocado em causa, nem muito menos coartado os direitos da Autora à propriedade,
à saúde, a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida e à salubridade.
Razão pela qual o seu primeiro pedido terá que ser julgado improcedente.
Concluiu-se também que a construção da chaminé em causa na presente ação se encontrava em desconformidade com a regra estabelecida no art.º 113.º do RGEU.
Contudo, a demolição das construções desconformes às regras urbanísticas é apenas uma das medidas de reposição da legalidade urbanística legalmente previstas no
RJUE.
Em face do princípio da proporcionalidade, bem como dos próprios art.sº 102.º A e 106.º desse diploma, ela apenas pode ser acionada quando as demais se revelaram
incapazes de promover a legalização da construção, ainda que com recurso à realização de trabalhos de correção ou de alteração dessa construção.
Neste quadro, só após a Autoridade Administrativa competente ter feito um juízo que conclua pela completa insusceptibilidade de legalização da construção ilegal, ainda
que com recurso a trabalhos de correção ou de alteração da mesma, é que se mostra legalmente possível determinar a sua demolição.
Assim, o segundo pedido formulado pela Autora apenas pode proceder parcialmente, condenando-se o Réu Município de Alcácer do Sal a adotar as condutas necessárias
à reposição da legalidade urbanística, nomeadamente, recorrendo ao procedimento de legalização previsto no art.º 102.º A do RJUE.
Quanto ao terceiro dos pedidos formulados, terá o mesmo que ser julgado improcedente, por falta de demonstração da verificação de todos os pressupostos de
responsabilidade civil extracontratual imputável ao Réu Município de Alcácer do Sal.”

Diga-se, desde logo, que a decisão proferida em 1ª instância procurou dirimir a controvertida questão, atenta a sua parca relevância em
termos urbanísticos, aliando o Direito ao bom-senso.

Em qualquer caso, se é certo que qualquer Grelhador ou fogareiro portátil poderá gerar idêntico incomodo, o que é facto é que mal se
compreende que alguém possa ser “obrigado” a ter uma chaminé, por assim dizer, “à janela”, independentemente da regularidade da
sua utilização.

Vejamos o suscitado
Da Alteração da matéria de Facto:
Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste TCAS nº 3373/07.0BELSB, de 05-05-2022, “I – Em sede de recurso jurisdicional o
tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que
ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
II - À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a
ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar
ou manifesto.”

Aqui chegados, sem necessidade de acrescida argumentação, refira-se que as alterações sugeridas recursivamente não lograriam, só
por si, alterar o sentido da decisão proferida, sendo que a matéria de facto fixada se mostra suficiente e adequada, atenta a
excecionalidade de intervenção, neste aspeto, do tribunal de recurso, a qual não invalidará até alguma inflexão no decidido.

Do Direito
Da desconformidade da obra de construção com a licença n.º 46/2008
Há uma questão incontornável e que se prende com o facto da controvertida chaminé se não encontrar prevista na licença n.º …/2008,
emitida no âmbito do processo de licenciamento identificado com o n.º …/2007, em face do que não está licenciada ou sequer
autorizada.

Se se reconhece que a referida edificação não tem significativa relevância urbanística, tal não invalida que cause incomodo à edificação
adjacente da Autora, em face do que a sua presença não poderá ser ignorada, como se de um mero elemento recreativo ou decorativo
se tratasse.

Efetivamente, no âmbito do processo de licenciamento nº …/2007, foi apenas licenciada a construção de um alpendre e da abertura de
porta e portão.

Nos termos da alínea l) do artigo 2º do RJUE são consideradas obras de escassa relevância todas “as obras de edificação ou demolição que,
pela sua natureza, dimensão ou localização tenham escasso impacte urbanístico”.

A proximidade da chaminé da edificação urbana adjacente, e particularmente a uma das suas varandas, é manifesta, o que determina
que, quando em uso, a referida chaminé expelirá fumos para a referida habitação, em virtude de se encontrar a um nível inferior,
reconhecendo o Município que se mostraria desproporcional prolongar a mesma para além da cércea do edificado contiguo.

