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Marxismo e Materialismo Histórico

Karl Marx (1818-1883) foi um pensador alemão que reinterpretou a


filosofia do também alemão Georg Friedrich Hegel (1770-1831) a fim de
apreender a realidade social pela dialética, não na perspectiva idealista, mas
na perspectiva materialista. A partir dessa elaboração materialista, construiu
um conjunto de análises cujo principal objetivo era compreender e criticar o
modo de produção capitalista, crítica que se voltava particularmente à
exploração do homem pelo homem.
A investigação de Marx do sistema capitalista de produção, utilizando a
dialética na perspectiva materialista, possibilita uma análise universal desse
sistema, que considera não somente as categorias econômicas, mas o sistema
como um todo. Portanto, é uma abordagem bem distinta do que havia até
então em termos de estudos econômicos. A obra de Marx examina as ações
políticas como práticas de subordinação da classe operária à classe capitalista.
O método de investigação de Marx começa com tudo o que existe – a
realidade tal como é experimentada, assim como todas as descrições
disponíveis dessa experiência na obra de economistas políticos, filósofos,
romancistas etc. Ele submete esse material a uma crítica rigorosa a fim de
descobrir conceitos simples, porém poderosos, que iluminem o modo como a
realidade funciona. É isso que ele chama de método de descenso – partimos
da realidade imediata a nosso redor e buscamos, cada vez mais
profundamente, os conceitos fundamentais dessa realidade. Uma vez
equipados com esses conceitos fundamentais, podemos fazer o caminho de
retorno à superfície – o método de ascenso – e descobrir quão enganador o
mundo das aparências pode ser. Essa posição vantajosa nos permite
interpretar esse mundo em termos radicalmente diferentes (HARVEY, 2013, p.
17).

Considerando ainda a abordagem pela universalidade, e não pelo que


há de mais singular ou particular na sociedade capitalista, todos os escritos de
Marx apreendem os antagonismos presentes nas estruturas e nas dinâmicas
sociais, antagonismos que o autor compreende como luta de classes. A
concepção da dialética na perspectiva marxista pode ser entendida como
científica, histórica e crítica.
Do ponto de vista científico, significa a explicação das contradições do
pensamento sobre a realidade social, contraditória em si mesma, e a particular
manifestação dos eventos sociais. Há contradição tanto no pensamento quanto
na reflexão, e também na concretude dos eventos sociais. A contradição na
realidade dos manifestos sociais é a particularidade que se mostra e é
percebida e a universalidade que, presente nessa mesma particularidade,
encontra-se encoberta de imediato.
Do ponto de vista histórico, a dialética na obra de Marx está na formação
intrínseca à realidade social que se desenvolve. Ao mesmo tempo que se
desenvolve, é considerada um agente de transformação e transformadora.
Portanto, é um movimento que apreende tanto o que se transforma como o que
é transformador.
Do ponto de vista crítico, a dialética de Marx é um modo de revelar as
contradições das condições históricas de determinada sociedade e, por
conseguinte, é a exposição da validade e da justificação dos limites das
categorias que ele empregava para explicar o movimento do processo
histórico.
As análises de Marx, por estarem na esfera da dialética tanto
materialista quanto histórica, apresentam uma interpretação do que é mais
contraditório na sociedade capitalista – portanto, do que é mais contraditório no
sistema capitalista de produção. Tais contradições são apontadas por Marx no
que se refere à estrutura e à dinâmica dessa estrutura social. A contradição
assim entendida é, no limite, a própria força motriz do movimento da história –
em outras palavras, a história é formada pelo movimento contraditório das
forças produtivas.
Segundo David Harvey (2013), a dialética nas análises de Marx é um
método de investigação da realidade e, ao mesmo tempo, um método de leitura
de O Capital. É um método que deriva da dialética de Hegel, mas que, de
acordo com Marx, nunca antes foi empregado para estudar a economia. É
simultaneamente um instrumento de análise e de interpretação do movimento
do sistema capitalista.
Harvey diz que Marx inverteu a dialética hegeliana, revolucionando a
dialética como método de investigação, particularmente pela aplicação nos
estudos da economia e da sociedade. De forma mais precisa, é possível
afirmar que a dialética na perspectiva de Marx é um modo de raciocínio que se
aplica à apreensão e à explicação das relações ou interações sociais que se
estabelecem no sistema capitalista de produção.
Nas interpretações que Marx realizou em O Capital, destaca-se o
esforço para apreender e explicar tanto o particular quanto o universal no
movimento do capitalismo. Assim, é possível apreender não só o movimento de
circulação da mercadoria, mas o processo em sua interação social.
Algo muito apontado pela literatura que interpreta a obra de Marx é o
significado de totalidade. Não há dúvidas quanto à intenção de Marx em
estudar a totalidade, mesmo porque o processo de investigação aplicado por
ele é o dialético na perspectiva materialista. Acontece que, de modo geral, não
fica muito claro em seus textos o que ele entende por totalidade, e isso dá
margem a equívocos.
No entanto, segundo Harvey, é possível estabelecer um referencial para
a compreensão de totalidade em Marx. Trata-se do tripé constituído pelos
conceitos de valor de uso, valor de troca e valor, conceitos esses formados em
torno da noção de mercadoria:
Marx não tinha a menor ideia do que viria a ser o estruturalismo e menos ainda
o pós-estruturalismo. Devemos ter cuidado ao tratar do pensamento marxiano
à luz dessas categorias (a meu ver, ele não se encaixa nelas de modo
nenhum). Contudo, Marx certamente ambicionava entender o mundo capitalista
da produção como uma totalidade, de modo que a única questão que é
importante é exatamente que conceito de totalidade ele tinha em mente. O que
ficamos sabendo nesse item é que essa totalidade pode ser mais bem
apreendida por meio do triunvirato formado pelos conceitos de valor de uso,
valor de troca e valor, construídos em torno da mercadoria (HARVEY, 2013, p.
34).

