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GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.

Foram as ordens, vieram os homens. De sua pró pria vontade alguns, aliciados pela promessa de
bom salá rio, por gosto de aventura outros, por desprendimento de afetos também, à força quase
todos. Deitava-se o pregã o nas praças, e, sendo escasso o nú mero de voluntá rios, ia o corregedor
pelas ruas, acompanhado dos quadrilheiros1, entrava nas casas, empurrava os cancelos dos quintais,
5 saía ao campo a ver onde se escondiam os relapsos, ao fim do dia juntava dez, vinte, trinta homens,
e quando eram mais que os carcereiros atavam-nos com cordas, variando o modo, ora presos pela
cintura uns aos outros, ora com improvisada pescoceira, ora ligados pelos tornozelos, como galés ou
escravos. Em todos os lugares se repetia a cena, Por ordem de sua majestade, vais trabalhar na obra
do convento de Mafra, e se o corregedor era zeloso, tanto fazia que estivesse o requisitado na força
10 da vida como já lhe escorregasse o rabo da tripeça 2, ou pouco mais fosse que menino. Recusava-se
um homem primeiro, fazia mençã o de escapar, apresentava pretextos, a mulher no fim do tempo, a
mã e velha, um rancho de filhos, a parede em meio, a arca por confortar, o alqueive 3 necessá rio, e se
começava a dizer as suas razõ es nã o as acabava, deitavam-lhe a mã o os quadrilheiros, batiam-lhe se
resistia, muitos eram metidos ao caminho a sangrar.
15 Corriam as mulheres, choravam, e as crianças acresciam o alarido, era como se andassem os
corregedores a prender para a tropa ou para a Índia. Reunidos na praça de Celorico da Beira, ou de
Tomar, ou em Leiria, em Vila Pouca ou Vila Muita na aldeia sem mais nome que saberem-no os
moradores de lá , nas terras da raia ou da borda do mar, ao redor dos pelourinhos, no adro das
igrejas, em Santarém e Beja, em Faro e Portimã o, em Portalegre e Setú bal, em É vora e Montemor,
20 nas montanhas e na planície, e em Viseu e Guarda, em Bragança e Vila Real, em Miranda, Chaves e
Amarante, em Vianas e Pó voas, em todos os lugares aonde pô de chegar a justiça de sua majestade,
os homens, atados como reses4, folgados apenas quanto bastasse para nã o se atropelarem, viam as
mulheres e os filhos implorando o corregedor, procurando subornar os quadrilheiros com alguns
ovos, uma galinha, míseros expedientes que de nada serviam, pois a moeda com que el-rei de
25 Portugal cobra os seus tributos é o ouro, é a esmeralda, é o diamante, é a pimenta e a canela, é o
marfim e o tabaco, é o açú car e a sucupira 5, lá grimas nã o correm na alfâ ndega. E se para isso
tiveram tempo, quadrilheiros houve que se gozaram das mulheres dos presos, que a tanto se
sujeitaram as pobres para nã o perder os seus maridos, porém desesperadas os viam depois partir,
enquanto os aproveitadores se riam delas, Maldito sejas até à quinta geraçã o, de lepra se te cubra o
30 corpo todo, puta vejas a tua mã e, puta a tua mulher, puta a tua filha, empalado sejas do cu até à
boca, maldito, maldito, maldito. Já vai andando a récua 6 dos homens de Arganil, acompanham-nos
até fora da vila as infelizes, que vã o clamando, qual em cabelo, ó doce e amado esposo, e outra
protestando, ó filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice
minha, nã o se acabavam as lamentaçõ es, tanto que os montes de mais perto respondiam, quase
35 movidos de alta piedade, enfim já os levados se afastam, vã o sumir-se na volta do caminho, rasos de
lá grimas os olhos, em bagadas caindo aos mais sensíveis e entã o uma grande voz se levanta, é um
labrego de tanta idade já que o nã o quiseram, e grita subido a um valado que é pú lpito de rú sticos, Ó
gló ria de mandar, ó vã cobiça, ó rei infame, ó pá tria sem justiça, e tendo assim clamado, veio dar-lhe
o quadrilheiro uma cacetada na cabeça, que ali mesmo o deixou por morto.