Se é verdade que não estamos perante um equipamento de natureza industrial, não é menos verdade que não se trata de um mero
equipamento lúdico ou de lazer.

Importa atentar que ignorar a controvertida situação poderia tender a algum “contágio” urbanístico, permitindo a generalização da
instalação de churrasqueiras, o que poderia gerar alguma impunidade permissiva.

Mesmo admitindo que a edificação aqui em causa não revela significativa relevância em termos urbanísticos, mormente em termos de
impacto visual, não pode deixar de se atender a outros fatores, mormente a incomodidade que possa gerar face a edificações
adjacentes, impondo-se sujeitar o mesmo a fiscalização administrativa, nos termos e para os efeitos do artigo 93º do RJUE, de acordo
com o qual, “a realização de quaisquer operações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente de estarem isentas de
controlo prévio ou da sua sujeição a prévio licenciamento, comunicação prévia ou autorização de utilização”, sendo que sempre se imporia a
verificação das condições de segurança e salubridade do edificado.

Assim, verificando-se uma manifesta desconformidade entre o licenciado e edificado, não poderá nem o município e menos ainda o
tribunal ficar indiferente a tal circunstância, mormente quando o próprio município reconhece que a “correção” da situação, passaria pelo
prolongamento da chaminé, o que se mostraria desproporcional e inestético.

Da desconformidade da obra de construção com as disposições do RGEU


O Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382, de 7 de agosto de 1951, regula no
Capítulo VI, com a epígrafe “Evacuação de fumos e gases”, as condições de licenciamento e funcionamento das chaminés, referindo-se no
artigo 113º, que:
“As condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0,50m acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações
contíguas existentes num raio de 10 metros. As bocas não deverão distar menos de 1,50m de quaisquer vãos de compartimentos de habitação e serão
facilmente acessíveis para limpeza.”

Da mera leitura do referido normativo, se retira que a edificação aqui em apreciação, incumpre o artigo 113º do RGEU, pois que decorre,
desde logo, do facto z) da factualidade dada como provada, que “entre o limite superior da chaminé, e o ponto mais elevado do prédio da Autora,
existe uma distância de aproximadamente quatro metros.”

A este respeito referiu-se na Sentença Recorrida:


“Aquela norma estabelece claramente que a regra deve ser a elevação das condutas de fumo em mais de 0,50 metros acima da parte mais elevada das
coberturas do prédio, isto é, de todas as coberturas do prédio em que se insere a conduta de fumo em apreciação, mas também, das coberturas das
edificações contíguas existentes num raio de 10 metros.
O que significa que, no caso em apreciação nos presentes autos, a chaminé em causa não cumpre a regra estabelecida naquela norma uma vez que não
se eleva mais de 0,50 metros acima das demais coberturas do prédio em que se encontra implementada, nem da cobertura da moradia existente no
prédio da Autora, situada a menos de 10 metros da própria chaminé.”

Aliás, já o próprio Município havia afirmado, no seguimento da segunda fiscalização realizada à obra, no ofício n.º 1108 de 21 de julho de
2011, que:
“iv) A chaminé não cumpre, de facto, o disposto no artigo 113º, do RGEU, contudo entende-se que a mesma integra as situações excecionais presentes
no artigo 114º, (cf. pareceres técnico e jurídico juntos ao processo)”

Não se alcança de que modo pode a situação concreta integrar as exceções previstas no Artº 114º do RJEU, quando o mesmo se limita
a referir que “as chaminés de instalações cujo funcionamento possa constituir causa de insalubridade ou de outros prejuízos para as edificações
vizinhas serão providas de dispositivos necessários para remediar estes inconvenientes.”

Resulta assim da prova disponível que a construção do forno e chaminé não consubstancia uma situação de exceção, atenta até a sua
proximidade com a edificação contigua da Autora.