A leitura de O Capital apresenta a dialética como conduta metodológica


no interior do texto, assim como no interior da sociedade analisada. Portanto,
há uma inter-relação entre a realidade social, o texto e a interpretação,
inter-relação que permite entender o movimento dialético no sentido de que ele
apreende as contradições sem excluir os opostos, mesmo porque o oposto é
parte do evento em análise:
Ele reconheceu, porém, que os valores de uso são incrivelmente diversos, os
valores de troca são acidentais e relativos e o valor tem (ou parece ter) uma
“objetividade fantasmagórica”, que está sujeita a perpétuas revoluções
impostas por mudanças tecnológicas e reviravoltas nas relações sociais e
naturais. Essa totalidade não é estática e fechada, mas fluida e aberta,
portanto em perpétua transformação (HARVEY, 2013, p. 34).

Por ser assim entendida, a dialética histórica ou materialista é, antes de


tudo, a própria prática reflexiva, mas uma prática intimamente vinculada ao
processo de elaboração da obra. Por conseguinte, o processo de
conhecimento, compreensão e interpretação da obra de Marx é ao mesmo
tempo o processo de aquisição do significado da dialética empregada por ele.
Marx elaborou uma obra extensa e diversificada, que compreende
estudos referentes a filosofia, história, política e economia e, de certa forma,
sociologia e antropologia. No entanto, é possível considerar as reflexões de
Marx como estudos de história. Isso porque suas principais conceituações,
definições e categorias permitem compreender e explicar movimentos dos
processos históricos promovidos pelos sistemas de produção bens.
Evidentemente, destacam-se em suas obras as análises críticas tanto políticas
quanto econômicas do sistema de produção capitalista
As concepções de Marx podem ser estudadas por meio da organização
social, isto é, pela forma como se configura determinada sociedade. Assim, de
imediato, é possível dizer que as relações sociais que se organizam numa
sociedade resultam das relações de produção estabelecidas. A organização
social no sistema capitalista de produção exige compreender que nesse
sistema as relações sociais resultam do estabelecido entre os proprietários dos
meios de produção (os capitalistas) e os não proprietários dos meios de
produção (os proletários).
Os meios de produção são os instrumentos necessários para produzir
mercadorias, como o maquinário e a matéria-prima. Sem esses meios, não há
como produzir bens. No entanto, os meios de produção sozinhos não realizam
absolutamente nada. É imperiosa a mão de obra, isto é, os que possuem não
os meios, mas a força de produção. Com isso, há um conflito permanente entre
as duas classes sociais formadas: de um lado, os interesses de lucro dos
detentores dos meios de produção (capitalistas); do outro, os interesses dos
proletários.
Ao expor as contradições inerentes ao sistema capitalista, Marx aponta a
luta de classes como fator fundante desse sistema. De uma maneira ou de
outra, o que acontece ao longo do processo de produção de mercadorias é a
luta (latente ou explícita) entre o capital e o trabalho. Segundo Marx, a luta de
classes, de modo direto, é a própria história da humanidade, no sentido de que
o trabalho efetivamente realizado é uma agregação de valor pela qual o
trabalhador não recebe – o que ele recebe em troca de suas atividades é o
salário, enquanto o capitalista recebe o lucro.
Portanto, a remuneração do trabalhador não inclui o trabalho que ele
realiza. O valor é efetivamente o tempo de trabalho socialmente necessário. O
tempo passa a ser fundamental para o capitalismo. Desse modo, o tempo de
jornada do trabalhador e mesmo o tempo em seu conceito mais amplo são
apropriados de tal maneira que se torna essencial conhecer essa categoria
para entender o funcionamento do capitalismo. Assim, não é sem motivo que O
Capital dedica boa parte de suas análises ao significado da jornada de
trabalho, visto ser ela importante para compreender tanto o valor de uso quanto
o valor de troca.
A análise de Marx da organização social capitalista considera
precisamente os interesses antagônicos na sociedade, ora latentes, ora
manifestos, porém sempre presentes. O choque dos interesses opostos gera
instabilidade, que é percebida nos momentos de efetiva crise do sistema,
particularmente nos momentos em que o capitalismo se vê em condições de
profunda ameaça de desmoronamento.
Nas tensões provocadas pela oposição entre o capital e o trabalho,
encontramos não só o que há de mais profundo nos estudos da economia, mas
também o que há de mais profundo na prática da política. Pela prática da
política, é possível destacar o significado do Estado como instituição social,
política e jurídica.
Na obra Manuscritos Econômico-Filosóficos, lemos:
Partimos dos pressupostos da economia nacional. Aceitamos sua linguagem e
suas leis. Supusemos a propriedade privada, a separação de trabalho, capital e
terra, igualmente de salário, lucro de capital e renda da terra, da mesma forma
que a divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troca etc. A
partir da própria economia nacional, com suas próprias palavras, constatamos
que o trabalhador baixa à condição de mercadoria e à de mais miserável
mercadoria, que a miséria do trabalhador põe-se em relação inversa à potência
[Macht] e à grandeza [Grösse] de sua produção, que o resultado necessário da
concorrência é a acumulação de capital em poucas mãos, portanto a mais
tremenda restauração do monopólio, que no fim a diferença entre o capitalista
e o rentista fundiário [Grundrentner] desaparece, assim como entre o agricultor
e o trabalhador em manufatura, e que, no final das contas, toda a sociedade
tem de decompor-se nas duas classes dos proprietários e dos trabalhadores
sem propriedade (MARX, 2010, p. 79).