José Saramago, Memorial do convento, 53ª ed., Lisboa, Editorial Caminho, 2013, cap. XXI, pp. 400-402.
__________
1
Soldados que faziam a ronda das ruas. 2 Ter idade avançada. 3 Terra que se lavra e se deixa em pousio, para que descanse. 4 Animais
quadrúpedes. 5 Árvore leguminosa do Brasil. 6 Fileira de bestas de carga.

1
1. Demonstre de que forma este excerto espelha a prepotência e a megalomania do rei D. João V,
contextualizando-o na estrutura da obra.

2. Justifique a relação de intertextualidade estabelecida com o episódio do “Velho do Restelo” de


Os Lusíadas.

3. Explicite a importância da personagem povo em Memorial do convento.

Leia o excerto seguinte do capítulo 148 da Crónica de D. João I. Se necessário, consulte as notas.

Das tribulações que Lixboa padecia per mingua de mantiimentos

Na cidade nom havia triigo pera vender, e se o havia, era mui pouco e tam caro que as pobres
gentes nom podiam chegar a ele; ca1 valia o alqueire quatro livras; e o alqueire do milho quarenta
soldos; e a canada2 do vinho tres e quatro livras; e padeciam mui apertadamente, ca dia havia i que,
ainda que dessem por uũ pam ũ a dobra, que o nom achariam a vender; e começarom de comer pam
5 de bagaço d’azeitona, e dos queijos3 das malvas e raizes d’ervas, e doutras desacostumadas cousas,
pouco amigas da natureza; e taes i havia que se mantiinham em alféloa4. No logar u5 costumavom
vender o triigo, andavom homẽes e moços esgaravatando a terra; e se achavom alguũ s grã os de
triigo, metiam-nos na boca sem teendo outro mantimento; outros se fartavom d’ervas, e beviam
tanta agua, que achavom mortos homeẽs e cachopos jazer inchados nas praças e em outros logares.
10 Das carnes, isso meesmo, havia em ela grande mingua 6; e se alguũ s criavom porcos, mantiinham-
se em eles7; e pequena posta de porco, valia cinco e seis livras, que era ũ a dobra castelã a; e a galinha
quareenta soldos; e a duzia dos ovos, doze soldos; e se almogá veres 8 tragiam alguũ s bois, valia cada
uũ sateenta livras, que eram catorze dobras cruzadas, valendo entom a dobra cinco e seis livras; e a
cabeça e as tripas, ũ a dobra; assi que os pobres per mingua de dinheiro, nom comiam carne e
15 padeciam mal; e começarom de comer as carnes das bestas, e nom soomente os pobres e
minguados, mas grandes pessoas da cidade, lazerando 9, nom sabiam que fazer; e os geestos
mudados com fame10, bem mostravom seus encubertos padecimentos. Andavom os moços de tres e
de quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos, como lhes ensinavam suas madres, e
muitos nom tiinham outra cousa que lhe dar senom lagrimas que com eles choravom que era triste
20 cousa de veer; e se lhes davom tamanho pam come ũ a noz, haviam-no por grande bem. Desfalecia o
leite aaquelas que tiinham crianças a seus peitos per mingua de mantiimento; e veendo lazerar seus
filhos a que acorrer nom podiam, choravom ameú de sobr’eles a morte ante que os a morte privasse
da vida. Muitos esguardavom as prezes 11 alheas com chorosos olhos, por comprir o que a piedade
manda, e nom teendo de que lhes acorrer, caíam em dobrada tristeza.
25 Toda a cidade era dada a nojo 12, chea de mezquinhas querelas, sem neuũ prazer que i houvesse:
uũ s com gram mingua do que padeciam; outros havendo doo dos atribulados; e isto nom sem
razom, ca se é triste e mezquinho o coraçom cuidoso 13 nas cousas contrairas que lhe aviinr podem,
veede que fariam aqueles que as continuadamente tam presentes tinham? Pero 14 com todo esto,
quando repicavom, neuũ nom mostrava que era faminto, mas forte e rijo contra seus ẽmigos15.