A alegada pouca regularidade da utilização da chaminé, irreleva para a apreciação que se faça quanto à sua licitude, pois que a maior
ou menor utilização de qualquer tipo de edificação não altera para a sua situação legal.

Conclui-se assim o aspeto vindo de analisar, no sentido de considerar que a controvertida edificação se não mostra licenciada ou
autorizada, estando assim numa situação de ilicitude, insuscetível de ser legalizável, como, em bom rigor o próprio Município
reconheceu, em face do que se não justifica determinar uma nova reapreciação da situação, como de alguma forma foi determinado em
1ª instância, o que se mostraria redundante e inútil.

Da violação dos direitos da autora


A sentença recorrida, não obstante ter entendido que a construção incumpria com o artigo 113º do RGEU, entendeu, ainda assim, que
não deveria enveredar, desde logo, pela demolição.

Resulta da matéria dada como provada, incontornavelmente – facto y) - que “O prédio da Autora, tem várias janelas em volta, que estão
sensivelmente à mesma altura daquela a que ficam as saídas da chaminé, e entre esta a as janela do quarto e porta de ligação ao terraço, há uma
distância de entre três a cinco metros; cfr. doc 3 junto com a petição inicial, constituído por desenho e fotografias do local, e depoimentos da testemunha
G......, da testemunha J......, autor daquele desenho que falou em cerca de quatro metros entre esses dois pontos, da testemunha A......, que afirmou que
os vãos estão a uma distância de ¾ metros da chaminé, e da testemunha F......, que apontou para uma distância de 5/6 metros.”

Sem prejuízo do manifesto incómodo que tal situação gerará, aquando do funcionamento da chaminé, em qualquer caso, entende-se
não ser suficiente e adequado para que se pudesse dar como afetado o direito de propriedade, ou qualquer dos outros direitos que a
Recorrente entende terem sido afetados, como o da saúde e do ambiente, a ponto de ser entendido terem sido causados graves
prejuízos à Recorrente, pois que não está em causa uma instalação de natureza industrial e de utilização permanente, o que não
invalida que a Autora se oponha legitimamente à manutenção da referida estrutura.

Da condenação do Município a adotar as condutas necessárias à reposição da legalidade urbanística


Entende ainda a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter condenado o Recorrido Município de Alcácer do
Sal, na sequência da constatada desconformidade da obra em apreço nos autos com o artigo 113º do RGEU, a adotar as condutas
necessárias à reposição da legalidade urbanística, quando deveria ter, desde logo, condenado aquela edilidade à demolição da obra.

Efetivamente, tendo ficado assente que a controvertida edificação não cumpre os parâmetros constantes do artigo 113º do RGEU, nem
configura uma situação excecional suscetível de assegurar a manutenção do edificado, e reconhecendo o próprio Município que este se
mostra insuscetível de ser corrigido, quer por razões estéticas, quer de estabilidade e de proporcionalidade, mal se compreende a razão
pela qual o Município não optou desde logo, em nome da legalidade, pela demolição da chaminé, sob pena de, assim não sendo, se
estabelecer um clima de impunidade permissiva.

Efetiva e incontornavelmente, consta da informação elaborada pelos serviços da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do
Município de Alcácer do Sal, de 29 de junho de 2011 (Facto Provado v), o seguinte:
“11 – Para a exaustão do fumo, foi feita uma chaminé a qual está elevada a mais de 50 cm da cobertura do alpendre, sendo a tiragem e dimensão
adequadas à utilização, não sendo tecnicamente razoável elevar a chaminé de um telheiro com a cércea de 3.00 m para uma altura superior a 6,00
metros, o que teria uma estética desproporcionada e causaria graves problemas estruturais de estabilidade e sustentação, conforme demonstra o Des. Nº
3 [correspondente ao Doc. 3 junto à Contestação apresentada pelo Município de Alcácer do Sal].”

Aqui chegados, mal se compreende como do afirmado, concluiu o Tribunal a quo que tal “não significa que não seja suscetível de legalização”
(cfr. página 22 da sentença).