Para compreender as obras de Marx, particularmente O Capital, é


crucial o conhecimento de algumas categorias, em meio às quais se destaca a
categoria trabalho. Ela é importante porque, entre outras coisas, é pelo trabalho
que a mercadoria produzida adquire valor, o qual é estudado por duas
vertentes: valor de uso e valor de troca. O valor-trabalho é gerado pela força de
trabalho aplicada, entendida como trabalho social.
O valor de uso refere-se à sobrevivência, ou seja, ao que é
essencial para a manutenção da vida, ao que é necessário consumir para
assegurar a existência. Por esse motivo, o valor de uso está intimamente ligado
à vida social. O valor de troca, por sua vez, é atribuído pela quantidade, ou
seja, é um valor relacionado ao momento da troca de mercadorias. As
mercadorias têm um valor pelo qual pagamos determinada quantia,
quantificada em forma de preço.
O significado dos valores de uso e de troca associa-se ao estudo da
forma como a mercadoria é produzida no capitalismo. Nesse processo de
produção, a mercadoria aparece tão somente como portadora de um valor de
uso, que atende a necessidades individuais ou coletivas. É preciso considerar,
porém, que ao valor de uso subjaz o valor de troca, isto é, há determinado valor
em quantidade que permite a circulação da mercadoria. Portanto, a força de
trabalho empregada na produção não é inteiramente paga, pois o salário não
corresponde exatamente ao valor de troca das mercadorias.
De fato, a força de trabalho também é uma mercadoria. Seu valor de
uso se mostra no momento em que o trabalhador exerce sua atividade. Já o
valor de troca do trabalho como mercadoria é calculado sobre aquilo que é
necessário para a sobrevivência do trabalhador. Ao considerar a força de
trabalho como mercadoria, Marx detém-se em dois fatores:
• Físico: O mínimo requerido para satisfazer as necessidades básicas, como
habitação, alimentação e saúde.
• Histórico: As necessidades que devem ser satisfeitas conforme a
circunstância histórica em que o operário está inserido.
O trabalho social é uma das principais categorias investigadas por Marx,
com o intuito de conhecer e interpretar o modo capitalista de produção. O
trabalho social permite analisar tanto o valor de uso quanto o valor de troca,
particularmente pelo significado do valor-trabalho, que é gerado pela força de
trabalho do proletariado.
Passemos agora à divisão do trabalho, por meio da qual se organizam
as inúmeras fases de produção dos bens necessários para a manutenção da
sociedade. A divisão do trabalho é estabelecida no sistema capitalista de um
modo que atenda aos interesses do capital, ficando à margem, segundo Marx,
os interesses do trabalhador.
Da divisão do trabalho assim considerada decorre o conflito nas relações
sociais de produção. Há uma tensão entre os trabalhadores remunerados pelo
salário e os capitalistas remunerados pelo lucro. As tensões verificadas no
capitalismo favorecem a base política presente na organização social. De
acordo com Marx, é aí que se estabelece a luta de classes, o conflito entre a
propriedade privada dos meios de produção e o proletário detentor da força de
trabalho.
Em todas as épocas, as sociedades sempre precisaram de bens para
sobreviver, para fazer frente à necessidade de alimentação, habitação, cuidado
com a saúde etc. Portanto, produzir bens é algo imperioso. O que ocorre no
sistema capitalista é que ele tem uma particularidade extremamente perversa:
além de aprofundar a exploração do homem pelo homem, como nos demais
processos produtivos, ele é um sistema que objetiva a acumulação.
Acumular remete à formação de duas condições: o acúmulo de
mercadorias, porque a produção delas é maior do que o necessário, e o
acúmulo de capital, porque a apropriação do lucro por parte do capital cresce
cada vez mais, propiciando uma profunda desigualdade social. A grande
diferença entre o capitalismo e os modos de produção anteriores é a dinâmica
centrada na produção do excedente – a produção é muito maior que a do
sistema feudal ou do escravocrata. Antes, havia tão somente uma preocupação
com a manutenção da sociedade; agora, há uma preocupação com a
sobrevivência do capital, isto é, do lucro.
Vejamos agora outro importante conceito presente na obra de Marx,
particularmente em O Capital: a mais-valia. Essa expressão refere-se à
diferença entre o que é pago pelo capital ao trabalhador e o que efetivamente o
trabalhador produziu. A concepção de mais-valia amplia consideravelmente o
significado do trabalho produtivo:
A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, ela é
essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador não produz para si, mas
para o capital. Por isso, não é mais suficiente que ele apenas produza. Ele tem
de produzir mais-valia. Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para
o capitalista, servindo assim à autoexpansão do capital (MARX, 1980, v. 2, p.
584).