Fernã o Lopes, in Teresa Amado (apresentaçã o crítica), Crónica de D. João I de Fernão Lopes
(textos escolhidos), ed. Revista, Lisboa, Editorial Comunicaçã o, 1992, cap. 148.

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1
porque. 2 Antiga medida para líquidos. 3 bolbos. 4 melaço cristalizado. 5 onde. 6 falta. 7 viviam deles (dos porcos). 8 negociantes de gado.
9
passando fome. 10 fome. 11 preces. 12 tristeza, aborrecimento. 13 preocupado. 14 contudo. 15 Inimigos.

4. Faça a contextualização deste excerto na estrutura da obra.

5. Demonstre de que forma o excerto evidencia a consciência coletiva do povo.

2
GRUPO II

Responda às questões. Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.

Leia o texto.

Ser português

Nunca fomos coletivamente capazes de fazer deste pequeno país à beira-mar plantado o oá sis de
prosperidade que os poetas afirmaram sermos; mas somos o povo que vem de longe e continua cá .
Mas quem sã o os portugueses? O que sã o, como sã o, quem sã o?
Quem somos?
5 Portugal dos mitos, das tradiçõ es laboriosamente inventadas (na asserçã o clá ssica de Eric
Hobsbawm), raízes identitá rias ancoradas em passados sem má cula. Uma fortíssima invençã o, aliá s,
com Afonso Henriques e Camõ es e Gama, um país de heró is, que o arrancaram à atraçã o centrípeta1
de Castela e o libertaram da presença ameaçante dos “mouros” (como se o tivessem feito sozinhos),
uma imagem que se quis Universal porque escorada na imortal saga dos Descobrimentos. Raízes
10 (lusitanos), heró is (Dom Henrique), mitos (o Encoberto), feitos universais (as caravelas), um
Império (ultramar) e uma língua que é global. Que é a pá tria, como escreveu outro poeta.
E neste Portugal mirífico, Estado-naçã o “inventado”, perguntam-se os portugueses, que sã o
quem verdadeiramente interessa, o que falta cumprir para que se cumpra o essencial: a promessa
afinal tã o antiga, tã o profeticamente inevitá vel, do Quinto Império. Mas o Império que buscamos,
15 sejamos entre nó s sinceros e diretos, nã o é o de um novo poder territorial ou dominaçã o sobre
outros, mas antes a promessa de um país (pelo menos) pró spero e justo. Só isso: um país onde os
portugueses vivam com a tranquilidade de se saberem capazes de se alimentar e alimentar os seus;
em que o desemprego nã o seja mais do que uma figura da ciência econó mica e um espantalho do
passado; e no qual todos caibam, uns ricos outros remediados, sem fossos profundos a separá -los,
20 desigualdades que ameaçam rasgar o frá gil tecido social da naçã o.
Um país que nã o existe. Sejamos outra vez sinceros connosco pró prios: que nunca existiu. Os
portugueses, que sã o quem interessa, sabem ler para além dos mitos fundadores e sabem por isso
que Portugal, a nossa velha naçã o lusitana, foi quase sempre pobre; e que, quando cornucó pias2
ocasionais fizeram cair sobre o país especiarias orientais, ouro de minas gerais ou fundos
25 estruturais, foi sempre para alimentar vaidades de reis fracos, presunçõ es de elites besuntadas de
pó -de-arroz, pomposidades para estrangeiro ver, rotundas e viadutos escusados. Nunca
verdadeiramente para criar as estruturas indispensá veis ao desenvolvimento harmonioso e ao
bem-estar geral das pessoas – que sã o quem interessa.
Mas o mais extraordiná rio de tudo, o que gostaria de sublinhar hoje é a forma como esta gente,
30 os portugueses, as pessoas que verdadeiramente interessam, vivam dentro ou vivam fora, nasçam
cá ou morram lá , continuam a acreditar neste país de poetas. Da saudade que é a um tempo dor e
prazer. A acreditar no futuro de si pró prios. O mais extraordiná rio é o amor pela pá tria – o patrio-
tismo que salta das gargantas a qualquer pretexto e canta o orgulho de ser português.
Nunca fomos coletivamente capazes de fazer deste pequeno país à beira-mar plantado o oá sis de
35 prosperidade e equilíbrio que os poetas e os fazedores de mito, seja prometeram, seja (pior)
afirmaram sermos; mas somos o povo que vem de longe e continua cá , distante dos centros onde
convergem os cabedais e a fama, um povo (outra vez, porque é verdade) resiliente e teimoso, que
existe, resiste e persiste; temos direito a ter orgulho em nó s, em sermos portugueses, sem nunca
esquecer o que está por fazer e que é muito.