Como se afirmou já, não se admite igualmente que o referido edificado possa constituir uma exceção à luz do artigo 113º do RGEU, por
ser notório que o mesmo impede o gozo em pleno e permanente da propriedade da Autora, o que constitui um incomodo que não é
despiciente.
Assim, entende-se ser incontornável que o edificado:
a) Não cumpre com a regra do artigo 113º do RGEU;
b) Não é suscetível de regularização;
c) Não integra qualquer das exceções admissíveis pelo artigo 113º do RGEU.

Assim, importa determinar a demolição do edificado, pois que se é certo que a demolição deverá ser a ultima ratio de qualquer processo
em que se detete uma qualquer irregularidade urbanística, não é menos verdade que na situação em apreciação, que se arrasta já há
diversos anos, não denota possibilidade de ser, em termos de proporcionalidade e adequação, corrigido, consistindo num polo de
incontornável incomodidade para a edificação adjacente.

Da responsabilidade civil pela violação dos direitos da Autora


Alega a Recorrente:
“Na verdade, não há dúvida que a violação dos direitos da Recorrente à propriedade, saúde, salubridade redunda na atribuição à Recorrente de uma
indemnização pelos danos não patrimoniais que esta tem vindo a sofrer ao longo destes anos a propósito daquela construção que é claramente ilegal e
irregular.
Até porque, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo encontram-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil por danos
decorrentes de factos ilícitos no exercício da função administrativa enformadores da obrigação de indemnizar nos termos do Regime da Responsabilidade
Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007 de 31/12.
(…)
A Recorrente vive num verdadeiro clima de aflição, tendo presente a realidade, sempre imprevisível de não poder usufruir de forma plena e
despreocupada da sua habitação, já que existe sempre o receio de o forno artesanal ser usado e os fumos poluentes provenientes do seu funcionamento
direcionarem-se para a sua habitação uma vez que se trata de uma norma que não cumpre com o disposto no RGEU.
Além de que a Recorrente se confronta diariamente com a preocupação de poder vir a ter que reforçar o avultado investimento financeiro que já fez na
casa, em virtude da presumível deterioração da fachada do imóvel e do espaço da varanda/terraço, causada pelos fumos escuros que são lançados
diretamente sobre o seu imóvel.
Bem se compreende, portanto, que a Recorrente tem sofrido graves danos não patrimoniais por via de toda esta situação, aliás conforme foi
consistentemente atestado pelo seu marido, que prestou depoimento na audiência de julgamento (…).”

Correspondentemente, vem peticionada a atribuição de uma indemnização de 5.000€ à Autora, por responsabilidade civil
extracontratual, a titulo de danos não patrimoniais.

Como se afirmou na Sentença Recorrida, “A obrigação de indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual decorre da verificação,
cumulativa, de um conjunto de pressupostos, nomeadamente de uma conduta ilícita, culposa, da existência de danos, e de uma imputação causal daquela conduta a estes
danos.
Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 188/17.1BERT, de 21-05-2021, “Decorre do artigo 496º do CC que na fixação da indemnização deve atender-
se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo
em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e
do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).
O julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o
manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que
emergem da factualidade provada.
A indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando por um lado reparar, mais do que indemnizar e por outro reprovar ou
castigar a conduta do lesante.”

Os danos não patrimoniais reclamados, em qualquer caso, não ultrapassam os simples incómodos pelo que, atenta a sua gravidade,
não merecem ser compensados.

Efetivamente, a indemnização dos danos não patrimoniais é limitada àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.
496° do CC), medindo-se tal gravidade através de um padrão objetivo.

A aqui Recorrente invocou singela e predominantemente, para justificar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, que a
situação descrita lhe “provocou e continua a provocar grande ansiedade, preocupação e graves problemas de saúde”, o que não logrou demonstrar
cabalmente.

Como se disse, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais depende da gravidade dos danos, aferida por padrões objetivos e tendo
em conta as circunstâncias do caso.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado
equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e do lesado, e as demais
circunstâncias do caso (arts. 494º e 496º, nº 3 do C.Civil), até ao limite do pedido globalmente formulado.