A mais-valia pode ser absoluta ou relativa. A absoluta é obtida pelo


aumento das horas trabalhadas, ou seja, o trabalhador fica muito mais tempo
na produção, e, portanto, produz muito mais:
A produção da mais-valia absoluta se realiza com o prolongamento da jornada
de trabalho, além do ponto em que o trabalhador produz apenas um
equivalente ao valor de sua força de trabalho e com a apropriação pelo capital
desse trabalho excedente. Ela constitui o fundamento do sistema capitalista e o
ponto de partida da produção da mais-valia relativa (MARX, 1980, v. 2, p. 585).

A mais-valia relativa é o aumento da produção de mercadorias não com


o emprego de mais horas trabalhadas, mas com o emprego de tecnologia
(máquinas mais avançadas):
[A mais-valia relativa] pressupõe que a jornada de trabalho já esteja dividida
em duas partes: trabalho necessário e trabalho excedente. Para prolongar o
trabalho excedente, encurta-se o trabalho necessário com métodos que
permitem produzir em menos tempo o equivalente ao salário. A produção da
mais-valia absoluta gira exclusivamente em torno da duração da jornada de
trabalho; a produção da mais-valia relativa revoluciona totalmente os processos
técnicos de trabalho e as combinações sociais (MARX, 1980, v. 2, p. 585).
A questão da alienação é outro elemento de destaque nas análises de
Marx. Inicialmente, entende-se por esse termo a condição de estar alheio a
determinada situação ou condição. No modo de produção capitalista, a
alienação envolve, por um lado, a não participação do trabalhador no processo
total de produção das mercadorias e, por outro lado, a situação final do
processo, em que o trabalhador não é proprietário do que produziu.
Na produção, há uma fragmentação das atividades, uma divisão da
participação por especialidades. Com isso, o trabalhador perde, de modo
significativo, a dimensão do processo produtivo geral. Já no fim do processo
produtivo, o trabalhador que produziu e agregou valor à matéria-prima não é
proprietário da mercadoria, uma vez que ela pertence ao proprietário dos meios
de produção.
Segundo Marx, a alienação é inerente ao processo social que se
estabelece nas relações de trabalho do sistema capitalista:
O trabalhador sai sempre do processo como nele entrou, fonte pessoal da
riqueza, mas desprovido de todos os meios para realizá-la em seu proveito.
Uma vez que, antes de entrar no processo, aliena seu próprio trabalho, que se
torna propriedade do capitalista e se incorpora no capital, seu trabalho durante
o processo se materializa sempre em produtos alheios. Sendo o processo de
produção ao mesmo tempo processo de consumo da força de trabalho pelo
capitalista, o produto do trabalhador transforma-se continuamente não só em
mercadoria, mas em capital, em valor que suga a força criadora de valor, em
meios de subsistência que compram pessoas, em meios de produção que
utilizam os produtores (MARX, 1980, v. 2, p. 664).

