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Nilo Batista - Critica Ao Conceito de Politica Criminal
Nilo Batista - Critica Ao Conceito de Politica Criminal
Nilo Batista - Critica Ao Conceito de Politica Criminal
Nilo Batista
1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Faculdade de Direito
Primeira aula
1
Beristain Ipiña, Antonio, Hoy y mañana de la politica criminal protectora y promotora de los valores humanos, em
AA.VV., Política Criminal Comparada, Madri, 1999, ed. CGPJ, p. 14.
2
Delmas-Marty, Mireille, Modelos e Movimentos de Política Criminal, trad. E. Oliveira, Rio, 1992, ed. Revan, p.
24.
3
Asúa, Luís Jimenez de, La Política Criminal en las Legislaciones Europeas y Norteamericanas, Madri, 1918, ed.
L.G.V Suárez, pp. 15 ss.
4
§ 6º, nota 4.
2
3. Feuerbach, que encontrara na coatividade um elemento conceitual do direito,
viu na pena uma modalidade da coação juridicamente exercida; contudo, ele
deveria afastar-se da influência kantiana para atribuir-lhe um fim de
prevenção geral. Feuerbach é, talvez antes de tudo, alguém que se antecipou
a Fichte na separação cabal entre direito e moral. Este merecimento
compensa as limitações liberais de seu pensamento político-criminal.
3
fazendeiros sobre como controlar e castigar escravos não representam uma
específica política criminal brasileira ?
5
Op. cit., p. 24.
6
Zipf, Heinz, Introducción a la Política Criminal, trad. M.I.Macías-Picavea, Madri, 1979, ed. Edersa, p. 4.
7
Borja Jiménez, Emiliano, Curso de Política Criminal, Valência, 2003, ed. T. lo Blanch, p. 23.
8
Bustos Ramírez, J. e Hormazábal Malarée, H., Nuevo Sistema de Derecho Penal, Madri, 2004, ed. Trotta, p. 25.
9
Política Criminal, B. Horizonte, 2000, ed. Mandamentos, p. 23.
10
Batista, Nilo, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio, 1990, ed. Revan, p. 34.
4
8. Sem cerimônia, Marc Ancel afirmava que “a política criminal tem inicialmente
por objeto a repressão do crime”11; mais criativo, Asúa disse que ela
constituía um “direito penal dinâmico”12. No ambiente positivista esse
dinamismo tende a ser visto como evolução, e Asúa lembra um episódio bem
ilustrativo da concepção evolucionista pela qual a política criminal de hoje se
converte na legislação penal de amanhã. No prefácio da 20ª edição de seu
Lehrbuch (1914), von Liszt registrou que relutara em manter o § 15 de sua
obra, porque tal parágrafo deveria desaparecer quando o projeto
governamental de Código Penal (a cuja Comissão redatora, aliás, ele prestara
consultoria) fosse sancionado.
10. Parece que, antes de mais nada, a Política Criminal tem que se encarregar
de conhecer o próprio sistema penal, e as funções – não só as manifestas,
mas principalmente as ocultas – que ele desempenha junto ao regime
11
Pour une etude systematique des problemes de politique criminelle, em Arch. de Pol. Criminelle, nº 1, Paris, 1975,
p. 16.
12
Op. cit., p. 9.
5
econômico e à organização social. Decisões políticas pela criminalização de
novas condutas ou pela descriminalização de outras, bem como decisões
sobre aspectos processuais e executórios, são apenas um pequeno pedaço
da Política Criminal.
13
Bonavides, Paulo, Ciência Política, S. Paulo, 1998, ed. Malheiros, p. 42.
14
Lehrbuch des Deutschen Strafrechts, Berlim, 1915, ed. W. de Gruyter, p. 13.
15
Von Liszt, La teoria dello scopo nel diritto penale, trad. A.A. Calvi, Milão, 1962, ed. Giuffrè, p. 54.
6
13. Ninguém mais do que Roxin deu-se conta das possibilidades teóricas
abertas pela acomodação categorial de von Liszt16, postulando
expressamente que as opções político-criminais se exprimam nos campos da
teoria do delito e da teoria da pena. Sua criação do requisito da necessidade
preventiva, ao lado e depois da culpabilidade para a responsabilização do
sujeito, é uma prova de sua coerência17. Essa coerência não impede que se
lastime incidir ela sobre um ato de fé, que é precisamente o fundamento
(legitimante da pena) preventivo-especial. As taxas da reincidência
penitenciária demonstram que “a harmônica integração social do condenado”
constitui uma espécie de missão impossível atribuída à execução penal (art.