Neste enquadramento legal, cabe ao julgador, ao fixar a indemnização por tais danos, guiar-se por critérios de equidade, sendo que a
gravidade daqueles danos há-de aferir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias
do caso) e não à luz de fatores subjetivos.

Danos não patrimoniais são, pois, prejuízos que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o
património lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do
que uma indemnização.

Na fixação da indemnização deve atender-se pois aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o
que, em concreto, ficou por provar.

Assim, e em concreto, não se mostram verificados os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual por Danos Não
Patrimoniais, ao contrário do alegado pela Recorrente.

Com efeito, não existiu sequer qualquer conduta omissiva por parte do Município, o qual nunca se escusou a verificar o invocado, tendo
cuidado de verificar da suscetibilidade de licenciamento ou autorização do edificado.

Não logrou, no entanto, a Recorrente demonstrar, nomeadamente, qualquer nexo de causalidade entre a situação de saúde que reclama
e a construção da chaminé em causa.

É certo que o cônjuge da Recorrente veio afirmar que “Isto foi tão grave que a minha mulher deixou de dormir, passou a ter problemas sérios de
tensão arterial. Neste momento, a minha mulher está a ser assistida por um cardiologista”

Mais afirmou o cônjuge da Recorrente que aquela “Toma por dia, seguramente, entre 8 comprimidos por dia para ter a sua tensão arterial
controlada e poder dormir sossegada.”

Em qualquer caso, estão aqui em causa meras declarações do cônjuge da Recorrente, o qual, em bom rigor, é interessado na Ação,
pelo que as suas declarações terão de ser ponderadas nessa conformidade.

Reitera-se que a Recorrente não logrou fazer prova de que padecesse de qualquer problema de saúde e que a existirem, os mesmos
tenham resultado da edificação da controvertida chaminé.

Na realidade, não foi apresentado sequer qualquer relatório médico que atestasse a alegada situação de saúde da Recorrente e o seu
eventual agravamento em decorrência da questão tratada nos Autos.

Como afirmado pelo STA, no seu acórdão de 31.05.2005 [Proc. n.º 0127/03 supra referido] a «personalidade física e moral dos indivíduos é
protegida por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita - artigo 70.º do CC» e que «em princípio, a dor moral causada por facto ilícito é
abrangida pelo n.º 1 do artigo 496.º», mas que isso pode não acontecer, mormente em situações de «dor insignificante, uma simples maçada ou
incómodo, que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade» visto não atingirem «a gravidade merecedora da
tutela do direito, em sede de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais».

Só serão danos não patrimoniais merecedores de ressarcimento, aqueles que se traduzam em sofrimento psicossomático perturbador
do ânimo da vítima por forma a retirar-lhe, ou a diminuir-lhe seriamente a capacidade de organizar e decidir a sua vida, e não as
pequenas contrariedades, aborrecimentos ou dores que fazem parte do dia a dia do cidadão comum. Sendo que essa gravidade se deve
aferir por um padrão, tanto quanto possível, objetivo que parta da valorização rigorosa das circunstâncias do caso concreto e não de
fatores subjetivos suscetíveis de introduzir injustiça nessa valorização – cf. P. DE LIMA/A. VARELA in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª
edição, nota 1, pág. 499, e, entre outros, os Acs. do STA 31-05-2005 (rec. 0127/03) e de 29-06-2005 (rec. 0395/05).

Aqui chegados, entende-se não estarem reunidos os pressupostos tendentes à atribuição de indemnização por danos não patrimoniais à
Recorrente, tal como decidido em 1ª Instância.

***
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso
Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao Recurso, decidindo-se condenar o
Município a adotar os procedimentos e condutas necessárias tendentes à demolição da construção em causa, mantendo-se o demais
decidido em 1ª Instância.

Custas pela Recorrente e Recorrido

Lisboa, 2 de junho de 2022


Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa

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