Materialismo Histórico

Uma concepção inicialmente filosófica, e posteriormente antropológica e


sociológica, o materialismo histórico entende a construção do mundo pelas
práticas sociais, econômicas e políticas, pelas condições materiais
apresentadas em determinado momento histórico. Portanto, é a percepção do
mundo a partir de fundamentos essencialmente materiais – a história é
fundamentada na construção material das coisas.
Por materialismo, deve-se compreender uma concepção filosófica; por
histórico, uma doutrina ou teoria antropológica e sociológica.
Os primeiros pensadores do materialismo apareceram na Grécia – foi ali
que se iniciou de fato a reflexão filosófica, no sentido de explicação do mundo
social e natural pela razão, e não pelo mitológico ou pelo místico. Entre os
fundadores da concepção materialista na apreensão, explicação e
interpretação do mundo estão Leucipo, Demócrito e Epicuro. Nessa concepção
filosófica, destaca-se também o pensador romano Lucrécio. Vejamos
brevemente as ideias de cada um deles.
Leucipo (século V a.C.), nascido provavelmente em Mileto, é
considerado o filósofo pré-socrático fundador da concepção atomista. Para ele,
a matéria é formada e mantida por partículas invisíveis, os átomos. Daí a
denominação atomista. As partículas nada mais são do que o fundamento da
existência das coisas.
Demócrito (século V a.C.), um dos discípulos de Leucipo, reafirma que o
universo é formado e mantido exclusivamente por matéria, por átomos. Estes
são matrizes invisíveis da matéria e também indivisíveis, segundo o filósofo. A
ideia de partículas invisíveis e indivisíveis será a base para a concepção
científica de átomo elaborada séculos depois.
Tanto na perspectiva de Leucipo quanto na de Demócrito, o que se
apreende é que há apenas uma realidade e que ela só existe porque há uma
existência material anterior, o átomo. Este, ao se juntar com outros, forma a
matéria, tornando possível a realidade como é percebida pelos sentidos e pela
razão.
Epicuro (341 a.C.-270 a.C.) fundamenta a existência real das coisas do
mesmo modo que Leucipo e Demócrito, isto é, por meio da concepção atomista
de formação da matéria. No entanto, acrescenta um fator que muitos séculos
depois será confirmado pela física: a imprevisibilidade no movimento dos
átomos. Essa característica permite a existência de inúmeras formas materiais
nas coisas reais.
Lucrécio (94 a.C-51 a.C.) é o principal divulgador do pensamento
materialista de Epicuro e da concepção atomista de matéria. Ele parte da
invisibilidade dos átomos na formação e configuração da matéria para a
existência de outra invisibilidade, na vida de seres vivos. Esse acréscimo de
Lucrécio talvez seja a primeira alusão à existência de seres vivos invisíveis,
como os vírus e as bactérias.
No âmbito do marxismo, o materialismo histórico é um conjunto teórico
que, a partir das condições materiais da sociedade, entende as formas de
produção econômica como fundamentais para o desenvolvimento social e
político.

Materialismo Dialético

O materialismo dialético é uma concepção de ordem filosófica que


apreende a realidade – seja do mundo social, seja do mundo natural – pelas
contradições presentes nos fenômenos. Os contrários não são excludentes nas
análises feitas mediante essa concepção.
Na perspectiva do materialismo dialético, enfatizam-se as considerações
ontológicas no estudo das configurações sociais do sistema capitalista de
produção de bens. A ontologia, como visto, é a parte da filosofia que estuda a
existência do ser, isto é, a existência e a consistência de algo. Assim, falar da
ontologia do materialismo dialético significa referir-se à existência e à
consistência da própria história da humanidade como uma existência que
apresenta contradição em seu interior.
Tendo por parâmetro o significado ontológico do materialismo dialético,
pode-se dizer que a concepção dos modos de produção é a própria concepção
materialista da história. Isso porque a condição de produzir os bens materiais
de uma sociedade é determinada pela história dessa mesma sociedade.
A expressão materialismo dialético surgiu em decorrência das
inter-relações entre a história e a determinação material contraditória. Segundo
Outhwaite e Bottomore (1996), ela foi cunhada por Lênin e Plekhanov no
intenso ambiente da Revolução Russa, de 1917, e tinha como principal objetivo
identificar as características filosóficas do marxismo.
Lênin (1870-1924), um dos principais líderes da Revolução Russa,
examinou a estrutura e a dinâmica da economia russa tendo por referência as
obras de Marx e Engels. Plekhanov (1856-1918), estudioso da literatura
marxista, colaborou por um bom tempo com as iniciativas políticas de Lênin. No
entanto, desiludido com a atuação política desse líder, refugiou-se na Finlândia.

Três fatores permitem um aprofundamento no tema em estudo:


• O significado do materialismo dialético para os pensadores que seguiram a
concepção de Marx e Engels;
• O significado do materialismo dialético na perspectiva da epistemologia;
• O significado do materialismo dialético do ponto de vista do desenvolvimento.
Para os pensadores que desenvolveram sua análise da sociedade
capitalista aplicando as ideias marxistas, o materialismo dialético é entendido
como possibilidade de conhecimento do mundo, o que o distanciaria das
concepções filosóficas do agnosticismo e do ceticismo.
O agnosticismo vê o conhecimento sempre como possibilidade, nunca
como certeza. Se não há comprovação empírica, o melhor é manter-se distante
do que se entende por conhecimento. O ceticismo, por sua vez, defende a
impossibilidade do conhecimento, isto é, não há qualquer possibilidade de
conhecer o que quer que seja. Já o materialismo dialético não só se firma na
possibilidade de conhecimento como também apreende os contrários
presentes na configuração da sociedade.
Consideremos agora o significado do materialismo dialético na
perspectiva da epistemologia. Nesse campo, o conhecimento é estudado por
sua origem e por sua essência. Quanto à origem, as vertentes são:
• Racionalismo: O conhecimento se origina da razão.
• Empirismo: O conhecimento se origina da experiência.
Quanto à essência, as vertentes são:
• Idealismo: O conhecimento é exclusivamente originado pela ideia. É uma
concepção muito próxima do racionalismo.
• Realismo: O conhecimento só é possível pela apreensão da realidade como
ela se apresenta. É uma concepção muito próxima do empirismo.
A perspectiva epistemológica do materialismo dialético é, portanto, uma
continuação do primeiro fator. O conhecimento é possível e, por isso, a
aplicação metodológica da dialética materialista é mais que um instrumento
investigativo: é o entendimento da contradição permanente nas estruturas
sociais.
Com relação ao terceiro fator, o desenvolvimento, ele é assimilado mais
claramente pelas denominadas categorias dialéticas. A oposição, a
contradição, a qualidade, a quantidade etc. são apreendidas como categorias,
superando em muito o conceitual. Para melhor compreender o significado de
categoria, é importante conhecer o significado dos seguintes elementos:
particular, definição, conceito, universalidade, generalização e construto.
Particular é a denominação da menor fração possível de determinado
manifesto social; é a manifestação das características expressas pela
definição. Num processo investigativo, o papel da definição é separar o que
pertence do que não pertence ao objeto/fenômeno investigado, decompondo-o
em seus fatores estruturais, funcionais ou motivacionais. Por expressar o
particular, a definição localiza algo na diversidade e, ao mesmo tempo, o
congela e segmenta, realizando um corte na universalidade, especificando o
objeto/fenômeno.
A definição também se relaciona com o conceito. Numa investigação, o
conceito tem por fim apreender as características mais gerais. Portanto, capta
mais que a definição pelo simples fato de expor marcas mais abrangentes. Ao
se deslocar da definição para o conceito, é possível recorrer à abstração ou à
experiência empírica do objeto/fenômeno.
Se a opção for pela abstração, alcança-se a universalidade, que é
própria da reflexão filosófica. Se a opção for pela experiência empírica,
alcança-se a generalização, que caracteriza o conhecimento científico. Em
outras palavras, as ciências sociais ou da natureza atingem a generalização
dos fenômenos/ objetos, enquanto a filosofia atinge a universalização.
Por construto compreende-se a apreensão de determinado
fenômeno/objeto, mas uma apreensão que não permite ainda um
conhecimento suficiente para conceituar ou definir. Portanto, construto é um
conceito em elaboração.
A categoria é um instrumento de raciocínio para classificar as diversas
ideias sobre determinado fenômeno/objeto em determinado sistema de
investigação. Há inúmeras construções de categorias ao longo da história da
filosofia. No entanto, nenhuma superou em extensão e profundidade as
categorias elaboradas por Aristóteles: substância, quantidade, qualidade,
relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e paixão.
Depois desse detalhamento, podemos considerar que a concepção de
desenvolvimento do materialismo dialético se distingue da de outros métodos
empregados para investigar a sociedade. A dialética materialista não se
restringe à particularidade ou à definição. Antes, utiliza uma série de categorias
para alcançar a universalização do fenômeno/objeto investigado.
Vejamos um exemplo do distanciamento atingido pela dialética
materialista. Ao estudar a economia de determinada sociedade, pode-se muito
bem investigar a produção de mercadorias. Um estudo que apreende somente
a definição e a generalização aborda a produção unicamente do ponto de vista
do custo e do preço. Já na análise dialética materialista, como efetuada por
Marx e por pensadores marxistas, o estudo da mercadoria aborda todo o
sistema de produção capitalista e, mais do que isso, o significado da existência
humana nesse sistema de produção de bens.
Portanto, a reflexão materialista dialética alcança o conhecimento e a
interpretação de que há um desenvolvimento não uniforme e não linear na
história da humanidade. Podem ocorrer retrocessos, assim como saltos
qualitativos ou quantitativos.
A dialética assim entendida é a compreensão do pensamento como um
processo de raciocínio que põe na mesma esfera de reflexão tanto a análise
quanto a síntese e a crítica. Por essa inclusão numa única esfera de reflexão, a
dialética materialista aceita a contradição, os contrários, não havendo exclusão
de fatores ou variáveis na investigação que se realiza.