1º, lei nº 7.210, de 11.jul.84). Observando a falta de cerimônia com a qual a
Política Criminal passou a frequentar os salões penalísticos, onde perduram
muitos preconceitos contra a Criminologia, escrevi certa ocasião que “no
sistema de Roxin, se as trocas com a política criminal receberam um enorme
impulso, a criminologia foi deixada no vestíbulo: era uma convidada algo
inconveniente, cujos maus modos poderiam perturbar o encontro, explodindo
numa gargalhada quando alguém falasse de ressocialização através da
privação de liberdade”18.
14. As relações entre Criminologia e Política Criminal não parecem ser tão
difíceis e complexas, mesmo quando tratadas por autores sem maiores
simpatias pela primeira19. Ver na Política Criminal uma Criminologia Aplicada,
ou qualquer outro dos tantos paralelismos propostos (transformar / interpretar;
crítica / estética; etc) não tornam confusas as fronteiras acadêmicas, sempre
convencionais, entre ambas as disciplinas. A Política Criminal tem por objeto
imediato o poder punitivo e as agências governamentais encarregadas de sua
16
Roxin, Claus, Política Criminal e Sistema Jurídico-penal, trad. L. Greco, Rio, 2000, ed. Renovar.
17
Roxin, Claus, Derecho Penal, trad. D.M.Luzón Peña et al., Madri, 1997, ed. Civitas, pp. 791 ss.
18
Novas Tendências do Direito Penal, Rio, 2004, ed. Revan, p. 20.
19
Schüller-Springorum, Horst, Cuestiones Básicas y Estrategias de la Política Criminal, trad. C.A. Elbert, B. Aires,
1989, ed. Depalma, pp. 7 ss.
7
distribuição social (o sistema penal). Se a Ciência Política se ocupa do poder
e de sua institucionalização governamental, a Política Criminal pretende
privilegiar o exame de certa parte do poder, precisamente do poder punitivo20.
Portanto, a Política Criminal já poderia estar girada metodologicamente
enquanto a criminologia positivista ainda se arrastava no lamaçal etiológico
atrás do homem delinquente. A Política Criminal deveria, desde o primeiro
dia, ter olhado para a reação social concretamente formalizada. Como disse
Louk Hulsman, “uma das condições necessárias para a eficiente discussão
sobre política criminal é problematizar as noções de crime e de criminoso”21:
para a Política Criminal da tradição legitimante, dependente conceitual da
criminalização primária, essa problematização está proibida. Assim, o
horizonte da Política Criminal estaria dependentemente demarcado pela
programação criminalizante (pela lei penal): essa dependência existiu para a
Criminologia positivista e funcionalista, sendo rompida pela Criminologia
Crítica. Só a força de certas interdições do pensamento dogmático, como
aquela que da regra da proibição de negação extrai que a pena – este fato
antes de mais nada político, e rudemente político – não pode ser negada,
explica que os penalistas interessados em Política Criminal só quisessem
ampliar e melhorar a eficiência do escandaloso fracasso da pena de prisão,
só soubessem propor more of the same.
20
“A esfera de análise da política criminal abarca, mais além das sanções penais stricto sensu, todas as formas de
controle social” – Bricola, Franco, Política criminal y derecho penal, trad. J.A. Vega Veja, em Revue
Internationale de Droit Penal, 49º ano, nº 1, 1978, ed. AIDP, p. 108.
21
Penas Perdidas, trad. M.L. Karam, Niterói, 1993, ed. Luam, p. 156.
8
pela primeira vez: “como a política criminal é uma parte da política geral, (...)
é impossível que se estabeleçam acordos entre pessoas que partem de
distintas e mesmo contraditórias concepções do mundo e da sociedade”22.
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poderia ter nos ensinado, atualizando Carl Schmitt, que soberano, na
verdade, é quem decide sobre a manchete do tele-jornal.
17. Quem sai à procura do poder punitivo saiu à procura da pena, nas várias
expressões de que ela se revestiu historicamente. Uma questão
particularmente atraente reside nas máscaras discursivas de que a pena se
valeu para despolitizar-se, para colocar o sofrimento punitivo disfarçado de
religião – eis a mais antiga máscara –, de medicina, de moral, de pedagogia
etc. Iniciaremos essa procura na próxima aula.
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