Paulo de Almeida Sande, in Observador, ediçã o online de 16 de junho de 2016,


(consultado em dezembro de 2016, com supressõ es).

____________
1
Fontes de abundâ ncia.
2
Que procura o centro.

3
1. Segundo o autor do texto,
(A) o povo português não defraudou as expectativas dos poetas.
(B) a imagem que o povo português traçou da sua história é exagerada.
(C) o povo português acredita estar a viver a idade do Quinto Império.
(D) o povo português vive numa situação de pobreza nunca antes observada.

2. Na opinião de Paulo Almeida Sande,


(A) o país nunca soube investir devidamente os seus recursos financeiros.
(B) apesar da existência de reis vaidosos e caprichosos, era feita uma boa gestão dos bens públicos do
país.
(C) o investimento em redes viárias era indispensável para o desenvolvimento harmonioso da nação
portuguesa.
(D) Portugal oferece boas oportunidades para quem vive no país e para quem o visita.

3. Para o autor do texto,


(A) Portugal nunca será o oásis de prosperidade e de equilíbrio que os poetas e os fazedores de mito
prometeram.
(B) o povo português é orgulhoso.
(C) os portugueses devem ser patriotas mas, simultaneamente, ter consciência das imperfeições do
país.
(D) é um mito que o povo português seja resiliente e teimoso.

4. Na frase “Nunca fomos coletivamente capazes de fazer deste pequeno país à beira-mar plantado o
oásis de prosperidade que os poetas afirmaram sermos” (ll. 1-2) estão presentes deíticos
(A) espaciais, temporais e pessoais. (C) pessoais e espaciais.
(B) pessoais e temporais. (D) espaciais e temporais.

5. A oração presente em “o que falta cumprir” (l. 13) classifica-se como subordinada
(A) adjetiva relativa restritiva.
(B) substantiva completiva.
(C) adverbial causal.
(D) adverbial concessiva.

6. O tipo de intertextualidade verificado em “o que falta cumprir para que se cumpra o essencial” (l. 13) é
(A) citação.
(B) paródia.
(C) alusão.
(D) plágio.

7. A sequência textual que predomina no texto é


(A) narrativa.
(B) descritiva.
(C) dialogal.
(D) argumentativa.

8. Sabendo que “povo” (l. 2) provém do latim POPULU-, indique duas outras palavras que integrem o
mesmo étimo.

9. Classifique as palavras “mácula” (l. 6) e mancha quanto ao étimo de que provêm, sabendo que o
termo latino macula- os originou.

10. Refira a relação temporal que se estabelece entre o enunciado seguinte e o ponto de referência
textualmente criado: “E neste Portugal mirífico, Estado-nação “inventado”, perguntam-se os
portugueses, que são quem verdadeiramente interessa, o que falta cumprir para que se cumpra o
essencial”. (ll. 12-13).

4
GRUPO III

Faça uma apreciação crítica, de 150 a 200 palavras, da imagem apresentada, atendendo aos
seguintes aspetos, que deve previamente planificar:

– descrição sucinta da imagem;


– simbologia das personagens;
– intencionalidade;
– relação da imagem com Memorial do convento;
– comentário valorativo.

Caricatura do Zé povinho

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