Ideologia

De modo geral, não é possível desenvolver um estudo do marxismo sem


abordar o significado de ideologia. Esse conceito é essencial tanto nos escritos
de Marx quanto nos de todos os pensadores que buscaram compreender e
interpretar o pensamento de Marx e Engels. A necessidade de apreender o que
vem a ser ideologia decorre, particularmente, do fato de que se pode
interpretá-la como uma falsa consciência de classe social.
Não há uma definição única do que vem a ser ideologia. Tal ausência de
uniformidade deve ser sempre considerada, mesmo nos estudos que analisam
os escritos de Marx. Apesar de a ideologia ser um tema importante nos estudos
da sociologia, não houve por parte dos primeiros sociólogos a preocupação de
determinar o que entendiam por esse termo. Provavelmente, é esse o motivo
pelo qual não há uniformização conceitual ou de definições. Portanto, o recurso
que cabe na análise do significado de ideologia é buscar na história onde e
como esse conceito surgiu e se desenvolveu.
A ideologia se origina no século XIX, nos estudos elaborados por Destutt
de Tracy, cujo objetivo era examinar as ideias, ou melhor, as percepções das
quais resultavam as ideias. Destutt de Tracy entendia que todas as ideias, e
por conseguinte todas as manifestações mentais, tinham como fonte a
fisiologia. Desse modo, estudar a ideologia era estudar a origem das ideias a
partir das pesquisas fisiológicas. A ideologia pretendia ser uma ciência à parte
das demais, a ciência das ideias.
Historicamente, os estudos de Destutt de Tracy foram muito bem
recebidos, particularmente pelo interesse dos políticos em compreender e
interpretar as ideias. Napoleão Bonaparte foi um dos grandes incentivadores do
desenvolvimento da ideologia. No entanto, com o tempo, ele entendeu que
esses estudos podiam perturbar as práticas políticas e os proibiu. Segundo
Napoleão, estaria havendo uma manipulação da realidade, prejudicando-se a
verdadeira percepção das pessoas do que ocorria na França. Assim, o termo
ideologia passou a significar algo desastroso, algo manipulado e, mais do que
isso, algo que podia ser imposto sobre a realidade mesma, distorcendo-a.
A ideologia como falsa percepção passou também a ser entendida como
falsa consciência da realidade social e política. Todos os pensadores do século
XIX utilizaram a palavra ideologia como falsidade da realidade. De modo geral,
a ideologia, assim compreendida, foi muito usada para falsear e para reputar
como péssima prática política. A falsa consciência é considerada a percepção
distorcida que as pessoas têm das interações socioculturais. Evidentemente, a
distorção é produzida por quem manipula as ideias. É por tal manipulação que
ocorre a falsa percepção, que, no entanto, é vista como verdadeira.
Na perspectiva marxista, em oposição direta à ideologia burguesa,
encontram-se as concepções e percepções do proletariado, que desde o início
estariam marcadas pelo conflito e pela exposição da verdade. Há, portanto,
duas grandes percepções da realidade, ou melhor, duas ideologias: a ideologia
dos dominantes e a ideologia dos dominados. A ideologia dos dominantes vai
aos poucos escondendo ou mesmo substituindo a realidade social e política, de
modo que a percepção dos fatos torna-se mais importante que os próprios
fatos. Por essa percepção distorcida é que ocorre a discussão política
influenciada por distorções econômicas.
A ideologia é um importante instrumento político de dominação, pois
apresenta uma realidade muito distante da que efetivamente existe nas
interações sociais. Pode-se mesmo falar na construção de uma imagem da
realidade que em nada corresponde efetivamente ao real concreto dos fatos. A
ideologia não é somente uma percepção de ideias, mas é fundamentalmente o
parâmetro para a elaboração da produção material concreta, como as normas
sociais e jurídicas e a produção cultural. Como um conjunto de ideias que
perpassa determinada configuração social, a ideologia desempenha funções
significativas, como a manipulação da cultura e da realidade política. Envolve
ainda artifícios que organizam as instituições sociais, inclusive o Estado.
Outro aspecto relevante é que ela pode ser entendida como crenças
sociais. Todo o caráter subjetivo das crenças não impede que as pessoas
tenham uma percepção objetiva e entendam como verdade comprovada o que
está posto como crença, independentemente de a comprovação ser falsa ou
verdadeira. Vale notar, porém, que ideologia é algo distinto de crença:
enquanto a ideologia é bastante rígida, as crenças são bastante plásticas.
A crença é algo que, mesmo resistente, é mais flexível, pois depende
não de uma convicção de verdade, mas de uma convicção de posicionamento,
de apreender e interpretar a partir de valores; se os valores mudam, a crença
muda. A crença, portanto, está na esfera do que é sentido, do que efetivamente
existe. A ideologia, por sua vez, está no campo do conveniente, do interesse,
da defesa disto ou daquilo independentemente da realidade.

Tipos de ideologia

As concepções de Destutt e Marx apontam dois tipos de ideologia:

● Ideologia neutra Trata-se da versão clássica do termo ideologia,


concebida por Destutt de Tracy, um pensador que rejeitava as concepções
espirituais e invisíveis como explicativas do pensamento. Ele era adepto
da corrente materialista, que atribui as ideias e ações humanas somente a
causas naturais e materiais. Primava pelo conhecimento científico baseado
na observação e era contrário a uma educação religiosa.

Com base nessas referências, podemos entender melhor sua concepção de


ideologia como uma ciência natural, em que as ideias seriam apreendidas de
sua relação direta com o mundo físico, a moral seria forjada não no espírito,
mas nas necessidades, e os desejos humanos poderiam ser cientificamente
conhecidos e controlados.

● Ideologia crítica Concebida por Karl Marx em contraposição aos ideólogos


alemães, trata-se de uma designação negativa do termo, atribuindo a ele
uma dissociação proposital entre a realidade e as ideias, promovida por
uma classe burguesa como forma de obnubilar a apreensão da realidade
pelos trabalhadores com o intuito de explorá-los.

Função da ideologia

De acordo com Marx, as ideologias surgem por meio de relações


sociais, econômicas e políticas, em contextos de ideias conflitantes, de
contradições e contrastes sociais manifestos em desigualdade de recursos, de
direitos, de acesso a bens e serviços. Portanto, as ideologias podem ter
por finalidade naturalizar conflitos para que eles sejam considerados
aceitáveis, na tentativa de normalizar, justificar, amenizar e mesmo ocultar as
tensões sociais.
Assim elas contribuem para a manutenção e reprodução de
determinado arranjo social, possibilitando que aqueles que, de alguma forma,
são prejudicados e poderiam insurgir-se contra ele enxerguem-no como bom
ou como impossível de ser modificado.

