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Creche - Primeiras Experiências Numa Comunidade de Aprendizagem
Creche - Primeiras Experiências Numa Comunidade de Aprendizagem
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vés do livro Educação de bebés e crianças pequenas Ao longo da ação de formação foram sendo
em infantários (Post et Hohmam, 2007) Este seria o abordados vários aspetos estruturantes para a re-
ponto de partida para a construção de um projeto peda- flexão e partilha do grupo de formandos e forma-
gógico de qualidade na creche e também para o cresci- dores:
mento como profissionais reflexivos em que, dialogando – Revitalização cultural e social da creche
e procurando alternativas, nos fomos construindo como – Creche como comunidade de aprendiza-
equipa. Foi um tempo de experimentar: nova organiza- gem
ção temporal, novos modelos de planificação, organiza- – Envolvimento da família e da comunidade
ção do grupo, tipos de atividades proporcionadas, papel – Organização dos tempos, espaços e mate-
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ção eminentemente educativa onde a cultura a observação do que as crianças faziam, ainda tí-
constitui o centro da sua atividade, fazendo circu- nhamos dificuldade em interpretar autentica-
lar no seu quotidiano, as práticas e os instrumen- mente o que observávamos, retirando o seu ver-
tos que constituem o nosso processo de humani- dadeiro sentido social e cultural. Uma ilustração
zação” (p. 20). desta ideia é que as atividades se centravam muito
Esta perspetiva em creche pressupõe que as no currículo (experiências-chave High Scope), ou
crianças pequenas contactem com a sua comuni- seja, elas eram propostas ou ganhavam sentido
dade para construir o sentido de pertença ao terri- porque faziam parte do currículo e não porque
tório de que fazem parte. É na convivência em ati- eram manifestações culturais ou necessidades de
vidades culturais autênticas que enquadramos a crianças com histórias próprias e de comunidades
aprendizagem das crianças assim como a aprendi- vivas. Por outro lado assumíamos ainda a tradicio-
zagem de todos os outros que nelas participam. nal estimulação sensorial como atividade privile-
Parece-nos importante dar ênfase a este úl- giada para os bebés, parecendo esquecer as di-
timo conceito, atividades culturais autênticas, mensões comunicativas, afetivas e corporais com
uma vez que foi este princípio que provocou a que atribuímos significado ao mundo que os ro-
grande mudança: no papel e estilo do educador de deia.
creche, na organização do cenário educativo, na
forma como se encara a participação das famílias
e da comunidade e na planificação e avaliação do Mudanças no quotidiano educativo
processo de aprendizagem.
Compreendemos o processo de educação Este redirecionar de olhar, apoiado na refle-
como um processo de humanização em que, atra- xão conjunta que acontecia a partir da ação de for-
vés da interação com outros em atividades cultu- mação que frequentávamos, e no trabalho entre
rais, nos apropriamos da herança cultural e dos sessões, veio a dar origem a algumas mudanças na
seus instrumentos (Folque, Bettencourt & Ri- organização do quotidiano educativo.
cardo, 2015).
Temos assistido ao afastamento das institui- A organização dos grupos
ções escolares da vida e da cultura criando uma
cultura de escolarização muito própria (Niza, Tal como nos princípios para a educação pré-
1996; Folque, Bettencourt & Ricardo, 2015): “Isso escolar, o MEM para creche também prevê grupos
são coisas da escola” usa dizer-se... Como se a es- constituídos por crianças de várias idades de
cola não fosse vida ou tivesse uma cultura especí- modo a assegurar a “heterogeneidade social e cul-
fica distante e desligada daquilo que é a nossa he- tural” que enriquece a vida e o processo educa-
rança cultural e social. tivo. Na nossa realidade, embora os grupos ainda
Na creche, este afastamento é ainda mais fla- estejam organizados por idades, procuramos já
grante, assistindo-se a um estimular de sentidos colmatar esta limitação, promovendo encontros
que acontece na creche são atividades humanas e passar a manhã às salas de creche, acompanhando
por isso marcadas pela cultura (Folque, Betten- todas as atividades.
court & Ricardo, 2015). Numa manhã, ao chegar à sala, o Guilherme
Também nós, há algum tempo, fomos aque- mostrou uma notícia escrita pela mãe, e ilustrada
las educadores que planeavam tempos e ativida- com fotografias, que dizia: “A massa já estava
des estruturadas e previsíveis para uma semana pronta, por isso começámos a partir o queijo e o
em que, embora o ponto de partida fosse sempre fiambre. Um pedaço para a taça e outro para a
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para que cada um oferecesse um ingrediente. uma das crianças transporta os bebés para a área
Na manhã do dia seguinte, fomos para o re- da biblioteca e deita-os nas almofadas. Outro
feitório fazer a pizza. Cada menino mostrou o grupo está a brincar na área do faz de conta. Um
que trouxe de casa. Enquanto mostravam, iam di- dos adultos está na zona da higiene a mudar a
zendo: Pizza do Gui! Nanás! (ananás) Sónia, queijo! fralda a uma criança.
O Rodrigo foi explicando e mostrando como Parece-nos importante salientar que toda a
se fazia. Deu um pedacinho de massa a cada me- dinâmica de uma sala de creche não se define em
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dores que não pertençam a esse setor, daí que se sário uma certa maturidade profissional e pessoal
tenha tornado uma excelente oportunidade de co- para gerir todas as relações num ambiente de fle-
nhecer este espaço e contactar com as pessoas que xibilidade e sem confusão. É por esta razão que a
lá trabalham. organização que defendemos no Movimento da
Finalmente colocámos os legumes na panela Escola Moderna permite desenvolver esta maturi-
e o Diogo disse: Agora a Cânina (Cândida) toma dade porque não estamos sós, uma vez que o pro-
conta! fissional se constrói em diálogo com outros profis-
À hora do almoço apreciámos a nossa sopa. A sionais.
nossa sopa está muito boa! - disse o Pedro. Relativamente aos circuitos de comunicação
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Relativamente ao impacto que esta atividade com as famílias, enumeramos algumas estratégias
teve nas famílias, salientamos a sua enorme satis- que costumamos utilizar para nos “encontrar-
fação quando viram expostas as fotografias e o re- mos”. Os grupos fechados do facebook, onde publi-
gisto descritivo do processo: porque se tratava de camos atividades, recados, artigos; as exposições
um alimento saudável, porque se vê a participa- sobre o trabalho desenvolvido nas salas (nas pare-
ção efetiva das crianças e porque também elas des das salas, corredores, hall da instituição); o
próprias foram chamadas a participar. instrumento de planificação e avaliação (Fize-
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Referências bibliográficas:
nal e promotor de vida comunitária em que não se Niza, S. (1996). O Modelo curricular de educação
está isolado dentro de quatro paredes sempre com pré-escolar da Escola Moderna Portuguesa. In
as mesmas pessoas. Neste sentido, os espaços ex- J. Oliveira-Formosinho et. al (Ed.). Modelos
teriores são uma mais-valia na promoção desse Curriculares para a Educação de Infância (pp.
bem-estar de todos. 137-159). Porto: Porto Editora.
Todos os dias os meninos têm oportunidade Watkins, C. (2004). Classrooms as learning com-
de ir ao exterior, sendo que há manhãs ou tardes munities. NSIN Research Matters, 24.
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