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CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS NAS PRINCIPAIS TÉCNICAS DE

REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Manoel Martiniano da Silva Neto

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A partir do Código Civil de 2002 diversas discussões e debates surgiram a


respeito das técnicas de reprodução assista, contudo, em razão da omissão do
legislador civil em questões relevantes, os ânimos dos doutrinadores se acirraram.
O Código Civil/02 de forma insuficiente trata da inseminação artificial
exclusivamente no art. 1.597, que estabelece:

“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:


I - (...)
II - (...)
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido
o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido.”1

São várias as técnicas de reprodução humana assistida, em que a concepção


se dá, não por uma relação sexual havida entre um homem e uma mulher, mas por
um “conjunto de técnicas que têm como fim provocar a gestação mediante a
substituição ou a facilitação de alguma etapa que se mostre deficiente no processo
reprodutivo”2 segundo Monica Scarparo.
Podemos dizer que dois são os métodos principais de reprodução artificial, a
fertilização in vitro e a inseminação artificial, sendo que na primeira o óvulo e o
espermatozoide são unidos numa proveta, logo, a fecundação se dá artificialmente,
fora do corpo da mulher, e na segunda, quando se introduz gameta masculino no
corpo da mulher, de forma que a fecundação se dê naturalmente.3

1
Brasil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil, Vade Mecum Saraiva, 2018, Editora Saraiva, p.
219.

2
SCARPARO, Monica Sartori apud FUJITA, Jorge Shiguemitsu, Filiação, São Paulo, Editora Atlas, 2011, p. 63
Para melhor compreensão do presente trabalho é necessário que alguns
termos específicos sejam bem compreendidos em sua plenitude, assim, vejamos:
- Embrião: é o ser oriundo da junção de gametas humanos;4
Carlos Roberto Gonçalves, a respeito do inciso IV do art. 1.597, do CC, nos
diz que Paulo Luiz Lôbo considera embrião “o ser humano durante as oito primeiras
semanas de seu desenvolvimento intrauterino, ou em proveta e depois no útero, nos
casos de fecundação in vitro, que é a hipótese cogitada no inciso IV do artigo sob
comento”.5
Contudo, esse mesmo autor, em razão da omissão do Código Civil quanto ao
lapso temporal, menciona a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina,
no sentido de que “a partir de 14 dias, tem-se propriamente o embrião, ou vida
humana. Essa distinção é aceita em vários direitos estrangeiros, especialmente na
Europa”6. Assim sendo, antes desse prazo, 14 dias contados da fecundação, tem-se
pré-embrião.
- Zigoto: é o resultado da fertilização artificial de um óvulo e o sêmen;
- Gametas: sêmen ou óvulo;
- Embriões excedentários: provenientes de uma fertilização in vitro, mas não
foram utilizados, sendo conservados por técnicas especiais.
Entende-se por fecundação artificial homóloga quando é utilizado material
genético do casal, ou seja, o óvulo da mulher e o sêmen do marido, logo, há
presunção de que ambos consentiram no processo, e por fecundação artificial
heteróloga quando é utilizado material genético de terceiro, aproveitando ou não os
gametas de um ou de outro cônjuge ou companheiro.
Ainda que falecido o marido é possível a inseminação artificial, ou fertilização
in vitro, com o seu sêmen, que tenha sido conservado por meio de técnicas
especiais, desde que ele em vida tenha dado autorização por escrito, e que a mulher
ainda esteja na condição de viúva, conforme proposição na Jornada de Direito Civil

3
SILVA, Regina Beatriz Tavares da, apud GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva,
2016, p. 320.

4
ibidem, p.320.

5
LÔBO, Paulo Luiz Netto, apud GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2016, p.
320.

6
ibidem, p. 320.
realizada no STJ em junho de 20027, bem como no Enunciado nº 106, aprovado na I
Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho
da Justiça Federal.8
Aqui temos uma primeira discussão quanto à autorização por escrito do
marido falecido, pois como bem observou Jorge Fujita não haveria o reconhecimento
da paternidade da criança se o genitor biológico não tivesse previamente autorizado,
tirando dela o direito a ter um pai, o que fere o princípio do melhor interesse da
criança preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente.9
A segunda discussão refere-se à exclusão do filho havido por inseminação
artificial ou fertilização in vitro post mortem, na sucessão do pai biológico, pois para
suceder há que se estar vivo ou concebido no momento da abertura da sucessão,
isto é da morte (art. 1.798 do CC), e, no caso em tela, a concepção se dá
posteriormente. Desta forma, fere-se o princípio da isonomia entre filhos,
preconizado na Constituição da República Federativa do Brasil, vez que nem todos
os filhos sucederão na sucessão do ascendente.
Outra questão bastante discutida é a do destino dos embriões excedentários,
aqueles que não foram utilizados na mulher, quando da fecundação homóloga, uma
vez que o inciso IV do art. 1.597 do CC ao usar a expressão “a qualquer tempo”,
possibilita o entendimento de que podem ser introduzidos na mulher tanto na
vigência do casamento, conforme consta no caput do citado artigo, ou mesmo após
a sua dissolução, ou, ainda, após a morte do marido.
Contudo, há quem entenda, como é o caso de Jorge Fujita, que os embriões
excedentes são filhos, em havendo, a qualquer tempo, fecundação assistida
homóloga in vitro, e o nascimento se dê com vida, dependendo de autorização
expressa e escrita do casal, que se estiver separado judicialmente esta autorização
há que ser prévia, com base no Enunciado nº 107 aprovado na I Jornada de Direito
Civil do Conselho da Justiça Federal, 2002:

“Art. 1.597, IV: finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a


regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização
prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões

7
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2016, p. 319.

8
FUJITA, Jorge Shiguemitsu, Filiação, São Paulo, Editora Atlas, 2011, p. 63-64.

9
ibidem, p. 64.
excedentários, só podendo ser revogada até o início do
procedimento de implantação desses embriões”.10

A concepção de embriões excedentários somente é admitida em fecundação


homóloga, em relação às pessoas casadas ou vivendo em união estável, o que
descarta a utilização por casal não doador do material genético, ou por “mulher
titular de entidade monoparental”.11
A inseminação artificial heteróloga, como já mencionado, outra espécie de
reprodução assistida, na qual o doador do sêmen, via de regra é outro homem, é
anônimo, exigindo a lei que o marido previamente autorize, verbal ou por escrito, o
procedimento, sendo irrevogável a sua manifestação de vontade após seu início.
Não cabendo, também, futuramente, o marido contestar a paternidade do filho
havido pela mulher, entendimento esse que vigora também na legislação
alienígena.12
Nesse sentido, Paulo Lôbo, e outros doutrinadores por ele citados, tais como:
Maria Helena Diniz e Paolo Vercellone, invocando a autonomia da vontade, o
princípio da segurança das relações jurídicas, entendem que prevalece a filiação
socioafetiva e não a filiação biológica.13

10
FUJITA, Jorge Shiguemitsu, Filiação, São Paulo, Editora Atlas, 2011, p. 64.

11
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2016, p. 320-321.

12
LÔBO, Paulo Luiz Netto, Direito Civil – Família, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 204.

13
ibidem, p. 204-205.

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