Ideologia para Karl Marx

Karl Marx, um dos três principais autores da sociologia clássica (junto a Èmile
Durkheim e Max Weber), elaborou uma definição peculiar de ideologia. Em
seu livro A ideologia alemã, lançado em 1846, Marx aponta a ideologia como
uma falsa consciência da realidade. Para ele, ela é um instrumento de
ocultamento da realidade utilizado pela classe dirigente para sobrepor-se às
demais classes com a aquiescência delas.

O monopólio da produção intelectual e cultural pela classe


dominante permitiu que ela manipulasse, a seu favor, a valoração dos fatos de
maneira sistemática, assim, as suas ideias prevaleceram e foram interiorizadas
pelos demais, ainda que para eles colocá-las em prática não representasse os
mesmos benefícios.

Por exemplo, numa sociedade capitalista com uma classe dirigente


burguesa, as ideias dessa elite política e econômica sobre jornada de trabalho,
salários e produtividade são também assimiladas por boa parte dos
trabalhadores, que serão, em alguma medida, prejudicados por elas. Assim, a
ideologia seria uma legitimadora de desigualdades e da dominação de um
pequeno grupo sobre grandes populações.

Em síntese, para Marx, a ideologia é a percepção da realidade com base


em uma perspectiva sobre ela que vem da classe que tem o monopólio dos
meios de produção material e intelectual. A ideologia restringe a compreensão
da realidade a uma única visão dos fatos, ou seja, toma um recorte da
realidade como se fosse a sua totalidade.

Como parte desse mecanismo da classe burguesa de alienar os


trabalhadores quanto à sua própria realidade, Marx identifica um processo que
ele conceitua como fetichismo, isto é, a dissociação entre a mercadoria e a
forma como ela foi produzida.

Assim, as pessoas vão às prateleiras sem saber como aqueles produtos


chegaram ali. Outro mecanismo de alienação conceituado por Marx é
a separação entre o trabalhador e os meios de produção. O
desmembramento nas etapas do processo de fabricação de um bem contribui
para que o operário não enxergue seu trabalho no produto final e não perceba
como e quanto ele contribuiu nessa cadeia de produção.

A fragmentação e especialização do processo produtivo e as


jornadas exaustivas e precárias condições de trabalho (realidade do século
XIX, quando o autor construiu sua teoria) contribuíram para que a percepção
da realidade ficasse confusa e limitada, fácil, portanto, de ser manipulada pelos
donos dos meios de produção, que, aliados ao Estado, difundiram a todos as
suas ideias que legitimavam essa situação e permitiam que ela continuasse.
Como Marx propôs solucionar esse problema? Para ele, o caminho seria
o proletariado tomar consciência de si, o que ele denomina consciência de
classe, compreender sua posição no processo e suas diferenças em relação à
burguesia. Essa percepção de pertencimento permitiria ao proletariado
organizar-se e fazer uma revolução proletária, que teria como ponto de
partida o socialismo e como resultado final o comunismo.

Para que serve a ideologia?


Partindo da concepção clássica proposta por Destutt de Tracy, a
ideologia serviria para compreender e organizar historicamente o conjunto de
ideias formuladas pela sociedade. Para a vertente crítica, a ideologia serviria
para manter a aparente veracidade de um discurso falso, com a finalidade de
manter uma estrutura de dominação sobre as pessoas ou de tornar uma ideia
falsa ou pequena como hegemônica.

Podemos exemplificar com alguns casos para tornar a compreensão da


ideologia mais fácil:

Meritocracia: no sistema capitalista liberal, marcado pela desigualdade


de classes e pela dominação de uma classe social mais forte, criou-se uma
ideologia do mérito. Nesse sistema, acredita-se que o esforço individual é que
faz a desigualdade. Quem estuda mais, trabalha mais e possui qualidades
administrativas mais desenvolvidas consegue sobrepor-se economicamente.
Consequentemente, as camadas mais pobres seriam compostas por pessoas
que não merecem a riqueza por não terem se esforçado o bastante para
conseguir a riqueza ou por não saberem administrar o dinheiro.
Ideologia de gênero: a partir do século XX, começou-se a discutir mais
sobre as questões de gênero em razão do impulso dado pelos movimentos
feministas à discussão do papel da mulher na sociedade. Com isso, passou-se
a se discutir o que é ser mulher e o que é ser homem, e algumas teorias
chegaram à conclusão de que ser homem e ser mulher não está vinculado ao
sexo biológico, mas, sim, a uma questão de papéis sociais e culturais. Isso se
tornou uma legitimação para pessoas transsexuais se assumirem enquanto
pertencentes a um gênero oposto. Como modo de desqualificar essas teorias,
setores conservadores da sociedade, chamaram as teorias de gênero de
“ideologia de gênero”, conseguindo, assim, desqualificar o discurso de gênero
como um discurso falso no âmbito da linguagem. É preciso deixar claro que
uma pessoa que concorda com as teorias de gênero nunca deve usar a
expressão “ideologia de gênero”, pois isso significa automática reprovação do
discurso sobre o gênero."

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